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Porto Alegre
2020
CIRO ALBUQUERQUE TELLES
Porto Alegre – RS
2020
FOLHA DE APROVAÇÃO
BANCA EXAMINADORA:
Agradeço, primeiramente, a Deus, pelo dom da vida e por ter me conduzido até este
momento de pleno sucesso profissional e felicidade pessoal. À minha esposa, Renata, que me
apoiou durante toda a condução deste curso de especialização e, com inestimado
companheirismo, soube compreender as inúmeras horas de estudo despendidas em detrimento
do convívio familiar. Agradeço, também, aos meus pais, por terem me proporcionado o amor e
o carinho que serviram de base para meu caráter e a educação e ensino indispensáveis para
minhas conquistas até aqui alcançadas.
Não poderia deixar de agradecer a todo o corpo docente do Curso de Especialização em
Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul pela brilhante condução
dos trabalhos e aulas ministradas ao longo de 2019, em especial, ao meu orientador, Professor
Guilherme Thudium, cujo apoio, compreensão e vasto conhecimento foram primordiais para a
redação deste Artigo.
Agradeço, também, a todos aqueles que, direta ou indiretamente, me auxiliaram na
elaboração deste projeto e, por fim, agradeço à Força Aérea Brasileira, instituição à qual sirvo
há mais de vinte anos e que foi provedora de grande parte de meu alicerce acadêmico.
RESUMO
The present study aims to relate the increase in demand from the Chinese market and the
increase in hydrocarbon exports from Bolivia with a possible deindustrialization process in that
country. Understanding the consequences of the new global scenario for the Bolivian economy
may help to understand the behavior of other economies whose performances are also based on
the export of primary goods, in addition to helping to understand the impacts of such relations
on the current geopolitical scenario. The research will adopt the hypothetical-deductive method,
making use of official researched data to prove the hypothesis presented. The preliminary
conclusion of the work consists of observing the symptoms of the Dutch disease in the Bolivian
economy, as well as a dependence on exports of energy commodities.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10
2 CONJUNTURA BOLIVIANA E OS IMPACTOS DO “EFEITO CHINA” ................. 11
1 INTRODUÇÃO
Como uma civilização milenar, a China passou por diversas fases, sendo as últimas
décadas um dos períodos mais marcantes da história do país. Desde a Revolução de Sun Yatsen,
que marcou a criação de um governo republicano, passando pelo rompimento com a URSS e a
abertura de seu mercado, a China vem experimentando um crescimento constante, que se
acentuou a partir dos anos 2000, quando, após integrar a OMC e, baseada em um projeto de
desenvolvimento multifascético globalizado, o país ultrapassou o Japão e assumiu o posto de
segunda maior economia do mundo1, tornando-se, assim, um expoente entre os demais países
do eixo industrial emergente (VISENTINI, 2019). Durante esse mesmo período, qual seja, a
primeira década dos anos 2000 (2000 - 2010), a elevada demanda chinesa pela infraestrutura
necessária para sustentar suas altas taxas de crescimento acarretou significativa valorização das
commodities energéticas no mercado mundial.
Tomando o mencionado contexto temporal como pano de fundo, nos debruçaremos
sobre os impactos gerados por tal conjuntura na economia da Bolívia, que consiste em uma das
maiores exportadoras de gás natural e minérios das Américas e que, durante o mesmo período,
passou por um significativo processo de nacionalização de seus recursos energéticos.
Para o desenvolvimento do presente trabalho, foram estabelecidos os seguintes
objetivos específicos: identificar o contexto político do caso boliviano, na década de 2000,
diante do crescimento do mercado chinês; identificar dados referentes ao desempenho da
economia boliviana, durante o mesmo período; e, por fim, identificar os conceitos de
desindustrialização e de doença holandesa.
Com o intuito de balizar o presente trabalho, estabeleceu-se o seguinte problema de
pesquisa: de que maneira o crescimento da demanda da China e a nacionalização dos
hidrocarbonetos afetou a economia boliviana? Trabalharemos com a hipótese de que o
crescimento do mercado chinês, que ocasionou uma alta no preço das principais commodities
energéticas, estaria fomentando uma dependência da exportação de bens primários, por parte
da economia boliviana, e levando ao início do fenômeno de desindustrialização, que consiste
em um processo que, de acordo com Bresser Pereira (1990), leva à reprimarização da pauta de
exportações de um país. Quando tal reversão ocorre no sentido das commodities, como é o
objeto do presente estudo, o evento pode ser visto como sintoma da chamada “doença
1 Ao considerarmos o método alternativo de Paridade do Poder de Compra (PPC), a China já atingiu a posição de
maior economia do mundo.
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período, e verificaremos como tal fenômeno impactou o mercado mundial das commodities
energéticas e, consequentemente, a economia boliviana.
Antes de nos debruçarmos estritamente sobre o campo econômico, que será discutido
no próximo capítulo, faz-se necessário abordar alguns aspectos políticos vivenciados no início
dos anos 2000 e que foram decisivos para significativas mudanças estruturais na economia da
Bolívia, país que integra o eixo agrário, mineral e periférico do poder mundial, cujas principais
características serão relevantes para a presente análise, a saber: fragilidade político-social,
debilidade econômica, agenda interna basicamente voltada para a manutenção de sua existência
como nação, além de sujeição às grande potências e players mundiais (VISENTINI, 2019)2.
Apesar do aparente sucesso da Revolução Nacional, de 19523, que teve como um de
seus principais objetivos acabar com os padrões de organização social vigentes desde a colônia,
o que se observou na Bolívia até o final dos anos 90 foram sucessivas crises de legitimidade
política, que era protagonizada por alianças partidárias efêmeras e com pouca
representatividade popular. Tal aspecto excludente da política boliviana pode ser considerado
como um dos fatores de insatisfação latente e que culminaram em fortes mobilizações sociais
entre 2000 e 2005.
Além do desgaste político vivido à época, o cenário econômico internacional
desfavorável, que culminou em uma queda vertiginosa no desempenho da economia boliviana
e em altas taxas de desemprego, levou a uma insatisfação generalizada quanto ao
neoliberalismo, recém-estreado na América Latina, e a uma posterior onda nacionalista, como
veremos a seguir.
Em 2003, protestos populares tomaram as ruas do país e o então presidente Sanchez de
Lozada renunciou ao cargo, por não mais possuir sustentação política. Seu sucessor, Carlos
Mesa, como uma de suas primeiras medidas e a despeito da posição contrária de toda a opinião
pública, aprovou a Lei de Exploração de Recursos Naturais do País. Tal Lei foi considerada
2 Segundo a categorização de polos de poder mundiais pós-Guerra Fria, o primeiro grupo político-econômico
proposto por Visentini (2019), consiste no “eixo militar-rentista anglo-saxão”, que é, basicamente, constituído
pelas grandes nações hegemônicas. O segundo é o “eixo industrial desenvolvido”, que aglutina União Europeia,
Japão e Tigre Asiáticos. O terceiro consiste no “eixo industrial heterodoxo emergente”, integrado pelos BRICS,
com destaque para a China e Rússia e, finalmente, o “eixo agrário, mineral e demográfico periférico”, do qual,
dentre outros, faz parte a Bolívia.
3 Também conhecida como Revolução Boliviana, o período que se estende de 9 de abril de 1952 até 4 de novembro
de 1964 foi uma importante revolução popular, que teve como objetivo mudar a ordem econômica, social e política
vigente.
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uma afronta à soberania nacional, o que levou, mais uma vez, a uma série de protestos. Na
esteira de mais uma renúncia, agora por parte de Mesa, novas eleições foram convocadas e os
dois principais concorrentes desse novo pleito foram Jorge Quiroga, que representava uma
alternativa conservadora e desgastada, e Evo Morales, pertencente ao MAS (Movimento al
Socialismo) e portador de ideais progressistas, que catalisavam o anseio de mudanças, de
grande parcela da população. O resultado das eleições, apesar de previsível, surpreendeu pela
larga vantagem de Morales, que se tornou presidente da Bolívia com mais de 54% dos votos
válidos.
Menos de quatro meses depois de assumir a presidência, Evo deu o caráter vinculante a
um referendo realizado por Mesa, ainda em 2004, no qual a grande maioria dos votantes se
declarou favorável à nacionalização das jazidas de petróleo e gás natural. Com isso, Morales
baixou o Decreto Supremo 28071, de 1.º de Maio de 2006, o qual: a) devolvia ao Estado
Boliviano a propriedade dos recursos naturais ali encontrados; b) retomava a gestão de todas as
etapas de produção daqueles; c) determinava que somente poderiam ser executados os contratos
devidamente aprovados pelo Congresso Boliviano; d) ordenava a nacionalização das ações
necessárias para que a YPFB (Yacimentos Petroliferos Fiscales Bolivianos) passasse a deter
50% mais 1 das ações das empresas transnacionais estabelecidas em território boliviano e e)
estabelecia o período de 180 dias para que estas mesmas empresas pudessem se adaptar às
disposições do decreto, através da assinatura de novos contratos ou saída do território boliviano.
Apesar de toda a polêmica gerada e dos efeitos negativos para as empresas
internacionais que controlavam grande parte dos recursos naturais bolivianos (dentre elas, a
Petrobrás), o governo Evo esperava, como resultado da nacionalização, um impacto positivo
para a economia boliviana, como viria a se confirmar nos anos subsequentes. Tal impacto
superou as expectativas das equipes econômicas, em virtude da súbita alta dos preços das
commodities energéticas no mercado internacional, motivadas pelo chamado “efeito China”.
após o ano 2000. No caso do gás e do petróleo, a parcela chinesa do total mundial é menor,
entretanto, ressalta-se o significativo crescimento de ambos os setores, que quase dobraram,
também após o ano 2000.
levando, por sua vez, a uma elevação de seus valores de mercado, ainda segundo os autores.
Tal contexto diferencia a alta vivida nos anos 2000 dos últimos dois picos de preços, vividos
no início dos anos 50 e 70, quando as expectativas de elevação da demanda mundial acabaram
por não se concretizar, acarretando posteriores quedas nos valores dos produtos no mercado
mundial.
A elevação de preços, decorrente do, já mencionado, “efeito China”, gerou impactos
significativos em todo o mercado mundial, em especial nas economias primário exportadoras,
como veremos no caso boliviano.
fato, se avaliarmos a taxa de crescimento médio entre 2000 e 2005, obtém-se um crescimento
anual de 3%, inferior ao crescimento médio de 2006 a 2010, que foi de 5,06%.
Além disso, tal incremento na taxa de variação do PIB boliviano coincide com a data na
qual se iniciou o processo de nacionalização dos hidrocarbonetos, conduzido por Evo Morales.
3.2 EXPORTAÇÕES
Por oportuno, na Figura 6, dividimos os valores das exportações por tipos de produtos,
de acordo com uma classificação tradicionalmente utilizada na Bolívia, qual seja, entre
Hidrocarburos, Minerales e No Tradicionales.
Interessante mencionar que a soma das exportações de hidrocarburos e minerales, que não
chegavam a 50% em 2000, aproximam-se de 80%, em 2010.
Figura 10: Exportação de Gás Natural, de 2000 a 2010, em milhões de dólares e MPCS
3.Manufaturas de baixa tecnologia Produtos têxteis, roupas, calçados, cerâmica, móveis, plásticos, etc.
3.3 IMPORTAÇÕES
Apesar do valor das importações ter subido consideravelmente, observa-se que sua
composição permaneceu estável entre 2000 e 2010, conforme ilustram as Figuras 14 e 15.
Figura 14: Valores de importações, por tipo. (2000 – 2010, em milhões de dólares)
Figura 15: Composição das Importações da Bolívia, por tipo. (2000 – 2010)
Outro indicador que deve ser analisado consiste no histórico da taxa de câmbio do Peso
Boliviano frente ao Dólar americano. A Figura 16 ilustra que, de 2000 a 2005, a moeda
boliviana se desvalorizou de forma constante, chegando ao valor de 8,07, em 2005, quando, a
partir de então, esboçou leve tendência de valorização. A partir de 2006, ano da nacionalização
dos hidrocarbonetos, a tendência de valorização se confirmou e se acentuou. O Peso atingiu o
patamar de 7,02 por dólar, em meados de 2008, mantendo-se estável até o final do período
avaliado.
Figura 16: Taxa de câmbio dólar x peso Bol (média anual, de 2000 a 2010)
3.5 DESEMPREGO
nas taxas de emprego, mas, principalmente, em termos de participação do valor adicionado pela
indústria de transformação ao Produto Interno Bruto.
Tal definição de desindustrialização, baseada apenas em taxas de emprego, sem a atenta
observância das taxas de produção industrial, pode ser prejudicial, principalmente para os
governos de países em desenvolvimento, no tocante a políticas públicas. Para Tregenna (2009,
p. 439):
5 CONCLUSÃO
O presente artigo teve como objetivo principal fazer um estudo de caso acerca dos
impactos do processo de nacionalização dos hidrocarbonetos bolivianos quando associado à
elevação dos preços das commodities, bem como do consequente acréscimo das exportações de
bens primários do país.
Inicialmente, traçamos um panorama da situação política vivida na Bolívia, no início
dos anos 2000, que culminou na vitória de Evo Morales, em 2005, e na política de
nacionalização dos recursos naturais, como uma de suas primeiras medidas no comando do
país. Da mesma maneira, esboçamos um panorama do crescimento experimentado pela
República Popular da China e intensificado na virada do milênio, expondo as causas para tal
feito e as consequências do exponencial crescimento da demanda chinesa para o mercado
internacional, mais especificamente, para os valores das commodities energéticas.
No terceiro capítulo, foram apresentados diversos indicadores de desempenho
econômico da Bolívia, para, ao final dessa etapa, após uma breve discussão acerca dos conceitos
de desindustrialização e à luz do referencial teórico, analisarmos os impactos e correlações dos
eventos em pauta com a possibilidade de ocorrência da doença holandesa no país.
Após a análise dos dados, e, de acordo com a abordagem proposta por Treggena,
pudemos observar características de um processo de desindustrialização em curso na Bolívia,
mais especificamente, após 2006. Ademais, por meio dos dados apresentados, pôde-se
identificar os principais sintomas da doença holandesa, que consistem na valorização do câmbio
local e no declínio do setor manufatureiro, salientando-se que os impactos estudados foram
diretamente afetados e majorados pelo efeito do crescimento chinês sobre o mercado
internacional.
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REFERÊNCIAS