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Prevenir a Violência Construir a Igualdade |1|

Book · September 2017

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10 authors, including:

Maria José Magalhães Catia Pontedeira


University of Porto Instituto Universitário da Maia
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Ana Paula Canotilho Patrícia Ribeiro


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Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

|1|
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

PREVENIR A VIOLÊNCIA
CONSTRUIR A IGUALDADE

|2| |3|
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

ÍNDICE

[P. 7]
NTRODUÇÃO GERAL
Maria José Magalhães
Ana Margarida Teixeira

[P. 17]
CAPÍTULO 1
O PROJETO ART’THEMIS E A PREVENÇÃO PRIMÁRIA
DA VIOLÊNCIA DE GÉNERO EM CONTEXTO ESCOLAR
Maria José Magalhães
Ana Margarida Teixeira
Ana Teresa Dias
Joana Cordeiro
Título: Micaela Silva
Prevenir a Violência Construir a Igualdade Tatiana Mendes

[P. 43]
Edição:
CAPÍTULO 2
|4| UMAR - Porto |5|
PRINCÍPIOS ÉTICOS DA INTERVENÇÃO
Grafismo da capa e Paginação: DO PROGRAMA DE PREVENÇÃO
Marta Calejo DA VIOLÊNCIA DE GÉNERO DA UMAR
Ana Margarida Teixeira
Impressão e Acabamento: Ana Teresa Dias
Gráfica Maiadouro Micaela Silva
Ilda Afonso
Tiragem:
1000 exemplares [P. 53]
CAPÍTULO 3
Depósito Legal: PROGRAMA DE PREVENÇÃO
406 642/16 DE VIOLÊNCIA DE GÉNERO
NO JARDIM-DE-INFÂNCIA E 1º CICLO
ISBN: Ana Margarida Teixeira
978-989-20-6503-8 Ana Teresa Dias
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

[P. 65] [P. 143]


CAPÍTULO 4 CAPÍTULO 9
PROGRAMA DE PREVENÇÃO VIOLÊNCIA NO NAMORO:
DE VIOLÊNCIA DE GÉNERO UMA ANÁLISE QUANTITATIVA
NOS 2º E 3º CICLOS DO ENSINO BÁSICO DA SUA LEGITIMAÇÃO
Ana Margarida Teixeira E PREVALÊNCIA EM CONTEXTO JUVENIL
Ana Teresa Dias Maria José Magalhães
Joana Cordeiro Ana Guerreiro
Ana Margarida Teixeira
[P. 79] Ana Teresa Dias
CAPÍTULO 5 Cátia Pontedeira
A ARTE NA PREVENÇÃO Joana Cordeiro
DA VIOLÊNCIA DE GÉNERO Micaela Silva
Maria José Magalhães Patrícia Ribeiro
Tatiana Mendes Tatiana Mendes
Ana Paula Canotilho
[P. 159]
[P. 101] CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 6 FORMAÇÃO DE DOCENTES:
TEATRO DO/A OPRIMIDO/A: PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA DE GÉNERO NA ESCOLA
|6|
O TEATRO FÓRUM COMO PROCESSO Joana Cordeiro |7|
DE CONSCIENTIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO COM JOVENS Ana Margarida Teixeira
Alexandra Rodrigues
Inês Barbosa [P. 173]
Tatiana Mendes CAPÍTULO 11
PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA DE GÉNERO
[P. 113] E EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA
CAPÍTULO 7 Joana Cordeiro
JORNADAS DE ABRIL: PREVENÇÃO Micaela Silva
DA VIOLÊNCIA E CONSTRUÇÃO DA IGUALDADE
Joana Cordeiro

[P. 129]
CAPÍTULO 8
O SEMINÁRIO FINAL
E O PROTAGONISMO DE CRIANÇAS E JOVENS
Maria José Magalhães
Ana Margarida Teixeira
Ana Teresa Dias
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

INTRODUÇÃO GERAL
MARIA JOSÉ MAGALHÃES | ANA MARGARIDA TEIXEIRA

A violência direta e interpessoal, em que se incluem a vi-


olência de género e doméstica, tem vindo a ser visibilizada,
nacional e internacionalmente, nos últimos anos, após lon-
ga negligência e ocultação, mesmo por parte da pesquisa
académica (Walby, Towers e Francis 2014). Esta visibilidade
tem sido acompanhada pela promulgação, em Portugal, de
políticas sociais e legais para a sua prevenção e combate, das
quais se destacam a Lei 112/2009, de 16 de setembro (com as
recentes alterações), a RCM nº 102/2013, de 31 de dezembro,
|8| que configura o V Plano Nacional de Prevenção e Combate à |9|
Violência Doméstica e de Género – VPNPDVDG) e inclui o III
Programa de Ação para a Prevenção e Eliminação da Muti-
lação Genital Feminina, a RCM nº 103/2013, de 31 de dezem-
bro, relativa ao V Plano Nacional de Igualdade de Género, Ci-
dadania e Não-Discriminação (VPNI). Também a legislação
internacional tem vindo a apontar na direção da importância
das políticas sociais e legais para a erradicação destas for-
mas de violência. Entre outras existentes, destacamos a Con-
venção do Conselho da Europa para a Prevenção e Combate à
Violência Contra as Mulheres e à Violência Doméstica (Con-
venção de Istambul, 2011), que Portugal, tendo sido um dos
primeiros países a ratificá-la, o fez em 2014. Destaca-se, ain-
da, a Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Con-
selho, de 25 de outubro, que “estabelece as normas mínimas
relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

criminalidade”, que os Estados-membros se comprometeram Meninos e meninas, rapazes e raparigas, homens e mu-
a respeitar. Em Portugal, os direitos das vítimas de violência lheres, podem ser vitimizados/as, na sociedade em que vive-
doméstica estão protegidos ao abrigo do Artigo 14.º Estatuto mos, atravessada por diversas formas de violência.
de Vítima, da referida Lei 112/2009, de 16 de setembro con- O nosso trabalho, como não podia deixar de ser, vai no
substanciando um conjunto de direitos que o Estado portu- sentido de erradicar todas as formas de violência. No entanto,
guês se compromete a respeitar ou a ressarcir as pessoas que sabemos que mulheres e meninas são a esmagadora maioria
experienciaram violência doméstica. das vítimas da violência de género e da violência domésti-
É no âmbito das políticas sociais de prevenção e combate ca – incluindo, na primeira, a violência sexual para além das
à violência doméstica e de género e de promoção da igualdade relações de intimidade, o assédio sexual, entre outras – pelo
de género, que o Projeto ART’THEMIS – Jovens Protagonistas que é urgente concretizar o que tem vindo a ser o generaliza-
na Prevenção e na Igualdade de Género, da UMAR – União de do consenso nacional e internacional para o combate a estas
Mulheres Alternativa e Resposta, desenvolve a sua intervenção, formas de violência.
nos distritos do Porto, Braga e Coimbra, financiado pela Se- Os dados nacionais e internacionais mostram grande
cretaria de Estado para a Igualdade e Assuntos Parlamentares prevalência e/ou incidência destas formas de violência cujos
(SEAPI). Este financiamento concorre para a execução de algu- efeitos são considerados, por diversos/as autores/as, a mesma
mas das medidas quer do VPNPCVDG, quer do VPNIGCN-D. importância que uma epidemia. Em Portugal, em 2015, se-
|10| A principal finalidade do Projeto ART’THEMIS é promover, gundo os dados do Observatório de Mulheres Assassinadas |11|
nas gerações mais novas, uma cultura de igualdade, de paz e de – OMA, da UMAR, registaram-se 29 femicídios e 39 tentati-
resolução não violenta de conflitos, transmitindo e partilhan- vas de femicídios (Observatório de Mulheres Assassinadas –
do conhecimentos, intervindo na desconstrução de estereóti- OMA, UMAR). Nesse mesmo ano, 87% dos homicidas manti-
pos e mitos em torno das relações entre homens, mulheres e veram uma relação de intimidade com as vítimas (ex-)maridos,
demais pessoas, lutar pelos direitos das mulheres e raparigas e (ex-)namorados ou (ex-)companheiros. Com base nos dados do
pelos direitos das vítimas, contribuindo para o empoderamento Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2015, das ocor-
das jovens. O Projeto não ignora outras formas de violência, rências registadas por violência doméstica, pela PSP e GNR, 85%
estrutural ou direta e interpessoal, de que as nossas crianças, das vítimas são do sexo feminino. No grupo etário entre os 18 e
adolescentes e jovens são vítimas, como o racismo, a homofo- os 24 anos, encontra-se a maior percentagem de vítimas do sexo
bia, a desigualdade de classes e a pobreza, e o capacitismo. In- feminino, 91%. Na faixa etária de menores de 18 anos, a percen-
cidindo particularmente na igualdade de género e prevenção da tagem de vítimas mulheres é de 62%. Nesse ano, observou-se
violência de género, a intervenção pauta-se por estratégias de que 15% das vítimas possuía menos de 25 anos. Em relação aos/
mediação, utilizando ferramentas artísticas, proporcionando às às denunciados/as, 9% possuía menos de 25 anos.
crianças, adolescentes e jovens oportunidades de serem prota- No RASI de 2015, não estão referidas ocorrências re-
gonistas na produção cultural e na mudança social. gistadas de violência no namoro. Com base nos dados do
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

Relatório Anual de Avaliação da Atividade das Comissões construção social de uma masculinidade hegemónica e de
de Proteção de Crianças e Jovens, 7793 situações (63,7%) de uma feminilidade enfatizada (Connell, 2005). O conceito de
perigo comunicadas às CPCJ no ano 2015 foram de violência violência doméstica também se constitui como relevante na
doméstica. Estes dados apontam também que estas formas nossa intervenção, como não poderia deixar de ser já que
de violência não são neutras, assentando numa assimetria de vem plasmado no Artigo 152.º do Código Penal Português
género. Diversos estudos têm mostrado que são transversais (incluindo a alteração de 2013), quer na definição presente na
às condições socioeconómicas (classe social), cultura, etnia Convenção de Istambul, já mencionada: “violência domésti-
ou condição social etnicizada/racializada, idade, capacidade, ca” designa todos os atos de violência física, sexual, psicológi-
religião, entre outros fatores sociais. ca ou económica que ocorrem no seio da família ou do lar ou
O Manual do Projeto ART’THEMIS, que aqui se apresen- entre os atuais ou ex-cônjuges ou parceiros, quer o infrator
ta, pretende dar conta da complexidade da sua intervenção, partilhe ou tenha partilhado, ou não, o mesmo domicílio que
com crianças, adolescentes e jovens, trazendo a público, mais a vítima” (Artigo 3.º, alínea b. Convenção de Istambul, 2011,
uma vez, a filosofia e prática pedagógicas que nos orientam ver também Fisher, 2012).
na prevenção primária e secundária, em contexto escolar O nosso trabalho tem também como objetivo reestabelecer,
(Magalhães et al., 2007). A intervenção do Projeto parte da nas gerações mais jovens, uma noção de vítima como alguém
noção de “violência contra as mulheres” definida em diversos que foi lesado/a nos seus direitos e que, por isso, tem direito a
|12| documentos internacionais, incluindo na Convenção de Istam- ser ajudado/a no sentido de poder re/aceder a todos os direitos |13|
bul: “violência contra as mulheres” é entendida como uma de uma cidadania plena (ver também Magalhães, 2005).
violação dos direitos humanos e como uma forma de dis- A intervenção do Projeto ART’THEMIS – UMAR é fun-
criminação contra as mulheres e significa todos os atos de damentalmente pedagógica e educativa. A educação, além de
violência baseada no género que resultem, ou sejam passíveis um direito de todas as crianças, constitui também o processo
de resultar, em danos ou sofrimento de natureza física, se- pelo qual uma sociedade realiza, intencional e sequencial-
xual, psicológica ou económica para as mulheres, incluindo a mente, uma socialização e aprendizagem das novas gerações
ameaça do cometimento de tais atos, a coerção ou a privação para a sociedade que se pretende construir. Para além de
arbitrária da liberdade, quer na vida pública quer na vida proporcionar a todas e a todos o acesso à herança cultural
privada” (Artigo 3.º, alínea a. Convenção de Istambul, 2011, da humanidade (conhecimento, arte, cultura), tem também
ver Fisher, 2012). como função apetrechar as novas gerações para o exercício de
Paralelamente, e tendo em conta que a violência contra cidadão e cidadã, no usufruto de todos os direitos que lhes as-
as mulheres tem como base as relações de poder de géne- sistem ou assistirão quando adultos/as. A construção de uma
ro socialmente atribuídos a mulheres e a homens, o Proje- sociedade livre de violência contra as mulheres e da violên-
to foca-se também na desconstrução destes papéis que vão cia doméstica, incluindo a violência no namoro, tem também
no sentido da falsa oposição entre sexos, com pretensão à de fazer parte das finalidades da educação formal. É também
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

nesta direção que a Convenção de Istambul aponta no seu – não venha a acontecer na vida futura das crianças, adolescentes
Artigo 14.º, em que os Estados Partes comprometem-se a: e jovens. Ainda que o foco principal seja a prevenção primária, o
Projeto não poderia descurar a prevenção secundária, já que algu-
1. As partes desenvolverão, se for caso disso, as mas crianças e jovens vivem situações de violência sobre as quais é
ações necessárias para incluir nos currículos esco- necessário intervir para erradicar a violência.
lares oficiais, a todos os níveis de ensino, material A escolha da escola como campo importante para pro-
de ensino sobre tópicos tais como a igualdade entre gramas de prevenção vem de longa data, desde a prevenção
as mulheres e os homens, os papéis não estereotipa- da (pré-)delinquência juvenil, toxicodependência, rodoviária,
dos dos géneros, o respeito mútuo, a resolução não ambiental, planeamento familiar, entre outras. A implemen-
violenta dos conflitos nas relações interpessoais, a tação de programas de prevenção em contexto escolar nem
violência contra as mulheres baseada no género e sempre tem constituído garantia da sua eficácia. Alguns deles
o direito à integridade pessoal, adaptado à fase de revelaram, por vezes, ineficácia nos resultados da intervenção
desenvolvimento dos alunos. e, outras vezes, mesmo, resultados contraproducentes. A
metodologia e filosofia educativas de um programa de inter-
2. As Partes tomarão todas as medidas necessárias venção com crianças, adolescentes e jovens, assim como uma
para promover os princípios referidos no parágrafo cuidadosa avaliação contínua para as necessárias readap-
|14| 1 nos estabelecimentos de ensino informal, assim tações, constituem-se como fatores cruciais para uma inter- |15|
como nas estruturas desportivas, culturais e de lazer venção bem-sucedida, que produza os resultados desejáveis
e nos meios de comunicação social. (Fagan & Mihalic, 2003). Muitos programas assentam numa
base de conhecimento científico da área em que se propõem
A noção de prevenção terá vindo inicialmente do campo da intervir para prevenir (prevenção do crime, saúde, ecologia,
saúde, referindo-se ao trabalho de intervenção no sentido de p.ex.), mas sem conhecimento dos processos cognitivos de
evitar acontecimentos prejudiciais para a vida individual e aprendizagem, nem das diversas formas de receção das men-
coletiva, promovendo a qualidade de vida das pessoas e das sagens por parte das pessoas aprendizes, nomeadamente de
populações (Starfield et al., 2008). Desde muito cedo, foram adolescentes e jovens. A adolescência e a juventude são fases
definidos graus, ou níveis do trabalho de prevenção, primária, da vida, nesta sociedade e neste tempo histórico que nos ca-
secundária e terciária, aos quais, mais recentemente, se adi- racteriza, em que se exercitam novas formas de estar e no-
cionaram os conceitos de prevenção primordial e prevenção vas culturas, em contraposição à sociedade dos/as adultos/as.
quaternária. O trabalho do Projeto ART’THEMIS da UMAR Ainda nos lembramos da intervenção comunitária realizada
insere-se, sobretudo, no âmbito da prevenção primária, isto é, pela UMAR junto de jovens raparigas de bairros sociais no
numa intervenção que contribua para que o problema social Porto, entre 2000 e 2003, quando apresentamos a possibili-
identificado – neste caso a violência doméstica e de género dade de trabalhar o planeamento familiar e a prevenção da
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

gravidez indesejada, e elas nos responderam quão “fartas” “Programa de prevenção nos 2º e 3º ciclos do ensino básico” constituem
estavam das intervenções na escola sobre o assunto. Neste uma reflexão sobre os pressupostos metodológicos da intervenção da
sentido, os programas de prevenção para estas faixas etárias UMAR e o que distingue a nossa intervenção nos primeiros ciclos de
devem ter em conta as características e necessidades do públi- escolaridade, da intervenção com jovens dos 2º e 3º ciclos.
co a quem se dirigem. Esta é uma dimensão fundamental da fi- O quinto capítulo, “A arte na prevenção da violência de
losofia e estratégia pedagógicas do Projeto ART’THEMIS, a que género” desenvolve as razões que justificam a arte enquanto fer-
atribuímos o sucesso da nossa intervenção. O eixo principal da ramenta pedagógica fundamental a nossa intervenção.
nossa intervenção cruza as ferramentas artísticas com o papel No sexto capítulo, “Teatro do/a oprimido/a: o Teatro Fórum
de protagonistas e produtoras/es de cultura por parte dos/as jo- como processo de conscientização na educação com jovens”,
vens, colocando-nos, equipa técnica, como facilitadores/as dos como o próprio título indica, desenvolve-se uma reflexão do
processos de produção. Diferentes talentos e distintas capaci- processo de conscientização no desenvolvimento desta ferra-
dades são postas em ação para o momento coletivo de partilha menta artística, o Teatro Fórum.
do que designamos de “produtos artísticos”, que são apresenta- O sétimo capítulo, “Jornadas de Abril” constitui um registo
dos à grande comunidade ART’THEMIS nos Seminários Finais. das atividades desenvolvidas com a comunidade educativa e co-
Os conteúdos e reflexões apresentados neste manual são munidade em geral para a celebração do 25 de Abril, em 2016.
o resultado do Programa de Prevenção de Violência de Géne- “O seminário final e o protagonismo de crianças e jovens” é
|16| ro em contexto escolar ao longo de dois anos – de setembro o oitavo capítulo deste livro e visa refletir sobre o processo desse |17|
de 2014 a agosto de 2016. momento de protagonismo das crianças e jovens participantes
O manual está dividido em onze capítulos. O primeiro do Projeto ART’THEMIS.
capítulo “O Projeto ART’THEMIS e a prevenção primária No nono capítulo, “Violência no Namoro: Uma Análise
da violência de género” constitui um registo abreviado do Quantitativa da sua Legitimação e Prevalência em Contexto Ju-
trabalho desenvolvido entre 2014 e 2016, evidenciando os venil”, apresentam-se a metodologia e os resultados do estudo de
principais indicadores de impacto da nossa intervenção no violência no namoro da UMAR relativos ao ano de 2016.
campo de prevenção da igualdade de género e prevenção da O penúltimo capítulo, “Formação de docentes para a pre-
violência de género, em contexto escolar. venção da violência de género em contexto escolar”, constitui
Com o segundo capítulo, intitulado “Princípios éticos de uma reflexão acerca da metodologia e dos objetivos da formação
Intervenção do programa de violência de género na UMAR”, de docentes, realizada no âmbito do Projeto.
pretende-se evidenciar os pressupostos éticos da intervenção do O último capítulo intitulado “Prevenção da violência de
Projeto ART´THEMIS no desenvolvimento da intervenção com género e educação para a cidadania” apresenta uma reflexão so-
crianças e jovens, em contexto educativo formal. bre a forma como este programa da UMAR se interliga com a
O terceiro capítulo, “Programa de prevenção no jar- educação para a cidadania nas escolas e também com o desen-
dim-de-infância e 1º ciclo do ensino básico” e o quarto capítulo volvimento de uma educação mais igualitária.
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CONNELL, Raewyn (2005). Masculinities. Cambridge: Polity Press (2nd Edition).
FAGAN, Abigail & MIHALIC, Sharon (2003). Strategies for Enhancing the Adoption of School-
based Prevention Programs: Lessons learned from the blueprints for violence prevention of the
Life Skills Training Program, Journal of Community Psychology, Vol. 31, No. 3, 235 –253.
FISHER, Hilary (em colaboração com o Secretariado da Comissão da Igualdade e Não Dis-
criminação da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa) (2012). Livre do Medo, Livre da
Violência, Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e Combate à Violência Contra as 1. O PROJETO ART’THEMIS E A PREVENÇÃO PRIMÁRIA
Mulheres e à Violência Doméstica (Convenção de Istambul), Manual para Deputados, Conselho DA VIOLÊNCIA DE GÉNERO EM CONTEXTO ESCOLAR
da Europa: Secretariado da Comissão da Igualdade e Não Discriminação, Assembleia Parlamen- MARIA JOSÉ MAGALHÃES | ANA MARGARIDA TEIXEIRA | ANA TERESA
tar do Conselho da Europa. [Tradução para português por Miguel Duarte]
DIAS | JOANA CORDEIRO | MICAELA SILVA | TATIANA MENDES
FRA - European Union Agency for Fundamental Rights (2014). Violence against women: an
EU-wide survey - Main Results, Luxembourg: Publications Office of the European Union.
MAGALHÃES, Maria José (2005). A Violência nas Relações de Intimidade: Um contributo
para a definição de alguns conceitos, acessível em: www.umarfeminismos.org
MAGALHÃES, Maria José; CANOTILHO, Ana Paula & BRASIL, Elisabete (2007). Gostar de
mim, gostar de ti: Aprender a prevenir a violência de género, Porto: UMAR.
RASI (2015). Relatório Anual de Segurança Interna, Lisboa: Ministério da Administração Interna (MAI). INTRODUÇÃO
|18| |19|
STARFIELD, B.; HYDE, J.; GÉRVAS, J. & HEATH, I. (2008). The concept of prevention: a A violência, nomeadamente de género e doméstica, é reco-
good idea gone astray?, Journal of Epidemiology Community Health, 62:580–583, acessível nhecida pelas instâncias nacionais e internacionais e pela in-
em: doi:10.1136/jech.2007.071027 vestigação científica como um grave problema social, que põe
WALBY, Sylvia; TOWERS, Jude & FRANCIS, Brian (2014). Mainstreaming domestic and gen- em causa a vida em sociedade e a dignidade da pessoa huma-
der-based violence into sociology and the criminology of violence, The Sociological Review, na. Pelas suas consequências devastadoras, impede o progres-
62:S2, pp. 187–214. so da justiça social, dos valores democráticos e do desenvolvi-
mento sustentável, implicando elevados custos humanos,
LEGISLAÇÃO REFERENCIADA
Lei 112/2009, de 16 de setembro.
sociais e económicos. Este grave problema social encontra-se
RCM nº 100/2010, de 17 de dezembro, IV Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (IVPNCVD).
diretamente ligado à construção e atribuição de diferentes e
RCM nº 102/2013, de 31 de dezembro, V Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência Domésti- desiguais papéis sociais, a homens e mulheres, que resultam
ca e de Género (VPNPCVDG). de e reproduzem assimetrias quanto a oportunidades, direi-
RCM nº 103/2013, de 31 de dezembro, V Plano Nacional de Igualdade de Género, Cidadania e Não-Dis- tos e deveres; e cujo processo de aprendizagem é feito, tam-
criminação (VPNIGCN-D). bém, através da socialização familiar, escolar e informal. Uma
intervenção pedagógica na desconstrução dos estereótipos e
das práticas violentas, paralelamente à promoção e produção
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

de novas práticas sociais e novas atitudes, assentes no respeito No ano letivo 2014/2015, desenvolvemos intervenção em 8
mútuo e na igualdade, constitui-se como mecanismo de mu- Agrupamentos, 12 escolas, 31 grupos-turma e 649 crianças e jovens
dança social fundamental para a construção de uma socie- participantes. No ano letivo 2015/2016, a implementação do projeto
dade sem violência. foi realizada em 7 Agrupamentos, 10 escolas, 32 grupos-turma, con-
A UMAR conta com um sólido trabalho no âmbito da pre- tabilizando um total de 732 crianças e jovens participantes. No âmbi-
venção e erradicação da violência de género tendo, desde 2004, to do Projeto, foram cumpridos os objetivos propostos:
vindo a implementar um Programa de Prevenção Primária da
Violência de Género em escolas. É neste trabalho educativo de - Aprofundar a implementação do Programa de Pre-
promoção da igualdade e prevenção da violência de género em venção da Violência de Género em escolas do Porto e
contexto escolar que se insere o Projeto ART’THEMIS - Jovens iniciar a implementação em escolas de Braga e Coimbra;
Protagonistas na Prevenção e na Igualdade de Género.
O programa foi desenhado para ser implementado ao longo - Consciencializar e conscientizar os/as participantes para a
de três anos letivos, em média, 15 sessões quinzenais/ano, em prevenção da violência de género e para a igualdade de género;
horário letivo. Nestas sessões, são abordados temas como os di-
reitos humanos, direitos das crianças, direitos das mulheres, os - Diminuir todas as formas de violência de género e de
estereótipos e os preconceitos, em particular, os estereótipos de violência no namoro na população abrangida pelo pro-
|20| género, a homofobia, o racismo, a violência de género, a violên- jeto e promover conhecimento sobre como agir face a |21|
cia no namoro, a violência entre pares, as competências pessoais situações de violência;
e sociais, a resolução de problemas e tomada de decisão, a regu-
lação emocional e o empoderamento. - Combater a cultura da socialização estereotipada de
No decorrer das sessões, pretende-se que os vários gru- género, nomeadamente desconstruindo mitos e crenças
pos-turma envolvidos desenvolvam produtos artísticos finais, que estão na base das desigualdades de género e da vi-
recorrendo às ferramentas artísticas (ver caps. 5 e 6 deste manu- olência doméstica;
al) que escolham usar, para serem apresentados num seminário
final a realizar no final de cada ano letivo. - Promover a interiorização das mudanças conceptuais/
O Projeto ART’THEMIS e o trabalho de prevenção de vi- discursivas, comportamentais e atitudinais através de
olência de género em contexto escolar metodologia de projeto e ferramentas artísticas;
Durante os anos letivos de 2014/2015 e 2015/2016, o Projeto
ART’THEMIS da UMAR implementou o Programa de Prevenção - Promover condições para uma maior sustentabilidade
da Violência e Promoção da Igualdade de Género nos distritos para as mudanças concetuais/discursivas, comporta-
do Porto, Coimbra e Braga realizando um trabalho sistemático e mentais e atitudinais das crianças e dos/as jovens partic-
de continuidade de prevenção em contexto escolar. ipantes do projeto;
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

- Promover o protagonismo das crianças e dos/as jovens, Estes objetivos estão diretamente relacionados com a
implicando-os/as e motivando-os/as para a participação implementação do V Plano Nacional de Prevenção e Com-
no Projeto e para a ação social e cultural pela igualdade bate à Violência Doméstica e de Género (2014-2017), con-
de género e promoção dos Direitos Humanos, pela cretizando-se medidas de promoção da igualdade e ações de
não-violência e respeito pela diferença, empoderan- prevenção das diversas manifestações de violência e de elimi-
do-os/as na criação de condições para se construírem nação das situações de exclusão em meio escolar.
como sujeitos e agentes de mudança; As mudanças conceptuais, discursivas e comportamen-
tais das crianças e jovens envolvidos/as no Projeto são avali-
- Aumentar o conhecimento sobre o fenómeno da violên- adas no início e no final da intervenção através de um ques-
cia no namoro, as representações sociais acerca dos relacio- tionário de pré e pós-intervenção.
namentos e dos tipos de violência, nomeadamente através Aprofundou-se a implementação do Programa de Prevenção da
da realização de um estudo sobre a violência no namoro; Violência de Género nas escolas do Porto, Coimbra e Braga, e parale-
lamente, foram realizadas, noutros distritos, não abrangidos pelo Pro-
- Trabalhar com docentes para ampliar a tomada de cons- jeto ART’THEMIS, algumas ações de sensibilização que, não tendo o
ciência acerca de como as questões da violência doméstica mesmo impacto que a implementação do Programa, contribuíram
vêm para o interior da escola e construírem uma peda- também para alertar para o problema da violência de género.
|22| gogia da igualdade e da prevenção da violência na escola; No trabalho com os grupos-turma, fez-se o levamento dos |23|
interesses das crianças e jovens para a elaboração de um projeto
- Realizar e aprofundar a formação acreditada de do- curricular específico com o grupo e respetivos/as docentes e im-
centes e outros/as profissionais ligados/as à educação e plementaram-se sessões formativas em torno dos conceitos fun-
produzir conhecimento teórico e pedagógico; damentais ligados à prevenção da violência de género, promoção
da igualdade de género, promoção dos Direitos Humanos e edu-
- Realizar reuniões e atividades de sensibilização à pro- cação para a cidadania.
blemática da violência de género, ao longo do ano letivo, Para os seminários finais, foram configurados e elaborados
com a comunidade educativa (docentes, auxiliares de pelos/as participantes dos grupos-turma envolvidos no Proje-
ação educativa e encarregados/as de educação); to produtos artísticos que foram apresentados no I Encontro
ART’THEMIS (2015) e no II Encontro ART’THEMIS (2016).
- Avaliar o impacto do programa, nomeadamente no O ART’THEMIS realizou uma formação de docentes (ver
que respeita a mudanças concetuais, discursivas, com- cap. 10 deste manual) de forma a capacitá-los/as a integrar as di-
portamentais e atitudinais. mensões da promoção da igualdade de género e prevenção da vi-
olência de género na sua prática profissional. A ação de formação
intitula-se “Prevenção da Violência de Género na Escola”, com
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

duração de 50 horas, e acreditada pelo Conselho Científico-Peda- O Projeto realizou também dois seminários finais (ver cap. 8
gógico da Formação Contínua de Professores (CC-PFCP). deste manual) que constituíram uma parte importante na imple-
O Projeto teve uma componente de divulgação e comuni- mentação da metodologia de projeto, uma vez que é neste even-
cação, que para a comunidade escolar e educativa, quer para a to que se observa o reflexo do trabalho num momento festivo de
família e a sociedade em geral, tendo realizado em diversas ações partilha, reflexão e convívio entre as várias escolas participantes.
de sensibilização, tertúlias, exposições e eventos. Em cada um dos seminários finais realizados, os objetivos
Também foram elaborados e divulgados materiais infor- foram essencialmente:
mativos e pedagógicos dirigidos à comunidade educativa.
Indicadores de implementação do Projeto ART’THEMIS: - Proporcionar um espaço de debate e reflexão sobre
as estratégias e boas práticas nas escolas;

- Partilhar ideias e experiências pedagógicas sobre a


prevenção da violência nas escolas;

- Empoderar através da criação e apresentação de um


produto artístico crianças e dos e das jovens, para a
|24| participação ativa e a sua constituição como protago- |25|
nistas das suas próprias mudanças em torno da igual
dade de género e da promoção de direitos humanos.

Tabela 1: Indicadores de Implementação do Projeto dos anos letivos de 2014/2015 2015/2016, O Seminário Final consiste numa mostra de produtos fi-
tal como, sessões formativas, ações de sensibilização, tertúlias, apresentações, comunicações, re-
uniões, Jornadas de Abril, eventos para comunidade educativa e geral, e formação de docentes. nais com base artística realizados pelos/as vários/as participan-
tes e cujo tema é escolhido pelos/as protagonistas (ver cap. 8
deste manual). Estes trabalhos são apresentados em diferentes
painéis, de modo a, simultaneamente, serem eles/as próprios/as
os/as protagonistas de mudança, a assistirem às apresentações
dos seus pares. Cada painel tem também pessoas especialistas,
investigadores/as das áreas dos estudos de género, educação,
violência, feminismos e cultura, que comentam e dialogam
com as/os jovens sobre os trabalhos apresentados.
Nos anos letivos de 2014/2015 e 2015/2016, os seminári-
os finais realizados pelo Projeto ART’THEMIS da UMAR con-
Tabela 2: Indicadores relativos às sessões nas escolas. taram com 1200 participantes.
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

Na tabela seguinte, pode ver-se a distribuição dos/as partici- Uma das grandes atividades integradoras do Projeto foi a
pantes por cada seminário (por ano letivo): atividade que denominámos Jornadas de Abril (ver cap. 7 deste
manual, com descrição mais detalhada). Em As Jornadas de
Abril, o Projeto levou a cabo um conjunto de atividades co-
laborativas em que os/as participantes trabalharam para um
objetivo comum, criando uma série de eventos em torno do
lema “Não há Liberdade sem Igualdade”. Os grupos-turma
envolvidos escolheram a sua forma de participar, celebrando
o mês de abril e, sobretudo, o 25 de Abril, articulando com
Tabela 3: Indicadores dos Seminários Finais do Projeto ART’THEMIS
dimensões fundamentais da igualdade de género e prevenção
da violência de género. Este conjunto de eventos permitiu, a
Nestes seminários, foram apresentados pelos/as 1200 partici- cada grupo-turma e às escolas envolvidas, trabalhar o tema de
pantes do Projeto (anos letivos 2014/2015 e 2015/2016), temas forma autónoma, escolhendo as formas e os meios de partici-
como os direitos das crianças, direitos humanos, estereótipos, pação. Criou oportunidades de estimulação da criatividade e
preconceitos e tipos e formas de violência (no namoro e en- da participação, ao mesmo tempo que reforçou a importância
tre pares), discriminação e respeito pela diferença. Tiveram do trabalho individual, de cada grupo, cada escola como parte
|26| um feedback bastante positivo, tanto por parte das crianças de um todo maior, num projeto regional, criando uma coesão |27|
e jovens participantes, como pelos/as docentes e comenta- grupal entre os/as participantes do Projeto e criando sinergias
dores/as dos painéis. Pode afirmar-se que foi proporcionado entre escolas. As Jornadas de Abril promoveram o trabalho de
aos/às participantes um espaço que concilia as suas vivências prevenção da violência e de promoção da igualdade da comu-
pessoais, emocionais e afetivas com a componente cogniti- nidade escolar, à sociedade em geral, multiplicando os resul-
va, permitindo, ao mesmo tempo, o incentivo a um estilo de tados positivos que se conseguem com o trabalho pedagógico
convivência que valoriza a autonomia, o diálogo e o espírito continuado que a UMAR tem desenvolvido. As Jornadas de
de participação na mudança de comportamentos. Abril abrangeram cerca de 9 800 pessoas.
Durante a implementação do Projeto, foram muitas as Para além dos seminários finais, durante a implemen-
escolas que pediram a nossa intervenção, mas como não foi tação do Projeto, foi montada uma exposição com trabalhos
possível desenvolver um programa holístico e continuado em que resultaram das atividades e produtos artísticos elabora-
todas as escolas, desenvolveram-se 93 ações de sensibilização dos pelos/as participantes dos distritos de Coimbra, Porto
e outros eventos para a comunidade educativa e comunidade e Braga, ao longo do ano letivo de 2014/2015. Percursos do
em geral, desde 2014 a 2016, tendo participado 10 793 pessoas. ART’THEMIS é o título da exposição tendo estado patente em
A metodologia de projeto da UMAR envolve a construção várias localidades, durante os dois anos letivos:
de atividades integradoras, mobilizando diversas escolas,
grupos-turma, áreas disciplinares e entidades parceiras.
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

- de 30 de outubro a 19 de novembro de 2015, na Ga- jardim-de-infância e como a exposição se adequa tanto a um


leria Férrer da Casa Municipal da Cultura de Coimbra; público escolar, como à sociedade em geral.
A par da intervenção sistemática e continuada nas esco-
- de 8 de março a 7 de abril de 2016, numa escola no las, a UMAR tem vindo a desenvolver um estudo de violência
distrito de Braga, no namoro, junto de jovens, no âmbito do seu trabalho de
prevenção primária da violência de género em contextos edu-
- e no dia 23 de maio de 2016 no II Encontro ART’THE- cativos. Este estudo é realizado desde o ano letivo 2009/2010,
MIS: Caminhos para um Currículo de Prevenção, que com uma periodicidade, geralmente anual.
teve lugar no ISMAI. Esta exposição abrangeu cerca de O estudo mais recente, em 2015/2016, abrangeu cerca de
3000 pessoas nos 3 distritos de implementação do Pro- 2500 jovens com idades entre os 12 e os 18 anos, cuja média
jeto ART’THEMIS (Porto, Braga e Coimbra). de idades se centrou nos 14 anos, e foi desenvolvido nos dis-
tritos do Porto, Braga e Coimbra. A análise dos dados foi di-
O Percursos do ART’THEMIS tinha como objetivo apresen- vidida em duas dimensões: a) prevalência da vitimação nas
tar, às escolas e às instituições, os trabalhos feitos nas sessões relações de namoro e b) legitimação dos atos violentos por
formativas, assim como o envolvimento e a participação nos parte dos e das jovens.
eventos do projeto, como as Jornadas de Abril do ART’THE- A reflexão teórica e produção de conhecimento con-
|28| MIS e o I Encontro ART’THEMIS - Caminhos de um Currícu- stituem também um resultado visível do Projeto ART’THEMIS. |29|
lo de Prevenção, de forma a disseminar e divulgar os resulta- Para além do estudo sobre violência no namoro, publicaram-se
dos à comunidade escolar e à sociedade em geral. artigos científicos, duas dissertações de mestrado e apresen-
Foram selecionados alguns trabalhos, desenhos, pintu- taram-se comunicações em congressos sobre a metodologia do
ras, stencil, graffiti, fotografia e outros produtos artísticos de Programa de Prevenção da UMAR, abaixo discriminadas.
caráter mais performativo sobre os temas da igualdade de
género, dos Direitos Humanos e da prevenção da violência e ARTIGOS PUBLICADOS:
incluindo opiniões dos/as participantes, apresentando os seus - Magalhães, Maria José; Teixeira, Ana Margarida; Dias, Ana
comentários sobre o que significou participar no Projeto. Teresa & Silva, Micaela (2015). Prevention of gender violence in
Em Os Percursos do ART’THEMIS, mostrámos os tra- kindergarten: a look from curriculum studies. In Carlinda Leite.
balhos de diferentes níveis de ensino, desde o jardim-de-in- Ana Mouraz & Preciosa Fernandes (Orgs.), Curriculum Studies:
fância ao ensino secundário, reforçando a importância de tra- Policies, Perspectives and Practices, Porto: CIIE Centro de Inves-
balhar os temas da promoção da igualdade e da prevenção da tigação e Intervenção Educativas, pp 477-483.
violência com participantes de todas as idades. Acessível em: http://www.fpce.up.pt/eccs2015/tables/Curricu-
Do feedback recebido a propósito destas exposições, sa- lumStudies_E-Book.pdf
lientamos o impacto que tiveram os trabalhos realizados no
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

- Cordeiro, Joana; Magalhães, Maria José; Costa, Diana & - Cordeiro, Joana; Magalhães, Maria José; Costa, Diana; Mendes,
Mendes, Tatiana (2015). Towards a gender violence prevention Tatiana (2015). Towards a gender violence prevention curriculum:
curriculum: Contributions from teacher education. In Carlinda Contributions from teacher education - 17 de Outubro de 2015: II Eu-
Leite. Ana Mouraz & Preciosa Fernandes (Orgs.), Curriculum ropean Conference on Curriculum Studies, na Faculdade de Psicolo-
Studies: Policies, Perspectives and Practices, Porto: CIIE Centro gia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP).
de Investigação e Intervenção Educativas, pp 639-648.
Acessível em: http://www.fpce.up.pt/eccs2015/tables/Curricu- - Dias, Ana Teresa (2016). Estudo de Violência no Namoro - 14 de Fe-
lumStudies_E-Book.pdf vereiro de 2016: Conferência “Conversas à carteira: A prevenção da
violência no namoro nas escolas”, no Museu Municipal de Penafiel.
DISSERTAÇÕES DE MESTRADO,
NO ÂMBITO DO PROJETO ART’THEMIS: - Magalhães, Maria José; Teixeira, Ana Margarida; Dias, Ana
- Dias, Ana Teresa Duarte (2015). Rapazes e raparigas podem faz- Teresa & Silva, Micaela (2015). Prevention of gender violence in
er as mesmas coisas e terem os mesmos gostos: A importância da kindergarten: a look from curriculum studies - 17 de Outubro
prevenção primária da violência em crianças dos 5 aos 11 anos. de 2015: II European Conference on Curriculum Studies, na
Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação, Faculdade Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Univer-
de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Por- sidade do Porto (FPCEUP).
|30| to, Porto: Portugal. |31|
- Mendes, Tatiana (2016). UMAR: 40 anos de combate à violência
- Teixeira, Ana Margarida Pacheco (2015). Igualdade de Géne- de género - 19 de Maio de 2016: Colóquio Violência Doméstica
ro e Prevenção da Violência: Uma Problemática Educacional no e Violência de Género: Consegues Ouvir?, no Museu D. Diogo
Desenvolvimento Local. Dissertação de Mestrado em Ciências da de Sousa em Braga.
Educação, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da
Universidade do Porto, Porto: Portugal. - Silva, Micaela (2015). Estratégias feministas de ação: a prevenção
da violência de género nas escolas, a filosofia pedagógica e feminista
COMUNICAÇÕES EM da UMAR - 14 de Fevereiro de 2015: Tertúlia “Pensar a(s) violên-
CONFERÊNCIAS E SEMINÁRIOS: cia(s) heteronormativa(s)”, no Teatro da Cerca de São Bernardo.
- Cordeiro, Joana (2015). Prevenção da violência de género nas esco-
las: o modelo pedagógico da UMAR - 13 de Maio de 2015: Seminário - Teixeira, Ana Margarida (2016). Prevenção da Violência nos
“Violência doméstica e de género: conhecer, debater, intervir”, na primeiros ciclos de aprendizagem- 14 de Fevereiro de 2016:
Comissão Protetora de Crianças e Jovens de Vila Nova de Poiares. Conferência “Conversas à carteira: A prevenção da violência
no namoro nas escolas”, no Museu Municipal de Penafiel.
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

- Teixeira, Ana Margarida & Dias, Ana Teresa (2016). Descons- Braga, onde já se atuava, se bem que de forma não continuada
truir estereótipos de género: primeiro passo na prevenção da vi- ou muito limitada e iniciar o trabalho no distrito de Coimbra
olência com crianças mais pequenas - 27 de Maio de 2016: I Con- onde, desde o início, as solicitações têm sido crescentes.
gresso Internacional de Estudos de Género - Estudos de género Sendo crucial avaliar o impacto e eficácia de um programa
em debate: percursos, desafios e olhares interdisciplinares, no de prevenção, nomeadamente, no que respeita a mudanças
CIEG - Centro Interdisciplinar de Estudos de Género. concetuais, discursivas, comportamentais e atitudinais, a
UMAR promove uma avaliação contínua, quer numa vertente
Para além da intervenção sistemática com grupos-turma e os mais qualitativa, quer numa vertente mais quantitativa.
seminários finais, o Projeto ART’THEMIS realizou ainda diversas Na vertente quantitativa, o Projeto ART’THEMIS recorreu
ações de sensibilização nos anos letivos 2014/2015 e 2015/2016. à aplicação de dois questionários aos/às participantes do Proje-
Uma ação de sensibilização é uma intervenção de curta to em dois momentos-chave: antes e após a intervenção. Nestes
duração, por isso, não é possível desenvolver vários temas de- questionários, abordaram-se os temas que são trabalhados ao
vido à escassez de tempo. Apesar disto, pretende-se dar a possi- longo do projeto através de questões de escolha múltipla.
bilidade aos/às participantes de refletirem ou sobre os direitos Paralelamente, e ao longo do ano letivo, recorreu-se a
humanos, das crianças e das mulheres, estereótipos de género, uma avaliação qualitativa, através do feedback sistemático
ou sobre violência nas relações de intimidade, desconstrução das crianças e jovens participantes durante as sessões, da
|32| de mitos sobre o amor e o namoro, entre outros temas relacio- realização de registos de cada sessão e, no final de cada ano letivo, do |33|
nados com a igualdade de género e a violência de género. preenchimento de uma ficha de avaliação do projeto, que permite uma
Estas atividades foram organizadas pela equipa de pre- reflexão mais aprofundada e que inclui questões de resposta aberta.
venção da UMAR, mas também através do contacto com ins- Além da avaliação realizada pelos/as protagonistas, a UMAR pro-
tituições e organizações que solicitaram à UMAR a colabo- moveu a avaliação do Projeto por parte dos/as docentes que acom-
ração em eventos ou para breves momentos de sensibilização. panham o trabalho em cada grupo-turma, quer através de reuniões
Desta forma, realizaram-se ações para públicos heterogéneos realizadas ao longo do ano letivo, quer através do preenchimento de
(público escolar, público em geral, públicos específicos e es- uma ficha de avaliação no final de cada ano letivo.
tratégicos) e sobre uma amplitude de temas dentro do espec- Todos estes instrumentos e ferramentas permitem avaliar
tro da igualdade de género e da violência de género tendo o impacto do Programa de Prevenção Primária, bem como
sido realizadas 20 ações de sensibilização em 2014/2015 e 49 o interesse e envolvimento de alunos/as e docentes. A inter-
ações de sensibilização em 2015/2016. venção deste Projeto teve como participantes 1282 crianças/
Com o Projeto ART’THEMIS, a UMAR conseguiu incluir jovens das diversas escolas participantes.
os distritos de Coimbra e de Braga com o trabalho sistemático Para além disso, o trabalho com docentes, encarregados/
e de continuidade da prevenção em contexto escolar, dando as de educação, agentes da comunidade educativa, represen-
resposta aos vários pedidos que tinham surgido do distrito de tantes de autarquias, psicólogos/as e outros/as profissionais,
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

projeta para 12164 o numero de pessoas com quem o Proje- “Para mim, significou repensar em certos assuntos, como a igual-
to fez uma intervenção direta (100 encarregados/as de edu- dade de género e estereótipos”.
cação, 5 psicólogos/as, 80 docentes, 20 representantes de au-
tarquias, 600 pessoas abrangidas no I Encontro ART’THEMIS “Ajudou-me a perceber muitas coisas e que não devo julgar al-
e 600 abrangidas pelo II Encontro ART’THEMIS, 774 pessoas guém pela sua cor, orientação sexual”.
envolvidas em ações para o público em geral protagoniza-
das pelos/as jovens quer na escola quer em espaços públicos, “Aprendi que as raparigas e rapazes têm os mesmos direitos”.
3512 crianças e jovens envolvidas nas ações de sensibilização
em contexto escolar, e 6473 pessoas envolvidas em ações de “Acho que este projeto deveria desenvolver sessões em todas as
sensibilização para a comunidade em geral). escolas e turmas”.
Em relação à avaliação quantitativa, os grupos-tur-
ma participantes do Projeto ART’THEMIS, no ano letivo de “Ajuda as pessoas a serem menos preconceituosas e sexistas”.
2014/2015, tiveram uma melhoria quantificada em 8% e, no
ano letivo 2015/2016, de 13%. “Acho que foi um projeto excelente que permite que todos os jovens
No que diz respeito à avaliação qualitativa, o feedback aprender mais sobre os problemas sociais desde o bullying ao pre-
que tivemos das crianças e jovens participantes do Projeto conceito e do preconceito à violência no namoro. Aprendi bastante
|34| nos anos letivos 2014/2015 e 2015/2016 foram muito positivos. com este projeto e gostava que a nossa turma continuasse envolvida |35|
Alguns deles encontram-se destacados nas tabelas seguintes. em projetos tão importantes como o Projeto ART’THEMIS”.

DISTRITO DO PORTO “Sobre o projeto ART’THEMIS acho que devem continuar a fazer
“Participar no projeto ART’THEMIS ajudou-me a aprender mais sobre a o que tem feito até agora, porque acho que assim todos juntos po-
sociedade e os tipos de estereótipos e preconceitos”. demos fazer a diferença no meio de tanto preconceito e tradições”.

“Significou uma nova maneira de ver a sociedade”. “Aprendi que os rapazes e as raparigas podem ter gostos iguais e que
as pessoas serem muçulmanas não quer dizer que sejam terroristas”.
“Melhorei a minha cidadania e ajudou-me a crescer”.
“Aprendi que aquilo que fazia aos meus colegas era errado e que
“Para mim, significou como tornar um mundo melhor, sem violência”. devo aceitar e respeitar as pessoas como elas são”.

“Para mim significou respeito, adotei o que aprendi no projeto e “Sê livre. Não deixes que os outros te prejudiquem a orientação da tua
fez-me ver o mundo com outros olhos”. vida. Tu marcas o teu destino. Segue em frente”.

“Participar no projeto ajudou-me a realçar, dentro de mim, os meus sentimentos”.


Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

DISTRITO DE COIMBRA “A violência não se deve fazer, tratar bem as pessoas é o nosso dever”.
“Penso que este projeto devia de ser para todo o país e para todas
as turmas, pois é um projeto muito importante e interessante”. “De muitas e diversas maneiras, o Projeto ART’THEMIS mudou a
minha maneira de ser, a maneira de pensar e também a maneira
“Foi muito importante pois fez com que eu percebesse melhor os de agir. Não aconteceu só comigo, mas sim com toda a turma”.
meus direitos enquanto mulher e cidadã”.
Na avaliação qualitativa, inclui-se uma dimensão muito impor-
“O que gostei mais foi fazer um trabalho em relação ao que apren- tante – a avaliação de docentes e diretores/as de turma que partici-
demos e poder mostrá-lo a turmas de outras cidades!” pam no Projeto. Alguns comentários dos/as mesmos/as referentes
“Significou pertencer a um conjunto de alunos que lutam e tra- ano letivo 2014/2015 estão abaixo transcritos.
balham para que se acabe com os ataques aos direitos humanos”
DISTRITO DO PORTO
“Este Projeto demonstrou muito interesse a abrir os olhos para o “Os temas tratados foram muito interessantes e apelativos, aju-
que acontece perante nós e por vezes não vemos e quando vemos dando as crianças a terem uma consciência mais aprofundada no
por vezes simplesmente não agimos provavelmente com medo do desenvolvimento emocional”.
que possa acontecer” (Educadora de Infância)
|36| |37|
“Se o mundo inteiro aprendesse o que eu aprendi, estes assuntos “Considero a calendarização excelente uma vez que permite o tra-
não iriam existir!” balho dos vários conteúdos ao longo do ano letivo. Atendendo às
características dos alunos considero que as sessões dedicadas aos
DISTRITO DE BRAGA preconceitos e estereótipos muito importantes, pelo que sugiro
“O projeto ART’THEMIS mostrou-me que há muitas desigual- que haja uma continuidade no próximo ano letivo”.
dades no mundo, principalmente as mulheres que não têm os (Professora 7º ano)
mesmos direitos que os homens e mostrou-me que nós todos po-
demos mudar isso”. “É estimulante para os alunos e permite uma melhor integração
escolar na sociedade, através de temas de grande importância para
“Para mim significou novas aprendizagens e ajudar a combater a violência”. a melhoria das atitudes e comportamentos dos alunos”.
(Professora 7º ano)
“Significou muito para mim porque percebi que a violência não leva a
lado nenhum e que todas as pessoas sejam mulheres, homens ou cri- “Verificou-se nos alunos uma maior responsabilidade e dedicação no
anças têm liberdade e direitos”. acompanhamento das aulas das outras disciplinas, assim como uma
melhoria dos resultados escolares”.
(Professora 7º ano)
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

“Notei mudança nas suas atitudes e comportamentos dos alunos, “Enquanto diretora de turma só vejo vantagens em participar
ficando mais motivados para aprendizagem de problemas sociais, neste tipo de projetos pelas seguintes razões: por vezes, os alunos
com vontade de modificarem as suas atitudes e preconceitos, para um mel- têm mais à vontade em tratar determinados assuntos com pessoas
hor exercício da sua cidadania”. exteriores aos seus contextos sociais/familiares/escolares. O proje-
(Professora 7º ano) to permitiu o contato dos alunos com técnicas especialistas e exte-
riores à escola, alargando os seus conhecimentos.”
“Para o próximo ano letivo, gostaria que o projeto continuasse (Professora 8º ano)
nesta turma pois o aprofundamento dos temas abordados e outros,
com certeza que pode trazer mudanças significativas, nas atitudes, “Considero importante a turma ter desenvolvido este projeto porque
valores e comportamento dos alunos, não só a nível escolar, mas para além do trabalho individual realizado por cada elemento, pode
também familiar e social”. ser potenciado um trabalho coletivo que é cada vez mais difícil de
(Professora 7º ano) implementar nas escolas.”
(Professora 10º ano)
“O Projeto permite-lhes refletir sobre as diferentes temáticas de ex-
trema importância enquanto pessoas e o facto de ser dinamizado por “O Projeto é muito importante para o presente na vida dos alunos
alguém extra escola constitui uma maior motivação para os alunos e e terá sempre um eco no seu futuro.”
|38| consequentemente maior envolvimento por parte dos mesmos”. (Professora 10º ano) |39|
(Professora 7º ano)
DISTRITO DE BRAGA
“O período da adolescência é a fase ideal para se confrontarem com “Qualquer Projeto que envolva o desenvolvimento de atitudes de ci-
determinadas questões fundamentais para a sua formação - Quem dadania e espírito crítico, assim como de respeito pelo outro, deve ser
sou eu? Quais as minhas preocupações? O que é um verdadeiro encarado com uma atitude positiva e conducente à sua continuidade”.
amigo? Quando devo dizer não? Como posso melhorar o meu de- (Professora 7º ano)
sempenho na escola? Parabéns às técnicas pelo trabalho fantástico”.
(Professora 7º ano) “O desenvolvimento pessoal e social é o suporte para todos os pro-
cessos de aprendizagem e para tentar ser feliz com os outros e, por
DISTRITO DE COIMBRA estas razões, o Projeto é bastante importante para a construção da
“Este é um trabalho fundamental para jovens e pré-adolescentes. cidadania dos alunos”.
Como professora, entendo que o primeiro período letivo seria o ideal (Professora, 7º ano)
para o desenvolvimento das sessões, de forma a poder haver um feed-
back mais produtivo por parte dos alunos, que pudesse levar a outro “Este Projeto é importante para contribuir para o ativismo da ig-
tipo de abordagens, mesmo dentro dos conteúdos programáticos.” ualdade de género, promover a reflexão sobre hábitos culturais,
(Professora 11º ano)
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

sociais e mitos (enraizados na sociedade), aprender a tomar de- _Câmara Municipal de Vila Verde
cisões de um modo consciente, aprender a “colocar-se no lugar _Câmara Municipal de Coimbra
do outro”, levantar problemas e promover o respeito mútuo e de- _Casa da Juventude da Póvoa de Varzim
sconstruir o modelo de género. Para além disto, reforça o projeto _Casa Municipal da Cultura de Coimbra
educativo da escola, tornando-a inclusiva”. _Casa Pia de Lisboa – Colégio Dª Maria Pia
(Professora, 11º ano) _Cemea Aquitaine
_Cemea Poitou-Charentes
ENTIDADES PARCEIRAS _Centro de Apoio Social e Familiar da União de Freguesias de
DO PROJETO ART’THEMIS DA UMAR Braga - Maximinos, Sé e Cividade
_A Cadeira de Van Gogh _Centro de São Cirilo
_A Obra AB _Centro de Saúde Alhos Vedros
_Accademia Europea di Firenze _Centro Educativo Santo António
_Amnistia Internacional do Porto _CES - Centro de Estudos Sociais
_Arquivo Municipal da Póvoa de Varzim _Centro Social Asas de Ramalde
_Associação Projeto Be Equal _Centro Social do Amial - Pólo de S. Tomé - Centro Comunitário
_Associação Projeto Criar _Cine-Teatro Garret
|40| _Associação Proteção à Infância Bispo D. António Barroso _Clube Literário do Porto |41|
_Atlético Clube Póvoa do Varzim _Colégio de Amorim
_Atmosfera m Lisboa _Cooperativa Bonifrates
_Atmosfera m Porto _CPCJ de Águeda
_Biblioteca Municipal de Gondomar _CPCJ de Vila do Conde
_Biblioteca Municipal Sophia de Mello Breyner _CPCJ de Vila Nova de Poiares
_Bienal de Cerveira _CPCJ de Vila Verde
_Câmara Municipal da Maia _Cruz Vermelha de São João da Madeira
_Câmara Municipal da Póvoa de Varzim _Engenho & Obra
_Câmara Municipal de Gondomar _Escola Superior de Enfermagem do Porto
_Câmara Municipal de Lousada _Escola Superior de Educação do Porto
_Câmara Municipal de Matosinhos _Espaço de Intervenção Cultural Maus Hábitos
_Câmara Municipal de Penafiel _Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
_Câmara Municipal de Valongo _Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
_Câmara Municipal de Vila do Conde _Fotograma
_Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia _ILGA Portugal
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

_ISMAI - Instituto Universitário da Maia Para o bom desempenho deste Projeto também se tornou
_IPDJ - Instituto Português do Desporto e da Juventude uma mais-valia a estratégia metodológica utilizada que pretende
_Junta de Freguesia de Baguim do Monte formar os/as jovens como protagonistas da aprendizagem e da
_Junta de Freguesia de Canidelo própria mudança, promovendo a mudança através da utilização
_Junta de Freguesia de Ermesinde de diversas expressões artísticas - metodologia essencial na ex-
_Junta de Freguesia de Esmoriz pressão de sentimentos e pensamentos dos/as jovens. Nesta
_Junta de Freguesia de Vilar de Andorinho metodologia, inclui-se também a construção de um produto
_KRIZO - Educação, Arte e Cidadania final, que é apresentado para todos os grupos-turma em que o
_Lar de Infância e Juventude Especializado “Coração de Ouro” programa está a ser implementado o que, desde logo, faz trans-
_Museu da Quinta de Santiago parecer a abrangência do Projeto e permite que os/as jovens se
_Museu Municipal de Penafiel sintam parte integrante de um grande grupo.
_Associação Não te prives, Coimbra Para que as mudanças de valores, atitudes e comportamen-
_Obra ABC - Amici Boni Consilii tos dos/as participantes face à Violência de Género se tornem
_Rede Inducar Crl. mais consistentes e para que haja uma real consciencialização
_RUC - Radio Universidade de Coimbra e conscientização dos/as jovens, a UMAR tem vindo a defend-
_Somnorte er que este deve ser implementado nas mesmas turmas, pelo
|42| _SOS Racismo menos, ao longo de três anos letivos consecutivos, com uma |43|
_Teatro da Cerca de São Bernardo média de 15 sessões em cada ano letivo.
_União de Freguesias de Lordelo do Ouro e Massarelos Para alcançar uma efetiva e consistente mudança junto dos/
_Universidade de Braga as protagonistas, que poderão tornar-se verdadeiros/as multipli-
_Universidade Fernando Pessoa cadores/as no combate à Violência de Género, é imperativo que
_Universidade Sénior de Gondomar este programa seja aplicado de forma contínua e holística.
_Universidade Sénior de Valongo
_UTAD - Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

NOTA FINAL
Ao longo dos últimos 12 anos, o trabalho de prevenção da UMAR
tem tido um grande reconhecimento, quer ao nível das comuni-
dades escolares, quer ao nível da sociedade em geral. A sua lógi-
ca de intervenção contínua, em que se privilegia a consciencial-
ização e a conscientização, promove a decisão e o compromisso
de assumir valores como o respeito e não-violência enquanto
uma descoberta coletiva e de responsabilidade conjunta.
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

2. PRINCÍPIOS ÉTICOS DA INTERVENÇÃO DO PROGRAMA


DE PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA DE GÉNERO DA UMAR
ANA MARGARIDA TEIXEIRA | ANA TERESA DIAS |
MICAELA SILVA | ILDA AFONSO

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INTRODUÇÃO
A Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção
e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência
Doméstica, aprovada em Istambul, no ano 2011, já referencia-
da na introdução geral deste manual, foi subsequentemente
ratificada por diversos países europeus, entre os quais Por-
tugal, veio trazer obrigações aos estados da União Europeia
na prevenção e intervenção na área da violência de género e
doméstica. Em matéria de educação e prevenção da violên-
cia de género, o estado português, ao ratificar a Convenção,
compromete-se a desenvolver ações e programas educativos
de prevenção, currículos escolares para todos os níveis de en-
sino, materiais pedagógicos que incluam os temas da igualda-
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de entre mulheres e homens, o respeito mútuo e a resolução O Programa de Prevenção Primária da Violência de
não violenta de conflitos nas relações interpessoais. Género da UMAR, em cada escola/agrupamento, articula com
Neste âmbito, Portugal já desenvolveu instrumentos le- os Projetos Educativos de Escola (PEE), com Projetos de Ed-
gais para uma melhor realização da legislação e dos seus com- ucação para a Saúde (PES/PESES), e com o Projeto Curricular
promissos internacionais para a prevenção de violência de de Turma (PCT). Esta articulação torna-se relevante na me-
género, como são exemplo os Planos Nacionais de Prevenção dida em que, para se conseguir uma mudança efetiva de ati-
e Combate à Violência Doméstica e de Género. Atualmente tudes e comportamentos, é necessária a envolvência e par-
está já em vigor o V PNPCVDG, 2014-2017, que tem várias ticipação da restante comunidade educativa, e não apenas
medidas de ação, sendo uma delas sensibilizar e educar para dos grupos-turma e diretores/as de turma, para que a “inter-
o combate à violência de género. venção não venha somar mais uma atividade ou mais uma
A escola deve, assim, desenvolver uma educação para a matéria no currículo escolar (…), e sim que se desenvolva
cidadania e para a paz que possibilite desenvolver um tra- nesta articulação, espaços e tempos para se trabalhar com
balho pedagógico de promoção da mudança de crenças, mais explicitação e clareza alguns conteúdos que, frequente-
atitudes e comportamentos socioculturais e individuais, no mente, se incluem no chamado currículo oculto” (Magalhães
sentido de erradicar preconceitos, costumes e tradições que et al., 2007: 60/61).
assentem nos papéis estereotipados acerca de homens e mu- A implementação deste programa implica um processo
|46| lheres. Desta forma, as escolas devem assumir um papel de educativo que promove a motivação das crianças e jovens, |47|
relevo no combate ao patriarcado, ao sexismo, à homofobia e para que estes/as assumam uma postura reflexiva sobre a(s)
à discriminação de género, contribuindo diretamente para a realidade(s), desenvolvendo, assim, um pensamento crítico
prevenção da violência doméstica e de género. e de questionamento, envolvendo-os/as nos processos de to-
mada de decisão de forma a reconhecer e validar o seu papel
PRINCÍPIOS ÉTICOS NA ATUAÇÃO de protagonismo. Neste sentido, é necessário esclarecer, junto
DO PROJETO ART’THEMIS – UMAR das direções de escolas/agrupamentos escolares e diretores/
O Programa de Prevenção da Violência de Género em con- as de turma, que o Programa de Prevenção da UMAR pode
texto escolar da UMAR rege-se por um protocolo elaborado e deve ser implementado em qualquer turma, não estando
e consensualizado com a direção de agrupamentos escolares/ direcionado apenas para turmas consideradas problemáticas.
escolas onde este é implementado. Este tipo de intervenção Também é necessário explicar que, estando as turmas inte-
deve ir muito além da intervenção pontual, devendo antes gradas no Projeto, é importante que possam desenvolver o
ser “uma intervenção mais sistemática que designamos como seu produto artístico final e que a presença de todos/as os/
‘intervenção específica’, um programa articulado de objeti- as participantes no seminário final é fulcral, não devendo os
vos, conteúdos, estratégias pedagógicas, materiais didáticos e assuntos externos ao programa afetar o desenvolvimento do
avaliação” (Magalhães et al., 2007: 60). mesmo e/ou envolvimento de cada participante.
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A assinatura do protocolo com os agrupamentos é acresci- éticos de atuação em casos de violência no contexto escolar,
da da assinatura de consentimentos informados por parte das esta formação tem também por objetivo consciencializar os/
crianças e jovens e dos/as seus/suas encarregados/as de edu- as participantes sobre a importância de um currículo de pre-
cação ou tutores/as legais. Cada consentimento informado é venção da violência, promovendo a adoção de estratégias e
obtido depois de explicado oralmente quais são os objetivos ferramentas pedagógicas para a promoção da igualdade de
do Projeto e a sua metodologia, bem como as ferramentas pe- género e para a construção de relações assentes na paz, no
dagógicas utilizadas, mencionando que os dados individuais respeito pelas diferenças e pelos direitos humanos.
e familiares serão mantidos em anonimato e que toda a infor- Na situações em que um/a dos/as técnicos/as do Projeto
mação partilhada, no desenvolvimento das sessões do projeto a identificar casos de violência no desenvolvimento de uma
será salvaguardada face à divulgação exterior ao grupo-turma. sessão, o protocolo estipula que, em primeiro lugar, se deve
O trabalho colaborativo com os/as diretores/as de turma validar o que a criança ou jovem está a sentir, agradecer, valo-
e docentes deve ser entendido como um contínuo aprofundar rizar a partilha e reconhecer a sua coragem. Devemos reforçar
entre saberes que podem tornar o ensino mais significativo que tudo o que se discute/partilha nas sessões é confidencial
para as crianças e jovens, pois permite conhecer e com- e disponibilizarmo-nos para, no final da sessão, conversar-
preender a dinâmica do grupo-turma, de modo a que a met- mos em particular com aquela criança, adolescente ou jovem
odologia seja adaptada às necessidades dos/as participantes, sobre o assunto que foi partilhado. Num segundo momento,
|48| sem, no entanto, esquecer a importância da sequencialidade devemos reforçar que a violência é inaceitável e constitui um |49|
dos conteúdos programados de cada disciplina. Esta partilha crime, colocando a tónica no comportamento violento e não
é essencial, também nos casos em que o/a diretor/a de turma, na pessoa, salientando que as vítimas de violência não têm
bem como outros/as docentes do conselho de turma, possam qualquer responsabilidade nem, de forma alguma, poderão ser
identificar casos de violência (Magalhães et al., 2007). No caso consideradas a causa do comportamento violento. De seguida,
de reconhecimento e identificação de casos de violência, o pro- devem ser disponibilizados contactos de associações de apoio
tocolo estipula que deve articular-se com a pessoa do agrupa- a vítimas e debater com o grupo-turma de que forma se pode/
mento que é responsável pela ligação às CPCJ (Comissão de deve agir em casos de violência. No final da sessão, se a criança
Proteção de Crianças e Jovens em Risco) e com centros de ou jovem mostrar interesse, disponibilizamo-nos para conver-
atendimento especializados a vítimas de violência doméstica. sar num local privado e a sós, para respeitar a sua privacidade
Para os/as docentes saberem como atuar nestes casos e explicar que a violência doméstica e a violência no namoro
tão complexos, a UMAR desenvolve todos os anos uma for- são crimes públicos e que há pessoas e locais especializados
mação de docentes sobre a prevenção da violência em contex- que o/a podem ajudar. Por último, é necessário encaminhar da
to escolar. Esta tem como objetivo, a reflexão e debate sobre forma mais adequada a situação, pois cada caso tem as suas
como agir e proceder em casos de sinalização de violência de especialidades e, consequentemente, o seu encaminhamento
namoro ou doméstica. Além de se refletir sobre os princípios também deve ser ponderado cuidadosamente.
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Ao refletirmos sobre a nossa intervenção no contexto es- Ao nível do grupo-turma, existem também princípios éticos
colar, torna-se essencial discutir os princípios éticos que ori- fundamentais que regem a nossa atuação e intervenção. Des-
entam a nossa prática profissional. Em toda a sua atuação, de o primeiro contacto com os/as participantes do Programa
a UMAR rege-se por princípios éticos que norteiam a inter- de Prevenção, estabelecem-se relações que pretendem esbater
venção nos variados contextos onde intervém. Especifica- dinâmicas de poder e hierarquias que frequentemente sur-
mente no que concerne à prevenção da violência de género gem num contexto pedagógico/formativo, nomeadamente,
em contexto escolar, estas orientações e princípios éticos es- a posição privilegiada que o/a técnico/a corre o risco de as-
tendem-se ao nível do grupo-turma, ao nível da organização sumir/solidificar perante o grupo-turma e cada um/a dos/
escolar e, ainda, a um nível individual. as participantes. É ao tomarmos consciência dessa nossa
Ao nível da organização escolar, já vários pontos foram posição de poder/privilégio, e refletindo sobre ela, que con-
discutidos neste capítulo, nomeadamente, de que forma o seguimos alterá-la. Enquanto técnicos/as, tentamos construir
projeto se integra na escola/agrupamento, com que profis- relações tendencialmente não hierárquicas e que promovam a
sionais articulamos, de que forma articulamos e a importân- igualdade e respeito entre os/as vários/as intervenientes – o/a
cia desse diálogo permanente. Neste âmbito, é essencial re- técnico/a, os/as alunos/as, o/a docente (se estiver presente) –
fletir sobre os papéis que cada interveniente desempenha e a evitando assumir uma postura paternalista e desconstruindo
importância de respeitar o papel e função de cada um/a, no dinâmicas de poder existentes.
|50| sentido de, por um lado, não sobrepor funções ou evitar que Assim, devemos olhar para as crianças e jovens que parti- |51|
estas entrem em conflito, e, por outro, promover relações de cipam no projeto como seres autónomos e independentes, res-
entreajuda e cooperação para que o trabalho seja sempre efi- peitando as suas ideias e posicionamentos, valorizando as suas
caz e eficiente. Para isso, é necessário termos consciência que vozes, individuais e coletivas, reconhecendo-lhes o seu papel de
somos um elemento externo ao contexto escolar. Nesse sen- protagonistas na mudança social, aquela que almejamos alcançar
tido, devemos procurar conhecer a forma de organização da com este nosso Programa de Prevenção da Violência de Género,
escola/agrupamento em questão, as dinâmicas já existentes, cujo objetivo último é a eliminação de todas as formas de violên-
as funções de cada profissional com quem articulamos e de cia contra as mulheres. Para tal, temos de ouvir e valorizar cada
que forma trabalham (p.e., diretor/a de turma, diretor/a da uma das vozes destas crianças e jovens, estabelecendo com eles/
escola, responsável pelo PES/PEE, psicólogo/a escolar, entre as um diálogo aberto assente no respeito e igualdade, com uma
outros/as profissionais), devendo respeitar e integrar-nos verdadeira intenção de compreender o/a outro/a, reconhecendo
nessas mesmas dinâmicas e formas de organização. Além dis- que esse/a outro/a é diferente de nós, tal como cada pessoa é
so, será também do nosso interesse contribuir para que estes/ diferente da outra (Hagemann-White, 2015).
as agentes educativos se envolvam na prevenção da violência Para que tudo isto seja possível, a relação a estabelecer
de género e na reflexão das temáticas a ela associadas, con- entre os/as técnicos/as e os/as participantes deve ser uma
siderando sempre a abertura e disponibilidade demonstrada relação de confiança, sendo este um aspeto essencial na nos-
pelos/as mesmos/as e respeitando-a.
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sa intervenção. É a relação de confiança que vai permitir o referência e prática profissional. Não retirando qualquer va-
diálogo aberto e sincero, em que todas as vozes são reconhe- lor e importância a esta reflexão individual, essa mesma re-
cidas e valorizadas, em que ideias e posicionamentos serão flexão deve ser realizada, também, a nível de equipa e em co-
debatidos e discutidos, garantindo a igualdade e respeito de letivo. Neste sentido, deve ser valorizado e incentivado um
e entre cada um/a dos/as intervenientes. Este tipo de relação trabalho em coletivo e uma organização horizontal que pro-
possibilita a criação de um espaço no qual os e as interveni- mova espaços de reflexão e debate conjunto sobre estas e ou-
entes se sentem capazes e seguros/as em partilhar as suas ide- tras questões que vão surgindo no nosso trabalho (ver Kelly,
ias, experiências, sentimentos e posicionamentos de forma Meysen, Hagemann-White & Magalhães, 2016). Desta forma,
assertiva. Para a criação deste espaço, é necessário que sejam criamos uma plataforma de apoio que promove a autonomia e
garantidas a confidencialidade e anonimato de cada partici- interdependência entre as várias pessoas da equipa, empode-
pante, nomeadamente, assegurando que aquilo que é falado e rando-nos para desempenharmos as nossas funções de forma
partilhado durante as sessões é confidencial. Para além disto, consciente e reflexiva, o que, por consequência, nos permite
a confiança estabelece-se também pelo assegurar de que os/ realizar um trabalho mais eficaz.
as técnicos/as da UMAR não vão fazer juízos de valor, não é De facto, parte também de cada uma de nós, e do coletivo,
nossa função avaliar e, muito menos, temos a função de clas- estabelecer no seio da nossa equipa relações de confiança e de
sificar as/os participantes de cada grupo-turma. apoio mútuo, assentes no respeito e na igualdade, nas quais
|52| É ainda de salientar que, ao estabelecermos uma relação de se desconstruam dinâmicas de poder e relações hierárquicas, |53|
confiança, temos também de ter uma grande consciência da res- numa luta diária, constante e consequente pela construção de
ponsabilidade que isso acarreta para quem está na posição de relações livres de violência.
recetor/a da confiança, no sentido de surgir/exprimir vulnera-
bilidades, da parte de quem confia. Aqui, surgem novamente NOTA FINAL
as questões das dinâmicas de poder e postura de paternalis- Ao intervir num contexto tão complexo e diversificado como
mo que devem ser refletidas de forma a combatê-las na nos- é o contexto escolar, numa intervenção tendo como partici-
sa prática profissional (Hagemann-White, 2015). Resumindo pantes crianças, jovens e potenciais vítimas e perpetradores/
estas questões mais relacionadas com uma ética do cuidar, as de violência, é efetivamente necessário existirem princípios
salientamos os conceitos de três autoras relevantes nesta área: o éticos de atuação. Estes princípios devem ser continuamente
reconhecimento da interdependência e o eu relacional, de Seyla refletidos, individual e coletivamente, para que a nossa prática
Bernhabib; a confiança apropriada, de Annette Baier; a etnogra- ética se estenda do pessoal ao profissional e se reflita nas nos-
fia moral crítica de Fiona Robinson (Hagemann-White, 2015). sas ações quotidianas. Só assim é possível garantir que o nos-
Torna-se, assim, essencial refletir sobre a nossa postu- so trabalho na prevenção primária da violência de género em
ra profissional que deve ser flexível, empática, de aceitação contexto escolar seja consequente e motivador de mudanças
e questionamento constante das nossas crenças, quadros de sociais para um mundo em que o respeito pelas diferenças e
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a igualdade entre pessoas sejam verdadeiramente implicados


nas relações que as pessoas estabelecem entre si, fazendo com
que as desigualdades, as opressões e as violências não façam
parte das nossas vidas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
KELLY, Liz; MEYSEN, Thomas, HAGEMANN-WHITE, Carol & MAGALHÃES, Maria José
(2016). Fundamentos Transnacionais para a Prática Ética nas Intervenções sobre a Violência
contra as Mulheres e o Abuso de Crianças, acessível em http://ceinav-jrp.blogspot.pt
HAGEMANN-WHITE, Carol (2015). Salient ethical issues for intervention against vio-
lence, working paper from the research project “Cultural Encounters in Intervention Against
Violence” (CEINAV), supported by the HERA Joint Research Programme, Março 2015. 3. PROGRAMA DE PREVENÇÃO DE VIOLÊNCIA
MAGALHÃES, Maria José; CANOTILHO, Ana Paula, & BRASIL, Elisabete (2007). Gostar DE GÉNERO NO JARDIM-DE-INFÂNCIA E 1º CICLO
de mim, gostar de ti. Aprender a prevenir a violência de género. Porto: Edições UMAR. ANA MARGARIDA TEIXEIRA | ANA TERESA DIAS

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INTRODUÇÃO
A escola é um espaço de socialização onde as crianças se rela-
cionam com os seus pares, e onde vão construindo a sua iden-
tidade de género, re-produzindo1 valores e modelos de papéis
de género, que muitas vezes transmitem mensagens de uma so-
ciedade patriarcal e sexista. Estas conceções de papéis de géne-
ro que defendem que as características consideradas “masculi-
nas” são superiores às características consideradas “femininas”,
evidenciam desigualdades, perpetuando a violência de géne-
ro. Esta reprodução social constitui um problema social pois
mantém preconceitos e estereótipos e, consequentemente,
contribui “para perpetuar a hierarquia social baseada no géne-
1. A utilização do conceito re-produção tem o objetivo de dar conta da complexidade dos modos de apren-
dizagem das crianças – as crianças não apenas reproduzem como recriam a realidade, embora os modelos
da sociedade adulta tenham uma forte influência.
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ro, continuando nos dias de hoje naturalizada e enraizada na associadas ao sexo masculino como carros e atividades ligadas
nossa sociedade” (Teixeira, 2015: 81). No entanto, a escola ao desporto e ao sexo feminino, brincadeiras com bonecas e co-
pode também constituir-se como contexto primordial de uma zinhas – na escola, uma pedagogia da igualdade pode contrariar
educação para a cidadania democrática, promovendo o espíri- este padrão. Apesar das suas potencialidades, o contexto escolar
to crítico e reflexivo sobre problemáticas sociais e culturais (Tour- continua, na maior parte das vezes, a fazer esta distinção. No
ney-Punta, 2004). Para isso, é necessário desenvolver um currículo caso do jardim-de-infância, muitas vezes, a própria organização
que dê oportunidade de criar espaços e momentos em que crianças e da sala evidencia os papéis de género, transmitindo ideias es-
jovens reflitam sobre as suas identidades e sobre problemáticas sociais tereotipadas, fazendo com que a educação de uma rapariga seja
e culturais, na qual está incluída a prevenção da violência de género. diferenciada da educação de um rapaz (Teixeira, 2015: 51). No
1º ciclo do ensino básico, embora não se observe a divisão dos
INTERVENÇÃO NO JARDIM-DE-INFÂNCIA espaços da sala de aula, os manuais e os conteúdos, assim como
(JI) E 1º CICLO DO ENSINO BÁSICO a pedagogia dominante, reforçam a estereotipia de género, pro-
A UMAR, com o Projeto ART’THEMIS - Jovens Protagonistas longando-se para a ocupação e atividades no recreio.
de Intervenção em Igualdade de Género, re-iniciou2 o desen- A igualdade de género está estabelecida em Portugal, no
volvimento e implementação de um Programa de Prevenção da nosso enquadramento jurídico (entre outra legislação, na Lei
Violência de Género com crianças do jardim-de-infância (um de Bases do Sistema Educativo, Lei nº 46/86, de 14 de outubro)
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grupo-turma) e do 1º ciclo de escolaridade (dois grupos-turma). e, inclusive, na Constituição da República Portuguesa. Desde
A escolha de desenvolver o programa de prevenção nestas faixas logo, a própria LBSE define um conjunto de objetivos gerais
etárias teve a ver com o facto de a personalidade de cada um e de que deverão ser prosseguidos na escolaridade básica e um de-
cada uma se estar a desenvolver nestas idades, bem como os seus les é desenvolver valores, atitudes e práticas que contribuam
gostos, as suas atividades extracurriculares e as suas relações para a formação de cidadãos/as conscientes e participativos/as
com colegas, docentes e familiares. Vários autores/as defendem numa sociedade democrática.
que a prevenção da violência de género deve iniciar-se precoce- Assim, o jardim-de-infância e o 1ºciclo devem aliar às suas
mente, pois “as crianças já aprendem a distinguir os diferentes práticas já estabelecidas “a aprendizagem da diversidade e da
papéis sociais facultados ao sexo feminino e masculino nas suas igualdade de oportunidades, da paridade entre sexos, da diver-
formas de participação familiar e profissional” (Dias, 2015: 47). sidade de culturas, da responsabilidade social de cada pessoa
Se, na maioria das famílias, se pode encontrar a reprodução em promover uma sociedade mais democrática e integradora”
social dos papéis de género - na tipificação de brinquedos, das (Cardona et al., 2010: 59), desenvolvendo uma articulação do
roupas e das posturas que pensam ser adequados ao género currículo escolar com a explicitação e clarificação de alguns
da criança mesmo antes de ela nascer, das cores e das atividades conteúdos que se incluem no currículo oculto (Giroux, 1986).
2. A UMAR já tinha realizado alguma intervenção em grupos-turma de 1º ciclo e JI, no entanto, devido à
inconstância do financiamento, essa intervenção só pôde ser reiniciada no âmbito do Projeto ART’THEMIS.
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No âmbito do Projeto ART’THEMIS, e tendo em conta as ceber e consciencializar-se da diferença e das oportunidades
aprendizagens a trabalhar no currículo escolar, pretende-se, relacionadas com a igualdade e respeito (Marchão & Bento,
com a implementação deste programa, desenvolver o gosto por 2012) e permite que se articule o desenvolvimento físico e in-
ser como se é por ter a identidade que se tem e o respeito pelas telectual com o desenvolvimento socioemocional e sociocul-
diferenças das outras pessoas, preparando as crianças para se tural. Também o jogo pedagógico contribui para a educação
relacionarem num mundo onde exista uma maior igualdade, para a cidadania e para os objetivos do programa de prevenção,
para que possam crescer sem restrições estabelecidas por pa- na medida em que “jogar cooperativamente permitirá não só
péis de género e outras discriminações, e onde valorizem o seu estabelecer interações (...) mas sobretudo sensibilizar para as
contributo e participação para uma sociedade baseada numa relações humanas e vivenciar situações de uma positiva con-
cultura de paz (Magalhães et al., 2007). A partir destes objeti- vivência” (Leite & Rodrigues, 2001: 31).
vos gerais, a UMAR trabalha a prevenção da violência de géne- O trabalho pedagógico do ART’THEMIS pauta-se pelos
ro através de uma pedagogia feminista e freireana em termos princípios da aprendizagem significativa (Coll, 2002), que
de valores, princípios, atitudes e comportamentos, “de modo a estabelece como essencial que os conteúdos curriculares se
que as gerações mais novas aprendam a construir a sua iden- relacionem com as vivências das crianças para refletirem
tidade na liberdade, respeitando as diferenças e evitando os sobre as temáticas trabalhadas e serem protagonistas da
preconceitos e a discriminação” (Teixeira, 2015: 42). Como o sua própria mudança. Como o currículo do 1º ciclo do en-
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próprio nome do Projeto indica, a arte é a base de trabalho da sino básico refere, cada criança tem a sua especificidade e
metodologia, uma vez que a arte é considerada a ferramenta
pedagógica que melhor dá a oportunidade de refletirem e sen- “a cultura de origem de cada uma é determinante para
tirem sobre os temas, impulsionando a mudanças de valores e que os conteúdos programáticos possam gerar novas
de comportamentos . O ART’THEMIS desenvolve as suas ses- significações. As aprendizagens constroem-se significa-
sões a partir da arte, já que, para haver aprendizagens significa- tivamente quando estão adaptadas ao processo de desen-
tivas, são necessárias ferramentas pedagógicas que ajudem as volvimento de cada criança. Só assim o percurso escolar
crianças a desenvolverem as suas capacidades cognitivas, mas poderá conduzir a novas e estáveis aprendizagens”
também as suas capacidades criativas e reflexivas (Higenbot- (Organização Curricular e Programas Ensino Básico –
tam, 2008). As ferramentas artísticas são utilizadas de modo a 1º Ciclo, 2014: 23).
promover a criatividade das crianças, potenciando a autono-
mia pessoal e o espírito crítico, permitindo compreender-se a Tanto no jardim-de-infância como no 1º ciclo, o Projeto desen-
si mesmas através da sua expressão corporal e artística. Deste volve-se a partir da metodologia de projeto (Kilpatrick, 1918;
modo, com ferramentas artísticas e jogos pedagógicos, conse- Dewey, 1916), que defende a importância do trabalho em gru-
gue-se captar a atenção das crianças para que estas possam per- po e a reflexão de todos/as os/as participantes sobre a realidade
que os/as rodeia, implicando-se, posteriormente, na procu-
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ra de respostas, debatendo e refletindo individual e coletiva- com os/as outros/as, estimulando valores da justiça, verdade
mente, ou seja, afirmando-se como agentes da mudança nas e solidariedade, promovendo assim atitudes e hábitos que fa-
suas vidas (Vasconcelos, 2011). Esta metodologia adota uma voreçam a maturidade sócio afetiva e cívica (Organização Cur-
intervenção integrada que proporcione tempos nas atividades ricular e Programas Ensino Básico – 1º Ciclo, 2014).
desenvolvidas com as crianças para se trabalhar as questões da Apesar da existência de conceitos e ideias importantes a
cidadania e da igualdade. debater e refletir com as crianças participantes do Projeto, não
Tendo em conta as idades das crianças do jardim-de-in- houve um programa standard, uma vez que defendemos a uti-
fância, desenvolveram-se dinâmicas práticas e lúdicas a partir lização da metodologia de projeto. Assim, ao longo das sessões
das suas preferências, como filmes da Disney, brincadeiras e fomos compreendendo em que temáticas as crianças estavam
jogos. Esta articulação dos conteúdos de aprendizagem com interessadas. Algumas das temáticas que surgiram foram a mul-
as brincadeiras faz parte das orientações curriculares para o ticulturalidade, diferenças culturais e religiosas, o conceito de
ensino pré-escolar do Ministério da Educação, que defende o “adoção”, a reflexão sobre o conceito “família”, bem como o res-
brincar como atividade natural das crianças e que é essencial peito por crianças com necessidades educativas especiais, dire-
estas tomarem decisões, resolver problemas, correr riscos e itos das crianças, emoções e sentimentos, resolução de conflitos,
tornarem-se mais independentes. É com as brincadeiras e jogos papéis de género, vários tipos de família, igualdade de género,
que as crianças “exprimem a sua personalidade e singularidade, violência entre pares, amizade e respeito pelas diferenças.
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desenvolvem curiosidade e criatividade, estabelecem relações Cada grupo-turma ajudou a definir coletivamente os seus in-
entre aprendizagens, melhoram as suas capacidades relaciona- teresses e as suas necessidades, bem como as temáticas que que-
is e de iniciativa e assumem responsabilidades” (Orientações riam ver trabalhadas e exploradas. Os/as educadores/as e os/as
Curriculares para a Educação Pré-Escolar, 2016: 12; ver tam- docentes tiveram um papel fundamental neste ponto, pois a pla-
bém Silva et al., 2016). Atividades artísticas como o desenho, nificação e as reflexões acerca das temáticas e da forma como as
o recorte e a colagem fizeram parte do trabalho do Projeto em crianças participavam foram sempre trabalhadas em conjunto.
JI, inseridas no domínio da educação artística que engloba as
possibilidades das crianças utilizarem diferentes manifestações AVALIAÇÃO DA INTERVENÇÃO
artísticas para se exprimir, comunicar, representar e com- A avaliação de um programa é uma componente essencial para
preender o mundo (Magalhães et al., 2015). A especificidade o seu desenvolvimento e melhoramento. No jardim-de-infân-
de diferentes linguagens artísticas corresponde à introdução de cia e no 1º ciclo, a metodologia de avaliação desenvolvida foi
subdomínios que incluem artes visuais, dramatização, música, qualitativa com vários momentos e instrumentos: no final de
dança (Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, cada sessão, através do feedback das crianças solicitado expres-
2016). O contexto escolar deve criar condições que favoreçam samente, registado na ficha de registo de sessão; e, no final do
o conhecimento de si próprio/a e um relacionamento positivo ano letivo, num diálogo com as crianças sobre as atividades
desenvolvidas, e solicitando à/ao educador/a ou docente que
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descreva a sua avaliação do trabalho desenvolvido com o gru- vinhar. [A educadora perguntou se ainda se lembravam porque
po-turma. É através dos registos de sessões e do feedback do é que se tinha trazido essa atividade]. Era para percebermos
grupo-turma e dos/as educadores/as e docentes, no final de que rapazes e raparigas podem fazer a mesma coisa e terem os
cada sessão e no fim do ano letivo, que a equipa realiza a aval- mesmos gostos”. (João, JI)
iação das atividades desenvolvidas e dos temas trabalhados no Em relação ao 1º ciclo, o que foi mais valorizado na avalia-
jardim-de-infância e no 1º ciclo. ção do projeto foram os trabalhos de grupo, uma vez que ain-
Estes momentos de reflexão e debate conjunto, em que da não tinham trabalhado em conjunto e foi uma experiência
os/as participantes dão a sua opinião, ajudam a compreender diferente do que estavam habituados/as, em contexto de sala
as dificuldades sentidas no desenvolvimento de cada sessão de aula. Referiram ainda que o projeto “ajudou a percebermos
e, a partir desse diálogo e partilha, consegue-se refletir se é que somos todos iguais e, que mesmo tendo gostos diferentes,
necessário modificar a sessão seguinte. Houve sempre um temos que aceitar as pessoas como elas são” (Andreia, 2ºano).
fio condutor em todas as sessões, em que a avaliação teve um Também compreenderam que “os rapazes e as raparigas podem
caráter formativo, ajudando a melhorar os temas e atividades gostar das mesmas coisas e das mesmas brincadeiras (Pedro,
desenvolvidas “na medida que foi desenvolvida numa lógica de 2ºano) e que “não faz mal alguns de nós terem hábitos diferen-
‘trabalhar com’ (Teixeira, 2015: 44). tes porque vieram de outros países, temos que respeitar todas
Pelo feedback das crianças, constatámos que gostaram de as pessoas” (Joana, 2ºano). Na avaliação de um grupo-turma,
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participar no Projeto, porque deu-lhes liberdade e promoveu a para definir o Projeto, as crianças utilizaram expressões como
sua criatividade no desenvolvimento das sessões. Com o Projeto “Alegria”, “Amor e Paixão”, “Aprender e participar em trabalhos
tiveram a oportunidade, em alguns casos pela primeira vez, de mais práticos”, “Diferença e “Igualdade”.
trabalhar em grupo, sentiram que as suas opiniões foram ou- Também a avaliação docente evidencia que o Projeto cons-
vidas e respeitadas. Deste modo, o programa de prevenção foi tituiu uma mais-valia para o jardim-de-infância e 1º ciclo. A
importante pois valorizou a comunicação e expressão de sen- educadora do jardim-de-infância escreveu:
timentos e conhecimentos, capacidades necessárias para a vida
em sociedade e ajudou as crianças a compreenderem maneiras “os temas tratados foram muito interessantes e apelativos, aju-
não violentas de resolverem os seus conflitos e de perceberem dando as crianças a terem uma consciência mais aprofunda-
que as diferenças devem ser respeitadas e aceites (Dias, 2015). da no desenvolvimento emocional e todos os temas ajudam
Foi também possível constatar que os/as participantes as- a intervir no melhoramento da criança perante a sociedade.
similaram temas que foram trabalhados ao longo do ano letivo: O projeto tem várias vantagens: desenvolve os aspetos cogni-
“[resposta do João à pergunta “que atividades foram feitas?”] tivos, afetivos e de comunicação; estimula o aspeto sensorial;
existiu uma atividade em que mostravam imagens de bonecos participação ativa entre todos os intervenientes”.
que não se sabia se era rapaz ou rapariga e tínhamos que adi- (Educadora do jardim-de-infância)
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

Uma das docentes do 1º ciclo participante do Projeto referiu: que estas possam desenvolver as suas personalidades, com-
portamentos e valores em liberdade e que tenham relações
“A grande vantagem do Projeto é fazer os[as] alunos[as] saudáveis, aprendendo uma cultura de paz, e de igualdade de
questionarem-se sobre comportamentos dos[as] adultos direitos e oportunidades.
que os[as] rodeiam e nas suas próprias ações que já colo-
cam em causa a igualdade de género”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
(Professora do 1º ciclo do ensino básico) CARDONA, Maria João (coord.); NOGUEIRA, Conceição; UVA, Marta & TAVARES, Te-
resa-Cláudia (2010). Guião de Educação, Género e Cidadania. Educação Pré-Escolar. Lisboa:
Acrescentou ainda que, após a intervenção do Projeto: Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género.
COLL, César (2002). Aprendizagem Escolar e Construção de Conhecimentos. Porto Alegre: Artmed.
“a forma como os meninos e as meninas se relacionam tem DEWEY, John (1916). Democracy and education. The middle works of John Dewey. Carbondale:
vindo a melhorar ao longo do ano. Respeitam-se mais e ou- Southern Illinois University Press.

vem-se mais. As questões trabalhadas são levadas para casa, o DIAS, Ana Teresa Duarte (2015). Rapazes e raparigas podem fazer as mesmas coisas e terem
os mesmos gostos: A importância da prevenção primária da violência em crianças dos 5 aos 11
que me deixa esperançada na mudança de atitude”.
anos. Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação, Faculdade de Psicologia e de Ciên-
(Professora do 1ºciclo do ensino básico)
cias da Educação da Universidade do Porto, Porto: Portugal.
GIROUX, Henry (1986). Teoria crítica e resistência em Educação. Petrópolis: Vozes.
|64| A docente do segundo grupo-turma do 1º ciclo que participou HIGENBOTTAM, Wendy (2008). Art Intervention in Schools: A resource for teachers and guid-
|65|
no Projeto afirmou: ance counsellors. Masters of Couselling: Alberta.
KILPATRIK, William Heard (1918). The Project Method: The use of the Purposeful Act in the
“é muito importante uma intervenção sistemática, Educative Process. Teachers College, Columbia University: New York City.
no sucesso académico e de vida destas crianças nes- LEITE, Carlinda & RODRIGUES, Maria de Lurdes (2001). Jogos e Contos numa Educação
ta faixa etária, permitindo desta forma uma descon- para a Cidadania. Coleção Práticas Pedagógicas. Lisboa: Ministério da Educação – Instituto
strução de estereótipos já existentes”. de Inovação Educacional.
MAGALHÃES, Maria José; CANOTILHO, Ana Paula, & BRASIL, Elisabete (2007). Gostar de
(Professora do 1ºciclo do ensino básico)
mim, gostar de ti. Aprender a prevenir a violência de género. Porto: Edições UMAR.
MAGALHÃES, Maria José; TEIXEIRA, Ana Margarida; DIAS, Ana Teresa & SILVA, Micaela
NOTA FINAL
(2015). Prevention of gender violence in kindergarten: a look from curriculum studies. Curricu-
A prevenção primária da violência de género em jardim-de-in- lum Studies: Policies, Perspectives and Practices.
fância e 1º ciclo necessitam de continuidade para podermos MARCHÃO, Amélia de Jesus & BENTO, Alexandra Isabel (2012). Promoção da igualdade de énero
fazer uma avaliação mais substanciada do seu impacto, que – um estudo em contexto pré-escolar. Trabalho apresentado no III Seminário de I&DT, organizado
esperamos conseguir no futuro próximo. No entanto, pela ava- pelo C3i – Centro Interdisciplinar de Investigação e Inovação do Instituto Politécnico de Portalegre.
liação realizada, este tipo de intervenção pedagógica sistemáti- Ministério da Educação (2014). Organização curricular e programas do ensino básico — 1º
ca com crianças em idades precoces parece ser essencial para Ciclo. Lisboa: Editorial do Ministério da Educação.
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

SILVA, Isabel Lopes da Silva (coord.); MARQUES, Liliana; MATA, Lourdes & ROSA, Manuela
(2016). Orientações curriculares para a educação pré-escolar. Lisboa: Ministério da Educação/
Direção-Geral da Educação (DGE).
TEIXEIRA, Ana Margarida Pacheco (2015). Igualdade de género e prevenção da violência: Uma prob-
lemática educacional no desenvolvimento local. Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação,
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Porto, Portugal.
TORNEY-PUNTA, Judith (2004). Developing citizenship competencies from kindergarten through
grade 12, National Centre for Learning and Citizenship, New York: Carnegie Corporation.
VASCONCELOS, Teresa (2011). Trabalho de projeto como “Pedagogia de Fronteira”, Da Inves-
tigação às Práticas, I (3), 8-20.

LEGISLAÇÃO REFERENCIADA: 4. PROGRAMA DE PREVENÇÃO DE VIOLÊNCIA


Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei nº46/86 de 14 de Outubro. DE GÉNERO NOS 2º E 3º CICLOS DO ENSINO BÁSICO
Orientações Curriculares para o Ensino Pré-Escolar, 2016 ANA MARGARIDA TEIXEIRA | ANA TERESA DIAS | JOANA CORDEIRO
Organização Curricular e Programas Ensino Básico — 1º Ciclo, 2014

|66| |67|

INTRODUÇÃO
O Projeto ART’THEMIS, além da implementação de sessões
formativas com o Jardim de Infância e o 1º ciclo do ensino bási-
co, desenvolveu também sessões nos 2º e 3ºciclos, como tem
vindo a acontecer desde 2004 com outros projetos da UMAR no
âmbito do programa de prevenção de violência de género em
contexto escolar.
Consideramos importante o trabalho nestas idades, pois
é uma fase em que os/as jovens constroem novas teorias sobre
conceções já adquiridas, tentando desenvolver uma opinião que
lhes seja própria e que permita a mudança de valores deixa-
da pela geração anterior (Rappaport, 1981; Winnicott, 1965).
É também o momento em que se começam a desenvolver as
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

relações amorosas e “que os estereótipos de género já definem os longo prazo alguns sinais de que a violência pode ser erradicada”
comportamentos e valores” (Teixeira, 2015: 50). (Magalhães et al., 2007: 84).
Até ao século XVI, não existia a adolescência, tal como a con-
cebemos hoje, pois os/as adolescentes, assim como as crianças, PROJETO ART’THEMIS: PREVENÇÃO DA
eram considerados/as “mini-adultos/as” e participavam em to- VIOLÊNCIA NOS 2º E 3º CICLOS DO ENSINO BÁSICO
das as atividades que os/as adultos/as realizavam até aquela épo- A adolescência, como categoria socialmente construída, é uma
ca (Ariès, 1981; Silva, 2004). A perceção do adolescente como condição social que vai sofrendo alterações históricas e sociais
“ser em desenvolvimento”, no mundo contemporâneo, resulta e varia tendo em conta a especificidade estrutural e cultural das
de transformações a nível político, social e educacional, desde diferentes sociedades. Pode afirmar-se que, enquanto categoria
as famílias até à esfera pública. É a partir destas transformações social, “incorpora a ideia de geração e varia, uma vez que nela
que a adolescência se torna como uma categoria socialmente coexistem vários estatutos e papéis e diferentes formas de ser ad-
construída e como uma etapa na formação da identidade indi- olescente” (Sarmento, cit in Trevisan, 2006: 37). Deste modo, a
vidual e sociocultural (Ariès, 1981; Sagesse 2000; Silva, 2004). adolescência não pode ser só entendida como um período nat-
Assim, para além de a adolescência ser, atualmente, conside- ural da vida, sendo também uma construção social com ideias
rada como fase de transição para o mundo adulto em que o/a jo- estetizadas na figura jovem (Freire Filho, 2006).
vem assume responsabilidades e cria a sua identidade a partir do Importa referir que, na adolescência, ocorrem várias transfor-
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modo como vê o mundo que o/a rodeia, é também um “momento mações tanto a nível biológico, como a nível emocional e cogni- |69|

propício ao desenvolvimento de competências de tomada de de- tivo. O/A adolescente inicia o pensamento hipotético-dedutivo e
cisão, que surgem ao nível dos relacionamentos interpessoais e que a formulação das suas próprias teorias, que se vão ajustando con-
incluem um balanceamento pessoal” (Magalhães et al, 2007: 84). forme as expectativas da sociedade e as suas próprias vivências
A escola, para além de ser um dos contextos em que o/a (Piaget & Greco, 1974). Começa também a formar o seu grupo
adolescente irá aprender normas, valores e papéis, é também de pares com o qual partilha estas conceções e no qual existe a
um contexto de socialização, de produção e reprodução cultural influência mútua “reagindo com aprovação ou desaprovação em
e social. Também é um espaço de desenvolvimento dos ideais, relação aos comportamentos e ideais que se consideram apropri-
valores e comportamentos do/a adolescente, e como tal, deve ados ou inapropriados dentro desse grupo” (Neto, 1999: 23). Ou
assumir-se também “como um local privilegiado para a apren- seja, o grupo de pares aparece como um contexto preferencial de
dizagem de uma cultura de paz, contribuindo para a igualdade incorporação de valores, que poderão ser diferentes dos valores
de direitos e oportunidades entre homens e mulheres” (Costa, veiculados pela escola e pelas famílias (Magalhães et al., 2007).
2013: 40). Para que isto seja uma realidade, a implementação Sendo uma fase em que ocorrem diversas mudanças, é
de um Programa de Prevenção de Violência de Género nestes pertinente esta intervenção nestas idades, pois como estão a
níveis etários deve de ser realizada de modo a “obter a médio e a construir a sua identidade e cimentar as suas relações; é um
momento propício à “incorporação de valores de igualdade,
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

cidadania e solidariedade, tão importantes na prevenção da vi- abusivos que encontramos nos media e na(s) cultura(s) juvenis,
olência doméstica” (Magalhães et al., 2007: 84). o papel de facilitador/a contribui para que as/os adolescentes e jo-
É então, neste confronto de valores e ideais, que o/a adolescen- vens reconstruam conceções, discursos, práticas e modifiquem va-
te vai construindo as suas próprias conceções e os seus própri- lores e atitudes sobre como se devem desenvolver relações sociais,
os valores e tomando decisões para os seus comportamentos. desafiem os papéis socialmente atribuídos de rapazes e raparigas na
Apesar do contexto escolar permitir uma visão mais ampla so- sociedade e possam desenvolver relações saudáveis.
bre o mundo que os/as rodeia, pode ser também perpetuador Para este objetivo, os/as facilitadores/as devem fazer uma ru-
de assimetrias de género e de comportamentos violentos, como tura com a educação dominante, cujo principal e quase único ob-
forma de resolução de problemas. Assim sendo, é importante jetivo é a transmissão de conhecimento. Assim, é necessário que
que se trabalhe “na prevenção primária em ambiente escolar e estes/as estejam recetivos/as à participação das/os adolescentes e
na consciencialização de jovens e adolescentes de que a violência jovens e à mudança. Para isso, no desenvolvimento das sessões foi
não é uma forma adequada de relação entre os seres humanos” necessário o cuidado no uso da linguagem, dada a heterogenei-
(Magalhães et al., 2007: 84). dade dos/as participantes destas ações e à diversidade presente no
A intervenção e o trabalho pedagógico do Projeto meio escolar. É de salientar que, nestes momentos, o/a técnico/a
ART’THEMIS foram realizados por uma equipa multidisciplinar deve ter uma postura de escuta ativa para com as crianças e jo-
com profissionais da área da educação, psicologia e criminolo- vens para estabelecer um diálogo em que a aprendizagem deve ser
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gia. Esta equipa técnica especializada na prevenção da violência mútua. Tal como evidenciam Cortesão & Stoer:
de género e promoção da igualdade de género atuou em contexto
escolar de uma forma que se distingue do trabalho docente, na “o formador/professor deve agir como investigador, numa
medida em que se constituíram como facilitadores/as no desen- actividade de permanente questionamento aos diferentes
volvimento das sessões. Este papel dá o apoio necessário para que níveis dos significados do que está a fazer, num vai-vém
a intervenção seja coerente e estruturada, para que a mudança criativo entre a acção que desenvolve com os formandos/
possa ocorrer no tempo, ao possibilitar enfrentar a oposição e as alunos (acção pedagógica) e a produção de conhecimento
dificuldades que as estruturas rígidas do patriarcado impõem e que consegue através e por meio dos alunos: em processo,
permitir o seu desafio e a procura ativa de alternativas. A facili- portanto de Investigação-Ação” (1997: 12).
tação de sessões formativas também permite uma aproximação
das crianças e dos/as jovens à equipa técnica, sem colocar a tónica Os/as técnicos/as do Projeto ART’THEMIS desempenham um
em aspetos como a avaliação/classificação ou os resultados esco- papel de mediadores/as (e não docentes), utilizando o diálogo
lares, permitindo-lhes criar uma relação próxima e aberta. para contribuir para a diminuição das desigualdades de género,
Dada a necessidade de eliminar e trabalhar preconceitos com através da desconstrução dos significados atribuídos às relações
as crianças, adolescentes e jovens para identificar e desconstruir sociais de género e transformando-os. Tal como referem Marsh &
papéis de género, violências e a legitimação de relacionamentos Vagliardo (2002: 277), “Vygotsky colocou a mediação como um
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

elemento crítico no processo de aprendizagem e designou como caso, como referem Sprinthall & Collins (1994), quanto maior for
agentes mediadores quer as pessoas individuais, quer as ferra- a possibilidade de escolha dos processos de aprendizagem e de
mentas culturais e materiais (sistemas linguísticos e numéricos, participação em atividades artísticas e pedagógicas, maior o seu
obras de arte e música)”. A mediação é um processo essencial na desenvolvimento cognitivo e criação de aprendizagens significati-
reconstrução de outras leituras da vida social. Assim, os/as in- vas. O Projeto ART’THEMIS não pretende que os/as participantes
tervenientes desta ação participam na construção de novos sig- sejam meros/as agentes passivos na sua aprendizagem. Se for im-
nificados, para que se possa “pensar no que ainda não se pensou, plementado de forma transmissiva e hierárquica, estamos a con-
ouvir o que ainda não se ouviu, dizer o que ainda não se disse” siderar que todos/as os/as participantes são homogéneos/as e que
(Vecchi e Greco cit in Torremorell, 2008: 41). O/A mediador/a não há especificidades a ter em conta, o que não é realista.
tem como papel fundamental “[desestabilizar] na argumen- Pretendeu-se então que os/as jovens fossem os/as protagonis-
tação das partes, quando estas contam a sua história, reiterando tas da sua própria mudança e que tivessem o poder de escolha so-
o seu ponto de vista para que se possa reconstruir, através de bre o que queriam desenvolver durante o Projeto, tendo em conta
uma relação de cooperação, uma nova história que ponha em as necessidades e interesses de cada grupo-turma. Assim, recons-
causa a significação do conflito, visando a sua ressignificação” truiu-se uma consciência individual e coletiva ao deixar à escolha
(Costa, 2013: 36). Este trabalho constitui um pilar essencial da da turma os recursos que utilizam e as problemáticas que desen-
prevenção da violência de género, no Projeto ART’THEMIS. volvem ao longo das sessões, pois, “[a]queles que estão ‘consci-
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Neste sentido, “a mera exposição de conteúdos não se apre- entizados’ apoderam-se de sua própria situação e inserem-se nela
senta suficiente” (Costa, 2013: 60), pois para que a formação para transformá-la” (Freire, 1979: 40). Os/as participantes pude-
pessoal dos/as participantes seja desenvolvida, é necessário ram sentir que eram parte integrante no processo da intervenção
que o programa de prevenção tenha uma vertente mais práti- e todas as suas participações foram valorizadas, permitindo que
ca e fundamentada no quotidiano. Isto é importante, pois, tal as crianças e jovens fossem protagonistas da mudança e agentes
como Winnicott refere, os/as adolescentes não aceitam só a da transformação social, refletindo e debatendo coletivamente as
transmissão de conhecimentos, precisam de espaço-tempo para suas conceções, de modo a procurar soluções para os problemas
produzir por si mesmas/os, pois veem nesta produção indi- reais que ia surgindo nas suas intervenções (Vasconcelos, 2011).
vidual e coletiva uma maneira de exercer a sua criatividade na Deste modo, o Projeto proporcionou a estimulação da re-
procura de soluções. Nesta fase, os/as jovens pretendem buscar flexão individual e coletiva, dando assim oportunidade de in-
e encontrar respostas próprias, adequar à sua identidade e, de tervenção dos/as participantes na procura de soluções e de mo-
algum modo, modificar a sociedade (Winnicott, 1962). É então dos de ação, sendo que se procurou conjugar a reflexão crítica
necessário proporcionar-lhes a oportunidade de escolher o que perante a realidade com a vontade de atuar para transformar as
pretendem aprender e trabalhar. O Projeto ART’THEMIS parte, contradições da ação social (Carr & Kemmis, 1986).
precisamente, deste princípio, de que os/as adolescentes e jovens Para que se possa incorporar estes valores, o programa de
devem escolher e decidir com autonomia e protagonismo. Neste prevenção do 2º e 3º ciclo é amplo e engloba temas como os di-
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

reitos humanos, estereótipos de género, preconceitos, violência Assim a avaliação da intervenção do Projeto ART’THEMIS,
e desigualdade de género, violência no namoro, violência entre nos grupos-turma de 2º e 3º ciclos, baseou-se em duas análises:
pares, relações interpessoais e comunicação. Estes temas são re- uma primeira, que foi quantitativa, consistiu na distribuição do
levantes nestes ciclos, na medida em que são temáticas que emer- mesmo questionário antes e depois da intervenção, de modo a
gem da adequação à sua idade e vivências (Magalhães et al., 2007). perceber qual a alteração de conceções com a implementação do
O protagonismo dos/as adolescentes e jovens incide não projeto. A segunda vertente foi qualitativa, em que os/as partici-
só nas sessões, como também no Seminário Final (ver também pantes escreveram o que gostaram mais, o que gostaram menos,
cap.8, deste manual). Assim, os grupos-turma, em conjunto, o que mudavam e o que tinha significado o Projeto para eles/as.
escolheram um tema e um produto para ser apresentado neste Em relação à avaliação, os grupos-turma participantes do Pro-
momento final do Projeto. Deste modo, os/as jovens, com os jeto ART’THEMIS no ano letivo de 2014/2015 tiveram uma me-
produtos finais proporcionaram, à restante comunidade edu- lhoria quantificada em 8% e no ano letivo 2015/2016 de 13%.
cativa, momentos de partilha, debate, reflexão e de desenvolvi- Estas percentagens de mudança são bastante significativas tendo
mento do seu espírito crítico, tornando possível uma mudança em conta o enraizamento cultural de conceções de desigualdade
tanto a nível pessoal como coletiva (Teixeira, 2015). de género e naturalização da violência.
Este trabalho em grupo permite que os/as participantes con- No que diz respeito à avaliação qualitativa, os feedbacks
sigam percecionar as diferentes conceções relativas ao quotidiano que tivemos das crianças e jovens participantes do projeto nos
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de cada um/a, bem como desenvolver a capacidade de ouvir, acei- anos letivos 2014/2015 e 2015/2016 foram muito positivos, já
tar, incluir e dar a sua opinião, enquadrada no respeito e oportuni- que, como se pode constatar, os/as jovens gostaram do Projeto e
dade para que as outras pessoas também possam expressar a sua. enunciaram aquilo que aprenderam:
O Projeto contribuiu também para “a actualização, revisão e trans-
formação das representações acerca de si próprio e dos outros que “Melhorei a minha cidadania e ajudou-me a crescer”.
medeiam a relação do indivíduo com o mundo” (Matos, 2002: 3). (Joana, 8ºano, Porto)

AVALIAÇÃO DA INTERVENÇÃO “Para mim significou respeito, adotei o que aprendi no


NOS 2º E 3º CICLOS DO ENSINO BÁSICO Projeto e fez-me ver o mundo com outros olhos”.
A avaliação, como foi explicada no capítulo anterior, é uma (Miguel, 5º ano, Porto)
componente pertinente para as intervenções sociais e/ou edu-
cativas enquanto instrumento “de apoio à replicação e repro- “Participar no Projeto ajudou-me a realçar dentro de
dução alargada das boas práticas, porque permite compreender mim, os meus sentimentos”.
tanto os sucessos como os insucessos das acções desenvolvidas” (Maria, 7º ano, Porto)
(Capucha, 2008: 45). É essencial que a avaliação tenha “sempre
por referência à situação e contexto concretos e específicos em
que se irá inscrever e funcionar” (Rodrigues, 1994: 104).
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

“Acho que foi um Projeto excelente que permite que todos Uma avaliação também muito importante a ter em conta é avalia-
os jovens aprender mais sobre os problemas sociais desde ção de docentes e diretores/as de turma que participam no Proje-
o bullying ao preconceito e do preconceito à violência no to. Os/As docentes que acompanharam a nossa intervenção nos
namoro. Aprendi bastante com este projeto e gostava que grupos-turma consideraram o Projeto pertinente, referindo que:
a nossa turma continuasse envolvida em projetos tão im-
portantes como o projeto ART’THEMIS”. “É estimulante para os alunos e permite uma melhor
(Ricardo, 9º ano, Porto) integração escolar na sociedade, através de temas de
grande importância para a melhoria das atitudes e
“Aprendi que aquilo que fazia aos meus colegas era errado comportamentos dos alunos”.
e que devo aceitar e respeitar as pessoas como elas são”. (Professora do 3ºciclo, Porto)
(Ana, 9º ano, Porto)
“Verificou-se nos alunos uma maior responsabilidade e
“Foi muito importante pois fez com que eu percebesse dedicação no acompanhamento das aulas das outras disci-
melhor os meus direitos enquanto mulher e cidadã”. plinas, assim como uma melhoria dos resultados escolares”.
(Cláudia, 7º ano, Coimbra) (Professora do 3ºciclo, Porto)

|76| “Se o mundo inteiro aprendesse o que eu aprendi estes “Notei mudança nas suas atitudes e comportamentos dos |77|
assuntos não iriam existir!” alunos, ficando mais motivados para aprendizagem de pro-
(João, 10º ano, Coimbra) blemas sociais, com vontade de modificarem as suas atitudes
e preconceitos, para um melhor exercício da sua cidadania”.
“O projeto ART’THEMIS mostrou-me que há muitas (Professora do 3ºciclo, Porto)
desigualdades no mundo, principalmente as mulheres
que não têm os mesmos direitos que os homens e mos- “Foi potenciado um trabalho coletivo que é cada vez
trou-me que nós todos podemos mudar isso”. mais difícil de implementar nas escolas.”
(Bernardo, 5º ano, Braga) (Professora do 3ºciclo, Coimbra)

“Significou muito para mim porque percebi que a violên- “Qualquer Projeto que envolva o desenvolvimento de
cia não leva a lado nenhum e que todas as pessoas sejam atitudes de cidadania e espírito crítico, assim como de
mulheres, homens ou crianças têm liberdade e direitos”. respeito pelo outro deve ser encarado com uma atitude
(Mariana, 7º ano, Braga) positiva e conducente à sua continuidade”.
(Professora do 3ºcilo, Braga)
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

NOTA FINAL MARSH, Monica Miller & VAGLIARDO, Margot (2002). The commingling of teacher researcher iden-
tities: a mediated approach to teaching action research. Educational Action Research, 10(2), 275-289.
A prevenção primária no âmbito desta problemática “assume
MATOS, Paula Mena (2002). (Des)continuidades na vinculação aos pais e ao par amoroso em
a sua relevância no desenvolvimento de uma cultura de paz e
adolescentes. Tese de doutoramento, Universidade do Porto, Porto, Portugal.
justiça, potenciando a vivência de uma cidadania plena, através NETO, António; CID, Marília; POMAR, Clarinda; PEÇAS, Américo; CHALETA, Elisa &
de medidas que visem a assunção de novas formas de viver as FOLQUE, Assunção (1999). Estereótipos de género. Lisboa: Comissão para a Igualdade e para
feminilidades e masculinidades” (Costa, 2013: 33). os Direitos das Mulheres, Cadernos Coeducação.
A educação tem um papel central na prevenção da violência PIAGET, Jean & GRECO, Pierre (1974). Aprendizagem e conhecimento. São Paulo: Freitas Bastos.
de género e na promoção da igualdade de género nestas idades, RAPPAPORT, Clara Regina (1981). Modelo piagetiano. In Teorias do desenvolvimento: con-
já que este tipo de questões estão presentes na educação da e ceitos fundamentais, 51-75 (1).
para a cidadania, permitindo assim modificações em relação a RODRIGUES, Pedro (1994). As três lógicas da avaliação de dispositivos educativos, in Estrela,

comportamentos e atitudes das crianças e dos/as jovens, cons- Albano & Rodrigues, Pedro (Coords.). Para uma fundamentação da avaliação em educação,
pp 93-109. Lisboa: Colibri.
truindo a sua identidade baseada no respeito e promovendo a
SAGESSE, Edson (2000). A Reabilitação psicossocial na infância e adolescência: A experiência do
igualdade de direitos e oportunidades.
centro de atenção psicossocial infanto-juvenil do IPUB/UFRJ (CAPSIJ). In Cadernos IPUB 2º edição,
(11). Rio de Janeiro: UFRJ/IPUB.
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ARIÈS, Phillipe (1981). História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LCT.
etnografia sobre as estratégias e os compromissos de jovens entre grandezas em conflito. Disser-
|78| CAPUCHA, Luís (2008). Planeamento e avaliação de projetos – Guia prático. Lisboa: Direção |79|
tação de Mestrado em Ciências da Educação, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Edu-
Geral de Inovação e do Desenvolvimento Curricular.
cação da Universidade do Porto, Porto: Portugal.
Carr, Wilfred & Kemmis, Stephen (1986). Teoria crítica de la enseñanza – La investigacionac-
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gostar de ti. Aprender a prevenir a violência de género. Porto: Edições UMAR.
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

5. A ARTE NA PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA DE GÉNERO


MARIA JOSÉ MAGALHÃES | TATIANA MENDES | ANA PAULA CANOTILHO

|80| |81|

INTRODUÇÃO
A UMAR, no trabalho que desenvolve na prevenção da vi-
olência de género em contexto escolar, no âmbito do Projeto
ART’THEMIS, tem privilegiado a arte como ferramenta pedagó-
gica. Esta opção tem por base a própria metodologia de projeto,
priorizando a reflexão crítica, a expressão livre de opiniões, a in-
clusão e envolvimento de todas as pessoas através da arte.
Existem diversas perspetivas sobre a relação entre arte e
educação, distinções que não cabem neste capítulo desenvolver
, mas que realçam a importância crucial da arte na educação e/
ou como estratégia educativa no desenvolvimento cognitivo,
emocional e social de todas as pessoas, inclusive, as crianças,
adolescentes e jovens. O reconhecimento da importância da
educação artística na escola é salientado pelas perspetivas
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Construir a Igualdade

sócio-críticas na educação e remonta à viragem do séc. XIX- Também as feministas negras apelam ao recurso à arte como
XX, com a emergência do movimento de educação nova. pedagogia da esperança (hooks, 1995).
Reconhecia-se, já nessa altura, a importância de criar espaços É nesta perspetiva que a UMAR, no Projeto ART’THEMIS,
e tempos na educação formal, para a livre expressão e para o tem vindo a utilizar o que designa como ‘ferramentas artísticas’,
desenvolvimento de talentos e diferentes formas de pensar, fa- para promover uma cultura de direitos humanos e igualdade
zer e olhar-ver o mundo. Também Paulo Freire, desde o início de género e prevenção da violência de género. Entre a arte e a
da sua carreira docente, esteve ligado à educação artística, e o sociedade, cruzam-se múltiplas interações e agentes sociais, in-
seu trabalho (e também conhecido método) de alfabetização cluindo os movimentos sociais, que, nas palavras de Ana Paula
inclui uma relação apertada com as expressões artísticas , como Canotilho Seixas, podem contribuir para a mudança social:
ferramenta pedagógica para a conscientização, na perspetiva
de uma pedagogia do/a oprimido/a para uma educação liber- “os movimentos sociais servem-se das artes como arma
tadora. Nesta abordagem, a arte é considerada uma ferramenta de luta pelas suas convicções políticas para efetuar mu-
para melhor compreender o mundo e proporcionar horizontes danças na sociedade, abrindo-se como reflexão sobre
de possibilidades para a sua transformação. a própria sociedade e as suas implicações, sociedade
Da mesma forma, os movimentos de mulheres e feminis- em que os cruzamentos e trocas repõem uma nova
tas, sobretudo a partir das décadas de 1960 e 70, introduzi- importância à prática artística como forma de refle-
|82| xão, como possibilidade narrativa de situação e de uma |83|
ram a dimensão artística no seu ativismo, e cujos propósitos
poderiam ser: primeiro, como denúncia do silenciamento das nova mediação no âmbito da cultura contemporânea”
mulheres enquanto artistas (Nochlin, 1971; Magalhães, 2010) (Canotilho Seixas 2015: 4).
e mecanismo de reprodução da violência simbólica contra as
mulheres (Magalhães & Cruz, 2014; Rosa & Magalhães, 2016); O termo “ferramenta” tem aqui o significado de as expressões
segundo, como ferramenta para a construção de noções de arte artísticas se encontrarem ao serviço da finalidade da mudança
e artista inclusivas do universo feminino; e terceiro, bem como e transformação social. Não se trata, portanto, de colocar a qua-
noutros movimentos sociais, como ferramentas de leituras lidade dos “produtos artísticos” como condição de participação,
outras da realidade, construções de re-representações outras mas antes de privilegiar o processo da sua produção e reflexão.
acerca de sujeitos individuais e coletivos (Sandell, 1979). Logo
A ARTE NO MOVIMENTO FEMINISTA
nos anos 1970, o movimento de mulheres e arte constituiu um PARA A PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA
encontro histórico entre as reivindicações feministas com as A arte na educação e formação de jovens remonta muito atrás,
do movimento antiguerra, ambos os movimentos proporcio- desde as perspetivas naturalistas como a de Comenius, no séc.
nando a denúncia às perspetivas formalistas sobre arte e artis- XVI, às mais libertárias, como as de Neil, com a bem conheci-
ta e a enunciação sobre um mundo mais justo e democrático. da Summerhill, não esquecendo Dewey (1934). Mais ainda, a
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utilização de ferramentas artísticas na prevenção da violência comunicar com outros/as, permitindo o resguardo da intimi-
com adolescentes e jovens vem sendo já uma prática bastan- dade, da privacidade de cada um/a na partilha de visões sobre
te alargada, com experiências interessantíssimas, quer a nível experiências de violência e perspetivas para o seu combate.
internacional (p.ex., Anderson & Overy, 2010), quer nacional
(p.ex., Oliveira, 2011). “FERRAMENTAS” PARA “AMPLIAR A CAPACIDADE
A importância da utilização destas ferramentas no campo DE SER, ESTAR E SE TRANSFORMAR NO MUNDO”
da prevenção assenta em fatores sociais, individuais e pedagógi- A citação no título é de Maxine Green (2008a) que, a par de di-
cos. Em termos sociais, o trabalho criativo é crucial para desafiar versos/as educadores/as progressistas, defende a importância
a naturalização da violência e da desigualdade, não apenas de da arte na educação, não apenas (mas também) para o desen-
género, como da violência em geral. A sociedade é assolada de volvimento de talentos, mas sobretudo para desenvolver ca-
diversas formas de violência, tanto em termos de alguns esta- pacidades e competências que outras ferramentas pedagógicas,
dos1, como nas instituições, no espaço doméstico e nas inter- que apelam apenas ao cognitivo, não conseguem.
ações diretas entre as pessoas. De todas as formas de violên- Como temos vindo a desenvolver, uma educação para a pre-
cia, a naturalização da violência de género e da violência contra venção da violência de género tem um duplo objetivo: a par de
as mulheres e meninas, só nas últimas décadas, começa a ser desconstruir e desafiar a cultura patriarcal, pretende re-construir
desafiada. Esta naturalização não é fácil de desconstruir, pois novas visões e novas formas de relações sociais assentes na
|84| |85|
é baseada na naturalização da diferença sexual, e consequente igualdade, democracia e justiça social, incluindo de género.
desigualdade de género; algo que é percebido como “natural”, Há, nesta dupla finalidade, também um duplo desafio para os/
isto é, como um dado da natureza, é difícil de contrapor, pois as técnicos/as da UMAR: por um lado, partilhar/ensinar con-
as pessoas assumem como imutável – parece que a frase do teúdos e conhecimentos sobre o problema, e, por outro, con-
senso comum se poderia aplicar aqui “sempre assim foi, sem- seguir a adesão das crianças, adolescentes e jovens a valores de
pre assim há de ser”. Daí que a mudança tenha de ir fundo aos igualdade, atitudes e comportamentos sem violência.
sentimentos, crenças e valores de todas e de todos. A arte pro- Diferentes formas de inteligência (Gardner, 2000, 2006),
porciona re-leituras e re-construção da realidade, também ao incluindo a inteligência emocional (Hanna Damásio & António
nível individual, permitido acreditar que seremos capazes de Damásio, in Damásio 2000), têm sido realçadas por teóricos
construir um mundo diferente, sem violência. Por fim, em ter- do ensino-aprendizagem (Vygotsky 1986/1998; Piaget 1955,
mos pedagógicos, a utilização das ferramentas artísticas tem Bruner 1966, entre outros/as), e o próprio Gardner (1982)
outra vantagem: pode constituir-se como mediador entre a ex- aborda a importância da arte no desenvolvimento do cérebro
periência pessoal e formas mais abstratas de e da inteligência. O autor apresenta cinco “tipos”, que vale a
pena lembrar: a mente disciplinada, que passa pela capacidade
1. Infelizmente, ainda presentes em algumas partes do mundo e ainda recentes nas nossas memórias. Vale de nos aplicarmos, no interior de um contexto, e ganharmos
a pena lembrar que o 25 de Novembro, Dia Internacional Contra Todas as Formas de Violência Contra as
Mulheres, inclui também a violência estatal contra as mulheres, a partir do exemplo das Irmãs Mirabal. com a adequação às normas desse contexto (p.ex., a escola);
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a mente sintética, que envolve a capacidade de decidir, de um O QUE É O “PRODUTO ARTÍSTICO”,


leque alargado de fontes, “o que é mais importante para mim e NO PROJETO ART’THEMIS
em que vale a pena empenhar-me”; a mente criativa, a parte de A arte, nas suas diferentes expressões e correntes artísticas,
nós que procura novas ideias e novas formas de fazer, arrisca e persevera nas diversas sociedades e acompanha a humanidade
descobre; a mente respeitadora, que tenta compreender e esta- há milhares de anos. Os conceitos de arte, tal como as correntes
belecer relações e laços com outros seres humanos; e a mente artísticas, divergem de acordo com as filosofias subjacentes. Em
ética, que alarga o respeito pelos outros/as e por si, questionan- algumas perspetivas, defende-se uma noção formalista de arte,
do-o sobre “que tipo de pessoa, que tipo de trabalhador/a, que em que se parte do pressuposto da existência de ‘génio’ individ-
tipo de cidadã/o quero ser” (Gardner cit. Bourassa, 2008: 117). ual ou ‘dom’, advindo daí a ideia de que só algumas pessoas são
Agora, que sabemos cientificamente sobre a existência de di- bafejadas por esse fator inato. Outras perspetivas, mais soci-
versas formas de inteligência, não podemos ignorar que um grupo ológicas, críticas e feministas, têm mostrado que as circunstân-
de crianças, adolescentes ou jovens apresentam uma multiplici- cias sociais permitem ou não desenvolver as capacidades dos
dade de inteligências, capacidades e talentos, e que nos compete a seres humanos e os processos de mercadorização inibem ou
todos/as adultos/as criar as condições para o seu desenvolvimento. potenciam determinadas formas artísticas em determinados
Desta forma, uma educação através de ferramentas artísti- contextos. Nesta linha, a sua produção ou contemplação parece
cas preocupa-se com os processos artísticos que contribuem ser acessível apenas a algumas pessoas, pelo menos algumas
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para desenvolver “a criatividade, o pensamento crítico, a co- pessoas assim o creem. |87|

municação e a apreciação estética” (Thomas, 2008: 70). Daí De facto, ao longo da construção socio-histórica da mo-
que a designação de “ferramentas artísticas” tenha o sentido dernidade, assistimos à produção de uma noção de arte como
de contornar preocupações formalistas, que se cristalizam em oposta a artesanato, de produção individual (autor/a, artista)
torno de discussões sobre “o valor” do2 artista e da obra de como oposta à produção coletiva ou da comunidade, noção
arte, descontextualizando ambos, produtor e obra, do signifi- que foi desafiada pelos movimentos sociais, inclusive, feminis-
cado social da sua produção e “valoração”. As diversas formas tas. Todavia, para muitas pessoas, a arte é apenas a sua forma de
de expressão artísticas, como música, drama, teatro, dança, fo- sustento: alguém que é habilidoso/a ou domina alguma técnica
tografia, artes visuais, entre outras, constituem-se como veícu- em determinada área e disso faz o seu proveito/trabalho. Assim
lo de expressão e produção, no contexto pedagógico, indo ao mesmo, algumas técnicas e correntes surjam em contraponto
encontro da multiplicidade de talentos e capacidades presentes a estas noções, tais como a arte urbana, que surge como mani-
em cada grupo-turma. festação artística no espaço público, em princípio acessível a
qualquer pessoa; a do Teatro do/a Oprimido/a (ver cap. 6 deste
manual), que para Augusto Boal pretende democratizar os
meios de produção cultural, possibilitando a qualquer especta-
2. A utilização do género masculino é aqui propositada, pois este debate, muito frequentemente, cinge-se a
artistas e obras de arte produzidas por pessoas do sexo masculino. dor/a ser ator/atriz e ensaiar a transformação da sua realidade;
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ou mesmo a arte coletiva e popular, cujos produtos dependem tanto do ponto de vista individual como para a transformação
da confluência de várias pessoas. social. Maxine Greene é um/a dos/as autoras que enfatiza o pa-
Todavia, importa-nos neste texto abordar a arte como uma fer- pel da imaginação: “de todas as nossas capacidades cognitivas,
ramenta pedagógica e dialógica, tal como a educação o era para Paulo a imaginação é aquela que nos permite acreditar em realidades
Freire: a arte que inclui, a arte que move e promove transformação. alternativas, proporcionando a rutura com o que tomamos
Para alguns/umas autores/as, a arte tem cinco propósitos: por garantido, e rejeitando distinções e definições familiares”3
proporcionar beleza e com ela a esperança de que é algo pos- (1995: 3). A imaginação é, ainda, o meio pelo qual podemos
sível; assegurar uma maior racionalização dos sentimentos, construir uma ideia coerente sobre o mundo (Frank, 2011).
maior e melhor comunicação com o/a(s) outro/a(s) e o sen- Pelo facto de, como já se dissemos, a violência e desigualdade
timento de pertença; possibilitar o equilíbrio entre o que so- de género assentarem em conceções naturalizadas das relações de
mos e o que não somos ou nos falta; permitir olhar o que passa poder entre homens e mulheres, no trabalho educativo para uma
despercebido ou outras perspetivas; e constituir-se, ela própria, cidadania em igualdade e sem violência urge a sua desnaturaliza-
uma ferramenta de motivação (Alain de Botton, 2014). De fac- ção, desconstrução e imaginação de realidades sociais.
to, a arte proporciona diferentes modos de ver o mundo, sendo Maxine Greene vai mais além, afirmando que a imaginação
uma linguagem também das emoções e que recorre, não raras também entra em ação na contemplação de obras de arte, per-
vezes, a mais do que um dos sentidos, constituindo-se como mitindo-nos acordar4, isto é, desenvolver a nossa consciência
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terreno fértil, passível de uma relação dialógica. acerca de nós próprios/as, dos/as outros/as e do mundo. Laurie
Deste modo, a arte é capaz de alterar perspetivas como factos Frank (2011) também nos recorda que interagir com uma obra
não o fazem, tendo um impacto e um significado maiores para de arte permite colocar “entre parêntesis” a vida quotidiana e
quem a observa, a ouve ou a sente. Maxine Green (2008b; 2007) explorar o “reino da possibilidade imaginativa”, podendo ofere-
refere que a arte é apresentada como conhecimento essencial para cer modos de re-estruturar a nossa experiência e de re-avaliar
a abertura de novos caminhos de resistência e transformação. o nosso conhecimento. A arte é, então, uma avenida onde as
pessoas podem expandir as suas realidades vividas.
IMAGINAÇÃO E CRIATIVIDADE A imaginação é, simultaneamente, a nossa capacidade
PARA A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL cognitiva que nos permite colocarmo-nos no lugar do/a out
A arte, no Projeto ART’THEMIS, emerge em duas dimensões es- ro/a, essencial para o desenvolvimento sócio-emocional e
senciais: como auxiliar para a produção cultural e como modo de sócio-moral, expandindo a empatia na relação e interação
apreciação ou contemplação. Esta última é habitualmente desig-
nada como educação estética, essencial para permitir ultrapassar 3. No original: “Of all our cognitive capacities, imagination is the one that permits us to give credence to
alternative realities. It allows us to break with the taken for granted, to set aside familiar distinctions and
o estado individual, para unir, envolver e despertar os sentidos. definitions” (Greene, 1995: 3).
Pedagogos/as e filósofos/as da educação têm enfatizado o 4. Esta metáfora de acordar, isto é, sair de uma consciência como que adormecida, está também presente
em algumas obras de arte comprometida com a transformação social: veja-se, a título de exemplo, a obra
papel da educação artística no desenvolvimento da imaginação, Acordai, de Fernando Lopes Graça.
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humanas. A empatia é o ponto de partida para uma educação “PRODUTOS ARTÍSTICOS” DO ART’THEMIS
inclusiva, para o diálogo hermenêutico, tentando olhar pelos A dupla dimensão da utilização das ferramentas artísticas no
olhos de outras/os, ouvir por outros ouvidos e fazer um exercício Projeto ART’THEMIS concretizou-se, igualmente, em duas for-
de como outras realidades sociais poderiam (ou podem) exercer mas: por um lado, no sentido da educação estética, tivemos
impacto sobre nós. Sem a imaginação, arriscaríamos a ficar rígi- o gosto e honra de ter tido connosco excelentes artistas, que,
das/os, cristalizadas/os nas nossas próprias realidades. É também voluntariamente, trabalharam com a UMAR e com os/as ado-
por isto que bell hooks (2003) nos diz que a arte é fundamental lescentes e jovens; por outro, ao longo do ano letivo, os gru-
para pensar que é possível esperar que as práticas e atitudes opres- pos-turma foram realizando diversos produtos artísticos.
sivas possam ser positivamente desafiadas e alteradas. As parcerias com artistas efetuaram-se com Regina Gui-
Vale a pena lembrar também Vygotsky (2004; ver também marães, Capicua, os Clã, a KRIZO, a Carla Gonçalves, o pintor
Wherland, 2012) e o seu contributo para conhecermos os pro- italiano Francesco Zavattari e o Motz, o pseudónimo do artista
cessos mentais e psicológicos em que a cultura e o ambiente de arte urbana, Diogo Rua.
relacional nos quais as crianças e adolescentes se desenvolvem Os “produtos artísticos”, no Porto, em Braga e em Coimbra,
se constituem como fundamentais. Nas palavras do autor: foram diversos tal como diversos eram e são os grupos-turma.
Alguns foram realizados no âmbito das “Jornadas de Abril”
“a ideia central da arte é o reconhecimento da superação (ver cap. 7 deste manual), outros foram realizados e apresen-
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do material da forma artística ou, o que dá no mesmo, o tados localmente. Muitos deles mobilizaram os grupos-turma
reconhecimento da arte como técnica social do sentimen- para os seminários finais (ver cap. 8, deste manual). Outros,
to. (…) A arte está para a vida como o vinho está para a ainda, foram realizados utilizando o Teatro Fórum (ver cap.
uva (…) a arte recolhe da vida o seu material, mas produz 6 deste manual). Para não repetir, descrevemos, em seguida,
acima desse material algo que ainda não está nas proprie- sucintamente, alguns “produtos artísticos” que não são referi-
dades desse material.” (…) “A arte é o social em nós, e se dos nos capítulos mencionados, para realçar a criatividade, a
o seu efeito se processa em um indivíduo isolado, isto não imaginação de adolescentes e jovens, assim como a importân-
significa, de maneira nenhuma, que suas raízes e essência cia das parcerias com artistas.
sejam individuais” (1999: 3, 308 e 315).
“Vem Pintar a Liberdade”
Vygotsky dedicou parte do seu trabalho à reflexão sobre a im- Painel elaborado por jovens do 5º ano de um agrupamento de es-
portância da arte no desenvolvimento psicológico individual, pela colas do distrito de Braga, refletindo sobre a discriminação, o di-
relação complexa entre arte e realidade, pelas potencialidades que reito à liberdade, à igualdade, à felicidade e convida à participação
dá à pessoa humana de contribuir para a humanização do mundo. de todos e todas. Este foi um trabalho coletivo que recorreu a dife-
rentes artes plásticas e resultou num vídeo em Stop Motion edita-
do pela Carla Gonçalves e com a música “Arco-Íris” dos Clã, com
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letra de Regina Guimarães, tendo sido pedido autorização para “Pingue-pongue”


tal. Foi apresentado pela primeira vez no I Encontro ART’THEMIS. Teatro Fórum criado por jovens do 7º ano de um agrupamento
de escolas do distrito de Braga, a partir de um problema viven-
“Eclipse” ciado pelos/as próprios/as na escola: o uso pleno de alguns equi-
Vídeo em Stop Motion refletindo sobre o ciúme, a violência, a pamentos da escola, nomeadamente a mesa de pingue-pongue. A
felicidade, o respeito da diversidade e dos direitos. Tendo sido sua apresentação possibilitou debater as desigualdades de género
todo ele produzido por jovens do 5º ano de agrupamento de e a violência no contexto escolar, a vários níveis, e através da dis-
escolas do distrito de Braga, complementa a criação de uma cussão, tentar chegar a modos alternativos de agir e pensar por
história, artes plásticas, artes visuais e cuja edição final ficou a parte de todos/as os/as intervenientes da comunidade escolar.
cargo da Carla Gonçalves. Este foi apresentado pela primeira vez Foi apresentado no I Encontro ART’THEMIS e posteriormente
no I Encontro ART’THEMIS. apresentado em sessão plenária na própria escola.

“Gangue da liberdade” “A minha família é a melhor do mundo. E a tua?”


Performance com jovens do 7º ano de um agrupamento de esco- Leitura dramatizada de excertos deste livro por jovens do 8º ano
las do distrito de Braga e que alia a expressão corporal ao teatro, de um agrupamento de escolas do distrito de Braga, e que re-
sendo acompanhada por parte das músicas da Capicua, “Medu- flete sobre os direitos das crianças, direitos humanos, da diversi-
|92| sa” e “Maria Capaz”. Refletindo o tema da Violência de Género, dade de estruturas familiares e de culturas. Foi apresentada pela |93|
as imagens construídas coletivamente alertam para aspetos im- primeira vez na biblioteca para crianças mais novas do próprio
portantes da escalada da violência, das consequências da violên- agrupamento e posteriormente no II Encontro ART’THEMIS.
cia sobre as vítimas, da importância do combate à violência e da
participação de todos e todas. Foi apresentada pela primeira vez “Tango da desigualdade”
no I Encontro ART’THEMIS. Vídeo criado e editado por jovens do 11º ano de uma escola se-
cundária do distrito de Braga e que revela a desigualdade e vi-
“Tribunal dos direitos das mulheres” olências ainda vividas pelas mulheres, apelando à necessidade de
Performance teatral que revela as contradições entre os direitos mudança e participação. Este vídeo venceu o Concurso de Ideias
das mulheres e factos reais ou estatísticas existentes numa en- para uma campanha nacional da eliminação da violência contra
cenação de um tribunal. Esta foi criada por jovens do 7º ano de as mulheres promovido pela CIG e apoiado pela Direção Geral
um agrupamento de escolas do distrito de Braga, recorrendo à da Educação. Foi apresentado no II Encontro do ART’THEMIS.
técnica do Teatro Jornal, e questiona o porquê de ainda falarmos
nos direitos das mulheres, apontando para a violação desses di- “Violência gera violência”
reitos e a existência de desigualdades de género na atualidade. Performance por jovens do 8º ano de um agrupamento de esco-
Foi apresentada pela primeira vez no I Encontro ART’THEMIS. las no distrito de Braga, e que alia música, teatro e expressão cor-
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poral, refletindo sobre diferentes formas de violência e suas con- A segunda parte da dramatização passa-se com a vítima no ciclo da
sequências. A sua apresentação envolveu desde a criação coletiva violência, a ficar isolada dos/as amigos/as e inicia-se uma dança
de uma letra rap ao trabalho da interpretação teatral e musical. com a música Medusa da Capicua, onde a vítima, isolada no cen-
A interpretação musical contou com o paio de uma professora, tro do palco, vai assistindo às pessoas a acusar (apontar o dedo),
como maestrina. Foi apresentada no II Encontro ART’THEMIS. a voltar as costas, a silenciar e, a cada pessoa que se voltava para
pedir ajuda, tinha as costas voltadas, tendo ficada fechada num
“O nosso bairro” círculo de pessoas indiferentes. Finalmente, o círculo abre-se e
Conjunto de painéis desenhados coletivamente por jovens do 5º cada personagem dá um sinal de apoio à vítima (olhando, to-
ano de um agrupamento de escolas do distrito de Braga, refletin- cando, aproximando-se) até que a vítima rompe o círculo, vai
do como seriam os seus bairros, garantindo os direitos de todas para a boca de cena e fica por um momento só, até que todos/as
e todos. Estes painéis resultaram numa ferramenta tecnológica personagens se juntam a ela.
interativa sobre os direitos das crianças com a colaboração de
um professor. Na sua apresentação, no II Encontro ART’THEMIS, “Igualdade de género e direitos das mulheres”
ainda foi interpretada a canção “Duerme Negrito”. Desenho elaborado em stencil e técnicas de graffiti, em que o gru-
po-turma, do distrito do Porto, quis criar um conjunto de painéis
“Direitos Humanos – cinco valores fundamentais” sobre a Igualdade e a Liberdade para compor um desenho con-
|94| Este trabalho foi realizado partindo de 5 grupos de alunos/as do junto dos temas que consideravam mais relevantes e necessários |95|
distrito de Coimbra que se juntaram e desenvolveram um dos para que se conseguisse respeitar os direitos humanos, direitos das
cinco valores fundamentais. Após o trabalho de cada grupo ter- mulheres e se contribuísse para a igualdade de género.
minado, alguns/mas alunos/as fizeram a edição final do vídeo. Organizaram-se em pequenos grupos para debater e pesquisar os
temas que queriam trabalhar e, em seguida, fazerem um desenho
“Violência no namoro” que expressasse ou um problema e uma proposta de resolução,
Dramatização e dança decididas pelo grupo-turma, numa escola do ou um contributo importante para a igualdade e a liberdade.
distrito do Porto. Este grupo-turma decidiu trabalhar os temas da Após a seleção definitiva pelo grupo-turma, os vários grupos de
violência doméstica e da violência no namoro, de forma a ilustrar jovens trouxeram os seus desenhos e realizou-se um workshop de
conceções de amor, relações saudáveis, não saudáveis e abusivas e stencil e graffiti com a colaboração do artista de arte urbana, Diogo
alertar para a culpabilização da vítima. Rua (Motz). Os desenhos selecionados foram as reivindicações dos/
Escreveram uma pequena dramatização sobre violência no namoro, em as jovens sobre as pressões de género que limitam a liberdade, no-
que, a partir de uma história de amor, começavam a surgir situações meadamente a ideia de “perfeição” que se coloca às raparigas, mais
de controlo e abuso. Para além do casal, o grupo-turma representou especificamente sobre o corpo delas e as conceções de beleza e o
um grupo de amigos/as, sendo que alguns/mas não se apercebiam sofrimento que essas pressões trazem.
das situações de abuso e violência, e outros/as tentavam intervir, Do trabalho de pesquisa, a turma escolheu representar o processo
sem sucesso, até que a vítima entrava no ciclo da violência. de tribunal das “Três Marias” – Maria Teresa Horta, Maria Isabel
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Barreno e Maria Velho da Costa – acusadas, durante o Estado “Tu és mais forte: violência entre pares”
Novo, de terem escrito as Novas Cartas Portuguesas, atentatório Vídeo realizado por jovens de 14 e 15 anos sobre o tema violência
contra a moral pública e os bons costumes. A turma ficou mui- entre pares, apresentado no I Encontro ART’THEMIS. Esta turma do
to impressionada com a história e com a contextualização da 8ºano, do distrito do Porto, realizou filmagens sobre violência entre
evolução dos direitos das mulheres em Portugal, nomeadamente pares e escreveram mensagens positivas para jovens que são ou foram
através da partilha e comentário de uma entrevista a Maria Te- vítimas deste tipo de violência.
resa Horta, e quiseram homenagear as autoras e relembrar o que Para passarem uma mensagem positiva às vítimas, escolheram a música
há a fazer em prol da igualdade de género, e, por esse motivo, “Tu és mais forte” do Cantor Boss AC para dar musicalidade ao vídeo.
colocaram as escritoras a clamar que “É Tempo de Igualdade”. A
imagem representa uma mulher presa numa caixa de vidro da “Dare to be different”
qual não tem consciência. Vídeo realizado por jovens do 7ºano de escolaridade do distrito
do Porto, e que se constituiu como produto final do I Encontro
“Perfect” ART’THEMIS. Foram realizadas filmagens sobre violência, en-
Dança criada por jovens de um grupo-turma do 7ºano, do dis- treajuda e solidariedade, de modo a passar a mensagem de que
trito do Porto, da música Perfect da cantora Pink. Esta música deve de haver respeito entre todas as pessoas porque é com as di-
foi escolhida pelos/as jovens para transmitir a mensagem que ferenças que se aprende a ser mais unido, tal como refere a música
|96| as pessoas devem respeitarem-se a si mesmas e respeitarem as escolhida pela turma “Dare to be different” de Rachael Lynn. |97|
diferenças das outras pessoas. Esta dança foi apresentada no I
Encontro ART’THEMIS no final do ano letivo 2014/2015. “Direitos das crianças: para um mundo melhor”
Representação de todos os desenhos elaborados numa atividade
“Desconstruir estereótipos de género” com crianças do 1º ciclo do ensino básico, no distrito do Porto,
Teatro realizado por jovens de um grupo-turma 8º ano, do dis- sobre os direitos das crianças, no ano letivo 2014/2015. O gru-
trito do Porto, sobre o tema estereótipos de género, apresentado po-turma foi dividido em pares e cada par desenhou a sua conceção
no I Encontro ART’THEMIS. Este grupo- turma, numa das ses- em relação a um direito trabalhado.
sões, viu um vídeo sobre estereótipos de género e, no decorrer
do debate do mesmo, surgiu a ideia de fazerem um teatro com “Direitos humanos, existem?”
o objetivo de desconstruir os estereótipos de género e também Teatro realizado por participantes do 8º ano de escolaridade, no
com o intuito de transmitir a mensagem de que todas as pessoas Porto, apresentado no II Encontro ART’THEMIS. O grupo-tur-
são diferentes no modo de agir e de pensar que não estão relacio- ma escolheu este tema de modo a demonstrar as problemáticas
nadas com as características biológicas. sociais que estão a decorrer neste momento (refugiados, fome,
violência doméstica, entre outros) para passar a mensagem de
que os direitos humanos devem de ser respeitados por todos/as.
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“Homohistória” “Cyberbullying: uma realidade virtual”


Música criada por um grupo-turma de 8º ano, do distrito do Vídeo realizado por um grupo-turma de 9º ano, no Distrito do Por-
Porto, como produto final para o II Encontro ART’THEMIS. A to. Este tema foi o escolhido para os/as participantes explorarem
letra foi escrita com o objetivo de abordar os dois temas que a outras formas de violência entre pares. Assim, dada a importância
turma mais gostou durante o desenvolvimento do Projeto: Ho- que os/as jovens dão às redes sociais e tecnologia, o grupo-turma
mofobia e Violência. achou que seria um tema que poderia alertar os/as participantes
do Seminário sobre as consequências do cyberbullying.
“Respeita-te e respeita-o/a”
Coreografia criada por crianças de 11 e 12 anos, do 6º ano de “Direitos das crianças e estereótipos de género: ideias e pensamentos”
um grupo-turma do distrito do Porto. A música escolhida foi Manta criada com desenhos das crianças do 1º ciclo do Ensi-
Firework da cantora Katty Perry, pois a mensagem que a turma no Básico, no ano letivo 2015/2016. Os desenhos feitos pelas
do 6ºano queria passar através da dança é de que todas as pessoas crianças representam o que o grupo-turma aprendeu sobre as
são diferentes, mas essas diferenças devem ser respeitadas e que temáticas do Projeto dinamizadas nesse ano letivo: Direitos das
nenhuma pessoa deve ser vítima de descriminação nem violên- Crianças e Estereótipos de Género.
cia. A dança foi apresentada no II Encontro ART’THEMIS em que
uma criança da turma cantou a música escolhida enquanto os/as NOTA FINAL
|98| restantes colegas dançaram a coreografia. As ferramentas artísticas, no Projeto ART’THEMIS, são utiliza- |99|
das com uma dupla finalidade - permitir contemplação, edu-
“Violência é…” cação estética, e proporcionar tempo e espaço para a desnatu-
Peça de teatro sobre violência no namoro por jovens do 8º ano de um ralização da violência e desigualdade de género e construção
grupo-turma do distrito do Porto. Esta peça foi criada e foi desen- de visões de um futuro de igualdade sem violência. Atravessam
volvida ao longo das sessões do segundo ano do Projeto ART’THE- todo o Projeto e vão sendo trabalhadas ao longo do ano letivo,
MIS. Os/as jovens escolheram o teatro, pois no desenvolvimento do com os diferentes grupos-turma.
projeto já tinham experimentado dança, fotografia e vídeo. Privilegia-se o processo de questionamento, reflexão, con-
ceção e produção, e não tanto uma abstrata noção de ‘qualidade’
“Foto-estória: violência no namoro”. artística. A diversidade dos “produtos artísticos” mostra a criati-
História elaborada e realizada com fotografias sobre violência no vidade das/os nossas crianças, adolescentes e jovens e denota, si-
namoro, por um grupo-turma do 8º ano, do Distrito do Porto. Foi multaneamente, a diversidade cultural e social dos grupos-turma.
apresentada no II Encontro ART’THEMIS, com o intuito de mostrar Não foi possível descrever todos os “produtos artísticos”, nem
as consequências que a violência no namoro pode trazer à vítima e dar conta da alegria, dos obstáculos, das aventuras que é “meter
transmitir a mensagem de que há ajuda a que a vítima pode recorrer. mãos à obra” para a construção de um mundo diferente, mais
igualitário, mais justo para todas e para todos. Ficam, aqui descri-
tos, apenas alguns exemplos.
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

Ficam as nossas memórias e os registos fotográficos e vídeos HOOKS, bell (1995). Art on my mind: Visual politics. New York, NY: The Vintage Press.
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Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

6. TEATRO DO/A OPRIMIDO/A:


O TEATRO FÓRUM COMO PROCESSO
DE CONSCIENTIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO COM JOVENS
ALEXANDRA RODRIGUES | INÊS BARBOSA | TATIANA MENDES

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INTRODUÇÃO
O Teatro do/a Oprimido/a (TO) poderá constituir uma ferra-
menta pertinente para que jovens possam problematizar situ-
ações quotidianas de opressão, frequentemente naturalizadas,
encontrando soluções alternativas para ação. Procuraremos
aqui apresentar o Teatro Fórum (TF) enquanto técnica do Tea-
tro do/a Oprimido/a, revelando o interesse que o seu uso terá
na prevenção primária da violência de género, em particular no
trabalho com jovens, e o seu paralelismo com a metodologia de
Projeto do ART’THEMIS da UMAR. Finalmente, falaremos de
uma peça de TF sobre violência no namoro que apresentámos
em alguns momentos no âmbito do ART’THEMIS.
O Teatro do/a Oprimido/a (TO) consiste num conjunto de
jogos, exercícios e técnicas teatrais, através do qual se pode ex-
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Construir a Igualdade

plorar e refletir sobre diferentes opressões vividas, mais ou menos Reconhece-se no TO a influência de Brecht, que propunha o
naturalizadas. Para Augusto Boal é “o apoio decidido do teatro às teatro como arma de conscientização e politização, não procuran-
lutas dos oprimidos” (2010: 15), o que define o TO, “não são tanto do envolver o/a espectador/a num mar de emoções e de identifi-
as suas técnicas, mas sobretudo a sua poética, o seu compromisso cação com o/a personagem, nem sentir o drama como algo real,
estético e o seu posicionamento político” (Soeiro, 2013: 29). mas antes transformá-lo/a em observador/a participante, des-
É a Augusto Boal (1931-2009) que se atribui a génese do TO. pertando a sua ação e levando-o/a a tomar decisões. Da mesma
Todavia, este salienta que o TO “não foi inventado por uma só forma, o TO procura transformar o/a espectador/a em protago-
pessoa”, “não nasceu num determinado momento ou num deter- nista, passando de consumidor a produtor de cultura.
minado país”, sempre existiu “em matizes diferentes” (1980: 23). À semelhança do teatro épico e das peças didáticas de Brecht,
Este método inspira-se no teatro popular e no agitprop (teatro de em que não se ensinava propriamente “como se deveria fazer a
agitação e propaganda). A sua inovação, como refere Boal (1980), revolução, mas, sim, a explicitação do que bloqueava a revolução”
é a sua sistematização, o seu inter-relacionamento e a pesquisa. (Rocha et al., 2015), no TO, busca-se a transformação, procuran-
O TO surge no fim da década de 1960, num contexto de dita- do-se representar o mundo contemporâneo e transformar o teatro
dura no Brasil, como um teatro de intervenção política, educativa, num instrumento de compreensão dos problemas sociais, não
cultural e social, razão pela qual Boal se vê obrigado a exilar, aca- apresentando soluções para os problemas.
bando por desenvolver grande parte das técnicas e dos princípios
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do TO noutros países da América Latina e da Europa. A ÁRVORE DO TEATRO DO/A OPRIMIDO/A:
Ao longo de aproximadamente três décadas, a metodologia foi METÁFORA DA TRANSFORMAÇÃO
crescendo e disseminando-se, adaptando-se aos diversos objetivos Augusto Boal sistematiza o TO numa árvore1. A
e conjunturas, constituindo-se hoje num corpo de jogos, exercícios Estética do/a oprimido/a procura desenvolver uma
e técnicas, coerente e maleável. O TO é amplamente utilizado em compreensão do mundo através do teatro e das ar-
diferentes áreas e contextos, com várias abordagens e apropriações, tes em geral, tendo a palavra, a imagem e o som
nomeadamente, ao nível político, social e cultural. Daí que, enquan- lugares centrais nesse processo. Além dessa com-
to objeto de investigação e de intervenção social, seja fundamental preensão, busca-se a transformação para um mun-
existir um posicionamento teórico que alimente a vigilância crítica do melhor, a partir dos/as próprios/as oprimidos/
em relação ao TO (Barbosa, 2016: 18): um TO que seja feito não só as, com o apoio e a solidariedade de aliados.
para os/as oprimidos/as, mas pelos/as oprimidos/as. No tronco, encontramos os diferentes jogos e
Estando associado a diferentes lutas e movimentos soci- exercícios, assim como o Teatro Imagem, essenciais para o tra-
ais, podemos encontrar grupos, por todo o mundo, a título de balho com TO. Estando assente no solo, o tronco bebe da ética, da
exemplo: no Brasil, a Brigada Nacional de Teatro do Movimen- solidariedade, da filosofia, da história, da economia e da política
to dos Sem Terra; nos Estados Unidos, o grupo Off the Hook; que, por sua vez, são base e guia desta árvore e da “seiva que ali-
no Uruguai, o GTO-Montevideo; em Espanha, o Forn de Teatre menta a grande árvore do TO” (Boal, 2008: 188). Do tronco par-
Pa’tothom; na Índia, o Jana Sanskriti. 1. Ver figura 1 em: http://sketchnerd.blogspot.pt/2016/02/arvore-do-teatro-do-oprimido.html
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Construir a Igualdade

tem os ramos e as folhas, representando as técnicas que foram criadas rais e nos quais há um interlocutor, Boal propõe sobretudo uma
e desenvolvi das ao longo do tempo: o Teatro Fórum, o Teatro Jornal, combinação de ambos - joguexercícios (2009: 87), não preten-
o Teatro Invisível, o Teatro Legislativo e o Arco-íris do Desejo. dendo com estes apenas o aquecimento, mas considerando antes
O TO não termina nas técnicas ou no final de uma oficina uma parte importante do processo:
ou de uma atividade, podendo surgir ações concretas e conti-
nuadas - ações diretas - ao nível individual e social, deixando “Cada exercício já contém um questionamento da
as sementes para a multiplicação e transformação social. O TO, máscara social do participante, máscara que depende
em todas as suas formas, busca a transformação da sociedade no dos rituais sociais nos quais ele se envolve, rituais que
sentido da libertação dos/as oprimidos/as. É ação em si mesmo o determinam e que, em última instância, são analisa-
e é preparação para ações futuras (Boal, 2010: 19). Os frutos que dos, debatidos e questionados na imagem, no foro e na
caem no solo e se reproduzem são a estratégia de difusão e mul- extrapolação para a vida real” (1980: 33).
tiplicação. Como refere Boal, “a sinergia criada pelo TO aumenta
o seu potencial transformador, na medida em que se expande e Constituindo um instrumento pedagógico de discussão de
entrelaça diferentes grupos de oprimidos: é preciso conhecer, não problemas sociais, permite conhecer a realidade, analisá-la e ver
apenas as suas próprias, mas também as opressões alheias. A Soli- para além daquilo que está naturalizado, e ensaiar estratégias de
dariedade entre semelhantes é parte medular do TO” (2010: 16), e se ação que sejam possíveis estratégias de libertação de opressões
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a ética nos coloca como aliados dos grupos e indivíduos oprimidos/ concretas. Deste modo, “o objetivo dos exercícios é o de nos ajudar
as, a solidariedade faz com que também participemos nessa luta. a ver aquilo que olhamos” (Boal, 1980: 34), desocultar aquilo que
Do mesmo modo, o ART’THEMIS, através da consciencialização e a está por detrás da ideologia dominante, daquilo que é aparente-
conscientização dos/das participantes, busca o seu protagonismo na mente natural. O mesmo é proposto nas sessões do ART’THEMIS,
mudança social, procurando não terminar nas sessões. nas quais se procura refletir com os/as jovens sobre as desigual-
dades de género e das diferentes formas de violência de género, os
JOGOS, EXERCÍCIOS E TEATRO IMAGEM: estereótipos de género em que são socializados/as, sobre o que as
FERRAMENTAS DE PESQUISA E (DES)CONSTRUÇÃO naturaliza e as sustenta, para as podermos erradicar.
Os jogos, “metáfora da realidade” (Boal, 2010: 188), situam-se na Os jogos e os exercícios têm também como função a desme-
base do tronco da árvore pelas suas características semelhantes canização do corpo e da mente impregnada de uma visão do mun-
às da sociedade, já que, como refere Boal (2010: 16), “possuem do, resultado do ambiente sociocultural em que cada pessoa está
regras, como a sociedade possui leis, que são necessárias para inserida, “facilitam e obrigam a essa de mecanização sendo, como
que se realize, mas necessitam de liberdade criativa para que o são, diálogos sensoriais onde, dentro da disciplina necessária, exi-
Jogo, ou a vida, não se transforme em servil obediência”. gem a criatividade que é a sua essência” (Boal, 2010:16).
Distinguindo os exercícios enquanto monólogos corporais Assim como nos jogos e exercícios, o Teatro Imagem é usa-
que suscitam reflexão, dos jogos que constituem diálogos corpo- do como ferramenta de pesquisa e desconstrução. Neste, a pala-
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

vra perde protagonismo para que se possam desenvolver outras concretas de intervenção na realidade. Depois de apresentado o
formas de perceção, trabalhando-se principalmente a partir da problema, o/a curinga , enquanto mediador/a, quebra a quarta
expressão não-verbal. Sem abdicar totalmente da palavra, usa- parede que separa o público dos atores e das atrizes, convidando
se o corpo, a expressão facial, objetos, fotografias, entre outros. os/as espect-atores/atrizes a entrar em cena, a usar a palavra e o
Nas sessões do ART’THEMIS, a implementação de qualquer uma corpo e a representar teatralmente a proposta de solução para o
destas ferramentas e técnicas poderão servir de pesquisa e des- problema em questão.
construção do discurso/da ordem dominante de género e como O processo dialógico proposto pelo TF alarga-se assim para
este se reproduz, não raras vezes de forma mais imediata entre o momento do fórum e relação entre atores/atrizes, curinga2
os/as jovens, por focarem outras formas de linguagem. e espect-atores/atrizes. É nesse diálogo entre todos/as que se
procuram e discutem alternativas. Em cada intervenção dos/
TEATRO FÓRUM: ENSAIO DA TRANSFORM-AÇÃO as espect-atores/atrizes, surgem propostas e estratégias de res-
Importa agora focarmos o centro da árvore do TO, na qual encon- olução do problema, sugerindo soluções possíveis, servindo
tramos o Teatro Fórum, a forma de TO mais difundida e “talvez como um ensaio para transformação dessa realidade e não ape-
a forma de TO mais democrática” (Boal, 2010: 19), uma vez que nas pelo teatro com o fim em si mesmo: “o espetáculo é o início
esta dramaturgia assenta num processo dialógico e é a partir das de uma transformação social necessária e não um momento de
opressões vividas pelas pessoas do grupo que é construída. equilíbrio e repouso. O fim é o começo!” (Boal, 2010: 19).
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No TF, põe-se em cena um problema social e político para É assim proporcionado um espaço de preparação para a ação
se construir um debate entre todas as pessoas presentes, fazen- na vida real e um espaço de reflexão pelo qual se busca também nas
do dele um ensaio da ação coletiva. Esse problema é explorado sessões do ART’THEMIS: “quando o espectador/a procura soluções
ao nível macro – nível estrutural – também quando se trata de para o problema e substitui o personagem, sua auto-ativação, seu
uma situação concreta entre duas pessoas. Procura-se assim evi- desejo de extrapolar para a vida real a ação que ensaia no espetáculo
tar uma abordagem simplista individualista do problema, mas fazem com que esse ensaio já seja parte da ação a ser realizada no
ter antes uma compreensão mais ampla, soluções abrangentes futuro” (Boal, 1980: 24). Como refere Boal, o “TO é ensaio para a
e não limitadas àquele conflito em particular. Para Boal, “não realidade - intervenção concreta no real” (2008: 185).
devemos descer às suas singularidades, conjunturais, mas su-
bir ao estrutural: do fenômeno à lei que o rege, às suas causas” O TEATRO FÓRUM: UMA PEDAGOGIA
(Boal, 2008: 189). Procurar identificar, em cada problema, o que DIALÓGICA PARA A CONSCIENTIZAÇÃO?
é comum à condição de opressão que o mesmo trata, uma vez O Teatro e a Estética do Oprimido são de natureza educativa e
que a opressão não é uma característica individual, mas sim pedagógica (Boal, 2005: 245), assentes numa perspetiva freirea-
algo que se define pelas relações de poder estabelecidas na so- na, sendo pilar da metodologia do ART’THEMIS. Tanto para Boal
ciedade. Aquando a dramatização do TF, são apresentados dese- como para Freire, a tomada de consciência da condição de opressão
jos, necessidades e opiniões, para que seja possível ensaiar ações é feita através de um processo dialógico, um processo no qual to-
2. No TF, o/a curinga é o/a facilitador/a do fórum, mediando a relação entre o palco e o público.
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Construir a Igualdade

dos/as são participantes ativos e não meros recetores de conteúdo. Procura-se no TO, enquanto processo de conscientização,
Se para Freire, a educação para a liberdade, fundamentada na a transição entre uma consciência adquirida pela social-
teoria da ação dialógica, não poderá depositar a libertação nos/nas ização da ideologia dominante, em que a pessoa oprimida vive
educandos/as, já que “o pensar do educador somente ganha auten- espontaneamente a realidade em que está inserido, para uma
ticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados consciência crítica, na qual a pessoa oprimida reflete sobre as
ambos pela realidade, portanto, na intercomunicação” (Freire, 2003: relações de causa e circunstância entre os factos e que o levam a
64), também no TF, não há uma dicotomia entre educador/a-edu- agir. Para Paulo Freire (1977: 32), o processo de conscientização
cando/a, não há um/a emissor/a e um/a recetor/a passivo/a, ambos/ implica não só a apreensão da realidade, mas também a com-
as são sujeitos/as do processo educativo. preensão do papel que as próprias pessoas poderão ter na pro-
A pedagogia libertadora é, para Paulo Freire, um instrumento dução da mesma. Do mesmo modo, nas sessões do ART’THE-
para uma descoberta crítica, um instrumento político para a luta MIS procura-se olhar para os estereótipos e binómios de género
pela libertação: “[p]edagogia que faça da opressão e de suas causas em que somos socializados/as para compreender (e combater)
objeto da reflexão dos[as] oprimidos[as], de que resultará o seu as desigualdades e violência de género.
engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta
pedagogia se fará e refará” (2006: 32). A prática da liberdade at- O TEATRO FÓRUM
ravés da educação implica que, nessa pedagogia, a pessoa oprimi- NA PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA:
|110|
da tenha condições para descobrir e refletir sobre a sua condição UMA EXPERIÊNCIA COM JOVENS |111|

socio histórica. No entanto, o processo de conscientização só po- Para a dinamização de algumas ações de sensibilização sobre
der-se-á desenvolver se as pessoas oprimidas se envolverem na sua violência no namoro à comunidade educativa, o ART’THEMIS,
própria libertação e, para isso, a reflexão sobre a realidade não é com a colaboração da KRIZO, propôs uma peça de TF sobre este
suficiente, já que a praxis de transformação, segundo Paulo Freire, tema a dois Agrupamentos de Escolas do distrito de Braga e ao
implica reflexão e ação sobre a realidade para a transformar, ser II Encontro ART’THEMIS. Esta peça tinha sido fruto de uma ofi-
sujeito ativo na sua história, presente e futura. cina em contexto escolar sobre (Des)Igualdade de Género e na
Esta praxis vai ao encontro do que podem ser considerados qual um grupo de jovens partilhou experiências em que havia
os objetivos do TF e que “parecem condensar as característi- identificado situações de violência e/ou desigualdade de géne-
cas do teatro-fórum enquanto instrumento para uma cidadania ro e, a partir da partilha, em pequeno grupo, posteriormente se
democrática. Visibilizar um determinado problema social e políti- preparou duas peças de TF. Na peça de TF sobre violência no
co; conscientizar através do debate e análise coletiva e mobilizar, a namoro observava-se uma escalada da violência por parte de
partir do ensaio de estratégias e resistências” (Barbosa, 2016: 285). um namorado para com a sua namorada que, depois de algumas
Partilhando desta praxis, o ART’THEMIS procura desenvolver tentativas para acabar com a violência, se vê sem apoio familiar,
estratégias para o envolvimento e compromisso dos/das jovens. dos/as amigos/as e na escola, sem saber o que fazer.
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As várias apresentações realizadas constituíram oportuni- tando um posicionamento ativo e crítico, condição basilar para
dades para identificar algumas formas de violência, a escalada e a prevenção primária da violência de género.
o ciclo da violência, discutir as razões, o porquê destas situações
acontecerem e qual a raiz do problema, nas quais foram sugeri- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
das alternativas, ensaiadas ações concretas em cima do palco ao BARBOSA, Inês (2016). Crise, austeridade e ação coletiva: Experiências de aprendizagem crítica com
Teatro do Oprimido. Braga: Universidade do Minho.
substituírem as oprimidas, perceber qual a possibilidade ou não
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de se encontrarem pessoas aliadas.
Ao Contrário. Coimbra: Centelha.
A cada tentativa, procurou-se perceber o que trazia essa BOAL, Augusto (1980). Stop: C’est magique! Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
proposta de novo e se, com ela, algo mudava. Em simultâneo, BOAL, Augusto (2009). A Estética do Oprimido. Fundação Nacional das Artes, Rio de Janeiro: Garamond.
eram trazidas pelas curingas informações relevantes sobre BOAL, Augusto (2010). Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
aquelas situações e, sempre que possível, a partir dos conheci- FREIRE, Paulo (1977). A mensagem de Paulo Freire: teoria e prática de libertação. Porto: Editora Nova Crítica.
mentos das/dos participantes: procurando acrescentar dados FREIRE, Paulo (2003). Pedagogia do oprimido. (36ª Ed.) São Paulo: Editora Paz e Terra.
estatísticos, dar a conhecer mecanismos e estruturas de apoio e ROCHA, Eliene, VILLAS BÔAS, Rafael, PEREIRA, Paola & BORGES, Rayssa A. (Orgs.) (2015). Te-

aspetos legais (há alguma lei que legisle este tipo de situações?, a atro político, formação e organização social: avanços, limites e desafios da experiência dos anos 1960 ao
tempo presente. Caderno 4. São Paulo: Outras Expressões.
violência no namoro é crime público,...). Por outro lado, quan-
SOEIRO, José (2013). Teatro de quem, ensaio de quê? Dilemas do teatro do Oprimido. In Teatro do
do terminados os eventos, o grupo de TF e os/as participantes
|112| Oprimido: teorias, técnicas e metodologias para a intervenção social, cultural e educativa no século |113|
podem prolongar os fóruns para seus pares, suas famílias, para XXI. Pereira, J.D.L., Vieites, M.F., Lopes, M.S. (Coords.). Chaves: Intervenção.
diferentes espaços, podendo os/as próprios/as intervir de forma
mais crítica na sua realidade e transformá-la.

NOTA FINAL
Assumindo a metodologia de projeto do ART’THEMIS da UMAR
como estando assente numa pedagogia feminista dialógica e que
privilegia a conscientização e o protagonismo dos e das jovens
para a mudança social, cremos que o Teatro do Oprimido e, em
particular o Teatro Fórum, poderão ser ferramentas pertinen-
tes para essa conscientização: a passagem de uma consciência
da realidade na qual se está inserido/a, fruto da socialização
da ordem dominante, vivida espontaneamente, para uma con-
sciência crítica, possibilitando que os/as jovens problematizem
situações quotidianas de opressão e que estão frequentemente
naturalizadas, encontrando soluções alternativas para ação, ado-
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

7. JORNADAS DE ABRIL: PREVENÇÃO


DA VIOLÊNCIA E CONSTRUÇÃO DA IGUALDADE
JOANA CORDEIRO

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As Jornadas de Abril do Projeto ART’THEMIS constituíram um


conjunto de atividades colaborativas e de criação em rede em tor-
no do lema “Não há Liberdade sem Igualdade”, em que foi apli-
cada a estratégia educativa do Programa de Prevenção da UMAR
de uma forma articulada e complementar, nos três distritos que
implementaram o ART’THEMIS - Coimbra, Braga e Porto.
No decorrer das jornadas, a equipa da prevenção da violên-
cia da UMAR foi dinamizando sessões formativas focadas nos
Direitos Humanos, a liberdade, a igualdade de género e a pre-
venção da violência. Paralelamente, foi-se criando uma rede
de participação ampla que iria envolver estudantes, docentes e
famílias na apresentação de trabalhos de alunas e alunos.
Simultaneamente, o Projeto ART’THEMIS preparou even-
tos para realizar fora da escola com o objetivo de envolver a
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

sociedade civil na promoção da igualdade e na prevenção da históricos, imagens, etc., para que os/as jovens pudessem, por um
violência de género. Para tal, convidou o artista plástico italia- lado, compreender a natureza do desafio que lhes era colocado e,
no Francesco Zavattari para colaborar nas Jornadas de Abril. por outro, escolher dentro dos temas da promoção da igualdade
Usando meios de comunicação e estruturas culturais, foram di- de género, aquele(s) que mais os motivavam para criar um mural/
vulgados e apresentados os trabalhos artísticos e as mensagens mosaico coletivo onde se reunissem as várias participações.
dos e das estudantes, juntamente com as obras de arte de Za- Nas escolas de Coimbra, os contributos centraram-se na
vattari, de forma a amplificar o impacto do trabalho realizado. preparação dos alicerces para outros eventos que se iriam desen-
Assim, as Jornadas de Abril foram uma campanha de promoção rolar nas escolas do Porto e Braga, no dia 24 de abril de 2015, ten-
da igualdade, liberdade e prevenção da violência através da uti- do adotado o papel da preparação da componente de enquadra-
lização da arte como forma de expressão, empoderamento e mento histórico e lançamento do mote/lema: por um lado,
mecanismo de mudança, tanto do ponto de vista da autoex- reencenaram passos da revolução de Abril de 1974, por outro,
pressão dos/as participantes, como através da participação e fizeram trabalhos sobre as restrições à liberdade, a desigualdade
fruição em live painting performances de Zavattari. de género e formas de intervenção para a mudança.
Foi possível que as e os/as jovens conhecessem novas for- Para tal, as turmas estiveram a criar mensagens sobre o
mas de criação artística, ao mesmo tempo que se promovia a lema “Não há Liberdade sem Igualdade” para enviar para as
sua participação num evento artístico internacional, dinamiza- escolas do Porto e de Braga, de forma a motivarem os/as com-
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do tanto na forma de expressão individual como coletiva. panheiros/as, apelando à participação de todos/as na defesa
dos Direitos Humanos, da Igualdade e no combate à violência.
IMPLEMENTAÇÃO DAS JORNADAS DE ABRIL Este trabalho foi desenvolvido a partir de uma tempestade de
Foi proposto às escolas e aos grupos-turma participarem nas ideias em que cada aluno/a sugeriu uma frase sobre “Liberdade
Jornadas de Abril em sessões formativas e na elaboração de é” e/ou “Liberdade não é”.
trabalhos sob o lema “Não há Liberdade sem Igualdade”. Estas Cada grupo-turma elaborou produtos artísticos distintos:
sessões preparariam as celebrações do 25 de abril nas escolas uma turma partiu de uma tempestade de ideias em que cada
participantes do Projeto. aluno/a sugeriu uma frase sobre “Liberdade é” e/ou “Liberdade
A estratégia de implementação foi desenhada de forma a não é” e, partindo daí, elaboraram um vídeo; outra turma es-
possibilitar a articulação dos eventos numa campanha region- creveu mensagens para os/as colegas do Porto e de Braga que
al. Os grupos-turma participantes elaboraram produtos artísti- foram, posteriormente, transformadas na letra de uma música.
cos (desenhos, pinturas e cartazes) que compuseram um mural O grupo-turma escolheu os/as cantores/as e fez-se a gravação
comemorativo do 25 de abril, recuperando a tradição dos mu- da música e a realização e montagem de um vídeo.
rais de abril que coloriam o espaço público no passado recente. Especificamente numa das escolas do distrito de Coimbra,
Para a elaboração deste mural colaborativo, dinamizaram-se um dos grupos-turma pôde visitar as instalações da RUC (Rá-
sessões e apresentaram-se materiais formativos, documentos
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Construir a Igualdade

dio Universidade de Coimbra) e participar no programa 1111 Esta atividade foi desenvolvida integrando conteúdos das
de Isabel Simões, em que, aproveitando a parceria e a possibili- disciplinas curriculares e inspirado no comunicado do Movi-
dade de promover o uso educativo dos meios de comunicação mento das Forças do ART’THEMIS estilisticamente tenta repro-
de massa, a turma fez uma dramatização radiofónica. duzir a linguagem e a estrutura do documento histórico, cujo
Nesta atividade, os/as locutores/as de rádio transmitiram uma conteúdo intencionalmente subversivo e desafiador ilustra as
mensagem de alerta para a violência de género e doméstica, de pro- desigualdades de género e propõe uma intervenção coletiva.
moção da igualdade de género e apelando à (Re)construção dos
murais de abril. Após o programa de rádio, a turma realizou o vídeo
inserindo algumas imagens alusivas ao tema como imagens da visi-
ta de estudo e gravações nos estúdios da RUC – Rádio Universidade
de Coimbra – e, ainda, imagens do evento Live Painting Perfor-
mance, que teve lugar na sua escola e do mural que foi pintado por
Zavattari no recreio de uma escola do distrito de Coimbra.

AS COMEMORAÇÕES DO 25 DE ABRIL
As comemorações do 25 de abril nas escolas do ART’THEMIS
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iniciaram-se com a transmissão radiofónica do Comunica-
do do MFA – Movimento das Forças do ART’THEMIS, uma
reconstituição de um dos momentos-chave da revolução de
1974, mas passado em 2015 e adaptado à atualidade.
Os/as alunos/as relataram o ponto da situação do seu mo-
vimento para a liberdade e a igualdade, contextualizando o
Projeto ART’THEMIS, alertando para a desigualdade de género
e apelando aos/às participantes do ART’THEMIS que estavam
nas escolas - os postos de comando - e a toda a sociedade que No Porto e em Braga, após o comunicado do MFART’THEMIS
se juntasse a uma nova revolução, em que se implementasse a que marcou o sinal de que a sua revolução estava em curso, inici-
igualdade de género. aram a (Re)construção dos murais de abril, através da apresen-
O comunicado finaliza simbolicamente com um apelo à tação dos cartazes, desenhos e painéis numa escola do distrito do
reconstrução dos murais de abril. Porto ao som de performances musicais e de poesia, e da monta-
gem do painel conjunto dos trabalhos enviados das outras escolas.
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
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Os grupos-turma realizaram um brain storming de ideias so-


bre a igualdade e a liberdade de forma a selecionar temas e ideias
mais relevantes para colocar no mural sobre a liberdade. Segui-
damente organizaram-se em pequenos grupos para debater e
pesquisar os temas escolhidos. Partindo do trabalho de pesquisa,
cada grupo fez um desenho que expressasse ou um problema e
uma proposta de resolução, ou um contributo importante para as
temáticas da igualdade e da liberdade.
As propostas de desenhos foram apresentadas em plenário,
ao grupo-turma, para que se escolhessem as que iriam figurar
no painel, e para que se pudessem aprimorar com as sugestões e
propostas dos/as colegas. Após a seleção definitiva, os vários gru-
pos trouxeram os seus desenhos e realizou-se um workshop de
Ilustração 1: Comemorações do 25 de Abril stencil e grafiti orientado por Diogo Rua (Motz).
Os desenhos selecionados centraram-se sobre as reivindi-
cações dos/as jovens em relação às pressões de género que limitam
|120| Ainda numa escola do distrito do Porto, o trabalho dos gru- |121|
a liberdade, nomeadamente a ideia de “perfeição”, que às raparigas
pos-turma para o mural foi o conjunto de painéis do “Mural da
se coloca sobre os seus corpos, as conceções de beleza que apare-
Liberdade” idealizado pelos/as alunos/as. Estes painéis foram
cem com uma pressão que traz um profundo sofrimento. Também
conceptualmente pensados dentro da estética da arte urbana, do
escolheram representar as restrições à liberdade de pensamento,
stencil e do graffiti, tendo as e os estudantes contado com a cola-
nomeadamente, como instituições, pessoas e a cultura em geral,
boração do artista Diogo Rua, aka MOTZ do projeto MANIAKS,
“formatam” os/as jovens e limitam a sua autoexpressão e como as
e os temas selecionados dentro dos que foram considerados mais
barreiras invisíveis limitam e impedem as mulheres.
relevantes e necessários para que se conseguisse respeitar os direi-
Nas escolas do distrito do Porto, desenvolveram-se sessões
tos humanos, direitos das mulheres e se contribuísse para a igual-
em colaboração com a ILGA PORTUGAL, sob o tema “Não há
dade de género.
Liberdade sem Igualdade: Igualdade e Pessoas LGBT”, trabalhan-
A escolha dos temas e a ideia de construir um mural colabo-
do temáticas como a orientação sexual, identidade de género, ho-
rativo, traz tanto de um passado e de uma memória coletiva como
mofobia, lesbofobia e transfobia. Destas sessões, resultaram uma
das necessidades e exigências do presente, a par da apropriação da
série de fotos, mensagens e cartazes que foram agregados ao mural
arte de rua como linguagem próxima dos/as jovens e que apropria
da igualdade construído no dia 24 de abril.
e transforma o espaço público e, assim, se constitui como uma are-
Numa escola do distrito de Braga, foram trabalhados mais es-
na para o ativismo e a intervenção social e política.
pecificamente temas dedicados à Igualdade de Género, Mulheres
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
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e o 25 de abril e Violência de Género e Doméstica tendo sido di- cidadania democrática, valorizando as suas perspetivas ao mesmo
namizadas sessões específicas sobre os temas. Os/as estudantes tempo que se lhes permitia aproveitar uma experiência única, a de
elaboraram desenhos e pinturas sobre os temas da igualdade/ um contacto privilegiado com a criação cultural e de participação na
desigualdade de género. Conforme exemplo que aparece na ima- co-construção de uma obra de arte onde se plasmaram as suas ideias,
gem que abre este capitulo. opiniões e até o momento que viveram em conjunto com o artista.
Os desenhos focam-se em temas da igualdade, discriminação, Em Braga, por exemplo, para a criação da obra Elevação Co-
violência, culpabilização da vítima e desafiam os papéis de género. letiva de um Processo Já Iniciado (Zavattari, 2017) surgiram te-
mas como igualdade, diferença, ser mulher e ser homem, justiça
COLABORAÇÃO DE FRANCESCO ZAVATTARI e igualdade, mas também ficaram representados no quadro os e
Para encerrar as Jornadas, o Projeto ART’THEMIS contou com a as jovens livres a participar, questionar, sugerir, em suma, fazendo
colaboração do artista plástico italiano Francesco Zavattari que parte da ação, empoderados/as e motivados/as.
esteve em Portugal a dinamizar três live painting performances
e a apresentar uma exposição temática - My Art is Female, onde
estavam incluídos os trabalhos do artista no âmbito do Projeto.
As três live painting performances foram realizadas no espaço
escolar, em Coimbra e em Braga, e no espaço público, no Porto, e,
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neles, o artista criou em tempo real um tríptico “Não há Liberdade
sem Igualdade” partindo do debate e da participação da audiência.
A primeira performance realizou-se no dia 27 de Abril, no
distrito de Braga, com o tema “Mulheres, Arte e Igualdade”. A se-
gunda teve lugar no dia 28 de abril, no distrito de Coimbra, com
o tema “Mulheres e o 25 de abril”. Por último, no dia 29 de abril,
na praça da estação de metro da Trindade, local público da baixa
do Porto, foi debatido o tema da “Violência contra as Mulheres”
numa atividade aberta à comunidade em geral.
Nas performances, os/as participantes tiveram a oportuni-
Ilustração 3: Elevação Coletiva de um Processo Já Iniciado.
dade de serem protagonistas através de uma outra forma de uti-
lizar a arte como ferramenta para a promoção da igualdade de
género e prevenção da violência de género e usufruir da experiên- Já a obra Onde Estás (Zavattari, 2017b) resultou de uma
cia de participar numa live art performance, experimentando no- performance dedicada à sociedade civil, tendo tomado forma
vas formas de expressão artística. no espaço público e tentando chamar ao debate os/as transeun-
Também permitiu aos/às estudantes dinamizar um espaço de tes que passavam pela praça da Trindade. Tentou-se cativar as
debate em que se promoveu a expressão de opiniões sobre uma pessoas para o tema da violência contra as mulheres e, se assim
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o entendessem, participar do debate. Nesta performance, as


pessoas aderiram, observaram, participaram, interagiram e a
obra foi sendo construída a partir dessa interação e do diálogo
estabelecido entre desconhecidos/as que, face ao tema, coloca-
vam as suas inquietações e sobretudo procuravam entender as
causas e procurar soluções. O nome escolhido para o quadro,
Onde Estás (Zavattari, 2017c), é exatamente a manifestação
desse desafio colocado a cada um/a de nós, face à violência,
onde nos colocamos, de forma a que, coletivamente, possamos
passar à ação, possamos tomar consciência do que é a violência
contra as mulheres e como devemos lutar contra ela.
Como resultado da live paiting performance foi criada
numa escola, no distrito de Coimbra, um mural de Arte Urba-
na. Este mural, cujas dimensões foram de 227x443cm, foi um
importante contributo para, através da arte, dinamizar, valori- Ilustração 4: Francesco Zavattari e o mural Um dia de Abril (Coimbra).
zar e reforçar o sentimento de pertença à escola dos/as jovens,
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já que foram eles/as os/as responsáveis pelas representações Estas três live painting performances culminaram numa
que o artística concretizou. exposição, My Art is Female, que foi inaugurada no dia 30
O mural Um Dia de Abril é um monumento à criação co- de abril no Museu da Quinta de Santiago (Matosinhos). Ao
letiva e também a visibilidade pública de questões chave da longo do projeto, a exposição foi integrada nos Percursos do
prevenção da violência e da promoção da igualdade: o debate, ART’THEMIS, de forma a poder ser visitada nos três distritos
a partilha, a interculturalidade, na medida em que celebra o de implementação do Projeto.
25 de abril português, mas também o dia da libertação itali- Da exposição, salientamos o quadro As Flores do Bem
ana, tendo sido trabalhadas em conjunto as questões de uma (Zavattari, 2017e) que imortaliza uma das ações de rua da
cultura para a paz, da diversidade e da procura de pontes, da UMAR, neste caso o 8 de março de 2008 no largo de Camões
interdependência dos seres humanas, de ativismo na (re)apro- em Lisboa, onde as ativistas, envergando trajes negros e cabeça
priação do uso do espaço pelas/os intervenientes, neste caso, coberta seguram um cravo vermelho ou cartazes com nomes
as alunas e os alunos, e da urgência dessa busca pela liberdade. das vítimas de femícidio.
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assem a arte como mecanismo de prevenção da violência e de


construção de igualdade partindo de diferentes prismas e pers-
petivas. O resultado constitui-se como um conjunto amplo de
expressões que se reuniram num grande projeto regional.
Assim, em torno do lema “Não há Liberdade sem Igual-
dade”, grupos-turma e escolas participaram nas ações imple-
mentadas de forma sequencial e/ou complementar, para que
o caráter regional do Projeto ART’THEMIS fosse potenciado e
amplificado. Nas jornadas, também se diversificou a utilização
das metodologias artísticas tanto desde um ponto de vista indi-
vidual como coletivo, através da produção de cada participante
Ilustração 5: As Flores do Bem. e da colaboração com o artista plástico Francesco Zavattari e
o artista de rua Diogo Rua, aka MOTZ do projeto MANIAKS.
NOTA FINAL Os e as nossas protagonistas da mudança puderam trabalhar o
Nas Jornadas de Abril, foram criados momentos de apren- lema das Jornadas de forma autónoma e escolher as formas e
dizagem significativa que permitiram a partilha de momentos os meios de participação, mas sempre dentro da perspetiva in-
|126| artísticos, com reflexão sobre problemáticas para um caminho tegradora da rede do ART’THEMIS. Os trabalhos contribuíram
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de igualdade e da erradicação da violência de género. Com o para que se estimulasse a criatividade, a autonomia e a par-
mote de celebrar o mês de abril e, particularmente o 25 de abril, ticipação, ao mesmo tempo que reforçava a importância do
as escolas e as turmas envolvidas trabalharam nos eventos de trabalho de cada pessoa, cada grupo, cada escola como parte
promoção da igualdade de género e prevenção da violência de do todo maior, criando uma coesão grupal entre os/as partici-
género organizados pelo Projeto ART’THEMIS. Com esta ini- pantes do Projeto e criando sinergias entre escolas.
ciativa, pretendeu-se contribuir para o reconhecimento dos Já nas live painting performances, os/as estudantes que,
passos positivos que estão a ser desenvolvidos nas nossas esco- previamente, tinham trabalhado nas sessões do ART’THEMIS
las para erradicar as várias expressões da violência, nomeada- utilizando expressões artísticas para trabalhar temas como a
mente através do empoderamento de raparigas e rapazes para desigualdade e a violência, puderam experienciar uma outra
uma vivência democrática e uma cultura de paz. forma de viver a arte, sem deixar de utilizar o seu espírito críti-
Desta forma, o Projeto ART’THEMIS promoveu experiên- co, reflexão e a metodologia participativa.
cias enriquecedoras de Educação para a Cidadania dentro e Nestes eventos, foi propiciado aos/às participantes um
fora da escola através de atividades idealizadas para que alunos/ espaço em que as suas vozes foram valorizadas e ficaram ex-
as trabalhassem para um objetivo comum e que, ao longo de pressas numa obra de arte colaborativa. Os/As jovens foram
um mês de atividades, criassem, participassem e experienci-
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assistindo ao desenrolar da criação de Zavattari a partir das destacar vitórias e sucessos já alcançados. A exposição My Art
suas ideias e opiniões. Desta forma, experimentaram e, mais is Female, de Zavattari, é uma interpretação pessoal do uni-
que tudo, viveram o poder transformador da arte. verso feminino e da sua visão da violência contra as mulheres
Para estes/as participantes e para as pessoas que se juntaram e uma chamada para a ação, um alerta para a invisibilidade e
à performance em espaço público e que também puderam en- indiferença da(s) violência(s). A exposição vai mais além, ao
volver-se na construção de um quadro sobre a violência contra chamar a nossa atenção para nos concentrarmos em encon-
as mulheres, foi possível uma experiência que demonstrou o trar soluções, a abrirmos os olhos, a consciencializarmo-nos
quanto a arte, trazida para o quotidiano, pode ter uma dimensão e, sobretudo, a agir, este passo em frente que é fundamental e
viva e dinâmica, incorporando e expressando a complexidade e a tão demasiadas vezes olvidado ou omitido. Esta exposição foi
simplicidade que emergem do debate e da comunicação. A opor- inaugurada no Museu da Quinta de Santiago, em Matosinhos,
tunidade de ter um conceituado artista internacional a incorpo- e percorreu os restantes distritos do Projeto, tendo sido exibida
rar ideias e conceitos dos/as jovens sobre igualdade, liberdade na Biblioteca Municipal de Vila Verde, na Casa Municipal da
e prevenção da violência fez com que se atingisse uma maior Cultura de Coimbra e no Museu Municipal de Penafiel e, atual-
perceção e um aprofundamento dos aspetos fundamentais dos mente, continua a ser divulgada em Itália.
direitos humanos, direitos das mulheres, igualdade de género e
violência contra as mulheres. Todas as pessoas envolvidas nas
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Jornadas de Abril puderam, de uma forma ou outra, envolver-se,
política e socialmente, na mudança de comportamentos, atitudes
e conceções, na medida em que se tomaram parte, de forma livre
e igual, do processo criativo, e, usando recursos próprios, pude-
ram colaborar com o/a outro/a para participar em ações para a
mudança, tanto produzindo desenhos como contribuindo com
a sua visão para um quadro.
Todas as obras criadas foram depois apresentadas em duas
exposições – My Art is Female e Percursos do ART’THEMIS,
para que esta campanha se multiplicasse e abrangesse mais
pessoas num sentido de trabalho contínuo e objetivo comum
que é o de alertar e chamar à ação a todos e todas nós, para
o que há a fazer, que soluções encontramos para erradicar a
violência de género e construir uma igualdade de género,
alertando não só para o caminho a percorrer, sem esquecer de
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Construir a Igualdade

8. O SEMINÁRIO FINAL E O
PROTAGONISMO DE CRIANÇAS E JOVENS
MARIA JOSÉ MAGALHÃES | ANA MARGARIDA TEIXEIRA | ANA TERESA DIAS

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INTRODUÇÃO
O Programa de Prevenção de violência de género em contex-
to escolar da UMAR desenvolve uma metodologia de projeto
recorrendo ao uso de ferramentas artísticas. A metodologia do
projeto pressupõe que se conceda espaço aos/às participantes
para terem a liberdade de exprimirem as suas opiniões e re-
flexões, para consciencializarem-se e serem protagonistas da
sua mudança pessoal e social. Partindo destes princípios, as
sessões do programa de prevenção têm uma vertente prática e
dinâmica em que são valorizadas as ideias e vivências das crian-
ças e jovens participantes da intervenção sistemática (Teixeira,
2015). A metodologia de projeto defende que todos/as os/as
participantes se devem sentir incluídos/as e, para isso, é essen-
cial um trabalho holístico, em que se dá tempo e espaço para as
opiniões e reflexões das crianças e jovens, e em que a arte “con-
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siste num instrumento de partilha e de uma desconstrução de social. John Dewey (1959), William Kilpatrick (1916) e Antó-
estereótipos sociais e culturais acerca da supremacia da mascu- nio Sérgio (1915) encontram-se no conjunto, bastante extenso,
linidade hegemónica, contribuindo para a valorização de uma de filósofos/as e pedagogos/as com visão progressista sobre a
sociedade plural em termos de género” (Teixeira, 2015: 91). escola e o trabalho pedagógico.
Na metodologia da intervenção da UMAR em contexto es- Enquanto metodologia que assenta na re-significação do
colar, a arte é considerada uma ferramenta pedagógica, uma espaço escolar e do processo de aprendizagem pelos/as alunos/
vez que “promove uma atitude reflexiva e crítica sobre proble- as, o trabalho de projeto constitui uma atitude intencional
máticas essenciais como seres culturais e sociais, assim como de envolvimento individual e coletivo em tarefas decididas e
apoia a aprendizagem pessoal e coletiva” (Teixeira, 2015: 91) planeadas pelo grupo-turma, sob a coordenação de um/a do-
(ver cap. 5, com maior desenvolvimento sobre o papel da arte cente, e, no caso do Programa da UMAR, sob a orientação de
na prevenção da violência de género). um/a técnico/a especializada na área da prevenção da violên-
Neste capítulo, apresentamos o significado dos seminários cia de género em contexto escolar. A metodologia de projeto,
finais com os grupos-turma para a prevenção da violência de em contexto escolar, é constituída por várias fases, das quais, a
género e a igualdade de género. Em primeiro lugar, destacamos avaliação faz parte. Nesta filosofia pedagógica, a participação
a importância dos seminários finais na metodologia de pro- e autonomia dos/as alunos/as estende-se também à avaliação
jeto, seguindo com uma breve descrição sobre o processo de que deve revestir-se não apenas de um significado escolar, mas
|132| criação do “produto artístico” para apresentar nos seminários, também social. Aliás, o caráter social desta abordagem perpas- |133|
desenvolvendo, em seguida, o papel de protagonistas que os/as sa pelos seus princípios e orientações pedagógicas e deve estar
jovens desempenham, assim como um dos principais resulta- presente na sua implementação. É, por isso, uma das metodo-
dos obtidos no seminário que diz respeito à construção de um logias mais adequadas para implementar atividades com obje-
sentimento de pertença a uma comunidade mais alargada que tivo de mudança social.
luta pela igualdade de género, combatendo a violência. Na metodologia de projeto, a avaliação individual e cole-
tiva por todos/as os/as participantes tem um lugar central. É
SEMINÁRIO FINAL DOS GRUPOS-TURMA avaliando as nossas ações que cada um/a de nós reformula e
E METODOLOGIA DE PROJETO reconstrói a nossa agência individual e coletiva. A educação
A metodologia de projeto, por vezes também designada como tem, por isso, também o dever de proporcionar momentos de
pedagogia de projeto, no Jardim-de-infância e 1º ciclo, cons- aprendizagem para que a criança, adolescente e jovem aprenda
titui uma abordagem ao trabalho escolar que assenta na im- a avaliar individual e coletivamente.
portância de uma educação democrática e para a democracia, Nos princípios desta metodologia, a avaliação não substi-
colocando nas crianças no centro da tomada de decisões sobre tui a ação e deve estar presente com regularidade, sendo que o
o quê, quando, como e para quê aprender, enfatizando a sua ca- momento final deve ser preparado com cuidado, incluindo na
pacidade para desempenharem um papel central da mudança sua dimensão social mais alargada, isto é, saindo das frontei-
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ras do grupo-turma com a/o seu/sua docente ou, neste caso, tam particularmente. O interesse dos/as jovens, adolescentes e
técnica/o de prevenção. A dimensão social, nesta abordagem, crianças é outro princípio que rege esta abordagem pedagógica.
significa que o trabalho realizado não pode (não deve) con- A UMAR segue este princípio, não apenas porque faz parte da
finar-se às paredes da sala, e, se possível, também não às pare- metodologia, mas também porque a experiência e o conheci-
des da escola. Nesta filosofia pedagógica, o princípio da rea- mento nos ensina que cada um/a de nós trabalha com mais
lidade da vida constitui-se como fundamental, sem esquecer vontade, se compromete mais profundamente, quando faz algo
que a escola constitui um espaço (que deve ser) seguro para de que gosta e que foi decidido por si (em conjunto com os/
a aprendizagem nas faixas etárias da vida até à idade adulta. as outros/as). A decisão do grupo-turma, exercício em si de
O momento final pode revestir-se de características que aju- democracia, não recai apenas na escolha da ferramenta artísti-
dem crianças, adolescentes e jovens a sair dos muros da escola ca, mas também no tema ou tópico que vão trabalhar ao lon-
e mostrar, partilhar, refletir e crescer com outras/os, a partir go das sessões. Esta abordagem permite o desenvolvimento
das aprendizagens e do trabalho realizado. da autonomia e da agência coletiva. Cabe aos/às técnicas da
No caso do Projeto ART’THEMIS, o momento final con- prevenção orientarem – não interferirem – e, eventualmente,
substancia-se na realização de um seminário com todos os gru- articular com parcerias externas para proporcionar aprendiza-
pos-turma, em que cada grupo-turma apresenta os seus “produ- gens técnicas na criação do “produto artístico”. Orientar e não
tos artísticos”, constituindo-se como um momento de partilha e interferir é um papel pedagógico fundamental que propicia
|134| de reconstrução de saberes e de novas aprendizagens. Para este aprendizagens mais significativas, pois tem em conta o ritmo |135|
seminário final concorrem as atividades desenvolvidas na con- e a profundidade individual e coletiva da reconstrução do
cretização de uma “criação artística” pelo grupo-turma, definida, conhecimento individual sobre um tema. Isto é tão mais im-
planeada e executada por todos/as os/as participantes. portante quanto o tema da promoção dos direitos humanos e
A participação e contribuição de todas e todos na criação da igualdade de género e da prevenção da violência de género
dos “produtos artísticos” é condição sine qua non na metodo- que visa muito mais do que ensinar conteúdos cognitivos. Para
logia de projeto. Por isso, nos objetivos do ART’THEMIS não além de pretender mudar conceções, perspetivas e conheci-
se encontram tabelas de avaliação da qualidade artística, antes, mentos – para o que uma pedagogia de conteúdo seria sufici-
da qualidade do processo, e, mais importante ainda, do per- ente – visa também a mudança de valores, atitudes e compor-
curso de aprendizagem e de crescimento, individual e coletivo, tamentos. Estas dimensões da vida humana – valores, atitudes
realizado em cada grupo-turma. Os grupos-turma são muito e comportamentos – não se aprendem apenas com a dimensão
diferentes em relação ao seu background social, económico e cognitiva da vida. É necessário mobilizar muito mais em cada
cultural, assim como em relação às suas capacidades e talentos um/a de nós. No que à prevenção da violência de género diz
artísticos. Num grupo-turma, a decisão coletiva pode ser es- respeito, uma educação para a igualdade sem violência precisa
colher uma ferramenta artística que não dominam, do ponto de confrontar toda a cultura patriarcal e violência estrutural,
de vista técnico, mas que lhes interessa trabalhar ou que gos- assim como a socialização familiar (grande parte), dos media e
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das instituições que, implícita ou explicitamente, enviam men- balhados por todos/as os/as participantes. Habitualmente, as
sagens diretas ou subliminares de desvalorização das mulheres crianças e jovens acham estranho que o produto seja exclusiva-
e das meninas e também de outros grupos sociais em desvan- mente da sua responsabilidade, porque tal não costuma acon-
tagem. Neste sentido, a mudança social requer toda a vonta- tecer em contexto escolar e como é uma atividade que foge
de, inteligência e capacidade da criança, adolescente ou jovem, da rotina, é sempre vista como algo diferente. Também ficam
não apenas para reconstruir visões do mundo em igualdade, muito motivados/as quando percebem que não há nenhuma
mas também para pôr mãos à obra na sua construção. ideia ou regra imposta, o que faz com o que o trabalho em gru-
Com estes princípios, a equipa do Projeto ART’THEMIS po seja criativo e de partilha, pois é algo escolhido por eles/as
considera que o mais importante é a participação de todo o próprios/as, bem como todas as decisões no desenvolvimento
grupo-turma, da construção de algo coletivo e da projeção de do próprio produto artístico.
um futuro sem violência (de género). A qualidade dos “pro- É importante referir que, quando usamos o termo “produ-
dutos artísticos”, ainda que não displicente, é aqui relativizada, to artístico”, não estamos a dizer que as crianças e jovens são
pela avaliação da qualidade do processo, da implicação dos/as artistas, mas sim, estamos a dar a oportunidade aos/às parti-
jovens, crianças ou adolescentes, do percurso de crescimento cipantes de, através da arte, conseguirem expressar-se sobre as
desde o ponto onde estavam quando começaram a trabalhar temáticas escolhidas e trabalhadas e, ao mesmo tempo, terem
ao ponto onde chegaram no final do ano letivo. Os seminários um pensamento crítico sobre as mesmas. Assim, o essencial é
|136| finais são também o momento e o espaço para olhar, ver e refle- dar a liberdade às crianças e jovens de desenvolverem as suas |137|
tir sobre esta diversidade dos grupos-turma e um modo de nos ideias da maneira que quiserem, sendo protagonistas do pro-
devolverem como entenderam e o que aprenderam sobre cada cesso, porque o mais importante é o processo da realização do
tópico do programa de prevenção. produto artístico e não a “qualidade” final do mesmo.
Neste processo, que deve ser ao longo do ano letivo e com
A CRIAÇÃO DO “PRODUTO ARTÍSTICO” articulação com outras disciplinas, em que os/as participantes
Na primeira sessão do programa, é explicado às crianças e jo- desenvolvem a sua criatividade, talentos e os próprios gostos,
vens os objetivos e a metodologia da intervenção e é pergun- estamos a dar a oportunidade de eles/as construírem um sen-
tado a cada um/a quais os temas que gostariam de trabalhar tido de identidade dentro do grupo-turma e, assim, nos iden-
ao longo do ano letivo. A partir dos temas escolhidos indivi- tificamos com a premissa da metodologia do projeto que é tra-
dualmente, negoceia-se coletivamente quais serão trabalhados balhar com e não trabalhar para. Também proporciona aos/às
naquele grupo-turma. Também é explicado que, no final do criadores/as a pensar e refletir sobre o seu papel como agente
ano letivo, irá haver um seminário com todos/as participantes (s) da sua própria mudança e da mudança social do próprio
do projeto, em que cada grupo-turma irá apresentar um pro- grupo em que está inserido/a, desenvolvendo uma cidadania
duto artístico. É sempre referido que o produto artístico, bem ativa e emancipatória. A arte, assim, torna-se um fator de in-
como o(s) tema(s) será/ão escolhidos, desenvolvidos e tra- clusão que promove o respeito pelas diferenças, sendo usada
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Construir a Igualdade

como recurso pedagógico que desenvolve estratégias para a Desta forma, a arte surge como um meio de comunicação
criação de relações saudáveis baseadas no respeito. de mensagens de várias formas, permitindo ao mesmo tempo
Os seminários finais, que tiveram como título, I e II Encon- que as crianças e jovens expressem a sua criatividade para fazer
tro ART’THEMIS: Caminhos de um currículo de prevenção, chegar estas mensagens à comunidade, em que a arte pode ser
foram essenciais no desenvolvimento do programa de pre- “lida” como um fazer, conhecer e exprimir, engajando várias
venção, não só no próprio dia, mas ao longo de todo o pro- ações (Canotilho et al., 2010: 5). Neste sentido, torna-se tam-
cesso de criação e realização do produto artístico. Neste even- bém numa maneira de as crianças e jovens construírem um
to, aberto a toda a comunidade educativa, proporcionaram-se sentido de identidade na construção da sua própria formação
momentos de partilha de experiências e reflexões que ajudou enquanto cidadão/a da comunidade que o/a rodeia.
as crianças e jovens participantes a desenvolverem um espírito Para as crianças e jovens que foram ou são vítimas de violên-
crítico e a consciencializarem-se sobre os temas que foram tra- cia é uma oportunidade para ganharem resiliência, pois para as
balhados. Após o seminário final dos grupos-turma, a equipa vítimas serem resilientes necessitam de atividades significati-
faz avaliação desse momento com os/as participantes. Através vas, apoio e comportamentos saudáveis com os seus pares e
dessa avaliação, foi possível constatar mudança pessoal e cole- com contacto adulto. Assim, na preparação dos seminários, é
tiva, em maior ou menor grau consoante os grupos-turma. essencial trabalhar com as crianças e jovens “como expressar
Trabalhar em grupo ajuda os/as participantes a desen- os seus sentimentos, opiniões e comportamentos baseados em
|138| volverem a capacidade de ouvir, aumenta a aceitação, inclusão valores de respeito e de partilha do poder” (Magalhães et al., |139|
e a capacidade de dar a sua opinião, respeitando a opinião das 2007: 63), bem como desenvolver competências de assertivi-
outras pessoas e dá oportunidade de debater ideias e refletir. dade e valor em si mesmo/a.
Trabalhar com ferramentas artísticas ajuda as crianças e jovens a Desta forma, as ferramentas artísticas construídas ao lon-
desenvolverem capacidades cognitivas, criativas e reflexivas (Higen- go do programa tornam-se num meio de promover o desen-
bottam, 2008). Neste processo de desenvolvimento do produto volvimento emocional, equilibrando a componente emocional
artístico, a arte também constitui uma ferramenta dinâmica que e cognitiva, “contribuindo assim para o desenvolvimento de
contribui para o desenvolvimento do sistema cognitivo, emocional uma cultura de paz” (UNESCO, 2006: 5). É também uma forma
e imunológico (Anderson, Welch & Becker, 2004). de analisar a realidade que rodeia as crianças e os/as jovens que
Estes produtos artísticos realizados pelos grupos-turma estão integrados/as no Projeto, passando a mensagem de que
podem ser concretizados a partir de role-play, vídeos, teatros, “uma ação pode sugerir e mudar os fins” (Eisner, 2008: 11),
banda-desenhada, dança, música, canto, desenho de murais, permitindo o desenvolvimento de perspetivas únicas sobre a
entre outros, permitindo a reflexão individual e coletiva e a mesma. Nesta linha de sentido, pretende-se que os/as partici-
desconstrução de estereótipos partindo das temáticas por eles/ pantes, ao serem protagonistas da sua mudança através da arte,
as aprendidas. Permite, ainda, partir destas reflexões para no- criem a possibilidade de ação e compreensão sobre si mesmas/
vos significados podendo reunir as diferentes perspetivas do os e sobre as relações com os outros, o que pode apelar ao jul-
grupo-turma (Canotilho et al., 2010).
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gamento reflexivo (Ferreira, 2006). Deste modo, os produtos e tempo para que cada jovem (adolescente ou criança) seja o/a
artísticos produzidos pelas crianças e jovens permitem que se ator/atriz principal em ações que digam respeito a problemas
enriqueça a capacidade de empatia e que se reduzam as invisi- para além da sua vida privada – da escola, da comunidade, da
bilidades sociais (Nussbaum, 2010). sociedade em geral. Estamos, por isso, a falar do que alguns/
No momento pedagógico que é este seminário, os/as par- algumas autores/as designam como agência pessoal e coleti-
ticipantes, ao usarem ferramentas artísticas como forma de se va: a capacidade de decisão sobre as questões importantes nas
expressarem em relação às temáticas que trabalharam no Pro- nossas vidas sociais. Como diria Arendt, a ação/agência hu-
jeto, é também uma maneira de conciliar as vivências pessoais, mana necessita de algumas componentes para ir além da reali-
emocionais e afetivas com a componente cognitiva, bem como zação de tarefas (que ela designa como labour) e da produção
estimular um estilo de convivência que valoriza a autonomia, o de trabalho (a que ela chama de work). A ação arendtiana en-
diálogo e o espírito de participação na mudança de comporta- globa a possibilidade de criação (conceção, planeamento), de
mentos (Quaresma, 2009). liberdade (decisão, opção), responsabilidade (compromisso)
e comunidade (na relação com os/as outros/as, na construção
PROTAGONISTAS NA APRENDIZAGEM coletiva) (Arendt, 1958 [2001]; Coulter, 2002).
DA SUA AGÊNCIA INDIVIDUAL E COLETIVA No Projeto ART’THEMIS, o protagonismo das/os jovens,
Atualmente, atravessamos um momento histórico no que diz adolescentes e crianças significa a sua participação na con-
|140| respeito à violência contra as mulheres e meninas, violência ceção, planeamento, execução, avaliação e apropriação dos re- |141|
doméstica e de género, caracterizado pelo consenso político e sultados da sua ação.
filosófico (em termos nacionais e internacionais) da necessi- Considerando o que esta sociedade precisa em termos de
dade da sua erradicação. Este objetivo coloca às gerações adul- estabelecer uma mudança social real para a violência de género,
tas uma responsabilidade acrescida no que diz respeito aos doméstica contra as mulheres e meninas, todo o protagonismo
contributos para que as gerações mais novas possam construir juvenil vai ser necessário para a sua concretização. A UMAR tem
relações sociais e de afeto não atravessadas por estas formas trabalhado para dar o seu (pequeno) contributo nesse sentido.
de violência. Enquanto adultos/as, as possibilidades de apren- Os seminários finais são momentos, poderíamos dizer glo-
dermos a ser e de sermos protagonistas das nossas vidas nem riosos, da participação de todos/as, com as suas qualidades e
sempre foram muitas, e menos ainda para setores sociais em também dificuldades e lacunas, que fazem viva esta vontade,
desvantagem. Ser protagonista significa sermos os/as atores/as compromisso, responsabilidade e comunidade para a mudança
principais (e não é necessário que o protagonismo seja apenas social no campo da violência de género.
individual) nas decisões que nos dizem respeito, em dimensões A participação de encarregados/as de educação, embora
da vida fora do âmbito privado (familiar ou afetivo). Quando, não seja muito frequente (porque o horário laboral muitas ve-
no âmbito do ART’THEMIS – UMAR, falamos em protagonis- zes não permite), tem sido muito bem-vinda.
mo dos/as jovens, estamos exatamente a referir-nos ao espaço
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SENTIMENTO DE PERTENÇA – CRIAÇÃO DE sociais de poder e de controlo social, em termos de género (e de


UMA COMUNIDADE CONTRA A VIOLÊNCIA DE GÉNERO outras categorias sociais), mas constitui um contributo para desa-
O Projeto ART’THEMIS trabalha valores, atitudes e comporta- fiar e combater essa forma de poder e de controlo social.
mentos, pelo que a reflexão pedagógica acerca da adesão ou re-
jeição de valores é uma questão fundamental para mantermos o NOTA FINAL
eixo das finalidades da intervenção presente e que nos sirva de Os seminários finais, com os “produtos artísticos” elaborados
“fiel da balança” para avaliarmos o que conseguimos em termos ao longo do ano letivo, evidenciam o protagonismo de jovens e
de impacto para a mudança social. adolescentes na co-construção de uma sociedade mais justa em
Já Becker (1997), nos seus estudos dos finais da década de termos de igualdade de género e violência. Permite a adesão a
1950 e 60, nos falava da importância da adesão aos valores do gru- valores que respeitem as diferenças e que acreditem que todas
po (e da sociedade) para divergir, ou não, das normas sociais. O as pessoas merecem ter as mesmas oportunidades indepen-
problema que enfrentamos hoje, com a prevenção da violência de dentemente das suas características físicas, de género, étnicas,
género é que solicitamos aos/às adolescentes e aos/às jovens que religiosas e sexuais. Muito embora, por vezes, a qualidade do
adiram a valores e normas sociais que, muito provavelmente, (ain- produto final possa ser melhorada nos anos seguintes, o pro-
da) não fazem parte das que caracterizam os seus grupos de pares cesso e a participação de todos e todas fazem do seminário fi-
ou a sua comunidade de origem. nal um dos momentos mais vivos da intervenção do Projeto
|142| Assim, a desconstrução dos valores e das normas patriar- ART’THEMIS da UMAR. |143|
cais e sexistas deve ser acompanhada por um processo de adesão
(cognitiva, emocional e social) aos valores de uma sociedade REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
democrática em termos das relações sociais de género. Para esta ANDERSON, Susan; WALCH, Nancy & BECKER, Kate (2004). The Power of Art. The Arts as an
adesão, elementos como confiança, lealdade, fidelidade, gratidão, Effective Intervention Strategy for At-Risk Youth. Los Angeles: California Endowment for the Arts.

segredo, dúvida, medo, traição, deslealdade, constituem senti- ARENDT, Hannah (1958). The Human Condition, [traduzido para português pela Relógio
d’Água, A Condição Humana, 2001.]
mentos no processo das trocas simbólicas entre a UMAR e os
Becker (1997). Outsiders: Studies in the Sociology of Deviance. Nova Iorque, The Free Press, 13.ª edição.
grupos-turma. Os seminários finais constituem o momento que
CANOTILHO, Ana Paula; MAGALHÃES, Maria José & GRADÍSSIMO, Alice (2010). Pre-
torna possível construir um imaginário sobre uma comunidade
venção da Violência de Género: Arte como ferramenta para a mudança social e consciência cole-
sem violência de género. tiva. Fazendo Género 9. Diásporas, Diversidades, Deslocamentos.
Os grupos podem também ser movimentos organizativos COULTER, David (2002). What is Action in Action Research, Educational Action Research, Vol. 10., nº 2, 189-206.
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tanto, a turma nem sempre constitui um grupo. O trabalho do para português 1959, Democracia e Educação, [3. ed.] São Paulo: Companhia Editora Nacional.]
ART’THEMIS é também realizado no sentido da construção deste DEWEY, J. (1938). Experience and education. New York: Macmillan.
sentimento de pertença a um coletivo maior. Naturalmente, a in- DEWEY, John (1955). Reconstrução em filosofia, São Paulo: Nacional.
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Currículo sem fronteiras, vol. 8, 2, pp. 5-17.


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Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Porto: Portugal.
sendo um problema social recente. No entanto, só recentemente
UNESCO (2006). Roteiro para a educação artística. Lisboa: Portugal.
começou a ter visibilidade pública, considerando-se, atualmente, um
problema de saúde pública que está identificado na agenda política,
nacional e internacional. A violência no namoro constitui uma forma
de violência de género, concretamente nas relações de intimidade, e re-
sulta de uma desigualdade de poder, em que uma das partes da relação,
na maior parte das vezes o homem/rapaz, tenta impor a sua força sub-
metendo a vítima a comportamentos de poder e de controlo. Dada a
sua dimensão e alargado reconhecimento, integra a tipologia legal da
violência doméstica. Muito embora, em Portugal, a sua introdução le-
gal seja comumente associada ao ano de 2013, a violência no namoro é
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criminalizada desde 2007, através da alínea b) do artigo 152.º do Código No questionário, os/as participantes são primeiramente questiona-
Penal, após alteração da Lei nº 59/2007, de 4 de setembro, que “Quem, dos/as se em algum relacionamento amoroso, de namoro ou ocasional,
de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, in- foram vitimizados por alguns dos comportamentos apresentados e são
cluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: b) inquiridos/as relativamente à sua perceção pessoal daqueles atos como
A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha violência no namoro.
ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem O estudo descrito neste capítulo diz respeito ao ano de 2016, onde
coabitação”. A expressão “relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem foram incluídos cerca de 2500 jovens com idades entre os 12 e os 18
coabitação”, já incluía as relações que, embora não estivessem sob um anos, cuja média foi de 14 anos. Este estudo quantitativo foi desenvolvi-
contrato de casamento ou numa relação de união de facto, mantinham do nos distritos do Porto, Braga e Coimbra, durante os meses de ou-
intimidade. Ainda assim, a Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, veio in- tubro de 2015 a janeiro de 2016. A análise dos dados foi dividida em
tegrar, de forma mais explícita, a violência nas relações de namoro: “A duas dimensões: a) a prevalência da vitimação nas relações de namoro
pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou juvenis e b) a legitimação dos atos violentos pelos/as jovens. Assim, por
tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos prevalência entendeu-se se aquele/a jovem considerava ter sofrido al-
cônjuges, ainda que sem coabitação”. Também as relações de intimi- guma vez os comportamentos de violência descritos; e por legitimação
dade violentas, entre casais de pessoas do mesmo sexo, gays ou lésbicas, compreende-se a perceção que aquele/a jovem reconhece ou não a situ-
estão incluídas neste mesmo artigo, estão incluídas neste mesmo artigo ação descrita enquanto comportamento de violência no namoro, natu-
|146| desde a alteração de 2007 já referida. ralizando e legitimando, portanto, aqueles comportamentos. |147|
A UMAR realiza, anualmente e desde 2009, um estudo Através uma análise temporal dos estudos desenvolvidos pela
que pretende, por um lado, retratar a prevalência da violência UMAR neste âmbito, os dados apontam para um aparente aumento da
no namoro entre os/as jovens e, por outro lado, compreender vitimação. Ainda assim, esta ilação não nos permite concluir que a viti-
quais as perceções que os/as mesmos/as têm sobre a violência mação em Portugal aumentou, pois poderá representar também um au-
nas relações de intimidade. mento de consciência dos/as jovens sobre os comportamentos violentos
Para a realização do estudo foi construído um questionário nas relações de intimidade. É, de facto, de extrema importância informar
de forma a poder ser aplicado a estudantes do terceiro ciclo e e consciencializar os/as jovens que a violência no namoro é crime e que
ensino secundário, sendo de estrutura simples e curta, adap- eles/as devem procurar aconselhar-se com um/a adulto/a de confiança
tado ao desenvolvimento cognitivo e socioemocional dos/as que possa encaminhar a situação para técnicos/as especializados/as.
participantes e de modo forma a incluir as diversas formas de
violência no namoro aproximadas à realidade dos/as jovens. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
O questionário foi constituído para que estivessem representados O estudo presente neste capítulo, foi desenvolvido com cerca de 2500
atos de violência física, psicológica e sexual. É importante referir que com jovens dos distritos do Porto, Braga e Coimbra. No total, tal como se
este estudo se analisa relações atuais e/ou passadas, sendo que não se in- pode observar pelo gráfico abaixo, a amostra foi constituída por 51% de
clui nenhuma análise diferenciada entre as relações passadas ou atuais. jovens do sexo feminino e 46% do sexo masculino, tendo idades com-
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preendidas entre os 12 e os 18 anos. A média de idades dos/as inquiri- Alguns comportamentos de violência no namoro, incluídos no
dos/as foi de 14 anos. questionário, sobressaem pelo significado dos seus resultados.
Relativamente ao uso inapropriado, e não autorizado, do
telemóvel do/a parceiro/a para ler mensagens e ver as chamadas
efetuadas ou recebidas, o estudo aponta para uma prevalência de
16% dos/as jovens que dizem já terem sofrido desta manifestação
de violência (ver gráfico 2). Neste contexto, uma das interpre-
tações possíveis para este facto será que alguns/mas jovens veem a
sua privacidade a ser invadida pelo/a companheiro nesta situação.

Gráfico 1: Inquiridos/as por sexo

VITIMAÇÃO EM RELAÇÕES DE NAMORO


Relativamente aos dados recolhidos sobre as diversas formas de
|148| violência, apenas se consideraram os dados dos/as jovens que re- |149|
feriram que já tinham tido ou estavam, no momento da aplicação
do questionário, numa relação de namoro. Isto significa que foram
retirados os dados dos/as jovens que não responderam se já tinham
namorado, bem como os dados dos/as jovens que referiram que Gráfico 2: Prevalência da vitimação por uso do telemóvel.

nunca tinham tido uma relação de namoro. Assim, a amostra dos/


No que diz respeito a agressões físicas, 5% dos/as jovens re-
as jovens que já tinham tido alguma relação de intimidade corres-
ferem já terem sido vítimas, pelo menos uma vez, de algum
ponde a 59%. Destes, tal como elencado na tabela abaixo, foi pos-
destes comportamentos (nomeadamente bater, empurrar,
sível observar que 8,5% respondeu ter sido vítima de violência psi-
puxar, esbofetear, etc). Sendo esta uma das formas de violên-
cológica; 5% de violência física e 4,5% de violência sexual.
cia considerada mais visível e reconhecida, devido às marcas
físicas que geralmente deixa, e sendo estes/as inquiridos/as tão
jovens, estes dados são particularmente preocupantes.

Tabela 1: Prevalência da vitimação psicológica,


física e sexual nos/as jovens.
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Quanto a atos forçados e em público, 6% dos/as jovens referem já


ter sido pressionados/as para beijar o/a companheiro/a, especifi-
camente à frente de outras pessoas. Este resultado implica que,
eventualmente, para 6% dos/as jovens o namoro foi, forçosa-
mente, associado a uma demonstração de posse em relação ao/à
seu/sua namorado/a, forçando-o/a a manifestar esse “amor” à
frente de outro/as. Para além disso, estes dados poderão dar al-
guma indicação de que uma parte da população jovem associa
ao namoro a sexualidade, e a sexualidade violenta.
Gráfico 3: Percentagem de jovens que já sofreram agressões físi-
cas por parte de ex-companheiros/as e/ou companheiros/as.

Tal como pode ser observado pelo gráfico 4, uma percentagem


relevante de jovens (13%) afirma ter sido alvo de proibições de
|150|
estar ou falar com colegas e amigos/as. A tentativa de limitar, |151|
reduzir, ou mesmo proibir a vida social da vítima é, de facto,
uma forma de violência e de manifestação desigual de poder
com alguma prevalência nestas idades juvenis.
Gráfico 5: Percentagem de jovens pressionados/as para beijar.

É de salientar a elevada percentagem de jovens que refere já ter


sido vítima de pressão para ter relações sexuais com o/a com-
panheiro/a. Neste estudo, 3% do total dos/as jovens já foi, pelo
menos uma vez, vítima desta forma de violência (que inclui o uso
da força física, mas também a pressão psicológica que o ofensor
exerce sobre a vítima para obtenção do seu prazer sexual). Ten-
do em consideração a idade média destes/as jovens (14 anos), a
prevalência desta forma de violência deixa transparecer a clara
necessidade de intervir precocemente.
Gráfico 4: Percentagem de jovens proibidos/as de estar
ou falar com alguém.
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crepância entre o entendimento dos/as jovens, rapazes e rapari-


gas, uma vez que os rapazes continuam a legitimar mais todas
as formas de violência, quando comparados com as raparigas;
chegando inclusivamente em alguns casos da diferença ser de
mais do dobro (como é o caso da violência sexual por exemplo).

Gráfico 6: Percentagem de jovens pressionados/as para ter Tabela 2: Percentagem de jovens que legitimam a violência no namoro
relações sexuais. (psicológica, física e sexual).

Alguns dos comportamentos específicos analisados, considera-


LEGITIMAÇÃO DE COMPORTAMENTOS
dos como mais relevantes no que diz respeito à legitimação da
DE VIOLÊNCIA NO NAMORO
violência, encontram-se descritos nos parágrafos seguintes.
Relativamente à legitimação da violência, os/as jovens teriam
A proibição de saídas com amigos/as constitui um compor-
|152| de responder, questão a questão, se consideravam determinada |153|
tamento de violência aceite pelos/as jovens. As respostas abaixo,
situação descrita como violência, ou não. Aqui, foram conside-
rados todos os resultados, incluindo daqueles/as jovens que refe- visualmente representadas, são inquietantes, já que apenas 64%
riram não ter tido qualquer relação de namoro até à data. Como dos/as jovens reconhece este comportamento como violência.
resultado geral, verifica-se que 22% dos/as jovens não reconhe-
cem a violência no namoro, isto é, não identificam os comporta-
mentos de controlo e de agressão apresentados.
Concretamente, em relação às diversas formas de violência
estudadas, a violência psicológica continua a ser a mais legiti-
mada (24,3%) e, portanto, a menos reconhecida pelos/as jovens.
Em relação à violência sexual, a situação é semelhante e os dados
apontam para que 23% dos/as jovens não reconhecem a violên-
cia sexual como violência. Finalmente, temos 9% dos/as jovens
que não reconhece a violência física como ato condenável, o
Gráfico 7: Percentagem de jovens que legitimam a proibição de sair.
que é de surpreender, dada a ampla divulgação social acerca da
violência doméstica e no namoro, não só nas escolas, como nos
próprios meios de comunicação social. De realçar ainda, a dis-
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Mais de um terço dos/as jovens (34%) não considera como Em relação à proibição imposta pelo/a namorado/a face à vítima
comportamento violento, pegar no telemóvel do/a parceiro/a, poder vestir determinada peça de roupa, verificam-se os dados mais
sem pedir autorização, para ver as chamadas e/ou mensagens alarmantes: 37% do total dos/as inquiridos/as não considera esta
trocadas. O não reconhecimento deste comportamento como situação como comportamento de violência.
violência, torna-o mais facilmente uma forma de violência pre-
sente e aceite na vida dos/as jovens, tal como referido anterior-
mente no que à vitimação destes/as jovens diz respeito.

Gráfico 10: Percentagem de jovens que legitimam a proibição de


vestir alguma peça de roupa.

|154| |155|
Quanto à pressão exercida pelo/a o/a companheiro/a, para o/a beijar à
Gráfico 8: Percentagem de jovens que legitimam mexer no telemóvel
do/a companheiro/a sem autorização. frente dos/as amigos/as, tem-se que 30% dos/as jovens não consideram
esta situação como errada. Aqui, torna-se particularmente relevante a
Quanto à, já referida, proibição por parte do/a namorado/a, de estar comparação entre rapazes e raparigas já que, no caso das raparigas, a
ou falar com colegas e amigos/as, a proporção de jovens que não legitimação é de 22% e sobe para os 39%, no caso dos rapazes.
consegue reconhecer este ato como violento é muito elevada: 32%.

Gráfico 11: Percentagem de jovens que legitima o pressionar para beijar.


Gráfico 9: Percentagem de jovens que legitimam o comportamento
de proibir de estar ou falar com alguém.
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Finalmente, 16% dos/as inquiridos/as considera normal pressionar o/a ao nível da violência física, quer ao nível da violência psicológica.
companheiro/a a ter relações sexuais com ele/a. Novamente, a diferença A violência sexual apenas foi estudada a partir do ano letivo 2014/2015,
de percentagem de inquiridos/as por sexo, é de realçar: 26% dos rapazes pelo que a sua comparação apenas é possível nos últimos dois anos.
legitimam este comportamento, o que corresponde a mais de o triplo
do que as raparigas (7%).

Gráfico 13: Análise comparativa da vitimação entre 2009/2010 e 2015/2016


Gráfico 12: Percentagem de jovens que legitima o comportamento de

|156|
pressionar para ter relações sexuais. Esta necessidade de incluir a violência sexual advém das mudanças cul- |157|
COMPARAÇÃO COM DADOS ANTERIORES
turais intrínsecas à própria violência e ao maior reconhecimento destas
DE ESTUDOS DE VIOLÊNCIA DE NAMORO DA UMAR
formas de violência enquanto tal.
Tendo em consideração o último estudo da UMAR, apresentado na Quanto à legitimação dos comportamentos violentos, verifica-se que
comunicação social em 2015, os dados não se revelam muito díspares existem também algumas oscilações, quer ao nível da violência física, quer
dos presentemente descritos. Verificou-se um aumento da consciência ao nível da violência psicológica, não obstante de que se tenha assistido a
dos comportamentos que constituem violência no namoro, e, portanto, uma queda na legitimação da violência física do último ano letivo para este.
diminuição da sua legitimação, o que pode significar que se tem feito
um trabalho de prevenção adequado. Em relação à vitimação, embora
os dados nos possam indicar também um ligeiro aumento, tal como já
foi referido, isto pode não significar, necessariamente, que a violência no
namoro esteja a aumentar; pode apenas indicar um maior reconheci-
mento por parte dos/as jovens dos comportamentos que constituem o
padrão da violência em relações de intimidade.
Como é percetível pelo gráfico abaixo representado, no que à
vitimação diz respeito, desde 2009, existem algumas oscilações quer GGráfico 14: Comparação da legitimação da violência no namoro de 2009/2010 a 2015/2016
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Ainda quanto à legitimação, comparando com os anos anteriores, Podemos também concluir que, em todas questões, a legitimação da
tal como anteriormente referido, é possível constatar que os dados apre- violência é maior nos rapazes do que nas raparigas. Em várias situações,
sentam uma diminuição da legitimação, ou seja, assiste-se a uma di- nomeadamente no forçar a fazer algo que as vítimas não querem, nas
minuição de jovens que não identificam os comportamentos violentos. agressões físicas, nas ameaças de agressão ou abandono, nas humilhações
Este aumento da consciencialização pode indicar que o trabalho de e ainda na violência sexual, os rapazes legitimam em mais de o dobro es-
prevenção e consciencialização tem tido impacto junto dos/as jovens, tes comportamentos violentos, quando comparados com as raparigas.
reforçando a necessidade de um maior investimento nesta área. A normalização das agressões sexuais nas relações de namoro apresen-
ta também uma diferenciação significativa, uma vez que a legitimação
NOTA FINAL destes comportamentos pelos rapazes é mais do que o triplo (26%) rel-
Dos dados analisados, salienta-se, como primeira conclusão, que não ativamente às raparigas (7%). Enquanto é positivo que, cada vez mais
houve qualquer comportamento analisado em que os/as jovens não se raparigas deslegitimem a violência, é necessário um trabalho pedagógico
tenham identificado como vítimas. A taxa de vitimação geral dos/as jo- e holístico de prevenção primária de violência de género para que todos/
vens em relação à violência no namoro é de 7%. Concretamente, a vida as possamos encarar estes comportamentos como violência.
social das vítimas está a ser restringida e a sua privacidade limitada pelos/ Perante estes dados, e resultado da comparação com os dados re-
as companheiros/as por comportamentos de controlo e de posse. Mais colhidos em anos anteriores, permanece a clara necessidade e urgência
ainda, em termos de violência sexual, temos uma percentagem de viti- de uma intervenção com os/as jovens, o mais precoce possível, no sen-
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mação de 4,5%, o que, tendo em conta a idade dos/as inquiridos/as, é tido de prevenir a violência sob todas as formas. A prevenção primária
muito preocupante. No que diz respeito à violência física, 5% refere já ter deve também incidir sobre comportamentos violentos legitimados pe-
sido vítima de agressão física, o que é igualmente alarmante. Finalmente, los/as jovens que não são tão visíveis, como por exemplo as formas de
salienta-se que a violência psicológica continua a ser a mais frequente nas controlo da privacidade, a violência psicológica e a violência sexual.
relações de namoro não saudáveis, com uma prevalência de 8,5%. A UMAR tem vindo a trabalhar para que a prevenção primária da
Numa segunda análise, é importante realçar que não houve violência de género chegue a todos/as os/as jovens, de forma sistemáti-
qualquer situação violenta reconhecida como tal, pela totalidade dos/ ca e holística, procurando minimizar e erradicar os comportamentos
as jovens inquiridos/as. Em todas as situações, alguns/mas jovens legiti- violentos, através da reflexão e consciencialização realizada pelos/as
maram a violência descrita. As proibições de vestir determinadas peças próprios/as jovens.
de roupa, pegar no telemóvel do/a companheiro/a sem autorização e as
proibições de sair com amigos/as, são as situações em que os/as jovens LEGISLAÇÃO REFERENCIADA:
respondem com mais frequência que não consideram comportamen- Lei nº 59/2007, de 4 de setembro, 23ª alteração do Código Penal Português
Lei nº 19/2013, de 21 de fevereiro, 29ª alteração do Código Penal Português
tos de violência. Em todas estas, mais de 33% dos/as jovens considerou
normal este comportamento. Isto significa que um em cada três jovens
legitima estas formas de violência.
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10. FORMAÇÃO DE DOCENTES:


PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA DE GÉNERO NA ESCOLA
JOANA CORDEIRO | ANA MARGARIDA TEIXEIRA

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INTRODUÇÃO
A violência de género, sendo um problema social com conse-
quências graves para toda a sociedade, não pode ser ignorada
quando se discutem as questões do curriculum. Integrar a pre-
venção da violência de género e de todas as formas de violência
na vida escolar é urgente. A escola é um contexto que pode de-
sempenhar um papel fundamental na prevenção primária e se-
cundária da violência de género e é fundamental a formação de
toda a comunidade educativa, na qual se incluem os/as docentes.
A formação de docentes apresenta-se como um campo
de trabalho essencial para a prevenção da violência, nomea-
damente para permitir que estes/as profissionais possam tra-
balhar as suas competências e conhecimentos sobre o tema e
partilhar conhecimentos e diretrizes para poderem integrar
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a prevenção desta problemática em contexto escolar nas suas de violência de género nas escolas. Desenvolvendo uma inter-
práticas quotidianas. venção integrada numa perspetiva transversal, que inclui ativi-
Em Portugal, não há muitas respostas para as necessidades dades específicas dentro dos currículos das áreas de docência
de formação destes/as profissionais, nomeadamente de formação dos/as formandos/as e dos temas da prevenção da violência de
específica que inclua como detetar e atuar em casos de violência género e promoção da igualdade de género, dos direitos hu-
de género. Também não existem muitas ações de formação que manos e de uma educação para a cidadania.
tenham como base pedagógica a filosofia e prática feminista, es- A formação está estruturada em três eixos principais: a di-
senciais para desconstruir a violência estrutural e cultural e dar mensão do conhecimento, a dimensão experiencial e de refle-
resposta às necessidades de atuar nas escolas para a prevenção xão e a dimensão prática.
primária e secundária da violência de género. No que diz respeito à dimensão do conhecimento, os/as for-
O Programa de Prevenção da UMAR, onde está incluído o mandos/as são colocados/as perante informação essencial acerca
Projeto ART’THEMIS, tem vindo a contribuir para a formação das problemáticas, analisando e debatendo os referentes teóricos
de docentes na prevenção da violência de género através de das temáticas propostas. A nível teórico, debruçamo-nos sobre o
uma estratégia integrada para a implementação destas proble- papel dos/as professores/as na prevenção primária e secundária
máticas na escola, o que inclui a intervenção nos espaços ad- da violência de género e nos concentramos no debate e elabo-
equados e a criação e desenvolvimento de projetos curricula- ração de protocolos de atuação sobre como devem agir quando
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res da prevenção da violência, assim como através de ações de se confrontam ou tomam conhecimento de casos de violência de
formação acreditadas pelo Conselho Científico-Pedagógico da género ou contra as crianças nas escolas.
Formação Contínua de Professores – CC-PFCP. Na segunda dimensão, a experiencial, também se reforça
a partilha e a co-construção de saberes ao trabalhar conteúdos
FORMAÇÃO DE DOCENTES DA UMAR: PREVENÇÃO DE acerca do sistema educativo e da(s) experiência(s) profissio-
VIOLÊNCIA DE GÉNERO EM CONTEXTO ESCOLAR nal(ais), através da dinamização de atividades e estratégias que
O Programa de prevenção da UMAR, em parceria com a FPCEUP privilegiam a dimensão experiencial do processo formativo e
(Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade reflexão e debate posterior.
do Porto), desenvolve todos os anos o curso de formação de do- Relativamente à dimensão prática, os/as docentes encon-
centes sobre a prevenção de violência de género em contexto es- tram um espaço de reflexão sobre metodologias e procedimen-
colar. Esta formação, de 50 horas, é certificada e acreditada pelo tos e desenvolvem ferramentas pedagógicas para trabalharem
CC-PFCP e é implementada como um complemento do programa a prevenção da violência de género, aprendendo a integrar e
de prevenção que desenvolvemos com crianças e jovens. articular as diretrizes do programa da UMAR com o currículo
Nesta formação, a UMAR proporciona aos/às participantes escolar da sua disciplina/área disciplinar/nível de ensino, cri-
ferramentas e conhecimentos para que possam criar, planificar, ando uma forma de trabalho inovadora e integrada, em que
implementar e avaliar os seus próprios projetos de prevenção
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os/as profissionais desenvolvem sessões planificadas e especial- contribui para que os/as docentes desconstruam componentes
mente criadas para a prevenção da violência. estruturais e culturais da violência e para fornecer as bases para
Sabendo que os/as docentes têm constrangimentos quanto que possam desenvolver o seu trabalho numa pedagogia mais
ao cumprimento das metas curriculares, a equipa técnica orienta inclusiva e menos discriminatória. Esta filosofia também per-
a planificação e organização das sessões de modo a que os/as mite elaborar e implementar em contexto escolar programas de
docentes possam integrá-las nos seus planos de trabalho das dis- prevenção e estabelecer momentos propícios para as crianças e
ciplinas ou áreas disciplinares que lecionam. Assim, através da jovens desenvolverem uma educação para a cidadania.
escolha de conteúdos adequados, da análise dos programas para Os objetivos da formação cobrem, assim, um amplo cam-
a escolha de atividades, e de exemplos práticos, os/as docentes po e destinam-se a que os/as docentes sejam capazes de:
conseguem construir materiais pedagógicos que versem sobre
a violência de género, usar os materiais pedagógicos disponíveis - Equacionar o impacto das mudanças sociais, económicas e
(por exemplo manuais) e focar na prevenção. políticas contemporâneas nas redefinições dos domínios domésti-
Desta forma, os/as docentes, independentemente do grupo cos e públicos e suas consequências em contexto escolar;
disciplinar, podem desenvolver sessões de prevenção da violên-
cia não tendo que limitar ou excluir os conteúdos das matérias - Problematizar a escola enquanto espaço de construção de discur-
que têm que ensinar, mas através da integração dos conteúdos sos que legitimam e perpetuam hegemonias de desigualdade e do
|164| exercício do poder, e como lugar indutor e produtor de violência; |165|
da prevenção da violência nos programas e na prática docente.
A partir de modelos teóricos e ferramentas práticas e peda-
gógicas, os/as docentes podem implementar uma intervenção - Pensar a linguagem e a cultura enquanto construção e práti-
sistematizado e estruturado para a prevenção da violência, ca social que encerra estruturas de poder, quer através de uma
através do uso das componentes transversais de cada disci- análise de textos, quer de manuais escolares, por exemplo;
plina. A filosofia da UMAR para a formação de professores/as
- Refletir sobre diferentes formas do currículo ser apropriado no
tem em vista a capacitação para a intervenção nos campos da
sentido de operacionalizar mudanças para uma maior visibili-
prevenção primária e secundária da violência de género nas
dade das vozes silenciadas;
escolas em torno do enquadramento teórico, dos conceitos, e
da construção de um panorama comum em torno da natureza,
- Refletir e equacionar o impacto de possíveis mudanças no ethos
consequências e implicações da violência de género na escola e
da escola, nas/os alunas/os e nas/os professoras/es no sentido de
na sociedade (Cordeiro et al., 2015).
empoderar as vitimas, responsabilizar os agressores e criar um cli-
Este trabalho é assumido pela UMAR como um grande ma de convivência e diálogo no respeito por todas as diferenças;
objetivo de futuro.
A inclusão de dimensões fundamentais da filosofia e da
metodologia feminista é essencial para este trabalho, porquanto
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- Imaginar um conjunto de estratégias educativas que visem aju- Num primeiro momento, a formação centra-se na concetu-
dar a promover a reflexão sobre a construção social das violên- alização da violência doméstica e de género e do seu impacto em
cias em geral e da violência de género em especial; contexto escolar. Este conteúdo é fundamental para estabelecer
a moldura teórica de forma a que possa ser refletida a partir das
- Equacionar projetos de investigação e inovação centrados na pre- vivências, saberes e experiências profissionais e aplicada e tra-
venção da violência de género e na promoção da igualdade de género; balhada de forma, na prática docente, direta com alunos/as.
Os e as docentes refletem sobre a literatura e estudos científicos,
- Descobrir mecanismos ocultos de diferenciação que resultam casos práticos, dados e estatísticas (por exemplo do RASI – Relatório
em desvantagens para as raparigas na escola; Anual de Segurança Interna e do OMA – Observatório das Mulheres
Assassinadas da UMAR), conhecem os principais mecanismos na-
- Construir reflexões a partir das práticas profissionais, práticas
cionais e internacionais para a prevenção da violência de género
discursivas e processos educativos permitindo ao/à profissional
(nomeadamente o V Plano Nacional de Prevenção e Combate à Vi-
formarem-se, problematizando as suas próprias experiências;
olência de Género e Doméstica; Convenção de Istambul), refletem
sobre o trabalho de instituições e organizações nacionais e interna-
- Refletir sobre as possibilidades e impossibilidades da con-
cionais, para entenderem a violência contra as mulheres como uma
strução da cidadania das mulheres na escola;
violação dos direitos humanos (Del Toro, 2012), e o impacto e as
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consequências da violência de género em contexto escolar.
- Suscitar nos/as formandos/as práticas de análise, de investi-
gação, intervenção e de avaliação, tornando-os/as também cri-
A partir desta primeira componente teórica, os/as forman-
adores/as e configuradores/ativos/as de processos de formação
dos/as aplicam os conceitos e os instrumentos ao seu quotidia-
para a não-violência e promoção dos direitos humanos e igual- no e prática profissional e iniciam os seus projetos pedagógicos
dade de oportunidades; da prevenção da violência nas escolas.
Dentro do quadro da(s) violência(s), também se apreende
- Gerar dispositivos pedagógicos que estimulem o entrelaçamen- como este sério problema social decorre de desequilíbrios de
to entre a escola e as comunidades (encarregados/as de educação, poder e desigualdades estruturais entre homens e mulheres,
crianças. jovens, professores/as, órgãos da escola, elementos e/ou abordando essa forma de violência como “um reflexo da estru-
grupos organizados das comunidades). tura sociocultural de uma sociedade, da situação econômica
e do contexto político de um país” (El Mouelhy, 2004: 290).
Para atingir estes objetivos, durante a formação, os/ Ou, ainda, se trabalham temas mais invisibilizados, mas igual-
as docentes vão trabalhando em torno de conceitos-chave, da mente fundamentais, como as diferentes violências de género,
concetualização dos temas e do trabalho teórico/prático em nomeadamente a violência sexual, incluindo o assédio sexual
torno dos conteúdos da prevenção da violência de género. nas escolas, sem olvidar a dimensão prática. Esta componen-
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te prática concretiza-se com atividades pedagógicas, por ex., mente estruturas de opressão e desigualdade e contribuir para mu-
sobre mitos e estereótipos que dificultam o reconhecimento danças sociais efetivas, experienciadas em contexto escolar.
social desta violência, projetando outras estratégias para a sua Durante a formação, desenvolveu-se também a contextu-
desconstrução, e dando a possibilidade de discutir e partilhar alização do Programa de Prevenção da UMAR, as etapas da sua
de que forma os/as docentes se podem constituir como agentes implementação nas Escolas e nas turmas, por forma a dispo-
educativos na prevenção da violência sexual. nibilizar aos/às formandos/as as informações necessárias para
A UMAR também desenvolve, nesta formação, um tra- ponderarem a adoção do mesmo, num futuro próximo. Outra
balho multidisciplinar em torno da intervenção pedagógica. componente é trabalhar as questões éticas, metodológicas e
Nestes módulos de formação, os/as docentes estabelecem pro- procedimentais para que os/as docentes possam ir construindo
tocolos sobre como intervir nas escolas segundo o Programa os seus próprios projetos pedagógicos nas sessões sob a orien-
de prevenção da UMAR e contam com a participação de equipa tação da equipa formadora.
formadora especializada nas áreas do atendimento às mulheres Na formação, a UMAR considera fundamental haver um
que experienciaram violência ou outras valências que não ape- espaço para a análise da linguagem, a cultura e o poder como
nas a prevenção primária e secundária nas escolas. construções e práticas sociais em que se explora como a lin-
Neste ponto, os/as docentes podem refletir o que significa guagem sustenta a desigualdade histórica de género e possibi-
intervir na escola no âmbito da prevenção da violência e como lita a ocultação das mulheres. Por outro lado, analisamos como
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atuar como profissionais de ensino e encaminhar as situações de podemos promover uma linguagem inclusiva e contribuímos
violência para especialistas, reforçando a complementaridade da para a formação dos/as docentes para a implementarem e a uti-
intervenção pedagógica a desenvolver por estes/as profissionais lizarem na sua prática quotidiana.
da intervenção com vítimas. Desta forma, a atuação na escola Quanto ao tema “Espaços e tempos para a construção da ci-
articula-se com a equipa de prevenção, com centros de atendi- dadania das Mulheres”, o grupo de formandos/as foca-se sobre
mento à vítima e/ou outros serviços de apoio à vítima, numa o conceito de cidadania e exploram os conteúdos que devem ser
filosofia de intervenção em rede, em que as várias instituições se trabalhados para uma educação para a cidadania em que este-
complementam mas não se sobrepõem, dando resposta também jam incluídos os temas da prevenção primária e secundária da
às muitas dúvidas dos/as docentes sobre como proceder em caso violência, assim como a igualdade de género, nomeadamente,
de sinalização de casos de vitimização. através da análise da privação histórica de direitos fundamen-
Os/as docentes trabalham ainda o Programa de Prevenção da tais das mulheres e de como é necessário recuperar a Memória
UMAR em que se aborda a arte na prevenção da Violência de Géne- das Mulheres, numa visão ampla da história dos feminismos, e
ro, como ponto de partida, ferramenta pedagógica e mecanismo combater a exclusão das mulheres da cidadania plena.
preferencial de intervenção ao permitir mobilizar competências e Finalmente, trabalham-se as questões do curriculum e, so-
conhecimentos, alterar atitudes, desafiar criticamente e criativa- bretudo, propõem-se as bases de um Curriculum de Prevenção,
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que é visto como um lugar para desafiar e imaginar mudanças Os/as professores/as, ao implementarem estes projetos-pi-
nas várias dimensões do currículo, incluindo o curriculum loto nas suas escolas, estão a implementar uma intervenção
oculto, para que se identifiquem mecanismos de diferenciação sistematizado e estruturado em que a prevenção da violência
e discriminação de género, violência estrutural e simbólica e de género é integrada nos componentes principais das matérias
que, a partir daí, se construam atividades de prevenção da vi- das suas disciplinas. Esta metodologia inovadora e integrada
olência de género a partir das reflexões sobre as práticas profis- de implementar a prevenção da violência de género em con-
sionais e das disciplinas curriculares das/os docentes. texto escolar é uma das mais-valias do Programa de Prevenção
da UMAR, em que as aulas são intencionalmente planificadas e
AVALIAÇÃO DA FORMAÇÃO DE especialmente criadas para a prevenção da violência de género,
DOCENTES REALIZADA PELA UMAR articulando as disciplinas curriculares e não curriculares.
Paralelamente às sessões presenciais, os/as docentes, como já Desta forma, os/as professores/as constituem-se como
referimos, desenvolvem um trabalho final com uma compo- “criadores/as ativos de processos de formação para não violên-
nente teórica e uma componente prática. A parte prática con- cia, igualdade de género e prevenção de violência de género
siste em que os/as participantes, nas aulas da disciplina que e elaborar instrumentos pedagógicos que permitam entrelaçar
lecionam, desenvolvam atividades didáticas relativas aos con- escolas e comunidades” (Cordeiro et al., 2014: 644), criando
teúdos da sua disciplina ou área disciplinar, articuladas com espaços de reflexão e diálogo para processos profissionais, dis-
|170| um tema ligado à prevenção da violência de género e promoção cursivos e educativos, onde professores/as se podem formar
|171|

da igualdade de género. É importante que estas temáticas vão com base em sua própria experiência (Magalhães et al., 2007).
mais além da disciplina individual de cada docente, de forma a Os/as professores/as trabalham juntos/as na preparação
incluírem uma perspetiva transversal, articulada com, mas não e planificação de sessões com o objetivo de implementar nas
limitada ao, currículo escolar. suas escolas e turmas sessões intencionalmente planeadas para
Neste trabalho, os/as docentes aplicam e mobilizam os a promoção da igualdade de género e para a prevenção da vi-
seus saberes e metodologias para identificar, compreender e olência de género, para trabalhar com os/as estudantes com
combater o fenómeno da violência de género em contexto es- clareza e precisão e articular o trabalho na escola entre os/as
colar e desafiar os estereótipos culturais e de género que ainda vários docentes e disciplinas, potencializando ainda mais a in-
estão enraizados na sociedade portuguesa e de onde a violência tervenção integrada e em rede.
de género emerge. Desta forma, e entrando em contacto com As atividades a implementar na escola devem ser dedica-
os aspetos essenciais em torno do complexo problema da vi- das à prevenção da violência e os/as formandos/as devem ter
olência de género, “analisam e debatem as referências teóricas essa informação claramente transmitida. Assim, eles e elas
dos temas propostos e estratégias elaboradas focadas na prática serão mais capazes de explorar conteúdos básicos e dimensões
profissional são usadas também através de uma metodologia centrais da prevenção da violência, de garantir as condições
que favorece a participação, que se mantém em uma posição pedagógicas necessárias e utilizar a metodologia do Programa
de questionamento crítica e ativa” (Cordeiro et al., 2014: 643). de Prevenção da UMAR, através da adaptação dos conteúdos
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disciplinares, dos objetivos e avaliando os processos decor- para que os/as seus alunos/as possam aplicar as suas apren-
rentes da implementação do projeto junto das turmas. dizagens e experiências junto às suas famílias, comunidades e
No final da formação, os/as docentes apresentam os seus sociedade em geral.
trabalhos num seminário final, onde, para além de poderem A partir desta formação, os/as professores/as também são
assistir a comunicações dadas por especialistas, apresentam e capazes de implementar programas de prevenção da violência
refletem sobre o trabalho desenvolvido em contexto escolar. de género de acordo com a metodologia da UMAR e de imple-
Este seminário é um momento de partilha de conhecimentos, mentar protocolos de atuação face a situações de violência. A
ideias, experiências e novos métodos para a prevenção da vi- partir da experiência do UMAR, esses cursos de formação de
olência de género em contexto escolar. docentes estão a criar metodologias inovadoras e integradas de
Relativamente à avaliação, os/as docentes têm a oportuni- trabalhar para a prevenção da violência de género com clareza,
dade de avaliar a formação e esse feedback tem sido positivo. precisão e intencionalidade. No final dos cursos, os/as profes-
Assim diversos/as docentes salientaram a importância desta sores/as são capazes desenvolver metodologias pedagógicas,
formação para o exercício da sua profissão, na medida em que conteúdos e atividades especificamente dedicados ao propósito
conheceram ferramentas para trabalharem a prevenção da vi- da prevenção e erradicação da violência de género e promoção
olência de género com as suas turmas. de igualdade de género.
Esta é uma atividade exclusiva à comunidade docente, que A partir dos trabalhos finais dos/as professores/as que par-
|172| |173|
se distingue dos seminários juvenis uma vez que tem um ca- ticiparam e das suas avaliações à formação, podemos avaliar
racter mais científico, de aprendizagem de conhecimentos. Este que a implementação do curso de formação de professores/as
seminário é aberto a toda a comunidade educativa, mesmo a do- de prevenção de violência de género e a forma de implemen-
centes que não tenham estado na formação já que é entendido tação do protocolo de atuação da UMAR perante situações de
como um momento oportuno de disseminação da metodologia violência de género em contexto escolar estão a ser produti-
de projeto para a prevenção da violência de género. vas. Com a formação, sabemos que os temas da prevenção da
violência e da promoção da igualdade de género estão a ser
NOTA FINAL trabalhados nas escolas com planificação adequada e linhas
A UMAR fornece uma resposta às necessidades dos/as profes- orientadoras que permitem a sua implementação transversal a
sores/as de capacitação em igualdade de género e violência de algumas disciplinas escolares e, idealmente, para todas as disci-
género para implementar esses temas na sua prática pedagógi- plinas e toda a comunidade educativa, já que no final do curso
ca, de acordo com as diretrizes das políticas educativas nacio- de formação, os/as participantes são capazes de implementar
nais. Desta forma, os/as docentes podem atuar na prevenção projetos curriculares e um programa de intervenção com ativ-
da violência de género e integrar nas suas práticas quotidianas idades, ferramentas pedagógicas, adaptadas a este tema especí-
os fundamentos e as metodologias necessárias para a mudança fico, e incluindo formas de lidar com a violência.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CORDEIRO, Joana; MAGALHÃES, Maria José; COSTA, Diana & MENDES, Tatiana (2015). To-
wards a gender violence prevention curriculum: Contributions from teacher education. In Carlinda
Leite. Ana Mouraz & Preciosa Fernandes (Orgs.), Curriculum Studies: Policies, Perspectives and
Practices, Porto: CIIE Centro de Investigação e Intervenção Educativas, pp 639-648.
DEL TORO, Vivian Rodriguez (2012). Ataduras en las dos costillas: Reflexiones e investigaciones
sobre los problemas y retos de las mujeres, Revista Puertorriqueña de Psicologia, XXIII, p. 9-25.
MAGALHÃES, Maria José; CANOTILHO, Ana Paula, & BRASIL, Elisabete (2007). Gostar de
mim, gostar de ti: Aprender a prevenir a violência de género, Porto: Edições UMAR.

11. PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA


DE GÉNERO E EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA
JOANA CORDEIRO | MICAELA SILVA

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INTRODUÇÃO
O trabalho da promoção da igualdade de género e prevenção da
violência de género situa-se no âmbito da educação para a cidada-
nia, tanto no que se refere à educação para a formação integral de
cidadãos e cidadãs, como à criação de espaços e momentos-chave
para trabalhar estes temas na escola. Como Maria José Magalhães,
Ana Paula Canotilho e Elisabete Brasil (2007), referem:

“Na prevenção da violência é crucial chegar à partici-


pação dos estudantes ao potencializar o autocontrole e
a responsabilidade pelos seus actos. Isto traz consigo a
necessidade de estimular o progresso de indivíduos com
capacidade de analisar e criticar acontecimentos sociais
que lhes são próximos e reflectir sobre os seus próprios
actos e os de outros/as” (Magalhães et al., 2007: 124).
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A prevenção deve focar-se no desenvolvimento atividades Para além disso, ao aplicar a metodologia de projeto, a
com as crianças e jovens e não, atividades para eles/as. Assim, equipa de prevenção da UMAR facilita a criação de verdadeiros
o Projeto ART’THEMIS mobiliza-os/as para que, através das espaços de exercício de cidadania, onde os/as protagonistas
suas próprias experiências e aprendizagens, se possam discutir aprendem a intervir de forma responsável, ética e colaborativa.
temas e refletir problemáticas. Através desta metodologia, que A intervenção do ART’THEMIS nas escolas contribui ainda
se pauta por uma participação ativa, os/as jovens assumem-se para que, ao trabalhar com os/as alunos/as várias dimensões da
como protagonistas não só da sua própria mudança, mas tam- igualdade de género, esta seja feita por uma equipa formada e
bém da mudança social no que diz respeito à igualdade de especializada nos temas, sobretudo num dos temas essenciais
género. Só assim se pode esperar no futuro cidadãos e cidadãs no trabalho das escolas: prevenção da violência de género.
mais formados/as para uma cidadania de promoção da paz. O trabalho da prevenção da violência de género é, de fac-
No âmbito do ART’THEMIS, desenvolvem-se sessões em que to, um eixo fundamental do trabalho em prol da igualdade de
se desenham formas de intervenção para a mudança social através género e é fulcral que seja abordado intencionalmente, e com o
da participação ativa dos/as estudantes. Assim, o nosso trabalho recurso a profissionais especializados/as, de forma a combater
contribui para uma educação para a cidadania “associada à par- este grave problema social e as suas consequências.
ticipação activa, ao desenvolvimento da liderança, aos direitos e A UMAR tem vindo a defender que trabalhar a cidadania
deveres, à justiça e responsabilidade” (Magalhães et al., 2007: 124). na escola deve incluir um Programa de Prevenção da violên-
|176| Para tal, é essencial que, na escola, as crianças e os/as jovens com- cia de género em contexto escolar, no qual sejam abordadas |177|
preendam e reflitam sobre o que é a cidadania, sobre qual o papel que as questões da(s) violência(s), da violência doméstica e da vi-
cada um/a, enquanto cidadão/ã, individual e coletivamente, deve as- olência contra as mulheres, da violência no namoro, e que este
sumir, garantindo quer a reflexão quer a prática: a ação para a mudança. trabalho seja feito de forma integrada e sistémica, onde se tra-
A educação para a cidadania é um espaço preferencial para balhem a procura ativa de respostas, a intervenção adequada e
o trabalho da prevenção, uma vez que os/as técnicos/as espe- os princípios de proteção da vítima. Outro aspeto fundamen-
cialistas podem facilitar sessões formativas e orientar os tra- tal é clarificar que a integração do Programa de Prevenção na
balhos dos/as estudantes sobre os temas à sua escolha, integran- educação para cidadania se destina a consciencializar crianças
do este trabalho no leque das linhas orientadoras e os temas do e jovens para a importância de agir sobre e com a sociedade,
Ministério da Educação para a Educação para a Cidadania1. tanto a nível individual como coletivo.
Este trabalho só é possível se dele também fizer parte uma
dimensão fundamental sobre o próprio conceito de cidadania e
1. Ver Direção Geral da Educação (2012). Educação para a Cidadania – Linhas orientado-
ras, dezembro de 2012, atualizado em novembro de 2013, disponível em http://dge.mec.pt/
de que cidadania queremos: O que entendemos por cidadania?
educacao-para-cidadania-linhas-orientadoras-0 e Brederode Santos, Maria Emília (Coord.); É um estatuto legal? É um exercício diário? Quem são os ci-
Marques, Alexandra; Cibele, Carla; Matos, Filomena; Menezes, Isabel; Nunes, Luísa; Paulus,
Pascal; Nobre, Paulo; Fonseca, Teresa (2011). Educação para a Cidadania – Proposta Curric-
dadãos e as cidadãs? Estão abrangidos/as todos/as? O conceito
ular para os Ensinos Básico e Secundário. Direção Geral da Educação, disponível em http:// inclui, exclui ou ambos?
dge.mec.pt/sites/default/files/ECidadania/ed_cidadania_basico_sec_2011.pdf
Projeto ART’THEMIS Prevenir a Violência
Construir a Igualdade

Estas questões estão diretamente ligadas à cidadania, tanto Desta forma, trabalhar com metodologias artísticas, ativas
enquanto conceito como no que diz respeito ao seu exercício: (Kolb, 1984), e de projeto permite, para além do empodera-
ser cidadão e cidadã implica não só usufruir de direitos e cum- mento e da ação cidadã, mostrar aos /às estudantes que a mu-
prir deveres, mas também pensar nas limitações no acesso e dança é possível e que eles e elas têm o poder e a capacidade de
no exercício da cidadania de cada um/a e do grupo. Este é um intervir para essa mesma mudança.
exercício fundamental para que as desigualdades existentes Esse empoderamento dos/as jovens permite, também,
não permaneçam invisibilizadas e para que as raízes estruturais enfrentar as dificuldades que vão surgindo quando se está a
da violência sejam desafiadas. trabalhar em prol da alteração de atitudes e valores que, no
A escola é um contexto privilegiado para trabalhar a ci- trabalho do ART’THEMIS, são entendidos como geradores de
dadania de forma a que a socialização, a interação e a inte- soluções e possibilidades:
gração das crianças e jovens na sociedade seja feita de forma
intencionalmente responsável e integradora e desde uma pe- “A ausência de consenso social sobre os valores deve
dagogia democrática, numa perspetiva ativa, de forma a serem ser um estímulo para serem trabalhados pedagogica-
capazes de tomar as rédeas desta cidadania, e envolver-se e mente como conteúdos curriculares – que deve inclu-
participar para o engajamento social, no sentido da pedagogia ir educação para a cidadania e educação para a paz
de Paulo Freire (1979). Esta é uma das grandes potencialidades explicitamente” (Magalhães et al., 2007: 117 -118).
|178| do trabalho da educação para a cidadania e que é abraçado pela |179|
UMAR desde 2005. Para além das sessões formativas, o ART’THEMIS, dinami-
O Programa de Prevenção da Violência da UMAR inclui za ações para a comunidade em geral de forma a apresentar,
estas dimensões e tem vindo a ser desenvolvido nas escolas, empoderar e valorizar os contributos e os trabalhos das cri-
trabalhando com os/as estudantes, os temas através de meto- anças e jovens, nomeadamente, quando apresentam os seus
dologias artísticas, com o objetivo de envolver os/as estudantes trabalhos no seminário final.
e despertar o seu potencial criativo. Desta forma, valoriza-se O ART’THEMIS tem implementado o Programa de Prevenção
também o trabalho colaborativo e a socialização entre pares, da violência na disciplina de educação para a cidadania, em que
permitindo que crianças e jovens possam refletir e criar formas tem contribuído para dar resposta a uma profunda necessidade: a
de usufruto, apropriação e ação cidadã, estabelecendo as bases formação integral de crianças e jovens numa cidadania que pro-
em prol de uma cidadania não-violenta. mova a igualdade de género, a paz e a erradicação da violência.
O trabalho da equipa técnica é facilitar momentos forma- A forma de trabalho da equipa técnica consiste em inte-
tivos de metodologia de projeto, em que as crianças e os/as jo- grar várias dimensões da cidadania. Por exemplo, quando
vens conceptualizam, idealizam e põem em prática produtos focamos os direitos sociais, políticos e civis, aspeto essencial
artísticos dedicados aos temas da promoção da Igualdade de em educação para a cidadania, as crianças e jovens trabalham
Género e da Prevenção da Violência de Género, tornando-se conjuntamente, de forma colaborativa e democrática, temas
Protagonistas da Mudança. como os direitos humanos, direitos das mulheres e direitos das
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crianças de forma ativa, através, por exemplo, do trabalho de em atividades tão simples como no exercício de uma votação,
investigação sobre a desigualdade no mundo e na procura de por exemplo, quando, no decurso das sessões, a turma escolhe
soluções. Simultaneamente, ao estarem a trabalhar recorrendo a metodologia artística que quer utilizar e, para tal, se torna
à metodologia de projeto, vão tendo que atuar, eles/as própri- necessário votar. A equipa técnica pode orientar a pesquisa
os/as, conforme os princípios dos direitos e deveres e das com- dos/as jovens sobre a evolução histórica do direito ao voto,
petências pessoais e sociais, especificamente a negociação e a incluindo, por exemplo, as restrições ao voto das mulheres, e
resolução de problemas. Assim, tanto pelos temas, como pela ao de outros grupos sociais que obtiveram o voto mais tardia-
própria dinâmica estabelecida, as crianças e os/as jovens estão mente do que homens eruditos de classe média – por exemplo,
a ser formados/as como cidadãos e cidadãs responsáveis e tra- os homens analfabetos.
balhadoras/es, que usufruem dos direitos e fazem correspon- Estas dinâmicas têm profundo impacto porque as crianças
der a sua parte de deveres, e que, sobretudo, se assumem como e os/as jovens podem, simultaneamente, entender o jogo de
corresponsáveis pelo bem comum. poder implícito ao exercício democrático, como também en-
Desta forma, integramos, na prevenção, o conceito de ci- tender o mundo e formas democráticas mais complexas. Estas
dadania da antiguidade clássica, entendida como ideal político atividades também permitem aos/às jovens um espaço de re-
que implicava a participação política como um dever cívico e, flexão e de procura de respostas para aspetos do mundo que
ao mesmo tempo, como a realização plena do/a cidadão/ã en- não compreendem e que, sem este espaço, ficariam sem res-
|180| quanto sujeito político, colocando a ênfase na obrigação para posta – porque é que noutros países as eleições são diferentes? |181|
com a comunidade e para a gestão da polis (ver Barbara Hob- Existem países com restrições ao direito de voto? Porque é que,
son e Ruth Lister, 2001). em certos contextos, as votações são estranhas2? E, talvez, a
Estes aspetos fundamentais da educação para a cidadania, mais importante de todas, porquê e para quê votar?
os de participação e gestão da polis, assim como a componen- Desenvolver as questões da cidadania implica também for-
te ética do que significa ser “um/a bom/boa cidadão/â”, é tra- talecer o conceito de cidadão e cidadã como alguém que de-
balhado nas sessões formativas, tanto em atividades específicas tém os direitos per se, sem intermédio de um poder divino ou
sobre o tema, como nos projetos de turma, seguindo uma ética atribuição desse poder por uma elite (seja ela monárquica ou
da colaboração e de co-construção do produto final. Contudo, ordem social privilegiada) e de como os direitos civis e políti-
o Programa de Prevenção da UMAR vai mais além, ao trazer cos se constituem como a essência da cidadania e a garantia de
para a reflexão as limitações deste conceito, nomeadamente, liberdade e igualdade (Barbara Hobson e Ruth Lister, 2001).
mostrando de que forma este exercício da cidadania estava Neste aspeto, trabalha-se com os grupos-turma o quadro
limitado aos cidadãos, o que em si inclui uma noção de poder dos direitos humanos, com especial ênfase no seu significado
- homem adulto, oriundo da polis - e de exclusão desse mesmo inalienável e universal, combatendo, por exemplo, noções de
poder - mulher, criança, escravo/a e estrangeiro/a.
A reflexão em torno do poder e da exclusão da cidadania 2. Comentário de uma jovem de uma turma de 5º ano, tentando entender o processo de
é fundamental e pode ser desenvolvida com os grupos-turma votação para Secretário/a Geral da ONU.
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condicionalismos aos direitos universais que crianças e jovens sua Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, são exem-
expressam e que devem ser trabalhados ou que se poderão cris- plos de como, quer dentro da visão republicana de cidadania,
talizar em atitudes racistas e xenófobas, como quando expres- quer na tradição liberal de direitos civis, essa exclusão foi de-
sam que o acesso a apoios do Estado devem ser condicionados safiada. Combater a invisibilidade desta exclusão faz-se, por
por mérito, ou que o acesso de refugiados deve ser condicionado exemplo, incidindo na recuperação da memória histórica das
ou impedido, por exemplo, como forma a proteger o emprego mulheres. Este aspeto do Projeto é fundamental, na medida em
dos nacionais. A reflexão sobre estas temáticas permite desafiar que muitas vezes é esquecido ou não trabalhado no contexto
a confusão e generalização em que alguns discursos assentam da educação para a cidadania, nomeadamente porque histori-
sobre temas fundamentais da organização do Estado e da socie- camente também esteve excluído do conceito de cidadania.
dade Portuguesa e outros mais específicos, como o estatuto dos/ Vejamos o trabalho basilar de T.H. Marshall, sociólogo
as refugiados/as ou a diferença entre refugiado/a e migrante. britânico que é considerado um clássico na literatura sobre ci-
Os/as jovens refletem, por exemplo, sobre o conceito da dadania, e que influenciou o pensamento sobre este conceito em
pessoa como valor em si mesmo, para desconstruir estes pre- muitos países europeus. Para este autor, o conceito de cidadania
conceitos e garantir que se inclui como componente funda- tinha três dimensões: a cidadania política, civil e social (Mar-
mental da cidadania, a decisão coletiva e comunitária, o tra- shall, 1950) e evidenciava que a cidadania política e a cidadania
balho em corresponsabilização e a necessidade de garantir que civil não resolviam as desigualdades sociais, mostrando que era
|182| todos e todas gozam dos mesmos direitos numa perspetiva de necessário alargar o conceito de forma a incluir os direitos soci- |183|
interdependência, reciprocidade e responsabilidade individu- ais, como garantia do bem-estar social e económico.
al e coletiva, de forma a poderem confrontar e enfrentar uma Apesar de ser indiscutível o contributo do conceito de ci-
sociedade economicamente globalizada, na qual um aumento dadania social, algumas críticas feministas foram fundamen-
da migração e mobilidade é acompanhada por um aumento da tais para compreender qual a sua relação com os feminismos.
vigilância das fronteiras, a emergência de novas formas de ra- Nas palavras de Sasha Roseneil (2013):
cismo e nacionalismo, bem como fundamentalismos e confli-
tos étnicos (Sasha Roseneil, 2013), e trazendo para o debate um “A sensação de “não posso viver com, não posso viver
ponto sobre o qual é claramente urgente refletir: que cidadania sem” do comprometimento feminista com a cidada-
queremos/defendemos e que cidadania queremos ver exercida. nia levanta a seguinte questão [...] Devemos aguentar
Outra área fundamental no Programa de Prevenção da vi- e tentar que a relação funcione ou devemos deixar ir e
olência e, mais especificamente, na promoção da igualdade de seguir em frente?” (2013, p. 1).
género, é o reconhecimento da história da exclusão das mulheres
da cidadania e da consequente negação dos seus direitos, como Neste sentido, são várias as críticas apontadas a T.H. Mar-
tem vindo a ser apontado pelos movimentos de mulheres. shall, havendo quem afirme que vivemos numa era pós-Mar-
Segundo Barbara Hobson e Ruth Lister (2001), Mary Woll- shall (Barbara Hobson e Ruth Lister, 2001). Marshall obscu-
stonecraft, no final do século XVIII, e Olympe de Gouges, na receu a exclusão das mulheres da cidadania. Ao defender a
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noção de uma falsa neutralidade da cidadania, ocultou que às questionar verdadeiramente as perspetivas liberais sobre igual-
mulheres foi consecutivamente negado o estatuto formal de ci- dade, liberdade, direitos e representação política e construir
dadania e os correspondentes direitos. Assim, Marshall apenas noções de cidadania que representem a(s) diferença(s) e que
descreveu a evolução dos direitos de cidadania dos homens assentem em mecanismos que reconheçam as vozes das várias
(Barbara Hobson e Ruth Lister, 2001), caracterizando a história pessoas que consecutivamente têm sido excluídas da cidadania.
das mulheres como não-cidadãs (Lister, 1997). O Programa de Prevenção da UMAR prevê na sua meto-
A concetualização de cidadania assenta num carácter dologia esse mesmo trabalho de exercício prático de cidadania
genderizado reprodutor da dicotomia público-privado, acom- ao desafiar os/as protagonistas a encontrar os seus caminhos,
panhado de uma qualificação de masculino e feminino, res- a desconstruir e reconstruir os seus discursos, práticas e desa-
petivamente, e que constitui a própria noção de cidadão (Bar- fiar estruturas, convicções e, por vezes, regras e normas. Desta
bara Hobson and Ruth Lister, 2001). A crítica feminista vem forma, crianças e jovens trabalham, na prática, a reflexão sobre
questionar esta noção estabelecida de cidadania, a par de uma o nós e os/as outros/as, direitos, deveres e consequências das
contestação ao crescente discurso sobre direitos e obrigações, nossas ações e inações.
acompanhada de uma visão crítica, denunciando os seus me- O debate em movimento, por exemplo, é uma atividade
canismos de exclusão. Assim, reclama-se a necessidade de alar- em que, perante determinadas afirmações, cada aluno/a tem
gar o conceito para além da relação formal entre o indivíduo e de se posicionar, através do movimento no espaço, com o seu
|184| o Estado, de forma a englobar várias dimensões de cidadania, corpo, indo mais além da argumentação teórica e da comuni- |185|
refletindo e desocultando as diversidades e reconhecendo os cação verbal. Ao usar o espaço e o movimento para defender a
mecanismos de exclusão (Ruth Lister, 1997). sua opinião, estamos a proporcionar aos/às jovens um espaço
A teorização feminista traz-nos, assim, quer a crítica quer de reflexão e intervenção, no qual os/as alunos/as intervêm e
a alternativa ao(s) conceito(s) de cidadania, assentes na neces- argumentam entre si, usando a simbólica do espaço e do movi-
sidade de alargar o conceito de forma a que este englobe as suas mento do corpo. Surge, assim, a oportunidade de assumirem a
múltiplas dimensões e significados. sua opinião, defendendo-a perante opiniões divergentes numa
Ainda relativamente à tradição liberal sobre cidadania, é simulação de espaço público – um agora – onde se promove
necessário questionar o seu foco na natureza individualista de o pensamento crítico, e onde se toma consciência do impac-
cidadania, bem como a sua desconfiança face à ideia de co- to e consequências dos valores e atitudes em mim e no/a out-
munidade, já que isso significa um afastamento progressivo de ro/a, assim evidenciando várias dimensões da cidadania ati-
uma lógica de coletivo na qual ideias e interesses podem/de- va e participativa e usando técnicas performativas de forma a
vem ser partilhados (Pinto, 2015). Na prática, a tradição liberal mobilizar outras dimensões que não apenas a cognitiva. Es-
não evita o aumento da exclusão social, antes funciona como tas dinâmicas de grupo permitem, além disso, que as crianças
mecanismo de exclusão, e ocultação dessa mesma exclusão e das e jovens tenham a possibilidade de, partindo das suas vozes,
consequentes desigualdades e opressões. É, então, necessário conceitos e culturas de origem, interpretar a realidade e, tam-
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bém, desconstruir a discriminação, a opressão e a violência e a autonomia é relacional (Roseneil et al, 2011). Indo além do
“re-construir caminhos e possibilidades, sendo os próprios es- conceito de cidadania sexual (Richardson, 2000), reclama-se,
tudantes que procuram e gerem a informação e fazem as suas também, uma cidadania íntima (Roseneil, 2013).
opções, num processo ativo, criativo, democrático e imbuído É através deste trabalho que se previne também a violên-
de espírito crítico” (Magalhães et al., 2007). cia sexual, o assédio sexual e desafia-se, rapazes e raparigas, na
Mais ainda, neste trabalho de integração da prevenção da desconstrução de mitos acerca de relacionamentos abusivos e
violência na educação para a cidadania, é fundamental a in- violentos. Pretendemos que aprendam a reconhecer as várias
clusão de estratégias e formas de intervir a nível social e políti- formas de violência, muitas vezes legitimadas pelos/as jovens,
co que incluam o reconhecimento das várias diferenças e de sobretudo os relacionados com o ciúme e o controlo, e descons-
como estas limitam ou potencializam a participação. Assim, truimos mitos, como o amor romântico ou o amor fusão. As-
dinamizam-se atividades que despertem o espírito crítico e sim, procuramos estimular a procura de modelos de relaciona-
permitam desconstruir a aparente homogeneidade que muitas mentos igualitários, bem como a ação de combate a noções de
vezes se tenta construir à volta de determinados grupos sociais relacionamentos onde o controlo da privacidade é visto como
e avaliar os mecanismos de poder ocultos ou visíveis. confiança e/ou evitando comportamentos de risco, como por
Este programa, profundamente enraizado nas dimensões exemplo, o sexting. Neste trabalho, uma vez mais, cabe aos/às
multiculturais e interculturais, permitem que as crianças e jovens jovens realizar os seus projetos e de averiguar as implicações das
|186| envolvidos/as possam refletir sobre as múltiplas diferenças, entre e conceções de fusão e de perda de individualidade, assim como |187|
dentro de grupos, bem como tornar consciente o próprio privilé- avaliar as possíveis consequências dos comportamentos, tanto
gio, questionando diretamente o conceito de cidadania europeia, online como offline, alertando para as novas tecnologias e o seu
assente numa Europa cada vez mais fechada sobre si e hiper-vigi- potencial de difusão e replicabilidade e de como as informações
lante, super-policiando as suas fronteiras (Braidotti, 1998). pessoais podem ser usadas contra a pessoa, nomeadamente
Quanto à prevenção da violência de género, no namoro, na como pornografia de vingança. A prevenção, para além de ter
educação para os afetos, o Programa de Prevenção da UMAR como objetivo basilar, a prevenção da vitimação, também pre-
inclui outra área chave da cidadania: a cidadania íntima. Ao vine a agressão e não só a vitimização. Assim, a gestão de con-
incluir a diferença sexual e a diversidade cultural ou étnica, flitos e as competências pessoais e sociais são temas fulcrais e
aspeto fundamental numa época em que se assiste a “uma es- que são abordados tanto direta como transversalmente ao longo
pécie de regresso-do-oprimido da modernidade” (Braidotti, do Projeto. Uma forma implícita de o fazer, pode ser através de
1998, p.77), os movimentos feministas têm vindo a reclamar os conflitos que eventualmente surgem na turma, na tomada de de-
interesses e necessidades das mulheres enquanto grupo social cisões coletivas, ou nos debates que vão sendo desenvolvidos nas
diverso, lutando pela igualdade, justiça e auto-determinação sessões. Este trabalho também pode ser feito de forma explícita,
das mulheres sobre a sua vida pública, privada e íntima, defen- através de atividades sobre esse tema específico, por exemplo,
dendo que as diferenças sexuais devem ser reconhecidas e que com jogos pedagógicos ou dramatização.
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NOTA FINAL A UMAR, ao integrar as várias dimensões da cidadania


Com o Programa da Prevenção da UMAR, o ART’THEMIS, tem e ao implementar atividades transversais aos diferentes domí-
atuado nas escolas e promovendo para uma cidadania inclu- nios da Educação para a Cidadania, tem contribuído para que
siva, articulando os temas segundo as necessidades e os inte- esta não se torne uma disciplina compartimentada, mas em
resses da turma e sempre com o cuidado de tornar visíveis as que se trabalhem, de forma articulada e integradora, várias di-
assimetrias (de género, idade e classe, etnia e orientação sexu- mensões fundamentais do que é ser cidadão/cidadã. São exem-
al), através da articulação orgânica dos temas escolhidos pelas plos a intervenção e participação de todos/as os/as alunos/as, o
crianças e jovens e da sua integração nas dimensões da igual- trabalho colaborativo entre eles/as e o desafio às invisibilidades
dade de género e da prevenção da violência. e exclusões, de forma a que o trabalho da prevenção da violên-
Também incluímos, nos pressupostos pedagógicos da pre- cia seja, também, o de encontrar a alternativa. Para a UMAR,
venção da violência, os domínios da mudança de valores, ati- não é possível construir uma educação para a paz, sem incluir
tudes e comportamentos, de forma articulada e integrada com a dimensão da qualidade de vida, da independência e da igual-
o currículo e com a cultura e o ethos de cada escola. Debatemos dade. Estas são dimensões a ser incluídas, e não apenas a paz
os conteúdos de forma explícita e intencional, permitindo aos/ como ausência de guerra (Magalhães et al., 2007).
às estudantes uma reflexão sobre as atitudes e valores que estão
na raiz de uma cultura de violência e das causas estruturais da REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS:
|188| violência de género (Magalhães et al., 2007). FREIRE, Paulo (1979). Conscientização: teoria e prática da libertação: Uma introdução ao pens- |189|
Colaboramos com as escolas na promoção da igualdade de amento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes.
género e no combate à violência de género, contando com uma BRAIDOTTI, Rosi (1998). A diferença sexual e o controverso conceito de cidadania europeia.
equipa especializada que se apresenta como externa, e num pa- Revista Crítica de Ciências Sociais, nº50, pp.73-82.

pel de facilitadora, o que potencia o trabalho de projeto e a BREDERODE SANTOS, Maria Emília (Coord.); MARQUES, Alexandra; CIBELE, Carla; MA-
TOS, Filomena; MENEZES, Isabel; NUNES, Luísa; PAULUS, Pascal; NOBRE, Paulo; FONSE-
relação das técnicas com as/os jovens.
CA, Teresa (2011). Educação para a Cidadania – Proposta Curricular para os Ensinos Básico
A nossa intervenção também contribui para dar apoio às
e Secundário. Direção Geral da Educação, disponível em http://dge.mec.pt/sites/default/files/
escolas e aos/às docentes na implementação das áreas da igual-
ECidadania/ed_cidadania_basico_sec_2011.pdf
dade de género na disciplina de Educação para a Cidadania HOBSON, B. and Lister, R. (2002). Citizenship. In Barbara Hobson, Jane Lewis, and Birte Siim
e da sua articulação transversal com outras áreas da discipli- (Eds.), Contested concepts in gender and social politics (pp. 23-54). Cheltenham, UK: Edward
na (como educação para o desenvolvimento, educação para Elger Publishing.
a saúde e sexualidade e promoção do voluntariado). Assim, PINTO, T. (coord.), NOGUEIRA, C., VIEIRA, C., SILVA, I., TAVARES, T. e PRAZERES, V.
contribuímos para uma colaboração com as escolas perante (2015). Guião de Educação, Género e Cidadania. 3º ciclo. Lisboa: Comissão para a Cidadania
dificuldades como a falta de formação de docentes em áreas e a Igualdade de Género.
chave ou a sobrecarga de conteúdos, que podem limitar e/ou LISTER, Ruth (1997). Citizenship: Towards a Feminist Synthesis. Feminist Review, 57, pp. 28-48.
impedir a inclusão das temáticas da prevenção da violência na KOLB, David A. (1984). Experiential learning. Experience as the source of learning and develop-
sua prática pedagógica quotidiana. ment. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall cop.
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MAGALHÃES, Maria José; CANOTILHO, Ana Paula, & BRASIL, Elisabete (2007). Gostar de
mim, gostar de ti: Aprender a prevenir a violência de género, Porto: Edições UMAR.
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DIREÇÃO GERAL DA EDUCAÇÃO (2012). Educação para a Cidadania – Linhas orientado-
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