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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

Prof. Dr. Ivo da Costa do Rosário

O MODELO TEÓRICO
Traugott e Trousdale (2013)

INTRODUÇÃO

1) Como podemos explicar a mudança no sistema linguístico, dado esse modelo de língua? Nosso foco
é desenvolver modos de refletir sobre a criação e a natureza das mudanças nas construções, entendidas
como ‘unidades simbólicas convencionais’ (LANGACKER, 1987; CROFT, 2005).

2) As construções são convencionais porque são compartilhadas por um grupo de falantes. Elas são
simbólicas porque são signos, associações tipicamente arbitrárias de forma e significado. E são
unidades porque algum aspecto do signo é tão idiossincrático (GOLDBERG, 1995) ou tão frequente
(GOLDBERG, 2006) que o signo é fixado como um pareamento forma-significado na mente do
usuário da língua.

* Neste livro, estamos interessados em dois tipos de mudança:

(a) Mudanças que afetam características de uma construção existente, p. ex., semântica (will-
pretender > futuro), morfofonologia (will > ll), restrições de colocação etc. Essas mudanças
não levam necessariamente a uma nova construção. Nós as chamamos de ‘mudanças
construcionais’.
(b) A criação de um pareamento formanova-significadonovo. Chamamos esse tipo de mudança de
‘construcionalização’.

3) Ainda que certas propriedades da gramática, tais como redes, organização hierárquica e herança,
possam ser universais e compartilhadas com outros sistemas cognitivos, a gramática em si, entendida
como conhecimento de um sistema linguístico, é específica à língua, ou seja, está vinculada à
estrutura de uma língua individual, como o inglês, árabe ou japonês. O segundo pressuposto é que a
mudança é mudança no uso, e que o locus da mudança é o construto, uma instância de uso. Terceiro,
distinguimos mudança de inovação. Inovação, como uma característica de uma mente individual, é
apenas um potencial para a mudança. Para que uma inovação tenha valor de mudança, ela deve ter
sido reproduzida por populações de falantes, resultando em convencionalização, ou seja, a integração
de uma inovação em uma tradição de fala ou escrita, tal como evidenciado por materiais textuais
deixados para nós (WEINREICH; LABOV & HERZOG, 1968; ANDERSEN, 2001).

ABORDAGENS CONSTRUCIONAIS DA LÍNGUA

4) As gramáticas de construções aderem aos princípios gerais da linguística cognitiva (cf.


GEERAERTS & CUYCKENS, 2007a).

5) Goldberg (2013) identificou quatro princípios (a-d) compartilhados por todas e outro (e)
compartilhado pela maioria dessas abordagens. São eles:

(a) A unidade básica da gramática é a construção, um pareamento convencional de forma e significado (cf., p.
ex., LAKOFF, 1987; FILLMORE; KAY & O’CONNOR, 1988; GOLDBERG, 1995; 2006).

(b) A estrutura semântica é mapeada diretamente na estrutura sintática superficial, sem derivações (cf.
GOLDBERG, 2002; CULICOVER & JACKENDOFF, 2005).

(c) A língua, como outros sistemas cognitivos, é uma rede de nós e elos entre os nós; as associações entre
alguns desses nós tomam a forma de hierarquias de herança (relações taxinômicas que capturam o grau em que
propriedades de construções de nível mais baixo são previsíveis a partir de construções mais gerais. Cf., p. ex.,
LANGACKER, 1987; HUDSON, 1990; 2007a).

(d) A variação translinguística (e dialetal) pode ser explicada de vários modos, incluindo processos cognitivos
de domínio geral (cf., p. ex., BYBEE, 2010; GOLDBERG, 2013) e construções específicas da língua (cf., p.
ex., CROFT, 2001; HASPELMATH, 2008).

(e) A estrutura da língua é moldada pelo uso da língua (cf., p. ex., BARLOW & KEMMER, 2000; BYBEE,
2010).

6) Além disso, todas as abordagens construcionais veem a gramática como uma estrutura ‘holística’:
nenhum nível da gramática é autônomo ou ‘nuclear’. Ao contrário, em uma construção, semântica,
morfossintaxe, fonologia e pragmática funcionam juntas.

NOSSA REPRESENTAÇÃO DE CONSTRUÇÃO

[[F]] ↔ [[S]].

7) Aqui, F é abreviatura de Forma; se necessário, podemos especificar SIN(taxe), MORFO(logia) e


FONO(logia). S é abreviatura de Significado; se necessário, podemos especificar DIS(curso),
SEM(ântica) e PRAG(mática). SIN, MORFO, FONO, DIS, SEM e PRAG são ‘traços de uma
construção’, distinções feitas em Croft (2001). DIS se refere ao que Croft chama ‘Função Discursiva’
de uma construção.

8) A flecha de duas cabeças, emprestada de Booij (2010), especifica o elo entre forma e significado, e
os colchetes externos denotam que o pareamento forma-significado é uma unidade convencionalizada.

REDES E GRAMÁTICA DE CONSTRUÇÕES

9) Goldberg (2003, p. 219) sugere que ‘a totalidade do nosso conhecimento da língua é apreendida por
uma rede de construções.

10) Crucial para a ideia de rede são os conceitos de nós e de elos entre nós, ‘distância’ entre membros
de uma família, grupos de propriedades, graus de fixação e acessibilidade de uma construção.

11) A língua é uma rede conceitual’ (HUDSON, 1984, p. 1; 2007a, p. 1). É conceitual na medida em
que é cognitiva e uma rede na medida em que é um sistema de entidades interconectadas (HUDSON,
2007a, p. 1)

12) Redes cognitivas - tais como a rede da língua - são i) não restritas ao léxico, como no trabalho de
Saussure, e ii) dinâmicas: ‘Novos elos e novos nós são estabelecidos continuamente’ (HUDSON,
2007a, p. 53). Portanto, os valores estão sempre em fluxo.
13) Na linguística cognitiva, o postulado de rede não descreve uma parte da língua - ela descreve toda
a arquitetura da língua, de modo que tudo na língua pode ser descrito formalmente em termos de nós e
suas relações’ (HUDSON, 2007a, p. 2), e a língua como um todo é uma rede, em contraste com a
postura mais tradicional de língua como uma gramática mais um dicionário’ (HUDSON, 2007b, p.
509)

CONSTRUÇÕES E FATORES RELEVANTES

14) Assim como Croft e Goldberg, definimos uma construção como um pareamento
forma-significado. Esse pareamento pode ser pensado em termos de várias dimensões, todas elas
gradientes.

15) Com relação à dimensão de tamanho, uma construção pode ser atômica, complexa ou
intermediária. A dimensão de especificidade fonológica diz respeito a uma construção ser substantiva,
esquemática ou intermediária. A dimensão de tipo de conceito se refere ao fato de uma construção ser
de conteúdo (‘lexical’) ou procedural (‘gramatical’). Material ‘de conteúdo’ pode ser usado
referencialmente; na dimensão formal, associa-se às categorias esquemáticas N, V e Adj). Material
‘procedural’ tem significado abstrato que sinaliza relações linguísticas, perspectivas e orientação
dêiticas (cf. DIEWALD, 2011).

16) A arquitetura da gramática de construções põe léxico e gramática em um ‘contínuo’


(GOLDBERG & JACKENDOFF, 2004, p. 532) ou ‘gradação’ (LANGACKER, 2011, p. 96). Alguns
significados procedurais, especialmente os dêiticos, podem ser associados, também, a significados
referenciais (p. ex., verbo principal come/vir e go/ir). A distinção entre os componentes de conteúdo e
procedurais não é apenas gradiente, mas está sujeita à mudança, como foi bem-estabelecido na
literatura sobre gramaticalização, em que se demonstrou que material lexical pode, ao longo do tempo,
vir a desempenhar funções gramaticais.

17) O ‘constructicon’, ou inventário de construções, contém itens que têm características de todas as
três dimensões mencionadas acima.

ESQUEMATICIDADE, PRODUTIVIDADE E COMPOSICIONALIDADE

18) Esquematicidade é uma propriedade de categorização que crucialmente envolve abstração. Um


esquema é uma generalização taxonômica de categorias, sejam linguísticas ou não. Para Kemmer
(2003, p. 78), esquemas são ‘padrões de experiência essencialmente rotinizados, ou cognitivamente
fixados’. Em nossa visão, esquemas linguísticos são grupos abstratos, semanticamente gerais, de
construções, quer procedurais quer de conteúdo. São abstrações que perpassam conjuntos de
construções que são (inconscientemente) percebidas pelos usuários da língua como sendo
estreitamente relacionadas na rede construcional. Graus de esquematicidade pertencem a níveis de
generalidade ou especificidade e o grau em que partes da rede são ricas em detalhe (LANGACKER,
2009).

19) Esquemas linguísticos são instanciados por subesquemas e, nos níveis mais baixos, por
microconstruções, tipos específicos de esquemas mais abstratos. Por exemplo, may/poder é uma
microconstrução do subesquema modal, que é um subesquema do esquema auxiliar. Subesquemas
podem desenvolver-se ao longo do tempo ou se perder. Crescimento e perda de subesquemas
envolvem mudanças construcionais antes e depois da construcionalização. Em nossa perspectiva,
esquemas e subesquemas são as subpartes do sistema linguístico que o linguista seleciona para discutir
e analisar. Eles não devem ser vistos como representações mentais, embora possa haver sobreposição
entre tais representações e categorias linguísticas. A esquematicidade de uma construção linguística
está relacionada ao grau em que ela captura padrões mais gerais em uma série de construções mais
específicas (TUGGY, 2007; BARDDAL, 2008).

20) A esquematicidade é gradiente de dois modos. Para Langacker (1977, p. 67), ‘uma porção
considerável de não convencionalidade é tolerada (e frequentemente esperada) como uma
característica normal do uso da língua’. Mostraremos que essa tolerância à não convencionalidade é de
grande importância na mudança: extensões parcialmente sancionadas de uma construção
convencionalizada podem, com o tempo, tornar-se instâncias completamente sancionadas de uma
construção mais geral, esquemática, que mudou como resultado da experiência do falante/ouvinte com
a língua.

21) Para um modelo baseado no uso, os construtos são o que falantes/escreventes produzem e o que
ouvintes/leitores processam. Como eventos de uso, os construtos ajudam a modelar a representação
mental da língua (BYBEE, 2010). Aqui, podemos mencionar que a consequência da produção e do
processamento é que o construto é o locus de inovação individual e subsequente convencionalização
(adoção por uma população de falantes). A mudança construcional começa quando novas associações
entre construtos e construções emergem ao longo do tempo, i. e., quando replicação de ocorrências
leva a categorizações provisórias que não estavam disponíveis aos usuários da língua antes e podem,
portanto, ser chamadas de ‘novas’. Somente as microconstruções podem ser substantivas e
fonologicamente especificadas.

22) Produtividade é um termo que tem sido usado de muitas maneiras diferentes. Barddal (2008,
capítulo 2) oferece uma visão geral e uma análise valiosa de vários usos diferentes do termo. Em nossa
perspectiva, a produtividade de uma construção é gradiente. Pertence a esquemas (parciais) e diz
respeito a (i) sua extensibilidade (BARDDAL, 2008), o grau em que eles sancionam outras
construções menos esquemáticas, e (ii) o grau em que eles são restringidos (BOAS, 2008).

23) A maioria dos trabalhos sobre produtividade está relacionada à frequência. Baayen (2001) e
Bybee (2003) e outros fazem uma distinção importante entre frequência de tipo (número de diferentes
expressões que um padrão particular tem) e frequência de ocorrência (número de vezes em que a
mesma unidade ocorre no texto). Nós equiparamos frequência de construção a frequência de tipo e
frequência de construto a frequência de ocorrência. O artigo definido the/o em inglês tem frequência
de tipo/construção de um, mas é o construto/ocorrência mais frequente na língua contemporânea.
Quando novas construções são formadas, elas tipicamente ‘se expandem, aumentando gradualmente
sua frequência de uso ao longo do tempo’ (BYBEE & MCCLELLAND (2005, p. 387). Entendemos
que ‘aumento na frequência de uso’ corresponde a aumento na frequência do construto: os falantes
usam, cada vez mais, instâncias da nova construção. Aqui, rotinização e automatização (PAWLEY &
SYDER, 1983; HAIMAN, 1994), resultantes de uso frequente e repetição, são fatores-chave. Aumento
no leque colocacional, um fenômeno que Himmelmann (2004) denomina ‘expansão da classe de
hospedeiros’, também é uma forte indicação de aumento da produtividade.
24) Tal expansão inevitavelmente tem um efeito sobre o ‘espaço construcional’ e sobre a competição
entre construções alternativas dentro de um conjunto, por exemplo, construções competidoras podem
vir a ser preferidas em ‘nichos particulares’ (TORRES-CACOULLOS & WALKER, 2009) ou algumas
podem declinar (LEECH; HUNDT; MAIR & SMITH, 2009).

25) A composicionalidade diz respeito ao grau em que o elo entre forma e significado é transparente.
Ela é geralmente pensada em termos tanto de semântica (o significado das partes e do todo) quanto das
propriedades combinatórias do componente sintático: ‘a sintaxe é composicional porque constrói
expressões bem formadas mais complexas recursivamente, com base em expressões menores,
enquanto a semântica é composicional porque constrói os significados de expressões maiores com base
nos significados de expressões menores (palavras, ou melhor, morfemas)’ (HINZEN; WERNING &
MACHERY, 2012, p. 3).

26) De um ponto de vista construcional, a composicionalidade é melhor pensada em termos de


compatibilidade ou não entre aspectos da forma e aspectos do significado. Se um construto é
semanticamente composicional, então, contanto que o falante tenha produzido uma sequência
sintaticamente convencional, e o ouvinte entende o significado de cada item individual, o ouvinte será
capaz de decodificar o significado do todo. Se o construto não é composicional, não haverá
compatibilidade entre o significado de elementos individuais e o significado do todo.

27) O significado linguístico não é inteiramente composicional, mas a língua tem composicionalidade
no sentido de que a estrutura composicional de uma sentença frequentemente fornece pistas para o
significado do todo.

28) Diferentemente de composicionalidade, analisabilidade não é primariamente associada à


combinação imputada do significado do todo sobre o significado das partes de uma expressão
composta. Ao contrário, a analisabilidade se relaciona ao grau em que os falantes reconhecem, e tratam
distintamente, essas partes componentes.

UMA VISÃO CONSTRUCIONAL DA MUDANÇA

29) A gramática de construções, na obra, é vista como uma gramática do uso. Dessa perspectiva, a
mudança linguística pode ser entendida como ‘localizada na interação do falante e [...] negociada entre
falantes no curso da interação’. Bybee (2010, p. 9) postula que a mudança ocorre ‘à medida que a
língua é usada e não no processo de aquisição’. Ela se origina como mudança no uso pelos falantes de
todas as idades (cf. MILROY, 1992; CROFT, 2001), não somente ou principalmente pela criança,
como sugerido por Roberts e Roussou (2003).

30) As construções têm ‘dimensões internas’ (GISBORNE, 2011, p. 156). Para explicar a mudança é
preciso explicar primeiro as inovações que se aplicam a dimensões internas particulares de uma
construção e, então, a convencionalização dessas inovações em um grupo de falantes. A mudança
começa com uma nova representação na mente do falante.

31) O recrutamento de um item para um subesquema que pode resultar de pensamento analógico é um
mecanismo de mudança que chamamos ‘analogização’ (TRAUGOTT & TROUSDALE, 2010, p. 38)
32) Minimamente, a construcionalização envolve neoanálise da forma morfossintática e do significado
semântico/pragmático.

33) Construcionalização gradual requer que mudanças construcionais tenham ocorrido anteriormente
(a ‘sucessão’ de neoanálise em pequenos passos). O novo pareamento de significado e forma é uma
nova unidade ou um novo signo. É, portanto, uma mudança no sistema, isto é, uma mudança de
tipo/nó.

34) A construcionalização gradual é precedida e seguida por uma sucessão de passos incrementais
convencionalizados, que denominamos mudanças construcionais: uma mudança construcional é uma
mudança que afeta uma dimensão interna de uma construção. Ela não envolve a criação de um novo
nó.

35) O termo ‘inferência sugerida’ é utilizado para enfatizar a negociação de significado entre o
falante, que (em geral inconscientemente, cf. KELLER, 1994; HAGÈGE, 1993) ‘sugere’
interpretações, e o ouvinte, que infere/interpreta. Ela permite, mas não exige, a possibilidade de que os
falantes planejem seus enunciados pragmaticamente. Um termo relacionado, interpretação induzida
pelo contexto (HEINE; CLAUD1 & HÜNNEMEYER, 1991), enfatiza a interpretação pelo ouvinte.

36) As mudanças construcionais as quais o analista hipotetiza que precedem e habilitam ou


‘alimentam’ a construcionalização tipicamente envolvem expansão da pragmática, semanticização
dessa pragmática, incompatibilidade entre forma e significado e algumas pequenas mudanças
distribucionais. Denominamos essas mudanças de ‘mudanças construcionais
pré-construcionalização’. Por sua vez, a construcionalização pode alimentar mudanças construcionais
posteriores. Tais ‘mudanças construcionais pós-construcionalização’ tipicamente envolvem
expansão de colocações e podem também envolver redução morfológica e fonológica.

37) O ponto em que se infere que a gramaticalização de um elemento particular ocorreu é chamado
contexto ‘de transição’ por Heine e de contexto de ‘isolamento’ por Diewald. Em nosso modelo de
construcionalização gradual há uma sucessão de desenvolvimentos; a expectativa é que tal sucessão
envolverá mudanças no significado ou na forma ou em ambos. Frequentemente, também há uma
sucessão de mudanças depois da construcionalização envolvendo expansão de contextos (cf.
HIMMELMANN, 2004), mas também perda de vários tipos.

38) A pré-construcionalização só pode ser acessada em retrospectiva — nada de que estejamos


conscientes prevê que certas mudanças construcionais necessariamente levarão à construcionalização.
Contudo, a construcionalização constatada pode ter surgido de um conjunto de pequenas mudanças
locais no contexto
39) Inicialmente, mudanças construcionais e construcionalizações são locais, afetando
microconstruções particulares. Todavia, algumas dessas mudanças podem ser entendidas como parte
de alterações sistêmicas mais amplas.

40) Um aspecto crucial da maioria das construcionalizações é que elas envolvem uma sucessão de
micropassos que precedem a criação de um novo nó. Embora todos os micropassos sejam
instantâneos em uma mente individual, e uma construcionalização individual seja instantânea, as
mudanças construcionais que precedem a criação do novo nó são graduais no sentido de que elas
ocorrem em uma sucessão de micropassos. Contudo, algumas construções novas são criadas sem
mudanças construcionais anteriores discerníveis.

GRAMATICALIZAÇÃO

41) A gramaticalização tem sido amplamente definida como ‘a criação de categorias gramaticais’
(LEHMANN, 2004, p. 183), e se refere ao surgimento de marcadores gramaticais tais como caso,
tempo, aspecto, modalidade, modo, conectivos etc.

42) A gramaticalização é concebida como envolvendo aumento de dependência e redução de vários


aspectos da expressão original (cf., p. ex., LEHMANN, 1995; HASPELMATH, 2004). Muitas das
mudanças discutidas são, pelo menos em parte, morfológicas. Chamamos essa tradição de
‘gramaticalização com a redução e aumento de dependência’. Na segunda tradição, em grande parte
mais recente, gramaticalização inclui expansão do campo semântico-pragmático, sintático e
colocacional (HIMMELMANN, 2004). Muitas das mudanças discutidas nessa tradição são
relacionadas à sintaxe e ao discurso assim como à morfologia.

MECANISMOS DE MUDANÇA

43) Um ponto fundamental na linguística histórica é como os usuários da língua acrescentam


representações mentais alternativas para uma expressão ao longo do tempo. A abordagem habitual,
esboçada aqui, é referir-se a ‘mecanismos’ (o como’) da mudança, contrastados com ‘motivações’ (o
‘por quê’ da mudança). ‘Motivações’ pode ser entendido de várias maneiras. Aqui, referimo-nos a
motivações cognitivamente baseadas, tais como pensamento analógico e aquisição, e comunicativas,
incluindo o desejo de apresentar-se como, de algum modo, único ou notório (ou como um membro de
um grupo). ‘Mecanismos de mudança são processos que ocorrem enquanto a língua está sendo usada,
e esses são os processos que criam a língua’ (BYBEE, 2010, p. 190).

44) A neoanálise pode ser entendida como um micropasso em uma mudança construcional. Mudanças
de micropassos, quer de forma quer de significado, podem ser particularmente bem captadas em
modelos de gramática de construções

45) É importante distinguir o processo de pensamento analógico do mecanismo de analogia, melhor


chamado ‘analogização’, para evitar ambiguidade entre pensamento (uma motivação) e mudança
baseada na compatibilidade de um padrão (um mecanismo) (cf. TRAUGOTT & TROUSDALE,
2010a). O pensamento analógico combina aspectos de forma e significado; ele possibilita a mudança,
mas pode ou não ter a mudança como resultado. Por contraste, analogização é um mecanismo ou
processo de mudança que resulta em pareamentos de significado e forma que não existiam antes.
46) A maioria das discussões sobre analogização é baseada no exemplar, por exemplo, ‘precisamos
compreender a gramática com base em construções, com uma representação exemplar em que
instâncias específicas de uso afetam a representação’ (BYBEE, 2006, p. 714; cf. tb. BYBEE &
McClelland, 2005).

47) Labov (1994, p. 11) reconhecidamente disse que a linguística histórica essencialmente tem de
‘fazer o melhor com dados ruins’.

48) Rissanen (2012, p. 213): mesmo os melhores corpora ‘representam apenas uma fatia da realidade
linguística

PONTOS PRINCIPAIS

(a) As construções estão ligadas em uma rede, com construções mais esquemáticas sancionando aquelas
mais baixas na taxonomia. Quanto mais esquemático o tipo construcional, maiores as generalizações que
podem ser feitas. De modo inverso, idiossincrasias são mais típicas nos níveis mais baixos na taxonomia.
(b) Mudanças não são autônomas, mas se relacionam a construções de diferentes modos. Mudanças apenas
no significado ou na forma que afetam construções individuais são mudanças construcionais.
(c) Mudanças que resultam em pareamentos de formanova-significadonovo após uma série de mudanças
construcionais de micropassos são construcionalizações. Elas são graduais. Há alguns casos de
microconstrucionalizações lexicais instantâneas
(d) As construções estão em um gradiente de lexical/de conteúdo para gramatical/procedural.

Fonte: TRAUGOTT, Elizabeth; TROUSDALE, Graeme. Construcionalização e mudanças construcionais.


Tradução de Taísa Peres de Oliveira e Angélica Furtado da Cunha. Petrópolis, RJ: Vozes, 2021.

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