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CONTEÚDO

Prefácio da Edição Brasileira


PARTE I: ENTENDIMENTO MÚTUO
DA RELIGIÃO DO OUTRO
Capítulo I: A Necessidade de
Flexibilidade e Abertura Mental
Capítulo II: O que é necessário na
Religião?
Capítulo III: Fé, Autoajuda &
Karma
Capítulo IV: Cristianismo &
Sabedoria
Sumário da Parte I
PARTE II: PAI, FILHO E ESPÍRITO
SANTO
Capítulo V: O que é Deus?
Capítulo VI: O Deus da Linguagem
Comum
Capítulo VII: Deus, o Filho
PARTE III: REDENÇÃO E
REALIZAÇÃO
Capítulo VIII: Redenção &
Consumação
Sobre o Autor
Agradecimento
Outros Títulos de Edições Nalanda
Glossário de Termos Pāli
Ensinamentos de
Cristo

Ensinamentos de
Buddha
Ajahn Buddhadasa

Edições Nalanda, 2015


Belo Horizonte
Copyright © 1967, Dhammadāna Mulanidhi, c/o Suan
Mokkh, Ampoe Chaiya, Surat Thani 84110, Thailand

Copyright © da tradução brasileira 2015, Ricardo


Sasaki. Direitos de publicação em língua portuguesa
cedidos a Edições Nalanda.

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Editor Geral: Ricardo Sasaki


Capa: André Britto
Outros Títulos de Edições Nalanda

A Causa do Sofrimento na perspectiva


buddhista

Joias Raras do ensinamento buddhista

Amando e Morrendo: Uma visão


buddhista sobre a morte
Pensando o Buddhismo: Uma reflexão
sobre as nobres verdades
Passo a Passo: Meditações sobre a
sabedoria e a compaixão
Céu Azul Verde Mar: Noções sobre o
Buddhismo Coreano
Ensinamentos de Cristo, Ensinamentos
de Buddha

Integrando Estudo e Prática: (Revista


Sati #1)
As Contribuições das Mulheres para o
Buddhismo: (Revista Sati #2)

O Esqueleto de uma Filosofia da


Religião: A Filosofia Japonesa encontra
o Ocidente

Shinran: Sua Vida e Pensamento


Prefácio da Edição Brasileira

Em 1967, Buddhadasa Bhikkhu, um dos


maiores nomes do mundo buddhista na
Tailândia, foi convidado para dar três
palestras no Seminário Teológico
Tailandês a convite do Sinclaire
Thompson Memorial Lectures, uma
iniciativa criada por amigos e
associados de Sinclaire Thompson a fim
de homenageá-lo. Thompson, ele mesmo
um cristão, tinha um grande interesse no
entendimento e no diálogo entre as
religiões, tanto quanto tal diálogo fosse
feito de maneira profunda, respeitosa e
almejando a paz e a felicidade das
pessoas e da sociedade. Com a morte de
Thompson em 1963, a série anual de
palestras foi iniciada, e Buddhadasa
Bhikkhu foi a personagem central do
quinto ano.
Tendo três dias para explorar o tema do
diálogo inter-religioso da maneira que
desejasse, Ajahn Buddhadasa escolheu
uma abordagem ousada e desafiadora.
Ao invés de falar amenidades e
comparar pontos óbvios de
semelhanças, como a presença de uma
doutrina de sabedoria ou da prática do
amor e da compaixão, o grande mestre
tailandês resolveu aplicar ao diálogo
‘Cristianismo e Buddhismo’ uma
ferramenta interpretativa que ele já
empregava, de modo igualmente
revolucionário, às suas interpretações
das doutrinas buddhistas. Segundo ele, o
texto religioso contém em si dois tipos
de linguagem, uma primeira linguagem
popular que todas as pessoas conseguem
facilmente entender, e uma segunda
linguagem que se revela apenas a quem
busca entender mais profundamente a
verdade das coisas. A essa segunda
linguagem ele chamou de linguagem do
Dhamma. Dhamma, ou em sua forma
sânscrita mais conhecida no Ocidente,
Dharma, é uma palavra difícil de ser
traduzida. Num sentido restrito se refere
aos ensinamentos do Buddha, mas num
sentido amplo, aquele utilizado pelo
autor aqui, significa a verdade profunda
de todas as coisas.
Para Ajahn Buddhadasa, tanto quanto
ficarmos limitados à linguagem popular,
não teremos chance de realmente
empreender um diálogo inter-religioso
profundo; não haverá chance de paz e
mútuo entendimento. Utilizando da
chave interpretativa da linguagem do
Dhamma, que está presente de forma
velada em todos os textos religiosos, é
possível alcançar uma harmonia de
visão. Buddhadasa resolve aplicar isso
ao próprio texto cristão. De maneira
inovadora e ousada, ele toma passagens
bíblicas, tanto do Velho quanto do Novo
Testamento, e revela como tais
passagens, frequentemente difíceis de
serem entendidas mesmo pelos cristãos,
podem ser traduzidas para um
ensinamento profundo e, ao mesmo
tempo, claro, quando utilizamos a chave
da linguagem do Dhamma.
Em sua primeira palestra, dividida em
quatro partes, Buddhadasa introduz as
duas linguagens e pede à audiência para
ter uma abertura mental a fim de ouvir
sobre essa nova ferramenta
interpretativa, fundamental quando se
almeja um diálogo frutificante. Em
nenhum momento ele quer convencer
ninguém. Ele não é apologético em
relação ao Buddhismo, e expressa
claramente que se alguém entender do
modo mais profundo sua própria
religião não será preciso adotar uma
outra. Nessa primeira palestra ele
discute sobre os tipos de religião, qual é
seu objetivo último, o que é necessário e
o que não é necessário, e mostra
explicações sobre o karma (o
ensinamento sobre a ação e seus
resultados) que poderão surpreender
tanto cristãos quanto buddhistas.
O segundo dia de palestra é dedicado à
Trindade Cristã - o Pai, o Filho e o
Espírito Santo - vista a partir da
linguagem do Dhamma. Creio que raros
foram os buddhistas que já tentaram
falar sobre esse tema. Ele indica as
dificuldades que encontramos quando
tentamos interpretar a Bíblia tendo
apenas o instrumento da linguagem
literal, e como diversas passagens do
texto cristão se abrem quando usamos a
linguagem do Dhamma.
A terceira e última palestra versa
também sobre a conclusão e a finalidade
do Cristianismo e do Buddhismo. Ajahn
Buddhadasa discute sobre Salvação,
Libertação, Reino de Deus e Nibbāna
(skr. Nirvāna), indicando os objetivos
superiores do caminho espiritual. Muito
de sua abordagem foca no papel do
egoísmo na situação humana e seus
sofrimentos. Chegar àquela condição em
que a mente é livre de todo o egoísmo,
superando confusão, ganância e aversão,
é o ideal de todas as religiões
verdadeiras e estas devem se unir em
torno desse ideal ao invés de lutarem
entre si. Para Buddhadasa, “palavras
como buddhista, cristão, muçulmano e
assim por diante não existem para
aquele que mira o objetivo mais alto da
vida, a saber, uma mente livre do
egoísmo e do egocentrismo”. Para além
das denominações, há um único alvo a
ser atingido.
As três palestras de que se compõe este
livro foram originariamente traduzidas
por várias mãos a partir dos originais
em tailandês. Ven. Punno, Sr. Siamwala
e Sr. Hajji Prayoon Vadayakul (da
Missão Muçulmana) se ocuparam de
uma primeira tradução e diversos
monges e laicos, cristãos e buddhistas,
chegaram a revisá-la. Muitos anos mais
tarde, Santikaro, o presente tradutor
oficial para o inglês das obras de Ajahn
Buddhadasa se ocupou também de
sucessivas revisões.
Entrei em contato com este livro quando
morava no mosteiro Suan Mokkh, no sul
da Tailândia, na segunda metade da
década de 80, período em que treinava
sob a direção do próprio Ajahn
Buddhadasa. Agradeço a todos os
professores e amigos no Dhamma
daquela época e às diversas pessoas que
me ajudaram na revisão do texto final.
Este é o terceiro livro de Ajahn
Buddhadasa publicado em língua
portuguesa, A Causa do Sofrimento na
perspectiva buddhista tendo sido
publicado em 1998 e 48 Respostas
sobre o Buddhismo em 20 Desejo
sinceramente que esta nova tradução
para a língua portuguesa possa servir
como mais uma ferramenta para o
diálogo harmonioso e para o
entendimento do caminho proposto pelas
diversas religiões cujo objetivo seja
promover a paz e subjugar o egoísmo
que avança pelo mundo atual.

Ricardo Sasaki
Centro de Estudos Buddhistas
Nalanda
Nalanda Bauddha Madhyasthanaya
Belo Horizonte, 2015.
PARTE I:
ENTENDIMENTO
MÚTUO DA
RELIGIÃO DO
OUTRO
Capítulo I: A Necessidade de
Flexibilidade e Abertura
Mental

Um estudo comparativo das diferentes


religiões, quando realizado com uma
atitude de boa vontade, resulta no
mútuo bom entendimento. Isso, por sua
vez, cria tal modo de pensar e agir que
as pessoas não ferem os sentimentos
umas das outras. Não ferir os
sentimentos estimula a coexistência
pacífica por excelência entre todas as
sociedades e as nações do mundo.
Devido a esse fato, fico muito contente
de estar aqui e ter uma oportunidade de
falar sobre o tema de religião
comparada.
O primeiro ponto a se levantar neste
estudo comparado é o de que Buddha e
Jesus Cristo apareceram no mundo para
tornar perfeitas e completas as coisas
imperfeitas. Jesus Cristo disse: “Não
cuideis que vim destruir a lei ou os
profetas; não vim ab-rogar, mas
cumprir” (Mateus 5:17). Há também as
palavras de Isaías a respeito de Jesus
Cristo:
“E anunciará aos gentios o
juízo…
Não contenderá, nem clamará,
Nem alguém ouvirá pelas ruas a
sua voz;
Não esmagará a cana quebrada
E não apagará o morrão que
fumega,
Até que faça triunfar o juízo.
E no seu nome os gentios
esperarão” (Mateus 12:18-21).
Tais palavras obviamente se aplicam ao
mundo como um todo e a todas as
nações do mundo, considerando que a
religião é internacional e não é limitada
a uma nação específica. Assim, por
favor, aceitem o princípio fundamental
de que as palavras de Cristo e de todos
os demais profetas bíblicos são
destinadas ao mundo como um todo e
não apenas à terra da Palestina.
Quanto ao Buddha, ele disse: “O
Tathāgata [1] aparece no mundo para o
bem-estar de muitos, para a felicidade
de muitos, por compaixão pelo mundo,
para o benefício, para o bem-estar, para
a felicidade de deuses e humanos”
(Mahāsīhanāda Sutta, Majjhima #12)
[2]. O ponto importante aqui é notar que
o Tathāgata não apareceu no mundo a
fim de ferir qualquer pessoa, escola ou
seita. Ele apareceu de maneira a tornar
este mundo perfeito de acordo com o
propósito último da existência do
mundo. Por essa razão, ele não atacou
outras religiões. Ele meramente ensinou
o que outras religiões careciam e re-
explicou as coisas em um nível mais
profundo, completando, assim, seus
ensinamentos. Essa abordagem não
violenta propiciou a todos a
oportunidade de escolher o que mais os
satisfizessem, sem obrigação de aceitar
seus novos insights. Por exemplo, ele
deu uma nova interpretação à crença
comum de céu e inferno. Ao invés de
ensinar as pessoas a abandonarem suas
crenças, ele deu um significado mais
interessante, vital, claro e útil a elas.
Ele explicou que céu e inferno estão
ocorrendo de fato no presente, nos
corações das pessoas, exatamente aqui
neste mundo, e não em algum outro lugar
a ser vivenciado apenas após a morte.
Quando comparando Buddhismo e
Cristianismo, fica claro que nenhum
fundador nasceu para confrontar ou
colidir com outras religiões, pois
nenhum deles visava seus próprios
interesses, mas agiam tão somente em
razão do bem das pessoas do mundo.
Eles não viveram para obter benefícios
egoístas, mas para o bem-estar de toda a
humanidade. Apenas aqueles que têm
interesses egoístas confrontam e
competem com outros. Nem Jesus nem
Buddha tinham qualquer intenção de
ferir alguém. Eles trabalharam de forma
altruísta com a finalidade de aperfeiçoar
aquelas coisas que os seres humanos
deveriam se esforçar por obter. Mesmo
se suas ações tiveram algumas
características revolucionárias, elas
foram revoluções de modo a plantar a
verdade última pelo mundo. Em
princípio, todos os fundadores das
religiões do mundo nasceram com o
único propósito de cooperar a fim de
tornar o mundo perfeito com aquilo
que os seres humanos deveriam atingir.
Os seguidores de qualquer profeta que
não tentam seu melhor para agir de
acordo com esse propósito devem ser
considerados como tendo se desviado.

DIFERENTES LINGUAGENS
O segundo ponto que requer nossa
atenção consiste nos diferentes modos
como a linguagem é usada nas escrituras
de ambas as religiões. Há dois tipos de
linguagens. A primeira é a linguagem
convencional da pessoa comum: vamos
chamá-la de “linguagem do povo”. A
segunda é um tipo especial de linguagem
religiosa concernente às coisas não
materiais, isto é, coisas mentais e
espirituais: vamos chamá-la de
“linguagem do Dhamma”. Tanto o
Tipitaka quanto a Bíblia estão repletos
desses dois tipos de linguagem e muitos
mal-entendidos ocorrem devido ao fato
de que a maioria das pessoas não
entende a linguagem do Dhamma. Elas
confundem o significado do Dhamma
presente nas palavras e em sua
linguagem popular e, consequentemente,
entendem-nas mal ou não as entendem de
modo algum. Isso cria confusão no seio
de cada religião, bem como nas outras
religiões também, especialmente quando
são feitos estudos comparativos. Por
essa razão, apelo a todos vocês a serem
pacientes e a tentarem entender esse
ponto cuidadosamente. Para poupar
tempo, darei alguns exemplos da própria
Bíblia em relação a esses dois modos de
abordagem linguística.
No Gênesis 2:17, Deus proíbe Adão de
comer o fruto de certa árvore,
acrescentando: “(…) porque no dia em
que dela comeres, certamente morrerás”.
Aqui a palavra “morrer” é linguagem do
Dhamma. Ela não significa a morte
física ordinária e se refere, ao invés
disso, à “morte espiritual”, pois vocês
sabem que após Adão comer o fruto ele
não morreu fisicamente. Tanto Deus
quanto o escritor do Gênesis sabiam
bem que Adão, naquele momento, não
conhecia o significado da palavra
“morrer”. Mesmo se soubesse, ele
conhecia apenas seu significado como
entendido em termos da linguagem do
povo, isto é, enquanto morte física.
Adão não havia ainda comido do fruto,
desta forma, ele ainda não tinha
conhecimento de dualidades tais como
vida e morte, masculino e feminino ou
bom e mau. No máximo, ele conhecia
apenas o significado literal da palavra
“morte” como entendida pela linguagem
comum das pessoas.
Deus, ou o autor do Gênesis, sabia que
neste caso a palavra “morrer”
significava morte espiritual e que, neste
contexto, significa o surgimento do
pecado original, que é responsável pelo
sofrimento sem fim da humanidade até
agora. Dessa maneira, aqui a palavra
“morrer” é obviamente linguagem do
Dhamma e não linguagem do povo.
Em João 3:3 encontramos: “Na verdade,
na verdade te digo que aquele que não
nascer de novo não pode ver o reino de
Deus”. Aqui as palavras “nascer de
novo” são linguagem do Dhamma
significando “renascimento” nesta
própria vida, sem ter que primeiro
morrer fisicamente. O tipo de
renascimento que está implicado aqui
acontece por meio de uma completa
transformação ou revolução. “O que é
nascido da carne, é carne, e o que é
nascido do Espírito, é espírito” (João
3:6). Isso prova que o “nascimento na
carne” é nascimento no sentido
convencional, enquanto que “nascimento
espiritual” é nascimento no sentido do
Dhamma.
Em Mateus 20:28, encontramos as
palavras: “O Filho do homem não veio
para ser servido, mas para servir e para
dar a sua vida em resgate de muitos”.
Em Mateus 19:17, encontramos: “Se
queres, porém, entrar na vida, guarda os
mandamentos”. A palavra “vida” tem
significados bem diferentes nesses dois
contextos. Na primeira passagem ela
pode ser entendida no sentido
convencional. Na segunda passagem ela
significa a vida que não conhece a
morte, a “vida” na linguagem do
Dhamma ou na linguagem de Deus.
Em algumas seções da Bíblia
encontramos o mesmo estilo da
linguagem do Dhamma tal como usada
por Lao Tzu no Tao Teh Ching, ‘O
Homem Sábio escolhe ser o último. E
se torna o primeiro de todos’ [3]. Por
exemplo, em Mateus 10:39: “Quem
achar a sua vida, perdê-la-á; e quem
perder a sua vida por amor de mim,
achá-la-á”. Aqui vocês podem ver que a
palavra “vida” tem dois significados,
um na linguagem do povo e outro na
linguagem do Dhamma. Além do termo
“vida”, que deve ser entendido como
linguagem do Dhamma, todo o estilo da
passagem acima é tal que as pessoas que
nunca entraram em contato com a
linguagem do Dhamma não conseguem
entendê-la de forma alguma. Para elas, a
dificuldade aqui é que a palavra “vida”
tem dois significados diretamente
opostos um ao outro.
Esses poucos exemplos podem ser
suficientes para mostrar que há
diferentes camadas de linguagem com
diversos modos de expressão tanto nas
escrituras buddhistas quanto nas cristãs.

O CORAÇÃO DE NOSSAS
PRÓPRIAS RELIGIÕES
O próximo ponto é muito importante e
requer nossa completa atenção. Devido
a ignorância da linguagem do Dhamma
muitas pessoas abandonam suas próprias
religiões e abraçam outras. Se uma
pessoa realmente entende o significado
da linguagem do Dhamma de sua própria
religião, ela a amará como ama sua
própria vida. Quanto ao Cristianismo,
acredito que, porque os judeus daqueles
tempos não entenderam a linguagem do
Dhamma de Jesus Cristo, eles não
acreditaram nele como o Filho de Deus.
Mesmo Jesus tendo feito várias
maravilhas, eles não acreditaram nele e,
assim, a redenção, a entrega de sua vida
física, teve que ocorrer. Tudo isso
esclarece o significado da linguagem do
Dhamma.
Quando comparamos religiões, devemos
ser extremamente cuidadosos a fim de
interpretar precisa e corretamente a
linguagem do Dhamma de nossa própria
religião. Somente então um estudo
comparado será útil. Se os seguidores
de diferentes religiões se apegarem ao
entendimento da linguagem literal
popular de suas respectivas escrituras,
não haverá a menor chance de
entendimento mútuo e cooperação
harmoniosa. Ao contrário, tais
comparações superficiais resultarão em
mal-entendidos e discordâncias que
levarão a competições, disputas,
sentimentos ruins e ódio. Isso, por sua
vez, terá consequências danosas para o
mundo.
Quanto aos buddhistas, podemos aceitar
todas as passagens do Cristianismo
como estando de acordo com o
ensinamento do Buddha, se formos
permitidos interpretar a Bíblia na
linguagem do Dhamma do Buddhismo.
No capítulo seguinte, mostrarei como tal
interpretação é possível.
Por agora, por favor, entendam que a
vasta maioria das pessoas é ignorante
em relação à linguagem do Dhamma e,
assim, tais pessoas se tornam inimigas
perigosas de qualquer religião, seja do
Cristianismo ou do Buddhismo.
Tolamente consideramos forças externas
como os inimigos primários de nossas
religiões, o que nos impede de tratar as
coisas de forma apropriada para o
benefício da religião. Além disso,
muitos novos problemas são criados. As
pessoas se convencem mutuamente a
abandonar completamente a religião,
outras se apegam a crenças e,
ignorantes, sentem-se satisfeitas apenas
com ritos e rituais, algumas pulam
continuamente de uma religião a outra, e
muitas espalham suas convicções sem
qualquer bem surgir a partir disso.
Se examinarem cuidadosamente este
dilema das pessoas que interpretam
erroneamente suas próprias religiões,
verão de imediato por que razão é tão
importante e necessário um
entendimento mútuo da linguagem do
povo e da linguagem do Dhamma. Essa
também é a razão porque tenho gasto
tanto tempo discutindo esse ponto. Os
variados modos de interpretar a
linguagem do Dhamma explicam o
porquê de tantos cismas e seitas em
nossas religiões, o que produz efeitos
prejudiciais e desnecessários em todas
elas. O verdadeiro objetivo dos
fundadores de todas as religiões, que é
de completar e aperfeiçoar aquilo que é
útil e necessário para a humanidade, não
é atingido porque os seguidores das
respectivas religiões interpretam a
linguagem do Dhamma de forma
errônea. Eles se prendem e preservam
interpretações errôneas e, então,
incorretamente as divulgam de tal modo
que o mundo enfrenta muita turbulência e
problemas criados por seus conflitos
religiosos.

UM APÓSTOLO PARA CADA NAÇÃO


Chegamos agora ao terceiro tópico, o
qual trata de pontos como a
concordância e o compartilhamento
entre todas as religiões. Aqui eu gostaria
de começar aceitando o princípio de que
“um apóstolo é enviado a cada nação”
(Alcorão 10:47). É somente aceitando
esse ditado de boa vontade que poderá
haver alguma possibilidade de
concordância em temas de menor
importância que se seguirão a isso.
Quando há tal tipo de boa vontade, o
estudo comparado de religiões se
mostrará extremamente frutificante.
Um apóstolo é alguém que prega a
verdade de Deus. O termo “apóstolo” é
encontrado em todas as religiões,
mesmo no Buddhismo. Assim, o
Buddhismo também tem um apóstolo que
prega a verdade de Deus. Isso significa
que a palavra “Deus” (Phra Chao) é um
termo pertencente à linguagem do
Dhamma e, como tal, pode ser
interpretado de acordo com as várias
sensibilidades e entendimentos das
diferentes religiões. Ao me dirigir a
vocês aqui, eu (kha pa chao) estou
usando o pronome kha pa chao. Este
pronome é a forma abreviada de poo ti
pen kha khong phra chao, que
literalmente significa “aquele que é o
servo do Senhor” [4]. Sendo este o caso,
aqueles dentre vocês que são cristãos,
seriam tão rígidos a ponto de não me
deixarem ter um Deus da mesma forma
que vocês? O que pensam a esse
respeito? Se não houver dar e receber
neste assunto, nossa discussão será uma
perda de tempo para todos aqui
envolvidos. Os buddhistas também têm
um Deus (Phra Chao), ou poderiam
dizer “Senhor” (phra pen chao), de
nosso próprio modo, e nosso Deus tem a
mesma significância que aquele de
outras religiões. (Explicarei
detalhadamente como isto é possível na
Parte II, especialmente no Capítulo
Cinco). Por agora, peço que sejam
flexíveis em seus entendimentos,
seguindo o espírito de descoberta da
verdade. Se vocês não são bem
sucedidos na divulgação do
Cristianismo na Tailândia, deve ser
porque não reconhecem que os
buddhistas já têm seu próprio Deus.
Desta forma, deveríamos ser
suficientemente flexíveis para
reconhecer que todas as pessoas,
embora falando diferentes linguagens e
vivendo em diferentes cantos do mundo,
têm algo próprio que tem as
características de “Deus”. Quando um
dado grupo de pessoas está ainda nos
estágios iniciais civilizatórios, tal grupo
terá um entendimento limitado daquilo
que é chamado “Deus” ou sua
concepção de Deus pode estar em um
estágio primitivo de desenvolvimento.
Não pensem, entretanto, que sua
concepção de Deus está errada ou que
eles não têm nenhum Deus. Dada a
oportunidade, sua concepção daquilo
que é chamado “Deus” se desenvolverá
e amadurecerá até a perfeição. É nosso
dever ajudar o avanço desse
desenvolvimento. Isso é conforme o
espírito das palavras de Jesus que foram
citadas anteriormente: “Não cuideis que
vim destruir a lei ou os profetas; não
vim ab-rogar, mas cumprir” (Mateus
5:17).
Com relação aos apóstolos, eles podem
ser os profetas que fundaram suas
respectivas religiões, tanto quanto
aqueles seguidores (sāvaka) que
completaram seus deveres espirituais
pessoais. Esses apóstolos pregam a
verdade sobre Deus que é adequada ao
seu lugar e época. Não é necessário que
eles sempre tenham de concordar no
nível de entendimento da linguagem do
povo, ao qual a pessoa comum está
acostumada. Esperamos, entretanto, que
a essência de suas mensagens com
relação à verdade seja a mesma. Mesmo
se houver discrepâncias por vezes, nos
níveis e modos de falar, o espírito de
seus ensinamentos tem o objetivo
idêntico de alcançar a melhor coisa que
os seres humanos podem finalmente
atingir.
Mesmo quando as pessoas estão se
comportando erroneamente no presente,
devemos considerar isso como lições
dadas por Deus de modo que tais
pessoas possam dirigir suas vidas
adequadamente no futuro. Suas
experiências amargas, por si mesmas, já
serão suficientemente efetivas para
mudar o curso de suas mentes e dirigi-
las para a descoberta de um novo modo
de vida que assegure que não precisem
passar por tais experiências
desprazerosas indefinidamente. Os
apóstolos da verdade nos ajudarão a
descobrir tais métodos num prazo mais
curto do que sem eles, e isso torna todos
os esforços como tendo valor. Isso é o
melhor que um professor pode fazer por
uma mente perturbada, pois todos temos
nosso próprio tempo, de acordo com a
lei de aprender as lições pela
experiência, antes que sejamos capazes
de encontrar nosso caminho para longe
das dificuldades. Deus ou a natureza
criou os seres humanos para pensar
livremente e para tomarmos nossas
próprias decisões. A partir desta base,
aceitemos todos a hipótese de que “há
um apóstolo para cada nação”.

SUBINDO EM ÁRVORES DE CIMA


PARA BAIXO
O próximo ponto que requer
flexibilidade e uma disposição para
entendermos uns aos outros é a situação
das pessoas que atualmente estudam
suas respectivas religiões de um modo
que melhor seria descrito como “subir
numa árvore de cima para baixo”. Isso é
diretamente contrário ao modo como as
pessoas subiam nos dias do Buddha e de
Jesus, pois naqueles tempos o modo de
se aproximar da verdade era “subir
numa árvore de baixo para cima”.
Atualmente, temos montanhas de textos
diante de nós, tanto as escrituras
originais quanto os comentários sobre
elas. Estudamos essa literatura com
olhos cansados e inchados, em tal
extensão que ficamos repletos de fatos
prontos, tais como vistos de vários
ângulos e pontos de vista da religião,
filosofia, linguística, arqueologia,
literatura, etc. Todo esse conhecimento
nos impede de conhecer o que
escolhemos como nosso refúgio. Quanto
mais estudamos as escrituras, menos
conhecemos a essência da religião,
porque a verdadeira essência da religião
pode ser alcançada apenas pela prática
genuína. Ao invés de “subir numa árvore
de cima para baixo”, como agora é
praticado em todas as religiões, as
mulheres e os homens dos tempos
antigos não tinham livro algum; suas
mentes não estavam abarrotadas.
Poderíamos dizer que começavam a
seguir o modo de vida religioso com
quase nenhum conhecimento. Eles
iniciavam depois de entender apenas um
ou dois ensinamentos e, então, de modo
gradual, progrediam sucessivamente
para níveis mais altos. Dessa forma,
eles alcançavam a essência da religião
da mesma maneira que alguém “sobe
numa árvore de baixo para cima”.
Todos nós neste mundo deveríamos ter
uma mente aberta e disposta a entender
uns aos outros, caso queiramos lidar
com este estado de ignorância no qual
caímos sem perceber. Interpretações a
respeito de qualquer questão religiosa
podem diferir bastante, fazendo com que
nos distanciemos uns dos outros, até um
ponto em que nos vemos mutuamente
como inimigos. Isso acontece porque
temos nossas cabeças repletas com
conhecimentos adquiridos de nossas
diferentes abordagens e, então, tentamos
interpretar as mesmas passagens e
temas. Meramente enfatizamos nossos
pontos de vista particulares.
Acredito que se o Cristianismo tivesse
sido introduzido na Índia nos dias do
Buddha, ele teria sido recebido
calorosamente como uma “religião
amiga” ou “religião irmã”. Naqueles
dias, as pessoas tinham uma mente
aberta o suficiente, aderindo-se ao
princípio das três vias de emancipação:
1. O caminho de paññādhika, no
qual a sabedoria é predominante;
2. O caminho de saddhādhika, no
qual a fé ou a confiança é
predominante;
3. O caminho de viriyādhika, no
qual força de vontade, esforço e
energia são predominantes.
Cada pessoa pode selecionar qualquer
uma dessas três vias que melhor se
adequar ao seu temperamento
individual. Mesmo hoje, o Buddhismo
aceita esse princípio como algo que a
Natureza ou Deus determinou e que
ninguém pode escapar.
Se examinarmos as várias religiões com
mentes sem preconceito, a maior parte
das pessoas concordará que o
Buddhismo tende a ser paññādhika, que
o Cristianismo tende a ser saddhādhika,
e que o Islamismo tende a ser
viriyādhika. Cada uma dessas três
religiões têm uma dessas três vias como
sua característica especial, entretanto,
nenhuma dessas religiões segue apenas
uma das três vias exclusivamente. Cada
religião pode dar preferência para um
caminho ou outro, por exemplo, no
Cristianismo, a fé é enfatizada. O fato de
que as vias da sabedoria e da força de
vontade também são encontradas no
Cristianismo será examinado
posteriormente. No presente, é suficiente
apontar que cada religião tem todos os
princípios da Verdade (Dhamma)
requeridos pela humanidade, tais como
fé, força de vontade, sabedoria,
amorosidade, generosidade, altruísmo e
ausência de eu.
Se quisermos saber porque uma religião
em particular enfatiza ou prefere um
aspecto ou outro, deveríamos considerar
para quem, quando e onde um
ensinamento ou sermão religioso foi
dado. Deveríamos conhecer as pessoas
para as quais se destinava, as
circunstâncias da época, e os lugares
onde os ensinamentos foram proferidos.
Ainda assim, sejamos muito cuidadosos
a fim de impedir que o conhecimento
obtido por meio de “subir numa árvore
de cima para baixo” obstrua os fatos.
Não deixem que o conhecimento seja um
obstáculo para a compaixão e para a
mente aberta que todos precisamos tão
desesperadamente. Não permitam que
tal conhecimento impeça a cooperação e
a coexistência pacífica à medida que
realizamos nossos deveres no mundo de
acordo com os objetivos corretos de
nossas respectivas religiões.
Neste mundo como um todo, e durante
um considerável período de sua história,
num lugar e tempo específicos, os seres
humanos precisaram ou preferiram o
caminho da fé; em outro lugar e tempo,
eles precisaram de uma abordagem
racional baseada na causalidade; e ainda
em outro lugar e tempo, eles precisaram
de um caminho para controlar a mente
com potente força de vontade. Em nossa
era, esses três caminhos de prática
religiosa entraram em contato por meio
das comunicações modernas, as quais
tornaram o mundo pequeno. É
apropriado para nós, então, brigarmos
uns com os outros? Esse é o propósito
da Natureza ou de Deus? Em meu modo
de pensar, todas as religiões podem se
encontrar numa plataforma comum tanto
quanto haja uma abertura mental de dar e
receber boa vontade. Porque cada uma
depende de seu ambiente e de
circunstâncias particulares, podemos
respeitar as escolhas de cada uma, em
relação a qual dos três caminhos de
prática é o preferido e qual é
considerado suplementar. Quando
religiões diferentes se reúnem, seus
caminhos preferidos podem se
harmonizar da mesma maneira que
riachos vindos de diferentes direções
fluem desde uma montanha, mesclam-se
e formam um único rio que carrega
consigo muito mais fertilizantes para os
campos do que um único riacho poderia
prover. Quanto mais de mente aberta e
tolerantes as diferentes religiões forem
umas com as outras, mais frutificante a
vida religiosa será para a humanidade e
mais o mundo receberá as bênçãos de
Deus.

INTERPRETAÇÃO APROPRIADA DE
TERMOS-CHAVES
Outra coisa que requer flexibilidade
empática e uma disposição para
entender é a interpretação de termos
religiosos tais como “Deus”,
“Dhamma”, “Religião”, “Karma”,
“Salvação”, assim como “magga-phala-
nibbāṇa” (Via, Fruição e Nibbāṇa), e
mesmo palavras simples como “mundo”.
Devemos definir termos religiosos em
harmonia com a linguagem do Dhamma e
não com a linguagem literal do povo.
Interpretar as palavras no espírito da
linguagem do Dhamma sempre será mais
recompensador para o mundo. Para falar
mais precisamente, deveríamos afirmar
que qualquer interpretação de qualquer
palavra, em qualquer religião, que leve
à desarmonia e não avance no bem-estar
da humanidade, deve ser considerada
como errônea, isto é, contra a vontade
de Deus e como obra de Satanás ou
Māra. Afirmo que se a interpretação de
qualquer palavra, em qualquer religião,
em qualquer assembleia, é feita para o
bem da humanidade como seu único
propósito, sem depender meramente de
tradição, que sempre pode mudar, então,
ela nunca estará errada ou contra a
vontade de Deus. Na realidade,
entretanto, não mostramos muito desta
flexibilidade iluminada e nos colocamos
frequentemente em oposição uns contra
os outros. Prendemo-nos a tais tradições
velhas e estabelecidas de tal forma que
as pessoas raramente conseguem
conhecer a essência de suas próprias
religiões. Isso foi o que ocorreu com
interpretações do termo “fé”. Muitas são
inconsistentes com a vontade de Deus,
um exemplo do que deveria ser
cuidadosamente evitado.
Se houver flexibilidade iluminada entre
as religiões com relação à correta
interpretação de termos religiosos, de
tal forma que todas as religiões possam
conviver, então, essas interpretações
conseguirão enfrentar todos os
oponentes da religião. Nesta era,
devemos considerar o materialismo
como o inimigo de fato da religião [5].
O materialismo ganhou força porque as
instituições religiosas interpretaram
erroneamente certos princípios
religiosos, tornando impossível para as
diferentes religiões satisfazerem todas
as necessidades espirituais das pessoas.
Além disso, por causa dessas
interpretações errôneas, as pessoas não
conseguem de forma suficiente e correta
solucionarem os problemas da
existência diária por meio da aplicação
das práticas religiosas. Somente quando
a religião fracassa em cumprir sua
função é que o materialismo surge no
mundo. Uma vez surgido, o materialismo
começa a arrancar as raízes da vida
religiosa como um todo. Somente
quando as instituições religiosas
interpretarem corretamente os princípios
que defendem, especialmente aqueles
princípios expressos na linguagem do
Dhamma, é que a prática religiosa
retornará como a inimiga de todas as
formas de materialismo. As raízes do
materialismo, então, serão destruídas,
não dando oportunidade para seu
crescimento no futuro.
Com o propósito de solucionar
problemas mútuos, os aderentes de cada
religião do mundo devem ser tolerantes
e empáticos uns com os outros quando
interagem entre si. Devem estar prontos
para interpretar seus objetivos
principais de uma maneira que leve a
harmonia entre todas as religiões, a fim
de que todos os devotos de diferentes
terras e diferentes línguas possam
finalmente encontrar soluções para os
problemas de suas vidas em tais
interpretações unificadoras. Dar tal
passo estaria de acordo com o propósito
daquilo que chamamos de “Deus”.
Devemos sustentar o fato de que Deus
nos deu o caminho que é correto e
completo em todos os aspectos, mas nós
mesmos o interpretamos de modo
errôneo. Poderíamos dizer,
consequentemente, que nossa
interpretação errada força Deus a testar
a humanidade dando oportunidade para
que o materialismo tenha uma
oportunidade de reinar sobre o mundo
por algum tempo, até termos aprendido
nossa lição. Possam todos os estudantes
da verdade religiosa terem uma mente
aberta quando interpretarem princípios
religiosos diferentes de modo que
possamos trabalhar juntos na causa
comum de nos livrarmos das crises que
engolfam o mundo atual. Isso ocorrerá
quando as pessoas puderem aplicar os
princípios religiosos para a solução de
seus problemas em todos os aspectos e
facetas da vida, incluindo a política, a
economia, a educação, todas as outras
esferas da vida e, especialmente, o
cultivo espiritual do coração e da mente.

FALTA DE DISPOSIÇÃO PARA


COMPARTILHAR
O último exemplo que darei sobre a
necessidade da flexibilidade sábia e
mente aberta é a falta de disposição ou
relutância em compartilhar termos
religiosos básicos. Por exemplos, os
buddhistas geralmente hesitam em usar a
palavra “religião” com referência à sua
própria tradição. Eles raciocinam que a
palavra “religião” deve ser usada para
um sistema de crença e oração a Deus, e
afirmam que o ensinamento do Buddha
nada tem a ver com isso. Eles se
esquecem, entretanto, dos muitos
significados que o termo “Deus” tem na
linguagem do Dhamma. Além disso, eles
não sabem que a palavra “oração” tem
múltiplos níveis de significado, tanto
superficiais quanto profundos, incluindo
um sistema de prática onde se é
dependente apenas de si mesmo. Este
tipo mais profundo de oração é
explicado pelo fato de que cada
indivíduo tende a separar seus
sentimentos em duas metades ou duas
personalidades. Frequentemente nos
referimos a essas duas personalidades
como a consciência boa e a consciência
ruim, e as imaginamos como
constantemente lutando dentro do
indivíduo. Se as expressões “controlar a
si mesmo” ou “enganar a si mesmo”
podem ser usadas, então também
podemos dizer “orar para si mesmo”
com boas razões. Esse é apenas outro
tipo de oração a Deus, sobre o qual,
além disso, a maior parte das pessoas
deve usar a simples razão de que aquilo
que chamamos “Deus” geralmente é
pensado como significando bondade.
Quanto aos cristãos, provavelmente eles
recusarão o uso do termo buddhista
“nibbāṇa” para aquilo que chamam de
“salvação”. Eles tentarão argumentar
que nibbāṇa e salvação não podem ser a
mesma coisa em nenhum sentido,
insistindo que salvação somente pode
ser dada pela graça de Deus e não por
meio da prática do Nobre Caminho
Óctuplo buddhista. Quero indicar,
entretanto, que o Nobre Caminho
Óctuplo é a coisa chamada “Dhamma” e
Dhamma nada mais é que Deus. Mais
sobre isso será discutido na Segunda
Parte.
Outro termo importante é “revelação”.
Cristãos acreditam que revelação vem
direto dos céus, seja Deus outorgando-a
diretamente, como no caso de Moisés,
ou indiretamente através de Jesus, como
no caso de São João. Alguns buddhistas
não usariam esse termo em relação ao
Buddhismo, argumentando que tal
fenômeno ‘revelação’ é muito
estrangeiro ao ensinamento do Buddha.
Ainda assim, esse termo pode ser
encontrado nas escrituras buddhistas.
Por exemplo, o Buddha declarou que
“Sempre que o Dhamma se revela para
um brāhmaṇa que se esforça na
meditação, então, todas as suas dúvidas
são dissolvidas” (Vinaya, Mahāvagga)
[6]. Em outras palavras, quando alguém
medita em busca da verdade com uma
mente altamente concentrada por um
período suficientemente longo e
adequado, então o Dhamma (Verdade)
aparece a ela ou a ele como uma luz, de
tal forma não usual que devemos
reconhecê-lo como algo além das
habilidades dos seres humanos
ordinários. Poderíamos até considerá-lo
como algo divino ou do Céu. Afinal de
contas, a palavra “revelação”
simplesmente significa “o revelar de
algo de uma maneira não usual” e,
enquanto tal, pode ser encontrada em
todas as religiões. Não precisamos ter
qualquer aversão em usar esse termo
com o mesmo significado em todas as
religiões. Esses exemplos ilustram como
termos importantes, que
tradicionalmente pertencem a uma ou a
outra religião, podem ser usados em
comum. Podemos usar termos menos
importantes também, tanto quanto não
tenhamos a intenção de regatear com
eles a fim de obter vantagem ou
prejudicar uns aos outros, o que iria
contra os mandamentos de Deus.
Sintetizando este tópico sobre mente
aberta em dar e receber, podemos dizer
que os líderes religiosos que
egoisticamente interpretam suas
respectivas religiões, sem mostrar
nenhuma flexibilidade necessária para
incentivar a unidade, fazem com que as
pessoas acreditem que haja muitas
religiões, ao invés de uma única
Religião; de que há muitos diferentes
deuses, ao invés de um verdadeiro Deus
a ser compartilhado por todos; e que
“nós” e “eles” verdadeiramente existem
e estão em constante competição, ao
invés de um povo, uma tribo, uma
humanidade por todo o mundo. Jesus não
chamou sua religião de “Cristianismo”.
Nós mesmos inventamos esse rótulo
depois de sua morte num esforço para
separar seu ensinamento de todas as
outras religiões. Jesus nada ensinou a
não ser “O Caminho” que leva ao Reino
de Deus e se dirigiu a todas as pessoas
no mundo.
Da mesma maneira, o Buddha não
chamou seu ensinamento de
“Buddhismo”. O Desperto chamou tal
sistema de prática de “brahmacariyaṁ”
(O Supremo Modo de Vida), como
quando disse: “Brahmacariyaṁ
pakāsetha” (Proclamem o supremo
modo de vida)” [7]. Ele nunca chamou
isso de “religião ou doutrina” (sāsanā),
fomos nós que desde então rotulamos
seu ensinamento de “Buddhismo” em
nossa tentativa de nos separar das outras
religiões e manter uma autoridade que é
especialmente nossa. O Senhor Buddha
disse: “Proclamem o supremo modo de
vida (viver correto) belo no começo
(para as pessoas de menor intelecto),
belo no meio (para pessoas de
entendimento médio) e belo no fim (para
pessoas com sabedoria altamente
desenvolvida), perfeito tanto na letra
quanto no espírito, para o benefício de
deidades e humanos” [8].
Sendo esse o caso, pensemos por alguns
instantes de quem é a culpa por agora
haver tanta desarmonia entre as várias
religiões. Enfraquecemo-nos por meio
da imposição de dogmas e
interpretações conflitantes de modo a
levar descrédito uns aos outros. Assim,
dificilmente temos a força para resistir
aos inimigos que todas as religiões têm
em comum.

NOTAS DO CAPÍTULO
1. Termos não familiares para quem não
é buddhista podem ser encontrados no
Glossário.
2. M.i.83; The Middle Length
Discourses of the Buddha, p. 177; e em
outros lugares.
3. Capítulo 7. The Way of Life, Lao Tzu,
tr. R. B. Blakney (New American
Library, NY, 1955).
4. Kha = servo, pa chao ou phra chao =
Senhor ou Deus.
5. Tan Ajahn especificou o materialismo
dialético em 1967, numa época em que a
Guerra do Vietnã piorava. Nos anos de
1970 ele falou mais amplamente sobre
materialismo - incluindo tanto as formas
do capitalismo e do comunismo - como
o inimigo da religião. Atualmente, ele
falaria também do consumismo e da
globalização.
6. Tais palavras são do relato do
próprio Buddha a respeito do Grande
Despertar, tal como encontrado no
V.iv.2; Vinayapiṭaka, Mahāvagga,
Bodhikatha 1.3-5; The Book of the
Discipline Vol. 4, p. 2.
7. V.iv.21; Vinayapiṭaka, Mahāvagga,
Mahākhandako, Mārakatha 11.1; The
Book of the Discipline Vol. 4, p.28.
8. É uma passagem padrão encontrada
por todo o Vinaya e nos Suttas, como em
ibid.
Capítulo II: O que é necessário
na Religião?

Continuando nosso estudo comparativo,


gostaria de examinar o significado da
palavra “religião”. Podemos começar
examinando o Cristianismo do ponto de
vista buddhista.
Ao considerar o significado de
“religião”, o primeiro ponto a
compreender é que toda religião tem
uma cobertura ou “crosta”. A palavra
“crosta” refere-se aos vários ritos e
rituais que se acumulam com o tempo
sob a influência de condições e
circunstâncias. Gradualmente, tais
coisas se tornam meros ensinamentos
tradicionais, incluindo os vários dogmas
que cada igreja estabelece de acordo
com seu modo exclusivo de pensar, de
maneira a se adequar aos gostos de seus
aderentes. Eventualmente, esses dogmas
são reduzidos a meros rituais também. À
medida que o tempo passa, essas formas
exteriores cobrem e obscurecem
firmemente o núcleo essencial de
significado até que esse fique enterrado
para além da percepção. Dessa maneira,
a maioria das pessoas acaba com uma
religião superficial que corresponde aos
seus desejos instintivos, ou seja, à
ganância. Um exemplo é o lucro
excessivo que se consegue ao reservar
uma mansão celestial após a morte por
meio da doação de alguns centavos.
À medida que a tolice toma posse das
cabeças e dos corações das pessoas
dessa maneira, torna-se difícil distinguir
entre superstição e religião genuína. Eu
mesmo já ouvi transmissões no rádio e
palestras gravadas de alguns
missionários cristãos dizendo que o
Buddhismo ensina as pessoas a
louvarem casas de espíritos e que
promulga artes ocultas. Isso soa
divertido, pois todos aqui sentados
sabem bem que tais coisas nada têm a
ver com o ensinamento do Buddha. No
entanto, podemos nos perguntar como
tais coisas vieram a ser consideradas
como parte do Buddhismo. Esses são
exemplos do que chamo “crosta pior que
a crosta”, e que são, de fato, praticados
por algumas pessoas que se intitulam
“buddhistas”, ludibriando outras a
pensarem que tais coisas são
Buddhismo. Além disso, depois de esses
ditos “buddhistas” seguirem práticas
supersticiosas por um longo tempo, eles
passam a desprezar sua própria religião
e a abandonam, convertendo-se ao
Cristianismo, que é comparativamente
novo para eles, e ainda não desenvolveu
tantas práticas supersticiosas aqui.
Assim procedendo, eles nunca terão a
chance de entender corretamente o
Buddhismo que antes professavam. Tal é
a crosta e o perigo da crosta para a
verdadeira religião.
Por causa desse perigo, antes de
embarcarmos num estudo comparativo
de religiões, devemos ter a certeza de
que as religiões a serem comparadas
estejam livres de suas crostas. Os
pontos a serem comparados devem ser
tomados dos textos primários das
respectivas religiões. Se alguns dos
tópicos a serem considerados forem
tomados da literatura comentarial,
deveríamos utilizar somente as
passagens que se conformam às obras
canônicas originais.
A PALAVRA “RELIGIÃO”
Antes de considerar a atitude buddhista
face ao Cristianismo, não seria
inadequado dizer algumas palavras
sobre a perspectiva buddhista a respeito
da palavra “religião”, sem especificar
qualquer religião pelo nome. As pessoas
interpretaram o termo “religião” de
tantas formas e sob tantos ângulos
diferentes, que não seria possível
enumerar todos aqui. Desse modo,
consideraremos o termo apenas sob
formas que levem ao mútuo
entendimento entre cristãos e buddhistas
que sejam conhecedores de suas
próprias religiões, que examinam tais
temas cientificamente, e cujo propósito
seja um estudo comparativo mutuamente
iluminador. Devemos concordar que
quando usamos a palavra europeia e
cristã “religião” neste contexto, temos
em mente o mesmo significado da
palavra indiana e buddhista “sāsanā”. A
seguir, devemos decidir como ambas as
religiões podem usar tais palavras de
forma comum e com qual significado.
Acadêmicos ocidentais debatem sobre
diferentes origens para a palavra
“religião”. Parece que a literatura
romana antes da época de Cícero
entendia que a palavra “religião”
derivava da raíz “lig”, que significava
“observar”, isto é, observar e praticar
de acordo com a revelação de Deus.
Nesse sentido, então, religião é um
sistema de práticas que leva ao objetivo
mais alto que a humanidade é capaz de
alcançar. Mesmo o Buddhismo tem essa
característica, isto é, ser um sistema de
práticas que leva ao estado de liberdade
em relação a todos os sofrimentos
(dukkha).
Mais tarde, na época de Servius,
acadêmicos acreditavam que “religião”
tinha sua raíz em “leg”, que significava
“unir”, isto é, unir a humanidade à coisa
mais alta, a saber, Deus. Se tal for o
caso, o Buddhismo também almeja unir
a humanidade à realidade superior, que
é o completo arrefecimento de dukkha.
Os cristãos chamam esse estado de
“Reino de Deus” e os buddhistas o
chamam, entre outras coisas, de “A
Cidade da Não Morte” (Amata Nagara).
Em outras palavras, o Buddhismo é um
tipo de religião.
Na época de Santo Agostinho,
encontramos acadêmicos sintetizando
ambas as raízes, “lig” e “leg”, de modo
a dar à religião um significado mais
apropriado e completo. Assim, o
significado da palavra “religião”
expandiu para significar “um modo de
prática de acordo com as observâncias
que unem a humanidade à coisa superior,
a saber, Deus”. O Buddhismo é uma
religião completa nesse sentido também.
Ou seja, é um modo perfeito de prática
que, quando seguido completamente,
associa o praticante com o estado que
não conhece dukkha. Temos muitos
nomes para esse estado, tais como
“Nibbāna”, “O Supremo” (parama-
dhamma) e “A Não Morte”, todos eles
significando a mesma coisa que o
“Reino de Deus”.
Os buddhistas podem aceitar os
significados da palavra “religião”,
mencionados acima, sem problemas.
Esperamos também que todas as
religiões do mundo compartilhem do
propósito contido nesses significados.
Que eles possam diferir em alguns
métodos e práticas não importa aqui.
Como foi dito, os métodos certamente
serão diferentes devido aos diferentes
ambientes, eras, hábitos, mentalidades e
temperamentos das pessoas dentre os
quais cada religião primeiro surgiu.
Podemos dizer que um Deus que tenha
ensinado a vinte e cinco séculos atrás na
Índia, dezenove séculos atrás na
Palestina ou quase quatorze séculos
atrás nas Arábias, certamente não
poderia ter ensinado da mesma maneira.
Como podemos esperar, então, que as
escrituras das diferentes religiões sejam
idênticas em cada letra?
Para os buddhistas, aquilo que se
denomina “Dhamma”, que se torna claro
para aqueles que se esforçam na
meditação, muito naturalmente aparece
sob outro nome em certos temas
secundários. Isso é particularmente
verdade quando suas meditações e
descobertas da verdade são feitas em
terras distantes e por vezes separadas
por séculos. Ainda assim, todas as
religiões devem ser idênticas em
essência, a saber, o não egoísmo e a
devoção ao Dhamma ou a Deus ao invés
de a si mesmo. O não egoísmo é tão
exaltado, perfeito e universal, que nunca
o poderíamos descrever como sendo
cristão, buddhista ou islâmico. O não
egoísmo cristão é exatamente o mesmo
não egoísmo buddhista ou islâmico.
Assim, o não egoísmo é considerado
como “Verdade Universal”: é
verdadeiro em todos os lugares e em
todas as eras. Não ter um “eu”
pertencente a si mesmo para ser egoísta
a respeito – essa é a essência de todas
as religiões. Quando não temos um “eu”,
a partir do qual agir egoisticamente,
então, há o “eu” do Dhamma ou Deus, o
que não significa que desaparecemos.
Toda a humanidade pode realizar Deus
ou o Dhamma Derradeiro por meio da
mesma causa – a realização do não
egoísmo.
A discussão acima concerne tudo que é
abarcado pelo termo “religião”
(sāsanā), tal como entendido desde o
ponto de vista buddhista. Essa é a visão
daqueles que estudaram no caminho
buddhista, se apoiando no raciocínio
fundamentado e na sabedoria que passa
no teste da própria experiência. Tendo
considerado o significado da palavra
“religião”, podemos agora examinar o
Cristianismo do ponto de vista
buddhista. Para poupar tempo,
discutiremos isso junto com a Bíblia.
Tomamos por aceito que o ensinamento
cristão está contido na Bíblia e que os
dois – o ensinamento cristão e a Bíblia –
não podem ser separados.

O NECESSÁRIO E O NÃO
NECESSÁRIO
Ao discutir a Bíblia, eu gostaria de fazer
uma importante observação. Se
seguirmos o mesmo princípio que os
buddhistas utilizam para com suas
próprias escrituras, poderíamos deixar
de lado o Velho Testamento e não nos
incomodarmos em discuti-lo. Por que
dizemos isso? Como vocês sabem, o
Velho Testamento contém relatos e
histórias da criação e da história do
mundo até o nascimento de Cristo;
entretanto, nenhum dos ensinamentos de
Cristo está ali. Além disso, os
ensinamentos de Jesus contidos no Novo
Testamento são suficientes, ou mais que
suficientes, para praticarmos e
realizarmos a salvação. Dessa maneira,
podemos deixar o Velho Testamento de
lado e dedicar todo nosso tempo e
atenção para praticar os ensinamentos
de Jesus.
Minha opinião pessoal é a de que os
cristãos da época de Jesus podiam
praticar de acordo com seus
ensinamentos e alcançar os frutos
superiores sem se preocupar com o
extenso Velho Testamento. Isso
corresponde aos tempos do Buddha,
quando muitas pessoas na Índia
praticavam seu ensinamento até realizar
os frutos mais completos do caminho
sem ter nada a ver com isto que é
conhecido como “O Tipiṭaka” (“As Três
Cestas”) e que foram compilados
séculos após a morte do Buddha. Um
fato notável concernente ao Tipiṭaka é o
de que, embora seja muitas vezes o
tamanho de ambos os Testamentos da
Bíblia, ele é tão somente o relato de
ensinamentos práticos que levam
diretamente ao arrefecimento de dukkha.
Quanto à Bíblia, somente o Novo
Testamento contém o relato das práticas
que levam à salvação. Em outras
palavras, somente um quarto da Bíblia
contém os ensinamentos de fato de
Jesus. Embora curto, ele é suficiente, ou
mais que suficiente, para o propósito
prático da salvação. Ouso dizer,
portanto, que o próprio Cristo
provavelmente proibiu seus discípulos
de estabelecer seu estudo e prática
baseados no Velho Testamento tal como
existia na época, embora fosse talvez
menos extenso do que é hoje. À medida
que continuarmos, apontarei minhas
razões para essa declaração.
De modo similar, o Buddha advertiu
seus discípulos sobre começar seu
estudo e prática fazendo perguntas
como: “Uma pessoa renasce após a
morte ou não? O que é isto que renasce?
Como isto renasce? O mundo é limitado
ou não?”, e outras especulações fúteis,
tais como mencionadas no
Cūlāmalunkya Sutta (Majjhima #63)
[1]. Ele sugeriu que eles colocassem de
lado até mesmo questões como “Há
deidades e semi-deidades? O céu
realmente existe e, se existir, onde
fica?” Ele chamou tais questões de
“irrespondíveis” (abyākata) e se
recusou a respondê-las [2]. Ao invés
disso, o Buddha repetidamente insistiu
que inquiríssemos quanto aos vários
tipos de dukkha (sofrimento) opressor
da mente: Como surgem? Do que surgem
e crescem: Qual sua causa direta? Ele os
instruía a encontrar as respostas para
tais inquirições por meio de sua própria
experiência espiritual direta, até
compreender que todo dukkha –
sofrimento ou morte espiritual – resulta
de fracassar em compreender o
Dhamma, por não alcançar Deus. Em
outras palavras, dukkha vem de não se
realizar a verdade universal absoluta:
onde houver a sensação de um “eu”
pertencente a si mesmo e,
consequentemente, a sensação de
egoísmo, dukkha ocorrerá ali,
imediatamente. Por outro lado, onde não
houver a sensação de um “eu”
pertencente a si próprio e, ao invés
disso, se pertencer ao Dhamma ou a
Deus, dukkha será arrefecido”.
Um praticante que tiver destruído a
sensação de “eu” e de egoísmo estará
livre de dukkha. Ele estará
completamente contente e não poderia se
importar menos com questões tais como
se há seres que renascem após a morte
ou onde o céu está, embora possa ter se
interessado anteriormente. Ele não mais
se importa com tais questões porque a
felicidade resultante da destruição de
todas as ideias sobre o “eu” e o egoísmo
é incomparavelmente superior a
qualquer tipo de felicidade
supostamente vivida em vários céus.
Agora, se ele tiver posto um fim ao
egoísmo, não restará ego ou ‘si mesmo’
para morrer, nascer ou sofrer. Restará
somente a natureza, existindo por si
mesma, sem morrer ou nascer, a própria
experiência que na linguagem do povo
se descreve como “alcançar Deus” ou
“realizar a Não-Morte”
(amatadhamma).
Todos devem realizar a verdade de que
a qualquer tempo – seja por um
momento, uma hora ou um dia – quando
não há sensação alguma de ser um “eu”
que pertence a si mesmo, tal é o
momento quando se realiza Deus. Isso é
possível porque a ignorância (avijjā) e
o apego (upādāna) que dão surgimento à
sensação de “eu” que nos cerca como
uma concha ou uma crosta, são
destruídos naquele momento. Por isso,
os raios iluminadores de Deus ou do
Supremo (parama-dhamma) brilham em
nossos corações (que são, na verdade,
natureza universal e não mais “nossos”).
Assim, a pessoa nasce fresca, entra num
tipo de vida que é completamente o
oposto da vida ordinária. Se isso é
compreendido de um modo fixo e
absoluto, denomina-se de “salvação” ou
“vimutti”, completa e final libertação do
mundo da carne. Quem se salvar assim
terá cumprido todos os deveres
religiosos. É desse modo que não se
perde mais tempo estudando coisas
desnecessárias.
Simplesmente pratique o necessário e
solucione o problema imediato –
abandonar o ego. Sem atraso, pratique
de modo diligente e progrida
rapidamente. Aqui, precisamos estudar
apenas uma única coisa: como libertar a
mente das sensações da carne que
causam as ilusões de “eu” (tua ku) e
“meu” (kong ku), de maneira que a
mente permaneça pura [3]. Estou
convencido de que todos os fundadores
de nossas religiões expressaram sua
compaixão por seus discípulos,
ajudando-os a usar seu tempo de
maneira efetiva. Mesmo o Sermão da
Montanha, ocupando apenas umas
poucas páginas no livro de Mateus, é
suficientemente completo para se
praticar e ser salvo. Não há necessidade
de se preocupar com o resto do Novo
Testamento, para não falar do Velho
Testamento.
Se me permitirem, quero dizer que os
missionários que pregam o Cristianismo
nas igrejas, nas ruas e nas rádios
fracassam na seleção do que é essencial
em suas pregações. O mesmo é verdade
para os monges buddhistas que
simplesmente ensinam a crosta geral ou
a forma exterior do Buddhismo sem
chegar perto da essência do Dhamma:
não se apegar a nada de modo algum
como sendo “eu” e “meu”. No
Mahāsāropama Sutta (Majjhima-nikāya
#29) [4], o Buddha diz que o verdadeiro
cerne de brahmacariya (o Sublime
Modo de Vida) ou sāsanā (religião) é a
libertação (vimutti), isto é, a salvação.
Sabedoria (paññā) é a madeira fresca
ao redor desse cerne, a meditação
(samādhi) é a casca interior ao redor da
madeira fresca, e a moralidade (sīla) é a
casca mais exterior e seca protegendo a
meditação. Finalmente, ganho, elogio,
fama e mesmo os céus são apenas como
folhas murchas caídas. Em outras
palavras, as coisas em geral ensinadas e
de interesse no temo atual para a
maioria das pessoas dificilmente dizem
respeito à essência ou ao cerne da
religião. Em consequência, as pessoas
ficam confusas e dispersam sua energia
religiosa para todos os cantos sem muito
sucesso.
Tanto no Tipiṭaka quanto na Bíblia há
muitas partes excedentes. Há passagens
pelas quais ninguém precisa se
interessar, exceto aqueles cuja ocupação
é ensinar, ou aqueles que querem ser
eruditos bem versados de um ponto de
vista literário. O Buddha, certa vez,
pegou um punhado de folhas e disse:
“As coisas conhecidas pelo Tathāgata
são tantas quanto as folhas na floresta,
mas as coisas que ensino são como este
punhado de folhas” [5]. O mesmo pode
ser dito de Jesus Cristo. Ele não falou
tantas palavras, nem fez uso de longos
discursos. O mesmo é verdadeiro para
Deus. As revelações de Deus –
incluindo aquelas para Abraão, Moisés
e outros, até para o próprio Jesus – não
somam muitas palavras. Parece que ele
desejava apenas fé e prática, mas ainda
assim as escrituras que foram
compiladas mais tarde se tornaram tão
volumosas que ficamos tontos ao pensar
nelas. E, consequentemente, os
acadêmicos modernos se afundam em
diversas escrituras que encharcam suas
cabeças.
A esse respeito, tanto o Tipiṭaka quanto
a Bíblia, caíram na mesma condição.
Sua complexidade obstrui e retarda o
progresso de qualquer um que queira
compreender a essência da religião tão
rapidamente quanto possível. Outro
encontro é necessário para discutir
como salientar as coisas necessárias
para a vida que cada religião tem a
oferecer [6]. Tais requisitos para uma
vida significativa devem ser dados a
conhecer às pessoas de maneira
convincente, apropriada e atualizada,
para que se tornem atraentes às pessoas
neste mundo moderno de progresso
material.
Para terminar, algumas das comparações
e comentários acima foram mais diretos
e pontuais do que normalmente acontece
nos diálogos religiosos. Sinto que não
precisamos nos preocupar com pessoas
sensíveis demais aqui. Caso contrário,
não chegaremos a lugar algum. Espero
que todos os aqui presentes achem esta
abordagem interessante e a
desenvolvam.

NOTAS DO CAPÍTULO
1. M.i.426-432; The Middle Length
Discourses of the Buddha, p. 533-36.
2. Veja também Brahmajāla Sutta,
Dīgha-nikāya #1; D.i.13-39; The Long
Discourses of the Buddha, p. 7387 para
mais exemplos das várias noções
condenadas pelo Buddha. O termo
“irrespondíveis” ou “indeterminadas”
(avyākatani) é também usado no
Poṭṭhapāda Sutta, Dīgha-nikāya #9;
D.i.187-189; Long Discourses, p. 164-
65.
3. “Tua ku” e “kong ku” são termos
cunhados por Ajahn Buddhadasa para
expressar a tirania que o ego e o
egoísmo imprimem em nossas mentes.
“Eu” e “meu” não expressam bem o
senso de possessividade, de algo tosco e
autocentrado contido nos termos em
tailandês. Logo, por favor, incluam esses
significados em tais expressões. Esse
“eu” e “meu” não são apenas uma
brincadeira.
4. M.i.192-197; Middle Length
Discourses, p. 286-90.
5. S.iv.437; Saṁyutta-nikāya,
Mahāvagga, Saccasaṁyutta,
Sīsapāvanavagga, Sīsapāvana Sutta;
The Book of the Kindred Sayings, Part
V: Great Chapter, p. 370.
6. Tan Ajahn incentivou tais encontros
durante toda sua vida e oferecia Suan
Mokkh International como um local
para sua realização.
Capítulo III: Fé, Autoajuda &
Karma

Agora que consideramos a palavra


“religião” desde vários ângulos, é hora
de examinar o Cristianismo em
comparação com o Buddhismo.
A primeira questão que surge aqui é:
quais são as diferenças entre
Cristianismo e Buddhismo? A primeira
pergunta que os buddhistas se indagarão
é se o Cristianismo ensina a autoajuda
ou instrui que devemos ser ajudados por
algo ou alguém fora de nós mesmos.
Queremos saber também se aceitar a
ajuda de outro significa agir de acordo
com os requerimentos do outro e se, ao
fazê-lo, isso seria chamado de
“autoajuda” ou “ajuda do outro”.

DEUS & KARMA


Nós, buddhistas, ouvimos que o
Cristianismo acredita que tudo depende
da Vontade de Deus. Parece que não
podemos ajudar a nós mesmos sem a
ajuda de Deus ou, ao menos, sem seu
consentimento para que as coisas sigam
como desejamos. O Buddhismo, por
outro lado, sustenta que devemos ajudar
a nós mesmos por meio de nossas
próprias ações e, então, receber os
frutos respectivos dessas ações, sem
envolver nenhum Deus além da Lei do
Karma (pāli, kamma) [1]. Se qualquer
Deus estivesse envolvido, ele nada seria
senão a Lei do Karma e não um Deus
pessoal que vive em algum lugar nos
céus e controla o destino da
humanidade. Na linguagem
convencional, diríamos que o
Cristianismo é uma religião que se apoia
na ajuda externa [2], enquanto que o
Buddhismo ensina o caminho da ajuda
interna ou autoajuda. Assim falando
ordinariamente, não há possibilidade de
concordância entre esses dois
ensinamentos. Se falarmos a linguagem
do Dhamma, a linguagem da Verdade,
entretanto, mantendo em mente a
verdade escondida por trás das letras ou
por trás da fala, então, Deus e a Lei do
Karma são uma e a mesma coisa. Sendo
esse o caso, ambas as religiões estão em
íntima concordância tanto quanto se trata
do que é essencial. Elas diferem na letra
e nos sons das palavras “Deus” e
“Karma”.
Os buddhistas sustentam que o karma
não é algo pessoal que nos auxilia.
Quando fazemos o trabalho que precisa
ser feito de acordo com a Lei do Karma,
naturalmente recebemos os resultados
que se seguem. Quando escolhemos
fazer o mal, experienciamos resultados
prejudiciais. Mesmo quando
confundimos bom por mau ou mau por
bom e, então, agimos de acordo, os
resultados ainda serão bons ou maus de
acordo com a Lei do Karma, e não
segundo nossas próprias noções
confusas de bem e mal. Dessa forma,
ajudamos a nós mesmos ao agir de
acordo com a lei da natureza ou com a
Lei do Karma, que sempre é reta, segura
e imparcial. Ela tem poder absoluto,
apropriada para ser chamada de “Deus”.
Ao olhar isso do ponto de vista cristão,
vemos que o Deus que ajuda as ações
humanas a amadurecerem os frutos
apropriados é, indubitavelmente, a Lei
do Karma do Buddhismo. Colocamos
todo o peso no karma, querendo dizer a
Lei do Karma, que é a lei natural que
rege o universo. Por essa razão, nos
referimos ao Buddhismo como “a
Religião do Karma” ou “a Religião da
Autoajuda”.
Quanto ao Cristianismo, muitos
professores declaram enfática e
categoricamente que ações têm frutos
somente quando Deus está satisfeito com
elas e as permite terem fruto. Alguns
pregadores vão tão longe a ponto de
dizer que não importa o que ou quão boa
é nossa ação, se agirmos sem a crença
em Deus, não haverá frutos para
nenhuma ação [3]. Não podemos, eles
acrescentam, ser salvos simplesmente
pela crença na Lei do Karma, por meio
da qual nós mesmos agimos. Somente
podemos ser salvos acreditando em
Deus. Além disso, eles dizem que é
Deus que nos salva e não a Lei do
Karma ou a ação feita de acordo com a
Lei do Karma. Se os cristãos sustentam
tais crenças, os buddhistas
imediatamente verão o Cristianismo
como uma “religião da crença” ou uma
“religião que invoca a ajuda externa”.
Como o Buddhismo encoraja as pessoas
a pensarem livremente, os buddhistas
podem de coração e prontamente aceitar
que Deus é Karma. Parece, entretanto,
que os cristãos não ousam ou não são
livres para usar seu próprio raciocínio
de maneira semelhante. Dessa forma,
eles poderão não concordar que a Lei do
Karma é o mesmo que aquilo que
chamam “Deus” em sua religião. O
resultado é que o Buddha-Dhamma e o
Cristianismo andam por diferentes
caminhos. O primeiro prefere o caminho
da autoajuda e o último invoca a ajuda
externa. Ainda assim, seria a coisa mais
engraçada do mundo se acontecesse que
a verdade subjacente que fizesse os
seres humanos receberem os frutos de
suas ações fosse a mesma coisa!
Outro aspecto de nosso estudo envolve
uma questão frequentemente discutida
em círculos buddhistas. Cada religião
ensinada e praticada atualmente, sem
exceção, tem dois níveis
correspondentes a dois tipos de pessoas,
que podemos distinguir como não
instruídas e intelectuais. Qual dessas
perspectivas deve ser tomada como o
padrão? Qual é a correta autoridade? Se
os líderes cristãos reservarem “a
verdade” para si mesmos, a ponto de
não permitirem a seus ouvintes usarem
sua própria inteligência e obrigarem que
meramente acreditem, então, tais
seguidores não seriam considerados sem
instrução e crédulos? Já ouvimos
missionários cristãos ensinando nas ruas
e em programas internacionais de
rádios, os quais falam apenas sobre a fé.
Eles fecham a porta para a autoajuda.
Não creio, entretanto, que isso seja a
atitude genuína de Jesus. Em João 14 e
em outras partes, Cristo disse que ele
era o caminho e que, assim, deveria ser
seguido. Isso é idêntico ao Buddha nos
ensinando a seguir o caminho, isto é, a
praticar como o Senhor Buddha o fez.
Em qualquer evento, o tipo de
Buddhismo ensinado a partir de púlpitos
ornamentados e belos salões é apenas
sobre crença – crença em céus e
paraísos. Em tais lugares, raramente
ouvimos falar sobre a prática do Nobre
Caminho Óctuplo, que é a verdadeira
essência do Buddhismo. As pessoas
nunca são encorajadas a usar sua
própria inteligência para descobrir a
verdade por elas mesmas. De qualquer
forma, uma vez que a maior parte dos
devotos já acredita em tais coisas tão
completamente, eles dormem durante
metade da palestra.
A fim de estabelecer um estudo
comparado de religiões que seja justo e
correto, é necessário equivaler níveis
correspondentes de ensinamento. De um
lado, compararemos o Cristianismo
ensinado nas ruas e nos programas
internacionais das rádios com o tipo de
Buddhismo ensinado nos púlpitos
ornamentados e nos belos salões. De
outro lado, compararemos as religiões
daqueles praticantes que sinceramente
tentam provar por si mesmos as
verdades dos ensinamentos encontrados
na Bíblia e no Tipiṭaka. Esses serão os
que corretamente interpretam os
significados da linguagem do povo e da
linguagem do Dhamma em suas
respectivas escrituras, como
mencionado acima.

SEIS CATEGORIAS DE RELIGIÃO


Poderíamos agora escolher alguns
parâmetros para a categorização das
religiões. A característica predominante
de uma religião deveria determinar a
qual categoria ela pertence. Como um
esboço grosseiro, permitam-me sugerir
as seguintes características dos
principais tipos de religião:
Religiões de Poder Milagroso e
Mágico: levadas adiante por meio do
medo e da fraqueza de seus seguidores.
Religiões de Crença: levadas adiante
por meio somente da crença e da oração
[4].
Religiões de Karma: levadas adiante
por meio do princípio da autoajuda.
Religiões de Sabedoria: levadas adiante
por meio da razão e da livre
investigação.
Religiões de Paz: levadas adiante por
meio do não machucar a si mesmo e aos
outros.
Religiões de Amizade (mettā) ou Amor:
levadas adiante por meio do completo e
total autossacrifício.
A partir dessas categorias, qualquer um
pode saber em quais delas as religiões
mundiais que conhecemos se encaixam.
Além disso, podemos perguntar: É
suficiente e satisfatório para qualquer
religião ter apenas uma dessas
características? E ainda, há quaisquer
características especiais que sejam
necessárias para todas as religiões?
Relativo a esse ponto, peço novamente
que se lembrem dos significados e
implicações da palavra “religião”. Ela
significa “um sistema de observação e
prática que liga a humanidade a Deus”.
Sendo assim, observância e prática são
características comuns a todas as
religiões e a todos os sistemas de
atividade (movimentos) que chamamos
de “sāsanā” ou “religião”. Observação
aqui é sabedoria, enquanto prática é
ação ou karma. Assim, qualquer
instituição tida como religião deve ter as
qualidades de sabedoria e karma como
seu fundamento ou pano de fundo.
Como podemos decidir quais das seis
categorias acima se aplicam a cada
religião? A resposta é que deveríamos
colocar de lado os fundamentos
essenciais de todas as verdadeiras
religiões (sabedoria e karma), levar em
conta apenas a característica
predominante de uma religião em
particular e nomeá-la de acordo. Se uma
religião se caracteriza
predominantemente por sabedoria ou
karma, poderemos certificar que
sabedoria ou karma recebam uma dupla
ênfase nela, ou que elas funcionem em
dois níveis, tanto enquanto fundamento
básico como marca predominante
daquela religião particular.
Obviamente, toda religião tem sabedoria
e ação como sua base. Certamente não
há religião que tenha somente sua marca
característica e careça tanto de
sabedoria quanto de karma. Qualquer um
com bom senso poderá ver que mesmo
uma religião de poderes milagrosos e
mágica contém ação. Ação é também
necessária nas religiões de fé, paz e
amizade. Ação depende da observância
e esta observância é, em si mesma, uma
ação. Tal ação intencional é o
significado de “karma”. Desta forma,
precisamos sustentar aqui o princípio de
que todas as religiões no mundo são
profunda e essencialmente a mesma
religião, isto é, têm karma ou ação como
o próprio cerne. Esta ação, que é o
coração da religião, traz a humanidade
ao relacionamento com Deus. Não
importa se concebemos Deus com uma
pessoa, um poder ou um estado de ser,
apenas pedimos que tenha a qualidade
de arrefecer dukkha. Somente isso já é o
suficiente; pedir mais seria excessivo,
frívolo e desnecessário.
Agora, ao comparar Cristianismo e
Buddhismo, chegamos às questões: “De
que maneiras as duas religiões diferem?
Como podem ser a mesma? Alguém
pode ser um cristão e um buddhista ao
mesmo tempo?” As respostas para essas
questões dependerão de em quais das
seis categorias cada religião se encaixa.
Se tomarmos como nosso padrão as
sensibilidades e as práticas do não
instruído e crédulo, então, não apenas o
Cristianismo, mas também todas as
religiões serão reduzidas a uma religião
de crença cega. Entretanto, se tomarmos
os fatos encontrados na Bíblia e os
examinarmos no espírito buddhista da
livre investigação de causas e efeitos,
sentimos que o Cristianismo, como o
Buddhismo, é uma religião de sabedoria
e karma. Se tivermos compreendido a
essência de ambas as religiões,
poderemos ser tanto cristãos quanto
buddhistas ao mesmo tempo e na mesma
pessoa. Ainda mais, poderemos ser
genuínos muçulmanos e hindus ao
mesmo tempo. Os fatos e o raciocínio
por trás dessa declaração serão
explicados mais tarde, de acordo com o
ponto de vista buddhista, o qual se
estabelece a partir da sabedoria intuitiva
(pannā) e da investigação da
causalidade [5].
Não achamos que o Cristianismo seja
uma religião exclusivamente baseada na
fé, como sugerido pelas palestras nas
rádios e panfletos distribuídos nas ruas.
Ao invés disso, achamos que o
Cristianismo é uma religião de ação, de
sabedoria, de amizade (mettā) e de
autoajuda. Agora explicarei essa noção
passo a passo.

CRISTIANISMO & KARMA


Se penso que o Cristianismo é uma
religião do karma, é porque me baseio
na leitura das seguintes passagens
bíblicas. Primeiramente, Pedro diz a
Jesus: “Tu tens as palavras da vida
eterna” (João 6:68). Nós, buddhistas,
sentimos que a vida eterna não pode ser
realizada simplesmente por meio da fé
em sua existência. Podemos realizar a
vida eterna somente pela prática do
ensinamento de Jesus Cristo feita com
cuidado, sutileza, perspicácia e
inteligência. Apenas depois de saber por
você mesmo, por meio da prática, o
sabor da vida eterna, pode a palavra
“fé” ser utilizada em seu sentido mais
completo. Até lá, isto não é a perfeita fé.
Além disso, sentimos ser necessário
entender a coisa chamada “vida eterna”
na linguagem do Dhamma. Seu
significado é profundo demais para ser
entendido apenas por meio da fé. Se
alguém não a entende no sentido último,
então, como poderia aspirar por ela e
verdadeiramente louvá-la? Embora
Pedro fosse apenas um pescador, ele era
sábio o suficiente para saber algo que é
o oposto da vida comum. Ele
compreendia outro tipo de vida, que fez
com que sua vida anterior parecesse sem
substância e sem significado. Este
conhecimento deve ter sido muito
luminoso e claro para ele e essa é a
razão dele ter podido entender a vida
eterna. Este tipo de fé não é aquela que
vem de uma ordem externa que dita o
que se deve acreditar. Ao contrário, é
uma característica da sabedoria que leva
à ação superior.
Em João 6:63, o próprio Jesus diz que:
“O espírito é o que vivifica, a carne
para nada aproveita; as palavras que eu
vos disse são espírito e vida”. Tais
palavras não têm significado e não
servem a propósito algum se tiverem
que ser críveis sem entendimento. Pois
tais palavras são da linguagem elevada
do Dhamma, de pessoas com alto grau
de sabedoria. Somente depois que
alguém tem inteligência suficiente (sati-
pannā) é que pode compreender o
significado aí presente e praticar
corretamente. Se alguém aceitar essas
palavras em termos da linguagem
ordinária do povo, decorá-las e, então,
acreditar em cada letra, tal fé
imediatamente tornará a pessoa
incrivelmente tola. Como tal fé poderia
ser chamada de “cristã”? Que uma
palavra possa ser tanto espírito quanto
vida depende da prática correta, prática
para além de qualquer coisa conhecida
ou requerida pelos termos técnicos mais
complicados de hoje. Aqui, “espírito”
não se refere à mente em nenhum sentido
ordinário, e “vida” não significa o tipo
ordinário de vida com o qual estamos
familiarizados. Ao contrário, elas se
referem a algo eterno na natureza, algo
que não conhece a morte.
Consequentemente, entendo que tais
palavras nunca poderiam ser
encontradas em uma religião baseada
unicamente na crença e na oração (tal
como esses termos são comumente
entendidos).
O que é chamado de “fé” aponta para a
mente concentrada que leva apenas a
ações feitas com claro entendimento.
Esta mente contemplativa é ativa. Em
Mateus 21:21 Jesus diz: “Se tiverdes fé
e não duvidardes… se a este monte
disserdes: Ergue-te e precipita-te no
mar, assim será feito”. Em Mateus
17:20, Jesus diz quase a mesma coisa:
“Se tiverdes fé como um grão de
mostarda, direis a este monte: Passa
daqui para acolá - e há de passar; e nada
vos será impossível”. Além disso, em
Mateus 14:31, vemos Jesus segurando
Pedro a fim de impedi-lo de afundar no
lago e perguntando a ele: “Homem de
pequena fé, por que duvidaste?” Esses
exemplos mostram que essa fé significa
a mente intensamente concentrada [6].
Dessa forma, o tipo de fé que Deus
requer nunca pode ser cega. Acreditar
em alguma autoridade cegamente, sem
entendimento correto de temas
concernentes a Deus, deve ser algo
impossível nos ensinamentos de Jesus
Cristo.
Como seria possível para nós amar os
ouros e destruir nosso egoísmo
simplesmente por acreditar nas palavras
de outro, sem saber porquê ou para qual
benefício faríamos isso? Seria tal fé
poderosa o suficiente para mover
montanhas? A palavra “montanha” neste
contexto, interpretada do modo
buddhista, aponta para o egoísmo que
nos obstrui no caminho a Deus. Esse
tipo de montanha é muito mais pesado
que as montanhas terrestres comuns, as
quais, aliás, estão em constante
movimento. A fé dos buddhistas é
também a fé que pode mover tais
montanhas. Esperamos realizar Deus de
certa maneira, também. Tal sistema não
deveria, portanto, ser considerado um
“sistema de fé”. Ao contrário,
deveríamos considerá-lo um sistema de
ação a ser praticado com a mais alta
vigilância e sabedoria, isto é, com uma
inteligência que é semelhante a Deus ou
Divina.
Em Mateus 6:14-15, Jesus diz: “Porque,
se perdoardes aos homens as suas
ofensas, também vosso Pai celestial vos
perdoará a vós; Se, porém, não
perdoardes aos homens as suas ofensas,
também vosso Pai vos não perdoará as
vossas ofensas”. Isso mostra bem
claramente que o Cristianismo é mais
que um sistema de mera oração ou
crença de modo a ser salvo. Devemos
realizar o ato (karma) de perdoar os
outros, se quisermos nos libertar de
nossos próprios comportamentos
errados, isto é, compelir Deus a realizar
seu dever em nossa direção. Nós,
buddhistas, consideramos tal sistema
como um sistema de ação, ao invés de
um de orações, isto é, devemos ajudar a
nós mesmos primeiro, de modo que
Deus possa, então, nos ajudar. Deus
ajuda aqueles que se ajudam. Embora
Deus queira que perdoemos os outros
por seus erros, não o fazemos apenas
para agradar a Deus. Ao contrário, o
fazemos na esperança de certos
benefícios que buscamos. Os buddhistas
falam de tais ações como sendo de real
autoajuda e pensamos que tal autoajuda
certamente é encontrada nos
ensinamentos cristãos. Parece,
entretanto, que interpretações diferentes
se acumularam através dos anos, de
acordo com as mudanças dos tempos e
condições, até que, finalmente, toda a
coisa se tornou uma questão de fé e
oração. Devemos, por esse motivo,
tomar a Bíblia como o relato autêntico
do ensinamento cristão, ao invés de
ensinamentos tradicionalistas da Igreja,
à medida que continuamos nosso estudo
comparativo.
Em Mateus 7:18-20, Jesus utilizou o
símile de uma árvore e de seus frutos
para indicar que reconhecemos uma
pessoa como boa ou má conforme suas
ações (“Não pode a árvore boa dar
maus frutos, nem a árvore má dar frutos
bons. Toda árvore que não dá bom fruto
corta-se e lança-se no fogo. Portanto,
pelos seus frutos os conhecereis”). Isso
se encaixa com o ensinamento buddhista
de forma exata. Em Mateus 6:33
encontramos as palavras: “Mas buscai
primeiro o reino de Deus, e a sua
justiça, e todas estas coisas vos serão
acrescentadas”. Se compreendermos
essa declaração de maneira superficial,
ela parecerá ser uma questão de fé ou
devoção baseada na fé. Entretanto,
aqueles acostumados ao modo buddhista
de pensar não poderão concordar com
essa maneira. Interpretada da maneira
buddhista, a palavra “buscar” implica
sacrifício total ou abandono (pāli:
paṭinissagga). Explicando: antes
tomávamos as coisas da natureza, ou de
Deus, como nós mesmos e como nossas.
Apegamo-nos a estas coisas naturais
como “eu” e “meu”. Se o apego se
fortalece, este sentimento de “eu” e
“meu” se torna tão poderoso a ponto de
encher a pessoa com o egoísmo. Agora
que a pessoa está em busca do reino de
Deus, ela deve soltar, abandonar ou
oferecer tais coisas de volta para Deus
ou para a Natureza, nunca se apegando a
elas como “eu” ou “meu” novamente.
Quando se consegue fazer isso, então,
garante-se que a salvação e a perfeita
paz ocorram completamente, sem nada
faltando ou de maneira errada.
Falamos de Deus como “Dhamma”,
aquela natureza que é absoluta e justa.
Abandonar as coisas que previamente se
pensava como sendo ‘si mesmo’ ou
‘suas propriedades’ é a coisa mais
adequada e justa a fazer pela simples
razão de que tais coisas nunca
pertenceram a ninguém. Mesmo nossas
mentes e corpos não são, de fato,
nossos; ao contrário, pertencem ao
Dhamma ou a Deus. A mente que é livre
do sentimento de si mesmo ou de ego é a
mente que alcançou Deus. Isto é o nível
supremo de Dhamma no Buddhismo, o
que chamamos de “lokuttara-dhamma”
(o supramundano, o transcendente).
Assim, achamos que essa afirmação em
Mateus sobre buscar o reino de Deus é o
nível supramundano do Dhamma do
cristão. Novamente, tal ato deveria ser
nomeado “karma” ao invés de “fé”, pois
é o nível superior da ação que termina
finalmente com todo o sofrimento,
depois do quê nada resta para praticar.
Em Mateus 7:2 encontramos: “Porque
com o juízo com que julgardes sereis
julgados”. Os buddhistas sentem que
isso está em perfeita harmonia com a lei
buddhista do Karma. Aqui, o recipiente
de nosso dar não é meramente nosso
próximo, com quem trocamos bens, mas
de acordo com a linguagem do Dhamma,
se refere também a Deus em seu aspecto
de Lei do Karma.
Além disso, a declaração em Mateus
7:12: “Tudo o que vós quereis que os
homens vos façam, fazei-lho também
vós”, também expressa o princípio
buddhista do karma. Se quisermos que
Deus nos ame, devemos primeiro amar
Deus. Se quisermos que Deus faça o que
desejamos, primeiramente devemos
fazer o que Deus deseja. Isto, de fato,
significa que devemos agir corretamente
de acordo com a Lei do Karma, que é
Deus Absoluto e Todo Poderoso. Se
acreditamos ou não na Lei do Karma ou
em Deus, o modo de agirmos
determinará o fruto que receberemos.
Também encontramos o princípio de
autoajuda nessas palavras.
Em Mateus 7:7 lemos: “Pedi, e dar-se-
vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e
abrir-se-vos-á”. Do ponto de vista
buddhista, isso também é uma questão
de karma; devemos agir, isto é, devemos
pedir, buscar e bater para que Deus se
mova. Mera fé não é suficiente. Mesmo
se alguém se sentar e orar, ainda não
será suficiente. Neste contexto, a
palavra “pedir” implica esforço sincero
para fazer surgir um resultado desejado,
o que significa dizer, suplicamos à Lei
do Karma por meio de nossa ação e não
meramente com palavras.
Em Mateus 11:29 Jesus diz: “Tomai
sobre vós o meu jugo”. Isso mostra
muito claramente que uma pessoa deve
tomar para si o fardo da ação, o dever
da prática, de maneira a ser salva. Isso
não é uma sugestão para assumirmos
quaisquer preocupações e cuidados a
respeito de meras crenças, mas, ao
contrário, nos aconselha a agir e
perseverar com resistência paciente.
Aqui, novamente, é o princípio do karma
do Buddhismo.
Em Mateus 12:33 encontramos a
afirmação: “Ou fazeis a árvore boa e o
seu fruto, bom, ou fazeis a árvore má e o
seu fruto, mau; porque pelo fruto se
conhece a árvore” [7]. Novamente
vemos o ensinamento do karma tal como
encontrado no Buddhismo e em todas as
religiões que ensinam sobre o karma.
Desta maneira, os buddhistas olham para
o Cristianismo como uma religião do
karma, assim como o próprio
Buddhismo o é, e não conseguem ver
nele uma religião de fé cega.
Mateus 12:50 afirma que: “Porque
qualquer que fizer a vontade de meu Pai,
que está nos céus, este é meu irmão, e
irmã, e mãe”. Notem que essa
declaração usa o verbo “fazer”, ao invés
do verbo “acreditar”, isto é, acreditar no
“meu Pai nos céus”. Isso indica que
Jesus enfatizava a ação ou a prática mais
que a crença. Somente a fé não poderia
fazer de ninguém seu irmão, irmã ou
mãe. Aqui, Jesus recusou aceitar Maria
como sua mãe, e seus próprios irmãos e
irmãs como seus parentes; ainda assim,
aceitou aqueles que faziam a vontade de
seu Pai como suas irmãs, irmãos e mães.
Algo tão significativo quanto essa
passagem enfatiza a prática e a ação,
enquanto fé e oração nem mesmo são
mencionados.
Em Mateus 18:35 encontramos: “Assim
vos fará também meu Pai celestial, se do
coração não perdoardes, cada um a seu
irmão, as suas ofensas”. Isso mostra que
as coisas chamadas amorosidade
(mettā) e perdão nada têm a ver com fé,
mas são ações a serem feitas a partir do
coração, isto é, intencionalmente, o que
é o significado real de karma.
Em Mateus 19:17 encontramos a
instrução: “Se queres... entrar na vida,
guarda os mandamentos”. Aqui a
palavra “manter/guardar” é equivalente
à prática (paṭipatti) buddhista. Manter
os mandamentos ou a prática de acordo
com os mandamentos significa muito
mais que meramente crer neles ou
qualquer coisa parecida. Assim, os
ensinamentos cristãos e buddhistas estão
em harmonia tanto quanto se referem à
necessidade da prática. De acordo com
ambas as religiões, não é suficiente
meramente ter crença, fé, lealdade ou
devoção, sem agir com atenção
vigilante, inteligência e sabedoria. As
muitas citações aqui deixam
suficientemente clara a observação do
fato de que, mesmo na análise
comparativa de poucas páginas do livro
de Mateus, é possível encontrar muitos
ensinamentos harmônicos com o
princípio buddhista do karma. Pensem
em quantas passagens poderíamos
encontrar sobre o karma se
considerássemos todo o Novo
Testamento.
Para resumir, os ensinamentos cristãos
de tolerância, perdão, amar os inimigos,
ajudar os outros e amar os outros
igualmente, ou mais que a si mesmo, são
questões ligadas à ação, e não apenas à
fé. Se uma pessoa entende Deus ou não,
isso é imaterial, pois se praticar as
virtudes acima, o resultado estará em
acordo com aquela própria Lei do
Karma que o buddhista considera como
Deus. Mesmo a mais simples oração
devocional é um tipo de ação pela
simples razão de que se precisa fazê-la
com corpo, fala e mente. Assim, o ato da
oração devocional consiste de karma
corporal, karma verbal e karma mental.
Mesmo o fenômeno chamado “crença” é
um tipo de ação mental benéfica, se for
correta e baseada na sabedoria. Ela se
torna ação mental saudável porque surge
da intenção, ou é em si mesma a própria
intenção, de encontrar genuíno refúgio
com uma mente sábia e sem ilusões. Fé
cega, entretanto, baseada apenas no
rumor e ‘ouvir dizer’, não pode ser
considerada karma aqui.

NOTAS DO CAPÍTULO
1. A Lei da Ação (karma, pāli: kamma)
e os Resultados da Ação (kamma-
vipāka).
2. Alguns amigos cristãos respondem
que “Cristo está em todo lugar, tanto
dentro quanto fora”. Assim, a ajuda não
é exatamente externa. Aqui, como em
outras partes, Ajahn Buddhadasa estava
respondendo à visão cristã mais
frequentemente divulgada no Sião
(Tailândia).
3. Como “fé” (pāli: saddhā)
teologicamente é significativa no
Cristianismo, e num grau menor no
Buddhismo, o termo tailandês comum
‘cheua’ é reduzido como “crença”
durante todo o livro, pois ambos
carecem de conotações que vários
cristãos dão a “fé”.
4. Orn-worn, a tradução tailandesa de
“oração”, tem o significado limitado de
“pedir” ou “mendigar”, ou seja, a prece
peticionária, e deixa de fora a oração
contemplativa.
5. O princípio variadamente conhecido
como cooriginação dependente
(paṭicca-samuppāda), condicionalidade
(idappaccayatā), Lei do Karma e Lei
Natural, é o coração do entendimento
buddhista. Os relacionamentos entre
causas e seus efeitos são examinados
continuamente, com grande sutileza e
poder.
6. Na tradição buddhista, os assim
chamados milagres e poderes psíquicos
são sempre atribuídos ao poder de
samādhi (concentração mental).
7. Aqui, Ajahn Buddhadasa indica a
tradução dessa passagem a partir da
versão americana da Bíblia, ao invés da
tradução tailandesa disponível.
Capítulo IV:
Cristianismo &
Sabedoria
Consideraremos agora o Cristianismo a
partir de outros ângulos de modo a
encontrar quais outros aspectos do
Dhamma cristão, além do karma e do
princípio de autoajuda, que possam se
encaixar no Buddha Dhamma. A seguir,
consideraremos se o Cristianismo é uma
“religião de sabedoria”.
Em Mateus 18:7 encontramos as
palavras: “Ai do mundo, por causa dos
escândalos!” Em algumas edições, isso
é traduzido: “Ai do mundo pelo
surgimento da causa de tropeços”. Isto
mostra que a sabedoria, ou a luz nos
guia corretamente ao longo do caminho.
Em outras palavras, se há um guia
competente no qual depositar confiança,
tal guia deve ser a luz ou a sabedoria em
si. Neste caso, Deus é a Perfeita Luz, e
ter fé em Deus é seguir esta Luz de
Deus. De modo geral, a fé pressupõe
outra pessoa, mas sempre que há fé em
si mesmo, tal fé imediatamente se torna
luz. Esta luz ou sabedoria, em seu
aspecto mais importante, depende de si
mesmo. Estar verdadeiramente acima da
tentação e da causa da queda depende da
luz que podemos ver com nossos
próprios olhos, ao invés da fé no guia.
Assim, os buddhistas aceitam que o
princípio da sabedoria é encontrado nos
ensinamentos de Jesus Cristo em total
extensão.
Em Mateus 13:23 lemos: “Mas o que foi
semeado em boa terra é o que ouve e
compreende a palavra; e dá fruto, e um
produz cem; outro, sessenta; e outro,
trinta”. Por favor, notem que Jesus diz:
“o que ouve e compreende a palavra”.
Um buddhista diria que Jesus quer
seguidores que entendam o que ouvem e
não apenas acreditem no que ouvem.
Isso é claramente indicado em 13:20-21:
“Porém, o que foi semeado em
pedregais, é o que ouve a palavra e logo
a recebe com alegria; Mas não tem raiz
em si mesmo; antes, é de pouca duração;
e, chegada a angústia e a perseguição
por causa da palavra, logo se ofende”.
Isto mostra que alguém que entende e
está bem estabelecido Na Palavra nunca
poderá “se ofender” desta forma.
Entretanto, alguém que acredita rápido
demais, é como a semente semeada na
pedra que logo seca no sol e não
frutifica. Apenas por essa razão, os
buddhistas sentem que o Cristianismo
também é uma religião de sabedoria.
Ainda assim, as autoridades e os
professores de Cristianismo nada
ensinam a não ser repetidamente sobre a
fé, de tal modo que um número de
pessoas nascidas em famílias cristãs
abandona sua religião para se dedicar a
outras. Alguns abandonaram a religião
completamente. Já ouvi isso em
conversas com algumas dessas pessoas,
das quais existem muitas. Sinto que essa
situação nunca deveria ocorrer.
Em Mateus 7:4-5 Cristo diz: “Ou como
dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o
argueiro do teu olho, estando uma trave
no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave
do teu olho, e então cuidarás em tirar o
argueiro do olho do teu irmão”. Isso é
exatamente o que o Senhor Buddha diz
no Dhammapada:
Primeiramente alguém deveria se
estabelecer naquilo que é
apropriado. Somente então
instruir os outros. Assim, a pessoa
sábia não será reprovada.
Alguém deveria fazer o que ensina
os outros a fazerem. Se for treinar
os outros, deveria ter o controle de
si mesmo. Difícil, de fato, é o
autocontrole (Attavagga, 2-3). [1]
As palavras “estabelecer a si mesmo”
obviamente significam que se deve
comportar de maneira adequada, bem
estabelecido nas virtudes que ele ensina
aos outros, antes de realmente ensiná-
los. As palavras sobre remover
argueiros e traves de nossos olhos são
uma questão mais de sabedoria do que
de fé. Se os cristãos consideram isso um
de seus princípios fundamentais, então,
o Cristianismo é também uma religião
de sabedoria. Deus remove a poeira de
nossos olhos, assim como a sabedoria
faz o mesmo para os buddhistas, pois a
sabedoria é um dos papeis de Deus.

INDEPENDÊNCIA INTELECTUAL
A seguir, examinaremos a liberdade de
pensamento e o uso da razão
exemplificado pelo Kālāma Sutta [2].
Em Mateus 12:12 Jesus Cristo diz: “É
por consequência, lícito fazer bem nos
sábados”. Jesus disse isso aos fariseus,
mantenedores das antigas regras e
tradições hebraicas, os quais aderiam
estritamente à noção de que nada
deveria ser feito no Sabat, nem mesmo
curar o doente. Jesus não aceitou sua
interpretação e fez o que reconheceu
como bom. Este “não aceitar algo
meramente porque é uma crença
tradicional” (mā paramparāya),
exatamente como o Senhor Buddha
ensinou no Kālāma Sutta, é o próprio
cerne do ensinamento do Buddha.
Ao argumentar com os fariseus, Jesus
declarou: “Pois eu vos digo que está
aqui quem é maior do que o templo”
(Mateus 12:6); e, então, acrescentou:
“Porque o Filho do homem até do
sábado é Senhor” (Mateus 12:8). Jesus
confirmou que tinha razão suficiente
para abandonar as antigas tradições que
vinham sendo seguidas tolamente, e
tinha a intenção de se livrar de tais
tolices. É assim que ele fez tais
declarações, embora o Sabat fosse
considerado como um dia especial de
Deus a ser observado como o mais
sagrado de todos. Ele tinha a intenção de
usar o poderio de Deus para varrer a
devoção hipócrita a Deus, de modo a
varrer a superstição e ensinar a
humanidade a usar a razão. Ainda assim,
os fariseus estavam por demais cegos
para entender e, portanto, armaram um
esquema para se livrarem dele. Os
buddhistas que já estudaram esse relato
apreciam o supremo espírito de razão de
Cristo e devem considerar o Dhamma de
Cristo como uma religião da razão,
assim como o Dhamma do Buddha.
Quando um grupo de fariseus e escribas
de Jerusalém desafiou Jesus com a
pergunta: “Por que transgridem os teus
discípulos a tradição dos anciãos? Pois
não lavam as mãos quando comem pão”
(Mateus 15:2), ele respondeu que: “O
que contamina o homem não é o que
entra na boca, mas o que sai da boca,
isso é o que contamina o homem”
(Mateus 15:11). Então, Jesus explicou o
seguinte: “Mas o que sai da boca
procede do coração, e isso contamina o
homem. Porque do coração procedem os
maus pensamentos, mortes, adultérios,
prostituição, furtos, falsos testemunhos e
blasfêmias. São estas coisas que
contaminam o homem; mas comer sem
lavar as mãos, isso não contamina o
homem” (Mateus 15:18-20).
Isso mostra que o Cristianismo, como o
Buddhismo, não é uma religião
ritualística, que se prende a formas
externas e práticas supersticiosas como
padrão. Ainda assim, é uma pena que o
desenvolvimento constante de tantos
rituais criou uma crosta tão repugnante
na religião genuína.
Jesus não seguiu as maneiras
tradicionais de se dirigir a pais, mães,
irmãos e irmãs como as pessoas comuns
o faziam. Para Cristo, como já foi
mencionado (Mateus 12:50), quem quer
que fizesse a vontade de Deus é seu
irmão, irmã, mãe ou pai. Isso mostra que
Cristo progrediu muito além do que a
tradição podia seguir, de modo a
alcançar a verdade mais alta para a
própria religião. A atitude de Cristo
aqui corresponde ao princípio buddhista
de renascer na “família dos Nobres”,
adquirindo assim pais e irmãos de um
tipo completamente diferente. Isso pode
ser tomado como viver uma vida com
sabedoria no mais alto nível.

OUTRAS CARACTERÍSTICAS
SIGNIFICATIVAS
Tendo examinado o Cristianismo como
religião de sabedoria, continuaremos
nossos estudos comparados
mencionando outras características de
importância e interesse. Em Mateus
19:21, Jesus diz: “Se queres ser
perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá-o
aos pobres, e terás um tesouro no céu; e
vem e segue-me”. Em outras palavras,
ele os encorajou a viver a vida sem lar
(anāgārika), sem uma casa permanente,
sem família e sem riqueza material. O
próprio Jesus viveu assim e tinha a
intenção de que seus discípulos
vivessem o mesmo tipo de vida no
melhor de suas habilidades, de forma
que nenhuma preocupação pudesse
obstruir seu caminho de salvação. A
importância disso é ilustrada ainda mais
pelas palavras: “Ninguém pode servir a
dois senhores” (Mateus 6:24). Isto se
refere àqueles que querem ser tanto
ricos neste mundo quanto conquistarem
o Reino de Deus; mas, como podem ter
ambos ao mesmo tempo? Como Jesus
diz: “É mais fácil passar um camelo
pelo fundo de uma agulha do que entrar
um rico no reino de Deus” (Mateus
19:24). Mesmo quando uma pessoa rica
faz o bem ou faz mérito, ela o faz mais
para aumentar sua riqueza e status do
que por causa do Nibbāna ou do Reino
de Deus.
Essas três citações de Jesus Cristo
confirmam que o Dhamma cristão elogia
a vida sem lar de renúncia aos prazeres
sensoriais de modo a realizar o Dhamma
e o estado de perfeição. Em pāli, a
prática da renúncia é conhecida como
“nekkhamma” e é enumerada entre as
perfeições (nekkhamma-pāramī) que
carregam os praticantes do Dhamma
através dos “mares de dukkha” até “a
outra margem”. Desnecessário dizer que
o próprio Jesus era um exemplo notável
desse tipo de vida.
Uma das mais importantes
características do Buddhismo é o
Caminho do Meio (majjhimāpaṭipadā).
Nem muito solto, nem muito estrito, o
caminho do Meio é o caminho de prática
que nem se entrega aos prazeres
sensoriais nem cai no autotormento e na
automortificação por meio dos quais
alguns ascetas quase se matam. Ele é o
meio dourado por meio do qual se tem
força corporal e mental suficientes para
realizar qualquer dever que seja
requerido.
Jesus também favorecia o meio dourado.
Ele o viveu, o ensinou, e encorajou que
seus discípulos o praticassem, como
pode ser visto em Mateus 11:29-30:
“Tomai sobre vós o meu jugo, e
aprendei de mim, que sou manso e
humilde de coração, e encontrareis
descanso para as vossas almas. Porque
o meu jugo é suave, e o meu fardo é
leve” (algumas versões escrevem “meu
jugo é bom de ser carregado”). Isso
mostra que o Dhamma cristão também
sustenta o princípio da ação sabiamente
equilibrada que evita os extremos do
frouxo e do rígido em todas as coisas.
Isto é idêntico ao Caminho do Meio, o
princípio buddhista de maior
importância.
Agora chegamos ao princípio mais sutil
de que o Dhamma deve ser realizado
por si mesmo (paccattaṁ), e deve ser
estudado e experienciado dentro de si
(ajjhattaṁ). Os buddhistas afirmam isto
como uma verdade conhecida pelo
indivíduo vigilante e sábio, ou seja, de
que não é necessário acreditar em coisa
alguma apenas baseado na autoridade
externa, seja seu próprio professor,
escrituras sagradas ou alguma pessoa
confiável (Kālāma Sutta) [3]. O
Dhamma de Cristo concorda com este
princípio de preferir o que é conhecido
por si mesmo dentro de si mesmo, pois
Jesus diz: “Como diz a Escritura, rios de
água viva correrão do seu ventre” (João
7:38). Isto significa que qualquer um que
acredite verdadeiramente em Cristo e,
assim, siga em seus passos, beberá a
água da vida eterna que flui daquela
própria pessoa. Tal prática deve ser a
mesma daquela do Buddhismo, isto é,
abandonar o eu físico e carnal, e, assim,
experienciar o “eu” espiritual”, que não
é realmente seu, e pertence à Natureza
ou Deus. Compreendendo isso, ele
experimenta uma paz e um frescor
indescritivelmente sublimes vindos de si
mesmo.
Em termos estritamente buddhistas,
chamaríamos isto de descoberta do
Nibbāna, o arrefecimento do sofrimento
que sempre já existiu em todos. Nas
próprias palavras do Buddha: “O
mundo, a causa do mundo, o completo
arrefecimento do mundo e o caminho
que leva ao arrefecimento do mundo: o
Tathāgata ensina que tudo isso pode ser
encontrado e realizado neste
determinado corpo que está vivo com
percepção e consciência” (Rohitassa
Sutta, Aṅguttara) [4]. Podemos encontrar
tudo dentro de nós mesmos, dependendo,
é claro, do quê e como praticamos.
Mesmo Deus, Jesus e as bênçãos de
Deus, tais como a água da vida eterna,
podem ser encontrados em nossas
próprias vidas por meio de nossa
própria prática. De outro lado, Satanás,
e os múltiplos sofrimentos tais como são
conhecidos como chamas do inferno,
podem ser encontrados em nós mesmos
por meio de nossas próprias ações
também. Se praticarmos no nível mais
alto, encontraremos o Reino de Deus
que já existe dentro de nós mesmos.
Tudo depende de como praticamos.
Você acredita ou não? Livrarmo-nos do
eu de carne ou não, essa é a única
questão, toda a questão. Isso decide se
renasceremos no Reino de Deus, que já
está dentro de nós, ou se
permaneceremos nos afogando no
inferno, que também já está dentro de
nós. Desta forma, estamos certos de que
os princípios buddhistas de que o
Dhamma deve ser realizado
pessoalmente e dentro de nós
(paccattaṁ e ajjhattaṁ) podem também
ser encontrados no Dhamma cristão.
Usarmos as palavras “nascer de novo”
(João 3:3) ou “entrar na vida” (Mateus
19:17), significa tão somente uma
questão de certa atividade mental dentro
de si mesmo aqui e agora neste mundo.
Aqui, novamente, estão os princípios de
paccattaṁ e ajjhattaṁ. Outros termos e
expressões comuns, tais como “entrar no
Reino de Deus”, têm o mesmo tipo de
implicação.

ÚLTIMAS PALAVRAS DOS DOIS


MESTRES
Um paralelo maravilhoso pode ser
encontrado no pacchimavācā ou últimas
palavras faladas pelos dois mestres aos
seus respectivos discípulos. No final,
Jesus disse: “Portanto, ide, ensinai todas
as nações, batizando-as em nome do Pai,
e do Filho, e do Espírito Santo;
Ensinando-as a guardar todas as coisas
que eu vos tenho mandado; e eis que eu
estou convosco todos os dias, até a
consumação dos séculos” (Mateus
28:19-20). Similarmente, o Buddha
disse: “O Dhamma e a Disciplina
(Vinaya) que formulei e ensinei a vocês,
serão seu professor para sempre, depois
que eu tiver ido embora”. Então, ele
concluiu com as palavras: “Todas as
coisas são naturalmente sujeitas à
decadência: de modo diligente
aperfeiçoem a vigilância” (Mahā-
parinibbāna Sutta, Dīgha) [5].
Nos dias finais de suas existências
corporais, tanto o Buddha quanto Jesus
estiveram preocupados que seus
discípulos fossem determinados na
prática do Dhamma de seus
ensinamentos. Ambos afirmaram que
estariam sempre com seus discípulos,
por meio do Dhamma que se perpetuaria
nas mentes daqueles que
verdadeiramente o praticassem. No
Cristianismo, este estado poderia ser
chamado de “viver no espírito”,
enquanto os buddhistas diriam “viver de
acordo com o Dhamma-Vinaya” que
existe sempre nos corações dos
discípulos cujas mentes estejam limpas,
claras e calmas. As palavras “Estou
sempre com vocês, para sempre, até o
final dos dias” devem ser tomadas na
linguagem do Dhamma e requerem
grande cuidado em interpretá-las. Se
interpretamos tais palavras
corretamente, todos verão que ambos,
Buddha e Jesus, verdadeiramente vivem
em nós, para sempre. Por favor, tenham
um interesse especial nisso; então, vocês
verão que o mesmo é verdadeiro para
todas as religiões.
Outro fato interessante sobre as palavras
finais de Jesus é a ênfase de que seus
discípulos, e todas as nações, deveriam
praticar de acordo com seu ensinamento.
Ele não enfatizou o tema da fé de modo
algum. Isto nos leva a entender que a fé
significa praticar de acordo com seu
ensinamento e seu exemplo. Se não
houver prática, não haverá frutos. E se
isso não fosse assim, Jesus não teria
usado as palavras “ensine-os a
observar”. Crença é meramente uma
preliminar à prática de fato, pois crer é
um aspecto da prática.
No dia de seu falecimento, Jesus
enfatizou que seus discípulos deveriam
espalhar o Dhamma cristão para todas
as nações e povos do mundo. O Buddha
enfatizou isso também, logo depois do
Despertar, quando havia apenas sessenta
discípulos. Buddha e Jesus
compartilharam a esperança de que esta
luz brilhasse por todo o mundo. Jesus
disse: “Portanto, ide, ensinai todas as
nações, batizando-as em nome do Pai, e
do Filho, e do Espírito Santo” (Mateus
28:19). O Buddha disse: “Bhikkhus,
caminhem para o benefício e bem-estar
de muitos, por compaixão pelo mundo,
para o benefício, para a ajuda, para o
bem-estar de deuses (devas) e humanos.
Que dois não sigam o mesmo caminho.
Proclamem, bhikkhus, o Dhamma
esplêndido no começo, no meio e no
fim. Declarem a Vida Sublime, perfeita
e pura” (Mahāvagga, Vinaya) [6].
Quando homens verdadeiramente
religiosos praticam completamente sua
religião, podemos dizer que tanto o
Cristianismo quando o Buddhismo se
tornam religiões universais, satisfazendo
o objetivo de seus fundadores.
Tudo isso depende da sinceridade dos
seguidores em relação aos seus
fundadores ou profetas, e em relação ao
Dhamma, que é a própria religião. Deve
haver dedicação às suas respectivas
religiões, de modo que nenhum ‘eu’ reste
para ser egoísta novamente.
Sumário da Parte I

Estes primeiros quatro capítulos [7]


compararam Cristianismo e Buddhismo
a partir de vários ângulos e sob
diferentes perspectivas. Até mesmo os
consideramos a partir de pontos de vista
que nunca as pessoas se interessaram
anteriormente. Foi nossa intenção
assegurar uma comparação correta e
imparcial dessas duas grandes tradições.
A fim de concluir, vamos resumir os
tópicos principais desses primeiros
capítulos como se segue:
(1) Os fundadores de todas as religiões
mundiais aparecem no mundo de modo a
aperfeiçoar as várias coisas que a
humanidade aspira.
(2) Todas as escrituras religiosas têm
dois tipos de linguagem: linguagem do
povo e linguagem do Dhamma. Se
fracassarmos em interpretar as
escrituras corretamente de acordo com a
linguagem usada, as diferentes religiões
cairão em conflito e serão incapazes de
trabalhar juntas. Além disso, algumas
pessoas ficarão frustradas com suas
próprias religiões; algumas delas
adotarão outras religiões e algumas
abandonarão completamente a religião.
Por fim, se esses dois tipos de
linguagem não forem entendidos de
maneira inteligente, alguns temas da
prática serão impossíveis de serem
seguidos.
(3) O dar e receber é essencial se
quisermos que os estudos comparados
de religião sejam de benefício ao
mundo. Por exemplo, deveremos
concordar em tais pontos como: o de
haver um pregador do Dhamma de Deus
entre todos os povos e linguagens; que
as pessoas de hoje estudam suas
religiões como se estivessem subindo
em uma árvore a partir de seu topo, isto
é, elas estão perdidas num matagal de
escrituras e textos; que a interpretação
de qualquer ponto doutrinal depende de
sua utilidade para o bem comum do
mundo; e que deveríamos tentar usar o
conjunto comum dos termos religiosos
de modo que as pessoas possam estudar
a religião de maneira fácil e rápida.
(4) Quando comparando Cristianismo e
Buddhismo, devemos aceitar que cada
religião tem tanto uma forma externa
quanto uma essência interna. De modo a
sermos justos deveríamos comparar as
formas externas de uma religião com as
formas externas de outra, e a essência
interna de uma com a essência interna da
outra. A palavra “religião” deveria ser
definida como “um sistema de
observação e prática que une a
humanidade à coisa mais alta
(chamemos isso de “Deus” ou
“Nibbāna”). Há muitos pontos no Novo
Testamento que concordam com o
Buddhismo do Tipiṭaka, o que leva
buddhistas a considerarem o
Cristianismo como uma religião de ação
e autoajuda baseada na sabedoria e na
razão, ao invés de uma religião baseada
meramente na fé ou na crença, como é
geralmente entendido. Podemos provar
isso facilmente. Se o Cristianismo fosse
meramente uma religião de fé, sem
quaisquer outros princípios maiores,
Jesus Cristo não teria enfatizado
repetidamente por todos os Evangelhos
a importância da ação e da prática de
fato de seu ensinamento e modo de vida.
Nem teria repetido em suas últimas
palavras: “Ensine a eles a observarem
aquilo que comandei”.
(5) Assim, ambas as religiões são
religiões de ação pessoal, de colher os
frutos a partir de si mesmo e por si
mesmo, quando se vive de acordo com o
Dhamma, ou, para se colocar em termos
cristãos, quando se segue a vontade de
Deus, ou mesmo mais simplesmente,
“seguir a Deus”. Dessa maneira, ambas
as religiões concordam em todos os
aspectos. No próximo capítulo
continuaremos a examinar importantes
similaridades e congruências entre essas
duas religiões.

NOTAS DO CAPÍTULO
[1] Khuddaka-nikāya, Dhammapada,
capítulo 12: O Self, versos 2-3. Há
várias traduções para o inglês do
Dhammapada. Utilizei a versão de
Acharya Buddharakkhita publicada pela
Maha Bodhi Society (Índia) e
distribuída pela Buddhist Publication
Society (Kandy, Sri Lanka), page 63.
[2] AN.i.189. Anguttara-nikāya,
Tikanipāta (“Três”, vol. 1), Mahāvagga
(7), Sutta #5. (Também, Kesaputti Sutta
na edição tailandesa, mas Kesamutti
Sutta na edição birmanesa). Infelizmente
não podemos recomendar uma tradução
facilmente acessível do Anguttara. Esse
famoso sutta, porém, aparece em vários
livros de Buddhismo.
[3] Ibid.
[4] AN 4:45, A.ii.49, NDB 434.
[5] D.ii.156. Digha-nikāya #16.
Discursos Longos, página 270.
[6] V.iv.21; Vinaya-piṭaka, Mahāvagga,
Mahākhandako, Mārakatha 11.1;
Disciplina Vol. 4, p.28.
[7] Correspondendo à primeira palestra.
PARTE II: PAI, FILHO
E ESPÍRITO SANTO
Capítulo V: O que é Deus?

Na segunda parte deste estudo,


consideraremos o Pai, Filho e o Espírito
Santo. Aqui, “Pai” se refere a Deus
como o Criador, o Mantenedor e o
Destruidor do mundo. Consideraremos
esses termos tanto do ponto de vista da
linguagem de todos os dias do povo
quanto da linguagem do Dhamma, a
linguagem da verdade religiosa.

“DEUS” EM SEU SENTIDO GERAL


Os buddhistas tailandeses sempre
tiveram um Deus próprio, antes de
aceitarem o Buddhismo, durante o tempo
em que se tornaram buddhistas, e mesmo
até os dias atuais. Devemos entender
isso de forma apropriada a fim de que
nosso estudo comparativo seja correto.
A palavra phra chao (Deus) é uma
palavra original tailandesa que se refere
a algo que pode atender pedidos ou ser
elogiado de acordo com o instinto
sentido por todos os seres que
experimentam e pensam. Antes de
receber o Brahmanismo, o povo
tailandês acreditava em um tipo de
“Deus” na forma de espírito ou deidade,
como é comum nos povos nômades. Ao
entrar em sua região atual, os
tailandeses encontraram o Brahmanismo
e aceitaram a cultura indiana, incluindo
deidades indianas como Shiva e Vishnu.
Os tailandeses começaram também a
usar a palavra phra chao para seus reis,
durante aqueles períodos quando os
brāhmaṇas ensinaram que os reis eram
avatares (encarnações divinas) de Deus.
Quando os reis morriam, altares eram
construídos e dedicados a eles. O
pronome de primeira pessoa kha-
phrachao e sua forma abreviada
khapachao originaram-se deste termo
phra chao.
Quando chegou a hora do povo
tailandês aceitar o Buddhismo como sua
religião, a tendência brahmânica já
existente em seu pensamento
transformou em convenção que cada rei
era um Buddha, algo como a deificação
brahmânica de seus reis.
Consequentemente, o pronome de
primeira pessoa kha-phra-putta-chao
[1] passou a ser usado (também
abreviado para khapachao). Desta
forma, o uso de fato do pronome de
primeira pessoa no tailandês é a
evidência da crença em alguma forma de
Deus, seja na forma humana como na
divina, ou em algo derradeiro para além
de todas as formas, ou em algum poder
misterioso e incompreensível.
Em todos os casos, o significado
preciso desta palavra “Deus” dependerá
do nível de educação do orador, da
cultura na qual é falada ou do uso
intencionado naquela ocasião. Ainda
assim, o significado real e central será o
mesmo, isto é, “a coisa superior” a ser
temida e solicitada como mencionado
acima. Uma criança terá um tipo de
Deus, um adulto terá outro, e uma pessoa
bem instruída terá um terceiro, cada qual
de acordo com o conceito que o
satisfaça conforme sua educação. Desta
forma, o que chamamos de “Deus” nem
é algo estranho nem novo para o povo
tailandês. E mesmo que novos elementos
possam ser introduzidos de modo a
conquistar seus corações, os sentimentos
sobre Deus e suas interpretações de
Deus permanecem as mesmas que antes.
Desta forma, quando palavras como
“Deus”, “Jehovah” ou “Senhor Jesus”
foram introduzidas ao povo tailandês,
que já tinha um Deus próprio, ele não
ficou interessado ou entusiasmado.
Outros benefícios tinham que ser
introduzidos de modo a estimular seu
interesse na nova religião, benefícios
tais como auxílios na educação, saúde e
finanças. Consequentemente, algumas
pessoas se tornaram interessadas e
ficaram dispostas a receber a nova
religião. Não apenas receberam alguns
benefícios disso, mas também isso as fez
se sentirem atualizadas, com prestígio e
adequadas considerando a popularidade
da cultura ocidental tomada geralmente
como mais avançada. Ainda assim, a
palavra phra chao manteve seu velho
significado para tais pessoas, somente o
nome mudou. Tais pessoas conhecem
Deus apenas no sentido pessoal da
linguagem convencional. Elas ainda não
conhecem Deus no verdadeiro sentido
da palavra, o Deus que nem é pessoa,
nem mente, nem espírito, mas que é o
naturalmente auto-existente Dhamma ou
o poder do Dhamma e que, daqui para
frente, será referido como “Deus na
linguagem do Dhamma”.
Tanto quanto as pessoas insistam que
Deus é uma pessoa no sentido
convencional da linguagem popular,
poderemos dizer que não conheceram o
Deus real. Isso, por sua vez, leva a
proselitismo, discordâncias, embates e
conflitos. Os intelectuais cada vez mais
negarão este tipo ordinário de Deus e,
dentro em breve, as pessoas instruídas
na forma moderna eliminarão Deus de
seus corações completamente. Mesmo
agora, pessoas instruídas apenas usam a
palavra “Deus” ocasionalmente. Pode
ser que a usem em períodos de guerra,
em ocasiões importantes ou em debates
acadêmicos, quando um beco sem saída
é alcançado, algum sucesso ocorra por
razões que não podem ser explicadas ou
em ocasiões em que algo ocorreu
inexplicavelmente porque suas causas
são por demais profundas ou obscuras.
Tal Deus está somente nos lábios, uma
exclamação falada por hábito, mas não é
o verdadeiro deus. Este tipo de Deus é
encontrado entre todos os povos, em
todas religiões e em todas as linguagens.
Se o povo acredita em espíritos, anjos,
sorte, destino ou o que quer que seja, ele
constantemente fala de “Deus” da forma
habitual; ou poderíamos dizer que tais
coisas se tornam Deus para essas
pessoas. Se tal situação continuar,
aquilo que é chamado de “Deus” terá
cada vez menos significado real e, no
fim, nada restará a não ser crenças e
práticas supersticiosas. Tal é o
problema perene das pessoas que se
apegam a esse conceito de um Deus
pessoal no sentido convencional da
palavra.
Nosso estudo de Deus deve se
desenvolver desde os níveis mais baixos
de entendimento até os mais altos, até
entendermos Deus como Dhamma, não
como uma pessoa, não como mente,
consciência ou espírito. Devemos
entender Deus como algo especial que
não tem corpo, coração, mente ou forma;
como algo livre do poder do tempo e do
espaço; como algo que não pode ser
explicado pela linguagem convencional
e que deve ser explicado somente pela
linguagem do Dhamma utilizada nos
círculos religiosos altamente
competentes. Se isso puder ser feito,
aquilo que chamamos “Deus” satisfará
os intelectuais modernos e poderá
certamente permanecer com a
humanidade de um modo que não
necessite ser empurrado goela abaixo
nos outros. Então, Deus verdadeiramente
regerá o mundo. Quanto à palavra
“Deus” num sentido convencional,
deixe-a para as crianças e para aqueles
que não podem ainda entender Deus de
acordo com a linguagem do Dhamma,
até que mais cedo ou mais tarde sejam
capazes de entendê-lo.
Para sintetizar esse ponto, Deus é
geralmente pensado em termos da
linguagem popular e esse entendimento
não chega tão alto quanto Deus na
linguagem do Dhamma. Por agora,
devemos aceitar que a palavra “Deus”,
como usada em todas as religiões, tem
esses dois níveis de significado.
Para a conveniência do avanço do
estudo comparativo, em seguida
definiremos claramente as duas noções
de Deus. É dito que o Deus da
linguagem popular tem algum tipo de
forma ou corpo, ele ama, fica raivoso,
quer coisas e faz tanto o bem quanto o
mal. De outro lado, o Deus da linguagem
do Dhamma não tem corpo, ocupa
nenhum lugar, não ama, não fica raivoso,
está acima de todo desejo e não faz nem
o errado nem o certo. Ainda assim,
apesar das contradições aparentes,
podemos interpretar o Deus da
linguagem popular de forma que possa
concordar com o Deus da linguagem do
Dhamma de todas as maneiras. O único
problema é se seremos ou não livres
para interpretar Deus dessa forma e
capazes de entender o significado mais
profundo. Se não o formos, o Deus da
linguagem popular permanecerá um
Deus para crianças e para aqueles
apenas começando a examinar tais
assuntos. Não haverá qualquer jeito de
se aproximar do Deus real com
inteligência superior e sabedoria,
nenhum modo de chegar ao objetivo de
todas as escrituras e de todas as
religiões. Dessa perspectiva, se pode
ver quão importante é podermos estudar
o significado real de Deus de acordo
com a linguagem religiosa e como
deveríamos colocar todo o esforço
nessa direção.
Algo de igual importância para
observar e entender é que cada religião
tem algo que pode ser chamado “Deus”,
mas que algumas religiões falam sobre
seu Deus somente em termos da
linguagem do Dhamma. Assim, tais
religiões parecem não ter Deus, e são
dessa forma classificadas como
“religiões não-teístas”. Buddhismo e
Jainismo são religiões desse tipo. Outro
grupo de religiões utiliza
preferencialmente a linguagem
convencional facilmente entendida
quando falam sobre Deus e, assim, são
classificadas de “religiões teístas”.
Cristianismo, Hinduísmo e Islã são
exemplos desse tipo. Religiões do
último grupo têm coisas muito profundas
a dizer a respeito de Deus em termos da
linguagem do Dhamma, mas estão
escondidas sob a camada e a forma
externa de tais religiões. A classificação
das religiões em dois grupos, não-teístas
e teístas, é uma classificação superficial
que não toca na real essência ou
significado da religião. Continuamos a
fazer assim, entretanto, porque a maior
parte das pessoas somente é capaz de
entender as coisas superficialmente e,
assim, são incapazes de penetrar no
coração da religião. Consequentemente,
muitas delas passam a desprezar a
religião cada vez mais, especialmente o
que é chamado “Deus”. Finalmente,
algumas chegam a declarar não ter
religião e se orgulham de serem ateístas.

DEUS NA LINGUAGEM DO
DHAMMA DO BUDDHISMO
Aqui discutirei Deus tal como
encontrado no Buddhismo, de forma a
mostrar as características de Deus em
termos da linguagem do Dhamma.
Alguns exemplos de como o Buddhismo
nomeia os vários atributos ou os
aspectos de Deus são dados aqui.
No Buddhismo, Deus, o criador do
mundo, é conhecido pelo termo “avijjā”
(ignorância). Ignorância é o poder
natural que é a causa de todas as coisas
existentes e que faz com que o
sofrimento surja no mundo [2].
O Deus que se arrepende por ter se
enganado ao criar o mundo (como
encontrado no Gênesis 6:6-7) é
conhecido como “vijjā” (conhecimento
verdadeiro, sabedoria), o conhecimento
natural que é oposto à ignorância. É a
compreensão de que a criação de
qualquer coisa é apenas a criação de
dukkha.
Deus, o regente (governador) do
mundo, que pune e recompensa as
criaturas, é conhecido como “karma” ou
a “Lei do Karma”. Esta é a lei natural
que tem a mais alta autoridade quando
se trata de supervisionar o mundo.
Deus, o destruidor do mundo, é
também conhecido como “vijjā”,
conhecimento em sua capacidade de
levar todo sofrimento ao seu final.
Deus onipresente e onisciente, de tal
forma que nada feito pela humanidade
escapa do olhar de Deus, novamente é
conhecido como “karma” ou “Lei do
Karma”.
Entretanto, todas as coisas que acima
chamamos de ignorância, conhecimento
e karma, podem ser abrangidas pelo
termo único “Dhamma”. Além disso,
coisas como generosidade, bondade,
beleza, justiça, verdade e qualquer coisa
que seja Deus ou um aspecto de Deus,
estão incluídas sob “Dhamma” também.
O que chamamos “Dhamma” é o Deus
do Buddhismo e podemos distinguir
quatro aspectos nele:
1. A natureza em si (sabhava-
dhamma);
2. A lei da natureza (sacca-
dhamma);
3. O dever dos humanos de acordo
com a lei da natureza (paṭipatti-
dhamma ou niyyānikadhamma);
4. E os frutos que os seres humanos
recebem de acordo com a lei da
natureza (vipāka-dhamma ou
paṭivedha-dhamma). A palavra
única “Dhamma” abrange todos
esses quatro aspectos.
Aqui é fácil ver que o segundo
aspecto do Dhamma - a lei da natureza -
diretamente corresponde a Deus.
Entretanto, os outros três aspectos
também requerem respeito e obediência
de todas as maneiras. Devemos
considerar isso mais de perto.
Natureza é algo que Deus criou, em
outras palavras, é a vontade de Deus.
Devemos respeitar, honrar e ter
interesse nisso de modo a realizar a
verdade da natureza, o que é realizar
Deus em um de seus aspectos. Em outras
palavras, realizar a verdade nos
capacita a aceitar sem tristeza ou
ressentimento aquilo que os cristãos
chamam de “a vontade de Deus”, mesmo
se ela aparecer na forma de enchentes,
terremotos, pragas ou, finalmente, a
morte. Condições naturais (sabhava-
dhamma) manifestam a vontade de Deus
melhor que qualquer outra coisa e, de
fato, todos os fenômenos naturais
revelam Deus dentro de si mesmos.
Em seguida, paṭipatti-dhamma, ou o
dever, deve ser respeitado ao ser
praticado estritamente, o que é idêntico
a de modo dedicado seguir a vontade de
Deus com o fim de realizar Deus. Todos
os esforços em cumprir nosso dever ao
máximo são a verdadeira oração e
adoração a Deus. Um Deus impessoal,
ou mesmo um pessoal, certamente
preferiria a prática do dever de acordo
com sua vontade, muito mais que meras
orações verbais ou súplicas.
Finalmente, vipāka-dhamma, os
frutos que os humanos devem receber de
suas vidas e prática, deveriam ser
honrados por aquilo que os cristãos
chamam de “louvar pela graça de Deus”.
Essa graça se refere à coisa melhor ou
suprema que a humanidade pode obter.
Sinceramente buscar esta coisa é, em si
mesmo, mostrar o maior dos respeitos a
Deus. Este tipo de respeito e
glorificação de Deus tem
incomparavelmente mais significado que
as atitudes, posturas, fórmulas e orações
costumeiras.
Essas quatro coisas encontradas na
palavra única “Dhamma”, de um modo
ou outro são os aspectos daquilo que
queremos significar por “Deus” na
linguagem do Dhamma. Algumas
pessoas podem se perguntar como pode
ser que algo sem qualquer consciência
individual possa ser chamada de
“Deus”. Quando se considera de
maneira cuidadosa, entretanto, se
compreende que este tipo de coisa é
mais adequadamente chamada de
“Deus” do que qualquer coisa com
consciência pessoal. Deus ter
consciência e sentimentos de uma
pessoa implicaria que ele tivesse
sentimentos de amor, ódio, raiva, inveja
e assim por diante. Um Deus desse tipo
cai sob o poder das pessoas que têm tais
sentimentos e tem uma forma que o
prende sob o poder do tempo e do
espaço.
Consequentemente, tal Deus é
instável. Dessa maneira, Deus acaba
significando algo como o “eu” que as
pessoas comuns experienciam, e isso,
por sua vez, cria uma noção de Deus na
linguagem popular, que é a mais baixa e
comum.
No Cristianismo, é claro, há um Deus
no sentido da linguagem do Dhamma,
como descrito acima, a saber, “A
Palavra”. Tal entendimento de Deus é
encontrado em João 1:1: “No princípio,
era o Verbo, e o Verbo estava com Deus,
e o Verbo era Deus”. Aqui, “A
Palavra/O Verbo” é “a lei da natureza” e
é igualmente correto dizer que está com
Deus e que é Deus. Uma vez que “A
Palavra” é Deus, porque não é possível
que “O Dhamma” seja Deus? Na
realidade, são uma e a mesma coisa,
pois ambos existem originariamente
antes de todo o resto. No Buddhismo
isso é expresso na frase “Dhammo have
pāturahosi pubbe”, significando que “O
Dhamma, de fato, apareceu antes”
(Kālinga-vaṇṇana, Jātaka-atthakatha).
A palavra “Deus” se refere a poder,
enquanto “A Palavra” se refere a “lei”.
O termo “Dhamma”, entretanto, se refere
tanto a poder quanto a lei e,
simultaneamente, a todo o resto. É o
termo mais estranho e maravilhoso que
não pode ser traduzido para qualquer
outra língua.
De modo a entender melhor
“Dhamma”, poderíamos traçar um
paralelo entre estes quatro aspectos do
Dhamma e quatro conceitos cristãos
paralelos.
• Dhamma como natureza (sabhava-
dhamma) corresponde a este mundo
ou o mundo da criação.
• Dhamma como lei da natureza
(sacca-dhamma) corresponde a
Deus em si mesmo.
• Dhamma como dever (paṭipatti-
dhamma ou niyyānikadhamma)
corresponde à religião como um
sistema de prática.
• Dhamma como fruto (vipāka-
dhamma ou paṭivedha-dhamma)
corresponde à consumação ou
salvação. [3]
Desse modo, podemos ver que
mesmos esses quatro conceitos do
Cristianismo podem sem incluídos na
palavra única “Dhamma”. Torna-se
claro também que o termo “Dhamma”
tem um sentido muito mais amplo que o
termo “Deus”.
Dhamma em todos os quatro de seus
aspectos pode ser encontrado nos seres
humanos ou na vida da humanidade. O
Buddha expressou isso nestas palavras:
“O mundo, a causa do mundo, a
cessação do mundo e o caminho para a
cessação do mundo, todas essas coisas
foram mostradas como encontráveis
nesta estrutura corporal, completa com
percepção e mente” (Rohitassa Sutta,
Anguttara). [4]
Aqui, “mundo” se refere ao mundo
cheio de pecado e sofrimento,
exatamente como descrito na Bíblia
cristã. O mundo consiste na criação, a
causa do mundo é o equivalente ao
Criador, o arrefecimento do mundo
consiste na Consumação, e o caminho
para o arrefecimento do mundo consiste
na Redenção. Novamente, todos esses
quatro estão incluídos na única palavra
“Dhamma”. Dhamma aqui significa
“Deus” como explicado acima. O mundo
em si mesmo é a vontade de Deus, assim
Deus o criou como causa original, que é
o significado essencial de Deus. O
arrefecimento do mundo é a vontade
final de Deus, e o caminho para o
arrefecimento do mundo é o ato de Deus
para ajudar as criaturas do mundo. Daí,
então, todas essas quatro coisas são
Deus, seja direta ou indiretamente, e não
pode ser de outra forma. Deus nesse
sentido é também “Deus” na linguagem
do Dhamma do Buddhismo. Além disso,
qualquer pessoa viva que é
suficientemente sábia e bem treinada
pode encontrar este Deus interiormente.
Os buddhistas acreditam que
Dhamma significa “tudo”, e aquele Deus
que é completo e perfeito também
significa “tudo”. Isto é assim porque
Dhamma e Deus são uma e a mesma
coisa. Os buddhistas, além disso,
acreditam que Māra, o Tentador ou
Satanás, está incluído nas palavras
Dhamma e Deus, porque se Deus não
criasse Satanás o que o teria criado?
Māra ou Satanás nada mais é que a
tentação do homem feita por Deus.
Podemos dizer que nada há que não
tenha surgido do Dhamma ou de Deus.
Dependendo de como fomos criados e
ensinados a rotular as coisas, cada um
de nós preferirá um termo ou outro. A
questão pode surgir: “Por que você
chama aquelas coisas que Deus criou
também de ‘Deus’?” A resposta é:
“Porque estão incluídas ou já existem
naquilo que chamamos ‘Deus’”.
A fim de tornar esse ponto
especialmente claro, vamos examinar
tais temas ponto a ponto. Se coisas
naturais de fato, tais como terra, água,
fogo e ar já não estivessem dentro de
Deus, de onde Deus obteria tais coisas a
fim de criar este universo e tudo o mais?
Se houvesse qualquer coisa à parte ou
fora de Deus, então, como Deus poderia
ser perfeito ou completo? Dessa forma,
Deus deve incluir toda a natureza,
mesmo Māra ou Satanás, seja como for
que cada religião possa chamá-lo. Isso
mostra que a coisa chamada “Deus” é
aquilo que o Buddhismo chama de
“Dhamma”.
A Lei da Natureza é a mais fácil de
ser vista como sendo idêntica a Deus. Se
Deus não tivesse ou não fosse ele
mesmo esse poder, de onde Deus obteria
o poder para criar e governar todas as
coisas?
Deus é para ser temido e nos
maravilharmos com ele mais do que
qualquer coisa, porque ele é em si
mesmo esse poder. O Buddhismo fala da
lei da natureza, a verdade natural e a
ordem das coisas, como sendo
“Dhamma”.
Além disso, o dever que os seres
humanos devem realizar de acordo com
a lei da natureza é precisamente o dever
de Deus. A lei da natureza dá surgimento
ao dever natural. Se Deus não possuísse
ou consistisse desse dever natural, como
ele poderia ajudar, amar ou punir a
humanidade? De quem a humanidade
aprenderia os variados modos de prática
e realização de nossos vários deveres?
Dessa maneira, a função de ajudar o
mundo é mais um aspecto ou significado
de Deus. Deus delegou essa função para
a humanidade a fim de ser realizada
como nosso dever natural. Quem quer
que aceite Deus nesse sentido, acredita e
age em acordo com a vontade de Deus
no sentido superior. Novamente, os
buddhistas utilizam a palavra “Dhamma”
- no sentido de paṭipatti-dhamma ou
niyyānikadhamma - para expressar esse
dever.
Finalmente, o fruto que recebemos de
acordo com a lei da natureza -
Consumação - já está incluído na
natureza chamada “Deus”. Se não fosse
esse o caso, o que Deus receberia, e de
onde, para dar à humanidade em retorno
por ela fazer sua vontade? Se houvesse
alguma parte da natureza de onde ele
tomasse isso, que não fosse o próprio
Deus, então Deus ele mesmo não seria
completo e fracassaria em ser
verdadeiramente Deus. Os buddhistas
também chamam este fruto da prática de
“Dhamma”. Embora possam dar
diferentes nomes, tais como vipāka-
dhamma (Dhamma como fruição),
paṭivedha-dhamma (Dhamma para ser
realizado), ou lokuttara-dhamma
(Dhamma transcendente), e assim por
diante, derradeiramente tudo se resume
em uma palavra: Dhamma.
Podemos resumir o que foi visto até
agora dizendo que Dhamma é nada mais
nada menos que cada uma e todas essas
quatro coisas: a natureza, a lei da
natureza, o dever requerido pela lei da
natureza e os frutos que chegam de
acordo com a lei da natureza. Dessa
maneira, ele é completo e perfeito em si
mesmo, exatamente como aquilo que
outros chamam de “Deus” é completo
em si mesmo. Deus na linguagem do
Dhamma do Buddhismo tem essas quatro
características porque é explicado
segundo dhammādhiṭṭhāna (falar tendo
o Dhamma como base), isto é, olhando
através e para além de pessoas e
indivíduos para aquilo que é meramente
natureza ou Dhamma, como
repetidamente temos enfatizado. Nos
modos de expressão convencionais,
podemos falar de seres que têm corpos e
mentes, seres que têm apenas corpos
(asaññibrahma), e seres que têm apenas
mente ou espírito (ārūpabrahma). Tal
fala e pensamento é o personalismo
(puggalādhiṭṭhāṇa), em que Deus é
reduzido a uma entidade pessoal ou
personificação. Deveríamos
compreender que a personificação
(puggalādhiṭṭhāṇa) é um uso figurativo
da linguagem ou convenções e
pressupostos comuns utilizados por
pessoas comuns que sabem pouco sobre
o Dhamma. Tal linguagem não pode
expressar a verdade última tal como
expressa na linguagem do Dhamma.
Por essa razão, na linguagem do
Dhamma do Buddhismo, Deus nem é
uma pessoa nem puro espírito ou mente,
nem apenas corpo, nem ambos mente e
corpo juntos. Deus é simplesmente
natureza - impessoal, desprovida de eu,
sem atributos, sem forma e imensurável.
Deus é livre do poder do tempo e do
espaço; é impossível dizer se é um ou
muitos, pois nada há sobre ele que possa
ser contado. Ainda assim, Deus
verdadeiramente existe, é a unificação
de todas as miríades de coisas, com seus
diferentes significados, poderes e
funções. Deus como uma pessoa no
sentido da linguagem de todos os dias,
quando comparado ao Deus infinito da
linguagem do Dhamma, é como um
pedacinho de poeira comparado com
todo o universo. Deus em termos da
linguagem do Dhamma é imensurável e
inefável. Se Deus é uma pessoa,
consciência ou espírito, então ele é algo
finito e mensurável por meio de um ou
outro padrão. Ainda assim, corpo, mente
e espírito são apenas gotas no oceano
quando comparados a Deus nos termos
da linguagem do Dhamma. Desta forma,
os buddhistas não asseguram que Deus é
consciência ou espírito. É Dhamma ou
natureza que é incondicionada e não-
composta (asankhata-dhamma). Suas
características estão fora e para além
das condições em que podemos discutir
e entender na linguagem de todos os
dias.
Aqui estão alguns exemplos das
características de asankhata-dhamma:
não tem surgimento, não se estabelece e
não tem cessação. Não pode ser
classificado como bom ou mal. Não há
causa ou condição que possa concoctá-
lo ou influenciá-lo. Não tem gostos ou
desgostos em relação às ações de
ninguém. Não ouve as súplicas ou
orações de ninguém, pois não pode ser
modificado ou mudado devido a orações
de alguém. Não tem forma, pois não
ocupa espaço, e nada tem a ver com o
tempo. Nada dá ou recebe de ninguém.
Tais são apenas algumas das
inumeráveis características que são
fixas, certas e constantes na total
perfeição de todos os seus aspectos.
Dessa maneira, sustentamos que ele é
eterno e onipresente.
Há outro tipo oposto de dhamma ou
natureza que é condicionado, constituído
e composto (sankhata-dhamma). Esse
tipo de dhamma se refere a coisas tais
como matéria, corpo, mente, espírito,
ações, os resultados de ações e todas as
outras coisas que surgem, se manifestam
e cessam de ser, em outras palavras, os
fenômenos naturais do mundo. Eles são
meramente māyā ou ilusões que surgem
da própria ignorância que
incessantemente os criam e
condicionam. Atribuímos inumeráveis
dualidades a estes fenômenos naturais,
por exemplo, bom e mal, felicidade e
sofrimento, macho e fêmea. A essência
desses fenômenos não é tais qualidades
dualísticas, em vez disso, é a realidade
incondicional e não composta
(asankhata-dhamma) que está
escondida profundamente dentro de
todos os fenômenos e não pode ser vista
de maneira ordinária. Por causa de
nossa inabilidade em ver a essência e
verdade das coisas como realmente são,
nós concebemos e nos apegamos às
características superficiais
constantemente mutáveis e,
consequentemente, devemos sofrer.
A lei do karma é asankhata. Ela
existe em tudo, em cada átomo de todas
as coisas que são perceptíveis aos
olhos, ouvidos, narizes, línguas, corpos
e mentes humanos. Além disso, é
encontrada em toda ação e reação a
essas coisas. Esta realidade de
asankhata-dhamma, tanto como algo
escondido dentro de tudo e como a lei
do karma, deve ser estudada por meio
da prática religiosa. Depois dessa
prática ter levado ao ver a realidade
claramente, isso passa a ter o mesmo
valor de ver Deus, de realizar Deus e de
se libertar de todas as coisas que são
apenas ilusões temporárias. Por meio de
tal insight, vive-se com Deus ou no reino
de Deus onde não há mais dukkha ou
sofrimento. Essencialmente, as
concepções errôneas de “eu” ou “si
mesmo” não mais existem para criar o
dukkha que resulta do apego ao “si
mesmo”. Quando falamos nos termos da
linguagem popular comum, entretanto,
falamos de “entrar no Reino de Deus” e
termos similares.
Todos os quatro aspectos do
Dhamma - natureza, a lei da natureza, o
dever natural e os frutos de realizar tal
dever - são asankhata-dhamma no
sentido de serem impessoais, de não ter
nada a ver com nada além de si mesmos.
Isso está intimamente escondido em
todas as coisas e é sua própria natureza
verdadeira. Tal é o Dhamma que é
equivalente a Deus na linguagem do
Dhamma do Buddhismo.
Usamos também a palavra
“Dhamma” para referir aos
ensinamentos do Buddha. Esse
significado de “Dhamma” é muito usado
em manuais escolares e se refere a todas
as palavras que se recorda como sendo
do Senhor Buddha. Tais ensinamentos
tratam de todos os aspectos do Dhamma
que precisam ser estudados e praticados
para realizar o Dhamma que é idêntico a
Deus na linguagem do Dhamma. Além
disso, há ainda outros significados da
palavra Dhamma, da mesma forma como
no Cristianismo a palavra “Deus” por
vezes significa “Filho” ou “Espírito”.
Apesar disso, aqueles que praticaram e
realizaram a verdade dessas coisas
chegaram a uma e mesma coisa no final.

NOTAS DO CAPÍTULO
[1] Em tailandês, Buddha é pronunciado
mais com o som de ‘putta’.
[2] “Criador do Mundo” tem conotações
para os buddhistas que diferem daquelas
seguidas nas tradições judaico-cristãs.
Veja o Rohitassa Sutta (AN 4:45, NDB
434) e “Dois Tipos de Linguagem” do
autor, em Keys to Natural Truth para
uma discussão sobre a relação, no
pensamento buddhista, entre o mundo
(loka) e o sofrimento (dukkha).
[3] Esses termos provavelmente foram
usados devido ao fato de palestras dos
dois anos anteriores da série Sinclair
Thompson assim as utilizaram.
[4] Ver Capítulo 4, nota 4.
Capítulo VI: O Deus da
Linguagem Comum

Uma

vez examinado o significado


de “Deus” na linguagem do
Dhamma, deveríamos discutir
o termo “Deus” de acordo
com seu uso convencional.
Faremos isso apenas na
quantidade necessária, isto é,
no grau em que seu uso fez
surgir as várias dificuldades e
problemas.

“DEUS” TAL

COMO USADO NA
LINGUAGEM DO POVO
“Deus”

na linguagem do povo criou


muitos problemas difíceis em
relação aos vários significados
e sua correta interpretação. Se
interpretada incorretamente,
ou nem mesmo interpretada,
essa palavra pode entrar em
conflito com outras áreas do
conhecimento, tal como a
ciência. Em alguns casos, as
pessoas praticam de maneiras
meramente tradicionais e tolas
em relação a essa palavra.
Além disso, ela faz com que
algumas pessoas abandonem
suas religiões e abracem
novas, ou mesmo abandonem
a religião completamente. Por
fim, ela causa tensão entre os
seguidores de diferentes
religiões.
Espero

que me perdoem se eu der


uma ilustração um pouco
grosseira. Suponham que
digamos a uma criança que
Deus é onipresente e a tudo
penetra. Se a criança
imediatamente perguntar: “Ele
está até mesmo em um
cachorro ou no excremento de
um cachorro?”, como você
responderia? A criança
conhece a palavra “Deus”
apenas no sentido
convencional do termo e não
consegue entender como Deus
pode abranger tais coisas.
Ainda assim, se disséssemos
que não há Deus em tais
coisas, isso seria ainda pior,
pois um Deus que não está em
todas as partes não é Deus de
modo algum.
O

Deus da linguagem do povo


tem uma personalidade e
emoções como raiva e amor,
do mesmo modo que os
humanos. Tal Deus não pode
estar em coisas como
excrementos, pois esses são
sujos e mal cheirosos, ou
porque são coisas baixas
demais para a que a coisa
suprema viva ou tenha
qualquer coisa a ver com elas.
Por outro lado, o Deus da
linguagem do Dhamma - tal
como a lei do karma, a lei da
causa e efeito e a lei da
criação e destruição - é
impessoal e não tem
sentimentos humanos. Nunca
ama ou fica com raiva. Ele
não discrimina entre cheiroso
e mal cheiroso ou entre limpo
e sujo. Portanto, esse Deus
pode abranger todas as coisas,
mesmo excremento de
cachorro.
Aqui

deveríamos dizer algo sobre os


muitos termos usados em
algumas escolas buddhistas,
tais como natureza-de-Buddha
(Buddhabhava), vazio
(suññatā) e talidade ou o-que-
é-assim-como-é (tathatā).
Todos esses termos se aplicam
a tudo, incluindo excremento
de cachorro. Isto é assim
porque nenhum desses termos
se refere a qualquer pessoa ou
indivíduo. Por exemplo, o
Buddha é vazio, significando
vazio, desprovido ou livre de
qualquer pessoa ou indivíduo
chamado “Buddha”. O
verdadeiro Buddha é apenas
Dhamma, certa coisa natural
que é a semente do
conhecimento a respeito da
liberdade, e vazio de
sentimentos de “eu” e “meu”.
Esse conhecimento tem níveis
diferentes comparáveis ao
potencial latente de uma
semente não germinada, seu
brotar, seu crescimento e sua
maturação em uma árvore
completa, isto é, um ser
humano desperto. Cada
estágio desse processo pode
ser chamado de “Natureza de
Buddha” e cada um tem o ser
vazio (suññatā) como sua
característica fundamental, em
suas profundidades, ao invés
de em suas aparências ou
atividades superficiais. O
Buddha disse: “Ele que vê o
Dhamma, me vê” (Itivuttaka,
Khuddaka-nikāya) [1]. Isso
significa que qualquer um que
vê a pessoa do Buddha não o
vê realmente. Somente quando
alguém vê o verdadeiro
Dhamma, que está no corpo
do Buddha e em tudo,
incluindo o próprio corpo, é
que pode ser dito que viu o
Buddha de um modo que o
Buddha aprovaria. Deste
modo, quem vê o corpo do
Buddha o vê somente de
acordo com o sentido
convencional da palavra “ver”,
mas quem vê o Dhamma vê o
Buddha de acordo com o
sentido religioso da palavra
“ver”, e vê o verdadeiro
Buddha. Que o Buddha, de
acordo com o significado da
linguagem do povo, deveria
estar em todo lugar em todos
os tempos é obviamente
impossível. Mas o Buddha, no
sentido religioso do termo,
pode estar em toda a parte em
todos os tempos. Exatamente
do mesmo modo, o Dhamma
no sentido de Deus, em sua
capacidade de lei do karma,
de lei de causa e feito e de lei
da impermanência, pode estar
em todo lugar, inclusive
mesmo no excremento de um
cachorro. Desta maneira, para
resumir, Deus na linguagem
do povo é simplesmente a
palavra convencional que é
usada para falar com as
crianças. É usada também por
adultos que, sendo
intelectualmente imaturos,
sentem e pensam como
crianças. Eles utilizam a
palavra “Deus” dessa maneira
até que sua consciência e sua
sabedoria amadureçam o
suficiente para que entendam,
finalmente, o significado de
Deus de acordo com a
linguagem do Dhamma.
A

Bíblia é cheia de referências a


Deus no sentido da linguagem
popular. Na Bíblia, não há
interpretação consistente ou
oficial de Deus na linguagem
do Dhamma.

Primeiramente uma pessoa


escuta que deve acreditar em
Deus de acordo com o
significado literal ou
convencional, até que, mais
tarde, chegue a entender o
significado real de Deus por si
mesma. Deste modo, é apenas
natural que no devido curso de
tempo haja desentendimentos
a respeito das crenças, já que
algumas pessoas não podem
ser forçadas a acreditar por
um longo tempo. Pode ser que
uma interpretação na
linguagem do Dhamma a
respeito de Deus não fosse
adequada para aquela época e
lugar antigos, pois poderia
ferir os sentimentos das
pessoas naqueles tempos e
destruir a santidade de Deus.
Mas, na era presente, as
condições mudaram e
deveríamos agora interpretar
cada sentença e cada palavra
nos termos da linguagem do
Dhamma. Acredito que haja
algumas palavras que são a
causa de muita confusão e que
têm causado muitos problemas
entre as religiões. Isto é
especialmente verdade para a
palavra “Espírito” [2].
Os cristãos dizem que o
verdadeiro Deus não é um
indivíduo ou uma pessoa, mas
é Espírito. A palavra “winyan”
em tailandês, ou “viññāṇa” em
pāli, significa apenas algo que
não é duradouro, que é trazido
à existência por certas
condições, que está
constantemente mudando e
que é apenas um dos vários
agregados do “indivíduo”.
Deste modo, os buddhistas
não conseguem entender Deus
enquanto Espírito (cit ou
winyan). Quando os
buddhistas leem no Livro do
Gênesis que o Deus que criou
o mundo tem características,
sentimentos e pensamentos de
uma pessoa, eles se perguntam
ainda com maior insistência
como um Deus assim pode ser
chamado de winyan ou cit. E
quando ouvem as palavras
“Espírito Santo” [3] usadas
para Deus, eles não
conseguem entender de modo
algum. Isso torna ainda mais
difícil para eles entenderem
Deus. Deste modo, todas
essas palavras deveriam ser
definidas e interpretadas clara
e precisamente de acordo com
a linguagem do Dhamma. Isso
é imperativo a fim de que os
buddhistas possam entender os
cristãos, para que possam
trabalhar juntos, sem fricção
ou perseguição, para o bem
comum. De acordo com os
buddhistas, Deus não pode ser
ou ter uma personalidade ou
uma individualidade, porque
Deus não é pessoa e não tem
características por meio das
quais possamos dizer que
Deus é como isto ou como
aquilo. Mesmo as concepções
de monoteísmo e politeísmo
não podem ser aplicadas a
Deus. Aquilo que é sem
condições é designado
Dhamma ou Natureza pelos
buddhistas. É um substantivo
comum que, diferente de cit
ou winyan, pode ser
universalmente usado para
qualquer coisa. Assim, em
minha opinião, a palavra
“winyan” é uma barreira para
o entendimento mútuo. Tanto
quanto entendo, este winyan é
Deus na linguagem do povo e
no sentido convencional, de
modo algum no sentido
verdadeiro e último. Assim,
Deus, tal como falado por
todas as partes na Bíblia, deve
ser sempre entendido na
linguagem religiosa ou do
Dhamma.

DEUS NA LINGUAGEM POPULAR


SEMPRE TEM A LINGUAGEM DO
DHAMMA ESCONDIDA
INTERIORMENTE
Para
poupar tempo, explicarei com
um exemplo do Gênesis que
lida com a criação de Deus.
A

criação de Deus, como


descrita do capítulo 1 ao 3 do
Gênesis é criação com relação
ao lado espiritual da
existência, ou o lado
dhâmmico, como é conhecido
pelos buddhistas. Isso significa
que o homem, no processo de
desenvolvimento, desenvolveu
sua faculdade mental desde o
estágio de um animal inferior
até o estágio superior no qual
não mais pode ser considerado
um animal. Isso significa dizer
que ele se tornou um real
humano tanto no sentido físico
quanto espiritual. A civilização
humana se estabeleceu na
mente de um animal cujo
corpo, anterior a tal tempo,
assumiu a forma humana, mas
cuja mentalidade ainda estava
no nível bestial. De acordo
com a teoria científica, se
acredita que o homem em sua
estrutura física apareceu
aproximadamente duzentos
mil anos atrás, enquanto que
nosso mundo físico não tem
menos que um bilhão de anos.
Mas se calcularmos a partir do
que está escrito na Bíblia, a
criação do mundo teve lugar
entre oito e dez mil anos atrás.
Daí então, o “mundo” criado
referido no Gênesis não pode
possivelmente significar o
mundo material ou físico, mas
deve necessariamente apontar
para um mundo metafísico, o
mundo na linguagem do
Dhamma, que pertence à
mente e ao espírito. O que
parece estranho é que algumas
autoridades no Cristianismo
ainda não permitem seus
membros acreditar no relato
científico de que o homem
descende de um homem-
macaco que se desenvolveu a
partir de um macaco e que
não foi criado por Deus. Isso
certamente levou a confusões.
Tal crença é bastante correta,
mas se aplica ao que ocorreu
milhões e milhões de anos no
passado e não ao homem que
apareceu a cerca de dez mil
anos atrás de acordo com o
Gênesis.
Dessa

maneira, o “mundo criado”


apenas pode significar o
mundo espiritual ou, na
linguagem do Dhamma, um
mundo bem desenvolvido na
mente de uma pessoa que era
tão refinada de modo a se
colocar apartada das bestas.
Essa ideia se encaixa no
sentido da palavra “man”
(manusaya em tailandês e em
sânscrito), seja ela traduzida
como “um descendente do
Senhor Manu ou mesmo um
animal de mente superior”.
Isto será aceitável para os
buddhistas, em virtude deste
dito do Senhor Buddha: “O
mundo, sua causa, sua
cessação, o caminho para sua
cessação -

tudo isso é declarado pelo


Tathāgata como estando
completo nesta estrutura
corporal, incluindo percepção
e mente” (Rohitassa Sutta,
Catukka-nipāta, Anguttara
Nikāya). Isto explica
claramente que o “mundo”,
em qualquer ocasião, significa
o “mundo dentro da mente do
homem” e, de modo algum, o
mundo da matéria física, que é
o mundo no sentido ordinário
e que é externo ao homem.
Um

verdadeiro Deus deve estar


preocupado com a criação do
mundo interior dentro da
consciência humana de modo
a ser merecedor do título de
Deus. Se estivesse ocupado
com a criação do mundo
material ou de um mundo da
carne, Ele estaria se
degradando a ponto de se
tornar um Deus absolutamente
sem significado. Mesmo
considerando a criação dos
animais e da matéria, Ele teria
que criar ou estar envolvido
com suas partes espirituais,
tais como a consciência e a
Lei do Karma (causa e efeito)
que estão latentes também
nessas coisas. Podemos
chamar isso de espírito de tais
coisas, não importando o que
sejam - mesmo que apenas
pequenas partículas como
cascalho ou pedras. Deus é o
Poder misterioso, para além
da descrição da língua
humana, o qual é capaz de
genuinamente criar e controlar
tudo. O texto do Gênesis que
lida com a criação do homem
se refere à criação espiritual
da humanidade num direto
sentido dhâmmico, o que pode
ser visto nos exemplos
seguintes.
No

Gênesis 3:24, nos é dito como


Deus fracassou em proibir o
homem de tomar do fruto da
árvore do conhecimento do
bem e do mal, e como Ele foi
bem sucedido em impedir o
homem de tomar do fruto da
árvore da vida. Isso significa
que, antes daquele tempo, o
homem carecia da consciência
humana necessária para
distinguir o bem do mal, o
homem da mulher, a
vestimenta da nudez e o
marido da esposa.
Sabemos que tal
conhecimento também não era
possuído pelos símios, pois
mesmo no intercurso sexual
normal entre macho e fêmea,
a atitude de ser marido e
esposa não se manifestava do
modo como ocorria no homem
depois que este entrou na era
do “tomar do fruto da árvore
do conhecimento do bem e do
mal”. Por causa disso, o
homem se tornou
completamente desenvolvido e
completamente humano, o
que, por consequência, elevou
nele ainda mais os conflitos
concernentes ao bem e ao
mal, de tal maneira que fez
surgir um novo tipo de
sofrimento que é particular ao
homem, e que não é
encontrado nos animais. Isso é
exatamente a pena de morte
que o homem mereceu de
Deus como um resultado de
tomar do fruto proibido. O
homem colocou sobre si
mesmo o fardo de ter que se
confrontar com o problema
vital do nascimento,
crescimento, decadência e
morte, que se deve ao seu
fracasso em tomar do fruto da
outra árvore, a árvore da vida,
cujo fruto de Imortalidade
teria dado ao homem a vida
perpétua - tão perpétua
quando o próprio Deus.
Na

versão tailandesa da Bíblia, a


“árvore da vida” é traduzida
como “a árvore da vida
próspera”, que, em minha
opinião, não alcança
devidamente o sentido original.
Isso deveria ser traduzido
precisamente como “vida”,
que em si mesma significa
“não morrer”; pois vida é
aquilo que não morre. A partir
do momento em que o homem
tomasse do fruto dessa árvore,
ele não morreria, isto é, ele se
asseguraria da sabedoria
conhecida no Buddhismo
como amata-dhamma - o
estado da não-morte ou o ver
o não-eu. Deste modo, nada
há que possa morrer, nascer,
envelhecer e adoecer. Assim,
ele é dito atingir o estado de
Arahant do Buddhismo, que é
descrito por meio de certas
expressões padronizadas
como a Obtenção da Não-
Morte ou o Entrar na Grande
Cidade Imortal (nirvāna) nesta
própria vida, durante a própria
vida do indivíduo. O Gênesis
também contém o que
chamamos no Buddhismo de
lokuttara-dhamma ou amata-
dhamma.

Se a tradução da Bílbia for


feita corretamente em
tailandês, os buddhistas
certamente terão uma
amorosa e superior reverência
para com a Bíblia, assim como
têm pelo seu Tipiṭaka. Por
essa razão, uma nova e
cuidadosa revisão da Bíblia em
tailandês é recomendada. O
termo “vida próspera” de
acordo com conceitos
buddhistas envolve uma série
infindável de formas
progressivamente mais
refinadas e sutis de
sofrimento. Para colocar de
forma precisa, “vida”

deveria se referir a outro tipo


de vida, conhecida na
linguagem do Dhamma como
vida eterna, que o Cristo
frequentemente mencionava
em seus discursos e que é
conhecida no Buddhismo
como amata-dhamma,
eternidade ou imortalidade.
O
que falei até agora é suficiente
para mostrar que para as
palavras “Deus”, “o mundo”,
“a árvore do conhecimento do
bem e do mal” e “a árvore da
vida”, um sentido do Dhamma
pode ser atribuído a todas
elas, para além de seus
significados literais. Tal
tradução é necessária se
quisermos chegar num
significado substancial dessas
palavras. Então, veremos que
o Cristianismo apresentou uma
forma da Verdade no plano
ultramundano tão sublime
quanto o Buddhismo e outras
religiões com princípios do
Dhamma semelhantes, e não
se trata meramente de um
“antigo conto hebreu”, como
alguns já o chamaram. Mais
detalhes que merecem nossa
atenção e devem ser vertidos
para a linguagem do Dhamma
podem ser vistos nos seguintes
extratos.
Em

Gênesis 1:26 se lê: “E disse


Deus: Façamos o homem à
nossa imagem, conforme a
nossa semelhança”. Tais
palavras levaram a outra
discussão. Alguns professores
cristãos e oficiais altamente
posicionados afirmaram,
citando a partir de todas as
razões disponíveis, que Deus é
sem forma. Ainda assim,
aquelas crianças para as quais
dei tais livros não acreditam
nisso, pois a Bíblia claramente
diz que Deus e homem são
semelhantes, e isso se deve à
vontade de Deus. Isso resulta
numa interpretação errônea de
tais palavras na linguagem do
Dhamma. Que o homem tenha
sido criado à semelhança de
Deus deveria ser tomado
como significando que o
homem é capaz de estar no
mesmo estado que Deus ou
estar em unidade com Ele; isto
é, se o homem come o fruto
da árvore da vida, ele se torna
idêntico com Deus. Deus
adiou essa oportunidade por
enquanto, como tornado
conhecido em Gênesis 3:24.
Ele deu especial proteção
àquela árvore de modo a
mantê-la afastada do homem.
Argumentar a respeito de
Deus com relação à Sua forma
corporal ou Seu aspecto físico
é engraçado.
Em

Gênesis 2:7 encontramos: “E


formou o Senhor Deus o
homem do pó da terra e
soprou em seus narizes o
fôlego da vida; e o homem foi
feito alma vivente” . “O

homem do pó da terra” aqui


se refere ao homem no
passado remoto, que não era
melhor que uma estrutura de
barro na forma humana. Ele
assim permaneceu até o
período quando sua
consciência se desenvolveu o
suficiente para se distinguir de
todos os outros animais; Deus,
então, é dito ter soprado nas
narinas do homem a
respiração da vida. Esse ato
pode ser tomado como uma
nova criação - a criação do
espírito ou da mente, razão
porque acreditamos que a
criação do mundo pode ser
considerada como uma
criação espiritual.
Em

Gênesis 2:16-17 também


encontramos: “E ordenou o
Senhor Deus ao homem,
dizendo: De toda árvore do
jardim comerás livremente,
mas da árvore do bem e do
mal, dela não comerás;
porque, no dia em que dela
comeres, certamente
morrerás”. Se o texto acima
for tomado literalmente e com
uma atitude cega, ele parecerá
bem desajeitado. Ninguém
entenderá porque Deus falaria
assim.
Deus

criou o homem e o amou da


maneira mais carinhosa. Por
que seria contra sua vontade
ver o homem crescer em
conhecimento? Devemos
cavar até chegar no sentido
subjacente que está
profundamente escondido na
linguagem popular, antes de
podermos entender o
significado real. Isso pode ser
simplificado por meio desta
explicação: Todo sofrimento
que surge em um homem é um
resultado de estar apegado ao
que considera ser bom e mau.
Por vezes ele é tão
incomodado pelo medo de
fazer o mal que ele nem ousa
tocar em nada. Algumas vezes
as pessoas vão tão longe a
ponto de cometer suicídio para
escapar de serem acusadas de
algum mal.
Este

apego ao bem e ao mal gera


desejo, sede e ilusão que são,
em si mesmos, um sofrimento.
Isso também explica o
crescimento por toda a parte
da ganância, da raiva e dos
enganos que fazem o homem
sofrer. Tão logo o homem se
livra do apego ao bem e ao
mal, ele se liberta da ideia de
virtude e pecado, e vive
inteiramente para além da
concepção de bem e mal. É
dito que atingiu o estado de
Arahant ou o estado de
nibbāna de acordo com os
princípios buddhistas.

Que Deus tenha proibido o


homem de tomar o fruto da
árvore do conhecimento do
bem e do mal não deveria ser
pensado como uma falta de
misericórdia de Sua parte,
como se quisesse que o
homem permanecesse um ser
bruto. Pelo contrário, isso
mostra Sua bondade em tentar
aprofundar a distância das
pessoas de seus contatos com
as causas-raízes do
sofrimento, o que é
equivalente à morte espiritual.
Esse é o motivo para Deus
dizer: “Pois no dia em que
comer dele, morrerás”. Isso
pode ser explicado como se
segue: Em qualquer período
quando as pessoas começam a
conceber o bem e o mal, e a
se manterem apegadas à tal
concepção, elas encontrarão,
então, imediatamente uma
nova forma de sofrimento, que
é pior que todas as outras, e
pode ser identificada com a
morte espiritual.

Isso eventualmente se
transforma em um novo
problema para a vida, maior
que todos os outros, e que
precisa ser remediado em
primeiro lugar e com urgência
e grande esforço. É bastante
correto considerar o tomar o
fruto proibido como sendo o
pecado original da
humanidade, pois foi aí que
primeiro o homem escorregou
no abismo do pecado que o
sujou por incontáveis
gerações. Alguns podem não
concordar que o pecado do
primeiro homem tenha
passado para sua posteridade,
uma vez que o pecado
pertence ao indivíduo que o
comete. De fato, isso reflete
como o povo do passado já
havia iniciado as imperfeições
dos tipos mais sutis. Elas
foram transmitidas até a
geração atual pela transmissão
contínua de tal ilusão aos
outros. Tudo é feito bem
inconscientemente. Se
houvesse uma interpretação
dhâmmica do teste acima, o
pecado original no
Cristianismo poderia, então,
ser entendido. Esse ponto de
vista também poderia ser
compartilhado pelos
buddhistas, pois é a mesma
Nobre Verdade do Buddhismo
que ensina a não nos
apegarmos nem ao bem e nem
ao mal, pois isso traz um
sofrimento inevitável.
Embora

a árvore da vida, cujo fruto


pode tornar a humanidade
imortal, possa não ser
diretamente mencionada mais
tarde, ainda assim chegou a
ser tratada completamente por
aquelas mesmas palavras de
Cristo em que ele tratou do
Caminho da Vida Eterna. Este
Caminho é idêntico ao comer
o fruto da árvore da vida -
uma coisa tão cara a Deus a
ponto de ser a causa da queda
de Adão e Eva do jardim
paradisíaco. Entretanto, no
final, Cristo abriu a
oportunidade, durante sua
vida, para os descendentes de
Adão partilharem desse fruto.
O

Buddhismo pode não ter


oferecido uma analogia
semelhante, mas se
concentrou na observação de
princípios dhâmmicos que
almejassem a eliminação de
todos os tipos de apego. Nesse
estágio, se diz que alguém
atingiu amata-dhamma ou o
Estado de Imortalidade que o
ergue acima das preocupações
com o problema da morte. A
partir dessa visão, não há
ninguém para nascer e
ninguém para morrer.

Existe apenas um Estado


Infinito que pode ser nomeado
de “Dhamma” ou “Deus”,
para sempre claro na
consciência. Essa é a
interpretação dhâmmica do
“fruto proibido”, colocando
assim o Cristianismo em
conformidade com o
Buddhismo.
O

último exemplo pode ser


encontrado nas palavras do
Gênesis 6:5-7 como se segue:
“E viu o Senhor que a
maldade do homem se
multiplicara sobre a terra e
que toda a imaginação dos
pensamentos de seu coração
era só má continuamente.
Então arrependeu-se o Senhor
de haver feito o homem sobre
a terra, e pesou-lhe em seu
coração. E disse o Senhor:
Destruirei, de sobre a face da
terra, o homem que criei,
desde o homem até o animal,
até o réptil, e até a ave dos
céus; porque me arrependo de
os haver feito”.
Se
a passagem acima for vertida
na linguagem do Dhamma, ela
pode ser entendida de muitas
maneiras, tais como de que
Deus também pode errar. Isso
é devido a que em Deus há
tudo, incluindo sabedoria e
ignorância. A criação do
mundo pode ser tomada como
um ato de ignorância,
enquanto que o pensamento
de sua destruição e não
criação é sabedoria. De
qualquer maneira, não
podemos conceber Deus como
uma personalidade capaz de
amor, raiva, felicidade e
tristeza. Isso certamente seria
um engano, pois claramente é
afirmado que Deus destruirá
mesmo “as criaturas
rastejantes e as aves do céu”,
que não tinham culpa, de fato,
de qualquer erro. Assim, o
arrependimento de Deus,
neste caso, deveria ser
positivamente aplicado ao
sentimento efetivo dos
humanos que são bem
desenvolvidos na mente a
ponto de compreender que
qualquer tipo de criação e
composição é digna de pena e
detestável. Evitar criar tende
na direção da calma mental, e
a destruição ou dissolução
mencionada se refere àquela
do apego às coisas como ‘eu’
e ‘si mesmo’. As pessoas que
têm tal aspiração sustentarão
um sentimento de aversão aos
ciclos de renascimento, ou à
roda do vir-a-ser, conhecida
como vaṭṭa-saṁsāra. Tudo o
que foi proposto até então
serve para refletir aquela parte
da consciência de Deus que é
sabedoria, isto é, o
conhecimento de se abster de
qualquer criação e construção.
Entretanto, no fim, Deus de
fato não destruiu o mundo,
como literalmente expresso na
Bíblia, porque isso é apenas
uma expressão dhâmmica que
tem o mesmo sentido de
quando se diz que Adão
morreria imediatamente ao
tomar o fruto proibido. Mas,
de fato, Adão não morreu. Daí
que a frase “destruição do
mundo” é um modo figurado
de representar a verdadeira
compreensão do homem a
respeito da miséria trazida por
seu desejo em criar. Mas as
pessoas em geral, por força do
desejo sedento habitual, não
conseguem evitar tais
tendências e,
consequentemente, devem
aguentar a miséria das pessoas
comuns. A atitude de desprezo
em relação a qualquer desejo
de criar é como o amanhecer
de lokuttara-dhamma (o
Dhamma Supramundano) que
irá florescer na mente das
pessoas e, gradualmente,
frutificará dentro delas no
futuro. Tal sentimento sublime
é igualado a Deus agindo
como sabedoria humana. Os
princípios dos buddhistas
também encorajaram tais
observâncias, pois isso leva à
obtenção de tal sabedoria, e
finalmente traz a humanidade
a um estado de calma, ao fim
do criar e construir que
chamamos de Não Tornar-se
ou nirvāna.
Por

Sua própria essência, um Deus


verdadeiro está acima do que
podemos chamar de certo e
errado, embora ambos possam
ser encontrados
completamente n’Ele. Não se
pode dizer de tal Deus que ele
seja bom ou mau, apesar de
Sua plena posse dos dois, e
isso é assim porque termos
como “bom” e “mau”, “certo”
e “errado”, são concepções
criadas pelos homens e não
são imputáveis a Deus. Para
Deus, tais concepções não têm
sentido. Uma epidemia e uma
vida pacífica têm um
significado igual para Deus e
são tratadas como uma única
entidade. Mas, para os seres
humanos, elas têm um grande
significado, pois os seres as
olham com atitudes variadas
de modo a preferir uma e fugir
de outra. Por isso é justo dizer
que calamidades como uma
enchente, um incêndio, uma
praga, ou a ausência de tudo
isso, mesmo vida e morte, e
todos os pares de opostos, são
igualmente a Vontade de
Deus. Para Ele não há
nenhuma diferença entre tudo
isso. Para os homens, para
aqueles que não atingiram a
Divindade - que não estiveram
ainda com Ele -

eles não serão capazes de


tolerar as consequências
maléficas. Eles escolherão
somente o que é agradável a
eles e rejeitarão o oposto.
Somente aqueles que
verdadeiramente se
absorveram em Deus ou no
Dhamma não verão tais coisas
como opostas e as tratarão
como carentes igualmente de
significado. Nem terão
sentimentos de gostar ou
desgostar por qualquer uma.
Dizer que Deus fica contente
ou raivoso é apenas uma
expressão na linguagem do
povo e que deve ser vertida
para a linguagem do Dhamma
dessa maneira. Tão logo se
capte o significado correto, se
começará a gostar de Deus, se
sentir próximo d’Ele, a adorá-
Lo com um amor inabalável.
Por fim, se admitirá que Deus
é a Mais Suprema de todas as
coisas e nada há de mais alto.
Isso é aquilo conhecido pela
palavra “Dhamma” no
Buddhismo. Ele pode ser
chamado por outros nomes
como em outras religiões, tais
como Tao no Taoísmo, que
também tem o mesmo
propósito.
Em

suma, podemos dizer que


Deus e tudo sobre ele, em
todos os pontos e relações,
que é descrito na linguagem
do povo, pode ser sempre
traduzido na linguagem do
Dhamma. Isso traria reais
benefícios e preeminente
sucesso às pessoas do mundo
somente quando o sentido do
Dhamma for perfeitamente
captado. Que algumas vezes
chamemos Deus de “o Pai” ou
de “Causa Primária”, por
exemplo, é devido ao fato de
que Deus é a soma total, tanto
quanto a fonte, de todas as
coisas, tanto dentro quanto
para além dos limites do
mundo. Parece como se Ele
fosse simultaneamente o
Criador e o Destruidor do
mundo quando estes são
tomados no sentido literal.
Mas a palavra “mundo” aqui
se refere ao mundo não físico,
o mundo da ilusão dentro da
mente humana. Este é “o
mundo” na linguagem do
Dhamma, embora falemos a
língua de todos os dias.

NOTAS DO CAPÍTULO
1.

Khuddaka-nikāya, Itivutakka,
25/300.
2. Traduzido como cit ou winyan em
tailandês, palavras que são derivadas do
pāli citta e viññāṇa.
3. N.T.: Holy

Ghost em inglês significa


literalmente ‘fantasma
sagrado’.
Capítulo VII: Deus, o Filho

A partir daqui iremos considerar


Deus como “o Filho”, indicando Jesus
Cristo que pregou as palavras do Pai e
redimiu a humanidade à custa de sua
própria vida de modo que as pessoas
pudessem se libertar por elas mesmas
do pecado original e, finalmente, se
aproximar de Deus e entrar na Vida
Eterna.
O Filho, Jesus Cristo, pode ser
considerado sob quatro ângulos
diferentes:
(1) como um Filho de Davi;
(2) como um profeta;
(3) como o Filho de Deus; e
(4) como o próprio Deus.
Os primeiros dois aspectos têm a ver
com a linguagem do povo, enquanto que
os dois últimos devem ser entendidos na
linguagem do Dhamma. A história de
vida de Jesus Cristo é contada na Bíblia
por um grupo de escritores que foram
seus discípulos. Não há uma única
declaração autobiográfica de Cristo na
Bíblia. Pode ser que isso seja devido ao
seu curto tempo na Terra (como Cristo),
meros três anos - por demais breve para
guardar muito além de alguns poucos
esboços. Pode ser também devido à
ausência de qualquer esforço em
compilar seus ensinamentos
imediatamente após sua morte, tal como
feito no Buddhismo. No Tipiṭaka há um
número de ocasiões onde o Senhor
Buddha é visto contando sua própria
história, desde sua infância até seu
Parinibbāna. Somente sua biografia já
seria suficiente para encher um livro do
tamanho do Novo Testamento. Devemos,
portanto, nos satisfazer com quaisquer
histórias de vida que pudermos
encontrar nos escritos de Mateus,
Marcos, Lucas e João, todos juntos não
chegando a metade do Novo Testamento.
Os quatro aspectos do Filho serão,
então, discutidos com base nestes quatro
livros.
(A) JESUS COMO UM FILHO DE
DAVI
Isso é apenas relevante na linguagem
do povo, de modo bem parecido como
se acredita que o Senhor Buddha é filho
do rei Suddhodana, e tem pouco valor
em termos de Dhamma. O próprio Jesus
minimiza a importância desse
relacionamento quando isso é relatado
por Mateus (12:50) e Marcos (3:34),
dizendo: “Porque qualquer um que fizer
a vontade de meu Pai, que está nos céus,
este é meu irmão, e irmã, e mãe”. Daí
que traçar o relacionamento genealógico
até Davi, um ancestral de José que, de
qualquer forma, não é o verdadeiro pai
de Cristo, deve ter sido uma tentativa
posterior de prestar homenagem a Jesus.
De outro lado, essa própria tentativa
parece ser uma blasfêmia em sua
negação de que Ele é o Filho de Deus,
como é geralmente implicado na Bíblia.
Similarmente, chamar o Senhor Buddha
pelo seu nome “Samana Gotama” seria
uma degradação. Parece que Jesus foi
referido como um filho de Davi pela
primeira vez em Mateus 9:17 pelos dois
homens cegos que acreditavam que
Jesus pudesse restaurar sua visão em
Sua capacidade de Filho de Deus; por
que então ele iriam se referir a ele como
um filho de Davi? Isso, então, nos leva a
acreditar que a parte concernente ao
filho de Davi deve ter sido um
acréscimo posterior, talvez em um tempo
quando uma necessidade foi sentida de
enobrecer sua linhagem terrena. Da
mesma forma, encontramos também
biografias posteriores do Senhor
Buddha, tal como o Pathamasambodhi
[1], onde sua linhagem foi traçada até o
rei Sammatirāja, o rei da Terra, embora
nenhuma menção sobre isso é
encontrável nos ditos do Buddha, nem
em qualquer lugar do Tipiṭaka. Deve-se
supor que as biografias de fundadores
religiosos são de certo modo
exageradas. Ainda assim,
desenvolvemos o hábito de aceitar tais
exageros, perpetuando deste modo tais
crenças de geração a geração.

(B) JESUS CRISTO COMO O


PROFETA
O termo “profeta” foi aplicado a
Jesus Cristo, mesmo em suas próprias
palavras, como citado em Mateus 13:57:
“Não há profeta sem honra, a não ser na
sua pátria e na sua casa”. Similarmente,
o Senhor Buddha também é reconhecido
como um dos muitos mestres religiosos.
Alguns até mesmo se referem ao Buddha
como um pagão, diferente de um infiel,
embora ambos os termos sejam usados
quando se referindo a estrangeiros.
Dessa forma, mesmo embora Jesus
possa ser considerado um pagão, ele de
modo algum é degradado pelo termo.
Um mestre ou profeta religioso também
pode ser um pagão. A razão porque
menciono isso é que há alguns
buddhistas ignorantes que se referem a
Jesus como um pagão num sentido
degenerado.
Que um profeta não seja
homenageado a não ser em terras
estrangeiras é simplesmente natural.
Mesmo o Senhor Buddha encontrou
reações hostis entre seu povo. Ele nunca
foi completamente homenageado por
eles como o foi por gente de fora.
Alguns de seus parentes permaneceram
firmes em negar a ele qualquer respeito,
mesmo em seus dias de glória.
Com relação à natureza perfeitamente
profética de Cristo, lemos suas próprias
palavras em Mateus 28:18: “É-me dado
todo o poder no céu e na terra”. Desde
um ponto de vista buddhista, isso
significa que Jesus triunfou tanto em sua
missão quanto em sua pessoa. Em sua
pessoa, ele não ficou preso a este mundo
ou às suas limitações. Em sua missão,
ele foi bem sucedido em converter os
outros ao colocar sua vida em risco. Em
outras palavras, ele foi vitorioso em
relação a todas as impurezas que nos
amarram. Encontramos significado
similar no Buddhismo, embora as
palavras sejam diferentes. “Ó bhikkhus”,
disse o Senhor Buddha, “Estou agora
livre de todos os tipos de algemas,
sejam divinas sejam humanas; mesmo
vocês estão livres de todas as algemas,
sejam divinas sejam humanas”. Tudo
isso aponta para a mesma vitória que
transcende todas as coisas. Podemos,
portanto, dizer que a mais importante
característica dos profetas é de que
todos são “Profetas da Vitória”. Nós,
buddhistas, consideramos Jesus como
um dos vitoriosos.
Com relação ao método de pregação
de Jesus, é surpreendente notar que ele
trabalhou da mesma maneira como
praticado na Índia cinco séculos antes,
apesar da distância entre sua terra natal
e a Índia. O uso de parábolas com
significados profundos por parte de
Jesus no Sermão da Montanha e na
parábola do semeador (Mateus 13:3-9),
similares a Lao Tzu no Tao Teh Ching,
assemelham-se aos dizeres do Senhor
Buddha. Tome, por exemplo: “Bem-
aventurados os que choram, porque eles
serão consolados. Bem-aventurados os
que têm fome e sede de justiça, porque
eles serão fartos. Bem-aventurados os
que sofrem perseguição por causa da
justiça, porque deles é o reino dos céus”
(Mateus 5:4, 6 e 10). Pessoas comuns
ficam tão surpresas com tais palavras
como ficam também com alguns dizeres
do Buddha, que deu injunções
estarrecedoras como “Mate seu pai e
sua mãe” e “Não seja agradecido”
(Dhammapada). Essas declarações têm
um significado especial em si mesmas,
pois são símiles na linguagem do
Dhamma.
O muito importante princípio cristão
da bondade (mettā) tal como ensinado
pelo Cristo em Mateus 5:39-40: “Eu,
porém, vos digo que não resistais ao
mal; mas, se qualquer te bater na face
direita, oferece-lhe também a outra. E ao
que quiser pleitear contigo e tirar-te o
vestido, larga-lhe também a capa”
representa a mais alta forma de
paciência e amor. A contraparte no
Buddhismo é a frase do Senhor Buddha:
“Bhikkhus, mesmo se bandidos viessem
a cortá-los selvagemente, membro por
membro com uma serra de duplo corte,
aquele que fez surgir uma mente de ódio
em relação a eles não estaria
conduzindo meu ensinamento”. Que
qualquer um compare essas duas
declarações em todas as suas sutilezas.
É seguro concluir que estas duas
religiões são religiões de mettā
(bondade, amor). É uma pena que
homens religiosos nos dias modernos
novamente tenham sucumbido à lei de
“um olho por um olho e um dente por um
dente”. Esta é a razão porque o mundo é
constantemente afligido por guerras e
crises. Tanto quanto se refere às
relações humanas, esta injunção de
mettā é a mais negligenciada.
Mesmo nos ritos de ordenação,
ironicamente tanto Jesus Cristo quanto o
Senhor Buddha usavam o mesmo
método. O chamado do Buddha de ‘Ehi
Bhikkhu’ (“Venha, monge”) é paralelo ao
“Vinde após mim” em Marcos 1:17 e ao
“Segue-me”, tal como dito a Levi em
Marcos 2:14. Isto, de fato, é tudo o que
é necessário para ser ordenado como um
discípulo. Algumas poucas palavras são
suficientes para chamar o noviço a
realizar um ato que o livrará de todo o
sofrimento. Os ritos elaborados de
ordenação, tais como praticados
posteriormente, nunca foram prescritos
pelo Senhor Buddha. Isso pode parecer
muito pequeno para ser mencionado,
mas é bastante curioso notar que a
similaridade é quase por demais
próxima para ser uma coincidência.
Agora gostaria de dizer algo sobre
milagres. Milagres têm sido sempre um
tema muito desafiador em todas as
religiões. Para aqueles que vivem com
medo constante, aqueles que não
apreenderam bem o Dhamma, milagres
são coisas a que naturalmente se
apegam, de outro modo nunca
conseguiram prestar atenção à religião
de modo algum. Um milagre
simplesmente significa qualquer coisa
tão surpreendentemente maravilhosa a
ponto de capturar os corações dos
homens, e não inclui apenas aquelas
coisas tão estranhas ou fantásticas a
ponto de desafiar todas as tentativas de
explicações. Mesmo atos comuns como
uma persuasão que convence uma
pessoa a mudar sua mente a respeito de
suas convicções anteriores, podem ser
corretamente considerados um milagre.
O próprio Senhor Buddha fez uso e
recomendou aos outros a fazer este tipo
de milagre. Ele desaprovou e proibiu o
uso de magia e outros meios
sobrenaturais, os quais, ele indicou,
podem ser realizados por qualquer
mágico. Se o Senhor Buddha tivesse
feito uso da mágica, ele poderia
facilmente ter sido confundido como
mais um mágico, assim como Jesus que,
após expelir os demônios, foi acusado
de obter seu próprio sucesso ao Príncipe
dos demônios, ao invés de ser devido a
ser o filho de Deus.
Tais fenômenos milagrosos, como
causar a visão a um cego, fazer o surdo
ouvir, o mudo falar, o paralítico andar e
o tigre ou o leão ficar amigo do
cordeiro, são coisas que se diz ter
ocorrido na Iluminação do Senhor
Buddha, de acordo com os escritos
posteriores tais como o Nidānakatha do
Comentário do Jātaka [2]. Apesar disso,
os buddhistas geralmente dão a tais
fenômenos um sentido moral
(dhâmmico). Por exemplo, no “causar a
visão a um cego” a cegueira significa a
ignorância humana. O Senhor Buddha,
em virtude de sua iluminação, se livrou
da ignorância ou da cegueira, e também
prescreveu um medicamento para o
mundo seguir. Desta forma, o mundo foi
salvo da cegueira quando o caminho
seguro se tornou claro, quando os meios
para se eliminar o sofrimento foram
compreendidos. “Causar o surdo ouvir”
significa que as pessoas que não
conseguiam entender o fim do
sofrimento ou o nibbāna chegaram a
entender por meio da iluminação e do
ensinamento do Buddha. “Causar o
paralítico andar” é dar orientação para
aqueles que não conseguiam se livrar
sozinhos do sofrimento, de modo que
pudessem se levantar e andar pela
estrada ao longo das armadilhas do
sofrimento. “Restaurar a fala ao mudo” é
ensinar o mundo a como expressar o
Dhamma de modo inteligente.
Finalmente, “fazer com que o leão seja
amigo do cordeiro” significa criar uma
coexistência pacífica por meio do poder
do amor entre o forte e o fraco
igualmente. É somente quando tais
fenômenos milagrosos são vistos por
meio da linguagem do Dhamma é que
podemos começar a acreditar nos
milagres e em seus maravilhosos efeitos.
Entre a cura de um homem cego e o fim
da ignorância de um homem, qual é o ato
mais milagroso? Qual obra é a mais
maravilhosa? Ou a mais difícil? Daí
que, no Buddhismo, o milagre do
ensinamento (anusasani patihariya) que
faz alguém compreender o Dhamma
imortal é considerado muito superior a
todos os outros tipos de milagres.
Mesmo se o morto for trazido à vida,
que bem isso faria se ele continuasse tão
ignorante e tão suscetível ao sofrimento
quanto já era antes de sua morte?
Levantar os mortos para a vida deveria
ser apropriadamente entendido como
significando levantar alguém que morreu
como um resultado de Adão ter comido
do fruto proibido para uma nova vida na
qual o Reino de Deus é atingido. Penso
que isso deve ser o que a Bíblia queria
dizer quando dizia que Jesus restaurou a
vida aos mortos. Infelizmente, esse
significado era refinado demais para os
fariseus apreenderem, daí terem criado
um complô contra a vida de Jesus.
Uma vez que todos os seus milagres
se provaram inúteis entre os fariseus,
Jesus Cristo cessou de realizá-los, pois
a descrença dos fariseus poderia crescer
sete vezes mais. Mateus (12:43-45)
relatou as seguintes palavras de Cristo:
“E, quando o espírito imundo tem saído
do homem, anda por lugares áridos,
buscando repouso, e não o encontra.
Então diz: Voltarei para a minha casa, de
onde saí. E, voltando, acha-a
desocupada, varrida e adornada. Então
vai, e leva consigo outros sete espíritos
piores do que ele, e, entrando, habitam
ali; e são os últimos atos desse homem
piores do que os primeiros. Assim
acontecerá também a esta geração má”.
Jesus Cristo percebeu ser inútil realizar
milagres para os fariseus. Não apenas
Cristo tentou em vão convencê-los, ele
também foi acusado de invocar a ajuda
do príncipe dos demônios (Mateus
12:24)
De Mateus 12:41 e 16:4 podemos
deduzir que o maior de todos os
milagres realizados por Jesus Cristo foi
sua ressurreição no terceiro dia de sua
morte. Novamente, devemos interpretar
isso na linguagem do Dhamma. “Três
dias após a morte de Cristo” pode ser
considerado uma certa media de tempo,
seja três anos, trinta anos ou trezentos
anos, em que, seguindo Seus
ensinamentos, eles novamente
“voltariam à vida”. Similarmente, o
Buddhismo voltou à vida no terceiro
século após a morte do Senhor Buddha,
durante o tempo do rei Asoka, o Grande,
o mantenedor e propagador do
Buddhismo. Além disso, podemos
considerar a profecia declarada em
termos posteriores, de que um tempo
virá quando as relíquias de ossos do
Senhor Buddha, espalhadas por todo o
mundo, irão se reunir e ele próprio
viverá novamente, seus ensinamentos
serão uma vez mais gloriosos, e ele
passará ao Nirvāna perfeitamente. A
ideia de um mestre religioso voltando a
viver era prevalecente entre os indianos,
mesmo antes da época do Senhor
Buddha. Essa ideia, assim como “as
histórias antigas dos hebreus”, devem
ser tomadas no sentido do Dhamma. Se
o primeiro adaptou a ideia do último, ou
vice versa, é tema para pesquisas
posteriores. Podemos concluir,
entretanto, que aquilo que é considerado
milagroso, seja no Buddhismo como no
Cristianismo, e apresentado nos contos
de fadas para crianças ou para jovens,
deve ser interpretado na linguagem do
Dhamma. De outro modo, isso somente
nos fará sete vezes mais ignorantes,
como se mais sete demônios entrassem
em nosso espírito.
Vamos agora considerar o tema dos
discípulos traiçoeiros. Jesus Cristo teve
seu Judas Iscariotes, e o Senhor Buddha
teve seu príncipe Devadatta.
Estranhamente, tanto Jesus Cristo (João
6:64-70) quanto o Senhor Buddha, já
sabiam de antemão que alguns de seus
discípulos o trairiam. Por que eles
teriam admitido futuros traidores em
suas comunidades? Judas é conhecido
como tendo sido escolhido pelo próprio
Jesus Cristo. A razão deve ser declarada
em termos do Dhamma. É claro que
seria possível dizer, no caso de Jesus
Cristo, que era a vontade de Deus, para
o benefício da redenção da humanidade,
que ocorresse ações extremamente
caridosas até mesmo em relação àqueles
que eram conhecidos como sendo os
piores. No caso do Senhor Buddha, a
traição pode ser considerada como um
ato necessário de acordo com o karma
do príncipe Devadatta. Ou, poderíamos
dizer que isso não faz diferença para
alguém que já se libertou do apego. O
Senhor Buddha apenas deixava as coisas
acontecerem em seu devido curso. Para
ele não havia questão de traição ou
lealdade, pois não tinha quaisquer
objetivos pessoais, seja de ganho ou de
perda, de vida ou de morte. Em termos
de redenção, admitir um traidor em sua
comunidade é um modo de atrair a
atenção das pessoas a seus
ensinamentos, seus sacrifícios e sua
orientação, de maneira a também
atraírem sucesso. Incidentalmente, é
possível afirmar com segurança que
todos os mestres religiosos enfrentaram
traições, não apenas o Senhor Buddha e
Jesus Cristo; as diferenças sendo
somente no grau e circunstâncias das
traições que cada um encontrou.

(C) JESUS CRISTO COMO UM


FILHO DE DEUS
Aqueles que não acreditam em Jesus
Cristo poderiam considerá-lo uma
criança ilegítima, sem pai. Em Mateus
1:20-21, lemos: “E, projetando ele isto,
eis que em sonho lhe apareceu um anjo
do Senhor, dizendo: José, filho de Davi,
não temas receber a Maria, tua mulher,
porque o que nela está gerado é do
Espírito Santo. E dará à luz um filho, e
chamarás o seu nome Jesus, porque ele
salvará o seu povo dos seus pecados”.
Isso significa, na linguagem do povo,
que Jesus Cristo é o Filho de Deus. Um
significado similar é encontrado nas
esculturas e inscrições biográficas sobre
o Senhor Buddha que foram encontradas
em Bharhut. “Um elefante branco desceu
do céu”, diz a inscrição, “deu três voltas
ao redor da rainha Mahāmaya e, então,
entrou em seu ventre. Isso ocorreu
durante o período quando a princesa-
mãe mantinha o Dia de Observância dos
Preceitos (uposatha-sīla), pura em
relação ao toque de qualquer pessoa e
profundamente no sonho”. Outros
escritos, como o Pathamasambodhi,
também contêm este episódio. Desta
maneira, a crença de que um profeta
religioso deve ter nascido de Deus, ao
invés de seres mortais, era bastante
comum na Índia um ou dois séculos
antes do nascimento de Jesus. Que se
acredite que Jesus Cristo tenha nascido
de Deus não é nada estranho para os
buddhistas (e hindus). Tais noções e
teorias já ocorriam na Índia. A questão é
como interpretaremos esse evento -
literalmente ou ao nível do Dhamma.
No sentido do Dhamma, ser o filho
de Deus pode significar muitas coisas.
Jesus Cristo, por exemplo, poderia ser
considerado um aspecto (componente)
de Deus que foi temporariamente
separado Dele, de modo a guiar o
mundo como o fizeram professores e
profetas de outras eras e períodos. O
que é conhecido como “Deus” não é nem
físico nem mental, por natureza. É sem
corpo, sem boca ou qualquer outro meio
de linguagem tais como conhecemos,
mas pode causar um corpo ser formado
com uma boca e uma voz para falar o
que Deus deseja ser falado. O indivíduo
pode ser chamado de Filho de Deus. No
Buddhismo Mahāyāna se acredita que
um Buddha em particular, chamado “Adi
Buddha”, existe pela eternidade, de
forma muito semelhante como Deus é
dito existir. Do Adi Buddha vieram os
vários Buddhas históricos, tais como
Gotama Buddha e Jesus, cada um tendo
aparecido em diferentes épocas de
acordo com as circunstâncias. Os
conceitos indubitavelmente têm um
paralelo. Se você concordar que Deus é
Dhamma tal como explicado acima,
então podemos dizer que tudo é nascido
do Dhamma, incluindo os profetas e os
mestres. A diferença é que a maior parte
das pessoas não fala de acordo com as
necessidades do Dhamma, isto é, sobre
o Dhamma como a coisa que termina
com o sofrimento. Ao invés disso, as
pessoas falam de coisas que são
sofrimento e pecado. Daí o termo “Filho
de Deus” não poder ser aplicado a
todos, mas somente àqueles que podem
levar o mundo ao perfeito entendimento
do Dhamma.
O Filho de Deus, seja na linguagem
do povo ou na linguagem do Dhamma, é
aceitável para os buddhistas, sem
preconceito ou argumento.

(D) JESUS CRISTO COMO O


PRÓPRIO DEUS
O Novo Testamento contém sugestões
de que Jesus Cristo tem mensageiros
celestiais e um reino. Isso mostra que
aqui a palavra Jesus Cristo se refere ao
próprio Deus, pois devemos dizer que
em Cristo há a coisa que chamamos de
“Deus”. Poderíamos raciocinar na
linguagem do povo, por exemplo, que
em Jesus Cristo há a divindade. Seu
corpo contém o espírito de Deus, e tal
espírito é dotado com os atributos ou as
faculdades qualitativas de Deus. Quando
se referindo a Cristo, deveríamos
apontar seu corpo físico, seu espírito ou
a “coisa” em seu espírito? O Senhor
Buddha diz: “Ele que vê o Dhamma me
vê; ele que não vê o Dhamma, não me
vê, mesmo que esteja segurando meu
manto” (Itivuttaka, Khuddaka Nikāya).
Isso significa que aqueles que veem o
Buddha são aqueles que veem o
Dhamma em sua mente e não apenas
veem seu corpo e sua mente. Eles veem
aquilo que subjaz em sua mente e aquela
coisa é Dhamma ou Deus. Portanto,
aquela coisa não mais pode ser
meramente um filho ou qualquer coisa
de Deus, mas deve ser o próprio Deus.
“Buddha” é “Dhamma” e “Dhamma” é
Deus. Jesus Cristo, à medida que
queremos significar aquilo que subjaz
em sua alma, é nada menos que o
próprio Deus. O corpo e a alma são
apenas receptáculos ou camadas
externas. É dessa maneira como Jesus
Cristo, como o próprio Deus, pode ser
aceito na linguagem do Dhamma.
Agora já descobrimos Jesus Cristo
em todos os quatro de seus papéis: como
filho de Davi, como mestre histórico de
uma religião, como filho de Deus e
como o próprio Deus. Somos capazes
igualmente de conhecer (conceber) o
Senhor Buddha nos mesmos quatro
modos.

DEUS COMO MENTE OU DEUS


COMO ESPÍRITO
Antes de prosseguir em minha
discussão de Deus na forma de um
Espírito ou alma, gostaria de trazer sua
atenção a João 1:1-5 no Novo
Testamento: “No princípio, era o Verbo,
e o Verbo estava com Deus, e o Verbo
era Deus. Ele estava no princípio com
Deus. Todas as coisas foram feitas por
ele, e sem ele nada do que foi feito se
fez. Nele estava a vida, e a vida era a
luz dos homens; E a luz resplandece nas
trevas, e as trevas não a
compreenderam”.
O que, então, é “a Palavra”? Entendo
que “a Palavra” é aquilo que também é
referido como “o Espírito”. Isso foi
traduzido em tailandês por “Espírito
Santo” ou “a Alma”, e tais traduções
causaram muitos mal-entendidos entre
os tailandeses. A palavra “Espírito”,
sendo assim concebida erroneamente,
fez com que o conceito de “Deus, o
Espírito” fosse consequentemente mal
entendido, e também Deus foi tomado no
sentido de consciência ou de alma. Na
passagem acima, “a Palavra” claramente
significa Vida e Luz. O que é chamado
de Espírito inclui os significados de
Vida e Luz em total medida. Daí não
poder ser equivalente de Mente ou “a
Alma” como traduzida em tailandês, a
menos que estas duas palavras sejam
redefinidas para selecionar o
significado especial encontrado aqui,
pois não estão presentes no sentido
ordinário das palavras em tailandês, ou
mesmo nos termos em pāli, dos quais
essas duas palavras são derivadas.
Obviamente, “a Palavra” nada mais é
que o Dhamma no sentido de Lei
Natural, ou que é conhecido no
Buddhismo como “a Verdade (sacca-
dhamma)”. No começo era a Verdade; a
Verdade estava com Deus; a Verdade era
a vida e a luz dos homens. Daí, é o
Espírito ou a essência de todas as
coisas. No Buddhismo, isto que forma a
essência de tudo é chamado de Dhamma
- não há melhor palavra que esta. Daí
que quando falamos na Linguagem
Ordinária, a coisa chamada Espírito é o
Dhamma do Buddhismo, que inclui os
significados tanto de vida quando de luz
ao mesmo tempo. Etimologistas
deveriam examinar as raízes da palavra
“espírito” em latim e em grego, de modo
que a tradução tailandesa possa ser dada
corretamente tanto na letra quanto no
significado. Este é um dos mais
importantes termos no Cristianismo uma
vez que representa Deus. Tal esforço
seria valoroso porque habilitaria os
tailandeses entenderem corretamente as
palavras Espírito ou Alma, de modo a
aceitarem-nas como Deus prontamente e
sem qualquer discussão. Quanto às
palavras “Espírito Santo”, o povo
tailandês nunca foi capaz de entendê-las.
Eles estremecem diante de “Espírito
Santo” [3] sem serem capazes de
explicar porquê. Talvez nos ajude a ver
este ponto mais claramente se
examinarmos as três palavras
conjuntamente - examinando a palavra
“a Trindade”.

DEUS COMO A TRINDADE


A fim de explicar a Trindade a uma
criança, de maneira fácil e rápido,
poderíamos usar analogias na linguagem
do povo, como se segue:
O Pai nos Céus é o mesmo que o
dono de uma vasta quantidade de
gemas preciosas.
O Filho, Jesus Cristo, é alguém que
pega as gemas e as distribui pelo
mundo.
O Espírito representa tais gemas.
Esses três são uma só coisa. Todos
têm gemas em comum. Suas funções
estão unidas e são inseparáveis, como
na Trindade buddhista: o Buddha, o
Dhamma e a Sangha.
O Buddha descobre uma imensa
mina de gemas preciosas.
O Dhamma é todas essas gemas.
A Sangha traz as gemas para todo o
mundo.
Assim definido, você pode ver por
você mesmo o relacionamento entre a
Trindade do Buddhismo e aquela do
Cristianismo. Onde, então, está a
diferença? A tarefa essencial é traduzir a
palavra “Espírito” em “Deus, o
Espírito” numa palavra em tailandês
mais apropriada e que reflita as fontes
originais em hebraico, latim e grego.
Finalmente, podemos ver que a
Trindade, quando tomada como
princípio básico, certamente capacitaria
cristãos e buddhistas a trabalharem
juntos, lado a lado, para a paz mundial,
de uma maneira nunca antes possível.

SUMÁRIO
Para sintetizar esta segunda palestra,
mantenho que de modo a atingir a
Divindade é preciso examinar
meticulosamente a coisa chamada
“Deus” em vários aspectos, de maneira
a realizar o Verdadeiro Deus na
linguagem do Dhamma em seu próprio
coração. Então, desfrutar da companhia
de Deus sucessivamente por períodos
mais longos até que se viva
constantemente com Deus, sem deixar
Sua companhia mesmo por um momento.
O resultado disso seria o mesmo que a
genuína realização do Dhamma pelo
buddhista, isto é, uma mente que é
limpa, clara e calma, sempre.
Deus, como geralmente entendido, é
a coisa que todos devem acreditar, temer
e adorar. Deve-se entrar nas boas graças
de Deus fazendo sua vontade. Mas Deus
na linguagem do Dhamma do Buddhismo
deve ser distinguido em diferentes
aspectos. Há o aspecto que é avijjā
(ignorância) e tanhā (desejo sedento)
que dá surgimento ao condicionamento e
à concocção, tomando o lugar da
verdadeira paz. O aspecto que é karma
ou a Lei do Karma deve ser observado e
realizado até alcançar o karma que não é
nem bom nem ruim, mas que é o fim do
karma bom e ruim, que é, em essência,
parar o girar no ciclo da experiência
dualista e que é a verdadeira paz.
O Deus da linguagem convencional é
para pessoas com modos de pensar e
sensibilidade infantis, e, portanto, a
roupagem da mitologia foi usada de
modo a tornar fácil para as pessoas se
lembrar e acreditar. Deus no sentido
mitológico pode sempre ser interpretado
na linguagem do Dhamma. Isto é
urgentemente necessário, do contrário,
as pessoas fracassarão em conhecer o
Deus real e permanecerão estancadas na
lama da crença supersticiosa. Deus
como o Filho, a saber, Jesus Cristo, seja
no sentido do filho de Davi, de um
profeta histórico, do Filho de Deus ou
meramente da qualidade de perfeição
em sua mente, é expresso apenas em
termos e particulares que de maneira
surpreendente se harmonizam e
encontram paralelo com a vida do
Senhor Buddha.
Deus o Espírito, deveria se referir ao
que é chamado niyya-nikadhamma no
Buddhismo, o presente superior que
pode ser dado aos seres sencientes, a
gema espiritual que é a mais gratificante.
Finalmente, Deus a Trindade, é comum a
todo o mundo e existe em todas as
religiões que apareceram à humanidade
neste mundo, ou em outros mundos, se
existirem.

NOTAS DO CAPÍTULO
1. Uma biografia do Buddha escrita por
um monge tailandês. É uma leitura
obrigatória no currículo básico dos
monges.
2. O Atthakatha (literalmente versos
sobre o significado) são o corpo
principal de comentários do Tipiṭaka.
Eles foram compilados a partir de fontes
cingalesas por Buddhaghosa e seus
estudantes, aproximadamente 1000 anos
após a morte do Buddha e exerceram
uma forte influência sobre todo o
entendimento subsequente do Theravada.
3. N.T: pois em inglês é traduzido como
Holy Ghost, literalmente fantasma
sagrado
PARTE III:
REDENÇÃO E
REALIZAÇÃO
Capítulo VIII: Redenção &
Realização

Membros da Universidade, Estudantes e


Convidados do Seminário, nesta terceira
palestra abordarei dois tópicos:
Redenção e Realização Derradeira.

REDENÇÃO
Os buddhistas sentem que a redenção
efetuada por Jesus Cristo corresponde
ao desenvolvimento das perfeições do
Buddha, de modo a afastar a humanidade
da massa de sofrimentos. Antes de se
tornar um Buddha é preciso desenvolver
Perfeições (paramitā) para o benefício
dos outros, mesmo a ponto de sacrificar
a sua vida, a de seu amado filho e
esposa, partes de seu corpo, sua visão
ou o que quer que seja. Até depois de se
tornar um Buddha, ele ainda deve
prosseguir afastando a humanidade da
massa de sofrimentos, os quais são
equivalentes ao Inferno dos dias atuais.
O Buddha provê uma calma serena para
o mundo, mesmo para os tolos animais.
Tais atos envolvem diretamente o
sacrifício da vida e da felicidade
pessoal no serviço aos outros. Desta
forma, isso é chamado de “Redenção”; o
autossacrifício do Senhor redime a
humanidade do aprisionamento vindo
das impurezas e do desejo sedento.
Todos os seres estão possuídos pela
ignorância, a qual, como um credor de
Māra, o Tentador, os mantém em suas
garras. Em termos da linguagem do
Dhamma, os seres sencientes estão
enterrados em suas próprias tolices,
totalmente cegos, e se recusam a ouvir
qualquer um que possa ensiná-los. Deste
modo, deve haver alguém que esteja
preparado para sacrificar até mesmo sua
própria vida de modo a despertá-los da
tolice e livrá-los do sofrimento que eles
mesmos não percebem. O sacrifício de
vida feito por um “Redentor” tem um
efeito de longo prazo, pois Ele deixa
Seu conselho como um legado de
ensinamento para o mundo, por tanto
quanto um século ou mesmo milênios.
O significado fundamental de
“redenção” deve ser corretamente
entendido. Ele é duplo. O primeiro nível
de significado é a redenção de outros e
o segundo é a autorreferência. O Senhor
Buddha fez todos os sacrifícios de modo
a descobrir o caminho para destruir as
impurezas mentais ou eliminar Māra (o
maléfico). Então ele passou por perigos
extremos de modo a ensinar a
humanidade até, enfim, conquistar seus
corações. Uma vez que os seres
entenderam o ensinamento, eles praticam
de modo a se libertar da ignorância e
das impurezas e, assim, são salvos. A
primeira redenção vem pelo Professor, e
a segunda pela própria pessoa. Existem
esses dois estágios da redenção. Uma
vez que a parte mais essencial jaz no
último estágio, os buddhistas
consideram a autorredenção como um
princípio cardinal; daí a frase
frequentemente repetida “Atta hi attano
natho” (“O eu é o refúgio do eu”)
(Dhammapada, Attavagga) [1]. O Senhor
Buddha, Ele mesmo, advogou esse
princípio dizendo: “Vocês mesmos
devem fazer a jornada, os Tathāgatas
meramente mostram o caminho”
(Dhammapada) [2]. Sem fazer a jornada
por si mesmo, ninguém alcançará o
“Reino de Deus”.
Não obstante, todos aceitam que sem o
Buddha para mostrar o caminho, não
haveria qualquer jornada de modo
algum. Mesmo se alguém acidentalmente
encontrasse o caminho correto, por meio
de seu próprio árduo esforço, ele não
seria capaz de voltar para resgatar os
outros seres. Seu conhecimento seria por
demais estreito, relevante apenas para si
mesmo. Ele não teria a sabedoria para
convencer os outros a respeito destas
verdades tão profundas. É preciso
alguém que seja dotado do sati-paññā
(vigilância e sabedoria) de um Buddha
para ser bem sucedido em mostrar o
caminho para que as futuras gerações
pudessem seguir seus passos. O
Redentor inicial é, portanto, o Mestre
Iluminado, enquanto que o redentor de
fato não é outro senão o próprio
viajante. Se esse princípio é aceito
seremos capazes de ver então, que a
redenção é comum a todas as religiões,
idêntica em essência e diferindo apenas
em detalhes menores.
Redenção e Expiação são coisas
diferentes. Expiação pelos pecados se
dá por meio de uma pessoa que purifica
outra e pertence ao reino dos fenômenos
sobrenaturais. Nenhuma explicação é
oferecida. No Hinduísmo, por exemplo,
há um episódio de Rāma expiando os
pecados de Ahalya. Isso não oferece o
significado da redenção tal como
explicado acima, a menos que seu
significado na linguagem popular seja
convertido para aquele do Dhamma. O
Buddhismo não acredita na expiação por
meios sobrenaturais ou objetos sagrados
como água benta. Ele aceita a redenção,
mas somente no sentido mencionado
acima.
Com relação à questão “Que tipo de
redenção deveria ser considerado como
a “Grande Redenção?”, os buddhistas
não tomam a coisa sacrificada como o
critério, mas aquilo que o redimido
recebeu. Isso significa que se a redenção
resultou no mais alto benefício, tal como
o atingimento do nibbāna ou o Reino de
Deus, tal redenção pode ser considerada
como a mais superior ou a “Grande
Redenção”. Se a vida precisa ser
sacrificada ou não, isso não é algo
importante. Se uma vida foi sacrificada
sem resultados apreciáveis, ela foi
perdida em vão e nunca poderia ser
considerada como a Grande Redenção.
Dessa maneira, a Redenção superior não
é necessariamente alcançada à custa da
vida do redentor.
Para mim, o título “Grande Redentor”
foi conferido a Jesus Cristo devido a
seus esforços em levar os descendentes
de Adão a comer o fruto da “árvore da
vida” e se libertarem do pecado
original, ao invés de permanecerem
todos sob o poder do pecado original
após terem comido o fruto que causa a
morte espiritual. Em outras palavras,
praticar o que Jesus Cristo ensinou de
maneira a serem capazes de entrar no
Reino de Deus. Por essa razão, Jesus é
conhecido como o Grande Redentor e
não porque sacrificou sua vida na
crucificação. Para uma pessoa como
Jesus Cristo ou o Senhor Buddha a vida
no sentido ordinário é uma coisa muito
insignificante. Mas como tenho
observado que muitos cristãos
relacionam a ideia da redenção
exclusivamente ao sacrifício da vida de
Jesus, eu desejo oferecer a visão
buddhista como uma comparação útil.
Gostaria de dizer que Jesus Cristo ter
sacrificado ou não sua vida é um assunto
totalmente dependente das
circunstâncias, e pode não ter nada a ver
com a redenção. Se ele tivesse pregado
sua mensagem na Índia, especialmente
na época do Senhor Buddha, ele não
teria perdido sua vida e provavelmente
teria continuado a pregar pelo resto de
seu período de vida. A redenção
superior de Cristo é sua ação de dirigir
os homens ao Reino de Deus pela
realização. Se ele falasse para tolos, não
importaria quantas vidas ele
sacrificasse, pois nem mesmo um
atingiria o Reino de Deus.
O verdadeiro significado da redenção é
meramente “nascer novamente” referido
em João 3:3. É o que Jesus Cristo deve
ter mais desejado. O Senhor Buddha
enfrentou a espada de Angulimāla e o
fez renascer naquele exato momento.
Isso é um exemplo da forma superior de
redenção pessoal no Buddhismo.
Podemos definir a redenção como
“causar o renascimento espiritual de um
homem nesta própria vida”. Cada
religião deve incluir o que aqui é
chamado “redenção”. É o trabalho
essencial de todas as religiões, sem o
qual a palavra “religião” perde todo o
significado.
Se dermos um passo adiante, podemos
dizer que a redenção dos pecados é a
obra da amorosidade (mettā). É preciso
ter a mais alta forma de amorosidade de
maneira a efetivar a redenção. Mesmo
se declararmos que a redenção é serviço
de Deus, podemos dizer que ela vem do
Deus de amorosidade ou de mettā
enquanto qualidade ou atributo de Deus.
Na linguagem leiga, Deus, a partir de
sua amorosidade, sacrificou seu próprio
filho de maneira a redimir a humanidade
de seus pecados. Uma vez que os
humanos naturalmente amam a si
mesmos, podemos daí redimir a nós
mesmos também. Podemos fazê-lo
empregando os métodos pregados pelo
Professor, isto é, praticar seus
ensinamentos de todas as maneiras e
assim, tornar a redenção de Deus
verdadeiramente completa. Sustento,
portanto, que a redenção do homem é o
dever de todas as religiões e, ao mesmo
tempo, é o dever de todos os homens
redimirem a si mesmos. A redenção
pessoal é possível até por meio do
poder do instinto de todos os seres
vivos, os quais instintivamente desejam
a sobrevivência que é a salvação. A
única diferença é que a salvação
religiosa é o nível superior de
sobrevivência e segurança. Mesmo
assim, essa salvação superior deve
depender de uma consciência instintiva
como sua fonte, se for para se
desenvolver facilmente.
Os homens que não têm religião ou
conhecimento da religião, mas que são
dotados de intelectos normais, sempre
pensam em sua própria segurança de um
modo ou de outro. Em todos os casos, o
objetivo fundamental pode ser o mesmo
no sentido de que desejam ser poupados
do sofrimento que no presente tortura
suas mentes. O momento em que
começam a buscar um caminho para
conquistar o sofrimento, eles professam
a “religião” inconscientemente e assim,
se engajam em redimir a si mesmos.
Esse fato psicológico explica o sucesso
dos Profetas em redimir as pessoas do
mundo. Se as pessoas não estivessem
voltadas para o objetivo de se
redimirem nenhuma quantidade de
sacrifício de tais professores resultaria
na redenção do povo. Deveríamos
concordar, desta forma, que a redenção
religiosa é baseada no instinto de
sobrevivência que existe em diferentes
níveis em todos os seres vivos. Se as
instituições religiosas compreendessem
completamente a importância deste
instinto de sobrevivência, os esforços
para a redenção trariam alegres
resultados e o mundo se tornaria limpo e
fácil de viver para além de qualquer
descrição.
Toda a humanidade deve cooperar com
Deus em sua própria redenção. Todos
devem criar o “novo nascimento” por
meio da prática de princípios
estabelecidos pelas religiões, os quais
devem ser estudados e refletidos até
serem entendidos completa e
pessoalmente. Então, tal conhecimento
deve ser aplicado de todo coração e
vida, que é o significado de “entregar a
própria vida a Deus”. Assim,
receberemos de acordo com a vontade
de Deus em nos ajudar. Isso é falado na
linguagem do Povo, misturada com a
linguagem do Dhamma. A essência do
tema é que devemos amar a nós mesmos,
ajudar a nós mesmos e superar todas as
impurezas por nós mesmos de modo a
sermos livres de todo sofrimento.
Agindo desse modo, seremos
inteiramente redimidos dos “pecados
originais”, dos “novos pecados” e dos
“pecados derradeiros”.
Em relação à maneira, atividade ou
prática da redenção, embora as
escrituras religiosas possam diferir em
sua expressão, a essência permanece a
mesma. O Cristianismo fala, por
exemplo, de se sacrificar no serviço de
Deus, servindo a seu próximo de modo a
servir a Deus, e de se tornar um parente
de Jesus Cristo da maneira como ele
desejava. No Buddhismo, encontramos
“mantenha-se criando méritos e fazendo
o bem”, “elimine a ignorância”, “liberte
a mente de todos os apegos” e,
finalmente, “realize atos que não sejam
nem virtuosos nem maléficos, que sejam
o fim de todo kamma (ação) bom e
ruim”. Se escutarmos apenas a letra,
essas coisas parecerão completamente
diferentes, pois em um caso sempre se
menciona Deus, enquanto que noutro não
há nem mesmo um traço Dele. Mas na
essência as frases são as mesmas.
Suponha que fôssemos usar o termo
“orar a Deus”. Isso ainda significa que
uma pessoa aconselha e convence a si
mesma a fazer a vontade de Deus. Fazer
a vontade de Deus é a prática do
Dhamma, e a prática do Dhamma é
eliminar o egoísmo, como em todas as
religiões. Todos os pecados vêm do
egoísmo. O egoísmo é a causa da
ganância, do ódio e da ilusão. É o
egoísmo que é responsável por todas as
ações impuras e maléficas feitas pelo
corpo, fala e mente. Redimimos todos
esses pecados pela prática de seus
opostos, da mesma maneira que
eliminamos a escuridão acendendo uma
lâmpada. Praticamos deste modo, isto é,
orando a Deus, pois tentamos agradá-lo
nos conformando à Sua vontade até os
limites de nossa habilidade.
As palavras faladas literalmente são um
tipo de autopersuasão ou oração a nós
mesmos a fim de agirmos de acordo com
a vontade de Deus. Pois o significado
das palavras usadas nas orações sempre
nos motiva para a bondade ou para
trilhar o caminho que leva a Deus. Os
buddhistas não desprezam e podem
receber bem as orações de qualquer
religião sempre que o significado for
traduzido correta e completamente na
linguagem do Dhamma. Isso é
verdadeiro mesmo para a oração da
religião Bahai que diz o seguinte:
Que sua beleza seja alimento divino
para meu sentimento;
Que sua presença seja um elixir para
meu coração;
Que seu prazer seja minha inteira
esperança;
Que a recordação de ti seja minha
companhia na jornada;
Que sua morada seja minha.
Se modificarmos apenas um pouco -
“Que a beleza do Dhamma seja alimento
divino para meu sentimento”, e assim
por diante para as linhas seguintes - a
oração inteira imediatamente se torna
buddhista em princípio. Por favor,
pensem um pouco sobre isso. Não é de
modo algum difícil de entender. Os
buddhistas também têm um tipo de
oração. Eles oram ao Buddha, ao
Dhamma e à Sangha pelo perdão das
transgressões a cada manhã e
entardecer; exceto que isso é feito na
linguagem do Dhamma, com o
significado de forçar ou convencer a não
fazer o que é errôneo no futuro. É claro,
pode haver alguns, devido à educação
insuficiente, que entendem tais orações
num sentido literal. Isso é natural e é
comum também em outras religiões.
Buddhistas que receberam boa instrução
em seus estudos, “oram a Ele” por meio
daquilo que chamamos de paṭipatti-
pūja, oferenda pela prática correta.
Sintetizando, a redenção da humanidade
tem suas origens nos Fundadores que
fizeram grandes sacrifícios por nossa
causa e isso encontra a realização por
meio de nossa resposta em nos
esforçarmos para entender seus
ensinamentos e, então, praticá-los de
acordo com o potencial pleno de nossa
vida espiritual. Se essa redenção é
enorme ou não depende do valor daquilo
que recebemos com isso, se é algo
exaltado ou não. A cooperação para a
redenção dos pecados feita dessa
maneira é a essência de toda religião,
pois purificará a terra e a libertará de
todo pecado e sofrimento. Esse é o
objetivo comum de todas as religiões.

REALIZAÇÃO
A realização derradeira que o homem
pode obter da religião é sua felicidade
neste mundo e os benefícios que
receberá no mundo futuro de Deus. De
fato, as coisas boas neste mundo, tais
como riqueza, fama, reconhecimento
social e uma vida familiar pacífica são
preocupações gerais da cultura e não
precisam ter nada a ver com a religião.
A maior parte das culturas do mundo se
desenvolveu a partir de sistemas
religiosos ou, poderíamos dizer, que
cultura é religião em um nível mais
fraco. Daí, os benefícios diretamente
obtidos por meio da religião são
benefícios de outro mundo que estão
além do que pode ser provido pelas
culturas humanas.
O outro mundo é geralmente conhecido
como “o Reino de Deus”. Isso tem
diferentes significados. Na linguagem do
povo isso significa o mundo em que se
entra após a morte. Na linguagem do
Dhamma, entretanto, o Reino de Deus já
existe dentro do próprio mundo humano
no presente, apenas não o
compreendemos.
Além disso, na linguagem popular é
entendido que Deus é repleto de coisas
belas, atraentes, gratificantes e
fascinantes em maior quantidade, melhor
qualidade e providas de maior deleite
que aquelas deste mundo. Mas, na
linguagem do Dhamma, não há tais
coisas. Ao invés disso, há apenas um
estado de frescor pacífico e
tranquilidade, livre das lutas, ilusões,
intoxicação e preocupação em relação
aos objetos sensoriais. O sabor dessa
paz é mais satisfatória e mais fascinante
que todas as coisas desejadas pelas
pessoas comuns. Os buddhistas chamam
isso de “nibbāna”, que pode ser atingido
no mundo aqui e agora. É precisamente
esse estado que é o Reino de Deus que
os seres humanos devem se esforçar por
compreender antes da dissolução do
corpo (os componentes da vida).
Com relação a esse tipo de paz, o
conselho mais interessante contido na
Bíblia é encontrado em 1 Coríntios
7:29-31, o qual nos ensina a viver e
praticar sem qualquer prisão ou apego:
“Isto, porém, vos digo, irmãos, que o
tempo se abrevia; o que resta é que
também os que têm mulheres sejam
como se não as tivessem; E os que
choram, como se não chorassem; e os
que folgam, como se não folgassem; e os
que compram, como se não possuíssem;
E os que usam deste mundo, como se
dele não abusassem, porque a aparência
deste mundo passa”.
No Buddhismo, isso é conhecido como
viver com uma mente livre e vazia de
apego a qualquer coisa como sendo “eu”
ou “meu”. Isso deve ser posto em
prática em nossas vidas diárias. Cada
vez que um objeto faz contato com
nossas mentes através das portas
sensoriais dos olhos, ouvidos, nariz,
língua e corpo, ou surge diretamente na
própria mente, devemos ser capazes de
controlá-lo de modo a impedir o
condicionamento do egoísmo ou do
egocentrismo. Essa é a vida de perfeita
sabedoria e serenidade. Tanto quando
vivamos pacificamente dessa maneira,
assim também viveremos no reino de
Deus, pois durante esse tempo há
somente pureza, claridade, paz e
serenidade para além de toda descrição.
Somente então seremos capazes de
trabalhar para nosso próprio benefício e
para o bem dos outros.
Também descobrimos que Jesus Cristo
elogiou o estado mental inocente,
semelhante a uma criança a tal ponto que
chegou a ser conhecido como “amante
das crianças” (como lemos em Mateus
19:14 e 18:3-6). O motivo para isso é
que a mente da criança não se apega ao
seu corpo ou a suas posses tanto quanto
o faz a mente do adulto, e não se
sobrecarrega com tantos pensamentos
prejudiciais como a mente adulta.
Resumindo, ela não se apega a qualquer
coisa a ponto de trazer sofrimento para
si mesma. Dessa maneira, se entenderem
bem esses dois temas, verão por si
mesmos que Cristianismo e Buddhismo
têm mais coisas em comum do que
pensavam ou imaginavam.
Outro ponto divertido de ambas as
religiões é que a melhor coisa de cada
religião é gratuita. Em Mateus 10:8 se
lê: “De graça recebestes, de graça dai”.
Em Apocalipse 21:6: “...A quem quer
que tiver sede, de graça lhe darei da
fonte da água da vida”; e em Apocalipse
22:17: “...E quem tem sede, venha; e
quem quiser, tome de graça da água da
vida”. No Buddhismo temos as
palavras: “Laddha mudha nibbutim
bhunjamana” - “Tomar parte do nibbāna
gratuitamente”. (Ratana Sutta,
Khuddhaka) [3] Tudo isso mostra que a
coisa mais sutil de Deus é obtida
gratuitamente. Quem quer que a receba,
entretanto, deve se esforçar para obtê-la
com perseverança e dedicação, como
mencionado em Mateus 11:12: “... se faz
violência ao reino dos céus, e pela força
se apoderam dele”. Podemos entender
que essa luta deve ser mais vigorosa que
a busca por minas de ouro e joias por
todo o mundo. É uma grande pena que
quase ninguém saiba disso e não
persevere vigorosamente em sua luta por
obtê-la.
Por fim, a realização última que a
humanidade deve receber da religião é
aquilo chamado “Parama-Dhamma”, a
coisa superior e mais perfeita que um
humano deveria atingir nesta vida. Isso é
obtido não após a morte (a menos que
indiquemos por isso a “morte espiritual”
que as pessoas comuns sofrem ao morrer
muitas vezes num único dia). Tão logo a
pessoa coloque as palavras de Deus em
prática, tal tipo de morte não a tocará.
Ela nasce de novo, desfrutando a vida
que não conhece tal morte. Em termos
cristãos, isso é chamado de “entrar no
Reino de Deus”. Na linguagem do
Dhamma do Buddhismo, isso é chamado
de “realização da Não-Morte” e na
linguagem popular, “entrada na terra do
nibbāna”. Isso é possível nesta própria
vida ou alguém deve esperar por ela já
dentro do caixão? Que o sábio pense e
decida por si mesmo.

SUMÁRIO DAS TRÊS PALESTRAS


O bom entendimento mútuo entre
religiões deve ser promovido porque é a
vontade de Deus. Cada pessoa deve ser
tolerante em relação a todas as outras,
pois mesmo na própria religião
dificilmente alguém capta toda a
verdade. Entregamo-nos ao estudo de
textos muito mais do que Deus realmente
deseja. Não praticamos os ensinamentos
tanto quanto estudamos.
“Deus” no Cristianismo é aquilo
chamado de “Dhamma” no sentido
quádruplo do Buddhismo. Tudo é
completo e perfeito “nesta coisa”;
dificilmente precisamos nos preocupar
com qualquer outra coisa. Quem quer
que compreenda profundamente esta
coisa chamada “Dhamma” é um bom
buddhista, um bom cristão e um bom
muçulmano ao mesmo tempo. Se
Criação, Redenção e Realização forem
traduzidas na linguagem do Dhamma de
acordo com o método buddhista, não
haverá nada para gerar conflito entre as
religiões.

NOTAS DO CAPÍTULO
[1] Khuddhaka-nikāya
[2] Khuddhaka-nikāya, (25/51)
[3] Khuddhaka-nikāya, Khuddakapatha
Sobre o Autor

Buddhadasa Bhikkhu (o Servo do


Buddha) tornou-se um bhikkhu (monge
buddhista) em 1926, com a idade de 20
anos. Após alguns anos de estudo em
Bangkok, sentiu-se inspirado a viver
perto da natureza, de maneira a
investigar o Buddha-Dhamma.
Estabeleceu, então, Suan
Mokkhabalarama (O Jardim do Poder da
Libertação) em 1932, perto de sua
cidade natal. Na época, ele era o único
Centro de Dhamma na Floresta e um dos
poucos lugares dedicados a vipassanā (o
cultivo mental que leva ao “ver
claramente” a realidade) no sul da
Tailândia. O reconhecimento de
Buddhadasa Bhikkhu, sua obra e Suan
Mokkh, espalhou-se no correr dos anos,
de forma que agora eles são
frequentemente descritos em conjunto
como “um dos eventos mais influentes
da história buddhista da Tailândia”.
Tan Ajahn morreu em 1993, mas sua
obra permanece como uma luz a indicar
o caminho para todos os sérios
buscadores da verdade. O Centro de
Estudos Buddhistas Nalanda é um dos
centros no mundo, o único da América
do Sul, a continuar nessa exploração
segundo suas diretrizes e dar
continuidade ao seu pensamento.
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respiração: perceber, investigar e
contemplar um dhamma (coisa, fato,
verdade) enquanto se está vigilante a
cada inspiração e expiração. No sistema
completo de ānāpānasati ensinado pelo
Buddha há uma progressão natural de
dezesseis lições ou dhammas a serem
praticados de modo a explorar
completamente as Quatro Fundações da
Vigilância e realizar o Nibbāna.
Anattā - Não-eu, não-ego: o fato de
todas as coisas, sem exceção, não serem
um ‘ego’ e serem desprovidas de
qualquer essência ou substância que
possa ser apropriadamente chamado de
‘ego’. Esta verdade não nega a
existência das coisas, mas nega que
possam ser possuídas ou controladas, da
mesma forma que também não são
proprietárias ou controladoras, em
qualquer sentido exceto de forma
relativa e convencional.
Anicca - Impermanência, instabilidade,
fluxo: as coisas condicionadas estão
sempre mudando, em transformação
incessante, e constantemente surgindo,
manifestando-se e extinguindo-se. Todas
as coisas condicionadas deterioram-se e
desaparecem.
Arahant - O Valoroso, o ser totalmente
Desperto, o ser humano perfeito: um ser
vivo completamente livre e vazio de
todos os apegos, impurezas, crença em
individualidades permanentes, egoísmo
e sofrimento.
Attā - ‘Eu’, ego, self: a ilusão
(produzida pela mente) de que há algum
‘eu’ pessoal e separado na vida. Embora
as teorias sobre ele existam
abundantemente, todas são mera
especulação sobre algo que existe
somente em nossas imaginações. Num
sentido convencional attā pode se um
conceito (crença, percepção) útil, mas
de forma derradeira não tem qualquer
validade. Este ‘eu’ convencional é não-
eu (anattā). Nenhuma substância pessoal,
independente, auto-existente, pode ser
encontrada em qualquer lugar, seja
dentro ou fora da vida e experiência
humanas.
Avijjā - Não saber, ignorância, falso
conhecimento, tolice: é a falta parcial ou
total de vijjā, o conhecimento correto.
Āyatana - Sistema sensorial: há dois
aspectos ou conjuntos de āyatana,
interno e externo. Os āyatanas internos
são os olhos, ouvidos, nariz, língua,
corpo e mente (sentido mental), isto é,
as seis portas dos sentidos, os órgãos
sensoriais e suas partes correspondentes
no sistema nervoso. Os āyatanas
externos são as formas, sons, odores,
sabores, características táteis e objetos
mentais, isto é, os objetos ou temas da
experiência sensorial. O Nibbāna é
chamado de ‘āyatana’, um āyatana
incondicionado.
Dhamma - Verdade, Natureza, Lei,
Dever, ‘o modo como as coisas são’:
esta palavra é impossível de ser
traduzida e tem muitos significados, os
mais importantes sendo Natureza, a Lei
da Natureza, nosso Dever de acordo
com a Lei Natural e os Frutos de
cumprir aquele Dever corretamente de
acordo com a Lei Natural. Quando
utilizada em minúsculas (dhamma)
significa coisa, coisas: tanto os
fenômenos condicionados como o
nibbāna incondicionado.
Dosa - Ódio, má-vontade. É a segunda
categoria de kilesa, as impurezas. Inclui
raiva, aversão, não gostar, e todos os
outros pensamentos e emoções
negativos.
Dukkha - Sofrimento, miséria,
insatisfação, dor: literalmente significa
‘aquilo que é difícil de suportar’. Num
sentido limitado dukkha é a qualidade da
experiência que resulta quando a mente
está condicionada por avijjā, agindo
com cobiça, apego e egoísmo. Este
sentimento toma a forma de
desapontamento, insatisfação,
frustração, agitação, angústia, mal-estar,
desespero - desde os níveis mais
grosseiros aos mais sutis. Em seu
sentido universal dukkha é a condição
inerente de insatisfatoriedade e
infelicidade existente em todas as coisas
condicionadas e impermanentes. Esta
característica fundamental é um
resultado de anicca, pois as coisas
impermanentes não podem satisfazer
nossos desejos não importando o quanto
tentemos. A decadência e dissolução das
coisas é miséria.
Idappaccayatā - A lei da
condicionalidade, a lei da natureza:
literalmente, ‘o estado de ter isto como
condição’. Todas as leis podem ser
vistas em idappaccayatā. Pelo fato de
que toda criação, preservação e
destruição ocorre por meio desta lei, ela
pode ser chamada ‘o Deus Buddhista’.
Jhāna - Contemplação, absorção,
meditação: foco unificado da mente
sobre um objeto. Como verbo significa
observar, focar, olhar atentamente.
Como substantivo significa samādhi
profundo no qual a mente se fixa
exclusivamente num objeto. Há quatro
jhānas formais (rūpa-jhāna) e quatro
informais (arūpa-jhāna), totalizando oito
níveis sucessivos de refinamento de
samādhi.
Kāma - Sensorialidade, sensualidade,
sexualidade: desejo intenso e seus
objetos. Procura e apego por prazeres
sensuais.
Kamma - Ação (karma em sânscrito):
ações do corpo, linguagem e mente
provenientes de uma intenção saudável
ou não-saudável. Intenções e ações boas
geram bons resultados, intenções e
ações más geram maus resultados.
Ações não-intencionais não são kamma,
não são dhammicamente significativas.
Kamma nada tem a ver com destino,
sorte, fortuna, nem significa o resultado
do kamma.
Kāya - Corpo, grupo, coleção: alguma
coisa composta de vários elementos,
órgãos ou partes. Geralmente usado para
o corpo físico, seja todo o corpo como
alguma parte.
Khandha - Agregados, grupos,
categorias: as cinco funções básicas que
constituem a vida humana. Estes grupos
não são entidades em si mesmas, mas
meras categorias pelas quais todos os
aspectos de nossas vidas podem ser
analisados (exceto o nibbāna). Nenhum
deles é um ‘eu’, nem tem a ver de
qualquer maneira com um ‘ego’, nem há
qualquer ‘ego’ fora deles. Os cinco
agregados são: rūpa-khandha, agregado
da forma (corporeidade); vedanā-
khandha, agregado das sensações;
saññā-khandha, agregado da percepção
(incluindo reconhecimento,
discriminação); saṅkhāra-khandha,
agregado do pensamento (incluindo
emoção); viññāṇa-khandha, agregado da
consciência sensorial. Quando eles se
tornam uma base para o apego, os cinco
são chamados de upādāna-khandha.
Kilesa - Impurezas: todas as coisas que
tornam a mente lerda, escura, suja,
impura e triste. As três categorias de
kilesa são lobha, dosa e moha.
Lobha - Cobiça: a primeira categoria de
kilesa, a qual inclui o amor erótico,
luxúria, avareza, ganância, etc. Um
sinônimo comum é rāga.
Lokiya - Mundano, do mundo: ser preso
pelo mundo, ser do mundo.
Lokuttara - Transcendente, acima e além
do mundo, supramundano: ser livre das
condições do mundo embora vivendo no
mundo.
Moha - ilusão: a terceira categoria de
kilesa, a qual inclui o medo,
preocupação, confusão, dúvida, inveja,
fascinação.
Nibbāna - Frescor, calma: o objetivo
último da prática buddhista e a mais alta
conquista para a humanidade. O
Nibbāna manifesta-se totalmente quando
os fogos de kilesa, do apego, do
egoísmo e de dukkha são extintos
completa e finalmente. É se realizar
nesta vida.
Paññā - Sabedoria, insight,
conhecimento intuitivo: compreensão
correta das coisas que devemos
conhecer de modo a extinguir dukkha.
Paṭicca-samuppāda - Originação
dependente, surgimento condicionado: a
profunda e detalhada sucessão causal (e
também a descrição deste processo), a
qual produz ou forma dukkha.
Phassa - Contato, experiência sensorial:
o encontro e trabalho conjunto do
sistema sensorial interno + sistema
sensorial externo + consciência
sensorial. Por exemplo: olho + forma
visual + consciência visual. Há seis
tipos de phassa correspondendo aos seis
sentidos.
Rāga - Paixão, luxúria: desejo de obter
ou ter. Pode ser sexual ou não-sexual.
Samādhi - Concentração, recolhimento:
a reunião e focamento do fluxo mental.
O samādhi apropriado tem as qualidades
de pureza, claridade, estabilidade,
força, prontidão, flexibilidade e
suavidade. O samādhi supremo é a
mente unifocada tendo o nibbāna como
único tema.
Saññā - Reconhecimento, percepção,
experiência, avaliação: após a mente ter
feito contato (phassa) com um objeto
sensorial e senti-lo (vedanā), um
conceito, rótulo ou imagem é atribuído à
experiência, o que envolve
reconhecimento de similaridades com a
experiência passada e discriminação do
valor do objeto.
Sankhāra - Coisa condicionada,
fenômeno, formação. Na lista de
agregados são as formações mentais.
Sati - Vigilância, lembrança,
consciência reflexiva: a habilidade da
mente em conhecer e contemplar a si
mesma. Sati é o veículo ou o mecanismo
transportador de paññā. Sem sati a
sabedoria não pode ser desenvolvida,
recuperada ou aplicada. Sati não é a
memória, embora as duas estejam
relacionadas. Não é mera atenção ou
diligência. Sati nos permite ser
conscientes do que estamos para fazer. É
caracterizada pela velocidade e
agilidade.
Sīla - Moralidade, virtude, normalidade:
ação verbal e corporal de acordo com o
Dhamma. Muito mais que meramente
seguir regras ou preceitos, sīla
verdadeira provem da sabedoria e é
tomada com alegria.
Taṇhā - Anseio ardente, querer cego,
desejo tolo: a causa de dukkha, que não
deve ser confundida com o ‘querer
sábio’ (sammā-sankappa, objetivo
correto). Taṇhā é condicionado pelo
vedanā tolo, e por sua vez é a base para
a produção de upādāna.
Upādāna - Apego, segurar, agarrar:
prender-se a algo tolamente, considerar
as coisas como ‘eu’ e ‘meu’, tomar as
coisas pessoalmente.
Vedanā - Sensação, sentimento: a reação
mental que tinge a experiência sensorial
(phassa). Há três tipos de vedanā:
sukha-vedanā, a sensação prazerosa,
boa, agradável; dukkha-vedanā, a
sensação desprazerosa, desagradável,
dolorosa; e adukkhamasukha-vedanā, a
sensação nem desagradável nem
agradável, ou indiferente.
Vijjā - Conhecimento, compreensão
intuitiva, sabedoria: conhecimento
correto sobre o modo como as coisas
são. Surge quando avijjā é removida.
Sinônimo de paññā.
Viññāṇa - Consciência sensorial:
conhecimento que vem por intermédio
das seis portas sensoriais. A atividade
mental fundamental requerida para a
participação no mundo sensorial (loka),
sem a qual não há experiência.
Vipassanā - Visão clara, visão
penetrante, insight: literalmente significa
‘ver claramente’, ver de forma clara
distinta e direta a natureza real das
coisas, em termos de anicca, dukkha e
anattā. Esta palavra é popularmente
utilizada para o desenvolvimento mental
praticado com o objetivo de atingir o
verdadeiro insight. Em tais casos, a
postura física, teoria e método de tais
práticas não devem ser confundidos com
a verdadeira realização da
impermanência, insatisfatoriedade e
não-eu. Vipassanā não pode ser
ensinada.
Viveka - Solitude espiritual, solidão,
reclusão: estar imperturbável em quieta
solitude e vigilância. Há três tipos:
kāya-viveka, a solitude física, quando o
corpo não é perturbado; citta-viveka,
solitude mental, quando não há
impurezas perturbando a mente; upadhi-
viveka, solitude espiritual, liberdade de
todos os apegos e fontes de apego, isto
é, nibbāna.

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