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A migração é um tema bastante complexo e portanto necessita de maiores

abordagens para a melhor compreensão desse fenômeno. Para entendê-la, é importante


que se considerem as mudanças na forma de produção e organização social (MASSEY
et al, 1993). Diversas teorias procuraram explicar a migração, através de argumentos
como o de uma decisão por maiores ganhos em renda, reação a efeitos de mudanças
sociais, de ordens econômica e política, ou por condições melhores oferecidas no local
de destino que não no de origem (Sjaastad, 1962; Singer, 1976; Lee, 1980).
Acredita-se que, dentre os processos que estimularam os fluxos migratórios no
Brasil, o avanço econômico desigual permitiu uma centralização produtiva e
desigualdades regionais que motivaram os deslocamentos populacionais com destino a
região Sudeste, em especial São Paulo e Rio de Janeiro; e para outras regiões mais
dinâmicas com maiores oportunidades de trabalho, ofertas de bens, serviços em saúde e
educação. Até a década de 1970 essa dinâmica foi bem acentuada e significativas
mudanças são observadas a partir de 1980 quando a atração dos estados de São Paulo e
Rio de Janeiro perdem força (BAENINGER, 2005; MOURA; TEIXEIRA, 1997).
O estado do Espírito Santo (ES) experimentou uma dinâmica migratória que teve
impactos na composição de sua população. Em especial até a década de 1970,
observando a estrutura etária parece ter ocorrido um processo de emigração bem
considerável ao passo que a proporção de pessoas em idade ativa é reduzida. Na década
seguinte, ocorrem mudanças significativas.
No período de 1970 a 1980, observa-se uma migração líquida negativa de 2,607.
Nesse período 169.896 indivíduos migraram do estado com destino a diversas Unidades
Federativas (UF) do país e, ao mesmo tempo chegavam 167.289 migrantes, oriundos em
especial dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Bahia, que também
eram os principais destinos dos capixabas.

Tabela 1 – Migração Interestadual - Destino Espírito Santo - 1970-1980, 2000-


2010

Origem 1970-80 % 2000-10 %


Bahia 20.848 12.5 68.695 24.6
Minas Gerais 80.992 48.4 78.035 27.9
Rio de Janeiro 37.415 22.4 44.104 15.8
São Paulo 10.234 6.1 19.531 7.0
Outras UF's 17.800 10.6 69.145 24.7
100. 100.
Total de Imigrantes 167.289 0 279.510 0
Fonte: Censos Demográficos, 1970 a 2010 (IBGE)
Ao observar a Tabela 1, percebe-se que as fronteiras com os estados mineiro,
baiano e fluminense facilitaram a vinda e ida de migrantes. No período de 1970-80, os
estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro representavam juntos 70,8% dos imigrantes no
estado e formavam mais de 5% da população capixaba da década de 1980.
Dessa forma, percebe-se que os fluxos migratórios capixabas ganham mais
relevância com estados próximos. Relações importantes de curta distância são
estabelecidas com São Paulo e com quais fazem fronteiriços (Bahia, Minas Gerais e Rio
de Janeiro); com exceção aos emigrantes com destino a Rondônia nas década de 70 a 80
pelos incentivos do governo federal a expansão da fronteira agrícola (ISJN, 2003).
Entretanto, como destaca Dota (2016) esses movimentos são resultados de dinâmicas
sociais, econômicas, políticas e culturais que facilitam a entrada e a saída de um lugar
para o outro.

Tabela 2 - Migração Interestadual - Origem Espírito Santo - 1970-1980, 2000-


2010

Destino 1970-80 % 2000-10 %


Rondônia 23.687
13.9 6.555 4.3
Bahia 14.808 8.7 23.542 15.5
Minas Gerais 36.814
21.7 44.174 29.1
Rio de Janeiro 52.753
31.1 40.476 26.7
São Paulo 19.224
11.3 14.792 9.8
Outras UF's 22.610
13.3 22.061 14.6
100. 100.
Total de Emigrantes 169.896 0 151.600 0
Fonte: Censos Demográficos, 1970 a 2010 (IBGE)

O efeito da migração na população é mais significativo no período de 2000 a


2010 do que de 1970 a 1980. Considerando o primeiro período, a Taxa Líquida de
Migração (TLM) de -0,1289 indica uma perda líquida quase insignificante de
habitantes. Já de 2000 a 2010 a TLM é de 3,639, indicando um ganho de população
pelos fluxos. Isso ocorreu devido mais pessoas imigrarem com destino ao ES, ao passo
que de 2000 para 2010 chegaram 279.510 novos indivíduos, enquanto que apenas
151.600 deixaram o estado.

Tabela 3 - Saldos Migratórios Interestaduais - Espírito Santo - 1970-1980,


2000-2010
Emigrante
Período Imigrantes Saldo Migratório (I-E)
s
1970-1980 167.289 169.896 -2.607
2000-2010 279.510 151.600 127.910
Fonte: Censos Demográficos, 1970 a 2010 (IBGE)

Desse modo, a migração líquida negativa no período de 1970-80 indica uma


perda de 2.607 indivíduos na população de 1980. Nas décadas de 2000 a 2010, há algo
bem diferente, haja vista que o número de habitantes foi acrescido em cerca de 3,64%
decorrentes do saldo migratório positivo de 127.910 pessoas.
No que diz respeito ao Índice de Eficácia Migratória (IEM), este sinaliza perda
migratória com um valor de -0,00773 de 1970 a 1980 mas podemos afirmar que havia
uma rotatividade migratória1 (BAENINGER; LEONCY, 2000; OLIVEIRA;
OLIVEIRA, 2011; ONU, 1970). De 2000 a 2010 há uma média absorção ao observar
um IEM de 0,30 à medida que novos investimentos foram surgindo no estado e outras
cidades além da região metropolitana foram se desenvolvendo economicamente
(DOTA, 2016) e, portanto, o surgimento de centros urbanos e a formação das cidades
médias possibilitaram um direcionamento dos fluxos migratórios para distâncias
menores e de curta duração (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2011). Surgem, portanto, novos
espaços de atração dentro dos limites estaduais.
Podemos observar outras mudanças ao comparar uma migração bruta de 337.185
em 1970-80 com 431.110 em 2000-2010. A distância entre os períodos pode dificultar a
análise e mas podemos amenizá-la considerando os volumes de imigrantes e emigrantes.
Se na década de 80 os emigrantes representavam cerca de 50,4% da migração bruta, em
2010 era de apenas 35,2%. Já o volume de imigrantes em cerca de 49% de 1970 a 1980
passou para quase 65% de 2000 a 2010, o que significa dizer que mais indivíduos
passaram a procurar as cidades capixabas.
Nesse sentido, é importante perceber transformações significativas que
influenciaram esses processos. A partir da década de 1960, o estado do ES passou por
um esvaziamento populacional em especial nas áreas rurais com à queda da economia
cafeicultora, fato acompanhado pelas modificações na estrutura produtiva com a
industrialização nascente. O desenvolvimento do capitalismo, poupador de mão-de-obra
e os limites climáticos do modelo primário-exportador em crise lançavam-se como
desafios a pequenas unidades familiares e para a questão demográfica (BUFFON,
1997).

1
Conforme proposto por Baeninger e Leoncy (2000), o Índice de Eficácia Migratória é classificado em
sete grupos onde valores compreendidos entre 0,9 a -0,9 indicam área de rotatividade migratória. IEM’s
entre 0,30 e 0,50 caracterizam áreas de média absorção migratória.
Em décadas posteriores, com o incentivo ao desenvolvimento de regiões
periféricas, o estado capixaba passa a reter menos população. As criações de novas
oportunidades de crescimento com a elevação da economia brasileira em 1970
permitem ao ES uma maior capacidade de absorção do seu contingente populacional. Já
nos anos 80, que ficou conhecido como década perdida, os estados de Rio de Janeiro e
São Paulo, principalmente na região metropolitana enfrentavam ciclos de recessão e
novos pontos, cidades e regiões do país começaram a se desenvolver economicamente e
atrair pessoas, iniciando um processo de desconcentração de atividades econômicas e de
ofertas de bens e serviços (CANO, 1997).
Já nos anos 2000 foram intensificadas as relações do ES com seus estados
vizinhos, que significaram ganhos em termos econômicos e maior capacidade de atração
de investimentos, especialmente em ferrovias e portos; alianças que culminaram em
relações econômicas, com a criação de polos industriais e na atração de fluxos
migratórios com direção ao estado capixaba. No contexto de incentivo ao escoamento
da produção de minérios sob as alianças firmadas com Minas Gerais, o Espírito Santo
era ainda beneficiado pela valorização das commodities no mercado internacional que
garantiam novas oportunidades de geração de trabalho e de renda (TOSCANO et al.,
2014).
Desse modo, as mudanças conjunturais de ordens econômicas e sociais afetaram
significativamente os fluxos migratórios. Nas últimas décadas esse fenômeno foi
bastante decisivo para explicar as altas taxas de crescimento populacional com destaque
no ES em se comparando aos demais estados (DOTA, 2016). Essas dinâmicas estão
sempre ligadas a mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais; e necessitam ser
melhor investigadas para que sejam compreendidas dentro de suas singularidades.

REFERÊNCIAS
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