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Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário

Tribunal de Justiça
Regional de Campo Grande 318
Cartório da 6ª Vara Cível
Rua Carlos da Silva Costa, 141 6º andarCEP: 23050-230 - Campo Grande - Rio de Janeiro - RJ

Fls.

Processo: 0035671-95.2013.8.19.0205
Processo Eletrônico

Classe/Assunto: Procedimento Sumário - Dano Moral - Outros/ Indenização Por Dano Moral C/C
Inversão do Ônus / Provas / Processo e Procedimento C/C Depoimento / Provas C/C Fabricante
E/ou Produtor E/ou Construtor E/ou Importador C/C Estabelecimentos Comerciais E/ou Virtuais
(Internet) / Contratos de Consumo
Autor: WILIAM HERMES DE SOUZA
Réu: RIO DE JANEIRO REFRESCOS LTDA (RJR)
Chamado ao Processo: ROYAL & SUNALLIANCE SEGUROS (BRASIL) S/A

___________________________________________________________

Nesta data, faço os autos conclusos ao MM. Dr. Juiz


Altino José Xavier Beirão

Em 28/02/2014

Sentença
WILLIAM HERMES DE SOUZA ajuizou ação de responsabilidade civil em face de COCA-COLA
DO BRASIL S/A, afirmando que em 28/02/2012, conforme nota fiscal nº 225063, adquiriu uma
garrafa de vidro lacrada de 1,25 litros de refrigerante de cola da marca Coca Cola, com validade
para a data de 14/08/2012, registro nº 61239P160212 no Supermercado Novo Mercadinho Vila
Verde Ltda, localizado na Estrada do Encanamento, 870, Cosmos. Frisa-se que o autor reside com
a sua companheira e seus três filhos, e que o produto adquirido seria servido no jantar da família.
Em sua residência, quando tentou fazer uso do produto, surpreendeu-se ao verificar que no
interior do frasco do refrigerante havia uma substância estranha e não identificada depositada no
fundo (aparentemente corpo de anfíbio). Malogradas as tentativas de composição da controvérsia
junto a ré, em 21/03/2012, foi até a delegacia local, registrou a ocorrência sob o nº 035-4105/2012,
e entregou o produto impróprio, bem como a nota fiscal, conforme registro de ocorrência anexo.
Após análise pelo ICCE, foi diagnosticado que o produto estava contaminado por uma colônia
fúngica. Pede a condenação da ré a restituir em dobro o valor pago pelo refrigerante impróprio
para o consumo, bem como a compensar-lhe os danos morais.

Com a inicial, cupom fiscal a fls. 21, dando conta de que o refrigerante custou R$1,79 em
28/02/2012, e laudo de exame de material a fls. 43.

Gratuidade de justiça deferida a fls. 51.

Contestação apresentada a fls. 77. Inicialmente, pugna a Ré pela retificação do polo passivo, na
medida em que sua correta denominação é RIO DE JANEIRO REFRESCOS LTDA.
(RJR),
conforme inclusos documentos de representação. Com efeito, a RIO DE JANEIRO
REFRESCOS LTDA. (RJR) é a fabricante e comercializadora de produtos da marca
COCA-COLA na maior parte do Rio de Janeiro e parte do Espírito Santo, sendo,
portanto, a responsável pela fabricação e comercialização do produto objeto da presente

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ALTINOBEIRAO
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ação. Cabe ainda informar a esse M.M. Juízo que o Sistema Coca-Cola no Brasil é composto
pela Ré e por mais 45 (quarenta e cinco) fábricas engarrafadoras localizadas em distintos
pontos do País, atuando em regime de franquia, através do qual se comprometem
a produzir, engarrafar e distribuir todos os produtos da marca COCA-COLA dentro do rigoroso
padrão de qualidade da marca. Ainda antes da defesa de mérito, a Ré informa a esse M.M. Juízo
que possui contrato de seguro de responsabilidade civil com a seguradora ROYAL &
SUNALLIANCE SEGUROS (BRASIL) S/A. (doc.05), materializado pela Apólice nº
2001073, que prevê a obrigação desta de "reembolsar o segurado, até o limite máximo da
importância segurada, as quantias pelas quais vier a ser responsável civilmente, em sentença
judicial transitada em julgado ou em acordo autorizado de modo expresso pela
seguradora, relativas a reparações por danos involuntários, corporais e/ou materiais
causados a terceiros, ocorridos durante a vigência deste contrato e que decorram de
riscos cobertos nele previstos". Referida apólice vigorará no período compreendido entre
31/12/2011 até 31/12/2012, o qual engloba a data do suposto sinistro (fevereiro/2012). No
mérito, com todo respeito ao Autor, a Ré ressalta que a presente demanda, mais que
improcedente, chega a ser absurda. Sem falar na mais absoluta falta de prova
concernente aos danos experimentados por aquele. A Ré tem a certeza de que é
absolutamente impossível que um produto de qualquer tipo saia de sua unidade fabril impróprio
para consumo. Mas o motivo que torna o pedido autoral irremediavelmente improcedente é a
circunstância de que não se pode sequer cogitar que o produto era defeituoso, na medida em que
o Autor não permitiu o acesso da Ré ao mesmo para analisar a questão. Neste contexto,
era imperativo fosse disponibilizado o produto à Ré logo após a ocorrência do suposto
evento narrado na petição inicial, para o fim de analisá-lo, exercendo, assim, seu sagrado direito
constitucional ao contraditório e à ampla defesa previsto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição da
República. Note que se a Ré tivesse acesso ao produto, e assim tivesse a oportunidade de
periciá-lo, poderia, por exemplo, demonstrar que se tratava de uma falsificação ou de uma
adulteração. E mesmo que não se tratasse de falsificação ou adulteração, a Ré
poderia provar que não havia defeito algum, seja porque o produto havia sido violado antes de
consumido (na rolha ou na embalagem), seja porque havia sido misturado a outro
depois de aberto ou porque foi introduzida outra substância, seja porque o problema foi de
acondicionamento do produto, etc. Caso o Autor tivesse receio de entregar a amostra do produto à
Ré, deveria, no mínimo, ter procurado as autoridades competentes (exs: PROCON,
vigilância sanitária, etc.) que, dentro de suas esferas de competência, instaurariam algum tipo de
procedimento, com análise técnica do produto. É evidente, porém, que de qualquer
procedimento instaurado, a Ré participaria, exercendo seus direitos constitucionais de defesa,
demonstrando que se tratava de uma falsificação ou de uma adulteração. Diante deste panorama,
a única coisa que a Ré pode dizer em sua defesa é que o processo de fabricação de seus
produtos é muitíssimo rigoroso, sendo absolutamente implausível que um refrigerante
por ela produzido apresente qualquer vício por defeito em seu processo de fabricação. O
próprio Autor reconhece na inicial, o conteúdo do vasilhame supostamente viciado sequer
chegou a ser aberto e o seu conteúdo, obviamente, não foi consumido. Em casos
como este, o Tribunal de Justiça desse Estado e o Superior Tribunal de Justiça -
STJ já firmaram o entendimento no sentido de que, a simples aquisição de produto
contendo corpo estranho em seu interior, não passa de mero aborrecimento, impassível de
gerar dano moral. Além da ausência de responsabilidade civil da Ré demonstrada
no tópico acima, cumpre salientar que o Laudo de Exame de Material, produzido
pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli - ICCE, foi incapaz de averiguar a
inviolabilidade da tampa, sendo, então, imprestável ao fim que se destina.

Audiência de conciliação transcorrida conforme assentada a fls. 253, oportunidade em que foi
deferido o chamamento da seguradora.

Contestação da seguradora a fls. 281. Pugna pela inexistência de cobertura da apólice para
o risco de dano moral, no presente caso. Afirma que se vê da petição inicial que a

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autora postula recebimento de indenização a título de reparação por danos morais,


além de pagamento da importância de R$3,58, ou seja, o dobro da quantia de
R$1,79 referente ao preço de aquisição da garrafa do refrigerante Coca-Coca (fls. 21). A
contestante, chamada ao processo, confirma a existência de contrato de seguro firmado
com a ré, avença consubstanciada na apólice n, 2001073 Trata-se de seguro de
responsabilidade civil geral. Muito embora tenha sido contratada a garantia específica
de dano moral, no presente caso o evento narrado na exordial está sem cobertura contratual.
Explica-se, eminente Julgador : nos termos de cláusula da referida apólice de
seguro (documento anexo), a responsabilidade contratual de indenizar da Seguradora,
em razão de pedido de reparação por danos morais formulado por terceiro, está
expressamente condicionada à existência de danos materiais e/ou corpóreos sofridos pelo
reclamante e efetivamente indenizados pela ora contestante. Na hipótese sob julgamento, a
quantia reclamada por conta de reparação por danos materiais, no importe de
R$3,58, está abrangida pela franquia contratada na apólice ( mínimo de
R$10.000,00). Logo, a contestante não indenizará valor dos danos materiais e, por
via de consequência, fica afastada a cobertura no que tange a danos morais. A
propósito, dispõe a cláusula COBERTURA DE RC- DANOS MORAIS: "Fica entendido
e acordado que, tendo sido pago prémio adicional correspondente, o presente seguro
indenizará também as quantias mensuráveis pelas quais o segurado seja civilmente
responsável a pagar, em sentença judicial transitada em julgado ou em acordo
expressamente autorizado pela seguradora, em virtude de danos morais, diretamente
decorrentes de danos materiais e/ou corporais causados a terceiros e efetivamente
indenizados nos termos previstos no presente contrato". Aduz ainda que da leitura da inicial,
conclui-se que o demandante pretende obter indenização por um suposto dano, um dano
hipotético. Realmente, vê-se da inicial que o a autor não ingeriu o refrigerante que,
segundo alega, continha um corpo estranho em seu interior. De acordo com copiosa
jurisprudência dos tribunais, não há que se cogitar de reparação por dano à honra
subjetiva do consumidor quando o produto sequer foi ingerido. Na verdade, o
demandante pretende obter reparação por vício do produto, sem que tenha ocorrido fato
danoso, pretensão que não encontra amparo no direito positivo, concessa vénia. São
hipóteses diferentes. Há que se distinguí-las.

Manifestação do autor sobre a contestação a fls. 310.

Audiência de conciliação transcorrida conforme assentada a fls. 316, oportunidade em que a parte
autora afirmou não possuir mais provas a produzir, ao passo que as rés afirmaram desejar
produzir prova documental suplementar.

É o relato.

Inicialmente, indefiro o pleito de produção de prova documental suplementar, requerido pelas rés.
Isto porque as rés não justificaram a necessidade de tal prova.

Com efeito, dispõe o art. 397 do CPC:

"Art. 397. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando
destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou para contrapô-los aos que
foram produzidos nos autos".

Não cumpriram as rés os requisitos previstos no dispositivo legal em comento, pois nenhuma
indicação foi feita a respeito de qual documento pretendiam contrapor à prova nova, ou mesmo a
qual fato supostamente novo se refeririam.

No mérito propriamente dito, observo que no laudo de fls. 43, restou constatado que no interior da

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embalagem havia um corpo estranho que, observado sob microscópio estereoscópico, revelou
tratar-se de uma colônia fúngica.

Revelou-se, ipso facto, que o produto estava contaminado. Asseverou-se no laudo que a
contaminação dos alimentos causada por fungos é importante não apenas sob o ponto de vista
sensorial, mas também pelo perigo que a produção de micotoxinas representa para o consumidor
(Muninbazi & Bullerman), 1996.

Lembrou a ilustre perita, outrossim, que de acordo com a legislação sanitária de alimentos,
produtos contaminados por microorganismos são impróprios ao uso e consumo.

A 1ª ré pretende livrar-se da condenação sob a alegação de que não restou constatada no laudo
pericial oficial a inviolabilidade do produto.

Sobre o assunto, o próprio laudo contém a seguinte informação: "(...) Face à carência de
recursos materiais e analíticos deste SPQ/ICCE, que não dispõe de equipamentos para medir o
volume de CO2 presente no líquido, no espaço compreendido entre a tampa e a massa líquida
("head space"), nem instrumental para melhor avaliação da rolha, não foi possível determinar a
inviolabilidade da tampa. Porém, ao exame visual e estereoscópico, com confronto com outra
embalagem usada como padrão (...), não foram constatadas irregularidades na tampa de
relevância pericial, parecendo estar inviolada".

Assim, tenho que caberia à ré fazer contraprova à afirmação pericial, no que se quedou inerte,
motivo pelo qual tenho que a tampa efetivamente estava inviolada.

Não obstante toda a jurisprudência carreada pela ré, tenho que efetivamente que o vício no
produto causa lesão a direito da personalidade, ofendendo-lhe a integridade psicofísica, mesmo
que não tenha havido consumo. Sublinhe-se aqui também o caráter punitivo-pedagógico da
compensação, que certamente obrigará a demandada e melhor se aparelhar, capacitar seus
colaboradores e implementar a qualidade de seus produtos.

Apenas tenho que o 1º réu não conseguiu comprovar a existência de cobertura para a hipótese
pela 2ª ré, diante da argumentação desta em sede de contestação, sobre a qual o 1º réu
quedou-se silente na audiência de fls. 316.

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para: a) condenar a 1ª ré a repetir em dobro o


valor de R$1,79, corrigido 28/02/2012 e com juros de 1% ao mês a partir da citação; e b) condenar
a ré a compensar seus danos morais em R$10.860,00, hoje equivalentes a 15 salários mínimos,
corrigidos desta data e com juros de 1% ao mês a partir da citação.

Condeno a 1ª ré nas custas e em honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação


em favor do autor, que passará a 15% no caso de execução forçada, sem prejuízo da multa de
que trata o artigo 475-J do CPC. Condeno a 1ª ré a custear os honorários advocatícios do 2º réu
em 10% sobre o valor da condenação.

Transitada em julgado, intime-se para pagamento das custas e aguarde-se eventual execução por
20 dias. No silêncio, oficie-se ao FETJ e arquivem-se sem baixa. Satisfeitas as custas, dê-se baixa
e arquivem-se.

Rio de Janeiro, 28/02/2014.

Altino José Xavier Beirão - Juiz Titular

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Autos recebidos do MM. Dr. Juiz

Altino José Xavier Beirão

Em ____/____/_____

Øþ

110
ALTINOBEIRAO

ALTINO JOSE XAVIER BEIRAO:000024703 Assinado em 28/02/2014 18:15:55


Local: TJ-RJ

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