Você está na página 1de 22

Funções reais de variável real: limite e continuidade

x
1 2 3 4 5

Maria Luı́sa Morgado

Departamento de Matemática, Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de


Trás-os-Montes e Alto Douro
1/1
Seja a um número real e ε um real positivo. Chamamos vizinhança
ε do ponto a, e denota-se por Vε (a), ao conjunto formado por todos
os números reais cuja distância ao ponto a é inferior a ε:

Vε (a) = {x ∈ R : |x − a| < ε} .

Diz-se que a é um ponto de acumulação de um conjunto X ⊂ R sse


qualquer vizinhança de a tem pelo menos um elemento de X distinto
do ponto a, i.e.:

∀ε > 0 Vε (a) ∩ (X\{a}) 6= ∅.

Um ponto que não seja ponto de acumulação diz-se ponto isolado.

2/1
L IMITE DE UMA FUNÇ ÃO NUM PONTO
Seja f uma f.r.v.r. e a um ponto de acumulação de Df . Diz-se que o
limite de f quando x tende para a é b, e escreve-se lim f (x) = b, sse
x→a
∀x ∈ Df :

∀ε > 0 ∃δ > 0 : 0 < |x − a| < δ ⇒ |f (x) − b| < ε.

Mostremos que a função  


1 |x|
ψ(x) = +1
2 x
não tem limite quando x → 0.
De facto, se tivéssemos lim ψ(x) = b, sendo b um número real qualquer, então dado um ε
x→0
arbitrário, por exemplo, ε = 12 , deveria existir um δ > 0 e x 6= 0 tal que

1
|x| < δ ⇒ |ψ(x) − b| < .
2

1
ε
e ψ − ε2 − b < 12 , donde resulta
 
Em particular: ψ 2
−b < 2
3/1
          
δ δ δ δ
ψ −ψ − = ψ −b + b−ψ −
2 2 2 2
     
δ δ 1 1
≤ ψ −b + ψ − −b < + =1
2 2 2 2
   
δ
o que é absurdo pois ψ 2
= 1 e ψ − δ2 = 0 e portanto

   
δ δ
ψ −ψ − = 1.
2 2

Nota: Como ilustrado neste exemplo, podemos calcular o limite de uma função num ponto a
mesmo que a ∈/ Df , uma vez que na definição apenas se exige que 0 < |x − a|.

4/1
Exemplo
x
Provemos que sendo g(x) = 3 + 4, se tem lim g(x) = 5.
x→3
Dado um ε > 0 arbitrário, o que pretendemos mostrar é que existe um
δ > 0 tal que se 0 < |x − 3| < ε então |g(x) − 5| < ε.
Ora como
x x
|g(x) − 5| < ε ⇔ +4−5 <ε⇔ −1 <ε
3 3
x−3
< ε ⇔ |x − 3| < 3ε,
3

então, dado um ε arbitrário, existirá sempre um δ > 0 satisfazendo a


condição acima (basta escolher, p.e., δ = 3ε para obtermos o
pretendido).

5/1
Se uma f.r.v.r f (x) tem limite quando x → a, então esse limite é único.

Dem.: Suponhamos que lim f (x) = b1 e lim f (x) = b2 com b1 6= b2 . Suponhamos ainda, sem
x→a x→a
1
perda de generalidade, que b1 < b2 . Seja ε tal que 0 < ε < (b2 − b1 ). Assim sendo, os
2
intervalos ]b1 − ε, b1 + ε[ e ]b2 − ε, b2 + ε[ são disjuntos.
Como lim f (x) = b1 então terá que existir um δ1 > 0 tal que se x ∈ ]a − δ1 , a + δ1 [ então
x→a
f (x) ∈ ]b1 − ε, b1 + ε[.
E porque lim f (x) = b2 então existirá um δ2 > 0 tal que se x ∈ ]a − δ2 , a + δ2 [ então
x→a
f (x) ∈ ]b2 − ε, b2 + ε[.
Tomando δ = min {δ1 , δ2 } tem-se

x ∈ ]a − δ, a + δ[ ⇒ f (x) ∈ ]b1 − ε, b1 + ε[ ∧ f (x) ∈ ]b2 − ε, b2 + ε[ ,

o que é absurdo uma vez que estes dois intervalos são disjuntos.
Teremos então que ter b1 = b2 .

6/1
Se f (x) = mx + b, m, b ∈ R então lim f (x) = ma + b.
x→a

Dem.: Temos que mostrar que a seguinte proposição é verdadeira:

∀ε > 0∃δ > 0 : 0 < |x − a| < δ ⇒ |mx + b − (ma + b)| < ε.

Ora

|mx + b − (ma + b)| < ε ⇔ |mx + b − ma − b)| < ε


⇔ |m||x − a| < ε
ε
⇔ |x − a| < .
|m|
ε
Logo, na proposição acima basta tomar δ = |m| .

7/1
Sejam f (x) e g(x) duas f.r.v.r. para as quais existe limite no ponto
x = a. Então:

lim (f (x) ± g(x)) = lim f (x) ± lim g(x);


x→a x→a x→a
  
lim (f (x)g(x)) = lim f (x) lim g(x) ;
x→a x→a x→a
f (x) lim f (x)
x→a
lim = desde que lim g(x) 6= 0;
lim g(x) ,
x→a g(x) x→a x→a
n

lim (f (x))n = lim f (x) , ∀n ∈ N.
x→a x→a

Exemplo

x2 − 2 x2 − 2
   
lim 2x − = lim (2x) − lim
x→1 x4 + 1 x→1 x→1 x4 + 1
lim (x2 − 2)
x→1 −1 5
= lim (2x) − =2− = .
x→1 lim (x4 + 1) 2 2
x→1
8/1
Se f é uma função polinomial, então lim f (x) = f (a).
x→a

Se f é uma função racional e a ∈ Df , então lim f (x) = f (a).


x→a

q q
n
lim f (x) = n lim f (x),
x→a x→a

desde que lim f (x) ≥ 0 quando n é par.


x→a

m
 m
n
lim (f (x)) n = lim f (x) , m, n ∈ N
x→a x→a

desde que lim (f (x))m ≥ 0 quando n é par.


x→a

9/1
Se f (x) ≤ g(x) ≤ h(x) para todo o x num intervalo aberto contendo
a, excepto possivelmente em a, e se lim f (x) = lim h(x) = b então
x→a x→a
lim g(x) = b.
x→a

Exemplo
 
Mostremos que lim x sin x1 = 0.
x→0
Ora, ∀x ∈ R\{0} temos:

1 1
−1 ≤ sin ≤ 1 ⇔ −x ≤ x sin ≤ x .
x |{z} x |{z}
f (x)
| {z } h(x)
g(x)

Como

lim f (x) = 0
x→0
lim h(x) = 0,
x→0

então, pelo resultado anterior teremos lim g(x) = 0.


x→0
10 / 1
No wxMaxima, podemos calcular este limite, executando a instrução:
limit(x*sin(1/x), x, 0)

Em alternativa, podemos seleccionar no menu ’Calculus’ e depois


’Find Limit’.

11 / 1
Diz-se que o limite de f (x) quando x tende para a por valores superiores a a é b, ou que b é o
limite lateral direito de f (x) quando x tende para a, e escreve-se lim f (x) = b, sse
x→a+

∀ε > 0∃δ > 0 : ∀x ∈ Df a < x < a + δ ⇒ |f (x) − b| < ε.

Do mesmo modo, diz-se que o limite de f (x) quando x tende para a por valores inferiores
a a é b, ou que b é o limite lateral esquerdo de f (x) quando x tende para a, e escreve-se
lim f (x) = b, sse
x→a−

∀ε > 0∃δ > 0 : ∀x ∈ Df a − δ < x < a ⇒ |f (x) − b| < ε.

Exemplo
A função de Heaviside é a f.r.v.r. definida por

0, x < 0;
H(x) =
1, x > 0.

Os seus limites laterais quando x tende para zero são

lim H(x) = 1 e lim H(x) = 0.


x→0+ x→0−

12 / 1
É condição necessária e suficiente para que exista lim f (x) que existam e sejam iguais os
x→a
limites laterais lim f (x) e lim f (x).
x→a+ x→a−

Condição
1 necessária: 
2 Suficiente: Suponhamos que lim f (x) = lim f (x) = b, i.e.
x→a+ x→a−

∀ε > 0∃δ1 > 0 : ∀x ∈ Df a < x < a + δ1 ⇒ |f (x) − b| < ε


∀ε > 0∃δ2 > 0 : ∀x ∈ Df a − δ2 < x < a ⇒ |f (x) − b| < ε.

Sendo δ = min {δ1 , δ2 } tem-se

∀ε > 0∃δ > 0 : ∀x ∈ Df a<x<a+δ ⇒ |f (x) − b| < ε


∀ε > 0∃δ > 0 : ∀x ∈ Df a−δ <x<a ⇒ |f (x) − b| < ε,

ou seja
∀ε > 0∃δ > 0 : ∀x ∈ Df a − δ < x < a + δ ⇒ |f (x) − b| < ε,

i.e. lim f (x) = b.


x→a

13 / 1
Exemplo
A função f (x) = e1/x não tem limite em x = 0, uma vez que os seus
limites laterais nesse ponto são diferentes.
No wxMaxima, usamos o seguinte comando para calcular o limite
lateral esquerdo
limit(exp(1/x), x, 0, minus)

e o comando abaixo para calcular o limite lateral direito


limit(exp(1/x), x, 0, plus)

 Experimente ver o que acontecia se no wxMaxima tentasse


determinar o lim f (x), através do comando
x→0

limit(exp(1/x), x, 0)

14 / 1
Exemplo
A função de Heaviside H(x) não tem limite quando x tende para zero pois tal como vimos, os
seus limites laterais são diferentes.

1
lim f (x) = b ⇔ ∀ε > 0∃δ > 0 ∀x > δ
⇒ |f (x) − b| < ε;
x→+∞

lim f (x) = b ⇔ ∀ε > 0∃δ > 0 ∀x < − δ1 ⇒ |f (x) − b| < ε;


x→−∞
1
lim f (x) = +∞ ⇔ ∀ε > 0∃δ > 0 ∀0 < |x − a| < δ ⇒ f (x) > ε
;
x→a

lim f (x) = −∞ ⇔ ∀ε > 0∃δ > 0 ∀0 < |x − a| < δ ⇒ f (x) < − ε1 ;


x→a
1 1
lim f (x) = +∞ ⇔ ∀ε > 0∃δ > 0 ∀x > δ
⇒ f (x) > ε
;
x→+∞
1
lim f (x) = −∞ ⇔ ∀ε > 0∃δ > 0 ∀x > δ
⇒ f (x) < − ε1 ;
x→+∞

lim f (x) = +∞ ⇔ ∀ε > 0∃δ > 0 ∀x < − δ1 ⇒ f (x) > 1


ε
;
x→−∞

lim f (x) = −∞ ⇔ ∀ε > 0∃δ > 0 ∀x < − δ1 ⇒ f (x) < − ε1 .


x→−∞

15 / 1
C ONTINUIDADE
Seja f uma f.r.v.r.
Diz-se que f é contı́nua num ponto a ∈ Df sse
1 f está definida numa vizinhança do ponto a;
2 existe lim f (x);
x→a
3 lim f (x) = f (a).
x→a
ou equivalentemente

∀ε > 0∃δ > 0 : |x − a| < δ ⇒ |f (x) − f (a)| < ε.

Exemplo
A função de Heaviside não é contı́nua em x = 0 pois, tal como vimos,
não existe limite da função nesse ponto.

16 / 1
Diz-se que f é contı́nua à esquerda de um ponto a ∈ Df sse

lim f (x) = f (a).


x→a−

Do mesmo modo, diz-se que f é contı́nua à direita de um ponto


a ∈ Df sse
lim f (x) = f (a).
x→a+

Uma função diz-se contı́nua no intervalo fechado [a, b] sse f é


contı́nua em todos os pontos do intervalo ]a, b[ e se

lim f (x) = f (a) e lim f (x) = f (b).


x→a+ x→b−

17 / 1
Se as funções f e g são contı́nuas em a, então também o são as
funções:

f
f + g, f − g, fg e , desde que g(a) 6= 0.
g

Dem.: Faremos apenas a demonstração da continuidade de f + g.


As restantes provas seguem o mesmo raciocı́nio e são deixadas para exercı́cio.
Queremos então mostrar que existe limite de f + g quando x → a e que
lim (f + g)(x) = (f + g)(a).
x→a

Sendo f e g funções contı́nuas em a, então

lim f (x) = f (a)


x→a
lim g(x) = g(a)
x→a

pelo que

lim [(f + g)(x)] = lim [f (x) + g(x)] = lim f (x) + lim g(x) = f (a) + g(a) = (f + g)(a).
x→a x→a x→a x→a

18 / 1
Consequências deste resultado:
Uma função polinomial é contı́nua em R;
Uma função racional é contı́nua em todo o seu domı́nio.
Se f é uma função contı́nua em b e se lim g(x) = b, então
x→a
 
lim f (g(x)) = f lim g(x) = f (b).
x→a x→a
Dem.: Pretendemos mostrar que
∀ ε > 0 ∃ δ > 0 : ∀x ∈ Df ◦g 0 < |x − a| < δ ⇒ |(f ◦ g)(x) − f (b)| < ε.
Como f é contı́nua em b, existe δ1 > 0 tal que se |y − b| < δ1 então |f (y) − f (b)| < ε. Em
particular, para y = g(x) tem-se
|g(x) − b| < δ1 ⇒ |f (g(x)) − f (b)| < ε. (1)
Por outro lado, como lim g(x) = b então existe δ2 > 0 tal que
x→a

0 < |x − a| < δ2 ⇒ |g(x) − b| < δ1 . (2)


De (??) e (??) resulta então
∀ ε > 0 ∃ δ2 > 0 : 0 < |x − a| < δ2 ⇒ |f (g(x)) − f (b)| < ε ⇔ lim f (g(x)) = f (b).
x→a

19 / 1
Como consequência do resultado anterior temos que:

Se as funções g e f são contı́nuas em a e b = g(a), respectivamente,


então a função (f ◦ g) é contı́nua em a.
 
Dem.: lim f (g(x)) = f lim g(x) = f (g(a)) = (f ◦ g)(a).
x→a x→a

O resultado que se segue é conhecido como o teorema do valor


intermédio.

Seja f uma função contı́nua em [a, b] e k um real estritamente com-


preendido entre f (a) e f (b), f (a) 6= f (b). Então existe pelo menos um
real c ∈]a, b[ tal que f (c) = k.

20 / 1
Um caso particularmente importante é dado quando k = 0 (teorema
de Bolzano).
Exemplo
Mostremos que a função f (x) = x ln x − 1 tem uma raı́z no intervalo
]1, 2[.

Ora como f é uma função contı́nua no intervalo [1, 2] (porquê?) e como

f (1) = −1 < 0 e f (2) = 2 ln 2 − 1 ' 0.39 > 0

então pelo teorema do valor intermédio, existe um c ∈]1, 2[ tal que


f (c) = 0.

21 / 1
T EOREMA DE W EIERSTRASS

Qualquer função contı́nua num intervalo limitado, fechado e não


vazio tem máximo e mı́nimo nesse intervalo.

Isto significa que sendo f uma função contı́nua num intervalo I = [a, b], então existe
xmin , xmax ∈ I tal que para todo o x ∈ I se tem f (xmin ) ≤ f (x) e f (xmax ) ≥ f (x).
A xmin e xmax dão-se os nomes de ponto de mı́nimo e ponto de máximo, respectivamente, de f
em I.
A m = f (xmin ) e M = f (xmax ) dão-se os nomes de mı́nimo e máximo, respectivamente, de f em
I.

Exemplo
A função f (x) = xex − 1 tem máximo e mı́nimo no intervalo I = [0, 1] uma vez que f é contı́nua
no intervalo I (porquê?) que é um intervalo limitado e fechado.

22 / 1

Você também pode gostar