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DIESSEL, H. Grammar as a network. In: DIESSEL, H. The Grammar Network.

How
linguistic structure is shaped by language use. New York: Cambridge University Press,
2019.

2.1. Introdução

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É uma hipótese central da Linguística Baseada no Uso que a estrutura gramatical consiste
em signos, isto é, de construções, que estão associadas umas às outras de formas variadas,
de modo que o inventário completo dos signos linguísticos é comumente caracterizado
como um tipo de rede.

Alguns pesquisadores defendem que as construções são interconectadas por certos tipos
de links – como links de herança e de polissemia, por exemplo. No entanto, tais elos não
são suficientes para dar conta de todos os aspectos da estrutura linguística. Neste capítulo,
trataremos de alguns tipos de links e relações adicionais.

2.2. Algumas propriedades gerais das redes

Vamos começar com algumas considerações sobre o uso de redes na ciência. Os modelos
em rede são usados nas disciplinas científicas para analisar um amplo espectro de
fenômenos, e.g., ecossistemas, relações sociais, o cérebro, os circuitos econômicos,
sistemas de tráfego, processos cognitivos e linguísticos (BUCHANAN, 2002).

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Formalmente, uma rede consiste em duas entidades básicas: (i) um conjunto de nós, e (ii)
conexões. Frequentemente, o modelo de redes é usado porque é útil à análise dos
processos dinâmicos.

A rede gramatical que proponho tem motivação nas redes neurais ou nos modelos
conexionistas (RUMELHART e MACCLELLAND, 1986; ELMAN et al. 1996). As
redes neurais são modelos computacionais amplamente empregados por cientistas
cognitivos na descrição do uso e da aquisição linguística. Um dos aspectos que tornam as
redes neurais interessantes para a análise da língua em uso é que os links entre nós têm
“pesos”, ou valores de ativação, que são formados no processamento. Em linhas gerais,
quanto mais frequentemente um link é processado, mais fortes se tornam as conexões e
maior é a probabilidade de se reutilizar essas conexões no futuro. Esta é uma das
motivações para a mudança. Os modelos de rede podem mudar por meio de mecanismos
particulares que criam – ou deletam – novos nós e novas conexões ou que servem para a
reconfiguração de uma constelação já existente de nós e conexões (BUCHANAN, 2002).

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2.3. Um modelo de rede aninhado de gramática


O presente estudo desenha um modelo de rede gramatical em que todos os conceitos
gramaticais são definidos por tipos particulares de links, ou relações, que indicam
conexões associativas entre diferentes aspectos do conhecimento linguístico do falante.
Especificamente, eu proponho um modelo de rede aninhado em que os nós de um nível
de análise são redes de um outro nível.

Podemos distinguir dois tipos básicos de construção: a construção morfológica, que são
palavras multimorfêmicas como em teacher (teach-/-er), e construções sintáticas que
consistem de dois ou mais slots com lexemas (livres). A construção genitiva John’s car,
por exemplo, é uma construção sintática: [NP’s NP].

As construções são comumente pensadas como signos, do mesmo modo que os lexemas.
De fato, em parte da literatura construcionista, a noção de construção foi estendida de seu
sentido tradicional – associado aos padrões gramaticais – para lexemas simples e
morfemas (GOLDBERB, 1995; CROFT e CRUSE, 2004; HILPERT, 2014). Sob esse
ponto de vista, todos os signos linguísticos são vistos como construções. No entanto,
mantendo-se a noção tradicional de construção, nós restringimos o uso desse termo aos
padrões gramaticais que envolvem pelo menos dois itens significativos, e.g., dois
morfemas, palavras ou sintagmas, e empregamos o termo lexema para palavras
monomorfêmicas ou para morfemas simples (cf. LANGACKER, 1987, p. 83-87). Como
veremos, uma vez que os lexemas e as construções são aprendidos e processados de
formas distintas, é razoável mantê-los separados. Ainda, embora lexemas e construções
apresentem diferenças, ambos devem ser vistos como signos linguísticos, na medida em
que combinam uma forma particular a um significado.

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A visão baseada em signo da estrutura linguística tem implicações diretas para a análise
gramatical. Se a estrutura linguística consiste em signos (isto é, construções), é plausível
a hipótese de que a organização cognitiva da gramática é similar ao léxico mental, o qual
é comumente caracterizado como uma rede de signos e símbolos relacionados. Em
concordância com essa visão, nós assumimos que o conhecimento linguístico do falante
sobre os signos linguísticos inclui conexões associativas a outros signos linguísticos, de
modo que todo signo linguístico – lexema ou construção – deve ser visto como um nó de
uma rede simbólica. Eu proponho que o conhecimento linguístico do falante envolva três
tipos básicos de links, ou relações, que definem associações entre diferentes aspectos do
signo linguístico:

• RELAÇÕES SIMBÓLICAS conectando forma e significado,


• RELAÇÕES SEQUENCIAIS conectando elementos linguísticos em sequências
e,
• RELAÇÕES TAXONÔMICAS conectando padrões linguísticos em diferentes
níveis de abstração.

Note que assim como as três relações supracitadas são importantes à análise
construcional, elas também podem ser aplicadas aos lexemas. Como as construções, as
expressões lexicais são simbólicas, sequenciais e taxonômicas: elas combinam uma forma
particular a um significado, elas consistem em sequências de sons, ou gestos
articulatórios, e são taxonômicas, no sentido que as representações lexicais surgem das
generalizações de tokens com propriedades semânticas e fonéticas semelhantes.

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Juntas, as três relações definem as unidades básicas da fala – e.g., morfemas, palavras,
sintagmas e construções, os quais, por sua vez, são interconectadas de maneiras variadas
em um nível mais alto de organização cognitiva. Eu proponho outros três tipos de links,
ou relações, que dizem respeito às relações entre lexemas e construções:

• RELAÇÕES LEXICAIS conectando lexemas com formas e significados


similares ou contrastivos;
• RELAÇÕES CONSTRUCIONAIS conectando construções de um mesmo nível
de abstração, e
• RELAÇÕES DE PREENCHIMENTO DE SLOT conectando lexemas
particulares (ou sintagmas) com slots particulares dos esquemas constructionais.

As relações lexicais são bem conhecidas no estudo do léxico mental, mas os outros dois
tipos de relação são raramente considerados na linguística. No entanto, como veremos,
as relações de preenchimento de slot são de relevância central à análise da estrutura
argumental, classes de palavras, relações gramaticais, paradigmas morfológicos e outros
fenômenos gramaticais que são tradicionalmente analisados por categorias discretas e
regras algorítmicas.

2.4. Signos como redes

A hipótese geral de que signos linguísticos, notadamente construções, constituem um tipo


de rede foi proposto em estudos prévios (LANGACKER, 2000; FRIED, 2015; SCHMID,
2015); mas, pelo que tenho observado, essa hipótese nunca foi elaborada.
2.4.1. Relações simbólicas

As relações simbólicas constituem o coração da definição tradicional do signo linguístico.


Com o foco nas palavras, Saussure ([1916] 1994: 66) definiu o signo linguístico como
uma “entidade psicológica de duas faces” que combina um padrão sonoro particular com
um significado particular. Tradicionalmente, a noção de signo é restrita a lexemas, mas,
como mostramos acima, as construções também devem ser vistas como signos que
combinam uma estrutura particular com um significado.

Os linguistas cognitivos têm analisado os fundamentos conceptuais dos signos


linguísticos com grande detalhe, mas usualmente olham para o polo semântico dos
lexemas e das construções de uma perspectiva (puramente) semântica. Na abordagem
atual, nós estamos particularmente interessados no desenvolvimento de associações
simbólicas. Se olharmos para os signos linguísticos sob uma perspectiva do
desenvolvimento, nós vemos que as relações simbólicas são emergentes e gradientes
(como todas as outras conexões associativas na rede). Este é um dos preceitos centrais
deste livro que as relações simbólicas envolvem trajetórias recorrentes de interpretação
que se tornam enraizadas (e convencionalizadas) como uma consequência da automação
(e da cognição social).

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A análise proposta desafia a distinção tradicional entre codificação e inferência e fornece


a base para uma teoria dinâmica da significação na qual os elementos linguísticos são
vistos como pistas ou estímulos que ativam um conceito específico, isto é, uma figura nó,
de uma rede semântica (figura 2.1) (LANGACKER, 2008, p. 39). A palavra “braço”, por
exemplo, ativa o conceito de uma parte do corpo como uma figura nó e implica o conceito
de ‘corpo’ como sua base. Mas, em adição à base, ‘braço’ também pode ativar um
espectro maior de conceitos, tais como ‘músculo’, ‘forte’ e ‘levantar’. Uma vez que o
status da ativação da rede varia com o contexto, a mesma pista linguística pode levar a
diferentes interpretações em diferentes situações discursivas. Sob esse ponto de vista, os
signos linguísticos não têm significado, mas servem para “criar” significado nas
interações comunicativas (ELMAN, 2009; DEPPERMANN, 2006).

Tanto os lexemas quanto as construções podem ser vistas como pistas ou estímulos que
evocam significados, mas os processos cognitivos que envolvem a interpretação
semântica das construções são diferentes dos lexemas. Como veremos no capítulo 6, os
lexemas têm relação direta com o conhecimento de mundo, ao passo que as construções
servem de guia à interpretação das expressões lexicais pelos ouvintes. Especificamente,
argumenta-se que as construções fornecem instruções que integram os significados que
são evocados por expressões lexicais múltiplas em uma representação semântica
coerente.
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2.4.2. Relações sequenciais

As relações sequenciais especificam associações entre os elementos linguísticos em


sequência. Todas as entidades linguísticas (e.g. fonemas, lexemas e cláusulas) ocorrem
umas após as outras em ordenação linear ou sequencial. A ordenação linear dessas
entidades é influenciada por um amplo espectro de fatores cognitivos, os quais incluem
princípios de fonética articulatória, atenção focal e ground comum, mas a força das
relações sequenciais é primariamente determinada pela automatização. Uma vez que os
itens linguísticos que são frequentemente usados juntos se associam uns aos outros, eles
frequentemente se tornam unidades de processamento automático, também conhecidas
como “chunks” (BYBEE, 2010, p. 33-45).

O processamento sequencial influencia todos os aspectos do conhecimento linguístico,


mas o efeito talvez seja mais óbvio no caso das unidades lexicais pré-fabricadas, como
thank you, how are you, e I don’t know (BYBEE e SCHEIBMAN, 1999). Na língua
natural, abundam as estruturas lexicais pré-fabricadas (ou colocações), mas a associação
sequencial também tem um papel importante na sintaxe. Como veremos no capítulo 5, os
constituintes sintáticos são derivados de sequências recorrentes de expressões similares
que se tornaram “chunks” com links sequenciais fortes entre suas partes.

2.4.3. Relações taxonômicas

Finalmente, as relações taxonômicas dizem respeito à organização hierárquica da


gramática. É uma hipótese padrão da abordagem baseada no uso que o conhecimento
linguístico varia em uma escala de abstração (LANGACKER, 1987; CROFT, 2001;
GOLDBERB, 2006). A escala é baseada na experiência linguística do usuário com
sequências lexicais particulares. Cada sequência de expressões lexicais tem propriedades
fonéticas e semânticas particulares que variam com o contexto. Mas, como há
sobreposição entre as sequências individuais, há o desenvolvimento de representações
abstratas da estrutura linguística, conhecidas como “esquemas construcionais”
(LANGACKER, 1991).

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As relações taxonômicas são criadas por meio da abstração, que dependem crucialmente
do reconhecimento da similaridade; mas as relações taxonômicas também são forjadas
pela frequência. Dois tipos distintos de frequência devem ser observados no contexto:
frequência token, que diz respeito à frequência da mesma experiência ou de uma
experiência similar, e frequência type, que se refere ao número de tipos lexicais distintos
que estão associados a um esquema (BYBEE, 2001). Os dois tipos de frequência afetam
a representação dos conceitos linguísticos na memória. A frequência token tem um
conhecido efeito de fortalecimento na informação lexical e a frequência type é de
relevância central para a extração de esquemas e para a produtividade morfossintática.

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Desafiando a visão comum de que os falantes nativos compartilham um mesmo


conhecimento básica de gramática, os pesquisadores dos modelos baseados no uso
acharam diferenças substanciais na forma como os falantes individuais usam e entendem
os padrões gramaticais. Uma razão para isso é que a experiência linguística varia entre
falantes e comunidades discursivas.

2.5. Rede de Signos

2.5.1. Relações lexicais

As relações lexicais indicam associações entre itens lexicais individuais. Eles têm sido o
centro da pesquisa linguística e psicolinguística sobre o léxico mental. Há evidências
variadas de que o conhecimento linguístico dos itens lexicais inclui associações a outros
itens semântica e/ou foneticamente relacionados. O lexema sky (céu), por exemplo, está
semanticamente relacionado a cloud (nuvem) e sun (sol), e foneticamente associado a
skin (pele) e ski (esqui).

As relações lexicais são criadas por categorização e reforçadas por automatização e


priming. Como veremos no capítulo 6, as expressões lexicais que são frequentemente
empregadas juntas em um mesmo frame ou domínio se tornam associadas umas às outras.

Embora as associações lexicais dizem respeito primariamente às palavras, elas também


desempenham um papel relevante na organização e no desenvolvimento da gramática.
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2.5.2. Relações construcionais

Como os lexemas, as construções são interconectadas. A hipótese subjacente é que toda


construção tem uma “locação ecológica” particular na rede gramatical, que é definida
pela relação com outras construções no sistema (LAKOFF, 1987; DIESSEL, 1997). Isto
talvez seja mais óbvio no caso das construções morfológicas ou nos paradigmas
flexionais. Por exemplo, em várias línguas, os substantivos são flexionados em número e
caso e verbos são flexionados em pessoa, tempo, aspecto e modo. Tradicionalmente, os
paradigmas flexionais são analisados como o produto de regras concatenadas que
combinam raízes lexicais com um conjunto de afixos (flexionais), mas, na gramática
construcional, as formas flexionais são licenciadas pelos esquemas construcionais.
Embora todo esquema constitua um padrão linguístico, os esquemas das palavras
flexionais estão diretamente relacionados. Eles constituem um sistema de padrões
esquemáticos interconectados que devem ser vistos como uma rede no sistema.

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Num primeiro olhar, a rede apresentada acima não parece muito diferente da visão
estruturalista sobre o paradigma morfológico, mas há, sim, uma diferença significativa.
Na abordagem estruturalista, os paradigmas linguísticos são considerados sistemas
fechados e estáveis, mas na abordagem de rede, os paradigmas emergem e são forjados
pelo uso linguístico.
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2.5.3. As relações de preenchimento de slot

Há conexões associativas entre lexemas individuais e slots específicos de esquemas


construcionais aos quais nos referimos como relações de preenchimento de slot. Na
abordagem estruturalista e gerativista, os lexemas individuais são irrelevantes para a
análise gramatical, mas no modelo baseado no uso, a estrutura linguística é lexicalmente
particular no sentido de que as categorias gramaticais são geralmente associadas com
itens lexicais específicos.

Acima, dissemos que os esquemas construcionais emergem de sequências de expressões


lexicais com propriedades sobrepostas e esses esquemas e as sequências lexicais são
conectadas por links e relações taxonômicas. As relações de preenchimento de slot são
baseadas na organização taxonômica da gramática e eles dizem respeito a associações
entre lexemas individuais e slots particulares de esquemas de construção, em vez de
associações entre padrões gramaticais inteiros.

Em outras palavras, os falantes “sabem”, com base em sua experiência, que certos
lexemas tendem a aparecer em slots de esquemas construcionais particulares e isto tem
um impacto significativo na sua escolha dos elementos linguísticos no uso.

2.6. Resumo

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Para resumir, este capítulo introduziu um modelo de rede aninhado de gramática em que
os vários aspectos do conhecimento gramatical de um falante são definidos por um
conjunto de conexões associativas em dois níveis diferentes de análise. Primeiro, os
signos linguísticos são definidos por três tipos básicos de relações ou associações: (i)
relações simbólicas conectando forma e significado, (ii) relações sequenciais conectando
elementos linguísticos em sequência, e (iii) relações taxonômicas conectando padrões
linguísticos em uma escala de abstração. E em segundo lugar, os vários sinais linguísticos
são combinados a uma rede de nível superior que envolve outro conjunto de três conexões
associativas: (iv) relações lexicais conectando lexemas com formas e significados
semelhantes (ou contrastivos), (v) relações de construção conectando construções no
mesmo nível de abstração, e (vi) relações de preenchimento de slot conectando lexemas
individuais e slots particulares de construção esquemas. A Tabela 2.1 resume a discussão
anterior.

Crucialmente, cada relação é moldada por processos cognitivos específicos. As relações


simbólicas, por exemplo, são determinadas pela conceituação e inferência pragmática
(Capítulo 6), enquanto as relações taxonômicas são principalmente criadas por abstração
(Capítulo 4). Como consequência, os links na Tabela 2.1 podem ter propriedades muito
diferentes. Um aspecto que precisa ser considerado neste contexto é a direção das
associações (ver Kapatsinski 2018 para uma recente discussão). Especificamente,
podemos distinguir entre associações simétrico e assimétrico.

Tradução realizada por Monclar Lopes

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