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RESUMO
A Lei 10.639/2003 estabelece o ensino da História e Cultura africana e afro-brasileira
nos sistemas de ensino, reconhecendo a sua importância para o combate do racismo, da
discriminação e do preconceito. Com base na implementação dessa lei, o objetivo deste
artigo é analisar o trabalho sobre a cultura afro-brasileira realizado com alunos da rede
básica da cidade de Uberlândia/MG, a partir da literatura, e refletir sobre o espaço dado
para a contação de Histórias nas escolas como atividade pedagógica para o ensino de
Geografia. Para tanto, destaca-se a obra de Agostinho e Coelho (2013), que aponta para
a desconstrução de estereótipos na literatura infantil a partir da representação de
personagens com rostos e peles negras, para entre outras possibilidades aumentar a
autoestima das crianças não brancas. Com a literatura infantil, o professor de Geografia
pode utilizar a atividade de contação de Histórias e análise das imagens dos livros, para
facilitar o entendimento das questões étnico-raciais por meio de aspectos geográficos.
Por exemplo, no reconto de Joãozinho e Maria, é possível o professor de geografia
relacionar os fatos narrados com a realidade socioeconômica brasileira, com destaque a
problemas sociais, como fome, moradia, desemprego, miséria, pedofilia, trabalho
infantil e a escravidão. Quanto à metodologia, este artigo realizou uma análise
qualitativa do Projeto de Contação de Histórias desenvolvido em uma Escola Estadual
urbana de Uberlândia-MG, com alunos do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental I, do
período matutino. Assim, foi constatado que trabalhar com a Lei 10.639/2003 na sala de
aula possibilita apresentar às crianças a importância de respeitar a diversidade racial
para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Palavras-chave: Contação de Histórias; Educação Étnico-Racial; Ensino de Geografia;
Lei 10639/2003; Literatura Infantil.
ABSTRACT
Law 10.639/2003 establishes the teaching of African and Afro-Brazilian History and
Culture in education systems, recognizing its importance to combat racism,
discrimination and prejudice. Based on the implementation of this law, the objective of
this article is to analyze the work on Afro-Brazilian culture carried out with students
from the basic network of the city of Uberlândia/MG, based on literature, and reflect on
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the space given to the telling of stories in schools as a pedagogical activity for the
teaching of Geography. To this end, we highlight the work of Agostinho and Coelho
(2013), which points to the deconstruction of stereotypes in children's literature from the
representation of characters with black faces and skins, among other possibilities to
increase the self-esteem of non-white children. With children's literature, the Geography
teacher can use the storytelling activity and analysis of the images in the books to
facilitate the understanding of ethno-racial issues through geographical aspects. For
example, in the retelling of Joãozinho and Maria, it is possible for the geography teacher
to relate the narrated facts to the Brazilian socioeconomic reality, highlighting social
problems such as hunger, housing, unemployment, poverty, paedophilia, child labour
and slavery. As for the methodology, this article carried out a qualitative analysis of the
Storytelling Project developed in an urban State School in Uberlândia-MG, with
students from the 1st to the 5th year of Elementary School I, in the morning period.
Thus, it was found that working with Law 10.639/2003 in the classroom enables the
presentation to children of the importance of respecting racial diversity for the
construction of a more just and egalitarian society.
Keywords: Storytelling; Ethnic and Racial Education; Geography Teaching; Law
10639/2003; Children's Literature.
Introdução
O presente trabalho apresenta o resultado da ação pedagógica de Contação de
Histórias desenvolvida a partir da necessidade de inserir a Lei Federal 10.639/2003 no
ensino de Geografia, nas turmas de 1° ao 5° do Ensino Fundamental em uma escola
pública, na cidade de Uberlândia-MG. O trabalho foi desenvolvido durante as atividades
do Grupo de Estudos de Geografia e Educação das Relações Étnico-Raciais, no
Laboratório de Geografia e Educação Popular (LAGEPOP) do Instituto de Geografia da
Universidade Federal de Uberlândia, com a ideia de levar a temática étnico-racial
relacionada com conceitos geográficos para as salas de aula.
Com a preocupação de propiciar aos alunos a aprendizagem sobre a questão
étnico-racial e também formar leitores críticos, de modo a contribuir para a melhoria da
leitura e compreensão de textos, por meio da contação de histórias, buscou-se
desenvolver o gosto pela leitura e a habilidade de interpretação, uma vez que a história
infantil desperta a imaginação e a sensibilidade criativa dos leitores.
Durante a execução desta atividade, foram desenvolvidas algumas sessões de
contação de histórias nas quais foi observado o envolvimento das crianças com o texto
narrado e suas reações, como também o entendimento e contribuições com a cultura
africana e afro-brasileira.
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Ronaldo Simões Coelho, com ilustração de Walter Lara. O reconto Joãozinho e Maria
(AGOSTINHO; COELHO, 2013) é uma história fictícia, todavia a situação mostrada
retrata problemas sociais do cotidiano da sociedade brasileira atual. A partir da leitura,
percebe-se que o livro é uma adaptação do clássico conto de fadas dos Irmãos Grimm
com referencial europeu. Por meio de questões étnico-raciais, o livro representa os
personagens com o rosto e a cor da pele negra, o que aproxima a criança negra aos
personagens do livro, colocando em prática a imaginação cultural de enfrentar bruxas e
se imaginando dentro da fantasia. A adaptação da história conseguiu manter o
encantamento da tradição e permitiu que crianças não brancas pudessem se reconhecer e
se identificar com os protagonistas, o que por sua vez colabora com a construção da
autoestima dessas crianças.
O cenário do reconto ocorre no Brasil, descrevendo a situação atual de uma
família com condições de pobreza. Observa-se nitidamente a desconstrução do conto
clássico, apresentando duas crianças negras comendo frutas, ao invés dos doces como
ocorre no clássico conto de fadas. É também interessante o uso do diminutivo
“Joãozinho” no título ao se referir ao personagem do menino, o que pode indicar a
inferioridade com a qual a pessoa negra foi tratada durante os séculos da escravização.
Outra observação é sobre o reconhecimento do empoderamento da mulher negra,
destacando a passagem em que Maria salva o irmão das chantagens da bruxa.
Ao longo da trama, observa-se a genialidade das crianças em enganar a bruxa.
Nesta situação, pode-se fazer uma relação com a organização do povo negro durante o
período de escravização como, por exemplo, a adaptação de sua religiosidade à religião
do colonizador, o planejamento de fugas e o apoio dado aos fugitivos por meio de
tranças nos cabelos das mulheres e “oferenda aos santos” em encruzilhadas, entre tantas
outras táticas de inteligência.
Observa-se, ainda, que o papel da madrasta no conto é análogo ao papel do
capitão do mato no período de escravização, no qual era responsável pela repressão dos
delitos que aconteciam no campo e também capturava e castigava aqueles escravizados
fugitivos, em troca de prêmios e recompensas para seu sustento, entre os séculos XVII e
XIX.
adultos tomando decisões que podem levar a uma nova vida. Pode-se relacionar a prisão
das crianças com a escravização da população africana trazida para o Brasil a partir de
1530, em navios de condições subumanas. Muitas pessoas eram acorrentadas em
situações precárias, para evitar fugas e impedir que cometessem algum delito.
A utilização do conto infantil para o Ensino de Geografia
A Geografia é a ciência que estuda as relações existentes entre a sociedade e a
natureza. Na escola é uma disciplina essencial que contribui para a formação do
indivíduo como cidadão, apresentando soluções para uma melhor organização e
convivência no espaço, sempre o aproximando aos diversos grupos étnicos presentes no
processo histórico-cultural da sociedade (OLIVEIRA, p. 16, 2019).
Uma das contribuições que a Literatura pode oferecer para a Geografia é a
desconstrução da educação tradicional, que ainda permanece na metodologia dos
professores ao utilizar somente o livro didático em sala de aula para ensinar os
conteúdos aos alunos. A Literatura pode compreender espaços, lugares e expandir
horizontes que simulam diversas realidades, além de retratar paisagens, regiões,
aspectos sociais, políticos e culturais da sociedade brasileira em diferentes tempos
históricos. Já a Literatura Negra, na Geografia, contribui para a ressignificação da
matriz africana e o entendimento das reivindicações do negro de forma positiva,
oferecendo ao professor a oportunidade de contribuir com a luta contra a discriminação
racial.
O Ensino de Geografia pode usar de diversas áreas de conhecimento, como a
Literatura, para que haja uma interdisciplinaridade, o que contribui para aproximar o
aluno da realidade do seu cotidiano. O livro infantil Joãozinho e Maria (AGOSTINHO;
COELHO, 2013) nos permite uma ligação entre a ficção e a realidade, pois expressa as
diferenças culturais e sociais do Brasil. Nas aulas de Geografia, o professor tem a
capacidade de abordar os aspectos geográficos a partir de análise das imagens e leitura
do reconto, sendo capaz de auxiliar na formação de valores humanos e na transformação
pessoal do aluno.
A partir do reconto, é possível trabalhar os temas gerados pelo abandono, pela
violência doméstica e exploração infantil, bem como pela falta de segurança, fome e
miséria, e pela procura de sustento familiar. Esses temas são bastante comuns na
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realidade brasileira, pois muitas famílias que moram em área de risco social passam ou
já passaram por essas situações em seus lares.
As principais categorias de análise de Geografia são: território, paisagem, lugar e
região, sendo que cada uma é capaz de contribuir para a aplicação da Lei 10.639/2003
nos diversos conteúdos. Com as categorias Território e Lugar, pode-se focar no
processo de formação histórico brasileiro que valorize a participação do negro na
sociedade. Emprega-se a categoria território, para analisar o continente africano em seu
processo histórico e como um território de poder e disputa e formação da civilização. É
também possível, nas aulas de Geografia, trabalhar como se dá a produção do espaço
africano enquanto região, para compreender parte do desenvolvimento desigual a partir
da dominação europeia, da subalternização da raça resultante do processo colonial. A
categoria Paisagem pode associar a Lei 10.639/2003 às relações sociais e à
representatividade das festividades dos congadeiros e a sua importância para a cidade de
Uberlândia-MG, entre outras possibilidades.
Silva e Azevedo (2015, p. 44) cita que, segundo “Lefébre (1976, p.30), o espaço
geográfico é o lócus da reprodução das relações sociais de produção, ou seja, o espaço é
visto de maneira individual e é representado por um espaço vivido com influências
humanas”.
Uma categoria de análise que é essencial para trabalhar as questões étnico-
raciais na Geografia é o território, pois para Ramos, Gomes e Sampaio (2017, p. 66), o
território “trabalha a construção histórica, socioeconômica, cultural e étnica, seja do
Brasil, ou de outros países. Ela pode ser utilizada para diagnóstico, para análise crítica, e
planejamento”. Juntamente com a Geografia, o território discute a diversidade regional,
as desigualdades no espaço, as potencialidades da natureza e as diferenças da
população, permitindo que o sujeito tenha a percepção das relações que acontecem na
sociedade.
Com o reconto de Joãozinho e Maria (AGOSTINHO; COELHO, 2013), outra
categoria que pode ser destacada é o lugar, pois remete ao pertencimento em
determinado espaço, experiências e sentimentos trocados no ambiente em que habita,
tendo relação com as características específicas ali vivenciadas. É a partir dessa
categoria que os indivíduos conseguem estreitar laços com o espaço vivido e entender
os fatos históricos e culturais de um determinado local e grupo.
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O Lugar gera laços tão essenciais para os seres que estes passam a se
identificar a partir dele, a afetividade e o pertencimento resultam na
configuração da identidade de cada residente como membros de um
determinado grupo social. O interesse da ciência geográfica pelo Lugar em
grande parte se dá justamente pela busca das relações identitárias entre os
sujeitos e o espaço que estes habitam e se relacionam, gerando as mais
diversas experiências socioespaciais. (MENDES; SOUSA; PEREIRA, 2017,
p. 158)
Os personagens são expostos aos diversos perigos e problemas sociais como, por
exemplo, a fome existente no Brasil e no mundo. A falta de alimentos para as pessoas é
um processo resultante da desigualdade de renda, que faz milhões de pessoas passarem
necessidades básicas, em várias cidades e também no campo. O Brasil conseguiu sair do
mapa da fome em 2014 (CNN Brasil, 2021), porém na atualidade houve um aumento no
número de pessoas em situação de miséria, decorrente da política de governo. Além de
programas sociais, é necessário ofertar melhores condições de trabalho e aumento da
renda, para que a população possa garantir o sustento de forma digna.
Outro tema a ser trabalhado com o conto infantil é a pedofilia. Segundo a
Organização Mundial de Saúde (DEFATO, 2017), a pedofilia trata-se de um transtorno
de preferência sexual em que a pessoa sente desejos por crianças. O problema ocorre
quando o pedófilo deixa de ser apenas portador de uma doença e passa a abusar
sexualmente de crianças, porém não precisa em nenhum momento que o pedófilo tenha
contato físico com a vítima, assim sendo, a pedofilia pode materializar-se de diversas
formas como, por exemplo, no conto o fato da bruxa deixar o Joãozinho preso na gaiola
e sentir prazer em vê-lo nessa situação. Essa cena pode caracterizar um fetiche pedófilo.
Em relação à questão do trabalho infantil, o reconto relata que a velha bruxa
obriga Maria a fazer os trabalhos domésticos, como encher o forno de graveto até obter
um fogo bem forte para que seu irmão Joãozinho fosse assado, além da madrasta
explorar as crianças para que fossem sozinhas colher frutas na mata. Entende-se que
essas passagens do reconto estão ligadas com a realidade brasileira, como a exploração
da criança, que é um problema mundial que afeta mais 210 milhões de menores entre 5
e 14 anos. De forma abusiva e ilegal, esses menores são privados de sua infância,
interferindo na frequência à escola regularmente e afetando seu psicológico e
emocional. A pobreza e a falta de oportunidades são as principais causas dessa situação.
A Geografia, com o auxílio da Literatura, pode contribuir para a discussão de
conteúdos sociais, destacando a atualidade brasileira e mundial, assim é possível
aproximar as crianças da realidade do cotidiano, podendo colaborar para a formação do
indivíduo com valores críticos diante do cenário de falta de direitos humanos.
Resultados e Discussões
A Contação de História é uma prática pedagógica eficaz para a construção de
conhecimentos, valores e identidade do aluno. É uma prática que estimula o letramento
e a leitura da criança, favorecendo o trabalho do docente em todos os níveis de ensino.
Além de desenvolver a imaginação, essa estratégia estimula a interação do aluno com a
literatura, propiciando conhecimentos e aprendizagem sobre o mundo e a sociedade.
Considerações Finais
Dezessete anos após a implementação da Lei 10.639/2003 no sistema
educacional, ainda há dificuldade em incluir a História e Cultura africana no
planejamento escolar, por isso, através da Literatura, o professor poderá selecionar
livros que retratem em sua narrativa a história dos povos africanos e indígenas,
observando se a história e as ilustrações desses grupos étnicos estão representadas de
forma positiva, uma vez que podem conter estereótipos racistas.
Para a aplicabilidade da Lei no Ensino de Geografia, é possível utilizar a
Literatura como forma de inserir ações pedagógicas em salas de aula. Com o estudo
sobre a África a partir da Contação de Histórias, o aluno será capaz de desconstruir
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Referências
AGOSTINHO, Cristina; COELHO Ronaldo Simões. Joãozinho e Maria. Adaptação.
Belo Horizonte: Mazza Edições, 2013, 16p.
PEDOFILIA deve ser vista como transtorno mental. DeFato, 23 out. 2017. Notícias.
Disponível em: https://defatoonline.com.br/canais/saude-e-bem-estar/noticias-saude-e-
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SILVA, Maria Auxiliadora Gomes da; AZEVEDO, Sérgio Luiz Malta de. O Espaço
Geográfico através da literatura: um estudo dos contos de Guimarães Rosa. Revista
Científica da FASETE, 2015. Disponível em:
https://www.fasete.edu.br/revistarios/media/revistas/2015/9/o_espaco_geografico_atrav
es_da_literatura.pdf. Acesso em: 02 abr. 2019.