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Cálculo Diferencial e Integral

Limite de funções

Exercı́cio resolvido 2014

1. Mostre que
lim 2x2 + 5x + 3 = 1,
x→−2

isto é, mostre que para todo número  > 0, existe um número δ > 0 tal
que |2x2 + 5x + 3 − 1| <  sempre que |x − (−2)| < δ.

Solução detalhada:

Antes de tudo, vamos lembrar a definição geral de limite. Assim, dize-


mos que
lim f(x) = L
x→a

quando para qualquer número  > 0 (por menor que ele seja), sempre é
possı́vel encontrar um outro número δ > 0 (que depende do  dado) tal
que a “distância” entre f(x) e o limite L seja menor que o  dado, toda
vez que a “distância” entre a variável x e o número a para o qual tende
a variável for menor que o δ encontrado. Em sı́mbolos, expressamos
assim:
|f(x) − L| < , desde que |x − a| < δ.

Além disso, é importante lembrar (antes de resolver o exercı́cio) que:

(a) A definição de limite nos diz que este δ existe, mas não afirma que
ele é único. Em outras palavras, pode existir mais de um δ que
satisfaça a definição para um mesmo . Então, em termos práticos,
precisamos apenas encontrar um δ que satisfaça.
(b) Lembramos que a noção de “distância” é matematicamente repre-
sentada pelo conceito de módulo. Ou seja, dizer que a “distância”
entre a variável x e o número a é menor que δ, equivale a afirmar
que |x − a| < δ, como pode ser visto na Figura 1.

Figure 1: Distância entre x e a.

Cálculo Diferencial e Integral Limite 1


Exercı́cio resolvido

Agora, vamos à resolução! Para resolver um exercı́cio como este, deve-


mos seguir as seguintes etapas:

Etapa 1) Começar pela expressão |f(x) − L| (lembre que tanto f(x) quanto L
foram dados. No caso deste exercı́cio, f(x) = 2x2 + 5x + 3 e L = 1).
Etapa 2) Manipular a expressão |f(x) − L| acima até conseguir transformá-la
em uma expressão equivalente, ou seja, até que “apareça” algo do
tipo |x − a| < (...). Dessa forma, o “(...)” será o nosso candidato ao
δ.

Para cumprir a Etapa 1 acima, fazemos:

|f(x) − L| = |2x2 + 5x + 3 − 1| = |2x2 + 5x + 2|.

Agora, para cumprir a Etapa 2, precisamos manipular a expressão

|2x2 + 5x + 2|

iniciando por fatorá-la. Neste caso, temos um polinômio de grau dois.


Então, lembramos que se x1 e x2 são as raı́zes da equação ax2 +bx+c = 0,
então podemos escrever o polinômio na forma fatorada como

ax2 + bx + c = a(x − x1 )(x − x2 ).

No caso do exercı́cio, o polinômio é 2x2 + 5x + 2. Logo as raı́zes da


equação 2x2 + 5x + 2 = 0 são x1 = −2 e x2 = − 21 (verifique isto usando
a fórmula de Báskara). Logo, a forma fatorada do nosso polinômio é

1
2x2 + 5x + 2 = 2(x + 2)(x + ).
2
Com isto, podemos reescrever nossa expresão em módulo como

1
|2x2 + 5x + 2| = |2(x + 2)(x + )|.
2
Para seguir adiante, vamos lembrar que o módulo de um produto é
igual ao produtos dos módulos, isto é, |x · y| = |x| · |y|. Logo a expressão
acima, pode ser reescrita como

1 1
|2(x + 2)(x + )| = |2| · |x + 2| · |x + |.
2 2
Mas, |2| = 2 e, além disso, lembre que queremos fazer “aparecer” algo
do tipo |x − a| que, no caso deste exercı́cio é, |x − (−2)|, uma vez que
a = −2 é o valor para o qual a variável esta tendendo no limite. Portanto,
podemos reescrever a expressão acima como

1 1
|2| · |x + 2| · |(x + )| = 2 · |x − (−2)| · |x + |.
2 2
Em resumo, até agora temos que

1
|f(x) − L| = |2x2 + 5x + 2| = 2 · |x − (−2)| · |x + |.
2
Observe que até agora não “apareceu” nenhuma desigualdade “<”.
Então, o próximo passa é muito importante, pois é através dele que

Cálculo Diferencial e Integral Limite 2


Exercı́cio resolvido

conseguiremos fazer com que “apareça” a desigualdade do tipo que


queremos, isto é,
|x − a| = |x − (−2)| < (...)
Para isto, o ponto crucial é estimar um intervalo conveniente onde a
variável x possa estar próxima do valor a = −2. Desta forma, é sempre
convevinete escolher o valor 1 (um) como limitante, ou seja, escrevemos

|x − (−2)| < 1.

Por que escolher assim? Esta escolha é justificada pelo seguinte fato:
como queremos um δ tal que x esteja muito próximo de −2 (por exemplo,
δ = 0.0006), então, com toda certeza a “distância” entre x e −2 será
sempre (muito!) menor do que 1 (um). Isto é, |x − (−2)| < 1. Na
verdade, esta escolha inicial |x − (−2)| < 1 é um primeiro “exagero
conveniente” que fazemos para nos aproximarmos do δ que queremos
(em função do  dado).

Agora, é muito importante observar que na expressão


1
2 · |x − (−2)| · |x + |
2
queremos, em certo sentido, “nos ver livres”, tanto do número “2”,
quanto do módulo |x + 21 | de modo a ficar somente com o |x − (−2)|
“puro” e, então, podermos estimar o nosso δ. Para fazer isto, precisamos
entender quais as consequências de escolher (inicialmente) |x − (−2)| <
1. Assim, quanto ao número 2 que aparece acima não temos com que nos
preocupar, pois é uma constante (multiplicativa). Agora, a expressão
“nos ver livres” do módulo |x + 12 | significa substituı́-lo por um número
M (M de majorante) para o qual tenhamos a certeza que
1
|x + | < M
2
para todo valor de x que esteja restrito àquela condição inicial que
escolhemos, isto é, |x − (−2)| < 1. Logo, para descobrir qual é este
M, vamos lembrar a seguinte propriedade dos módulos: dizer que
|x − a| < b significa dizer que

−b < x − a < b.

Ou ainda (somando a às três partes da desigualdade acima), isto é o


mesmo que dizer
a − b < x < a + b.
Observe que para o nosso exemplo |x − (−2)| < 1, temos a = −2 e b = 1.
Logo |x − (−2)| < 1 equivale a

−1 < x − (−2) < 1

que, por sua vez (somando −2 às três partes da desigualdade), equivale
a dizer que
−3 < x < −1.
Por que fizemos isto? Fizemos para descobrir a variação “pura” em x,
a partir da qual podemos encontrar o número M que majora o módulo
|x + 21 |. Para ver isto, basta somar o valor 21 à desigualdade acima:

Cálculo Diferencial e Integral Limite 3


Exercı́cio resolvido

1 1 1
−3 + < x + < −1 + .
2 2 2
Ou seja,
5 1 1
− <x+ <− .
2 2 2
Agora, note que na desigualade acima ainda não aparece |x + 21 | (dentro
do módulo), mas apenas x + 21 .

Assim, para entender como introduzir o módulo nesta expressão e poder


encontrar seu majorante M, observe a Figura 2. Nela temos represen-
tado em vermelho o intervalo correspondente à variação “pura” em
x, isto é −3 < x < −1. Por sua vez, temos representado em verde o
intervalo correspondente à variação em x + 12 , isto é − 52 < x + 21 < − 21 .

Figure 2:

Então, observe que em módulo (ou em valor absoluto) o maior valor


que a expressão |x + 12 | pode alcançar é M = 25 . De fato, os extremos do
intervalo verde são − 25 e − 12 (onde, − 25 < − 12 ). Entretanto, em valores
absolutos (ou em módulo) temos que
5 5 1 1
| − | = > = | − |.
2 2 2 2
Assim, concluı́mos que (em módulo) temos
1 5
|x + | < .
2 2
E o que fazemos com esta informação? Para entender isto, vamos re-
sumir o que temos feito. Até agora vimos que podemos escrever:
1
|f(x) − L| = 2 · |x − (−2)| · |x + |.
2
Assim, com a informação que acabamos de obter, isto é, |x + 12 | < 25 ,
podemos introduzir uma desigualdade na expressão acima trocando
|x + 12 | pelo seu majorante 52 e escrevendo:
5
|f(x) − L| < 2 · |x − (−2)| ·
2
onde (“cancelando” o 2) obtemos a seguinte importante desigualdade:

|f(x) − L| < |x − (−2)| · 5

E agora? Agora, como a escolha do  é arbitrária, podemos escolher 


tal que |x − (−2)| · 5 < . Isto fará com que a desigualdade acima possa
ser escrita como
|f(x) − L| < |x − (−2)| · 5 < .

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Exercı́cio resolvido

Desta forma, a condição |x − (−2)| · 5 <  nos leva naturalmente à



|x − (−2)| <
5
que é a expressão da forma |x − a| = |x − (−2)| < (...) que procurávamos!

Portanto, dado um  > 0, tomamos δ como sendo o menor entre estas


duas possibilidades: 1 ou 5 . Expressamos isto assim:


δ = min 1, .
5
Mas, por que isto? Para entender porque, vamos analisar as duas pos-
sibilidades:

• Se escolhermos arbitrariamente um  “grande”, isto é,  > 5, então



5 > 1 e, neste caso, tomamos δ = 1 o que nos leva a hipótese que
|x − (−2)| < 1. Assim temos,

|f(x) − L| < |x − (−2)| · 5 < 5

e isto satisfaz a definição, pois lembre que estamos tomando  > 5.


• Por outro lado, se escolhermos arbitrariamente um  “pequeno”,
isto é,  < 5, então 5 < 1 e, neste caso, tomamos δ = 5 o que nos
leva a hipótese que |x − (−2)| < 5 . Assim temos,

|f(x) − L| < |x − (−2)| · 5 < · 5 = .
5

Assim, observe que em qualquer


 dos dois casos, dado  qualquer, se

tomarmos |x − (−2)| < δ = min 1, 5 , então teremos |f(x) − L| < . E
isto resolve o exercı́cio.
Observação final

Se, por exemplo, tomarmos  = 0.004 (note que, neste caso,  = 0.004 <
5), então o delta correspondente será

 0.004
δ= = = 0.0008.
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