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Jim Cummins
Universidade de Toronto
Em:
Introdução
A distinção entre habilidades comunicativas interpessoais básicas (BICS) e proficiência em linguagem acadêmica
cognitiva (CALP) foi introduzida por Cummins (1979, 1981a) a fim de chamar a atenção dos educadores para os
prazos e desafios enfrentados por aprendizes de segunda língua para suprir lacunas em linguagem acadêmica em
relação aos seus colegas de classe. BICS refere-se à fluência de conversação em um idioma, enquanto CALP diz
respeito à capacidade dos alunos de entender e expressar, tanto oralmente quanto por escrito, conceitos e ideias
relevantes para o sucesso na escola. Os termos fluência de conversação e proficiência em linguagem acadêmica são
usados de maneira alternada com BICS e CALP, respectivamente, no restante deste capítulo.
Inicialmente, descrevo as origens, justificativa e evolução da distinção, juntamente com seus fundamentos
empíricos. Em seguida, discuto sua relação com construtos teóricos semelhantes que foram propostos em diferentes
contextos e com diferentes propósitos. Por fim, analiso e rebato as críticas à distinção e discuto a relação da distinção
com o campo emergente de Novos Estudos do Letramento (por exemplo, Barton, 1994; Street, 1995).
Origens
Skutnabb-Kangas e Toukomaa (1976) primeiro chamaram a atenção para o fato de que crianças imigrantes
finlandesas na Suécia muitas vezes pareciam ser fluentes em finlandês e sueco, mas mesmo assim mostravam níveis
de desempenho acadêmico verbal em ambas as línguas consideravelmente abaixo das expectativas para a série/idade.
A distinção BICS/CALP destacou uma realidade semelhante e formalizou a diferença entre fluência de conversação
e proficiência em linguagem acadêmica como componentes conceitualmente distintos do construto de “proficiência
linguística”. Sendo essa uma distinção conceitual e não uma teoria geral de “proficiência linguística”, nunca houve
qualquer sugestão de que fossem os únicos componentes importantes ou relevantes desse construto.
De início, o objetivo teórico da distinção BICS/CALP era qualificar a afirmação de Oller (1979) de que todas as
diferenças individuais em proficiência linguística poderiam ser explicadas por um único fator subjacente, chamado
por ele de proficiência linguística global. Oller sintetizou uma quantidade considerável de dados mostrando fortes
correlações entre desempenho em testes cloze de leitura, testes de leitura padronizados e mensuração de habilidade
de comunicação oral (por exemplo, de vocabulário). Cummins (1979), no entanto, argumentou que é problemático
incorporar todos os aspectos de uso ou desempenho linguístico em apenas uma dimensão de proficiência linguística
geral ou global. Por exemplo, se pegarmos dois irmãos monolíngues, falantes da língua inglesa, um de 12 e outro de
seis anos de idade, há enormes diferenças na capacidade dessas crianças de ler e escrever em inglês e na profundidade
e amplitude de seu conhecimento lexical, mas diferenças mínimas em termos de fonologia ou fluência básica. A
criança de seis anos entende praticamente tudo que lhe é dito em contextos sociais cotidianos e é capaz de usar
linguagem com bastante eficiência nesses contextos, assim como a criança de 12 anos. Ou seja, alguns aspectos do
desenvolvimento da língua materna das crianças (por exemplo, fonologia) atingem um platô relativamente cedo,
enquanto outros aspectos (por exemplo, conhecimento lexical) seguem se desenvolvendo ao longo de nossas vidas.
Assim, não se pode considerar que esses aspectos bastante distintos de proficiência reflitam uma única dimensão de
proficiência.
CALP, ou proficiência em linguagem acadêmica, se desenvolve por meio da interação social desde o berço, mas se
diferencia de BICS após os primeiros estágios escolares para refletir principalmente a linguagem que as crianças
adquirem na escola e que precisam usar de maneira eficaz se quiserem progredir pelas séries. A noção de CALP é
específica ao contexto social da escolarização, daí o termo “acadêmico”. Assim, proficiência em linguagem
acadêmica pode ser definida como “a capacidade de um indivíduo de ter acesso a registros linguísticos acadêmicos
orais e escritos e dominá-los” (Cummins, 2000, p. 67).
A relevância da distinção BICS/CALP para o desenvolvimento acadêmico de alunos bilíngues foi reforçada por dois
estudos (Cummins, 1980, 1981b) mostrando que educadores e formuladores de políticas frequentemente confundiam
as dimensões de conversação e acadêmica da proficiência em inglês e que essa falta de diferenciação contribuía
significativamente para a criação de dificuldades acadêmicas para alunos que estavam aprendendo inglês como
língua adicional (EAL).
O primeiro estudo (Cummins, 1980, 1984) compreendeu uma análise de mais de 400 casos de alunos de EAL
encaminhados para avaliações psicológicas por seus professores, em uma grande rede escolar canadense. Os
encaminhamentos e os relatórios de avaliação psicológica mostravam que os professores e psicólogos muitas vezes
presumiam que as crianças haviam superado todas as dificuldades com o inglês porque eram capazes de se comunicar
facilmente no idioma. No entanto, essas crianças muitas vezes tinham um desempenho ruim em tarefas acadêmicas
em inglês na sala de aula (daí o encaminhamento para avaliação), bem como nos testes verbais de habilidade
cognitiva aplicados como parte da avaliação psicológica. Muitos alunos foram diagnosticados como tendo
deficiências de linguagem ou comunicação, apesar do tempo de residência relativamente curto no Canadá (por
exemplo, 1-3 anos). Assim, a confusão entre fluência de conversação e proficiência em linguagem acadêmica na
segunda língua (L2) contribuiu diretamente para que alunos bilíngues fossem indevidamente alocados em programas
de educação especial.
Os diferentes prazos necessários para adquirir fluência de conversação entre pares e alcançar expectativas de
aprendizagem em linguagem acadêmica em L2 foram corroborados em diversas pesquisas realizadas nos últimos 30
anos no Canadá (Klesmer, 1994), Europa (Snow e Hoefnagel-Hohle, 1978), Israel (Shohamy, Levine, Spolsky,
Kere-Levy, Inbar, Shemesh, 2002) e Estados Unidos (Hakuta, Butler, & Witt, 2002; Thomas & Collier, 2002).
O seguinte exemplo do estudo de avaliação psicológica (Cummins, 1980, 1984) ilustra como tais suposições
implícitas sobre a natureza da proficiência linguística podem afetar diretamente as trajetórias acadêmicas e as
oportunidades de vida de estudantes bilíngues:
PR (289). PR foi encaminhada para avaliação na primeira série pelo diretor da escola, que observou que “PR está tendo
sérias dificuldades para acompanhar a primeira série. Uma avaliação intelectual ajudaria a professora a estabelecer
expectativas de aprendizagem realistas para ela e poderia fornecer algumas pistas sobre a ação corretiva a ser
oferecida”.
Nenhuma menção foi feita ao fato de a criança estar aprendendo inglês como segunda língua; isso só surgiu quando
a criança foi encaminhada para avaliação pela professora da segunda série no ano seguinte. Assim, o psicólogo não
considera isso como um possível fator para explicar a discrepância entre um QI verbal de 64 e um QI de desempenho
(não verbal) de 108. O relatório de avaliação dizia o seguinte:
Embora o nível geral de habilidade pareça estar dentro da faixa média inferior, observe a diferença significativa entre
o desempenho verbal e não verbal... Parece que o desenvolvimento de PR não tem progredido em um ritmo normal e,
consequentemente, ela está e continuará enfrentando muitas dificuldades na escola. As expectativas da professora neste
momento devem ser ajustadas de acordo.
O interessante nesse exemplo é que, presumivelmente, as habilidades comunicativas em inglês da criança são
suficientemente desenvolvidas a ponto de não alertar o psicólogo (e, possivelmente, a professora) para seu histórico
em EAL. Isso leva o psicólogo a inferir, a partir de sua baixa pontuação de QI verbal, que “seu desenvolvimento
não tem progredido em um ritmo normal” e a aconselhar a professora a reduzir as expectativas acadêmicas para a
criança, pois ela “continuará enfrentando muitas dificuldades na escola”.
Nas décadas de 1980 e 1990 nos Estados Unidos, precisamente o mesmo equívoco sobre a natureza da proficiência
linguística fez com que muitos alunos bilíngues fossem precocemente transferidos de programas de inglês como
segunda língua (ESL) ou bilíngues para programas regulares somente em inglês, pois já haviam “adquirido o inglês”.
Muitos desses alunos enfrentaram dificuldades acadêmicas no curso regular porque não contavam com apoio para
acompanhar as aulas e continuar desenvolvendo habilidades acadêmicas em inglês.
A relevância da distinção BICS/CALP é ilustrada no estudo etnográfico de Vincent (1996) sobre alunos
salvadorenhos de segunda geração em Washington DC. Vincent ressalta que as crianças em seu estudo começaram
a escola em um ambiente de língua inglesa e “nos primeiros dois ou três anos alcançaram fluência de conversação
em inglês que os professores consideravam de nível nativo” (p. 195). Ela sugere, no entanto, que tal fluência é
extremamente enganosa:
As crianças parecem ter proficiência em inglês muito maior do que de fato têm, pois falam inglês sem sotaque e são
capazes de conversar sobre alguns assuntos cotidianos de alta frequência. Muitas vezes falta a elas a linguagem
acadêmica. Na verdade, as professoras passam muito pouco tempo conversando com as crianças individualmente e
tendem a interpretar uma pequena amostra da fala como evidência de proficiência plena em inglês (pág.195).
A distinção BICS/CALP surgiu como uma mera diferenciação conceitual. Ela forneceu uma maneira de (a)
identificar e discutir as realidades de sala de aula que Vincent (1996) levanta e (b) destacar a avaliação e as práticas
pedagógicas discriminatórias vivenciadas por muitos alunos bilíngues.
A distinção BICS/CALP foi mantida de acordo com essa elaboração e relacionada com as distinções teóricas de
vários outros estudiosos (por exemplo, a competência comunicativa e analítica de Bruner [1975], a linguagem
contextualizada e descontextualizada de Donaldson [1978], e o enunciado e texto de Olson [1977]). Os termos
usados por diferentes pesquisadores têm variado, mas a distinção essencial diz respeito ao grau de apoio para a
compreensão do significado que está sendo comunicado, seja por meio de recursos contextuais ou interpessoais
(como gestos, expressões faciais e entonação na interação presencial) ou de recursos linguísticos. O termo “de
contexto reduzido” foi adotado em substituição a “descontextualizado” por se entender que todas as práticas de
linguagem e letramento são contextualizadas; no entanto, em muitos contextos acadêmicos (por exemplo,
compreensão de textos didáticos), os recursos de apoio à compreensão são reduzidos em comparação ao apoio
contextual disponível em situações presenciais.
Em textos posteriores sobre a estrutura teórica (Cummins, 2000, 2001), a distinção entre fluência de conversação e
proficiência em linguagem acadêmica foi relacionada ao trabalho de vários outros teóricos. Por exemplo, a distinção
de Gibbons (1991) entre linguagem do recreio e linguagem da sala de aula explicitou particularmente os desafios
linguísticos da linguagem da sala de aula. Ela observa que a linguagem do recreio inclui a linguagem que “permite
que as crianças façam amigos, participem de jogos e exercitem uma variedade de atividades cotidianas que
desenvolvem e mantêm contatos sociais” (p. 3). Ela ressalta que tal linguagem ocorre tipicamente em situações
presenciais e depende sobremaneira de contexto físico e visual, e de linguagem gestual e corporal. No entanto, a
linguagem da sala de aula é muito diferente da linguagem do recreio:
Em geral, o ambiente do recreio não oferece às crianças a oportunidade de usar linguagem como: ao aumentar o ângulo
em 5 graus, podemos cortar a circunferência em partes iguais. Tampouco exige linguagem associada a habilidades de
raciocínio mais sofisticadas, como formular hipóteses, avaliar, inferir, generalizar, prever ou classificar. No entanto,
essas são as funções de linguagem relacionadas à aprendizagem e ao desenvolvimento da cognição; eles ocorrem em
todas as instâncias do currículo e sem eles o potencial de uma criança nas áreas acadêmicas não pode ser realizado
(1991, pág. 3).
As pesquisas de Biber (1986) e Corson (1995) também fornecem evidências da realidade linguística dessa distinção.
Corson destacou as enormes diferenças lexicais entre as interações típicas de conversação em inglês e os usos
acadêmicos ou relacionados ao letramento da língua inglesa. O léxico cotidiano de alta frequência da conversação
em inglês deriva predominantemente de fontes anglo-saxãs, enquanto o vocabulário acadêmico de frequência
relativamente mais baixa é principalmente de origem greco-latina (ver também Coxhead, 2000).
Da mesma forma, a análise fatorial de Biber (1986) de mais de um milhão de palavras de inglês falado e escrito, dos
gêneros mais diversos, revelou dimensões subjacentes bastante consistentes com a distinção entre aspectos de
conversação e acadêmicos da proficiência linguística. Por exemplo, quando as pontuações de cada fator foram
calculadas para os diferentes tipos de texto, conversação presencial e telefônica estavam em extremos opostos de
documentos oficiais e prosa acadêmica nas Dimensões Textuais 1 e 2 (Texto Interativo vs. Editado e Conteúdo
Abstrato vs. Situado).
Os registros da linguagem de conversação e acadêmica também foram relacionados à distinção de Gee (1990) entre
discursos primários e secundários (Cummins, 2001). Discursos primários são adquiridos por meio de interações
presenciais domésticas e representam a linguagem inicial da socialização. Discursos secundários são adquiridos em
instituições sociais além da família (por exemplo, contextos escolares, empresariais, religiosos e culturais) e
envolvem a aquisição de vocabulário especializado e funções de linguagem apropriadas a tais ambientes. Discursos
secundários podem ser orais ou escritos e são igualmente importantes para a vida social de culturas letradas e não
letradas. Exemplos comuns de discurso secundário em muitas culturas não letradas incluem as convenções de
narrativas orais e a linguagem de rituais de casamento ou sepultamento que são transmitidos por meio da tradição
oral de uma geração para outra. Dentro dessa concepção, a proficiência em linguagem acadêmica representa o acesso
do indivíduo ao vocabulário especializado e às funções de linguagem características da instituição social escolar e
seu consequente domínio. Os discursos secundários da escolarização não são diferentes, em princípio, do discurso
secundário de outras esferas de atividade humana – por exemplo, jardineiros amadores dedicados e horticultores
profissionais usam um vocabulário relacionado a plantas e flores que vai muito além do conhecimento daqueles que
não estão envolvidos nesse tipo de atividade. O que torna a aquisição dos discursos secundários associados à
escolarização tão crucial, no entanto, é que as oportunidades de vida dos indivíduos são diretamente determinadas
pelo nível de proficiência adquirido na compreensão e uso dessa linguagem.
A distinção é discutida em vários livros que visam prover educadores com a compreensão e as habilidades
necessárias para ensinar e avaliar alunos linguisticamente diferentes (por exemplo, Cline & Frederickson, 1996, no
Reino Unido; Coelho, 2004, no Canadá; Diaz-Rico & Weed, 2002, nos Estados Unidos), e tem sido usada para
interpretar dados de uma variedade de contextos sociolinguísticos e educacionais (por exemplo, a pesquisa de
Broome [2004] sobre leitura de inglês em escolas multilíngues sul-africanas).
Em resposta a essas críticas, Cummins e Swain (1983) e Cummins (2000) destacaram que a validade ou a relevância
educacional do construto de proficiência em linguagem acadêmica não depende de forma alguma do resultado de
provas. Isso é ilustrado no estudo etnográfico de Vincent (1996) e na pesquisa de Biber (1986) sobre o léxico inglês
discutido acima. Ademais, a distinção BICS/CALP foi integrada desde 1986 com uma análise sociopolítica
detalhada de como as escolas fomentam o fracasso acadêmico entre grupos subordinados. Ela documenta abordagens
educacionais que desafiam esse padrão de relações de poder coercitivas e promovem a geração de poder e o
desenvolvimento de conhecimento acadêmico nas interações entre educadores e alunos (Cummins, 2001; Cummins,
Brown & Sayers, 2007).
As questões mais amplas desse debate vão além das interpretações específicas da distinção entre fluência de
conversação e proficiência em linguagem acadêmica. Elas dizem respeito à natureza dos construtos teóricos e sua
interseção com pesquisa, políticas e práticas. Para ter validade, teorias precisam ser corroboradas por dados
empíricos. No entanto, qualquer conjunto de construções teóricas representa apenas uma das muitas maneiras
possíveis de se organizar ou visualizar os dados. Teorias estruturam fenômenos e fornecem interpretações de dados
empíricos dentro de contextos particulares e para propósitos particulares. No entanto, nenhuma teoria é “válida” ou
“verdadeira” num sentido absoluto. Uma teoria representa uma maneira de enxergar fenômenos que podem ser
relevantes e úteis em vários graus, dependendo de seu propósito, de sua boa comunicação com o público-alvo e das
consequências de suas implicações para a prática (sua “validade consequencial”). A geração de conhecimento
(teoria) é sempre dialógica e, assim como a linguagem oral e escrita, não tem sentido fora de um contexto humano
comunicativo e interpretativo. Portanto, as construções teóricas também só assumem significado dentro de contextos
dialógicos específicos (Cummins, 2000).
Assim, a distinção BICS/CALP foi inicialmente formulada para abordar certas questões teóricas (por exemplo, se a
“proficiência linguística” poderia ser legitimamente considerada um construto unitário, como proposto por Oller
[1979]) e para interpretar dados empíricos relacionados ao tempo necessário para que estudantes imigrantes
pudessem suprir suas lacunas acadêmicas. Desafiava diretamente as políticas e práticas prejudiciais que negavam
aos alunos o acesso a oportunidades de aprendizagem equitativas e eficazes.
Grande parte da crítica à distinção resulta de tirar os construtos de seu contexto dialógico ou discursivo original e
argumentar que não são úteis ou apropriados em um contexto dialógico muito diferente. Um exemplo disso é a
crítica de Scarcella (2003). Ela argumenta que a conceituação dicotômica de linguagem incorporada na distinção
BICS/CALP “não é útil para entender as complexidades do inglês acadêmico ou as múltiplas variáveis que afetam
seu desenvolvimento” (p. 5). Tanto BICS quanto CALP são mais complexos do que implica uma distinção binária.
Ela ressalta que alguns aspectos de BICS são adquiridos tardiamente e alguns aspectos de CALP são adquiridos
precocemente. Além disso, algumas variáveis como consciência fonêmica (sensibilidade a sons em palavras faladas)
remetem tanto ao desenvolvimento de BICS quanto de CALP (por exemplo, para ajudar os leitores a entender
palavras acadêmicas difíceis). Ela conclui que a distinção é “de limitado valor prático, uma vez que não permite
operacionalizar tarefas e, portanto, não gera tarefas que os professores possam usar para ajudar no desenvolvimento
do inglês acadêmico de seus alunos. . . a perspectiva BICS/CALP não fornece aos professores informações
suficientes sobre o inglês acadêmico para ajudar seus alunos a adquiri-lo” (p. 6).
Em seguida, Scarcella elabora uma fundamentação teórica detalhada para conceituar a linguagem acadêmica e gerar
tarefas acadêmicas que é sem dúvida muito mais útil e apropriada para esse propósito do que a noção de CALP. O
que ela deixa de reconhecer, no entanto, é que a distinção BICS/CALP não foi formulada como uma ferramenta para
gerar tarefas acadêmicas. Ela aborda um conjunto muito diferente de questões de teoria, política e ensino na sala de
aula. A crítica de Scarcella se assemelha a rejeitar uma maçã porque não é uma laranja.
As críticas de Scarcella são acompanhadas por preocupações (Valdés, 2004; Wiley, 2006) de que a distinção entre
fluência de conversação e proficiência em linguagem acadêmica reflete uma visão “autônoma” de linguagem e
letramento que é incompatível com a perspectiva dos teóricos dos Novos Estudos do Letramento de que linguagem
e letramento representam práticas sociais e culturais inseridas em um contexto de relações de poder históricas e
atuais (por exemplo, Barton, 1994; Street, 1995). Como diz Valdés (2004, p. 115):
A visão de que existem múltiplos letramentos em vez de um único letramento, de que esses letramentos dependem do
contexto da situação, da atividade em si, das interações entre os participantes e do conhecimento e das experiências
que esses diversos participantes trazem para essas interações está distante da visão sustentada pela maioria dos
educadores de L2 que ainda adotam uma noção tecnocrática de letramento e enfatizam o desenvolvimento de
habilidades descontextualizadas.
Não há nada na distinção BICS/CALP que seja inconsistente com essa perspectiva sobre práticas de linguagem e
letramento. Não há intenção de se focar em nenhum contexto que não seja o da escola. Além disso, as práticas
pedagógicas que têm sido articuladas para apoiar o desenvolvimento da competência acadêmica (CALP) estão longe
dos exercícios descontextualizados apropriadamente criticados por inúmeros pesquisadores e educadores. Elas
incluem um foco no letramento crítico e na consciência linguística crítica, além de permitir que alunos de EAL e
bilíngues gerem novos conhecimentos, criem literatura e arte e atuem nas realidades sociais, aspectos que abordam
diretamente questões de negociação de identidade e relações de poder na sociedade (Cummins, 2001; Cummins,
Brown, & Sayers, 2007).
É possível concordar (como eu) com a noção de que há múltiplos letramentos, contextualmente específicos e em
constante evolução, e, ao mesmo tempo, argumentar que em certos contextos discursivos é útil distinguir entre
fluência de conversação e proficiência em linguagem acadêmica. Como ilustração, o fato de que o conceito de
“europeu” pode ser desmembrado em um leque quase infinito de identidades nacionais, regionais e sociais não
invalida o descritor mais geral de “europeu”. Em alguns contextos discursivos e para alguns propósitos, é legítimo
e útil descrever um indivíduo ou um grupo como “europeu”, embora simplifique consideravelmente a complexa
realidade da “europeidade”. Da mesma forma, em certos contextos discursivos e para certos propósitos é legítimo e
útil falar sobre fluência de conversação e proficiência em linguagem acadêmica, embora esses construtos incorporem
múltiplos níveis de complexidade.
Os teóricos dos Novos Estudos do Letramento sem dúvida contribuíram com entendimentos importantes sobre a
natureza e as funções do letramento. No entanto, isso não significa que tal perspectiva seja a melhor ou única maneira
de se abordar todas as questões do desenvolvimento do letramento. Por exemplo, destacar as dimensões sociais e de
contexto específico da cognição não invalida pesquisas voltadas a descobrir o que acontece na mente das pessoas
quando elas realizam tarefas cognitivas ou linguísticas. Há muitas questões e estudos importantes associados ao
desenvolvimento do letramento na primeira e segunda língua que devem pouco aos Novos Estudos do Letramento,
mas que têm desempenhado um papel central nas discussões sobre políticas para promover equidade na educação.
Estudos sobre quanto tempo normalmente leva para que alunos de EAL atinjam expectativas de proficiência
acadêmica em inglês têm focado, no contexto da pesquisa, no letramento como uma habilidade autônoma medida
por testes padronizados, mas, mesmo assim, têm contribuído de maneiras importantes para promover a equidade na
escola para alunos bilíngues.
Perspectivas Futuras
A distinção BICS/CALP não foi proposta como uma teoria geral de proficiência linguística, mas como uma distinção
conceitual muito específica com implicações importantes em políticas e práticas. Ela chamou a atenção para
maneiras específicas pelas quais as suposições dos educadores sobre a natureza da proficiência linguística e o
desenvolvimento da proficiência em L2 prejudicaram o desenvolvimento acadêmico de alunos bilíngues. No
entanto, é provável que a distinção continue causando polêmica, refletindo o fato de que não há consenso
interdisciplinar sobre a natureza da proficiência linguística e sua relação com o desenvolvimento acadêmico.
A perspectiva mais produtiva para orientar pesquisas futuras sobre o assunto, e que pode ser apoiada por todos os
estudiosos, é focar na criação de ambientes de ensino e aprendizagem que maximizem o desenvolvimento da
linguagem e do letramento de alunos socialmente marginalizados. Como a linguagem acadêmica é encontrada
principalmente em textos escritos, é provável que a leitura extensiva seja um componente crucial de um ambiente
de aprendizagem eficaz (Guthrie, 2003). As oportunidades para aprendizagem e discussão colaborativas sobre texto
também são extremamente importantes para ajudar os alunos a internalizar e compreender mais plenamente a
linguagem acadêmica que encontram em suas leituras extensivas.
Escrever com propósitos autênticos também é crucial, pois quando alunos bilíngues escrevem sobre assuntos que
lhes dizem respeito, não só consolidam aspectos da linguagem acadêmica que estão lendo, mas também expressam
suas identidades por meio da linguagem e (espero) recebem feedback de professores e outras pessoas, afirmando e
desenvolvendo ainda mais essa manifestação do eu (Cummins, Brown, & Sayers, 2007). Uma compreensão mais
aprofundada da natureza da linguagem acadêmica e de sua relação com a fluência de conversação e outras formas
de letramento surgirá a partir do trabalho conjunto de professores, alunos e pesquisadores em contextos pedagógicos,
ampliando (e documentando) de maneira colaborativa os limites da exploração da linguagem e do letramento.
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