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APOSTILA - TEOLOGIA REFORMADA

Aula nº 1

Introdução
Esta disciplina se propõe a ser uma introdução à tradição
reformada, e não uma história das igrejas reformadas nem uma
declaração abrangente da fé e prática reformada.
Procuraremos compreender o desenvolvimento desta
teologia e sua contribuição para a práxis pastoral da igreja.

Origem do termo "Reforma"


A tradição reformada não pode ser definida com precisão.
Ela é entendida, de modo geral, como o padrão do cristianismo
protestante que tem suas raízes na reforma do século XVI.
A palavra "reformado" tem origem na ênfase que os
reformadores suíços deram à reforma da Igreja segundo a Palavra
de Deus. Durante o século XVI, o termo foi aplicado a todas as
igrejas protestantes, como ocorreu com a palavra "evangélico".
O desejo de reformar a vida toda, segundo a Palavra de
Deus, foi um compromisso abrangente e o fundamento básico para
aqueles que continuaram a desenvolver a tradição teológica
reformada.

Ecclesia reformata reformanda est (“A igreja, tendo sido


reformada, ainda precisa ser reformada).

Filme: Lutero

Aula nº 2

O Surgimento Das Igrejas Reformadas


Os reformadores protestantes nunca aceitaram a idéia de
que estavam envolvidos em um novo empreendimento, isto é, para
eles a história da Igreja começou com Adão. Eles se entendiam
como participantes de uma reforma do povo de Deus, segundo a
Palavra de Deus. Nenhum protestante dataria a origem da Igreja a
partir do século XVI. A reforma protestante era uma reforma e não
um começo.
A palavra protestante parece negativa aos ouvidos
modernos, mas seu uso original foi positivo. A reforma foi acima de
tudo uma proclamação positiva do evangelho cristão. Ela nunca
dependeu negativamente de fazer uma oposição, pois foi, em
primeiro lugar, uma declaração solene pela verdade da Palavra.

A Reforma na Alemanha – Martinho Lutero


A reforma luterana teve sua origem nos conflitos pessoais
de Martinho Lutero, que vivia atormentado pela pergunta: como
pode um ser humano pecador permanecer na presença de um
Deus justo?
As Noventa e Cinco Teses, de 31 de outubro de 1517,
abordaram uma ampla variação de práticas corruptas da igreja, mas
seu centro foi a proclamação do amor perdoador de Deus.
A descoberta da graça de Deus não foi exclusiva nem
excêntrica. Ao contrário, iluminou multidões oprimidas pela
predominante religião das boas-obras, que pregava a necessidade
de conquistar o favor divino. Por causa das Noventa e Cinco Teses,
debates, textos e pregações de Lutero houve um grande
despertamento da fé cristã, que se transformou na reforma
luterana. Desta reforma nasceu a Igreja Luterana.

A Reforma na Suíça – Zuínglio e Calvino


A reforma na Suíça não dependeu diretamente do trabalho
de Martinho Lutero, mas sofreu sua influência e teve seu
desenvolvimento por ele modelado.

 Na cidade de Zurique - Ulrico Zuínglio


Zuínglio é reconhecido com justiça como o primeiro
reformador suíço. Foi sua personalidade poderosa, sua habilidade
como membro da igreja e pregador que precipitaram a Reforma,
mas foi João Calvino que deu sustentabilidade a reforma por meio
de sua teologia.
A ênfase radical da reforma suíça em seguir a Palavra de
Deus deu origem a designação "reformada". Zuínglio acreditava que
a Igreja seria purificada e reformada pelo estudo e pregação das
Escrituras. Para ele a Bíblia era a autoridade máxima na vida da
Igreja.
As controvérsias luteranas e reformadas no final do século
XVI, especialmente sobre os sacramentos e o culto, deram ênfase
ao caráter mais radical da reforma suíça e contribuíram,
provavelmente, para a sua diferenciação.

Na cidade de Genebra - Calvino


Em Genebra, a reforma começou sob a liderança de um
inflamado francês chamado Guilherme Farel (1489-1565).
Entretanto, o grande trabalho de reforma de Genebra seria
conduzido por outro francês João Calvino (1509-1564).
A autoridade da Bíblia teve especial importância na sua conversão
ao protestantismo e ele procurou purificar a igreja fazendo-a
retornar à sua fonte na revelação. Publicou a mais influente
declaração da fé cristã, a Instituição da Religião Cristã, conhecida
como "As Institutas". Reformou o culto, dando inicio e apoiando o
desenvolvimento do Saltério de Genebra. Além disso, Calvino
reorganizou a igreja. Sua visão a respeito da comunidade cristã e
liderança na reforma da cidade de Genebra garantem-lhe um lugar
na história política e social. Mas é nas suas cartas - onze volumes
no Corpus Reformatorum - que se revela, em toda a sua
amplitude, o homem pastoralmente preocupado com o movimento
da reforma nos vários países europeus.

Na França
As igrejas reformadas francesas tiveram sua origem no
humanismo cristão da primeira metade do século XVI. De 1540 em
diante, o movimento foi dirigido, em grande medida, a partir de
Genebra, que estava livre do controle político da França. Uma igreja
protestante foi organizada em Paris no ano de 1555. Uma
organização nacional foi criada em 1559, a qual incluía consistório
(conselho), colóquio (presbitério), sínodo provincial e sínodo
nacional. Pela primeira vez na história, o presbiterianismo estava
organizado nacionalmente.

Na Holanda
A reforma na Holanda começou muito antes de Martinho
Lutero, através de movimentos tais como o dos Irmãos da Vida
Comum. Tais movimentos eram agostinianos na teologia e davam
ênfase aos estudos bíblicos e a vida devocional. No final da década
de 50 o protestantismo já estava estabelecido na Holanda. Em
1561, Guy de Brês escreveu uma confissão “para os fiéis que estão
espalhados por toda parte na Holanda”. Esta confissão, adotada por
um sínodo em Antuérpia, formado em 1556, tornou-se conhecida
como confissão Belga. Com algumas modificações, foi declarada
como Confissão da Igreja Holandesa, juntamente com o Catecismo
de Heidelberg e os Cânones de Dort.
A igreja da Holanda desenvolveu um trabalho teológico
diligente e hábil, tornando-se um centro muito influente do
pensamento reformado no final do século XVI e no século XVII.
Também foi o cenário do mais conhecido debate teológico do início
da história reformada.
Armínio (1560-1609), que tinha raízes tanto na tradição
holandesa quanto na teologia reformada de Genebra, procurou
modificar a doutrina da predestinação de Calvino, especialmente
em sua forma exagerada defendida por Gomaro, um homem
holandês, e Teodoro Beza, o sucessor de Calvino em Genebra.
Armínio estava muito preocupado em refutar a doutrina da
graça irresistível, embora ele mesmo sempre insistisse em dizer
que ninguém se volta para Deus a não ser pela sua graça.
A amarga controvérsia que se seguiu foi decidida pelo Sínodo
de Dort(Holanda), em 1619. Este adotou a linha média entre os
hiper-calvinistas e os discípulos de Armínio. Contudo reafirmou as
doutrinas da depravação total, da eleição incondicional, da
expiação limitada, da graça irresistível e da perseverança dos
santos. Esses nomes foram dados no calor da controvérsia, não
sendo inteiramente adequados com o que o sínodo afirmou.

Aula nº 3

Conhecendo a Teologia Reformada

1. A Igreja na Teologia Reformada


Os fundadores do protestantismo não se propuseram somente
a um reavivamento da piedade pessoal; também era seu objetivo
reestruturar as formas corporativas de religião. Eles não buscaram
converter indivíduos à fé protestante somente para deixá-los numa
situação de isolamento solitário; trabalharam para reedificar a Igreja
e sentiram-se profundamente chamados a serem agentes desta
restauração. Sua crença inabalável era a de que a santa Igreja
católica tinha sido instituída por Deus, para a nutrição e a
comunhão das almas, e a de que fora dela não existe “nenhuma
possibilidade normal de salvação”. Consequentemente, os
teólogos da Reforma deram ênfase à natureza e à função da Igreja,
tendo procurado entender e expor isso. A eclesiologia é uma parte
proeminente e essencial de sua teologia.
Nas gerações recentes, tal ênfase foi perdida. Muitos
ministros se contentam em servir às igrejas sem compreender a
Igreja. Entretanto as últimas gerações tem sido chamada a repensar
a Igreja e isso tornou-se nos últimos dias um interesse capital da
inteligência cristã.
Não temos como pensar no que é a Igreja sem analisarmos o
que a Teologia Reformada nos deixou de legado, pois
desconsiderar o que nossos antepassados nos legaram é ignorar o
que o Espírito de Deus fez pela Igreja no passado.
Diante as muitas heresias que surgiam a partir da reforma, as
igrejas resolveram adotar alguns credos e confissões como
“padrões da verdade”, criando desta forma doutrinas de fé que
poderiam identificar a verdadeira Igreja de Cristo. Por exemplo: o
Credo Apostólico - “Creio no Espírito Santo, na santa Igreja,
Católica, na comunhão dos santos...”. A Confissão de Fé de
Westminster(Inglaterra), Confissão de Augsburgo, Catecismo Maior,
Catecismo Menor, etc.
Portanto vejamos algumas de suas afirmações de fé:

1.1 A Igreja é Una


“Creio na Igreja Una...” – “Creio na única Igreja de Jesus
Cristo...”
Isso implica dizer duas coisas: Primeiro que a Igreja é
indivisível e em segundo que existe somente uma Igreja verdadeira.
Tal confissão é feita por crerem que todos os fiéis são unidos a
Cristo pelo mesmo Espírito, pela mesma fé.
Diante disso eles tinham que responder a uma pergunta
crucial para seus dias: Como poderia a Igreja indivisível estar se
dividindo? Por que eles passaram a apoiar o cisma em relação à
igreja Romana?
Os reformadores acreditavam na existência de duas igrejas: a
visível e a invisível.
Visível – formado por todos os membros das igrejas locais e
que são também membros da Igreja invisível se realmente
convertidos (se verdadeiramente nasceram de novo). A Igreja
visível era formada por cristãos nominais e professantes.

Invisível – formada por todos os santos (crentes) de todas as


épocas e lugares – a verdadeira Igreja de Cristo – e a única Igreja
de Cristo.
A Igreja invisível é exclusiva dos eleitos que é conhecido
unicamente por Deus.
Entretanto é bom nos lembrarmos que os reformadores
sempre se posicionaram contra a existência de cismas nas igrejas.
Estes só eram aceitos quando uma igreja não possuía as
características da verdadeira Igreja.
Calvino – “Pois o Senhor estima tanto a comunhão de sua
Igreja que ele considera como um traidor e apóstata da religião
quem perversamente se retira de qualquer sociedade cristã que
preserva o verdadeiro ministério da Palavra e os sacramentos”
(Institutas, 4.1.10).
Eles aceitavam a saída de uma instituição na qual as obras
internas e externas da verdadeira Igreja estivessem ausentes. Eles
afirmavam que a Igreja universal não está confinada no que diz
respeito ao lugar.
Portanto para os reformadores, deixar a igreja de Roma não é
um ato de divisão, mas uma necessidade espiritual.

1.2 A Igreja é Santa


A verdadeira Igreja não é terrestre, mas espiritual – “a noiva
sem mácula de Jesus Cristo” (Zuínglio).
A Igreja é santa, não por ser sem pecado, mas porque
implantada em Cristo e dotada de perpétuo arrependimento e fé,
nenhum pecado lhe é imputado. Ao contrário a santidade de Cristo
lhe é imputada, e desta forma considerada a noiva sem manchas de
Cristo.
Os reformadores reconheciam estes dois aspectos na vida da
igreja.

1.3 A Igreja é Católica


“Creio na santa Igreja Católica...” – “Creio na santa Igreja
Universal...” –que mais tarde se transformou na seguinte
afirmação: “Creio na comunhão dos santos”.
O termo “católica” significa “universal”. Os reformadores
acreditavam na existência da Igreja de Jesus Cristo espalhada
através de todos os fiéis por todos os lugares e épocas. Eles
acreditavam na universalidade da Igreja na sua existência tanto no
céu como na terra. Uma Igreja que estende seus ramos por todos
os lugares deste vasto mundo, em todos os tempos e épocas,
compreendendo todos os fiéis do mundo. De uma maneira mais
simples podemos afirmar que é acreditar na “comunhão dos
santos”.
1.4 A Igreja é Apostólica
“Creio na Santa Igreja Apostólica...”.
A Igreja é apostólica por estar fundada sobre os fundamentos
colocado pelos apóstolos.
Para os reformadores a sucessão apostólica é sucessão na
doutrina apostólica. “O hábito não faz o monge nem os bispos
fazem a Igreja”.

Outras afirmações da fé reformada que identificava a


verdadeira Igreja:
1.5 A Igreja não é hierárquica é o povo
Zuínglio afirmava que a Igreja de Cristo era destacada por ser
o povo cristão e não por uma hierarquia institucionalizada - “Os
pontífices não são os senhores ou juízes da Igreja, mas são seus
ministros”.

1.6 A Igreja zela pela “disciplina”


Os reformadores tinham grande zelo pela disciplina. Para
Calvino, a disciplina era como os músculos ou ligamentos que unem
os membros do corpo.
Calvino compreendia que a disciplina era necessária e em
casos mais graves como o adultério, o furto, o roubo, a sedição e o
perjúrio, os transgressores deveriam ser excomungados. Em
primeiro lugar para evitar a profanação do sagrado ministério da
Ceia do Senhor e o escândalo do reconhecimento do profano como
membro da Igreja. Em segundo lugar, ela providencia um proteção
contra a corrupção dos bons pela associação com os maus. Em
terceiro lugar, seu objetivo em relação aos transgressores é o de
que através da vergonha, eles possam ser conduzidos ao
arrependimento (Institutas 4.12.5). Não podemos deixar de ressaltar
que para Calvino todas as pessoas excomungadas devem ser
tratadas como candidatas à restauração à comunhão (Institutas
4.12.10).

1.7 A Igreja se fundamenta somente na Palavra de Deus


Esta sem dúvida era uma das grandes marcas da reforma a
volta á Palavra de Deus. Somente a: graça, fé e a Palavra
(Escrituras).

1.8 A Igreja é a única detentora da salvação


Os reformadores, assim como os romanos (católicos),
afirmavam que não existia salvação fora da Igreja. Para os
reformadores somente dentro da Igreja o individuo poderia
participar dos sacramentos ordenados por Jesus Cristo e somente
por meio da Igreja (povo de Deus) receber as bênçãos de Deus. Os
reformadores acreditavam que a salvação estava somente na
pessoa de Jesus Cristo e somente através da pregação e da
ministração dos sacramentos as pessoas teriam conhecimento da
verdade de Deus.

1.9 A Igreja é perpétua até a volta de Cristo


Os reformadores acreditam firmemente que a esta igreja
visível existiria no cenário do mundo perpetuamente. Ele não é um
fenômeno transitório da história ou uma frágil instituição cuja
continuidade depende de um ambiente político favorável.

Duas marcas eram essências para a identificação da


verdadeira igreja, segundo a teologia reformada:
 Administração dos sacramentos (Batismo e Santa Ceia)
 Proclamação (pregação) da Palavra de Deus

Aula nº 4

CONHECENDO A TEOLOGIA REFORMADA


Heber Carlos de Campos – Pr. Presbiteriano

2. A Visão Política e Social


Desde os primórdios do cristianismo tem existido diferentes
atitudes com respeito ao governo e à política na vida da igreja,
algumas delas opostas entre si.
 Tertuliano “declarou que Jerusalém e Atenas (o ensino cristão e
a cultura grega) não possuem nada em comum, e que os cristãos,
portanto, deveriam participar da vida cultural o menos possível.
 Agostinho, cerca de dois séculos depois, que também exerceu
grande influência sobre outros círculos da igreja cristã. Agostinho
norteou a vida da igreja por vários séculos através da sua obra A
Cidade de Deus. Ali ele argumentou que o estado e a igreja são
“duas espadas” debaixo do governo de Deus, ambas servindo aos
propósitos divinos, mas independentes entre si.
 Tomás de Aquino, séculos mais tarde, sustenta um outro
posicionamento bem diferente. Ele cria que a autoridade temporal
deveria estar sujeita à autoridade espiritual. A igreja deveria guiar o
estado. Todos os aspectos da cultura estariam dependentes da
igreja.
o Durante muitos séculos a Igreja Católica Romana seguiu os
princípios elaborados por Tomás de Aquino com respeito à política
e à cultura.
o De Aquino em diante houve o crescimento do escolaticismo, no
qual a Igreja tomou todas as frentes nas suas mãos. Ao invés de
implantar o Reino de Deus no mundo, por causa da deturpação de
muitas coisas na ecclesia docens “igreja docente”, esta acabou
manifestando a intenção de ser a senhora do mundo, e por vários
séculos, foi exatamente o que ela foi.

No tempo da Reforma Protestante houve diferentes


entendimentos com respeito ao envolvimento político e social da
igreja.
 Os anabatistas[1] defendiam um certo distanciamento das
atividades políticas.
 Lutero, por outro lado, percebe-se claramente a importância da
política e do envolvimento com os problemas sociais. Lutero fez
distinção entre os dois reinos – Igreja e temporal – a autoridade da
igreja e a autoridade temporal.
o Combatendo o sistema político papal vigente na Idade Média,
Lutero insurgiu-se contra a idéia de que o poder espiritual é superior
ao temporal. Havia a distinção entre a hierarquia e o laicato. A
primeira não podia ser disciplinada pela segunda. Portanto, o poder
temporal não possuía força sobre o poder eclesial. No entanto,
Lutero afirmava que os ímpios poderiam ser punidos pela
autoridade temporal, inclusive os clérigos. Lutero procurou demolir
os princípios medievais da monarquia e da hierarquia nas
instituições eclesiásticas.
 Calvino teve uma perspectiva relativamente diferente com
respeito à política e ao envolvimento social. Ele teve muitas de suas
idéias calcadas nos ensinos de Agostinho, inclusive as relacionadas
com o pensamento político. Deus era o Senhor e a Escritura a única
regra de fé para uma nação. João Calvino foi o mais político dos
reformadores, porque sua visão de Reforma não era simplesmente
a dos indivíduos, mas também da igreja e da sociedade.
o Calvino estabeleceu o direito e o dever de resistência ao Estado.
Em qualquer regime político, os cristãos devem opor-se com vigor
às exigências do Estado cada vez que estas sejam contrárias à
vontade de Deus. Para Calvino, este direito de resistência não está
em contradição com o imperioso dever cristão de obediência às
autoridades. Ao contrário, expressa o limite necessário desse dever.
De fato, em todo o tempo e em qualquer circunstância, o cristão tem
um só mestre, que é Jesus Cristo. A obediência parcial que se deve
aos senhores humanos... é só uma obediência derivada,
condicional e sempre subordinada à única autoridade absoluta: a de
Jesus Cristo.

Puritanos
Esse espírito da filosofia de Calvino atravessou o Canal da
Mancha e entrou na Escócia de John Knox, que foi um dos
inspiradores do puritanismo na Inglaterra. Knox, ao contrário de
Lutero, não escudou-se na Escritura para ficar silencioso diante das
injustiças da sua rainha. Ele desafiou-a publicamente com todo o
vigor da sua fé calvinista. Ele cria que os governos eram uma
instituição divina, mas também cria que havia um senso de justiça
que tinha que ser implantado no seu país. E a justiça deveria
começar com a rainha da Escócia. Por essa razão, na luta pela
implantação dos princípios do reino de Deus, os discípulos de Knox,
dentro do Parlamento, aprovavam a execução da soberana (a
rainha) em nome do Soberano (Deus).
O puritanismo, além de outras ênfases, tentou trazer para a
Inglaterra um despertamento geral que envolvesse as autoridades
do país.
Os puritanos tentaram restaurar os padrões de culto e de
política dos tempos bíblicos. Escorraçados por causa de sua fé e do
seu pensamento político, alguns deles fugiram para a América do
Norte, a partir de 1620. Aportaram ali e tentaram implantar uma
sociedade nos moldes dos tempos do Antigo Testamento. Deus era
o Senhor da terra e de todas as outras atividades. Procuraram
basear a sua sociedade nos padrões de um regime teocrático. A lei
de Deus era a lei do povo. Eles nunca entenderam que a vox
populi era a vox Dei (voz popular era a voz de Deus).
 De qualquer forma, os reformados (os de origem calvinistas,
puritana) têm tido uma atitude diferente, pelo menos em teoria, da
dos anabatistas e dos luteranos. Os cristãos, segundo os
calvinistas, devem estar engajados na vida política do país.
 De acordo com os princípios éticos da fé reformada, o cristão
deve lutar para reestruturar a sociedade onde vive, moldando-se de
acordo com os padrões estabelecidos na Palavra de Deus.
A POSIÇÃO ESCATOLÓGICA COMO FATOR DETERMINANTE
DO ENVOLVIMENTO POLÍTICO E SOCIAL
O envolvimento político e social do cristão, pelo menos na
igreja contemporânea, pode estar diretamente vinculado à sua
posição escatológica e mais especificamente á sua idéia do reino
de Deus.
Há três posições básicas com respeito ao envolvimento dos
cristãos na política: acomodação, separação e transformação.

 Amilenistas – São mais tendentes à acomodação


(adaptação). O fato de crerem que o Reino de Deus já está
presente e que já vivemos o milênio, uma vez, que para eles o
milênio se manifesta espiritualmente e não literalmente, acabam se
acomodando e vivendo apenas no aguardo da segunda vinda de
Cristo para o juízo. Podemos dizer que os amilenistas se adaptam
ao sistema político, seja qual for, embora não pactuem com suas
impiedades. Entendem que devem lutar no que for possível por leis
justas, por princípios que estejam de acordo com a Palavra de
Deus, se envolvem politicamente e socialmente, contudo não são
radicais como os pós-milenistas.
o Essa crença favorece o pluralismo de idéias e a liberdade religiosa.
o A Igreja age com tolerância as muitas idéias (devemos respeitar a
liberdade religiosa e de idéias), contudo se posiciona com um pouco
mais de veemência que os pré-milenistas.
o Entendem que existe uma certa continuidade no Reino de Deus
temporal (em nossas vidas) e no Reino de Deus que virá.

 Pré-milenistas – São tendentes à separação. Crêem que Jesus


Cristo reinará literalmente por mil anos após sua segunda vinda, o
que os leva a compreender que este mundo não tem solução
enquanto Cristo não voltar. Em geral sustentam uma
descontinuidade entre o reino presente e o reino futuro que Cristo
vai inaugurar.
o Essa crença, assim como o amilenismo, favorece o pluralismo de
idéias e a liberdade religiosa.
o Governo Civil - Os pré-milenistas são totalmente favoráveis a um
regime democrático que lhes permita a proclamação do Evangelho.
o Ética civil - Não lutam para que os governos tenham leis cristãs,
mas que apenas haja liberdade para pregarem o Evangelho e que
as mesmas sejam justas para todos os cidadãos. (Podemos afirmar
que buscam leis que sejam sustentadas pela revelação natural e
não pela revelação especial).
o A Igreja age com tolerância as muitas idéias (devemos respeitar a
liberdade religiosa e de idéias).
o Os anabatistas é os que defendiam a separação dos cristãos nos
problemas da sociedade. O cristão tinha que se importar era com a
salvação (alma/espírito) do pecador.
o Acreditam na descontinuidade do Reino de Deus temporal e no
Reino de Deus que virá.

 Pós-milenistas – Em eles querem uma transformação da


sociedade através da política. O Estado deve seguir as regras
divinas, estabelecidas em linhas gerais na Escritura (são os
herdeiros mais próximos dos puritanos). Sua fé em que o Reino de
Deus já está presente, mas que o milênio acontecerá literalmente,
através da ação da Igreja, os tornam agentes transformadores da
sociedade. A Igreja vai implantar o milênio.
o Não aceitam outras religiões, outras verdades. Não existe espaço
para o pluralismo de idéias.
o Os padrões morais políticos, as leis, a ética civil deve ser tudo
baseado nas leis e padrões de Deus (da Bíblia).
o Acreditam na continuidade do Reino de Deus atual.

Aula nº 5

DISCIPLINA NA IGREJA
Valdeci da Silva Santos – Pr. Presbiteriano

Disciplina eclesiástica é um termo em risco de extinção no


atual vocabulário cristão. Desde que os princípios do pós-
modernismo encontraram lugar no seio da igreja, qualquer conceito
que ameace o individualismo e a liberdade de escolha quanto ao
estilo de vida, comportamento, etc., é logo taxado de arcaico. A
dicotomia prática de muitos cristãos gera a ilusão de que a igreja
não tem nada a ver com o procedimento “secular” de seus
membros. Nessa “nova era” antropocêntrica, a igreja é vista como
uma organização altamente dependente do individuo, e que precisa
conservá-lo ao custo de várias exceções. O medo da
impopularidade leva muitos líderes à cumplicidade e pecados são
justificados em nome de uma atitude mais “humana”. Por outro lado,
o que dizer daqueles que, em nome do zelo pela disciplina,
cometeram injustiças e causaram mais males que bens? Em todo
esse contexto, a disciplina tem uma vida curta e a tolerância
consagra-se como a virtude da moda. Porém, o que acontece com
uma igreja sem disciplina?
O termo “disciplina”, em geral, é empregado em vários
sentidos. Podemos usá-lo para referir-nos a uma área de ensino, ao
exercício da ordem, ao exercício da piedade ou a medidas
corretivas no seio da igreja.
O objetivo deste artigo é delinear alguns fatores da
importância da disciplina eclesiástica entre os membros do corpo de
Cristo. Porém, o que motiva esta reflexão é a esperança de que a
mesma seja útil para elucidar a muitos quanto ao aspecto bíblico-
teológico da disciplina.

1 – Errando o Alvo
A igreja cristã tem sido acusada de ser o único exército que
atira nos seus feridos. O grau de verdade dessa acusação é, muitas
vezes, devido a mal-entendidos com relação à disciplina
eclesiástica. Tais mal-entendidos estão presentes em pelo menos
dois grupos:
1) os que aplicam a disciplina;
2) os que sofrem a aplicação da mesma. Como cada caso deve ser
analisado individualmente, só nos cabe aqui listar os mal-
entendidos mais comuns em relação à disciplina eclesiástica.

A. Disciplina e Despotismo
Com a subida ao poder do Partido Nacional na África do Sul,
em 1948, a segregação foi legalizada em nome da disciplina. Como
resultado foi sancionado o aprisionamento de negros sem nenhum
julgamento formal. Isso não foi disciplina, mas despotismo.
A História da Igreja Medieval apresenta uma vasta galeria
de ilustrações da confusão entre o uso da disciplina e o exercício do
despotismo. Seria isto apenas um fenômeno do passado?
Infelizmente basta familiarizar-se com os círculos eclesiásticos para
se descobrir que o espírito medieval ainda está vivo e ativo na
mente e atitude de alguns líderes modernos.

B. Disciplina e Discriminação
A confusa identificação entre disciplina e discriminação pode
ser vista sob dois aspectos: 1) no abandono do disciplinado por
parte da igreja; 2) na recusa do disciplinado em receber a disciplina.
Para se evitar o primeiro erro é imprescindível que a família cristã
não desista de um dos seus membros que caiu. Paulo exorta a
igreja para que manifeste perdão, conforto e reafirmação de amor
para com o arrependido, para que “o mesmo não seja consumido
por excessiva tristeza” (2 Co 2.7-8). Outra razão para esta
exortação é para que “Satanás não alcance vantagem” sobre a
igreja, criando amargura, discórdia e dissensão (v.11).
Há sempre a possibilidade de que o disciplinado não se
submeta à disciplina, e acuse a igreja de discriminação. Tal atitude
apenas manifesta ignorância e estupidez (Pv 12.1). Segundo as
Escrituras, é o pecado e a determinação em segui-lo que gera
discriminação, e não a disciplina (1 Co 5.5 e 1 Tm 1.20).

C. Disciplina e Arbitrariedade
“Com que direito fizeram isso?” Esta é a pergunta que
constantemente se ouve em casos de disciplina. Essa pergunta
revela um mal-entendido comum entre disciplina e arbitrariedade.
Ou seja, é como se aqueles que aplicam a disciplina não tivessem
nenhum direito de fazer tal coisa debaixo do sol. Alias, alguns
argumentariam: “não somos todos pecadores?”
Primeiramente, é preciso lembrar que toda atitude
pecaminosa precisa ser corrigida, mas há algumas que requerem
correção pública. Por exemplo, em Mateus 18.16-17 o evangelista
fala daqueles que se recusam a abandonar o pecado mesmo diante
de uma amorosa exortação pessoal.
Na sua primeira Carta aos Coríntios 5.1-13, Paulo descreve
as pessoas cujas práticas trazem escândalo à igreja, e na Primeira
Carta a Timóteo 1.20, na Segunda Carta a Timóteo 2.17-18 e na
Segunda Carta de João 9-11 são mencionados os que dissimulam
ensinos contrários ao Evangelho. Por outro lado, na Carta aos
Romanos 16.17 o apóstolo recomenda disciplina aos que causam
divisões na igreja, e ao escrever a Segunda Carta aos
Tessalonicenses 3.6-10 ele prescreve disciplina eclesiástica para
aqueles que se deleitam na preguiça. Há um princípio claro: “Os
pecados que foram explicitamente disciplinados no Novo
Testamento eram conhecidos publicamente e externamente
evidentes, e muitos deles haviam continuado por um período de
tempo”.
Com relação à autoridade, é importante lembrar que a
autoridade na disciplina nunca vem daquele que a aplica, mas
daquele que a ordenou, sou seja, o Cabeça e Senhor da Igreja (Ef
1.22-23). Além do mais a pergunta a ser feita deve ser: “Com que
direito um membro da Igreja do Cordeiro profana o sangue da
aliança e ultraja o Espírito da graça?” (Hb 10.29).

2 – O Ensino Bíblico
A – A Necessidade da Disciplina
Aquele que ordena a disciplina na igreja e o mesmo que
estabelece o padrão a ser seguido no exercício da mesma. Esse
padrão consiste primeiramente em amor paternal (Hb 12.4-13). É
certo que o mundo vê a disciplina como expressão de ira e
hostilidade, mas as Escrituras mostram que a disciplina de Deus é
um exercício do seu amor por seus filhos. Amor e disciplina
possuem conexão vital (Ap 3.19). Além do mais, disciplina envolve
relacionamento familiar (Hb 12.7-9), e quando os cristãos recebem
disciplina divina, o Pai celestial está apenas tratando-os como seus
filhos. Deus não disciplina bastardos, ou seja, filhos ilegítimos (v.8).
O padrão de disciplina divina revela também maravilhosos
benefícios. A disciplina que vem do Senhor “é para o nosso bem
(v.10)”. Ainda que seja inicialmente doloroso receber disciplina, a
mesma produz paz e retidão (v.11). O v.13 ensina que o propósito
de Deus em disciplinar não é o de incapacitar permanentemente o
pecador, mas antes de restaurá-lo à saúde espiritual.
Segundo as Escrituras, a disciplina na igreja está
fundamentada não apenas no exercício do bom senso, mas
principalmente nos imperativos do Senhor. O mandato bíblico
referente à disciplina é encontrado especialmente no ensino de
Jesus (Mt 18.15-17) e nos escritos de Paulo (1 Co 5.1-13).
Também, há clara referência bíblica de que a igreja que negligência
o exercício desse mandato compromete não apenas sua eficiência
espiritual, mas sua própria existência. A igreja sem disciplina é uma
igreja sem pureza (Ef 5.25-27) e sem poder (Js 7.11-12a). A igreja
de Tiatira foi repreendida devido à sua flexibilidade moral (Ap 2.20-
24).

B – Formas De Disciplina[2]
Quando nos referimos à disciplina na igreja, devemos
pensar não somente na punição do erro. A Disciplina bíblica na
igreja se inicia com atitudes de prevenção e, por conseguinte, inclui
tanto a disciplina formativa como areformativa.
A primeira envolve todo o processo que resulta em prevenir
os crentes de caírem no pecado (batismo, sermões, comunhão,
dizimar, etc.).
A disciplina reformativa, assim como nos sugere o termo, se
preocupa com o aprimoramento de um crente que se beneficia
pouco da disciplina formativa, um crente que erra em sua jornada
cristã.

C – Os Passos da Disciplina
Biblicamente, a disciplina na igreja tem um triplo
objetivo: 1) restabelecer o pecador (Mt 18.15; 1 Co 5.5 e Gl
6.1); 2) manter a pureza da igreja (1 Co 5.6-8); 3)dissuadir outros (1
Tm 5.20). É este triplo propósito que aponta para os passos a
serem seguidos em uma aplicação correta da disciplina eclesiástica.
Esses passos são especialmente mencionados em Mateus 18.15-
17.

1 – Abordagem individual
O v.15 (“Se teu irmão pecar vai argüi-lo entre ti e ele só...”)
ensina que a confrontação é uma tarefa cristã. Uma das melhores
coisas a fazer por um irmão em pecado é confrontá-lo em amor (Pv
27.5-6). Mas é sempre arriscado confrontar alguém, pois nunca se
pode prever a reação do mesmo. Jesus, todavia, dirige nossa
atenção para a alegre possibilidade de que tal irmão nos ouça.

2 – Admoestação privada
No caso de o ofensor não atender à confrontação individual,
Jesus ordena que haja admoestação privada (v.16). Nesse caso,
um número maior de pessoas é envolvido. A principio, pode parecer
que o objetivo desse passo é intimidar o ofensor. Uma atenção
maior, porém, leva-nos a entender que o propósito do mesmo pode
ser o de conscientizar o ofensor quanto aos prejuízos de sua atitude
para com a comunidade do corpo de Cristo. Em outras palavras,
nosso pecado traz conseqüências pessoais e coletivas. Além do
mais, Jesus afirma que as outras pessoas envolvidas nesse
processo serão testemunhas. Isto é uma referência à prática vetero-
testamentária de não se condenar alguém com base em uma
opinião pessoal (Nm 35.30, Dt 17.6). Com isso, a objetividade do
caso é preservada, o que diminui as chances de injustiça, e o
ofensor é beneficiado.

3 – Pronunciamento público (v.17)


Tal proceder nunca é violação de segredos, pois o ofensor
deliberadamente recusou os caminhos prévios do arrependimento.
Diante de tal pronunciamento cada membro do corpo de Cristo deve
orar pelo pecador, evitar comentários desnecessários (2 Ts 3.14-15)
e vigiar a si próprio (1 Co 10.12). Tal oficialização pública da
disciplina traz implicações temporárias em relação aos sacramentos
(1 Co 11.27).

4 – Exclusão pública
O último recurso da disciplina é o da excomunhão (do
latim ex, “fora”, ecommunicare, “comunicar”), na qual o ofensor é
privado de todos os benefícios da comunhão. Nesse caso, o
ofensor é tido como gentio (a quem não era permitido entrar nos
átrios sagrados do Senhor) e publicano (que eram considerados
traidores e apóstatas: Lc 19.2-10). Com estes não há mais
comunhão cristã, pois deliberadamente recusam os princípios da
vida cristã (1 Co 5.11). Se o seu pecado é heresia, ou seja, o desvio
doutrinário das verdades fundamentais ensinadas nas Escrituras,
eles não devem nem mesmo ser recebidos em casa (2 Jo 10-11).

A disciplina eclesiástica “não é uma atividade a ser realizada


facilmente, mas algo a ser conduzido na presença do Senhor”.

3 – Implicações Teológicas
Sem a intenção de limitar, mas tão somente de elucidar,
ofereceremos três tópicos teológicos que estão vitalmente ligados
ao processo da disciplina eclesiástica.

A – Disciplina e a Adoração Cristã


A verdadeira adoração “é a mais nobre atividade de que o
homem, pela graça de Deus, é capaz” (John R. W. Stott). A
exclusiva adoração a Deus é um mandato divino (Mt 4.10 e Ap
19.10), é uma marca da fé salvadora (Fp 3.3), e deve seguir os
princípios revelados por Deus em sua Palavra.Um princípio
essencial da adoração cristã é o zelo pela santidade do nome do
Senhor (Êx 20.7 e Mt 6.9).
Uma igreja adoradora e ao mesmo tempo tolerante para
com o pecado no seu seio é uma contradição de termos e recebe a
repreensão do Senhor (Ap 2.18-29).

B – Disciplina e as Marcas da Igreja


A Reforma Protestante do século XVI considerou
importantíssima para a teologia cristã a seguinte questão: Como
distinguir entre a igreja verdadeira e a falsa? Em outras palavras,
quais são as marcas da verdadeira igreja cristã? Para o reformador
João Calvino, tais marcas consistem da proclamação da Palavra, da
administração dos sacramentos e do exercício da disciplina
eclesiástica. Segundo, ele, “aqueles que pensam que a igreja pode
sobreviver por longo tempo sem disciplina estão enganados; a
menos que pensemos que podemos omitir um recurso que o
Senhor considerou necessário para nós”. Nesse sentido, “a
disciplina é tão necessária quanto os ligamentos do corpo humano,
ou como a disciplina em família”.
Sendo que Cristo deseja sua igreja “sem mácula, sem ruga,
nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” (Ef 5.27), a
disciplina eclesiástica é altamente relevante, pois é um meio
instituído por Deus para manter pura a sua igreja.

C – Disciplina e Evangelismo
A disciplina evidencia o amor cristão pelo pecador, ainda
que esse pecador seja um dos membros da igreja. Esse amor pelo
pecador cristão também reflete o amor da mesma pelo pecador
incrédulo. A disciplina eclesiástica ressalta a seriedade do pecado.
Sem a visão dessa seriedade, a igreja não é corretamente motivada
a buscar a redenção do pecador. Há uma relação entre disciplina
eclesiástica e evangelismo.
Uma igreja sem disciplina torna-se um impecilho para o
avanço do evangelho. Essa relação vital entre evangelismo e
disciplina é clara à luz de 1 Co 5.12-13. O evangelismo é dirigido
aos que estão fora dos portões da igreja e que estão escravizados
pelo pecado. A disciplina é dirigida àqueles que estão dentrodos
portões da igreja e que estão se sujeitando ao domínio do pecado.
Assim, ambos (evangelismo e disciplina) almejam a liberdade do
pecador e a concretização do triunfo histórico da graça sobre o
pecado na vida do mesmo (Rm 6.1-23).

“Há pouca vantagem em uma igreja que tenta vencer o


mundo se ela já tem se rendido ao mundo” (Peter Barnes).

Conclusão
Uma séria reflexão bíblica sobre a disciplina eclesiástica
evidencia dois princípios básicos. Primeiro, que a disciplina na
igreja não é uma opção, mas sim uma ordenança e,
consequentemente, uma bênção divina (Hb 12.5-7). Segundo, que
a disciplina requer profundo amor por parte da igreja que a aplica e
semelhante humildade e quebrantamento por parte daquele que é
disciplinado (2 Co 2.5-11).
Aula nº 6

LEI E GRAÇA: UMA VISÃO REFORMADA


Mauro Fernando Meister – Pr. Presbiteriano e Mestre em Teologia
Exegética do A.T.

É quase um paradigma para os cristãos modernos associar


o Antigo Testamento à Lei e o Novo Testamento à Graça. Em várias
oportunidades propus a estudantes de seminário e na escola
dominical estabelecer o relacionamento entre os termos e,
invariavelmente, a resposta tem sido a seguinte relação:

LEI - Antigo
Testamento
GRAÇA - Novo
Testamento

1 – Estamos Sob a Lei ou Sob a Graça?


Esse questionamento reflete um entendimento confuso do
ensino bíblico acerca da lei e da graça de Deus. Muitos associam a
lei como um elemento pertencente exclusivamente ao período do
Antigo Testamento e a graça como um elemento neotestamentário.
Isso é muitas vezes o fruto do estudo apressado de textos como:

...sabendo, contudo, que o homem não é justificado por


obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos
crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em
Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será
justificado (Gálatas 2.16).

Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não


estais debaixo da lei, e sim da graça (Romanos 6.14).
E, de fato, uma leitura isolada dos textos acima pode
levar o leitor a entender lei e graça como um binômio de oposição.
Lei e graça parecem opostos, sem reconciliação – o cristão está
debaixo da graça e consequentemente não tem qualquer relação
com a lei. No entanto, essa leitura e falaciosa. O entendimento
isolado desses versos leva a uma antiga heresia
chamada antinomismo, a negação da lei em função da graça.
Nessa visão, a lei não tem qualquer papel a exercer sobre a vida do
cristão. O coração do cristão torna-se o seu guia e a lei se torna
dispensável. O oposto dessa posição é o legalismo ou moralismo,
que é a tendência de enfatizar a lei em detrimento da graça
(neonomismo). Nesse caso, a obediência não é um fruto da graça
de Deus, uma evidência da fé, mas uma tentativa de agradar a
Deus e de se adquirir mérito diante Dele. Exatamente contra essa
idéia é que a Reforma Protestante lutou, apresentando como uma
de suas principais ênfases a sola gratia.
No século XVI, os católicos acusavam os reformadores de
antinomistas, de serem contrários a lei de Deus. Até mesmo o
grande reformador Martinho Lutero expressou preocupação quanto
a alguns de seus seguidores que, em zelo de proclamar a graça por
tanto tempo desprezada pela Igreja, acabavam por desprezar a Lei.
Desde a reforma têm aparecido movimentos enfatizando um ou
outro desses aspectos, lei ou graça, sempre de forma excludente.
As implicações da forma como entendemos a relação entre
lei e graça vão muito além do aspecto puramente intelectual. Esse
entendimento vai, na verdade, determinar toda a forma como
alguém enxerga a vida cristã e que tipo de ética esse cristão irá
assumir em sua caminhada.
John Hesselink, um estudioso sobre a relação entre lei e
graça, exemplifica que, na década de 1960, os cristãos proponentes
da ética situacionista se levantaram contra leis, regras e princípios
gerais, propondo uma nova moralidade. Esse movimento propõe
que a ética das Escrituras não é absoluta, mas depende do
contexto. Nem mesmo a lei moral de Deus é absoluta; ela depende
da situação. Essa proposta surgiu e se desenvolveu dentro do
cristianismo tradicional, alcançando seguidores de todas as
bandeiras denominacionais, praticamente sem restrições. A lei não
tem mais qualquer papel determinante na ética cristã; o que
determina a ética cristã é o “principio do amor”, conclui o
movimento. A conseqüência dessa conclusão é que a graça
suplanta a lei.
As decisões éticas devem ser tomadas levando em
consideração o principio do amor. Tome-se por exemplo a questão
do aborto no caso do estupro. Aprová-lo nessas circunstâncias é
um ato de amor, baseado no principio do amor à mãe que foi
estrupada. Ou mesmo a questão da pena de morte. Ela não se
encaixa no principio do amor ao próximo, e, portanto, não pode ser
uma prática cristã. Até mesmo situações como o divórcio passam a
ser aceitáveis pelo principio do amor. A separação de casais passa
a ser aceitável pelo mesmo principio. O mesmo acontece com o
homossexualismo. Aceitar o homossexualismo passa a ser um ato
de amor, e portanto, essa prática não pode ser considerada como
pecado, ou, se assim considerada, é um pecado aceitável.
Mas seria essa a verdadeira conclusão do cristianismo e o
verdadeiro ensino das Escrituras sobre a lei? É isso que o estudo
das Escrituras e o cristianismo histórico nos ensinam? Nas páginas
a seguir avaliaremos o pensamento de Calvino a respeito dessa
questão e a aplicação calvinista refletida na Confissão de Fé de
Westminster.

2 – O Uso da Lei
Para entendermos bem o uso da lei precisamos entender o
que são o pacto das obras e o pacto da graça. Assim, é prudente
começarmos por esclarecer o que são esses pactos e qual o
conceito de lei que está envolvido na questão.
Pacto das Obras e Pacto da Graça é a terminologia usada
pela Confissão de Fé de Westminster para explicar a forma de
relacionamento adotada por Deus para com as suas criaturas, os
seres humanos. Mais do que isso, essa terminologia reflete o
sistema teológico adotado pelos reformadores, conhecido como
teologia federal. De forma bem resumida, podemos dizer que o
pacto das obras é o pacto operante antes da queda e do pecado.
Adão e Eva viveram originalmente debaixo desse pacto e sua vida
dependia da sua obediência à lei dada por Deus de forma direta em
Gênesis 2.17 – não comer da árvore do conhecimento do bem e do
mal. Adão e Eva descumpriram a sua obrigação, desobedeceram a
lei e incorreram na maldição do pacto da obras, a morte.
O pacto da graça é a manifestação graciosa e
misericordiosa de Deus, aplicando a maldição do pacto das obras à
pessoa de seu Filho, Jesus Cristo, fazendo com que parte de sua
criação, primeiramente representada em Adão, e agora
representada por Cristo, pudesse ser redimida. Porém, a lei antes
da queda não se resume à ordem de não comer do fruto da árvore
do conhecimento do bem e do mal. A lei não deve ser reduzida a
um aspecto somente. Existem outras leis, implícitas e explícitas, no
texto bíblico. Por exemplo, a descrição das bênçãos em Gênesis
1.28 aparece nos imperativos sede fecundos, multiplicai-vos, enchei
a terra e dominai. Esses imperativos foram ordens claras do Criador
a Adão e sua esposa e, por conseguinte, eram leis. O
relacionamento de Adão com o Criador estava vinculado à
obediência, a qual ele era capaz de exercer e assim cumprir o papel
para o qual fora criado. No entanto, o relacionamento de Adão com
Deus não se limitava à obediência. Esse relacionamento,
acompanhado da obediência, deveria expandir-se de maneira que
nele o Deus criador fosse glorificado e o ser humano pudesse ter
plena alegria em servi-lo. A Confissão de Fé não fala da lei de Deus
gravada no coração do homem. Essa lei gravada no coração do ser
humano reflete o tipo de intimidade reservada por Deus para as
suas criaturas.
Nesse contexto podemos perceber que a lei tinha um papel
orientador para o ser humano. Para que o seu relacionamento com
o Criador se mantivesse, o homem deveria ser obediente e assim
cumprir o seu papel. A obediência estava associada à manutenção
da bênção pactual. A não obediência estava associada a retirada da
bênção e à aplicação da maldição. A lei, portanto, tinha uma função
orientadora. O ser humano, desde o principio, conheceu os
propósitos de Deus através da lei. Tendo quebrado a lei; ele tornou-
se réu da mesma e recebeu a clara condenação proclamada pelo
Criador: a morte.
O que acontece com essa lei depois da queda e da
desobediência? Ela tem o mesmo papel? Ela possui diferentes
categorias? Por que Deus continuou a revelar a sua lei ao ser
humano caído?

3 – De Que Lei Estamos Falando?


A revelação da lei de Deus, como expressão objetiva da sua
vontade, encontra-se registrada nas Escrituras. Esse registro, que
começou nos tempos de Moisés, fala-nos da lei que Deus deu a
Adão e também aos seus descendentes. Essa lei foi revelada ao
longo do tempo. Dependendo das circunstâncias e da ocasião em
que foi dada, possui diferentes aspectos, qualidades ou áreas sobre
as quais legisla. Assim, é importante observar o contexto em que
cada lei é dada, a quem é dada e qual o seu objetivo manifesto. Só
assim poderemos saber a que nos estamos referindo quando
falamos de Lei.
A Confissão de Fé, no capítulo 18, divide esses aspectos
em lei moral, civil e cerimonial. Cada uma tem um papel e um
tempo para sua aplicação.
(A) Lei Civil ou Judicial – representa a legislação dada à sociedade
israelita ou à nação de Israel; por exemplo, define os crimes contra
a propriedade e suas respectivas punições.
(B) Lei Religiosa ou Cerimonial – representa a legislação levítica do
Velho Testamento; por exemplo, prescreve os sacrifícios e todo o
simbolismo cerimonial.
(C) Lei Moral – representa a vontade de Deus par ao ser humano, no
que diz respeito ao seu comportamento e ao seus principais
deveres.

3.1 – Toda a Lei é aplicável aos nossos dias?


Quanto à aplicação da Lei, devemos exercitar a seguinte
compreensão:
Lei Civil tinha a finalidade de regular a sociedade civil do
estado teocrático de Israel. Como tal, não é aplicável
normativamente em nossa sociedade. Os sabatistas erram ao
querer aplicar parte dela, sendo incoerentes, pois não conseguem
aplicá-la, nem impingi-la, em sua totalidade.
Lei Religiosa tinha a finalidade de imprimir nos homens a
santidade de Deus e apontar para o Messias, Cristo, fora do qual
não há esperança. Como tal, foi cumprida com sua vinda. Os
sabatistas erram a querer aplicar parte da mesma nos dias de hoje
e ao mesclá-la com a Lei Civil.
Lei Moral tem a finalidade de deixar bem claro ao homem
os seus deveres, revelando suas carências e auxiliando-o a
discernir entre o bem e o mal.Como tal, é aplicável em todas as
épocas e ocasiões. Os sabatistas acertam ao considerá-la válida,
porém erram ao confundi-la e ao mesclá-la com as outras duas,
prescrevendo uma aplicação confusa e desconexa.
Assim sendo, é fundamental que, ao ler o texto bíblico,
saibamos identificar a que tipo de lei o texto se refere e conhecer,
então, a aplicabilidade dessa lei ao nosso contexto. As leis civis e
cerimoniais de Israel não têm um caráter normativo par ao povo de
Deus em nossos dias, ainda que possam ter outra função como, por
exemplo, ensinar-nos princípios gerais sobre a justiça de Deus.
Portanto, a lei que permanece “vigente” em nossas e em todas as
épocas é a lei moral de Deus. Ela valeu para Adão assim como vale
para nós hoje. Isto implica que estamos, hoje, debaixo da lei?

3.2 – Estamos sob a Lei ou sob a Graça de Deus?


Muitas interpretações erradas podem resultar de um
entendimento falho das declarações bíblicas de que “não estamos
debaixo da lei, e sim da graça” (Romanos 6.14). Se considerarmos
que os três aspectos da lei de Deus apresentados acima são
distinções bíblicas, podemos afirmar:
Não estamos sob a Lei Civil de Israel, mas sob o período
da graça de Deus, em que o evangelho atinge todos os povos,
raças, tribos e nações.
Não estamos sob a Lei Religiosa de Israel, que apontava
para o Messias. Esta foi cumprida em Cristo, e não nos prende sob
nenhuma de suas ordenanças cerimoniais, uma vez que estamos
sob a graça do evangelho de Cristo, com acesso direto ao trono,
pelo seu Santo Espírito, sem a intermediação dos sacerdotes.
Não estamos sob a condenação da Lei Moral de Deus,
se fomos resgatados pelo seu sangue, e nos achamos cobertos por
sua graça. Não estamos portanto, sob a lei, mas sob a graça de
Deus, nesses sentidos.
Entretanto...
Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela
continua representando a soma de nossas deveres e obrigações
para com Deus e para com o nosso semelhante.
Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela,
resumida nos Dez Mandamentos, representa o caminho traçado por
Deus no processo de santificação efetivado pelo Espírito Santo em
nossa pessoa (João 14.15). Nos dois últimos aspectos, a própria Lei
Moral de Deus é uma expressão de sua graça, representando a
revelação objetiva e proposicional de sua vontade.

4 – Os Três Usos da Lei


Para esclarecer a função da lei de Deus dada por intermédio
de Moisés nas diferentes épocas da revelação, Calvino usou a
seguinte terminologia:

4.1 - Primeiro uso da Lei: Usus theologics


É a função da lei que revela e torna ainda maior o pecado
humano. Segue o ensino de Paulo em Romanos 3.20 e 5.20:

...visto que ninguém será justificado diante dele por obras


da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do
pecado.

Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas onde


abundou o pecado, superabundou a graça.

Calvino aponta para esse papel da lei diante da realidade


do homem caído. Sendo o pecado abundante, vivemos no tempo
em que a lei exerce o “ministério da morte” (2 Co 3.7) e, por
conseguinte, “opera a ira” (Rm 4.15).
Cabe aqui uma nota sobre a terminologia dos reformadores
(especialmente Calvino) a respeito da lei. A palavra lei é usada em
pelo menos dois sentidos distintos, que devem ser entendidos a
partir do contexto. Em alguns casos o termo lei é usado como um
sinônimo de Antigo Testamento, da mesma forma como Evangelho
é usado como um sinônimo do Novo Testamento. Em outros
contextos o termo lei é usado como uma categoria especial
referente ao seu uso como categoria de comando, um mandamento
direto expressando a vontade absoluta de Deus sobre alguma
coisa, sem promessa. É dessa forma que Calvino interpreta a lei em
2 Co 3.7, Rm 4.15 e 8.15. Nesse sentido, o binômio que se confirma
é o binômio Lei e Evangelho. O mandamento que não traz salvação
versus a graça salvadora de Deus. Porém, não podemos esquecer
que é o próprio Antigo Testamento que nos apresenta a promessa
da salvação de Deus, a sua graça operante sobre os crentes da
antiga dispensação.
Em Romanos, Paulo aponta para a perfeição da lei, que, se
obedecida, seria suficiente para a salvação. Porém, nossa natureza
carnal confronta-se com a perfeição da lei, e essa, dada para a
vida, torna-se em ocasião de morte. Uma vez que todos são
comprovadamente transgressores da lei, ela cumpre a função de
revelar a nossa iniqüidade.

4.2 - O segundo uso da Lei: Usus Civilis


É a função da lei que restringe o pecado humano,
ameaçando com punição as faltas contra ela mesma. É certo que
essa função da lei não opera nenhuma mudança interior no coração
humano, fazendo-o justo ou reto ao obedecê-la. A lei opera assim
como um freio, refreando “as mãos de uma ação
extrema”. Portanto, pela lei somente o homem não se torna
submisso, mas é coagido pela força da lei que se faz presente na
sociedade comum. É exatamente isto que permite aos seres
humanos uma convivência social. Vivemos em sociedade, e a lei
serve para nos proteger uns dos outros. Com o tempo, o homem
pode aprender a viver com tranqüilidade por causa da lei de Deus
que nos restringe do mal.

...tendo em vista que não se promulga lei para quem é justo,


mas para transgressores e rebeldes, irreverentes e pecadores,
ímpios e profanos, parricidas e matricidas, homicidas, impuros,
sodomitas, raptores de homens, mentirosos, perjuros e para tudo
quanto se opõe à sã doutrina...

Assim, a lei exerce o papel de coerção para esses


transgressores e evita que esse tipo de mal se alastre ainda mais
amplamente no seio da sociedade humana. Essa ação inibidora da
lei cumpre ainda um outro papel importante no caso dos eleitos não
regenerados. Ela serve como um aio, um condutor a Cristo, como
diz Paulo em Gálatas 3.24 _ “...de maneira que a lei nos serviu de
aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados
por fé”. Dessa forma ela serviu a sociedade judia e serve à
sociedade humana como um todo ainda hoje.

4.3 - O terceiro uso da Lei


Esse uso da lei é válido para os cristãos – ensina-os, a cada
dia, qual a vontade de Deus. Segundo o texto de Jeremias 31.33, a
lei de Deus seria escrita na mente e no coração dos crentes.

Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel,


depois daqueles dias, diz o SENHOR: Na mente, lhes imprimirei as
minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu
Deus, e eles serão o meu povo.

Se a lei de Deus está impressa na mente e escrita no


coração dos crentes, qual a função da lei escrita por Moisés? Ela é
realmente necessária? Não basta um coração convertido, amoroso
e cheio de compaixão para conhecer a vontade de Deus? A “lei do
amor” e a consciência do cristão orientado pelo Espírito Santo não
bastam? Não seria suficiente apenas termos a paz de Cristo como
árbitro de nossos corações? (Cl 3.15).
Creio que não é bem assim. A lei, assim como no Éden, tem
ainda um papel orientador para os cristãos. Embora eles sejam
guiados pelo Espírito de Deus, vivendo e dependendo tão somente
da sua maravilhosa graça, a “lei é o melhor instrumento mediante o
qual aprendem a cada dia qual seja a vontade de Deus, e, que
melhor lhes ajuda a compreensão dessa vontade”. A paz de Cristo
como o árbitro dos corações só é clara quando conhecemos com
clareza a vontade de Deus expressa na sua lei. Deus expressa sua
vontade na sua lei e essa se torna um prazer para o crente, não
uma obrigação.
A lei também serve como exortação par ao crente. Ainda
que convertidos ao Senhor, resta em nós a fraqueza da carne, que
pode ser, no linguajar de Calvino, chicoteada pela lei, não
permitindo que estejamos à mercê da inércia da mesma.

5 – Cristo e a Lei
Precisamos entender que Cristo satisfez e cumpriu a lei de
forma plena e completa. Ele não veio revogar a lei. Façamos uma
breve análise de Mateus 5.17-19.

Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim


para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até
que o céu e a terra passem, nem um i ou til jamais passará da
Lei, até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes
mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos
homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele,
porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande
no reino dos céus.

Alguns pontos interessantes são demonstrados por Jesus


nessa passagem:
 Ele veio cumprir a lei e não revogá-la.
 A lei seria cumprida totalmente, em todas as suas exigências e
em todas as suas modalidades (moral, cerimonial e civil) enquanto
houvesse sentido em fazê-lo.
 Aquele que viola a lei pode chegar ao Reino dos Céus! (aquele
que violar... será considerado mínimo no reino dos céus). O sermão
do monte é um sermão para crentes e o texto pode ser entendido
dessa forma.
 Aquele que cumpre a lei será considerado grande no Reino dos
Céus.

Como entender essas conclusões de Jesus com respeito a


si mesmo e a Lei?
 Ele veio cumprir a lei e de fato a cumpriu em todas as suas
dimensões: cerimonial, civil e moral. Não houve qualquer aspecto
da lei para qual Cristo não pudesse atentar e cumprir. Cristo
cumpriu a lei de forma perfeita, sendo obediente até a própria
morte. Ele tomou sobre si a maldição da lei. Ele se torna o
fundamento da justificação para o eleito.
o O cumprimento total da lei por Cristo, pois fim a Lei Cerimonial
(sacrifícios de sangue, o guardar dias especiais, abstenção
alimentos, etc.).
 Ele não só cumpriu a lei perfeitamente, mas também interpretou
a lei de forma perfeita, permitindo aos que comprou na cruz,
entendê-la de forma mais completa, mais abrangente.
 Os que nele crêem agora também podem cumprir os aspectos
necessários da lei para uma vida santa. No entanto, esses que por
ele são salvos não são mais dependentes da lei para sua salvação.
Por isso há uma diferença clara entre os que chegam ao Reino dos
Céus: alguns serão considerados maiores do que outros.
 Cristo ao cumprir a lei, ab-roga a maldição da lei, mas não a sua
magisterialidade. A lei continua com o seu papel de ensinar ao ser
humano a vontade de Deus. A ab-rogação da maldição da lei é
aquilo a que Paulo se refere em textos como Rm 6.14 e Gl 2.16 –
estamos debaixo da graça! A lei continua no seu papel de nos
ensinar, pela obra do Espírito Santo. Não somos mais condenados
pela lei nem servos da mesma. A lei, por expressar a vontade de
Deus, se torna um prazer.

Portanto, nossa obediência à lei não acontece e não pode


acontecer sem Cristo. Tentar viver debaixo da lei, sem Cristo, é
submeter-se à escravidão. Porém, obedecer à lei com Cristo é
prazer e vida. Também, nesse sentido, Cristo é o fim da lei!

O Pacto da graça é frequentemente apresentado nas Escrituras


pelo nome de Testamento, em referência à morte de Cristo, o
testador, e à perdurável herança, com tudo o que lhe pertence,
legada neste pacto.

PACTO DA GRAÇA MANIFESTADA ADMINISTRADO


APRESENTADO ATRAVÉS POR MEIO
Velho Testamento Lei – justifica na Promessas,
obediência. profecias,
sacrifícios,
circuncisão, e outras
ordenanças
Novo Testamento Evangelho – Pregação da
obediência como Palavra e
conseqüência. sacramentos
(batismo e ceia)

Aula nº 7

O LAICATO NA TEOLOGIA E ENSINO DOS REFORMADORES


Antonio José do Nascimento Filho – Ministro Presbiteriano, mestre
em teologia (Th.M) e doutor em Missiologia (D.Miss) pelo Reformed
Theological Seminary

Introdução
Antes de analisar o ensino dos reformadores sobre o laicato,
um retrospecto geral mostrará a posição da Igreja Católica Romana
com respeito ao assunto no período da Reforma.
Na época em que o cristianismo tornou-se a religião aceita
do Império Romano, o sistema hierárquico de autoridade estava
plenamente estabelecido na igreja. Os leigos ficavam naturalmente
na camada mais baixa. Vários níveis de posição separavam-nos
dos bispos colocados no topo. Enquanto a igreja estava cada vez
mais institucionalizada, os cristãos comuns pareciam tornar-se cada
vez menos essenciais nas atividades da igreja. Mais e mais o seu
papel foi se tornando o de receber e seguir obedientemente o que
descia do alto da escala hierárquica.
A assim chamada Idade das Trevas manteve a tendência já
mencionada. Enquanto a igreja e o estado continuavam a disputar a
sujeição da massa popular, o cristão comum não se sentia
estimulado a ir muito além de seguir as regras e regulamentos
impostos pela igreja.
A tradição da Igreja Católica Romana fez uma nítida
diferenciação entre leigos e religiosos. Estes eram os que
assumiram as ordens, compreendendo dois grupos, os sacerdotes
e os monges. A ordenação era a designação para um determinado
ofício, feita por um bispo, incluindo autorização e responsabilidade
para realizar os deveres do ofício atribuído. A distinção entre o clero
e o laicato foi mantida e aceita como divinamente estabelecida.
Na teologia e ensino católico, o sacerdócio consagrado pelo
sacramento da ordem era visto como comissionado para cumprir a
tríplice função do ofício sacerdotal: ensino, administração e
santificação. Assim, o sacerdote, como membro da hierarquia,
cumpria a missão da igreja divinamente estabelecida como
autoridade de ensino e agente sacramental, tornando disponíveis
ao laicato os meios de graça através dos sacramentos.
A distinção entre o laicato e o clero na tradição católica
romana era correspondente à distinção entre igreja e o mundo. A
igreja era concebida comosocietas perfecta (sociedade perfeita),
porém inequalis (desigual), com os statusclericalis e laicalis, tendo
cada grupo seus respectivos direitos e responsabilidades.
O clero, com o direito e a responsabilidade de administrar os
sacramentos, era ordenado para uma vocação sagrada. O laicato,
que precisava receber os sacramentos e o ensino, devia procurar o
seu trabalho no mundo, o ambiente profano. Eclesiasticamente, a
igreja, o ambiente sagrado, tinha prioridade sobre o
profano. Implícita nessa distinção estava a valorização do ofício do
clérigo. Os monásticos, que renunciavam à participação eclesiástica
no mundo (isto é, o profano) por assumirem os votos de celibato,
pobreza e obediência, eram designados para a atividade religiosa.

Uma abordagem significativamente diferente da condição e


papel do laicato ficou evidente na Reforma Protestante do século
XVI. É geralmente aceito que a história moderna iniciou-se no
período da Reforma liderada por Martinho Lutero, João Calvino,
Ulrico Zuínglio e outros líderes. A Renascença estava
proporcionando educação a um número cada vez maior de pessoas
não pertencentes ao clero. Tudo isto levou os leigos a
desempenharem um papel mais positivo na igreja e na sociedade.
Foi o movimento da Reforma, juntamente com o Renascimento, que
encaminhou os leigos em direção a uma nova liberdade e nova
responsabilidade.
Martinho Lutero (1843-1546), em sua obra Apelo à Nobreza
Cristã da Nação Germânica, rejeitou a estrutura hierárquica da
Igreja Católica Romana, bem como a distinção entre clero e laicato.
O princípio do sacerdócio universal de todos os crentes, visto como
um ensino essencial da Palavra de Deus, forneceu uma base para a
insistência na primazia do laicato nas igrejas protestantes. A
vocação do ministério, visto como necessário para a vida e prática
da igreja, era responsabilidade delegada a pessoas da comunidade
dos crentes, que eram comissionadas pela congregação para
ensinar, pregar e participar do culto e da adoração. Assim, aqueles
que eram comissionados para serem ministros tornaram-se
oficiantes para as ocasiões ritualísticas.
João Calvino (1509-1564) enfatizou a importância de todos
os membros da igreja, que eram coletivamente o laicato, viverem de
tal modo a realidade de sua condição de eleitos de Deus que
ficasse evidente em sua atividade no mundo a manifestação da
glória de Deus e a realização diligente desse mandamento. Embora
o princípio teológico do sacerdócio universal de todos os crentes
tenha sido fundamental ao protestantismo, na prática o ministério
ordenado era tido como prioridade na manutenção de seu ensino,
pregação e responsabilidades litúrgicas, para o que eram
necessários treinamento e educação teológica.

1 – A IGREJA NA TEOLOGIA DOS REFORMADORES


A teologia da Reforma é amplamente dominada por duas
perguntas: Como posso ter um Deus gracioso? E Onde posso
encontrar a verdadeira igreja? A unidade desse dois problemas
fundamentais – a busca de um Deus gracioso e da verdadeira igreja
– pode ser vista com surpreendente clareza nas teologias de
Martinho Lutero e João Calvino. Para Lutero, por exemplo, a
resposta a ambas as indagações era dada com radical simplicidade
no evangelho do livre perdão, da justificação pela graça imerecida
de Deus recebida somente por meio da fé.

A. O Centro Cristológico em Lutero e Calvino


Na ênfase de Lutero, o impulso eclesiológico inicial da
Reforma é evangélico e cristológico. Isto quer dizer que a natureza
e essência da igreja é compreendida pelo reformador à luz de seu
profundo embasamento nos evangelhos e na realidade da pessoa e
obra de Jesus Cristo.
Os primeiros reformadores, particularmente Lutero, não
estavam preocupados em definir a circunferência da igreja, mas
com a proclamação de seu centro cristológico.
Para Lutero e todos os demais reformadores, e evangelho
constituía o centro cristológico da Reforma. Esse foi o impulso
inicial da eclesiologia da Reforma. A igreja foi criada pela presença
viva de Cristo através de sua Palavra, o evangelho. Onde o
evangelho é encontrado, Cristo está presente. Como Lutero citou
em seu grande catecismo: “Onde Cristo não é pregado, não há
Espírito Santo para criar, chamar e reunir a igreja cristã”. Essa
convicção repousa na raiz de toda a luta travada pela Reforma e foi
compartilhada pelos reformadores luteranos e reformados. Os
reformadores foram intransigentes e indivisos quanto a esse
principio; ele forneceu o distinto conceito reformista da igreja,
informando e inspirando não somente a doutrina das marcas da
verdadeira igreja, mas também o ensino dos reformadores acerca
do ministério e seu conceito de missão.
(...)
A doutrina da igreja não podia ser deixada como Lutero a
tinha definido; outros reformadores tentaram desenvolver uma
doutrina mais abrangente e praticável. A linha defendida por
Calvino, Martin Bucer e os primeiros puritanos acentuava o conceito
do povo reunido. Para Calvino, por exemplo, o que constitui a igreja
é, externamente, à aliança entre Deus e seu povo e, interna e
substancialmente, a união com Cristo por meio do Espírito Santo.
Calvino enfatizou a verdade inegável de que a verdadeira
igreja está fundamentada sobre Jesus Cristo (centro cristológico). A
triologia “sacerdote, profeta e rei” está presente na Escritura no
ministério de reis, profetas e sacerdotes do Velho Testamento. Em
um contexto neotestamentario, a trilogia foi usada nos escritos dos
pais da igreja, para explicar o relacionamento existente entre as
unções de reis, profetas e sacerdotes no Velho Testamento, a
unção messiânica de Jesus e a justa nobreza do título que lhe foi
dado de Cristo, o Ungido.
Calvino via Jesus como o complemento auspicioso dos
profetas do Velho Testamento, “como o rei que foi vitorioso sobre
seus inimigos e como o sacerdote que mediou com o Pai em favor
de seu povo”. Ele ensinou que “os ofícios recebidos por Cristo por
meio de sua unção com o Espírito Santo e as bênçãos desse
Espírito transbordaram para os seguidores de Jesus”.
Calvino apresenta uma doutrina mais externa e formal da
igreja do que Lutero. Ele inclui a disciplina ao lado da Palavra e dos
sacramentos como marcas essenciais da verdadeira igreja.
(...)
A igreja, a Palavra e o ministério estão inseparavelmente
relacionados no pensamento de Calvino, como se vê, por exemplo,
em seus comentários sobre 1 Timóteo 3.15.
(...)
Nas Institutas, Calvino afirma: “Pois Cristo é o Cabeça da igreja, e
seu Espírito opera dentro dela, distribuindo dons variados
individualmente, e preeminentemente os dons de amar, unificar e
santificar seus membros”.

2 – AS CONFISSÕES REFORMADAS E A IGREJA


O desenvolvimento da doutrina da igreja nas igrejas
reformadas no período imediatamente posterior à Reforma pode ser
melhor ilustrado com base em algumas das confissões e outros
documentos das igrejas entre a metade do século XVI e a metade
do século XVII.
A Confissão de Fé Francesa (1559) foi publicada pelo
sínodo nacional da Igreja Reformada da França. Seu principal autor
foi Calvino. Os artigos XXV a XXVIII tratam da igreja e seus
ministros. Essa confissão de fé afirma notavelmente que a igreja
como povo de Deus é compreendida por aqueles que seguem
obedientemente a Palavra de Deus.
A Confissão de Fé Escocesa (1560) foi principalmente
obra de John Knox, tendo sido ratificada pelo Parlamento Escocês
em 1567. Esta afirma que a igreja verdadeira é caracterizada pela
autêntica pregação, pela administração dos sacramentos e por sua
universalidade, reunindo os crentes de todas as nações e línguas.
A Confissão de Fé Helvética (1566) foi adotada por todas
as igrejas reformadas suíças e permaneceu em vigor até meados
do século XIX. Esta também enfatiza que a igreja é uma assembléia
dos fiéis chamados ou reunidos do mundo; uma comunhão de todos
os santos, que pela fé participam dos benefícios oferecidos por
meio de Cristo. (...) Estabelece que o ofício do ministro é uma
prerrogativa e uma providência do próprio Deus para o
estabelecimento, governo e preservação da igreja. No Novo
Testamento, os ministros foram chamados de apóstolos, profetas,
evangelistas, bispos (supervisores), anciãos, pastores e mestres (Ef
4.11).
A Confissão fala de bispos (definidos como supervisores e
vigias da igreja, que administram o alimento e as necessidades da
vida da igreja), anciãos, pastores e mestres, como sendo suficientes
para aqueles dias. Dá ênfase aos ministros da igreja como servos.
A Confissão de Fé de Westminster (1647) também aborda
o assunto. Durante a Guerra Civil na Inglaterra, o Parlamento
instalou a Assembléia de Westminster para fazer recomendações
para a reforma da igreja na Inglaterra. Embora a assembléia
incluísse alguns episcopais e independentes, a maioria de seus
membros era composta de calvinistas, o que permitiu uma forma
presbiteriana de governo.

Conclusão: O conceito dos reformadores acerca da igreja,


bem como o conceito das confissões de fé reformadas dos séculos
XVI e XVII, salientam a igreja de Jesus Cristo composta de todos os
crentes espalhados pelo mundo, os quais professam a fé cristã com
seus filhos. As metáforas de esposa, corpo e família são usadas
para a igreja, o povo de Deus. Portanto, o entendimento cristão da
igreja advogado pelos reformadores e pelas confissões de fé
mencionadas acima não favorece a distinção entre o clero e o
laicato nem identifica a igreja com a estrutura hierárquica
reconhecida na Igreja Católica Romana.

3 – A DOUTRINA DO SACERDÓCIO DE TODOS OS


CRENTES
De todas as ênfases da Reforma Protestante na área
eclesiológica, talvez nenhuma tenha conseqüências tão amplas
para a vida e missão da igreja como a ênfase no sacerdócio de
todos os crentes. Os reformadores insistiram no sacerdócio
universal dos crentes em oposição ao clericalismo daquela época.
Eles afirmaram o princípio bíblico de que todo cristão é ministro de
Deus, de que cada pessoa é um sacerdote. O significado mais
pleno da expressão é que todos os cristãos são sacerdotes uns dos
outros, pois o sacerdócio refere-se ao ministério mútuo de todos os
crentes. (...).

A – O Sacerdócio de Cristo e a Igreja


Todos os crentes,ordenados e não ordenados, derivam o
seu sacerdócio daquele único, santo e eterno sacerdócio de Cristo.
A boa-nova do Novo Testamento é que não mais existem o
sacerdócio da classe clerical do Velho Testamento e o laicato não
sacerdotal.

B – O Ensino dos Reformadores Sobre o Sacerdócio de


Todos os Crentes
Desde a Reforma Protestante, o ofício dos crentes tem sido
comumente caracterizado como o sacerdócio de todos os crentes, e
os vários direitos e deveres do laicato muitas vezes têm sido
baseados no fato desse sacerdócio.
(...)

1 – Martinho Lutero
A doutrina do sacerdócio universal de todo os crentes
estava no coração da reforma de Lutero. Sua afirmação do
sacerdócio universal deriva diretamente de seu conceito
fundamental da igreja. O evangelho é o verdadeiro tesouro da igreja
e a fonte de sua vida; ele é expresso e incorporado na palavra
pregada e nos sacramentos (palavras visíveis); o evangelho é a
possessão de todo crente. Assim, todos os cristãos são constituídos
sacerdotes pelo evangelho em sua dupla forma de palavra e
sacramentos, pois todos são participantes dos mesmos[3].
2 – João Calvino
A idéia do sacerdócio de todos os crentes amadurecida na
mente de Calvino estava ligada à sua convicção de que o crente
não requeria a mediação de um sacerdócio humano em sua
aproximação a Deus. Para Calvino, o sacerdócio universal é
entendido como algo que expressa a relação entre o crente e seu
Deus.
(...).
Calvino não negou a validade do sacerdócio e ministério dos
líderes ordenados, mas apôs-se violentamente aos abusos do
clericalismo, que negava as pessoas leigas seus plenos direitos e
responsabilidades como servos de Deus redimidos e restaurados.

C – Os Magistrados (governantes seculares) nas Igrejas


da Reforma
Além disso, deve-se acentuar o papel decisivo dos
magistrados nas igrejas da Reforma como um dos princípios
fundamentais da teologia protestante. A Reforma tinha sido uma
tentativa de afastar a dominação clerical e de dar ao laicato uma
participação significativa no governo da igreja. Em 1520, Lutero
havia apelado aos nobres alemães, como membros do sacerdócio
universal, para assumirem a reforma da igreja.
Há, certamente, uma diferença de natureza entre igreja e
estado, exatamente como há entre cristão e cidadão, mas não
precisa ser uma diferença de pessoa; o mesmo indivíduo pode ser
tanto cristão quanto cidadão. Na mente de Lutero, a autoridade
espiritual da igreja é exercida somente sobre a alma. Essa
autoridade é persuasiva e não coercitiva. (...).
A autoridade temporal do magistrado (governante), por outro
lado, é entendida como uma autoridade sobre os corpos e bens dos
homens, não sobre as suas almas. È coercitiva em vez de
persuasiva. Entretanto, embora o magistrado, sendo leigo, não
possa decidir sobre doutrina, deve esforçar-se para que ela seja
mantida. O seu primeiro dever é a prosperidade da glória de Deus.
Neste ponto, as fórmulas luteranas parecem aproximar-se
da visão calvinista do magistrado como executivo da igreja. Ainda
que, em certo sentido, os dois domínios devam manter-se
separados, em outro sentido o magistrado é, ele próprio, um
membro da igreja e participante do sacerdócio universal.
Para Calvino, esses eram domínios distintos que não
deveriam misturar-se. Entretanto ambos deviam sujeitar-se a lei de
Deus. (...). Contudo, Calvino nunca daria ao magistrado autoridade
para decidir questões de doutrina ou iniciar atos de jurisdição
eclesiástica. Não cabe aos magistrados usurpar a autoridade dos
ministros ou impor-se à igreja acerca de seus próprios assuntos
internos.

4 – OS FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS DO MINISTÉRIO


LEIGO

A – A Igreja Como o Laós (povo) de Deus


Ao longo do Velho Testamento, Israel é constantemente
mencionado como o povo de Deus – Êxodo 19.4-7; Deuteronômio
7.6-12; outros. Embora Israel como um todo tenha deixado de
reconhecê-la, havia uma vocação missionária estreitamente ligada
à sua eleição como povo de Deus.
O termo hebraico para “povo” (´am) em muitos casos é
traduzido na Septuaginta (tradução grega do Velho Testamento)
pela palavra grega “Laos”.
Os termos leigo e laicato têm a sua origem no ensino do
Novo Testamento de que os cristãos, como herdeiros da bênção do
povo de Deus do Velho Testamento, constituem o laos Theou (povo
de Deus), conforme Atos 15.14, Hebreus 4.9, 1 Pe 2.10. (...) Hoje
entretanto, os termos leigo e laicato são frequentemente usados
para distinguir nitidamente entre ministros ordenados e membros
comuns da igreja, com a conotação de que laicato compreende os
cristãos de classe inferior. O termo “laos” nunca é usado no Novo
Testamento para fazer uma distinção entre a comunidade cristã dos
que crêem e os seus líderes.

B – O Ministério do Laicato na Igreja Primitiva


A palavra grega para ministério é diakonia, sendo
significativo que no tempo do Novo Testamento esse termo era,
como ainda é, o meio mais adequado para designar de modo
abrangente os obreiros da igreja e ao seu trabalho. Quando Paulo
apresenta os relatos de várias funções realizadas por indivíduos
(leigo) na igreja primitiva (1 Coríntios 12.4-30; Ef 4.7-12), ele fala da
variedade dos ministérios. Refere-se a si mesmo e a outros obreiros
como ministros, e ao seu trabalho como ministérios de reconciliação
(2 Coríntios 3.6; 11.23; 2 Coríntios 5.18-21,25).
Na carta aos Efésios, ao resumir o significado dos
apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres, Paulo usa a
mesma palavra: o trabalho do ministério. Em Atos, o próprio
apostolado é descrito em termos de diakonia (At 1.17; Efésios
4.11,12). A palavra ministério, quer em grego ou em português,
significa simplesmente serviço; e embora ela tenha rapidamente
passado a designar um ofício eclesiástico especifico, o ofício do
diácono, o seu sentido original mais amplo nunca foi completamente
perdido.
(...).
Nesse contexto, o ministro pastoral (diakonos) ocupa o seu
lugar, não acima, mas ao lado de todos os membros do corpo, cada
um dos quais tem a sua própria diakonia (serviço, ministério) para
realizar. (...).

C – O Laicato e a Comunicação do Evangelho nos


Primeiros Dias da Igreja
O livro de Atos dos Apóstolos e as cartas de Paulo
mencionam muitas pessoas que foram essenciais à vida da igreja
em seu nascedouro e na disseminação do evangelho. Muito mais
que uma responsabilidade, a proclamação das boas novas em
Cristo era um estilo de vida para a comunidade neotestamentária. O
evangelismo era então responsabilidade de todos os crentes. (...).
Texto de referência: At 6.7; 8.1,4; 9.31,42; 11.21,25.

5 – O CONCEITO DE LUTERO E CALVINO SOBRE A


COMUNICAÇÃO LEIGA DA FÉ CRISTÃ
Nos dias dos reformadores o termo descrente aplicava-se a
muitos que Roma considerava fiéis. Para os reformadores,
descrentes eram todos os que, por qualquer razão, não
confessavam ou viviam a fé revelada no evangelho. A verdadeira
Reforma da igreja requeria a aceitação do evangelho por aqueles
que tinham sido mantidos na ignorância do seu poder. A tarefa de
difundir esse conhecimento verdadeiro de fé e vida exposto na
Escritura Sagrada foi entregue aos membros comuns da igreja.
Lutero fundamenta na doutrina do sacerdócio de todos os
crentes a sua admoestação no sentido de que todos devem
anunciar a Palavra de Deus. (...).
Entre os reformadores, nenhum falou com mais clareza do
que João Calvino a respeito da questão da comunicação leiga da fé
cristã. Calvino apela repetidas vezes aos crentes no sentido de
demonstrarem interesse por seu próximo descrente. No contexto da
época (século XVI), descrentes eram as pessoas comuns do
rebanho católico ou aqueles que se livraram da dominação romana,
mas não aderiram à Reforma (ao evangelho pregado pela reforma).

Conclusões:
 O laicato ocupou lugar preponderante na vida e expansão da
igreja primitiva.
 O laicato recebeu notável reconhecimento na teologia e
ensino dos reformadores.

Implicações:
 Cada crente tem um ministério a desempenhar  De acordo
com a compreensão bíblica da igreja, todo cristão é criado à
imagem de Deus, e este concede a cada um dons para ministérios
de significação eterna.
 Cada membro do Corpo de Cristo tem o direito e o dever de realizar
a obra missionária da igreja.

Aula nº 8

A ÉTICA DO TRABALHO E A AÇÃO SOCIAL


(Fundamentos da Teologia Reformada – Hermisten Maia)

Definição de Trabalho
É o esforço físico ou intelectual, com vistas a um determinado
fim. O verbo “trabalhar” provém do latim vulgar tripaliar (torturar
com – o tripallium,instrumento de tortura de três paus, que também
servia para “ferrar os animais rebeldes”). O termo evoluiu, tomando
o sentido de “esforçar-se”, “laborar”, “obrar”.

Algumas Perspectivas Históricas e Filosóficas


A tradição greco-romana desprestigiava o trabalho; a cristã, o
valorizava. A Idade Média presenciou o retorno à idéia grega,
considerando o trabalho manual degradante ao ser humano e
inferior ao ócio, ao repouso, à vida contemplativa, bem como à
atividade militar. Na visão de Tomás de Aquino (1225-1274) o
trabalho era, no máximo, “eticamente neutro”. Segundo a Igreja
Romana:

... a finalidade do trabalho não é enriquecer, mas conservar-


se na condição em que cada um nasceu, até que desta vida mortal,
passe à vida eterna. A renúncia do monge é o ideal a que toda a
sociedade deve aspirar. Procurar riqueza é cair no pecado da
avareza. “A pobreza é de origem divina e de ordem providencial”.
Ainda na Idade Média, especialmente a partir do século XI, a
posição ocupada pelo trabalho era regida pela divisão gradativa de
importância social: Oradores (oratores, eclesiásticos), defensores
(bellatores, guerreiros) e trabalhadores (laboratores, agricultores,
camponeses). Os eclesiásticos, no seu ócio e nas suas abstrações
“teológicas”, ocupavam lugar de proeminência. No currículo das
universidades medievais era explícita a visão desprivilegiada do
trabalho: “... as disciplinas “mecânicas” ou “lucrativas” [...] eram
banidas da escola, deixadas para os leigos pecadores e “iletrados”
(illiteratus quer dizer aquele que ignora o latim, que não estudou as
artes liberais).

A Perspectiva de Calvino
A Reforma resgatou o conceito cristão de trabalho:

Calvino, fundamentando-se nas Escrituras, é um dos raros


teólogos a pôr em evidência, com tanta clareza, a participação do
trabalho do homem na obra de Deus. Dessarte, conferiu ele ao
labor humano dignidade e valor espirituais que jamais teve na
Escolástica, nem, por mais forte razão, na antiguidade. Este fato irá
ter grandes repercussões no desenvolvimento econômico das
sociedades calvinistas

Lutero e Calvino concordavam quanto à responsabilidade do


homem de cumprir sua vocação por meio do trabalho. Não há lugar
para ociosidade. O trabalho é “bênção de Deus”. Além disso, ele
está relacionado ao progresso da raça humana. Lutero fortaleceu a
idéia de que se trata de uma vocação divina. Calvino afirmou:

Se seguirmos fielmente nosso chamamento divino,


receberemos o consolo de saber que não há trabalho insignificante
ou nojento que não seja verdadeiramente respeitado e importante
ante os olhos de Deus.

O amor ao próximo faz com que o honesto trabalho não se


limite a satisfazer nossas necessidades, mas também a ajudar
nossos irmãos: “O amor nos leva a fazer muito mais. Ninguém pode
viver exclusivamente para si mesmo e negligenciar o próximo.
Todos nós temos de devotar-nos à ação de suprir as necessidades
do próximo”.
Segundo Calvino, “a indolência e a inatividade são
amaldiçoadas por Deus”. Todavia, a graça de Deus atenua a
severidade de punição, anexando ao labor humano uma dose de
satisfação que deveria caracterizar primariamente o trabalho.
Ainda que o dinheiro emprestado a juros seja permitido, é o
trabalho honesto, fruto do labor, que deve ser fonte de recursos
para o sustento da família; não se deve aproveitar das
necessidades alheias, vivendo-se simplesmente de transações
financeiras. A usura ilícita é condenada. Um princípio justo é que
em todas as negociações haja benefícios para ambas as partes. O
ganho ilícito, através do qual o patrimônio é dilapidado, é
iniqüidade, uma forma de furto. Portanto, “não se deve fazer um uso
pervertido dos labores que outras pessoas empreendem em seu
próprio benefício”.

Trabalho, Poupança e Frugalidade


Calvino defendeu três princípios éticos fundamentais:
trabalho, poupança e frugalidade. A poupança deveria ter sempre o
sentido social. Comentando 2 Coríntios 8.15, ele declara:

Moisés admoesta o povo que por algum tempo fora


alimentado com o maná, para que soubesse que o ser humano não
é alimentado por meio de sua própria indústria e labor, senão pela
bênção de Deus. Assim, no maná vemos claramente como se ele
fosse, num espelho, a imagem do pão ordinário que comemos, [...]
O Senhor não nos prescreveu um ômer ou qualquer outra medida
para o alimento que temos cada dia, mas ele nos recomendou a
frugalidade e a temperança, e proibiu que o homem exceda por
causa da sua abundância.
Por isso, aqueles que têm riquezas, seja por herança ou por
conquista de sua própria indústria e labor, devem lembrar que o
excedente não deve ser usado para intemperança ou luxúria, mas
para aliviar as necessidades dos irmãos. [...] Assim como o maná,
que era acumulado como excesso de ganância ou falta de fé, ficava
imediatamente purificado, assim também não devemos alimentar
dúvidas de que as riquezas que são acumuladas à expensa de
nossos irmãos são malditas, e logo perecerão, e seu possuidor será
arruinado juntamente com elas, de modo que não conseguimos
imaginar que a forma de um rico crescer é fazendo provisões para
um futuro distante e defraudando os nossos irmãos pobres daquela
ajuda que a eles é devida.

O reformador genebrês também adverte quanto ao perigo de


transformar o trabalho em objeto de avareza justamente pela falta
de fé na provisão do Senhor.
O comportamento cristão na riqueza e na pobreza
Interpretando Hebreus 13.16, Calvino afirma que os
benefícios prestados aos homens são parcialmente em culto a
Deus, sendo isto uma grande honra que Deus nos concede. Não
amar o próximo é ofensa a Deus e às pessoas. Em contrapartida, o
auxílio recíproco revela a unidade do Espírito em nós.
“Repartir com os outros” tem uma referência mais ampla do
que fazer o bem. Inclui todos os deveres pelos quais os homens se
auxiliam reciprocamente; e é um genuíno distintivo do amor que os
que se encontram unidos pelo Espírito de Deus comunicam entre si.
Seguem alguns princípios apresentados e vivenciados por
Calvino concernentes ao uso dos bens concedidos por Deus (suas
orientações refletem a fundamentação teológica de sua prática).

1. Em tudo devemos contemplar o Criador e dar-lhe graças. A


ingratidão para com Deus é resultado, em parte, de nossa
desconsideração de seus feitos para conosco. Portanto, devemos
cultivar o tipo de sensibilidade espiritual que nos faça enxergar com
gratidão e louvor os atos de Deus em nossa existência, a fim de não
sermos injustos para com ele. Os recursos de que dispomos devem
ser um estímulo a sermos agradecidos a Deus por sua generosa
bondade.

(...).

2. Devemos viver neste mundo com comedimento, sem


colocar o coração nos bens materiais; tais preocupações nos fazem
esquecer da vida celestial e de “adornar nossa alma com seus
verdadeiros atavios”. (...).

A moderação deve pautar o uso de nossos bens (Jo 15.19;


17.14; Fp 3.20; Cl 3.14; Hb 11.16; 1 Jo 2.15). Devido aos nossos
desejos incontrolados, devemos rogar a Deus que nos dê
moderação, “pois a única forma de agir com moderação própria é
quando Deus governa e preside nossos afetos”. Para que não nos
ensoberbeçamos, Deus, que nos conhece de modo perfeito,
preventivamente equilibra a abundância com a amargura, para que
não sejamos tentados.

3. Suportemos a pobreza; usemos moderadamente da


abundância. “Tanto sei estar humilhado, como também ser
honrado...” (Fp 4.12). Tendo em vista essas palavras de Paulo,
Calvino disse: “Para assegurarmos que a suficiência [divina] nos
satisfaça, aprendamos a controlar nosso desejos de modo a não
queremos mais do que é necessário para a manutenção de nossa
vida”.
Nosso desejo incontrolado nos coloca em oposição direta à
vontade de Deus. A tendência é de nos envaidecermos com a
abundância e nos deprimirmos com a carência. Para muitos de nós,
não se ensoberbecer com a riqueza pode ser mais difícil do que não
se desesperar com a pobreza. “Aquele que é impaciente sob a
privação manifestará vício oposto quando estiver no meio do luxo.
Paulo sabia, por experiência própria, agir de modo santo em ambas
as circunstâncias. Em tudo, ele era agradecido a Deus (1 Ts 5.18),
sabendo que, em Cristo, poderia suportar e vencer qualquer
situação. O apóstolo é exemplo de simplicidade em qualquer
conjuntura (Fp 4.12).
Calvino observa que temos de usar moderadamente dos
recursos que Deus nos deu, para que não caiamos na torpeza do
excesso, da vanglória e da arrogância (Rm 13.14). O reformador
insiste também no ponto de que aqueles que não aprenderem a
viver na pobreza, quando ricos, revelarão sua arrogância e orgulho.
Ele de igual modo acredita que é na pobreza que tendemos a nos
tornar mais humildes e fraternos. Devemos aprender a repartir e
também a ser assistidos pelos nossos irmãos. (...).

4. Somos administradores dos bens de Deus. Devemos ser


benevolentes como o Pai celestial, praticando atos de bondade em
favor do próximo, sendo despenseiros dos dons da graça de Deus.
Precisamos nos lembrar dos seguintes pontos:
 Tudo pertence a Deus – O que temos é um depósito do que um
dia teremos que prestar conta (Lc 16.2).
 O sentido da riqueza está em fazer o bem – Segundo Calvino,
a riqueza residia em não desejar mais do que se tem, e a pobreza,
o oposto.
 A justa graça de compartilhar com alegria – Notemos bem
como podemos ser sempre liberais mesmo quando mergulhados na
mais terrível pobreza, se suprimos as deficiências de nossas bolsas
pela generosidade de nossos corações. A grandeza de nosso
trabalho não está simplesmente no que fazemos, mas como e com
qual objetivo o fazemos. (...) Nossa “riqueza”, ou seja, suficiência,
como resultado da bondade de Deus, tem um sentido social. (...)
Ajudar aos necessitados deve ser entendido não como a perda de
algum bem, antes, como um privilégio que é concedido a nós pela
graça de Deus, que nos capacita a ser generosos e a suportar com
paciência as tribulações. No entanto esta ajuda não poderá ser com
arrogância; antes deve ser praticada com amor, prontidão,
humildade, cortesia e simpatia.
 O valor de cada um – As pessoas devem ser avaliadas não
pelo seu dinheiro, mas por sua piedade. Os piedosos aprendem a
reverenciar e a imitar os genuínos servos de Deus.
 Socorro e oração – Da oração do Senhor, Calvino extrai o
principio de que devemos nos preocupar com todos os
necessitados. Contudo, sabendo da impossibilidade de
conhecermos a todos e de termos recursos para ajudar a todos os
que conhecemos, diz que a ajuda não exclui a oração nem esta
àquela.

Aula nº 9

A TEOLOGIA REFORMADA DA PREGAÇÃO


Paulo R. B. Anglada – Pr. Presbiteriano, professor de Grego e
Hermenêutica no Seminário Teológico Batista Equatorial. Mestre
em Teologia e Doutor em Ministério.

A pregação, como uma forma distinta de comunicação da


vontade de Deus revelada na sua Palavra, está em declínio. Em
muitas igrejas ela tem sido substituída por um número cada vez
maior de atividades.
Há 30 anos[4], o Dr. Martyn Lloyd-Jones foi convidado a
proferir uma série de conferências no Westminster Theological
Seminary, em Filadélfia. Nessas palestras, publicadas em 1971 com
o título Pregação e Pregadores, ele enfatizou que a pregação é a
tarefa primordial da igreja e do ministro, e explicou que estava
ressaltando isso “por causa da tendência, hoje, de depreciar a
pregação em prol de várias outras formas de atividade”. A situação
não melhorou. John J. Timmermanobservou, quase vinte anos
depois, que “em muitas igrejas o sermão é uma ilha que diminui
cada vez mais em um mar turbulento de atividades”.
Mesmo igrejas de tradição reformada parecem estar
sucumbindo paulatina, mas progressivamente, a essa tendência, e
o lugar da pregação no culto tem perdido importância. John Frame,
teólogo de tradição reformada, publicou há dois anos o livro Culto
em Espírito e em Verdade: Um Estudo Estimulante dos Princípios e
Práticas do Culto Bíblico. No livro o autor nega, entre outras coisas,
que a pregação seja função restrita dos ministros da Palavra, ou
mesmo dos presbíteros em geral, considera a dramatização e o
diálogo métodos legítimos de ensino no culto publico, e não vê
razão pela qual um culto público não possa ser inteiramente
musical. (...)
Muitas são as razões para o declínio contemporâneo da
pregação. O surgimento de novos meios de comunicação e de
novas mídias interativas, a aversão do homem pós-moderno pela
verdade objetiva ou absoluta, a secularização da sociedade, o
afastamento do cristianismo das Escrituras, e a própria corrupção
da pregação, em muitos púlpitos degenerada em eloqüências de
palavras, demonstração de sabedoria humana, elucubrações
metafísicas, meio de entretenimento, ou embromação pastoral
dominical, certamente são algumas delas. Uma das principais
razões, entretanto, diz respeito à concepção moderna da pregação,
muitas vezes encarada como atividade meramente humana e pouco
relevante, cuja eficácia depende fundamentalmente das habilidades
naturais ou capacidade do pregador.
Todas estas tendências, influências e concepções produziram
resultados devastadores sobre a pregação nos meios evangélicos.
Ela tornou-se como que um apêndice no culto público, e as
conseqüências, sem dúvida, se têm feito sentir na vida da igreja. Na
perspectiva reformada, o declínio do lugar da pregação no
evangelicalismo moderno é uma constatação seríssima. Se a
teologia reformada com relação à pregação reflete o ensino bíblico,
então muito do estado presente da igreja cristã, se explica como
resultado desse declínio da pregação. Meu propósito com este
artigo é apresentar, resumidamente, o ensino reformado
concernente à natureza, importância, eficácia e propósito da
pregação.
1 – A Natureza da Pregação
O conceito reformado de palavra de Deus é mais amplo do
que aquele geralmente compreendido pela expressão. Ele inclui
a palavra escrita: a Bíblia; apalavra encarnada: Cristo; a palavra
simbolizada ou representada: os sacramentos do batismo e da ceia;
e a palavra proclamada: a pregação. Na teologia reformada,
portanto a pregação da Palavra de Deus é palavra de Deus. (...)
Isto não significa identificação absoluta da palavra pregada
com a palavra escrita. As Escrituras são definitivas e supremas,
inerentemente normativas, enquanto que a autoridade da pregação
é sempre delas derivada e a elas subordinadas. Não significa
também que a pregação seja inspirada ou inerrante. Os pregadores,
por mais fiéis que sejam na exposição das Escrituras, não são
preservados do erro como o foram os autores bíblicos. Muito menos
significa que os ministros da Palavra sejam instrumentos de novas
revelações do Espírito.
A pregação da Palavra de Deus é palavra de Deus, primeiro
porque é na condição de porta-voz, de embaixador, de
representante comissionado por Deus que o pregador fala (2
co 5.20). (...) O pregador é um arauto[5]. A pregação é palavra de
Deus porque é entregue em nome de Deus, e debaixo da sua
autoridade. Em segundo lugar, a pregação é palavra de Deus em
virtude do seu conteúdo. A pregação é palavra de Deus, porque
transmite a mensagem bíblica, que é a mensagem ou Palavra de
Deus. Enquanto a pregação refletir fielmente a Palavra de Deus, ela
tem a mesma autoridade, e requer dos ouvintes a mesma
obediência.
Pregação, definiu Philips Brooks, é a comunicação da verdade
de Deus através da personalidade do pregador. Assim como a
palavra inspirada não deixa de ser divina, embora escrita por
autores humanos em pleno uso de suas peculiaridades humanas,
assim também a palavra pregada não deixa de ser de Deus por ser
mediada pela personalidade do pregador.
Na verdade, mais do que mero instrumento de comunicação
da vontade de Deus, a pregação, na concepção reformada, é um
dos meios pelos quais Cristo se faz presente na igreja. Assim como
a fé reformada crê na real presença espiritual de Cristo nos
sacramentos, crê também na sua real presença espiritual na
pregação, pela qual ele salva os eleitos e edifica e governa a igreja.
A pregação é aVox Dei. (...) Por isso, quem despreza a pregação
despreza a Deus, porque Ele não fala por novas revelações do céu,
mas pela voz de seus ministros, a quem confiou a pregação da Sua
Palavra. Ao falar Deus aos homens por meio da pregação, Calvino
identifica dois benefícios: “...por um lado, Ele [Deus], por meio de
um teste admirável, prova a nossa obediência, quando ouvimos
seus ministros exatamente como ouviríamos a Ele mesmo;
enquanto que, por outro, Ele leva em consideração a nossa
fraqueza ao dirigir-se a nós de maneira humana, por meio de
intérprete, a fim de que possa atrair-nos a si mesmo, ao invés de
afastar-nos por seu trovão”.

2 – A Relevância da Pregação
Em virtude dessa elevada concepção da pregação como Vox
Dei, a fé reformada atribui à proclamação pública da Palavra de
Deus a maior importância. Na tradição reformada a pregação é
considerada como o principal meio de graça, como a tarefa
primordial da igreja e do ministro da Palavra, como o elemento
central do culto, como marca genuína da verdadeira igreja e como o
meio por excelência pelo qual é exercido o poder das chaves.

A. O principal meio de graça


Na teologia reformada a pregação é um meio de graça. Ela e
a ministração dos sacramentos são as ordenanças pelas quais o
pacto da graça é administrado na nova dispensação.
De fato, na concepção reformada, a pregação é o mais
excelente meio pelo qual a graça de Deus é conferida aos homens,
suplantando inclusive os sacramentos. Os sacramentos não são
indispensáveis; a pregação é. Os sacramentos não tem sentido sem
a pregação da Palavra, sendo-lhe subordinados. Os sacramentos
servem apenas para edificar a igreja; a pregação, além disso, é o
meio por excelência pelo qual a fé é suscitada; é o poder de Deus
para salvação.

B. A tarefa primordial da Igreja e do Pregador


Na concepção reformada, a pregação é a tarefa primordial da
igreja e do ministro da Palavra. Em suas mensagens e escritos, os
reformadores condenam insistente e duramente o clero romano por
negligenciar a pregação. Incapacitados para a tarefa, os sacerdotes
católicos delegavam a função a outros (especialmente a pregadores
itinerantes, como os dominicanos e franciscanos), e dedicavam-se a
atividades secundárias, ou mesmo à ociosidade e à luxuria. A
superficialidade e leviandade com que as pessoas participavam da
missa era, para Lutero, culpa dos bispos e sacerdotes, que não
pregavam nem ensinavam as pessoas a ouvir a pregação.

C. A centralidade da pregação no culto


No culto medieval, a pregação era considerada, no máximo,
como elemento preparatório para a ministração e recepção dos
sacramentos. Na concepção reformado-puritana, “a leitura das
Escrituras, com santo temor, a sã pregação da Palavra e a
consciente atenção a ela em obediência a Deus com entendimento,
fé e reverência...” são os principais elementos do culto a Deus na
dispensação da graça. A Reforma restaurou a pregação à sua
posição bíblica, conferindo a ela a centralidade no culto público.
Na antiga dispensação, o elemento central do culto público
era o sacrifício, uma pregação simbólica apontando para o sacrifício
de Cristo. Na nova dispensação, havendo Cristo oferecido a si
mesmo como o Cordeiro Pascal que tira o pecado do mundo, não
há mais lugar para sacrifícios. A pregação da Palavra é a legitima
substituta do sacrifício como atividade central do culto na
dispensação da graça. O que o sacrifício proclamava de forma
simbólica e pictória na antiga dispensação, deve ser agora
anunciado de forma oral, pela leitura e pregação da Palavra.
D. A marca essencial da verdadeira Igreja
Porquanto na pregação Cristo fala e se faz presente,
governando e ensinando a igreja, a fé reformada é unânime em
considerar que a pregação da Palavra é uma das marcas da
verdadeira igreja. Diversos símbolos de fé reformados, dentre os
quais a Confissão Belga (artigo 29), A Confissão Escocesade 1560
(artigo 18), a Confissão de Fé Francesa de 1559 e a Segunda
Confissão Helvética de 1566 (capitulo 17) professam que a
“pregação pura do evangelho”, a “verdadeira pregação da Palavra
de Deus”, é uma das marcas pelas quais a verdadeira igreja de
Cristo pode ser reconhecida neste mundo. (...)
De fato, dentre as três marcas da verdadeira igreja geralmente
reconhecidas (a pregação, a ministração dos sacramentos e o
exercício da disciplina), a pregação é considerada a mais
importante.

3 – A Eficácia da Pregação
Embora tendo a elevada concepção da pregação, a fé
reformada não atribui à palavra pregada eficácia automática,
mecânica ou mágica, e nem a associa primordialmente às
habilidades e capacidades pessoais do pregador ou dos ouvintes. A
eficácia da pregação, na teologia reformada, depende
fundamentalmente da operação do Espírito Santo e da
responsabilidade humana do pregador e dos ouvintes.

3.1 – A eficácia da pregação e as habilidades pessoais do


pregador
Com base em 1 Coríntios 2.1-4 e 2 Coríntios 3.5, a fé
reformada sustenta que a eficácia da pregação não depende, em
primeiro lugar, da eloqüência, linguagem elaborada, gesticulação
premeditada ou da capacidade intelectual do pregador. Um
pregador pode ser eloqüente, pode gesticular bem, evidenciar
grande capacidade intelectual e, no entanto, sua pregação pode ser
completamente ineficaz. De fato, estas coisas podem tornar-se até
em empecilho para a genuína promoção do reino de Deus. O ideal
reformado-puritano da pregação inclui linguagem simples e
gesticulação natural.
3.2 – A obra do Espírito Santo para a eficácia da pregação
No entendimento reformado, a eficácia da pregação depende
principalmente da obra do Espírito, que ocorre em três instâncias:
na preparação do sermão, na entrega da mensagem e na recepção
da mensagem por ocasião da pregação.
Com relação ao pregador, a eficácia da pregação depende da
capacitação do Espírito para a tarefa (2 Co 3.5-6). É o Espírito
Santo quem confere poder à pregação (1 Co 2.4-5 e 1 Ts 1.5).
Calvino escreveu que “nenhum mortal está por si mesmo
qualificado para a pregação do evangelho, a não ser que Deus o
revista com o seu Espírito”. (...)
A eficácia da pregação depende da ação iluminadora do
Espírito Santo na preparação do sermão e da unção do Espírito na
entrega da mensagem. (...) Se o Espírito Santo não assistir o
pregador no seu labor exegético, o resultado do seu trabalho será
insuficiente, por maior que seja o seu conhecimento e por mais
diligente que seja o seu trabalho.
Com relação ao ouvinte, a eficácia da pregação depende, em
última instância, da ação iluminadora interna do Espírito Santo na
sua mente e coração. É ele quem abre o coração dos ouvintes para
que compreendam a mensagem (At 16.14). É ele quem escreve a
mensagem no coração dos ouvintes (2 Co 3.3). A palavra pregada
só se torna eficaz pela operação interna imprescindível do Espírito
Santo.

3.3 – A responsabilidade do pregador e dos ouvintes para


a eficácia da pregação
Como vimos, a fé reformada condiciona a eficácia da
pregação primordialmente à obra do Espírito no pregador e nos
ouvintes. Isso, entretanto, não ocorre em detrimento da
responsabilidade humana de um e de outros. A eficácia da
pregação depende também da fidelidade do pregador em não
adulterar ou mercadejar a Palavra (2 Co 2.17 e 42) e do uso correto
que fizer da Palavra, o qual, por sua vez, dependerá da sua
fidelidade no preparo. Depende, ainda, da responsabilidade dos
ouvintes em receberem com atenção, reverência, fé e obediência a
palavra pregada (Rm 1.5; 15.26).
Os ministros da Palavra são descritos nas Escrituras como
“presbíteros que se afadigam na Palavra e no ensino” (1 Tm 5.17),
são exortados a manejar bem a Palavra da verdade (2 Tm 2.15) e
não se tornarem negligentes na preparação para a tarefa (2 Tm
4.14). Da perseverança deles nestes deveres dependerá também a
eficácia da pregação para a salvação dos ouvintes (v.16).
Quanto aos ouvintes, são instados nas Escrituras a
considerarem atentamente a Palavra e a não serem negligentes,
mas operosos praticantes (Tg 1.25); a “acolherem com mansidão a
palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar as
vossas almas” (Tg 1.21b); a tornarem-se “praticantes da Palavra e
não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1.22).

3.4 – Conclusão
Estas considerações sobre a obra do Espírito Santo e a
responsabilidade humana para a eficácia da pregação não devem
levar o leitor a pensar que a pregação da Palavra só se torna eficaz
quando obtém resposta positiva dos ouvintes. A genuína pregação
do evangelho nunca é vã. (...) Mesmo quando rejeitada, a eficácia
da palavra pregada se manifesta tornando indesculpáveis os
réprobos. Ou a pregação nos aproxima de Deus, ou nos coloca
mais perto do inferno.

4 – O Propósito Da Pregação Reformada


Em alguns círculos evangélicos em nossos dias, a pregação
parece ter como propósito o entretenimento do auditório, a
exacerbação das emoções, o bem-estar material e emocional dos
ouvintes e a promoção do próprio pregador ou da sua
denominação. Ricardo Gondim, pastor da Assembléia de Deus,
reconhece que os púlpitos brasileiros “estão cada vez mais
empobrecidos. Pastores animam seus auditórios com frases de
efeito, contentam suas igrejas com mensagens superficiais...” Ele
admite que necessitamos de uma nova Reforma no cristianismo, a
qual deve começar pelo púlpito. Em outro artigo, o mesmo autor
comenta que “há uma tendência de transformar a igreja em big
business. Pior, big business do lazer espiritual”. Ele continua:
“Pastores e padres abandonaram sua vocação de portadores de
boas novas. Assumiram novos papéis: animadores de auditório e
levantadores de fundos. O púlpito transformou-se em mero palco. A
igreja, simples platéia... Sermões podem ser facilmente confundidos
com palestras de neurolinguistica”.
O propósito da pregação reformada é completamente
diferente. Ela tem objetivos claros e elevados com relação ao texto
que está sendo pregado, com relação aos ouvintes e,
especialmente, com relação a Deus e ao seu reino neste mundo.

4.1 – Com relação ao texto


Uma das qualidades mais marcantes da pregação reformada
consiste na determinação de fazer do propósito do texto o propósito
do sermão. Reformadores e puritanos compreenderam que cada
passagem das Escrituras tem propósito(s) específico(s). Por isso,
fizeram grande esforço para entender o texto, para discernir o seu
propósito(s), para proclamar fielmente a mensagem bíblica e aplicá-
la em consonância com o propósito divino.

4.2 – Com relação aos ouvintes


4.2.1 – Alcançar e converter o coração
Reformadores e puritanos queriam, com a pregação, informar
o intelecto, mover as afeições e motivar a vontade. Entretanto, o
alvo estava além do intelecto, dos sentimentos e das emoções. Eles
almejavam alcançar e converter o coração, o próprio centro da alma
humana. E isto eles buscavam, não por meio de manipulação
retórica da audiência, mas através da pregação fiel da Palavra de
Deus.
4.2.2 – Mediar encontros com Deus
Como o coração é alcançado e convertido? Quando pecadores
têm um encontro verdadeiro com Deus mediado pela pregação do
evangelho. O propósito da pregação é dar a homens e mulheres a
oportunidade de vivenciarem a presença de Deus.
4.2.3 – Restaurar a imagem de Deus no homem
A conversão, entretanto, é apenas o começo. Na concepção
reformada, o evangelho deve ser pregado com o objetivo de
restaurar nos ouvintes a imagem de Deus corrompida na queda.
A restauração da imago Dei no coração humano é obra do
Espírito Santo de Deus por meio da pregação da Palavra.

4.3 – Com relação a Deus


A restauração da imago Dei na alma e na vida do homem, não
é, contudo, o propósito principal da pregação reformada. O
propósito maior da pregação reformada consiste em promover o
reino e a glória de Deus e destruir o reino de Satanás.
Reformadores e puritanos anelavam com a pregação da Palavra,
por um lado, avançar com a obra de Deus no mundo, libertando
pecadores da escravidão de Satanás, e edificar os santos,
instruindo-os a viver para a glória de Deus; e, por outro lado,
desmascarar e lançar por terra a obra do diabo.

5 – Conclusão
Em muitos círculos evangélicos contemporâneos e até mesmo
entre reformados, o surgimento de novos meios de comunicação, a
aversão do homem moderno por verdades objetivas, a
secularização da sociedade, o afastamento do cristianismo das
Escrituras, e especialmente a concepção moderna da pregação
como uma atividade meramente humana, têm resultado em
evidente declínio da pregação. Outras atividades têm tomado o seu
lugar no culto, e a pregação tem sido relegada a um plano
secundário no culto e na vida da igreja.
Na concepção reformada, entretanto, a pregação pública da
Palavra de Deus é considerada não como palavra de homem, mas
como Vox Dei. Na proclamação solene da Palavra de Deus por
arautos comissionados pelo próprio Deus. Cristo se faz presente,
fala e governa a igreja. A fé reformada tem uma concepção quase
que sacramental da pregação. Ela professa a real presença
espiritual de Cristo na pregação, assim como na Ceia.
Em virtude dessa elevada concepção quanto à sua natureza,
a teologia reformada atribui grande importância à pregação. Na
teologia reformada, a pregação é imprescindível. É o principal meio
de graça, a tarefa primordial da igreja e do ministro, o principal
elemento de culto na dispensação da graça; constitui-se em marca
essencial da verdadeira igreja, e meio pelo qual o reino de Deus é
aberto ou fechado aos pecadores. Isto não significa que a fé
reformada atribua eficácia automática à pregação. A eficácia da
pregação também não está, primordialmente, nas habilidades
pessoais do pregador ou dos ouvintes. Está, sim, na operação do
Espírito Santo, tanto na preparação e entrega da mensagem, como
na sua recepção. Os pregadores devem laborar na interpretação da
Palavra, e transmiti-la fielmente. Os ouvintes, devem receber com
atenção, reverência, fé e obediência a palavra pregada. Contudo,
somente o Espírito Santo pode conferir eficácia à pregação,
assistindo e capacitando o pregador, e iluminando e convencendo
os ouvintes do pecado e da graça de Deus em Cristo. Não obstante,
independentemente da resposta dos ouvintes, a genuína do
evangelho nunca é vã. O reino de Deus é promovido também na
condenação dos réprobos. O propósito da pregação reformada
consiste na fidelidade ao sentido, significado e propósito do texto;
na conversão e restauração da imagem de Deus nos ouvintes; e na
promoção do reino e da glória de Deus no mundo. Que a Vox
Dei seja ouvida na alma e na vida dos ouvintes, com vistas à
promoção do reino e da glória de Deus no mundo.
Aula nº 10

CONSTRUINDO NOSSA PERCEPÇÃO E LEITURA


HISTÓRICA SOBRE A AMÉRICA LATINA E SEUS PROBLEMAS
Antonio José do Nascimento Filho – Pastor da Igreja
Presbiteriana e coordenador do Departamento de Teologia
Pastoral do Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper. Mestre
em Teologia (Th.M) e doutor em Missiologia (D. Miss) pelo
Reformed Theological Seminary, Jackson, Mississipi, Estados
Unidos.

Resumo
Neste artigo estamos apresentando diversas perspectivas
teológicas diferentes, a respeito da relação entre ação social e
evangelismo, com a finalidade de enriquecer a nossa visão de
mundo cristão. Evidentemente certas perspectivas teológicas,
fomentadas por determinados teólogos, dificilmente passariam pelo
crivo da Palavra de Deus.
Entretanto, procuramos neste artigo lançar para uma melhor
compreensão teológica e missiológica do papel do engajamento
social, além de discutir as implicações mais amplas desta questão
para a igreja contemporânea.

Palavras-Chave
Missiologia, missão, engajamento social, preocupação social,
Calvino.

Introdução
A América Latina é um dinâmico tapete, um vivo mosaico, um
caleidoscópio. Nenhuma analogia fará justiça a este continente que,
de tão diverso, entrou em crise. O turista só consegue reconhecer a
estreita realidade que lhe é apresentada e assim raramente terá
uma percepção justa, correta e abalizada da realidade latino-
americana. Os repórteres internacionais, por sua vez, focalizam
simplesmente aqueles assuntos que servirão para a sua agência
internacional: crime, violência, insegurança e instabilidade
econômica. Mui raramente terá o turista, ou o jornalista
internacional, condições de entender a complexidade histórica e
espiritual desta vasta área e o seu legado hispano-lusitano.
O que pode fazer o pesquisador cristão, estudioso da América
Latina diante desse quadro? Evidentemente, é de se esperar que o
cristão lance mão de todos os recursos disponíveis para entendê-la
e ao nosso povo.
O problema é que trabalhamos já munidos de uma série de
pressuposições ou pré-entendimentos, que nos induzem a fazer
uma aferição e um julgamento “de fato e de valor” sobre o nosso
continente. Nós, cristãos, temos falhado em fazer uma leitura
histórica neutra sobre a cristianização do continente sobre o papel
da Igreja. E quais as razões por trás disso?
O teólogo William Taylor, professor da Universidade de Dallas,
em sua obra Crisis in Latin América (1989, p.21), elucida o assunto,
sugerindo quatro razões básicas:
 Isso acontece porque, muitas vezes, a nossa percepção
histórica dos fatos já está preestabelecida.
 Porque a nossa percepção histórica está arraigada nos valores
da classe média ou dominante, ou de um certo contexto
socioeconômico.
 Porque a nossa percepção histórica é autoprotecionista, visando
salvaguardar o status quo da Igreja.
 Porque a nossa percepção histórica é exacerbadamente
institucional e denominacionalista.

Se quisermos construir a nossa cosmovisão, precisamos rogar


ao Espírito de Deus por iluminação, para um claro entendimento
deste continente, ao fazermos a nossa leitura histórica.
Alguém que viaja pela região, mesmo que seja em um só
país, por certo chegará a conclusão de que não existe uma América
Latina somente, mas muitas. Se atentarmos para o ponto de vista
étnico, temos diversas raças: espanhóis, portugueses, índios,
europeus, africanos e orientais, numa profunda mistura genética
que faz do “novo mundo” o que ele é.
Pode-se constatar a sua variedade geográfica: das áreas
desérticas até as suas florestas tropicais, dos vastos pampas até a
alta Cordilheira dos Andes, que corta quase todo o continente.
Pode-se constatar o mesmo do ponto de vista regional: México ao
norte, as nações caribenhas, os países da América Central, as
nações andinas e os países do Cone Sul, incluindo Brasil,
Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai.
Há de se considerar ainda o aspecto lingüístico. Não existe
somente uma língua falada por todos na América Latina. O
espanhol é a língua nacional, na maioria dos países (cerca de
trezentos milhões de habitantes); o idioma inglês é a língua falada
em alguns outros (Bahamas, Guiana Inglesa, Belize, Jamaica); e o
português é a língua falada no Brasil (cerca de 160 milhões de
pessoas). Contudo, existem ainda cerca de 670 línguas e dialetos,
falados em toda a América Latina. A maioria absoluta dessas
línguas já eram faladas antes mesmo de Colombo pisar nas terras
do novo mundo. Há na Guatemala, por exemplo, 25 línguas
diferentes.
Se optarmos pelo aspecto socioeconômico como fator
determinante, havemos de constatar discrepâncias ainda maiores:
existe uma classe alta dominante, correspondente a 3% a 5%; uma
classe média, correspondente a 15%; e uma classe baixa,
correspondente a 80% da população. Inserida na chamada “classe
baixa”, há uma faixa de 20% de miseráveis, ou seja, dos que vivem
em extrema pobreza.

1 – Controvérsia Acerca do Nome


Se não existe uma só América Latina, o que, então justifica
este nome? (...)
Como foi, então, que esta vasta área foi batizada com o nome
de “América Latina”? Certamente Cristóvão Colombo não imaginou
isso. Ele estava convicto de que havia descoberto o caminho para a
Índia, ou mesmo que havia alcançado as costas do país. Por estar
convencido disto, chamou os nativos habitantes da terra de “índios”.
Imediatamente, a Espanha denominou as terras recém-descobertas
de “Índias Ocidentais” nos seus mapas, cujo título permaneceu por
quase quatro séculos. No tempo em que se tornou claro que as
terras descobertas eram, na realidade, o “novo mundo”, já era tarde
para retificar o erro, ou não havia razão para isso, conforme
pensavam os colonizadores.
Na verdade, o título inspirou-se em um empresário
italiano[6] que seguiu a Colombo, segundo é historiado por Donald
Marquand Dozer em sua obra Latin America: Na Interpretative
History.
Quando “Estados Unidos da América” foi escolhido como o
nome da república norte-americana, os franceses, por sua vez,
começaram a chamar os povos de língua hispânica e portuguesa
de latino-americanos, tendo em vista as línguas de origem latina.
(...)

2 – Igreja e Crise Urbana


Neste início do terceiro milênio, quando a Igreja de Jesus
Cristo enfrenta grandes desafios para a evangelização do mundo,
mudanças radicais devem ser feitas, com o objetivo de atender
efetivamente às necessidades espirituais e humanas de cada
grupo.
As rápidas mudanças sociais que ocorrem atualmente na
América Latina constituem um vasto movimento revolucionário de
idéias, instituições e indivíduos, que, em sua amplitude e
complexidade, parece desafiar a análise e a descrição. Grandes
problemas econômicos estão surgindo, com a demanda por
padrões de vida mais elevados, por melhor assistência médica e
por maiores oportunidades educacionais.
De uma perspectiva sociológica, a Igreja é uma instituição
incorporada em um ambiente sociopolítico. Como tal, ela exerce um
impacto na vida de muitas pessoas. A grande questão que
gostaríamos de abordar neste artigo é: como a Igreja pode
funcionar melhor, como agente eficaz da evangelização, neste
contexto sociopolítico da América Latina?
Entre as mudanças que vêm ocorrendo nos últimos tempos, a
preponderante é a demográfica, que transformou o perfil do globo.
E a mudança mais evidente é a incrível explosão generalizada de
habitantes. Neste sentido, os missiólogos Dayton e Frazer
comentam:

Para compreender o que isto significa, imaginemos um círculo


representando o mundo de 6 bilhões de pessoas (população
mundial em 1999). Podemos dividir os 6 bilhões em três partes,
aproximadamente 2 bilhões cada. Um terço dessa população
professa a crença em Jesus como Senhor (Dayton & Frazer, 1999,
p.3-4).

Nas cidades da América do Sul, uma parcela considerável


deste crescimento deve-se à busca de emprego, ao subemprego.
De acordo com Johnstone, “há na América Latina 35 cidades com
mais de um milhão habitantes, número que inclui duas das maiores
cidades do mundo – São Paulo (Brasil) e Cidade do México” (1988,
p.64). A imensidão dessa explosão urbana desafia qualquer
avaliação.
Embora a América do Sul tenha sido descoberta há cinco
séculos, e apesar de ela representar uma sétima parte da superfície
terrestre do planeta, muito pouca atenção tem sido dispensada às
imensas possibilidades de incomparáveis condições dessa região
das Américas. Em quase todos os seus países são enormes as
possibilidades de desenvolvimento. Johnstone menciona alguns
fatores que corroboram o ingente e múltiplo empenho com o qual
essas nações devem ser focalizadas e compreendidas:
Rápido crescimento populacional, regimes corruptos
despóticos e crescente dívida internacional, desde 1978, têm
provocado graves crises econômicas nos anos 80. Brasil,
Argentina, Bolívia e Peru têm, particularmente, sérios problemas de
dívida internacional. Em algumas terras, violentas mudanças
podem ser precipitadas pelos baixos padrões de vida, há crescente
empobrecimento e somente uma débil esperança de alguma
melhora rápida. O hiato entre as elites ricas e os pobres é um dos
que devem diminuir, se uma mudança pacífica deva ocorrer
(ibidem, p.65).

3 – Igreja e Crises Sociais da América Latina


Na passagem do último século, em 1899, quando realizou em
Roma seu primeiro plenário, o Concílio Latino-Americano analisou
os perigos que ameaçavam a Igreja Católica Romana,
acrescentando o protestantismo à mesma relação, juntamente com
maçonaria, superstição, paganismo, liberalismo e secularismo. O
protestantismo chegou à América do Sul no século dezenove. Os
missionários, a maioria dos quais norte-americanos, juntamente
com numerosos convertidos que foram logo arrebanhados,
favoreceram a separação entre a Igreja e o Estado, a liberdade de
consciência e a educação pública universal, como meio de
liberdade espiritual e progresso social.
É incontestável que a semente plantada pelos missionários
protestantes durante o século dezenove começou a dar frutos; a
despeito da grande oposição da parte da Igreja estabelecida, as
igrejas protestantes foram rapidamente ganhando terreno e não
podiam ser desconsideradas. Padilla, em sua obra The New Face
Of Evangelicalism, descreve o desafio que o protestantismo
representou para o catolicismo romana na América do Sul.

Em 1955, o protestantismo tinha se tornado uma questão de


tamanha preocupação para a Igreja Católica Romana que a
primeira Conferência Episcopal Latino-Americana (Celan), reunida
no Rio de Janeiro, considerava-o uma das principais forças hostis,
o que tornou necessário recorrer à ajuda de missionários da Europa
e da América do Norte (Padilla, 1975, p.77).

Nos tempos atuais, o continente sul-americano encontra-se


numa situação dinâmica e revolucionária, caracterizada por
crescimento demográfico explosivo, mobilização interna de massas
humanas, formação de grupos sociais (trabalhadores, estudantes,
camponeses), que pressionam em prol de reformas, incipiente
porém acelerado processo de industrialização e desintegração de
grupos tradicionais. O caráter revolucionário da situação emerge da
oposição radical entre as forças em conflito e da nítida piora das
condições de miséria, fome, doença, ignorância e ansiedade em
que vive a grande maioria da população, bem como da ausência de
canais normais de mobilidade social, que dariam alguma esperança
por um futuro melhor.
Mesmo entre os evangélicos, a situação econômica não é
diferente. Qualquer pessoa familiarizada com o protestantismo na
América do Sul sabe que, aí, uma alta porcentagem de cristãos
protestantes é constituída de pessoas pobres. Eles sempre foram
historicamente – e grandes contingentes ainda o são – pobres,
incultos e excluídos das decisões mais importantes tomadas pelos
líderes nacionais para melhorar sua própria vida e a de outros na
sociedade. Taylor elucida este aspecto de forma bastante
apropriada:

Os missionários enviados à América Latina – ou a qualquer


outro lugar para o mesmo propósito – devem procurar entender as
condições contemporâneas. Como missionários, não podemos
desfrutar o luxo do ministério sem uma crescente sensibilidade
diante dessas crises. Aqui estão alguns dos fatos penosos que
enfrentam os latinos-americanos. 1. A explosão populacional entre
aqueles que não podem permitir-se ter mais filhos, justamente, os
pobres. Há uma população correntemente chegando próxima de
400 milhões, mas que dobrará dentro de 33 anos ao ritmo atual de
crescimento. Onde vão viver? O que vão comer? Como irão à
escola? Quem lhes proverá assistência médica e empregos? 2. Um
espírito predominante de desesperação que tão tragicamente
obstrui um desenvolvimento saudável. 3. A incerteza que haja
sistemas políticos e a ânsia contínua por aqueles que tragam
estabilidade. Assim, como missionário na América Latina, tenho
sido engolfado pelas duras realidades de meu verdadeiro contexto
latino-americano. Tive de compreender o que estava por trás das
ferventes questões da América Latina (Taylor, 1991, p.53).

Considerando todas estas condições, se o objetivo principal


da Igreja é o evangelismo, que, por sua vez, visa à conversão, esta
conversão implica, antes de mais nada, uma mudança radical de
estilo de vida, que passa a envolver pelo menos três relações novas
– com Cristo, com a Igreja e com o mundo – as quais têm
importantíssimas conseqüências, uma vez que os resultados do
evangelismo incluem:
 Obediência (a quem é agora reconhecido como Senhor).
 Incorporação à sua Igreja (porque pertencer a Cristo é pertencer
ao povo de Cristo, conforme Atos 2.4,47).
 Serviço responsável no mundo (porque a conversão perderá
todo o sentido se não resultar em mudança da vida egocêntrica
para a vida de serviço sacrificial, conforme Marcos 10.43-45).

Todo cristão é chamado para a missão de evangelização e


para testemunhar, em palavras e atos, por meio do dom que Deus
lhe tenha dado.

4 – Papel Social da Igreja no Contexto Latino-Americano


A palavra “igreja” origina-se do vocábulo hebraico “am” e do
termo grego “eklesia”, que vem a significar “congregação ou
ajuntamento de povo”. A Igreja é um centro de fermentação da
sociedade contemporânea. A sociedade secular usualmente a
considera uma ordem antiquada, sem a qual o grupo social e os
indivíduos poderiam funcionar de forma mais efetiva. Alguns
teólogos e missiólogos, ao contrário, reconhecem que a Igreja
cumpre com o seu propósito divino na medida em que ela se
envolve com a sociedade, renunciando à preservação de uma
identidade peculiar. Outros, por sua vez, colocam a Igreja no
coração do propósito divino para a presente era e vêem o
crescimento como uma de suas responsabilidades supremas.
A Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo tem uma importante
tarefa a cumprir no mundo atual. A primeira missão da Igreja, e, por
conseguinte, das igrejas, é proclamar o evangelho de Cristo e reunir
os crentes em comunidades cristãs locais, onde possam ser
edificados na fé para se tornarem eficazes na obra, e, por este
meio, plantarem novas congregações por todo o mundo.
Naturalmente, há muitas outras tarefas relevantes a serem
realizadas pelos crentes em Cristo, seja como indivíduos, seja como
comunidade. Poucos desses objetivos serão realizados, porém, a
menos que novos crentes sejam acrescidos à Igreja universal e que
as igrejas existentes cresçam até a plenitude daquele que é sua
Cabeça.
Ao longo dos séculos, a resposta à Grande Comissão (Mateus
28.18-20) incluiu:

 Ministério de evangelistas itinerantes.


 Criação de uma enorme variedade de movimentos,
organizações e ordens, que podem ser agrupadas sob o nome de
“movimentos paraeclesiásticos”.
 Organizações de instituições cristãs, tais como congregações,
agências de envio de missionários, denominações, escolas
fundamentais, ministérios para juventude, centros de retiro,
acampamentos, orfanatos, faculdades, seminários teológicos,
hospitais.
 Recrutamento e envio de missionários a outras partes do
planeta.
 Tradução e distribuição universal da Bíblia.
 Fundação de comunidades de cristãos comprometidos a dar
testemunho da sua fé.

As missões paraeclesiástica são vistas como “braços da


Igreja”, com o fim de empreender todo tipo concebível de boa obra,
desde alimentar o faminto até imunizar a população contra
enfermidades. Estes são empenhos dignos de serem alcançados e,
de acordo com Gálatas 6.10, que devem ser qualificados como
realizações cristãs. Além disso, deve ficar bem claro que as
organizações formadas para cumpri-las devem proclamar que Deus
está perdoando os pecadores e reconciliando-os consigo por meio
de Jesus Cristo, que foi feito Senhor sobre o céu e a terra.
Neste sentido, pergunta-se: Como é que as boas-novas de
Jesus Cristo poderão ser eficazmente levadas a todas as nações,
tribos e raças? Certamente, homens dotados, ungidos, terão de
cruzar fronteiras e quebrar barreiras, como pioneiros, para
comunicar o evangelho a cada uma dessas pessoas. Somente o
evangelho pode transformar os corações humanos, e nenhuma
outra influência torna as pessoas mais humanas. Entretanto, a fé
cristã não pode limitar-se à proclamação verbal. Para além da
evangelização de todo o mundo, o povo de Deus deve mobilizar-se
para tornar-se mais sensível ao sofrimento humano e envolvido no
cuidado, ajuda e outros tipos de assistência social, trazendo glória
ao Senhor e promovendo a justiça e a paz entre os homens.
É interessante lembrar, neste contexto, que o termo “missão”
deriva da palavra latina missio (enviar), que se refere à
proclamação do evangelho a todos os homens a todas as partes do
mundo. Uma vez que ela objetiva a conversão das nações em todos
os tempos (Mateus 28.19,20; Atos 1.8), o envio de missionários é,
portanto, de máxima importância. A interpretação atual da missão
vê esta atividade da Igreja como parte da missio Dei, do Deus
triúno, que se propõe a reconciliar o mundo consigo por meio de
Cristo. Assim o Pai envia o Filho, assim eles enviam a Igreja sob a
direção e inspiração do Espírito Santo.
A missão é um instrumento da ação divina na história, para a
consumação de seus propósitos entre as criaturas humanas. Por
essa razão, o missiólogo David Bosch lembra que este ofício tem:
“origem no coração de Deus. Ele é uma fonte da qual emana amor.
Esta é a mais profunda origem da missão. É impossível penetrar
ainda mais fundo; há missão, porque Deus ama as pessoas”
(Bosch, 1992, p.392).
Em seu sentido mais amplo, “missão” é tudo o que a Igreja faz
a serviço do Reino de Deus. Em sentido mais restrito, contudo,
refere-se à atividade missionária, à pregação do evangelho entre
povos e culturas que ainda não ouviram falar Dele. Nos meios
teológicos, esta discussão tem sido associadas intimamente
à evangelização. O termo “evangelização”, por sua vez, deriva da
palavra grega evanggelion (boas-novas), mensagem anunciada,
implantada e desenvolvida para salvar os seres humanos, todos
pecadores. O verbo do Novo Testamento euaggelizesthai (da
palavra grega euaggelizesqai), indica o meio para transmitir o
evangelho, as boas-novas de Jesus Cristo.
De acordo com Hesselgrave, “[...] a missão primária da Igreja,
e, por conseguinte, das igrejas, é proclamar o evangelho de Cristo e
reunir os crentes em igrejas locais, onde possam ser edificados e
preparados no serviço, a fim de plantarem novas congregações por
todo o mundo” (1980, p.20).
Em sentido amplo, a evangelização pode ser vista como a
obra integral da Igreja para proclamar o Reino de Deus (Marcos
1.15). Ela compreende três amplas categorias de ministério:

 Evangelismo – proclamação do evangelho aos ainda não


alcançados dentro de nossa própria sociedade ou cultura.
 Atividade missionária – uma proclamação que interage com a
cultura do público-alvo.
 Atividade pastoral – ato de prover e aprofundar o evangelho
entre aqueles que já o aceitaram.

Orlando Costas, conhecido teólogo latino-americano,


apresenta uma interessante definição:

Evangelizar é participar de uma ação transformadora, isto é,


as boas-novas da salvação. Neste sentido, a evangelização não é
um conceito, mas sim uma tarefa dinâmica, encarnada primeiro na
vida e ação salvífica de Jesus Cristo. Portanto, ela não pode ser
reduzida a uma fórmula verbal. Evangelizar é reproduzir pelo poder
do Espírito Santo a salvação que foi revelada em Jesus Cristo
(Costas, 1989, p.133).

Os cristãos reformados, semelhantemente, professam a


seguinte confissão sobre a essência da missão cristã:

O Filho de Deus por amor de toda raça humana, do princípio


ao fim do mundo, congrega, defende e preserva para si mesmo, por
seu Espírito e Palavra, na unidade da fé, uma Igreja escolhida para
a vida eterna (Catecismo de Heidelberg, Dia do Senhor, XXI).

A inflexível atividade redentiva do Filho de Deus, exposta


nesta passagem do Catecismo de Heidelberg, demonstra-se de
forma intensa na atualidade. Obreiros estão sendo enviados por
Deus em resposta às orações de seu povo, o evangelho está
alcançando progresso sem precedentes em muitos países, pessoas
de muitas culturas estão nascendo de novo e igrejas estão sendo
plantadas. Em contrapartida, há um notável agravante, apontado
por teólogos e missiólogos: o fenômeno das mudanças tão
aceleradas e freqüentes no mundo de hoje. Glasser mostra com
sensibilidade que este será um dos maiores desafios da nova era:

O mundo tem mudado grandemente desde o Congresso


Internacional de Evangelização Mundial, realizado em Lausanne,
Suíça, em 1974. Urbanização acelerada e conseqüente
secularização, assustadora explosão populacional associada à
desintegração da família uso de drogas, terrorismo e violência,
inflação e crescente empobrecimento, somados a um padrão
universal quase epidêmico de corrupção política – todas estas
realidades têm conspirado para provocar uma sensação universal
de mal-estar, com pouca perspectiva de remediar nos dias à frente
(Glasser, p.4).

Um dos sintomas deste mal-estar entre os evangélicos é a


tensão que algumas vezes podemos observar entre evangelismo e
preocupação social. Nem sempre é fácil harmonizar palavras e
ações, pregação e prática, ou proclamação e demonstração,
conjuntamente em uma postura bíblica construtiva. Ambos os lados,
muitas vezes, parecem até ficar orgulhosos pelo fato de estarem
dando pouco ou nenhuma atenção às forças que defendem à
oposição oposta. A nosso ver, contudo, nada impede os cristãos de
apreciar a validade bíblica de ambos, em seus mútuos argumentos,
e chegar a um consenso que reflita uma posição bíblica mais
completa. Poderiam, então, apresentar ao mundo uma posição
cristã mais forte e mais equilibrada do que poderiam fazer
isoladamente.
Cristo chama os cristãos para verem as coisas pela ótica da
outra pessoa. Se eles obedecessem, poderiam obter uma visão
muitas vezes mais clara da realidade em seus múltiplos aspectos. O
cristianismo converge para a vida como um todo, não apenas para
as suas partes. É preciso um esforço especial para manter a
perspectiva equilibrada, que atenta da forma mais imparcial
possível para todo o panorama.
5 – Posições Teológicas Distintas Quanto ao Papel Social
da Igreja

5.1 – Ação social como traição ao evangelismo


Isto nos leva a uma primeira posição extrema. Com seu
pressuposto epistemológico dualista, associado a uma espécie
quase gnóstica de pietismo pessoal, conivente com a desesperança
do mundo (com guerras e rumores de guerra, pestilência, fome,
tremores de terra, etc.), muitos adeptos desta visão consideram o
envolvimento social uma tentativa indevida de legitimar o
ilegítimo. Omundo para eles é mau e irremediavelmente
corrupto. Os crentes devem afastar-se dele, se quiserem evitar
a contaminação. Stott localizou a raiz desta visão da reação dos
evangélicos contra a disseminação do evangelho social no início do
século vinte (Stott, 1980, p.1).
Os seguidores desta tendência esquecem-se do fato de que o
Deus da redenção é também o Deus da criação, que se assenta
sobre o círculo da Terra e mantém juntas todas as coisas.
Esquecem-se também o princípio de que o sal e a luz não podem
fazer sentido, se isolados, mas somente se eles se encontrarem
com o amor em meio à escuridão deste mundo.

5.2 – Ação social como evangelismo


Há evangélicos cuja linha de distinção entre a
responsabilidade social e o evangelismo é tão frágil que pode ser
desprezada. Em seu ensaio sobre a crise contemporânea.
Richardson afirma que o evangelismo é ação social. Conclui sua
tese com estas palavras: “A ação social dificilmente é um
subproduto do evangelismo, porque ela ocorre no momento em que
alguém aceita o chamado para o discipulado” (Richardson, 1977,
p.89).
Castro rejeita como artificial qualquer tentativa de estabelecer
uma distinção entre evangelismo e envolvimento social. Vê ambos
existindo de forma separada, os quais podem ser vistos
individualmente à medida que interagem. Em outro artigo, ele
declara: “O evangelismo existe somente onde há preocupação
social. Sem ela pode haver propaganda, proselitismo, mas
dificilmente boas-novas” (1978, p.88). Esta posição também se
torna perigosa, uma vez que pressupõe que nunca pode haver
o evangelismo se não houver ação social, o que se contrapõe ao
ensino e exemplo das Escrituras sobre o assunto.

5.3 – Ação social como um meio para o evangelismo


Os sinônimos para a palavra meio são, neste contexto, ponte
e preparação. Qualquer forma de atuação social, quer seja a de
alimentar o faminto, dar remédio para o doente, educar o
analfabeto, reabilitar refugiados, é vista como um meio para um
fim, ou seja, o evangelismo e a conversão.
Visto deste ângulo, considere-se, por exemplo, o princípio de
passar do conhecido para o desconhecido, da necessidade sentida
para a real, do material para o espiritual. O ensino do Senhor Jesus
Cristo a respeito de si mesmo, como o verdadeiro pão da vida, logo
após alimentar cinco mil pessoas com o pão material, adverte a
pessoa contra uma desconsideração apressada deste episódio
(vide João 6.1-29), que nos exorta para o nosso papel de
observarmos e procurarmos atender às necessidades do nosso
próximo.
A história das missões modernas revela que os missionários
que a marcaram positivamente se preocuparam com ambos os
aspectos, a pregação do evangelho e a assistência social, como,
por exemplo, prover medicamento para o doente, educação para os
incultos, etc. Na época da Colônia, muitas conversões que
ocorreram no campo missionário tiveram lugar em escolas da
missão.
Para tanto, Lindsell nos oferece a regra chave: “Toda vez que
a assistência social tornar possível o confronto com os homens com
o evangelho, será útil” (Lindsell, 1965, p.439).

5.4 – Ação social como uma manifestação do evangelismo


Os defensores desta visão vêem o envolvimento social
como uma demonstração do evangelho. O primeiro dá
visibilidade ao último. A analogia da fé e obra na epístola de
Tiago é muitas vezes usada para explicar este ponto de vista. Stott,
embora não seja ele próprio um defensor desta linha, chama este
tipo de ação social de “sacramento” da prática evangelística, já que
sua função é torná-la visível. Neste sentido, identificam um forte
precedente no ministério de Jesus Cristo, cujas palavras e ações
eram tão inseparáveis quanto duas irmãs gêmeas. Entretanto, ele
expressa também inquietação, uma vez, que essa visão “faz da
assistência social uma subdivisão do evangelismo, uma aspecto da
proclamação” (Stott, 1977, p.26).
Acrescente-se também que a diferença entre este ponto de
vista e o anterior (que a ação social é um meio para o evangelismo)
é apenas uma questão de grau e não de natureza, já que ambos
visam ao mesmo resultado.
[...]

5.5 – Ação social como parceira do evangelismo


O principal defensor desta visão é Stott. Ele articula sua tese
nas seguintes palavras:

Como parceiros, ambos se pertencem e, não obstante, são


independentes um do outro. Cada qual firma-se sobre seus próprios
pés, em seu próprio direito, lado a lado. Nenhum deles é um meio
para o outro, ou mesmo uma manifestação do outro, pois cada um
é um fim em si mesmo. Ambos são expressões do amor não fingido
(Stott, 1977, p.27).

Para sustentar melhor sua posição, Stott chama a atenção


dos cristãos para a analogia entre ter e ver do apóstolo João
(3.17,18). Ele se apressa em acrescentar que as duas coisas,
evangelismo e ação social, nem sempre precisam andar juntas,
uma vez que as situações variam, como também variam os
chamados cristãos. Argumenta que, normalmente, a pessoa não
deverá ter que tomar uma decisão radical e excludente, mas deve
saber que a salvação eterna é mais importante do que o bem-
estar temporal.

5.6 – Ação social e evangelismo como igualmente


importantes
Podemos citar alguns expoentes neste campo, como, por
exemplo, Ronald Sider, Samuel Escobar e Davi Bosch. Se há
palavras adequadas para caracterizar a missão da Igreja, de acordo
com Bosh, elas são os conceitos bíblicos de “martyria” (testemunha)
e os subconceitos de “kerygma” (proclamação), “koinonia”
(comunhão), “diakonia” (serviço) e “leitougia” (liturgia).
Quanto à questão sobre como articular a obra social e o
evangelismo, Bosh responde:

Eles se assemelham às duas lâminas da tesoura, que operam


em uníssono, mantidos juntos pela koinonia, a comunhão, que, de
igual modo, não é parte separada da tarefa da Igreja, mas sim o
cimento que mantém juntas a kerygma e a diakonia... ambas
dimensões indissoluvelmente unidas (Bosh, 1980, p.227).

Bosh assinala um reconhecimento de uma variedade de dons,


significando que diferentes cristãos desempenham diferentes
papéis, e, mais importante variando situações que requerem
diversificação de formas do testemunho cristão.
[...]

5.7 – Ação social como parte da proclamação do


evangelho
Esta é a tendência dos que advogam que a assistência social
é mais do que apenas alimentar o faminto e curar o doente. É
empenhar-se no intuito de fazer a justiça de Cristo permear cada
aspecto da vida – social, econômico, religioso, político, etc. A tarefa
da Igreja permanece a de pregar o evangelho e conquistar o mundo
para Cristo[7]. Mas esta tarefa de pregar o evangelho do Reino
também já diz tudo, incluindo a responsabilidade sociopolítica da
Igreja e de seus membros.
[...]

6 – A Influência Social de Calvino e de Lutero


Como presbiterianos e reformados que somos, conhecedores
da genuína tradição cristã, não podemos ignorar a realização da
missão benfazeja, misericordiosa e compassiva dos cristãos em
prol da sociedade como um todo. Testemunhar o evangelho em
palavras e em obras é dever de todo cristão.
Usaremos, nesta parte final, como paradigmas da missão
social da Igreja, o exemplo magnífico que nos foi legado pelos
reformadores João Calvino e Martinho Lutero. Eles viveram num
contexto e clima político, socioeconômico e religioso de mudanças,
no final da Idade Média (1300-1500).
O feudalismo havia começado a declinar e fortes governos
monárquicos centralizadores estabeleciam-se na Europa. A
Renascença havia promovido o humanismo com a reativação do
ensino do grego e do latim; há desenvolvimento da ciência e as
novas tendências nas artes; economicamente, há desenvolvimento
contínuo do comércio e da indústria, que incentivaram uma
economia capitalista, mudando a estrutura social, entre outras
coisas. É preciso considerar ainda o grande influxo de pessoas nas
cidades, em busca de novos empregos, trazidas pelo
empobrecimento econômico de amplas camadas da sociedade,
especialmente colonos e famílias de agricultores.

6.1 – Preocupação de Martinho Lutero na área social


(1483-1546)
Para compreender a visão de Lutero sobre o evangelismo e a
responsabilidade social, deve-se conhecer seu conceito dos dois
reinos: o Reino de Deus e o reino deste mundo. O cristão, como
filho de Deus, pertence ao primeiro, e, como cidadão deste mundo,
pertence ao último. Ele, é, portanto, responsável perante Deus, bem
como perante a autoridade civil.
Com respeito à responsabilidade social, Lutero ensinou duas
importantes verdades. A primeira é que, embora reconheça a
relevância das boas obras, rejeita a idéia de que estas trazem
perdão pelos pecados. Em suas 95 Teses (1517), ele declara:

Os cristãos devem ser ensinados que aquele que dá ao pobre


ou empresta ao necessitado pratica uma obra melhor do que
comprar perdões (43).

Os cristãos devem ser ensinados que aquele que vê um


homem em necessidade, passa por ele e dá [seu dinheiro] por
perdões, não compra as indulgências do papa, mas a indignação
de Deus (45).

É preciso considerar, neste sentido, que Lutero se opunha à


visão anabatista de separação entre Igreja e Estado, porque
acreditava que Deus pode usar o governo secular para estabelecer
a justiça social, tanto que, em 1520, ele escreveu uma carta aberta
à nobreza cristã e instou o Estado a fazer reformas econômicas e
sociais para melhorar a vida do pobre.

6.2 – Preocupação Social de João Calvino (1509-1564)


Calvino está acima dos demais líderes da Reforma francesa e
suíça. De Genebra, ele causou profundo impacto sobre a Europa e
o restante do mundo. Ironicamente, por poderosa que fosse a sua
influência ali, ele foi sempre uma espécie de hóspede em terra
estranha. Em certo sentido, era apenas um dos muitos refugiados
que viviam naquela cidade com seus olhos em sua terra natal,
esperando que algum dia toda a França fosse evangelizada e que a
religião reformada pudesse prosperar livremente (Mackinnon, 1962;
Parker, 1975).
Esperando esse dia, ele e seus amigos acolhiam a contínua
corrente de protestantes refugiados das áreas dominadas pelo
catolicismo romano, oferecendo-lhes comida e abrigo. Um grande
diferencial característico da reforma calvinista foi a
institucionalização desta hospitalidade, pela criação de um fundo de
assistência social, que ficou conhecido como Bolsa
Francesa ou Fundo Francês para Estrangeiros Pobres, destinado
àqueles que chegavam em Genebra para viver de acordo com a
visão reformada da Palavra.
Sua influência foi consolidada por meio da academia que ele
fundou, que mais tarde se tornaria Universidade de Genebra. As
instituições educacionais foram nitidamente importante para ele.
Calvino promoveu a educação na escola secundária e insistiu sobre
a educação primária compulsória para meninos e meninas. Ele
também compreendia a relevância das instituições de caridade para
o bem-estar, não apenas dos totalmente indigentes e
desfavorecidos, mas de muitas vítimas dos eventos históricos de
seu tempo. [...]
Calvino revelava, frequentemente, uma sensibilidade para a
posição e necessidades do indivíduo no seio da sociedade,
sobretudo dos desprivilegiados e dos pobres, como comenta
Wallace:

Do púlpito ele muitas vezes saía de seu estilo para incitar a


consciência de seus ouvintes sobre seu dever para com os
desprovidos financeiramente ao seu redor. Quando ele pregava
sobre a proibição do Velho Testamento de despojar o devedor
pobre de um penhor insuportável por seu débito, ele falava em voz
alta que pode ser ouvida hoje como um reclamo de que nenhuma
sociedade deve privar qualquer homem da oportunidade de
trabalhar para o seu sustento (Wallace, 1990, p.123).

Os seres humanos são feitos à semelhança de Deus,


possuindo capacidades peculiares que o distinguem da criatura
animal ou vegetal. É isto o que importa para o seu valor peculiar e
que sempre tem inspiração a filantropia cristã. Assim, o fundamento
cristão para o cumprimento da obra social está no ensino bíblico
acerca do homem.
[...]

Conclusão
Este artigo procurou contribuir para uma compreensão melhor
do papel da atividade social cristã da Igreja na América Latina hoje,
tendo como propósito fornecer à Igreja contemporânea
ponderações que a ajudem a cumprir mais efetivamente sua missão
no contexto latino-americano.
É mister que os seguintes fatores bíblicos, teológicos e
históricos sejam reconhecidos e vistos como determinantes para o
cumprimento da missão da Igreja:

 Que o povo de Deus está investido de uma responsabilidade


ética especial em favor dos pobres. No Antigo Testamento, a
lembrança do povo de Deus como escravo no Egito era razão para
motivá-lo a mostrar misericórdia ao oprimido (Deuteronômio 24.14-
22; Levítico 19.15; Amós 2.6-7; Zacarias 7.9-10). Todos esses
ensinos a respeito do pobre fazem parte da Palavra de Deus. O
Antigo Testamento enfatiza que o Senhor requer justiça para os
pobres e julgará aqueles que os oprimem.
 Que o zelo de Deus pelo pobre no Antigo Testamento aparece
de modo coerente, dentro do contexto da justiça divina e da obra de
justiça no meio de seu povo. Assim, no enfoque bíblico, palavras
como “pobre”, “necessitado”, “oprimido”, “forasteiro” têm tipicamente
um conteúdo moral, relacionando-se às exigências de Deus por
justiça.
 Que a Igreja do Novo Testamento não se omite quanto à
obrigação de proceder com justiça na evangelização. A mensagem
do evangelho no Novo Testamento de modo algum reduz a
inspiração e a autoridade do Antigo Testamento. O Novo
Testamento intensifica as manifestações e as exigências da
revelação hebraica; de modo algum cancela a ordem de Deus por
justiça, caridade e amor. Ao contrário, ele requer uma nova
dinâmica e uma nova dimensão àquela instrução (vide Mateus 5-7;
Marcos 12.28-30); Lucas 10.30-37; 1 João 4.7-11).
 Que a missão da Igreja neste mundo é mais do que
proclamação verbal. É um serviço sacrificial para o qual Cristo envia
seus seguidores ao mundo, assim como o Pai o enviou (vide João
1.14; Filipenses 2.2-11; Marcos 10.44,45; Romanos 5.8).
 Que a obra social cristã está alicerçada sobre uma doutrina mais
abrangente de Deus, Cristo, o Reino de Deus, o homem e a Igreja.
Tanto no evangelismo como na responsabilidade social, os cristãos
devem discernir o próprio Deus como o fundamento para suas
ações. Ele criou os homens, e todos terão de prestar contas a ele
no dia do juízo. Ele é o Deus de justiça, que, em toda comunidade
humana, odeia o mal e ama a justiça (vide Salmo 11.4-7; 146.7-9).
 Que todos os empreendimentos missionários durante a história
da Igreja têm se preocupado e se envolvido com o que
denominamos responsabilidade social. Eles a têm visto como parte
de seu ministério de anunciar o evangelho. Além disso,
demonstraram o notável grau de consistência, ao longo da história,
com sua focalização sobre a educação, assistência social médica,
agricultura e várias espécies de soerguimento social dos membros
abandonados ou oprimidos da sociedade.

Muitas pessoas vêem a igreja como uma espécie de clube,


com a diferença de que o interesse de seus membros está voltado
para Deus e não para os seus próprios. São pessoas religiosas que
praticam atos religiosos em conjunto. Os membros de um clube
pagam suas mensalidades e têm direito aos privilégios dos
associados; muitos membros de Igreja também seguem este
exemplo. Dentro deste cenário, elas se esquecem da compreensão
bíblica da Igreja, como a única sociedade cooperativa que existe
para o benefício dos não-membros.
[...].

TEOLOGIA REFORMADA – Aula nº 11

OS CINCO PONTOS DO CALVINISMO


(Tradução livre e adaptada do livro The Five Points of Calvinism -
Defined, Defended, Documented, de David N. Steele e Curtis C. Thomas,
Partes I e II, [Presbyterian & Reformed Publishing Co, Phillipsburg, NJ,
USA.], feita por João Alves dos Santos)

I. A ORIGEM DOS “CINCO PONTOS”

A. O PROTESTO DO PARTIDO ARMINIANO, NA


HOLANDA
Os Cinco Pontos do Calvinismo tiveram sua origem a partir de um
protesto que os seguidores de James Arminius (um professor de seminário
holandês) apresentaram ao “Estado da Holanda” em 1610, um ano após a
morte de seu líder. O protesto consistia de “cinco artigos de fé”, baseados
nos ensinos de Armínio, e ficou conhecido na história como a
“Remonstrance” (Representação), ou seja, “O Protesto”. O partido
arminiano insistia que os símbolos oficiais de doutrina das Igrejas da
Holanda (Confissão Belga e Catecismo de Heidelberg) fossem mudados
para se conformar com os pontos de vista doutrinários contidos no Protesto.
As doutrinas às quais os arminianos fizeram objeção eram as relacionadas
com a soberania divina, a inabilidade humana, a eleição incondicional ou
predestinação, a redenção particular (ou expiação limitada), a graça
irresistível (chamada eficaz) e a perseverança dos santos. Essas são
doutrinas ensinadas nesses símbolos da Igreja Holandesa, e os arminianos
queriam que elas fossem revistas.

B. OS “CINCO PONTOS DO ARMINIANISMO”


Os cinco artigos de fé contidos na “Remonstrance” (Representação)
podem ser resumidos no seguinte:

 1. Deus elege ou reprova na base da fé prevista ou da incredulidade.


 2. Cristo morreu por todos os homens, em geral, e em favor de cada um, em
particular, embora somente os que crêem sejam salvos.
 3. Devido à depravação do homem, a graça divina é necessária para a fé ou
qualquer boa obra.
 4. Essa graça pode ser resistida.
 5. Se todos os que são verdadeiramente regenerados irão seguramente
perseverar na fé é um ponto que necessita de maior investigação.

Esse último ponto foi depois alterado para ensinar definitivamente a


possibilidade dos realmente regenerados perderem sua fé, e, por
conseguinte, a sua salvação. Todavia, nem todos os arminianos estão de
acordo, nesse ponto. Há muitos que acreditam que os verdadeiramente
regenerados não podem perder a salvação e estão eternamente salvos.

C. A BASE FILOSÓFICA DO ARMINIANISMO


Conforme expõe J. I. Packer (O “Antigo” Evangelho, pp. 5, 6) a
teologia contida nessa “Remonstrance” originou-se de dois princípios
filosóficos: primeiro, que a soberania de Deus é incompatível com a
liberdade humana, e, portanto, também com a responsabilidade humana;
em segundo lugar, que habilidade é algo que limita a obrigação...
Com bases nesses princípios, os arminianos extraíram duas
deduções: primeira, visto que a Bíblia considera a fé como um ato humano
livre e responsável, ela não pode ser causada por Deus, mas é exercida
independentemente dEle; segunda, visto que a Bíblia considera a fé como
obrigatória da parte de todos quantos ouvem o Evangelho, a capacidade de
crer deve ser universal. Portanto, eles afirmam, as Escrituras devem ser
interpretadas como ensinando as seguintes posições:

 1. O homem nunca é de tal modo corrompido pelo pecado que não possa
crer salvaticiamente (salvificamente) no Evangelho, uma vez que este lhe
seja apresentado;
 2. O homem nunca é de tal modo controlado por Deus que não possa
rejeitá-lo;
 3. A eleição divina daqueles que serão salvos alicerça-se sobre o fato da
previsão divina de que eles haverão de crer, por sua própria deliberação;
 4. A morte de Cristo não garantiu a salvação para ninguém, pois não
garantiu o dom da fé para ninguém (e nem mesmo existe tal dom); o que
ela fez foi criar a possibilidade de salvação para todo aquele que crê;
 5. Depende inteiramente dos crentes manterem-se em um estado de graça,
conservando a sua fé; aqueles que falham nesse ponto, desviam-se e se
perdem.

Dessa maneira, o arminianismo faz a salvação do indivíduo


depender, em última análise, do próprio homem, pois a fé salvadora é
encarada, do princípio ao fim, como obra do homem, pertencente ao
homem e nunca a Deus.

D. A REJEIÇÃO DO ARMINIANISMO PELO SÍNODO DE


DORT E A FORMULACÃO DOS CINCO PONTOS DO
CALVINISMO
Em 1618 foi convocado um Sínodo nacional para reunir-se em Dort,
a fim de examinar os pontos de vista de Armínio à luz das Escrituras. Essa
convocação foi feita pelos Estados Gerais da Holanda para o dia 13 de
novembro de 1618. Constou de 84 membros e 18 representantes seculares.
Entre esses estavam 27 delegados da Alemanha, Suíça, Inglaterra e de
outros países da Europa. Durante os sete meses de duração do Sínodo
houve 154 sessões para tratar desses artigos.
Após um exame minucioso e detalhado de cada ponto, feito pelos
maiores teólogos da época, representando a maioria das Igrejas Reformadas
da Europa, o Sínodo concluiu que, à luz do ensino claro das Escrituras,
esses artigos tinham que ser rejeitados como não bíblicos. Isso foi feito por
unanimidade. Não somente isso, mas o Concílio impôs censura eclesiástica
aos “remonstrantes”, - depondo-os de seus cargos, e a autoridade civil
(governo) os baniu do país por cerca de seis anos. Além de rejeitar os cinco
artigos de fé dos arminianos, o Sínodo formulou o ensino bíblico a respeito
desse assunto na forma de cinco capítulos que têm sido, desde então,
conhecidos como “os cinco pontos do Calvinismo”, pelo fato de Calvino
ter sido grande defensor e expositor desse assunto.
Embora cause estranheza a muitos essa posição, devido à mudança
teológica que as igrejas têm sofrido desde vários séculos, os reformadores
eram unânimes em condenar o arminianismo como uma heresia ou quase
isso. A salvação era vista como uma obra da graça de Deus, do começo ao
fim, sem qualquer contribuição do homem. Essa posição pode ser resumida
na seguinte proposição: Deus salva pecadores.

II. OS CINCO PONTOS DO ARMINIANISMO


CONTRASTADOS COM OS CINCO PONTOS DO CALVINISMO

1. LIVRE-ARBÍTRIO OU DEPRAVAÇÃO TOTAL


Livre-Arbítrio ou Habilidade Humana - Arminianismo: Embora
a natureza humana tenha sido seriamente afetada pela queda, o homem não
ficou reduzido a um estado de incapacidade total. Deus, graciosamente,
capacita todo e qualquer pecador a arrepender-se e crer, mas o faz sem
interferir na liberdade do homem. Todo pecador possui uma vontade livre
(livre arbítrio), e seu destino eterno depende do modo como ele usa esse
livre arbítrio. A liberdade do homem consiste em sua habilidade de
escolher entre o bem e o mal, em assuntos espirituais. Sua vontade não está
escravizada pela sua natureza pecaminosa.. O pecador tem o poder de
cooperar com o Espírito de Deus e ser regenerado ou resistir à graça de
Deus e perecer. O pecador perdido precisa da assistência do Espírito, mas
não precisa ser regenerado pelo Espírito antes de poder crer, pois a fé é um
ato deliberado do homem e precede o novo nascimento. A fé é o dom do
pecador a Deus, é a contribuição do homem para a salvação.
Depravação Total ou Incapacidade Total - Calvinismo: Devido à
queda, o homem é incapaz de, por si mesmo, crer de modo salvador no
Evangelho. O pecador está morto, cego e surdo para as coisas de Deus. Seu
coração é enganoso e desesperadamente corrupto. Sua vontade não é livre,
pois está escravizada à sua natureza má; por isso ele não irá - e não poderá
jamais - escolher o bem e não o mal em assuntos espirituais. Por
conseguinte, é preciso mais do que simples assistência do Espírito para se
trazer um pecador a Cristo. É preciso a regeneração, pela qual o Espírito
vivifica o pecador e lhe dá uma nova natureza. A fé não é algo que o
homem dá (contribui) para a salvação, mas é ela própria parte do dom
divino da salvação. É o dom de Deus para o pecador e não o dom do
pecador para Deus.
2. ELEIÇÃO CONDICIONAL OU ELEIÇÃO
INCONDICIONAL
Eleição Condicional - Arminianismo: A escolha divina de certos
indivíduos para a salvação, antes da fundação do mundo, foi baseada na
Sua previsão (presciência) de que eles responderiam à Sua chamada (fé
prevista). Deus selecionou apenas aqueles que Ele sabia que iriam,
livremente e por si mesmos, crer no Evangelho. A eleição, portanto, foi
determinada ou condicionada pelo que o homem iria fazer. A fé que Deus
previu e sobre a qual Ele baseou a Sua escolha não foi dada ao pecador por
Deus (não foi criada pelo poder regenerador do Espírito Santo), mas
resultou tão somente da vontade do homem. Foi deixado inteiramente ao
arbítrio do homem o decidir quem creria e, por conseguinte, quem seria
eleito para a salvação. Deus escolheu aqueles que Ele sabia que iriam, de
sua livre vontade, escolher a Cristo. Assim, a causa última da salvação não
é a escolha que Deus faz do pecador, mas a escolha que o pecador faz de
Cristo.
Eleição Incondicional - Calvinismo: A escolha divina de certos
indivíduos para a salvação, antes da fundação do mundo, repousou tão
somente na Sua soberana vontade. A escolha de determinados pecadores
feita por Deus não foi baseada em qualquer resposta ou obediência prevista
da parte destes, tal como fé ou arrependimento. Pelo contrário, é Deus
quem dá a fé e o arrependimento a cada pessoa a quem Ele escolheu. Esses
atos são o resultado e não a causa da escolha divina. A eleição, portanto,
não foi determinada nem condicionada por qualquer qualidade ou ato
previsto no homem. Aqueles a quem Deus soberanamente elegeu, Ele os
traz, através do poder do Espírito, a uma voluntária aceitação de Cristo.
Desta forma, a causa última da salvação não é a escolha que o pecador faz
de Cristo, mas a escolha que Deus faz do pecador.

3. EXPIAÇÃO GERAL OU EXPIAÇÃO LIMITADA


Redenção Universal ou Expiação Geral - Arminianismo: A obra
redentora de Cristo tornou possível a salvação de todos, mas na verdade
não assegurou a salvação de ninguém. Embora Cristo tenha morrido por
todos os homens, em geral, e em favor de cada um, em particular, somente
aqueles que crêem nEle são salvos. A morte de Cristo capacitou a Deus a
perdoar pecadores na condição de que creiam, mas na verdade não
removeu (expiou) o pecado de ninguém. A redenção de Cristo só se torna
efetiva se o homem escolhe aceitá-la.
Redenção Particular ou Expiação Limitada - Calvinismo: A obra
redentora de Cristo foi intencionada para salvar somente os eleitos e, de
fato, assegurou a salvação destes. Sua morte foi um sofrimento
substitucionário da penalidade do pecado no lugar de certos pecadores
específicos. Além de remover o pecado do Seu povo, a redenção de Cristo
assegurou tudo que é necessário para a sua salvação, incluindo a fé que os
une a Ele. O dom da fé é infalivelmente aplicado pelo Espírito a todos por
quem Cristo morreu, deste modo, garantindo a sua salvação.

4. POSSIBILIDADE DE SE RESISTIR À OBRA DO ESPIRITO


SANTO OU GRAÇA EFICAZ (IRRESISTÍVEL)
O Espírito Santo Pode Ser Eficazmente Resistido -
Arminianismo: O Espírito chama internamente todos aqueles que são
externamente chamados pelo convite do Evangelho. Ele faz tudo que pode
para trazer cada pecador à salvação. Sendo o homem livre, pode resistir de
modo efetivo a essa chamada do Espírito. O Espírito não pode regenerar o
pecador antes que ele creia. A fé (que é a contribuição do homem para a
salvação) precede e torna possível o novo nascimento. Desta forma, o livre
arbítrio limita o Espírito na aplicação da obra salvadora de Cristo. O
Espírito Santo só pode atrair a Cristo aqueles que O permitem atuar neles.
Até que o pecador responda, o Espírito não pode dar a vida. A graça de
Deus, portanto, não é invencível; ela pode ser, e de fato é, freqüentemente,
resistida e impedida pelo homem.
Chamado Irresistível ou Graça Eficaz - Calvinismo: Além da
chamada externa à salvação, que é feita de modo geral a todos que ouvem o
evangelho, o Espírito Santo estende aos eleitos uma chamada especial
interna, a qual inevitavelmente os traz à salvação. A chamada externa (que
é feita indistintamente a todos) pode ser, e, freqüentemente é, rejeitada; ao
passo que a chamada interna (que é feita somente aos eleitos) não pode ser
rejeitada. Ela sempre resulta na conversão. Por meio desta chamada
especial o Espírito atrai irresistivelmente pecadores a Cristo. Ele não é
limitado em Sua obra de aplicação da salvação pela vontade do homem,
nem depende, para o Seu sucesso, da cooperação humana. O Espírito
graciosamente leva o pecador eleito a cooperar, a crer, a arrepender-se, a
vir livre e voluntariamente a Cristo. A graça de Deus, portanto, é
invencível. Nunca deixa de resultar na salvação daqueles a quem ela é
estendida.

5. QUEDA DA GRAÇA OU PERSEVERANÇA DOS SANTOS


Cair Da Graça - Arminianismo: Aqueles que crêem e são
verdadeiramente salvos podem perder sua salvação por não guardar
(preservar) a sua fé. Nem todos os arminianos concordam com este ponto.
Alguns sustentam que os crentes estão eternamente seguros em Cristo; que
o pecador, uma vez regenerado, nunca pode perder a sua salvação.
Perseverança dos Santos - Calvinismo: Todos aqueles que são
escolhidos por Deus e a quem o Espírito concedeu a fé, são eternamente
salvos. Estes são mantidos na fé pelo poder do Deus Todo Poderoso e nela
perseveram até o fim.

Sumário dessas Posições:


De acordo com o Arminianismo: A salvação é realizada através da
combinação de esforços de Deus (que toma a iniciativa) e do homem (que
deve responder a essa iniciativa). A resposta do homem é o fator decisivo
(determinante). Deus tem providenciado salvação para todos, mas Sua
provisão só se torna efetiva (eficaz) para aqueles que, de sua própria e livre
vontade, “escolhem” cooperar com Ele e aceitar Sua oferta de graça. No
ponto crucial, a vontade do homem desempenha um papel decisivo. Desta
forma é o homem, e não Deus, que determina quem será o recipiente do
dom da salvação.

 Este era o sistema de doutrina apresentado na “Remonstrance”


(Representação) dos Arminianos e rejeitado pelo Sínodo de Dort em 1619,
por não ser considerado bíblico.

De acordo com o Calvinismo: A salvação é realizada pelo infinito


poder do Deus Triúno. O Pai escolheu um povo, o Filho morreu por ele e o
Espírito Santo torna a morte de Cristo eficaz para trazer os eleitos à fé e ao
arrependimento; desse modo, fazendo-os obedecer voluntariamente ao
evangelho. Todo o processo (eleição, redenção, regeneração, etc.) é obra de
Deus e é operado tão somente pela graça. Desta forma, Deus e não o
homem, determina quem serão os recipientes do dom da salvação.

 Este sistema de teologia foi reafirmado pelo Sínodo de Dort em 1619


como sendo a doutrina da salvação contida nas Escrituras Sagradas. É o
sistema apresentado na Confissão de Fé de Westminster e em todas as
Confissões Reformadas. Na época do Sínodo de Dort foi formulado em
“cinco pontos” (em resposta aos cinco pontos submetidos pelos arminianos
à Igreja da Holanda) e têm sido, desde então, conhecidos como “os cinco
pontos do Calvinismo”.

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