Você está na página 1de 6

Quem pode participar da Ceia

do Senhor? Uma introdução ao


debate
7 de agosto de 2018
1
7401

Share

Imagine a situação: Rev. Valdir1  é um pastor presbiteriano de uma cidade média no


interior de SP que recebe um telefonema de um pastor batista cuja igreja acabara
de se empolgar com a redescoberta da fé evangélica e a centralidade da Bíblia no
púlpito. Ele recebe um convite para pregar naquela igreja no culto principal.

Rev. Valdir se sente muito empolgado e honrado por pregar e servir em uma igreja
de outra denominação e ficou mais feliz ainda quando soube que haveria a
celebração mensal da Ceia do Senhor. Porém, quando chega o momento da Ceia
após o reverendo proferir um belo sermão, quando o diácono começa a servir a
Ceia explica para ele que esta é restrita somente aos membros daquela
denominação. E o reverendo Valdir não pôde participar da Ceia do Senhor.
A situação ficcional acima, porém muito comum, levanta uma reflexão: quem pode
participar da Ceia do Senhor?

As quatro posições: 2

Dentro da tradição batista, onde o autor deste artigo está inserido,  há uma
3

tipologia que ilustra o debate. Cada posição tem uma teologia por detrás dela.

O falecido pastor batista e professor de eclesiologia, João Falcão Sobrinho, em seu


livro A Túnica Inconsútil: Um estudo sobre a doutrina da Igreja    lista quatro
4

posições, a saber: Ceia Universal  (ou Ceia aberta ou ultra-livre); Ceia Livre, Ceia
Restrita e Ceia Ultra-Restrita.

Outra terminologia é usada neste quesito, a saber, comunhão fechada, próxima ou


aberta.   Está é comum em círculos batistas e luteranos.
6 7

Ceia Universal
Esta posição, podendo também ser chamada de Ceia Aberta ou Ultra-Livre,  advoga
que todos devem receber o pão e o vinho, independente do seu credo, da fé
salvadora no Senhor Jesus Cristo e da religião,  sendo a posição de igrejas neo-
8

pentecostais onde não há um claro critério de membresia e a ceia é servida para


todos os presentes ou igrejas professadamente ecumênicas ou aderentes ao
diálogo inter-religioso.

Ceia Livre (ou comunhão “próxima”)


Esta posição defende que todo crente em Cristo Jesus, confessante e batizado,
independente da denominação ou tradição de fé protestante, é convidado a
participar da Ceia do Senhor. 9

Há uma posição intermediária entre a Ceia Universal e a Ceia Livre que é a


comunhão “aberta” que advoga que todo crente em Cristo Jesus mesmo não
batizado é convidado a participar da mesa do Senhor. 10

Esta posição sempre existiu na tradição Batista, porém teve maior defesa no
século XX. Seu maior expoente foi o conhecido John Bunyan. 11
Ceia Restrita
Esta posição defende que somente os membros da denominação, “mesma fé e
ordem” podem participar da Ceia do Senhor. Os que defendem essa posição, por
exemplo, Sobrinho, advoga a diferença entre as posições denominacionais quanto
a Ceia do Senhor como um meio de graça como motivo para a ceia restrita.   Para12

Sobrinho, a ceia é meramente um memorial.   E esse é um fator impeditivo para


13

que membros de outra denominação participem da Ceia.

Ceia ultra-restrita
Esta posição defende que somente os membros daquela comunidade local devem
participar da Ceia do Senhor. O autor Ebenézer Soares Ferreira salienta que é a
posição mais sensata porque a ceia é da igreja local.   Alguns batistas no século
14

XVII e XVIII e o movimento landmarkista   nos séculos XIX e XX advogam essa


15

posição quando a igreja celebra a Ceia. 16

O que está por detrás de cada posição


Importante tratar de cada posição a luz dos pressupostos teológicos que estão por
detrás de cada uma delas. No caso da Ceia Universal, é notório o entendimento (ou
falta dele) universalista da fé em Cristo no sentido de que todos, sem distinção,
serão salvos, portanto a Ceia pode ser oferecida a todos.

No caso da Comunhão “Aberta” onde crentes não batizados podem participar, a


indagação é que a Escritura não revela com clareza o batismo como condição sine
qua non para a participação na Ceia do Senhor. Os que argumentam contra esta
posição levantam a questão do Batismo como uma ordenança para os discípulos
(Mc 16:15) portanto o não cumprimento dela caracteriza-se como desobediência e
a ordenança ou sacramento da Ceia é para os discípulos batizados.

Os adeptos da Ceia Livre (Comunhão próxima) tem uma compreensão que a igreja
é tanto local quanto universal, tanto visível quanto invisível, portanto todo crente
professo e batizado é convidado a participar.

À luz dos credos antigos como, por exemplo, o Credo dos apóstolos e o Credo
Niceno-Constantinopolitano de 381, a Igreja é “Una (única), Santa, Universal e
Apostólica.”   Mark Dever escreve que a “igreja é universal porque se estende
17

através do tempo e do espaço.”   A igreja local faz parte da igreja universal.


18

A Segunda Confissão de Fé Londrina de 1689 salienta que:

“A Igreja universal (ou católica), que com respeito à obra interna do Espírito, e da
verdade da graça, pode ser chamada invisível, consiste no número total dos eleitos
que já foram, estão sendo, ou ainda serão chamados em Cristo, o Cabeça de
todos. A Igreja é a esposa, o corpo e a plenitude daquele que é tudo em todos.” 19

Portanto à luz da universalidade ou catolicidade da igreja, todo cristão deve ser


convidado para participar da Ceia independente da tradição, tipo de batismo,
exigindo apenas a fé em Cristo no coração e confessada seguida do batismo. Esta
é a posição defendida pelo autor do artigo embora reflita sobre a honestidade da
pergunta levantada pelos defensores da comunhão “aberta”.

Conforme escrito anteriormente, a Ceia Restrita tem como argumento a unidade


denominacional da mesma “fé e ordem” como também a posição da ceia
memorial no quesito meio de graça (a ceia não confere graça para esta posição)
então o argumento de que se a posição é diferente, não há possibilidade de
participação em conjunto com outras denominações (isso envolve também o
debate credo-batismo ou pedo-batismo). A Igreja Evangélica Luterana do Brasil
mantém essa posição com o nome de comunhão “fechada” (aos membros da
denominação) por causa da posição de Lutero quanto à ceia, a saber, a
consubstanciação.20

A posição da ceia ultra-restrita tem como argumento a não existência da igreja


universal ou invisível dentro da tradição batista conforme interpretada e defendida
pelo movimento landmarquista.

Todo o debate se dá pela interpretação de 1 Coríntios 11:27-31 e das questões: se


a mesa pertence à igreja ou ao Senhor? Se a igreja é somente local ou universal?

Bibliografia:
DEVER, Mark. Igreja: o Evangelho visível. São José dos Campos – SP : Fiel, 2015.
FÉ PARA HOJE: Confissão de Fé Batista de 1689. São José dos Campos – SP,
Editora Fiel, 1991.
FERREIRA, Ebenézer Soares. Manual da Igreja e do Obreiro. Rio de Janeiro : JUERP.
1985.
GARDNER, Daniel Aaron. O despertar do movimento Landmarkista: Uma análise da
vida e da teologia de James R. Graves. São José dos Campos : Seminário Martin
Bucer. TCC
SOBRINHO, João Falcão. A túnica Inconsútil: Um estudo sobre a doutrina da igreja.
– Rio de Janeiro, JUERP, 1998.
http://catequeseconfessional.blogspot.com.br/2015/09/confessionalidade-
luterana-e-comunhao.html

____________________________________
Nome fictício, situação fictícia, porém muito comum.
1

O autor agradece ao pastor batista Silas Roberto Nogueira pelo auxílio a pesquisa
2

com os materiais de eclesiologia dos professores João Falcão Sobrinho e


Ebenezer Soares Ferreira.
Para outras tradições menos afetadas pelo fundamentalismo conforme explicado
3

mais a frente no artigo não lidam com este problema por causa do conceito de
igreja universal.
SOBRINHO, João Falcão. A túnica Inconsútil: Um estudo sobre a doutrina da igreja.
4

– Rio de Janeiro, JUERP, 1998. P. 96


Os termos (como também a quantidade de posições) podem variar de escritor
5

para escritor ou professor de eclesiologia para professor.


DEVER, Mark. Igreja: o Evangelho visível. São José dos Campos – SP : Fiel, 2015.
6

P. 160.
Cf. http://catequeseconfessional.blogspot.com.br/2015/09/confessionalidade-
7

luterana-e-comunhao.html Acesso em 19/11/2015. Pelo texto parece ser a posição


da IELB (Igreja Evangélica Luterana do Brasil) ligada ao sínodo de Missouri (EUA) e
confessional.
SOBRINHO, Op. Cit. P. 96
8

DEVER, Op. Cit. P.160


9

10
Ibid.
11
Ibid.
12
SOBRINHO, Op. Cit. P. 96
13
Ibid. As posições quanto a ordenança ou sacramento da Ceia do Senhor são:
Transubstanciação (Igreja Católica Romana); Consubstanciação (Posição
Luterana); Presença real ou mística por meio da fé (Calvino, presbiterianos e
reformados, batistas calvinistas e reformados) e memorial (Ulrich Zwinglío,
batistas).
14
Cf. FERREIRA, Ebenézer Soares. Manual da Igreja e do Obreiro. Rio de Janeiro :
JUERP. 1985.
15
O landmarkismo ou landmarquismo surgiu com James R. Graves (1820-1893)
com uma interpretação muito estreita em sua eclesiologia: existência apenas da
igreja visível e local (não triunfante ou invisível) se relacionando apenas com
outras igrejas fiéis (batistas landmarkistas) tanto em ordenança quanto em
pregação fiel. Somente os pastores daquela tradição eram fiéis as igrejas do Novo
Testamento. Cf. GARDNER, Daniel Aaron. O despertar do movimento Landmarkista:
Uma análise da vida e da teologia de James R. Graves. São José dos Campos :
Seminário Martin Bucer. TCC – Material não publicado.
16
DEVER, Op Cit. P.160
17
DEVER. Op. Cit. P.62-64
18
Ibid. P.64
19
FÉ PARA HOJE: Confissão de Fé Batista de 1689. São José dos Campos – SP,
Editora Fiel, 1991. P. 51
20
http://catequeseconfessional.blogspot.com.br/2015/09/confessionalidade-
luterana-e-comunhao.html Acesso em 19/11/2015.

Você também pode gostar