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Índio na Poesia Brasileira

Bernardo Guimarães – ‘O Ermo’ e ‘O elixir do Pajé’

Bernardo Guimarães (1825-1884)

Cantos da Solidão, IX: O Ermo, II

Olha : – qual vasto manto que flutua Manso asilo de sombras e mistério, Cuja mudez talvez jamais quebrara
Sobre os ombros da terra, ondeia a selva, Humano passo revolvendo as folhas,
E ora surdo murmúrio ao céu levanta, E que nunca escutou mais que os arrulhos
Qual prece humilde, que no ar se perde, Da casta pomba, e o soluçar da fonte...
Ora açoutada dos tufões revoltos, Onde se cuida ouvir, entre os suspiros
Ruge, sibila, sacudindo a grenha Da folha que estremece, os ais carpidos
Qual hórrida bacante: – ali despenha-se Dos manes do Indiano, que inda chora
Pelo dorso do monte alva cascata, O doce Éden que os brancos lhe
Que, de alcantis enormes debruçada, roubaram!...
Em argêntea espadana ao longe brilha,
Qual longo véu de neve, que esvoaça, Que é feito pois dessas guerreiras tribos,
Pendente aos ombros de formosa virgem, Que outrora estes desertos animavam?
E já, descendo a colear nos vales, Onde foi esse povo inquieto e rude,
As plagas fertiliza, e as sombras peja De brônzea cor, de torva catadura,
D’almo frescor, e plácidos murmúrios... Com seus cantos selváticos de guerra
Restrugindo no fundo dos desertos,
Ali campinas, róseos horizontes, A cujos sons medonhos a pantera
Límpidas veias, onde o sol tremula, Em seu covil de susto estremecia?
Como em dourada escama refletindo Oh! floresta – que é feito de teus filhos?
Flóreas balsas, colinas vicejantes,
Toucadas de palmeiras graciosas, Dorme em silêncio o eco das montanhas,
Que em céu límpido e claro balanceiam Sem que o acorde mais o rude acento
A coma verde-escura. – Além montanhas, Das guerreiras inúbias: – nem nas sombras
Eternos cofres d’ouro e pedraria, Seminua, do bosque a ingênua filha
Coroados de píncaros rugosos, Na preguiçosa rede se embalança.
Que se embebem no azul do firmamento! Calaram-se para sempre nessas grutas
Ou, se te apraz, desçamos nesse vale, Os proféticos cantos do piaga;

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Bernardo Guimarães – ‘O Ermo’ e ‘O elixir do Pajé’

Nem mais o vale vê esses caudilhos, Por entre o fumo espesso das fogueiras, De virgem mata a sussurrante cúpula,
Seus cocar na fronte balançando, Com sombrio lentor tecer, cantando, Ou gruta escura, disputada às feras,
Essas solenes e sinistras danças, Ou frágil taba, num momento erguida,
Que o festim da vingança precediam... Desfeita no outro dia, eram bastantes
Para abrigar o filho do deserto;
No carcaz bem provido repousavam
Por esses ermos não vereis pirâmides De todo o seu porvir as esperanças,
Nem mármores, nem bronzes, que Que suas eram da floresta as aves,
assinalem E nem lhes nega o córrego do vale
Nas eras do porvir feitos de glória; Límpido jorro que lhe estanque a sede.
Da natureza os filhos não sabiam No sol, fonte de luz e de beleza,
Aos céus erguer soberbos monumentos, Viam seu Deus, prostrados o adoravam,
E nem perpetuar do bardo os cantos,
Que celebram façanhas do guerreiro,
– Esses fanais, que acende a mão do gênio,
E vão no mar infindo das idades
Alumiando as trevas do passado.

Seus insepultos ossos alvejando


Aqui e além nos solitários campos,
Rotos tacapes, ressequidos crânios,
Que estalam sob os pés de errante gado,
As tabas em ruína, e os mal extintos
Vestígios das ocaras, onde o sangue
Do vencido corria em largo jorro
Entre as pocemas de feroz vingança,
Eis as relíquias que recordam feitos
Do forte lidador da rude selva.

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Bernardo Guimarães – ‘O Ermo’ e ‘O elixir do Pajé’

Na terra a mãe, que os nutre com seus Um canto ao menos, onde em paz Seus nomes mergulhou no esquecimento.
frutos, morressem!
Sua única lei – na liberdade. Como cinza, que os euros arrebatam, Mas tu, ó musa, que piedosa choras,
Se esvaeceram, – e do tempo a destra Curvada sobre a urna do passado,
Oh! floresta, que é feito de teus filhos? Tu, que jamais negaste ao infortúnio
Esta mudez profunda dos desertos Um canto expiatório, eia, consola
Um crime – bem atroz! – nos denuncia. Do pobre Indiano os erradios manes,
O extermínio, o cativeiro, a morte E sobre a inglória cinza dos proscritos
Para sempre varreu de sobre a terra Com teus cantos ao menos uma lágrima
Essa mísera raça, – nem ficou-lhes Faze correr de compaixão tardia.

O elixir do Pajé

AO LEITOR

D’un pinceau délicat l’artifice agréable      A lira do poeta mineiro tem todas as      Repugnam-nos os contos obscenos e
Du plus affreux objet fait un objet aimable. cordas; ele a sabe ferir em todos os tons e imundos, quando não têm o perfume da
Boileau.1
ritmos diferentes com mão de mestre. poesia; esta, porém, encontrará aceno e aco-
No intuito de perpetuar estes versos de um      Estes poemas podem se chamar erótico- lhimento na classe dos leitores de um gosto
poeta nosso bem conhecido, os fazemos cômicos. Quando B. G. escrevia estes delicado e no juízo destes será um florão de
publicar pela imprensa, que, sem dúvida versos inimitáveis, sua musa estava de veia mais juntado à coroa de poeta de que B. G.
pode salvar do naufrágio do esquecimento para fazer rir, e é sabido que para fazer rir tem sabido conquistar à força de seu gênio.
poesias tão excelentes em seu gênero, e cuja são precisos talentos mais elevados do que
perpe-tuidade alguns manuscritos, por aí para fazer chorar. Ouro Preto, 7 de maio de 1875.
dispersos e raros, não podem garantir do      Estes versos não são dedicados às moças
tempo. e aos meninos. Eles podem ser lidos e apre-
ciados pelas pessoas sérias, que os
encarecem pelo lado poético e cômico, sem
1
“De um pincel delicado o artifício agradável / Do ofensa da moralidade e nem tão pouco das
mais odioso objeto faz um objeto amável”. Nicolas consciências pudicas e delicadas.
Boileau-Despréaux (1636-1711), “Arte poética”.
[SA].

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Bernardo Guimarães – ‘O Ermo’ e ‘O elixir do Pajé’

O Elixir do Pajé Um cabaço! Que era este o único esforço,


única empresa digna de teus brios;
Lasciva est nobis pagina, vita proba.2 porque surradas conas e punhetas
     são ilusões, são petas,
Que tens, caralho, que pesar te oprime só dignas de caralhos doentios.
que assim te vejo murcho e cabisbaixo,
sumido entre essa basta pentelheira, Quem extinguiu-te assim o entusiasmo?
mole, caindo pela perna abaixo? Quem sepultou-te nesse vil marasmo?
     Acaso pra teu tormento,
Nessa postura merencória e triste indefluxou-te algum esquentamento?
para trás tanto vergas o focinho,
que eu cuido vais beijar, lá no traseiro, Ou em pívias estéreis te cansaste,
     teu sórdido vizinho! ficando reduzido a inútil traste?
Porventura do tempo a destra irada
Que é feito desses tempos gloriosos quebrou-te as forças, envergou-te o colo,
em que erguias as guelras inflamadas,
na barriga me dando de contínuo e assim deixou-te pálido e pendente,
     tremendas cabeçadas?      olhando para o solo,
bem como inútil lâmpada apagada
Qual hidra furiosa, o colo alçando, entre duas colunas pendurada?
co’a sanguinosa crista açoita os mares,
     e sustos derramando Caralho sem tesão é fruta chocha,
     por terras e por mares,      sem gosto nem chorume,
aqui e além atira mortais botes, linguiça com bolor, banana podre,
dando co’a cauda horríveis piparotes,      é lampião sem lume
     assim tu, ó caralho,      teta que não dá leite,
erguendo o teu vermelho cabeçalho, balão sem gás, candeia sem azeite.
     faminto e arquejante,
dando em vão rabanadas pelo espaço,      Porém não é tempo ainda
     pedias um cabaço!           de esmorecer,
2
“Nossa página é lasciva, mas a vida é reta”; Marcial      pois que teu mal ainda pode
(ca. 40-102 AD), Epigramas, Livro I, IV, “A César”.           alívio ter.
[SA].

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Bernardo Guimarães – ‘O Ermo’ e ‘O elixir do Pajé’

Sus, ó caralho meu, não desanimes,           E ao som das inúbias,


que ainda novos combates e vitórias           ao som do boré,
     e mil brilhantes glórias           na taba ou na brenha,
a ti reserva o fornicante Marte,           deitado ou de pé,
que tudo vencer pode co’engenho e arte.           no macho ou na fêmea,
          de noite ou de dia,
Eis um santo elixir miraculoso           fodendo se via
     que vem de longes terras,           o velho pajé!
     transpondo montes, serras,
e a mim chegou por modo misterioso.           Se acaso ecoando
          na mata sombria,
Um pajé sem tesão, um nigromante           medonho se ouvia
     das matas de Goiás,           o som do boré,
     sentindo-se incapaz           dizendo: “Guerreiros,
de bem cumprir a lei do matrimônio,           ó vinde ligeiros,
     foi ter com o demônio,           que à guerra vos chama
     a lhe pedir conselho           feroz aimoré”,
para dar-lhe vigor ao aparelho,           – assim respondia
     que já de encarquilhado,           o velho pajé,
     de velho e de cansado,           brandindo o caralho,
quase se lhe sumia entre o pentelho.           batendo co’o pé:
À meia-noite, à luz da lua nova,           – Mas neste trabalho,
co’os manitós falando em uma cova,           dizei, minha gente,
ao som de atroz conjuro e negra praga,           quem é mais valente,
     compôs esta triaga           mais forte quem é?
de plantas cabalísticas colhidas,           Quem vibra o marzapo
por sua próprias mãos às escondidas.           com mais valentia?
          Quem conas enfia
Esse velho pajé de piça mole,           com tanta destreza?
com uma gota desse feitiço,           Quem fura cabaços
sentiu de novo renascer os brios           com mais gentileza?”
     de seu velho chouriço!

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          E ao som das inúbias,           ao som do boré,           fazendo punhetas


          na taba ou na brenha,
          deitado ou de pé,
          no macho ou na fêmea,
          fodia o pajé.

          Se a inúbia soando


          por vales e outeiros,
          à deusa sagrada
          chamava os guerreiros,
          de noite ou de dia,
          ninguém jamais via
          o velho pajé,
          que sempre fodia
          na taba na brenha,
          no macho ou na fêmea,
          deitando ou de pé,
          e o duro marzapo,
          que sempre fodia,
          qual rijo tacape
          a nada cedia!

          Vassoura terrível
          dos cus indianos,
          por anos e anos,
          fodendo passou,
          levando de rojo
          donzelas e putas,
          no seio das grutas
          fodendo acabou!
          E com sua morte
          milhares de gretas

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Bernardo Guimarães – ‘O Ermo’ e ‘O elixir do Pajé’

          saudosas deixou...      nesta indolência tamanha,      criando teias de aranha,


     cobrindo-te de bolor...
Feliz caralho meu, exulta, exulta!
Tu que aos conos fizeste guerra viva,      Este elixir milagroso,
e nas guerras de amor criaste calos,      o maior mimo na terra,
     eleva a fronte altiva;      em uma só gota encerra
em triunfo sacode hoje os badalos;      quinze dias de tesão...
alimpa esse bolor, lava essa cara,      Do macróbio centenário
     que a Deusa dos amores,      ao esquecido mazarpo,
     já pródiga em favores      que, já mole como um trapo,
hoje novos triunfos te prepara.      nas pernas balança em vão,
     dá tal força e valentia
     Graças ao santo elixir      que só com uma estocada
     que herdei do pajé bandalho,      põe a porta escancarada
     vai hoje ficar em pé
     o meu cansado caralho!
     Vinde, ó putas e donzelas,
     vinde abrir as vossas pernas
     ao meu tremendo marzapo,
     que a todas, feias ou belas,
     com caralhadas eternas
     porei as cricas em trapo...
     Graças ao santo elixir
     que herdei do pajé bandalho,
     vai hoje ficar em pé
     o meu cansado caralho!

     Sus, caralho! Este elixir


     ao combate hoje te chama
     e de novo ardor te inflama
     para as campanhas do amor!
     Não mais ficarás à toa,

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Bernardo Guimarães – ‘O Ermo’ e ‘O elixir do Pajé’

     do mais rebelde cabaço,      sem cessar viva fodendo,      Sim, faze que este caralho,
     e pode um cento de fêmeas      até que fodendo morra!      por tua santa influência,
     foder de fio a pavio,      a todos vença em potência,
     sem nunca sentir cansaço...      e, com gloriosos abonos,
     seja logo proclamado,
     Eu te adoro, água divina,      vencedor de cem mil conos...
     santo elixir da tesão,      E seja em todas as rodas,
     eu te dou meu coração,      de hoje em diante respeitado
     eu te entrego a minha porra!      como herói de cem mil fodas,
     Faze que ela, sempre tesa,      por seus heróicos trabalhos,
     e em tesão sempre crescendo,      eleito rei dos caralhos!

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