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T R A T A D O

DA"

e d u c a ç a õ f y s i c a

D O S M E N I N O S ,
P A R A U S O
A D A

N A Q A Õ P O R T U G U E Z A ,

P U B L I C A D O P O R O R D E M
D A

A G A D E M I A R E A L DAS SC1ENCIAS.
POR F R A N C I S C O J O S É DE A L M E I D A ,

Correfpondente do Número da mefma Academia , c


da Sociedade Real dc Medicina de Pariz.
• -V. IV (J

L I S B O A
NA OFFICINA DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS.
M. D. CC.XCI.
Com licença da Renl Meza da Ccmmipio Geral fobre o
me , i Cenjura dos .Livros.
P R E F A C I O .

A Inda que hum pequeno folheto como tao interef-


fcinte _ excufe prefacio , e per fi mefnio je infinue :
todavia bom he acautelar o público a nao efperar
novidades tf bum a Memoria dirigida fó a corregir a-
bufos , e que feria mefnio defneceffaria fe os homens
Je deixajfem ir d defer ipçao da natureza. Mas hoje
as idêas naturaes Jobre educaçaÕ fyjica eftaô de tal
jpiodo confundidas , que ainda as pejo as dc bom fenfo
recorrem aos Médicos para poderem dijiinguir a ver-
dade d?entre as práticas abufivas.
Por tanto havendo laõ poucos e-fritos na lingua
materna jobre o verdadeiro mel bodo de criar os W--
ninos , pareceo-mr duro guardar coramigo por mais tem-
po algumas reflexões , que examinadas a luz- da expe-
rt ene i a , efavaõ ef palhadas nos meus diários , e fó pre-
cif ay ao de ordem , e correcção. Mas em quanto me dava
a limar os meus apontamentos cont todo o cuidado de
que eu f ou capaz , pefavaõ muito jobre mim os erros
que fe praticavaõ no tratamento dos mijeraveis in-
nocentes. Tinha-me por complice em fuás" mortes , fe
pelo efcrupulo de polir exprejsões , demorava hum ef
cri to tendente a reformar a bufos de tanta monta , c
por defdita no f f a tao arreigados,
Ora he de notar que cu nao efrevo para infruir
Medicos , nem perfuadir o povo , intento fim faliar d
razão das pefjoas fe ufa tas , a quem depois cumpre der-
ramar pelas entras as doclrinas que podem Jer mte-
reffantes ao público,
lacs faõ, a meu ver, as que fe contém na pre
fen te Memoria , cuja difribui^aÕ fe nao he a mais ele-
gante , ao menos he a mais natural, pois que osJeus
artigos aceedemfe buns ao? outros na mejma ordem ,
,m aue íe aprezentao as ne enfilades do recem-nafcido.
As rear as faõ poucas e ftmpleces , mas com tudo efta
fínplifidads de preceitos , que he evidente a toda a
razao defoccupada de preocupações, eft at ao confundida,
com erros , * caprichos, que buma verdade de primei-
ra intui cio tordou-fe tbeorema demonjiravel cujas
provas le faÕ proporcionadas d razao das pejjoas de
letras , nao Je compadecem com a da maior parte das
Mãis. c
Eis-anui porque , querendo aBr anger o maior nu-
mero de Leitores pofível, ajuntei aos meus eleme»
tos de educaçaõ fyzica hum manual, aonde je achao
de/embaraçadas de raciocínios as regras mais impor-
tantes , fáceis de retêr, * que dever t ao decorar to-
das as mulheres que fe achao próximas ao refpeita-
•vel minijlerio de Mais.

IN-
T R A T A D O
DA

E D U C A Ç A Õ F Y S I C A .
A R T I G O
EXT RAH IDO DAS A C T A S
D A

A C A D E M I A R E A L DAS SCIENCIAS.
Da Sefsão de 18 de Maio de 1790.

T \ Etermini a Academia, que o Tratado da Edu-


X / cacao Fyfica para ufo da Naçaõ Portugueza ,
que lhe apprefentou o feu Correspondente do Número
Francijco Jofé de Almeida , o qual foi julgado pelos
Socios a quem fe commetteo o feu exame , mui digno
de fer publicado, feja em confequencia da informaçao ,
que elles deraõ, impreffo dfua cufta, £ debaixo do feu
prmkstQ. ^ k •

Franciíco de Borja Garçaô Stockier»


Viçc-Sccmario da Academia.

PRE-
T R A T A D O
D A

E D U C A Ç Ã O F Y S I C A
DOS M E N I N O S ,
P A R A USO
D A

N A Ç A Õ P O R T U G U E Z A

I N T R O D U C Ç A Õ .

Das cautelas que fe requerem no tempo da prenhez.

A R A bem acautelarmos o tratamento pro-


prio das mulheres prenhes, he precifo con-
íiderar primeiro a revolução que fe páíTa
neíte período , eíFeito do admiravel myfterio
da geraçaõ. #
Apenas o útero fe fecunda , huma efpecie de irri-
taçaó confiante chama para alli maior affluxo de hu-
mores j o fangue, que antes do defenvolvimento dos
genitaes fe abiòrvia neíle miniílerio, e depois fobejan-
do era periodicamente evacuado ; agora fe accumula,
nutre o feto , e engroíía as paredes da matriz, a qual
chega por degráos a huma prodigiofa diítenfaó, pu-
xa pelos nervos , comprime os valos adjacentes, def-
airanja os inteílinos , e eleva o eílomago.
Logo todos os incommodos , que vem em con-
A fe-
I TRATADO DA E D U C A Ç A Ô FYSIGA.
fequencia da prenhez, devem reduzirfe a diverfas mo-
dificações do fyftema nervofo, a encalhes" de circula-
ç ã o , e oppreflaó de entranhas.
Se as mulheres de hoje foliem, como eraõ as nof-
fas antigas Luíitanas , fortes , e laboriofas , paflariaõ
por todo o tempo da prenhez , fem akeraçaõ attendi-
vel em feus temperamentos , e efcufariaó cautelas, nem
preceitos para liuma revolução taõ natural. Eu naò
quero dizer, que a matriz fccuncr&da naò padeça huma
inflammaçaõ , donde fe feguem effeitos ás vezes gravif-
limos , e de que fempre fe refente o fyftema nervo-
fo ; porém como efta modifica çaõ procede mui lenta-
mente , fó pode fer eftranha a peíToas debeis, em tan-
to que apenas he fenfivel ás mulheres robuftas.
Mas depois que o luxo efcoltado de todos os vi-
d o s corrompeo a nofla gente , taõbem as mulheres per-
derão o feu antigo vigor , tornando-fe de a v i v a s , íans,
e induftriofas huns individuos debeis, ,e valetudinários.
E fe o exercício > e o trabalho fortiíicaõ os nervos ,
e daõ tom aos folidos > que fe pôde efperar das nof-
fas Damas amollecidas com o o c i o , opprimidas com
efpartilhos, cançadas de v i g i l i a s , e contaminadas de
contágios herdados de feus maiores, que por defgraça
degeneráraõ tanto d'aquelles primeiros L u f o s , que vi-
vêratf huma vida parca, mas l o n g a , e vigorofa ? E m
taõ infeliz eftado precifanftnte ha de fer hum periodo
melindroíò o tempo da prenhez, quando os nervos ef-
taõ em tanta frouxidão, que as mais leves alterações da
atmosfera tem confideravel influencia fobre complei-
ções taõ fracas.
A cada paíto encontramos mulheres deimaiadas ,
e opprimidas de convulsões, epilepfia , dores violentas
de cabeça , anciedade, vomitos , fupprefsões de menf-
truos , e a caufa de taõ horrorofo apparato foi ás vezes
huma noticia deíagradavel, huma teprefentaçaõ tnile^
hum fobrefalto, ou o cheiro de huma flor 1 E m huma
par

pi • p gj I
D O S M E N I N O S ."AS
palavra a mais leve impreífaó vai entender com os ner-
vos deite delicado fexo.
Por tanto as Mais que dezejaó paíTar fem molef-
tia o intervallo da prenhez, e ver na fua prole huma
vegetaçaó florecente devem ter as cautelas que vamos
apontar, e tendem a remover os incommodos neceílarios
deita modificaqaõ do útero. Pois fendo certo que os ner-
vos da matriz padecem com a fua fecundaçaó , e que
eíte padecimento fe fropaga a todo o fyítema nervolo,
induz convulsóes , e outros males communs á M ã i ,
e ao filho ; e que á proporqaó da debilidade da conf-
tituiçaó elles crefcem, e fe aggravaõ i o primeiro cui-
dado deve fer , que as Mais íèjaô robuítas ; em con-
formidade do que reprehendemos o coítume geralmen-
te admitido , e que fendo talvez origem ^nuitas ve-
zes de eíterilidade de ambos os fexos, influe pelo me-
nos muito na robuítez da prole ; e vem a f e r , contra-
hirem-fe efpoforios alues de eítar acabado o crefcimen-
to do corpo j nem completas as fuas ultimas dimen-
sões ; quando he certo que fó de Mais vigorofas naf-
cem crianças fadias , e fortes. Neíte erro cahem prin-
cipalmente"' as peíToas de certa ordem , confummando os
feus conforcios apenas apontaõ os primeiros finaés da
menítruaçao ; fem advertir que muitas vezes a textura
particular do útero débil, e laxa he caufa de menftruos
imtempeítivos. A experiencia confirma tanto eíta ver-
dade , que pelo commum as mulheres do campo menf-
truaÓ-fe mais tarde: e nos climas quentes , aonde a
conftituiçao geral do fexo he mui frouxa 3 as menítrua-
çóes anticipaô-fe muito.
Naó he pois de admirar que os filhos do luxo
fejaó definhados , e valetudinários, nafeendo de peífoas
debeis, e raó moças que precilaÓ ainda empregar em
feu nafeimento o fangue tênue , e defanimado , refulta
ás vezes de más, e tardias digeítoes. He verdade que
a/Tim mefmo conceberão, mas foi imtempeftivamente ,
A ii e
4 TRATADO DA E D V C A Ç A Õ F Y S I C A . "
c fò á cufta da fua precifa nutriqaô entretem a vida
do feto, debilitando-íe a íi; mal logrando as premiíías
da fua fecundidade , e gravàndo a ibciedade com hum
membro quaíi fempre inútil.
Ninguém duvida que a menftruaçaô nas peíToas
robuítas he hum fobejo ; mas examinando a denfidade
do Tangue menftrual nos primeiros tempos , achamos
hum loro mal corado, incapaz de nutrir. Outras ve-
zes deixa tanto abatimento efta*" evacuaçaõ que naõ
pôde fer efTeito de fobejidaó de fangue. Naó dedica-
mos pois a regra de que a época propria para a co-
habitaçao dos íexos he o tempo das primeiras menftrua-
ções , mas fim o da robkítez 3 e perfeito defenvolvi-
mento dos orgaós.
Tenha® igualmente para fi os homens a mefma
regra , e defenganem-fe de que em vaó procuraõ emen-
dar a fua eíterilidade, quando anticipados prazeres lhes
^aftáraò a natureza, e confumiraó toda a energia do
langue ; nem he mifter indagar outra caufa de extincçap
rapida das familias illuftres , e opulentas : e mal por
nós, que difficultofamente fe acautelaó abufos que eltri-
baÒ em propensões naturaes, paliando a fer quafi ne-
ceilidade os eíFeitos de hum eftimulo, que a imagina-
çaô efquentada por artifícios induzira antes de tempo
nos orgaõs genitaes.
O tempo que decorre dos dezoito aos trinta an-
nos lie pelo commum a idade mais propria para feme-
lhantes uniões. O Amor , e naô o intereíTe , ou a vai-
dade prefida ás convenções naturaes; pois raras ve-
zes faõ eftereis os cônjuges, que fe amaõ y e pelo con-
trario pouca fecundidade fe pôde efperar , quando elles
ligados fó por motivos viciofos mutuamente fe fogem,
e le aborrecem. He precifo eftarmos perfuadidos de que
a educaçaó fyfica caminha paílb á palio com a educa-
çaõ moral. Reformem-fe os coftumes , e logo haveraô
numeroías, fortes, e bem educadas familias. Sem vir-
tu-
dos m e n i n o s : 5?
«tude parecem cadeias pezadas os laços da uniac) conju-
gal : e bem eftamos vendo que nos bons tempos de to-
das as Nações foraò frequentes , e refpeitaveis eftes
vínculos fagrados, que l'aõ taô raros, e defprezados
entre póvos corrompidos, fem moral, e fem doítrina.
Ora , fe os conforcios fe formão fegundo as leis
da natureza , cedo apparecem os primeiros linaes de con-
cepção , e como he^precifo para regular a fua diera,
que as Mais fe advirtaÓ do eítado da prenhez , eu ex-
p i e i os fymtomas que podem prometter alguma pro-
babilidade , e feriaõ quafi infalliveis, fe a degeneraçaó
do fexo naó induziífe doenças confundidas de tal mo-
do com a geftaçaô, que illudem os práticos mais expe-
rimentados.
A fufpenfaõ dos menftruos por mais d i duas luas,
naó havendo precedido defarranjo a que fe polfa attri-
buir como doença $ .as naufeas, os vomitos; o f o n o ,
o calor augmentado nos genitaes, a irregularidade dos
appetites ; huma certa indifpoíiçaõ inexplicável na eco-
nomia animal j a groíTura do ventre elevado uniforme-
mente por toda a parte , em figura mais ou menos
arredondada ; a entumefcencia , e dureza dos peitos•>e
do terceiro mez por diante as mudanças que o útero vai
íucceífivamente foífrendo fenfiveis ao toque, faÕ fympto-
mas baftantes para indicar com probabilidade o eítado
da prenhez.
Todavia nao deixemos efquecer que ha muitas
doenças da matriz equivocas, como diííemos., com os ef-
fêitos da concepçaò. Os fcirros , ou obftrucções do úte-
ro , e as fupprefsões de mezes trazem comíigo pezo
de cabeça , fonolencia, elevaçaó de ventre, entumef-
cencia do feio , faílio, nauleas , inchaçaõ das pernas,
e tudo o mais que fe pafla na verdadeira prenhez : he
verdade que eftes fymptomas da falfa prenhez vem fem-
pre acompanhados de grande defordem na economia
animal.
Do
6 TU ATADO D A E D U C A q Ao F YsicA
D o que temos dito claramente fe conclue , que a
prenhez naõ he huma doença no eftado natural, e que
fò precifa remedios , fe excita incommodos. E fe naó
obferve-fe como ainda hoje as felvagens errantes con-
cebem , parem, e caminhão. O parto , e a prenhez faó
para ellas acções tao naturaes como a concepção. A
natureza que prefidio a taes ajuntamentos acaba ella
mefma a fua obra.
Mas no eftado de hoje a j#enhez vem as maiâ
das vezes acompanhada de fymptomas muito m o l e f t ^ ;
fendo huma das primeiras caufas delles a retenção das
fezes procedida tanto dos erros na dieta, como da com-
preíiaõ dos inteftinos , maior , ou menor fegundo o
volume do útero , e a fua íituaçaò. As naufeas, e os
vomitos , f e i t o s do intimo confenfo dos nervos d o .
eftamago com os da matriz, faõ males ás vezes irreme-
diáveis , e de que bem poucas mulheres efcapaô; mas
concorre a aggravallos muito a fordidez do canal intef-
tinal. Daqui vem que hum dos mais importantes con-
íelhos nefte periodo, he ode confervar-lhes o ventre lú-
b r i c o , e prompto.
A s hortaliças, e frutos, alimentos que unem á qua-
lidade nutriente a virtude de laxar , faó-lhes muiro
úteis ; mas pelo commum indifcretamente vedados. E
quando elles naõ baftem para entreter a lubricidade do
ventre, os clyfteres de oleo , e aíTucar enchem a mef-
ma indicaçaõ. Encontraó-fe ás vezes prenhes de intef-
tinos taó debeis , fezes tao refeccadas , e cujo útero fe
encofta tanto fobre o inteftino r e d o , que he preciíò
recorrer a purgantes.
Outras vezes fuccede que a cólera , hum dos dií-
folventes da digeftaô , por qualquer caufa venha a fer
redundante, ou viciada de modo que induzindo efpaf-
mos trasborda para o eftomago , excita naufeas , e vo-
mitos : alumia febres ardentes , e portanto ..deve fer
promptamente evacuada. O emetico he o melhor, e
tal-
D O S M E N I N O S ."AS
talvez o único remedio nefte c a i o ; portanto percaõ-
fe receios vaõs, e intempeílivos ; -pois que o vomito-
rio naõ facode iaõ violentamente a noíía máquina , co-
mo a toíle catarrofa pelo commum tao ferina , que pa-
rece defconjuntar as mais firmes articulações dos oílos;
mas nem por iíTo fe feguem logo abortos. E u nao
duvido que huma conítituiçaõ nimiamente delicada , e
fenfivel eítranhe muito a acçaõ a&iva do emético , e
que por acafo , p9fto que eu o nao tenha vifto em
minha praftica , abortem alguma vez as mulheres pre-
nhes em confequencia do emético mas fe as^ indica-
ções o pedirem he precifo miniftrato ; e naó perder
por huma prudência extemporaa a M a i , e o filho.
Se he muito culpável o M e d i c o , que fem fe apofr
far das caufas da moleftia lança logo mag de reme-
dios mais a f t i v o s , taõbem naó he innocente o que fi-
ca ociofo exoeftador do apparato violento das febres
biliofas, cholera morbus, e outras moleílias, que exir
gem huma prompta evacuaçaõ , e efpera de bom ani-
mo , que apodreça a cólera , a doente coufumida de
ancias, e affiicções , mirrada com hum fogo devorador
vá acabando a miferavel vida ; mas que importa mor-
rer a doente fe o Medico tem faiva a fua reputaça-6?
Naõ p u r g o u , nem emétizou. Oh Santo Deos, que bar-
baro talento,he efte de fazer fortuna ! Como fe torna
v i l , e defprezivel a Arte Medica aífim adulterada 1 Sc
taõ'poucas vezes pveftamos aos doentes , para que he
perdelas ? Os remedios fervem fò na boa occaziaÕ, po-
rém quando efta fe apprcfenta , he mifter aproveitala.
N a õ poífo deixar ainda efta materia ; fem inftar
de novo fobre a neceílidade de purgar brandamente 110
tempo da prenhez ; pois que a maior parte das mo-
leílias defte periodo l á õ , como diílemos muito auxilia-
das pela accumulaçaõ das fezes no canal inteíHnal ; e
por certo que os exeretos empedernidos nos inteftinos
aiudaráõ muito a comprimir os v a l o s , e a aggravar os
fym-
8 TRATADO DA E D V C A Ç A Õ F Y S I C A . "
fymptomas da elevaçaó do útero, afora os danos pro-
cedidos dos effluvios podres , ou gaz inílammavel , que
d'elles fe folta , e que exerce huma virtude ièdativa l'o-
bre o fyftema nervofo, e induz ou vai predifpondo pa-
ra as febres nervofas, da familia das podres. Como
faó as puerperais, as de leite, e a meliar, que ás ve-
zes bem de traz derivaó a fua origem.
Agora pairemos a outro artigo nada menos inte-
refíante , e aonde os abufos nu§ca faó indifferentes.
Vem a fer que indifcreta , e indiílinftamente fe fangraò
parte das mulheres prenhes , attribuindo-fe á pletora lym-
ptomas que ordinariamente ceíTaó com a evacuaçaõ do
canal inteílinal. Tudo para os Difcipulos^ de Botallo,
c de Sthaal faá confequencias de profufaó de fangue,
c por defgraça os feus argumentos tem huma força ap-
parente que pòdç illudir ainda as mefmas peííoas de
rafaô; faltando-lhes os principios para decidir em ma-
térias femelhantes. O fangue dizem , elles, que fe eva-
cuava periodicamente era fobejo no equilibrio do fyf-
tema vafcular, e agora demorado no tempo da pre-
nhez , fica perturbando a economia da circulação ^ don-
de vem as caimbras , dores de virilhas; e região lom-
bar ; os vômitos , as fuíFocaçóes, fyncopes, e abortos.
Mas de preíía fe defmentem theoricas que naô ef-
tribaó na natureza ; naó fe advertem eítes Miniftros fan-
guinarios , de que o feto abforbe em fi tôdo o fangue
que fazia o importe das evacuações menfais. O embrião
he hum átomo invifivel em fua origem , e vem depois
a ganhar tanto pezo , que ainda contando as menílruaçoes
a 7 onças, ellas naó igualao em fomma a maíTa de hu-
ma criança de tempo. D'aqui fe tira que experimen-
taó maior desfalque as mulheres prenhes, acodindo á
vegetaçaó do feto ; e que nao lhes fobra fangue , a
que poíTaó attribuir-fe os gravilTunos incommodos que
as vezes apparecem no tempo da prenhez. Além diílo
natf c o n f e m ó o mefmo appetite durante eíte periodo
nem'
D O S M E N I N O S. 9'
nem' podem por confequencia criar a mefma quantida-
de de fatigue. Agora naõ entra em duvida (tallo pe-
lo commum) que a fangria defneceíTana muitas ve-
zes , até em alguns calos vem a fer prejudicial enfra-
quecendo a M a i , e debilitando o filho, quando nao os
mata a ambos. • i i
Eu naõ quero dizer, que n u n c a a íangria tenlia lu-
gar, antes ao contrario muitas vezes tenho fangrado,
quando encontro hum pulfo forte , largo , e duro i
principalmente fe as f a c e s , e beiços eítaõ nimiamente co-
rados , os olhos fcintillantes, a cabeça perturdada , a rel-
piraçao difficil, e opprimida ; e fe antes da prenhez os
menítruos eraõ copiofos, e o appetite continua fem dimi-
nuição , e ás vezes augmentado. Neftes cafos tres , ou
quatro onças de langue tirado em duas fangaias acalmao
de repente todo o apparato de cólicas , caimbras, al-
ma , convulsões, fyncope , retenção de fezes, fupprei-
sdes de ourinas , edemas, e anafarcas.
He de notar, que muitas vezes fomos neceíiitados
a condefcender com o habito , e fangrar fó porque a
doente eftava ncfte coftume , pois que a repetição, da
fangria he liuma das caufas da plethora , e o abulo vem
a fazer necefíario o mefmo que reprehendemos. l o r
tanto como naó eftamos ligados a fyftema algum , mas
fecuimos a natureza que nos guia , e nos enlina j de-
pois de tentar em vaS outros remedios, recorremos em
fim á fangria, e com ella ás vezes atalhamos gravil-
fimos fvmptomas. Mas poupemos fempre, quanto po-
der fer , efte fluido vital, nunca tão neceflario como no
periodo da prenhez. . ,
Muitas vezes í u c c e d e , crefcendo mais o útero >
que a b e x i g a , como j a z debaixo delle entalada c o m
o inteílino , fe comprima , c nao poíla.defpejar a ouri-
na ; mas nem por iííb fe deve fangrar logo., íem pri-
meiro examinar fe ha outras caufas, pois que o aper-
to dos cozes das f.iias , e conítragimeuio dos e l p a m -
3 lhos
IO T R A T A D O DA E D U C A Ç A Ó FÍSICA
lhos concorre müito para eítes incommodos. Por tan-
ta he confelho faudavel, e de hum grande Prático
Í[ue em vez de colchetes ufem as mulheres de fittas em
uas faias > as quaes ligadas poítçriormente aos colettes
as fufpeadaó , deixando o ventre mais defaffrontado.
E nao baftanda efta cautela* ufem de hurna cinta , que
fem apertar o ventre > o. iuftenha , e arrede aílim o
volume do útero de cima da b e x i g a fe naó aproveitad
eílas cautelas, recorre-fe á Algalia > mas auxilios da ar-
te na6 pertencem a efte lugar.
Finalmente deve harer muito cuidado,, em naô con-
fundir com os eíFeitos da plethora os incommodos, que
provêm da elevaçaó do útero,, o qual comprimindo os
vafos y irnerrompe a ekculaçaó , e impede a acçaó dos
nervos > donde provem caimbras , e efpafmos de todo
o genero. Em, taes cjrcumltancias as limonadas de áci-
do vkriolico laó remedio a g r a d a r e i e muito oppor-
tuiio y com. ellas tenho remediado cafos refervados ao
recúrfo. da lanceta ,, e que até entaó fempre aílim fo-
ra6 tratados, em. damno da doente r que obrigada pe-
lo coíhmiè hia pouco > e pouco perdendo as forças r
e quando naó abortava , raras vezes lhe vingavaõ fi-
lhos fadios, e fortes.
Paliando agora ao artigo da dieta: parece-me mui-
ta importante > e difcreto que fe refpeitem os coftu-
mes y e que as mulheres pienlies alterem mui pouco
em fuás mezas. Advertindo fempre ,, que os jantares fum-
ptuofos eftragaõ os, orgaõs da dtgeftaó : os molhos, gui-
fados y e maífas além de ferem mui difficultofamente difr
folvidos, miniíh-aó hum, C h y l a g r o í l e i r o , que empaftado
nos vafos laíleos dificulíofamente fe animaliza. M a l
podem taóbem convir no tempo da prenhez as carnes
de f u m o , peixes feccos, e falgados, ainda mefmo que
foffem até aíli bem commutados > pois alimentos taó grof-
íeiros fó á força de huma lida muito aéliva fe diri-
g e m : mas n o tempo da prenhez naó convém m o v i m e n -
tos
DOS M E N I N O S ."AS
tos fortes, nem marchas longas, e aturadas. Pofto
que o alimento vegetai feja , como já diflemos, hum me-
dicamento para as mulheres prenhes, com tudo as hyf-
tericas, e hypochondriacas devem moderarfe em feu uib;
porque pode-induzir-lhes diftenções , ou flatulências ,
íòltando-fe os gazes qüe entraô em fua compofiçaõ ; mas
tenhaõ fempre para í i , que os fruftos , e hortaliças amar-
gas faõ , além de alimento, remedio proprio para relaxar
o ventre , que por então fe diffículta, e por tanto ef-
ta cautela deve entenderfe em certos termos
Taõbem naõ çoffo convir com o juizo de alguns
práticos, que aconíelhaõ ás mulheres prenhes naõ def-
continuar no ufo dos liquores, e bebidas fermentadas *
como faõ aguas-ardentes , vinhos , e cervejas. Eu ao
contrario, crendo mui pouco em defvarios i a prenhez,
aconfelho , que nem para fatisfazer defejos fe fuppoiten
abufos femelhantes, e fó poíío coníentir no ufo do vi-
n h o , pois que he remedio em conftituições fracas, e
ainda aífim deve fer moderado. Igualmente reprovo o
ufo do c h á , e do cafFé por coftume ordinário ; tcdas
eftas bebidas mornas naõ fó faõ relaxantes , mas até
narcóticas , offenfivas dos nervos, e fecundas produ-
t o r a s de paralyíias, e apoplexias principalmente nos
paizes quentes. E fe ha hum , ou outro cafo, em que
o chá , ou o caffé firvaõ de remedio , naõ fe contemplaO
a q u i , aonde fe prefcrevem regras geraes.
Como nos propozemos prefcrever o tratamento das
prenhes, em relaçaõ á conlervaçaõ do feto, naõ po-
demos deixar de advertir as cautelas mais necelíarias
para evitar abortos , e melhorar a faude das Mais.
Olhando pois a debilidade, e mobilidade geral do lyí«
tema como a caufa de grande parte dos incommodos
defte periodo, tenho para mim, e figuo em minha prá-
tica em cafos de muita frouxidão ufar da quina , e
naõ me efqueço das aguas gazofas , e férreas; Como
taõbem c o m e c o , q u a f i do primeiro mez, com cs banhos
B ii
12 TRATADO DA EüUCAqAo FYSICA
moderadamente frios. He verdade, que as pelíoas mui-
to fenfiveis ás vezes naõ fiipportaõ o ufo da quina : neí-
te cafo a QuaJJia amara y como tenlio experimentado
por mais de quatro annos, he mui proveitoía, ainda
que naõ- confio mais na fua virtude adftringente, do,
que na da raiz de Genciana.. Ha taõbena muitas oc-
cafiões em que dou o efpirito de vitríolo na doze de.
feis > ou dez gottas ,. diluido em quatro , ou cinco on-
ças de agua, adoçado com aífucar, e fe ha fymptomas
hyftericos , ajunto a arte limonada tres até feis gottas de
diífoluçaõ de opio. Deita afte me firvo para hir pou-
co e pouco defterrando- a prática abuíiva da íangria 7
e poupando o liquor animai, que nos vivifica com a
efperança de que algum dia a pofteridade, reintrando em
feu antigo" v i g o r , abençoará o noifo, trabalho , e os
nolfos defejos-
Sendo pois, como d i í f e m o s a debilidade do fyf-
tema nervofo e os encalhes da circulaçaõ as duas cau-
fas de quali todos os defarranjos no tempo da*prenhez ^
eftá claro que o exercício moderado pode ler mui-
to util ás mulheres prenhes ; pois que a experiencia
nos moftra- os muitos tropeços que a circulaçaõ encon-
tra em feu giro , fendo a refpiraçaõ das prenhes pelo
commum mais frequente , e mais curta : as extremi-
dades inferiores , e os genitaes inchaõ-lhes, e ás vezes
tanto, que lhes tolhem todo o movimento ; e para nos
convencermos do muito que a refpiraçaõ ha de foffrer,
baila refletir , em que o útero remontado eleva o ef-
tomago , embaraça a acçaõ do diafragma, e o bofe naõ
pode dilatar-fe , nem recolher o fangue que por alli.de-
ve circular, e embeber-fe do ar vital, principio efti-
mulante das contracções do coraçaõ. Igualmente eftá na
ordem dos fucceffos da prenhez a inxaçaõ das pernas
pois que os humores fubindo lentamente contra a lei
geral da gravidade , e levando mui pouca força para
vencer a compreífaõ, que o utcrp induz fobre os va-
DOS M E N I N O S ."AS
fos adjacentes , retardaõ feu curfo , e eítagnaõ-fe nas
extremidades.
Do aue eftá dito fe fegue, que tudo o que remo-
ver os obftaculos á circulaçaõ do langue ferá muito util
ás prenhes. O exercicio concorre a coníervar o giro
dos noíTos líquidos; pois que os mufculos eftando em
contracçaõ expremem os vafos fubjacentes : as^ veas ,
como decorrem mais á fuperficie experimentaõ maior
compreflaò , , e os humores naõ podendo recuar porque
empécem nas valvulas deftes vafos y neceíláriamente vaõ
progredindo até o coraçaõr Advirta-fe porém que ef-
te mefmo exercicio, aliás taó util, deve ler moderado j
pois quando he violento induz abortos, e fulfoca a ref-
piraçaõ.
"Aílim fe devem hir conduzindo as mulheres pre-
nhes , até q.ue o feto, ganhando vigor para entrar em
huma nova fôrma de vida , por fi fe defpegue : Entaó
as caimbras , ou dores de lombos, que vem morrer nas
arcadas do pubes, aonde chamaô feixes, o humor que
fua do útero , e algum fangue advertem as Mais de
que o feu parto eftá eminente. Neftes termos, intro-
duzindo o dedo no orifício da matriz , fentem-fe al-
ternadas contracções , e dilatações rápidas.
Podem finalmente eftar feguras as mulheres, que
fe conduzirem por todo o tempo de fua prenhez fegun-
do as regras prefcriptas,. que pouco receio lhes deve
fazer eíta revolução natural, precifa , e as mais das ve-
zes util a ellas mefmas ; pois he já de mui antiga ex~
periencia que as Mulheres Mais naõ perdem nada em
í m robuítez nem taõ pouco encurtaõ fua duraçaõ.

TEA-
T R A T A D O
D A

E D U C A R A Õ F Í S I C A

A R T I G O L

Da necejjidade de cobrir as crianças quando nafcem*

S Brutos, cujo inftindlo neceíTario já mais


fe arreda das leis da fabia natureza, de-
vem fer os noífos m eft res em: quafi tu-
do que refpeita á economia fyíka. Nem
fe pode tomar vereda mais fegura para
hir acertai- com a verdade, do que fe-
guindo paífo a paffo o feu trilho. Nunca enganado pe-
la analogia a n i m a l p o r ella agora me conduzirei, pro-
pondo-me a corregir os abufos que eftao introduzidos
na maneira ordinaria de tratar as crianças*
O homem taõ fimilhante aoutros animaesem quanto-
ao f y f i c o , corre grande rífco fempre. que intenta exjrnir-
íe das leis geraes da economia animal- Se elle he hu-
ma máquina hydraulica compofta de canaes por onde
girao humores mais, ou menos tenues fegundo o grao
de feus calibres; taobem os Brutos gpzaõ da mefma or-
ganizacaó. Em quanto eftamos no útero materno na-
damos em hum fluido vifcofo , reparados por multipli-
cadas tunicas contra as alterações da atmosfera : depois
entramos de commum com os outros animaes no mun-
do y
23 TRATADO DA EDUCAÇAÓ FYSICA1
d o ; e recebendo a luz , e o ar, começamos em nova
forma de vegetaçaò, e acabamos como elles, quando
pára a circulaçaõ dos humores: igualmente pois faó íim-
pleces as leis da natureza para nós , e para ellesj o
jnftindlo que os governa nao pode errar; pois nao he
outra coifa, fenaõ a mefma lei fuprema do Univerio
modificada fegundo as necefíidades deitas criaturas.
Naquelle tempo , em que o homem fingelo, e na-
tural confervava a pureza das fuás propensões; quando
nem o luxo , nem o ocio tinhaõ podido ainda gaftar-lhe
o temperamento, e livre no meio do mundo refpira-
va o ar puro , de que mal fe pôde ter idéa nos gran-
des povoados : quando em fim as epidemias, que tao
facilmente prendem em huma atmosfera quente, húmi-
da , e reprefada , voavaó ligeiramente , mal entrando
com homens robuftos, e groffeiros : nefta feliz rudeza
de coftumes, as noíías -crianças recem-nafcidas, bem
como as crias dos Brutos , refiftiaò nuas ás intempe-
ranças do clima , e da eftaçaój foffrendo fem íncommo-
do até o regelo das aguas.
E com effeito , fe compararmos os homens de ho-
je com os de tempos mais anteriores, naó poderemos
conceber como os antigos Gallos , e Germanos, ape-
nas nafcidos, eraó mergulhados nas correntes dos n o s ,
fem logo alli expirarem. Porém apenas nos parecemos
com elles na figura, e de longe em algumas paixões;
pois que a raça humana á proporção, que as artes ie
foraÕ polindo, perdeo o v i g o r , e talvez a pureza da
moral. Hoje de Pais infermos , e contaminados de tor-
mentos efcrofolofos, gallicos , e efcorbuticos neceüaria-
mente procede huma prole degenerada , e por 1ÍI0 He
mifter modificar as lições da natureza , íegundo a con-
dição de tao miferaveis criaturas.
Como nao tarda , que o homem experimente no
mefmo homem o feu mais certo , e mais formidável
inimigo: apenas nafce , abandonado de todos, fica ex-
DOS M E N I N O S ."AS

pofto ao rigor do tempo, em quanto a Mai rodeada dos


domeáicos , e da Parteira he interrompida no repoifo,
a que a natureza immediatamente a convida com^hunt
fono plácido , e aturado. Sejamos apiedados ; naó dei-
xemos ficar hum ío inftantc as crianças nuas , e ex-
poftas ao tempo , quando vemos os Brutos tao difve-
lados em unir a li , e aquentar bafejando as íuas ten-
ras crias, naó obílante o cuidado que a natureza tivera
cobrindo-as de hum f e i o mais , ou menos expeifo , fe-
gundo o temperamento do clima Natal.
Sem duvida que o temperamento da atmosfera ás
vezes tao differente do calor animal, a que o meni-
no eftava affeito no ventre materno, precifamente lhe
ha de fer muito eftranho : fenao demo-nos a peníar fo-
bre a delicadeza deita tenra criatura , fobre a fraqueza
de feus lol id os ainda mal fortalecidos, e facilmente ve-
remos, que huma circulaçaó proporcionada ás forças
motrifes da crianca, ao mais k v e obílaculo fe retarda,
e aífim os humorcs fe eftagnao , e o fangue repulfado
da íüperficie pela conftipaçaõ da pelle, vai accumulate
nos grandes troncos, e lhe poem a vida em evidente

Uk0Quando ha defeuido em cobrir , como diííemos, as


crianças aífim que nafeem , nao me admiro de verjobre-
virem-lhes as ofthalmias, inflammacções , obftrucçoes do
firado , e b a c o ; enfarte de glandulas, elcrololas, eru-
pções cutaneas , catarros , rheumatifmos, e outras doen-
ças procedidas do encalhe do tfuido, e adftncçao dos
vafos em confequencia da imprelTaÓ do f r i o , quecon-
trahindo a pelle, e os canaes que difeorrem a Íüper-
ficie , embaraça o progreffo livre da circulaçaó dos Hu-
mores. „ , n
Nao páraó fó no fyftema valcular os eítragos pio-
cedidos do frio neíta primeira idade : taóbem os ner-
vos fe refentem muito de huma impreflao , que lhes lie
eílranha , e a fua extrema fenfibilidade eíhmulada pela
G ac"
23 TRATADO DA EDUCAÇAÓ FYSICA1
acçao forte do frio , entra em movimentos irregulares ,
em efpafmos > convulsóes , e mil outros defarranjos de
que tem experiencia as peífoas dadas a obfervar os
progreílos do defenvolvimento humano. Por tanto ou-
tra vez recommendo que eftejaó d'ante maõ preparados,
Í>ara envolver a criança apenas nafça , pannos ligeiros
evemente aquecidos , e muito bem feccos: nao lendo
nunca fobejo o maior cuidado, em nao ufar de vol-
vedoiros húmidos defde o primeiro Pnftante do nafeimen-
t o , continuando aíTim por todo o tempo da criaçaó;.
pois falecendo eíta cautela , fobrevem ordinariamente
moleftias que fe obfervaô nos filhos da pobreza , e do
deíalinho, originadas da humidade, e fordidez em que
fe"1 achao quaíi .ftmpre enfopados , quando aliás elles
nafeem de commum mais vigorofos que os filhos do
l u x o , e da opulência.

A R T I G O II.

Do temperamento da atmosfera , e da importancia


da fua pureza.

M S t e fluido fútil , que nos circunda , e a que cha-


mamos atmosfera, he hum agregado de partículas,
que vencendo por hum pouco a lei geral da gravida-
de , rarefeitas pelo calor chegaó a elevarfe da fuperficie
da terra, e forcejando por arredarfe mutuamente entre
fi , faô em fim em certa altura equilibradas. O nome
de Atmosfera inculca a idéa de mixtaõ, que os antigos
formáraó delia a Fero Atmos : porém agora he que
á força de repetidas , e efcrupulofas analyfes fe con-
feguio defentranhar defte confufo oceano o principio
vital , o ar puro , que he propriamente o noíTo ele-
mento : efte principio elementar he hum dos agentes
da natureza nunca ociofo; ora entrando na compofi-
ça6
DOS M E N I N O S ."AS

çao dos corpos , aquieta-fe, e concorre para a uniaó


de fuas partes , augmenta-lhes o volume , e modifica
particularmente a lua eíTencia ; ora em fim en.tretem a
luz , e igualmente a vida de grande parte dos animaes. v
Quaíi todos para viver dependem do ar ; a differenca
eltá em mais, ou menos. Os animaes lem bofe reípi-
raô pelos poros íateraes, c por alli forvern o efpirito
que os alenta. ^
O ar he taõbefti o primeiro movei da acçao Vi-
tal ; fem elle o langue faz-fe denegrido , e perde to-
do o vigor para vellicar o ccraçaó , que pouco , e pou-
co vai afrouxando as fuas contracções, pára , e o ani-
mal fuíFoca-fe. O homem lo vive em quanto refpira ,
e refpira para viver. Mas como he precifo , que o ar
vital paíTe aos noílos bofes encorporado com a mafla to-
tal da atmosfera , muitas vezes fomos incommodados pe-
lo temperamento delta nimiamente variavel , e pelos
corpos que lhe andaó unidos. E fe os adultos eftra-
nhaó tanto a impureza da atmosfera , muito mais íen-
fivel ferá ella ás crianças , que entraô de novo em hum
fluido que naó conhecem , cujo bofe experimenta pe-
la primeira vez o eítimulo do a r , e começa a fer m*
fitado por mais copia de fangue , o qual vai pouco ,
e pouco penetrando os vafos pulmonares , que ate en-
taõ eítavaõ enrugados. Cuidemos pois em que_ atmos-
fera feja pura, e l i v r e a l i á s ferá hum principio mor-
tal o mefmo que nos alenta , e nos vivifica. Na at-
mosfera bebemos a faude , e a doença ; as epidemias
aqui fe fomentaó , e fe propagaó; naõ lie preciío mais
do que eftar ella encerrada por algum tempo, para per-
der a fua elaílicidade , enfopando-fe talvez em vapo-
res extranhos. Se paíla por lagôas , e charcos de cer-
to vem venenofa , e prenhe de febres intermittente*;
fe ajuda o defenvolvimento do gaz mefytico , e iiogii-
ticado , vem tao carregada deites princípios e tao^ po-
bre do ar vital, que fuffoca fubitamente a refpiraçao dos
C ii ani"
23 TRATADO DA E D U C A Ç A Ó F Y S I C A 1

animaes ; e por fim fe entra na fermentaçaõ pútrida


do reino animal, lie contagiofa , e maligna.
Efta qualidade da atmosfera, a fua pureza d i g o ,
he taõ eflencial a toda a natureza vivente , que as mef-
mas plantas refenridas dos ares corruptos murchaõ-fe ;
os animaes aliás frouxos, e triftonhos em huma atmos-
fera abafada , regozijaõ-fe , e parece que fe regeneraõ
quando refpiraÕ o ar puro. Além dos defarranjos que
induz na economia da circulaçaõ 4 a impureza do ar
he precifo taõbem meter em conta a debilidade dos
nervos de huma criança; pelo que fomos precifados'
a preparar-lhe d'ante maõ numa atmosfera pura, cer-
tos , que fendo nocivas a todos os animaes , ainda aos
adultos , e mais vigoro fos, as exhalações pedres , e me-
fyticas ; muito mais feraõ feníiveis a tenros, e delica-
dos corpinhos , cujo principio de animalidade ainda mal
fortalecido , he impoílivel que reflita ao hálito mortí-
fero deftes venenos fedativos.
Igualmente importa muito que a atmosfera feja
frefca; pois que á proporção do feu maior calor per-
de a elafticidade , fica menos energica para a dilataçaõ
dos bofes, e até abunda menos do principio vital
baze do ar puro , que he attrahido pelo fangue , e que
nos vivifica ; quando ao contrario a atmosfera frefca
corrobora os bofes , e o canal inteftinaj ; miniílra hu-
ma larga infpiraçaõ dá energia aos nervos; e alenta
todas as acções do animal. Eis-aqui porque as mulhe-
res paridas devem eftar acauteladas a naõ perfumar as
íiias camaras, quando alJi eftaõ as crianças; pois que
os vapores aromaticos efquentaõ a atmosfera, deftróem
a fua energia , e tornaõ o ar mefytico, e improprio
para a refpiraçaõ dos adultos, e muito mais offeníivo ,
quanto a máquina for mais tenra. Taõbem devemos
cuidar em afaítar da camara dos Meninos todo o cor-
po odorifcro ; porque os cheiros aClivos precifamente
deítroem os feus nervos, nada menos fenfiveis, do que
os
DOS M E N I N O S ."AS

cs das pefíbas hyítericas, as quaes inftantancamente fe of-


fendem , cahem defácordádas apenas íe difundem ao lon-
ge os effluvios aromaticcs , e muitas vezes a irais le-
ve fragrancia quafi imperceptível, baila para deforde-
nar a economia deitas miferaveis creaturas.
Ainda que diílemos fer de muito interefíe a fref-
cura do ar atmosférico ; entenda-fe, que naõ approva-
mos a frieza delle ; antes nas eítações mais rigorofas
he precifo dar algirtii calor á camara , o que fe faz
muito bem queimando lenha fecca que accenda labare-
da ; pois eíta além de aquentar naõ efpalha tanto fu-
mo , e purifica a atmosfera , ou fallando mais propria-
mente , confome a que eítava reprezada, e impura; faz
hum vazio immediatamente occupado por nova onda
deite fluido', que por toda a parte nos cerca. Advir-
tamos fempre, que eíta condefcendencia fe faz pre-
ciía pela degeneraçaõ em que eftá a noífa efpecie ;
e deve fer medida 'com muita prudência, certos fem-
pre de que em outro tempo o homem , "bem como ain-
da hoje a maior parte dos animaes, entrando no mun-
do refpirava o ar no feu eítado natural, o qual fe-
cundo o clima, e a eítaçaó era ás vezes frigidiílimo,
e por iíto mefmo concorria para augmentar as boas qua-
lidades da atmosfera.
A R T I G O III.

Bo modo, e tempo de cortar o cordão umbilical.


ESte cordão formado por duas artérias , e huma
vêa torcidas entre í i , tem pelo commum a groílü-
ra de hum dedo minimo , variando porém em feu com-
primento defde doze até quarenta pollegadas : procede
do embigo da criança, e vai grudarfe á placenta, por
onde fe ramifica , fazendo as vezes de raiz do embrião ;
naò fe pode duvidar, que por elle abforve o feto da
matriz a maior parte da nutrição, íervindo-lhe os vafos
bi-
23 TRATADO DA EDUCAÇAÓ FYSICA1
bibulos, que fe abrem na periferia de feu corpo, de
embeber o Jialito nutritivo, e gelatinofo da agua , que
enche a capacidade do útero. Deite modo podemos con-
íiderar o embrião como huma planta animai , pois que
ellas taóbem pela raiz fe nutrem da terra , recebendo
pelo tronco , e pelas folhas parte da nutrição , que
lhes he propria. Efte cordão miíteriofo eítabelece a com-
numicaçaó entre a M ã i , e o feto ; por elJe paífa o fan-
gue que deve fervir ao deienvolfimento do embrião ,
e por elle volta o fobejo, vivendo deite modo huma
vida com mu oi a M ã i , e o filho.
A maneira, e o tempo de cortar o cordão umbi-
lical he materia de grande ponderaçaó, e a pratica or-
dinaria fummamente perniciofa , e errada. Seriao por '
certo mais afortunados eítes innocentes abandonados fem
foccoiwo, como acontece aos filhos das felvagens vaga-
bundas , as quaes entregues ao repoifo defeançao das
fadigas do parto , em quanto a natureza inteiíde na
boa ordem dos fenômenos que íè paífaó nos primeiros
momentos da vida , e devem hir íuccedende-fe huns
á outros fem perturbaqao. Naó he poílivel que a na-
tureza deíbançafle fobre nós, fe o corte do cordaó um-
bilical fdífe effencialmente neceífario á vida do animal;
e para melhor defengano abandonemos a criança ao
feu deítino ; naó fe lhe corte o cordaó , e veremos
como ella vive , e vai ganhando pouco , e pouco no-
vo alento , abatendo-fe por degráos a puliaçaó das
artérias umbilicaes, começando defde a placenta para
a parte do embigo , de forte , que no intervallo de dez
a quinze minutos ceifa totalmente ; entaó o Menino
goza de outra forma de vida , e por íi fe nutre, e ref-
pira.
Eíta pulfaçaó no cordaó umbilical moftra , que
ainda depois do nafeimento , he precifo entreter por al-
gum tempo a communicaçaó entre a vida da M ã i , e
a do feto > e erra-fe quando fe corta, apenas a criança
nos
D O S M E N I N O S ."AS

nos cahe nas maós, fem attender , que naõ fe pode es-
tabelecer de repente huma nova forma de vida , e cei-
far em hum inftante a lei que regulava a antiga' cir-
culação.
Como he noffo coftume , que aífrm apprendemos de
Defcartes , duvidar de todas as propofições admittidas ,
em quanto naõ paífaõ por hum efcrupulofo exame j e
como por outro lado , depois de obíervar a natureza,
preferimos antes eftuâar a razaô dos feus procedimen-
tos, do que eftranhalos j o mefmo fazemos na prefen-
te materia , reflectindo fifudamente fobre o que» fe paf-
fa na economia particular do feto , por eifeito da paf-
fagem do útero maternal para efte oceano, que o banha
de improvifo , e defde logo inflüe* cílencialmente^ em
todas as fuas acções.
Antes do nafcimento o mecanifmo da. circulaçaõ
dependiam do ligado como do orgaÕ mais indifpenla-
vei a eíle officio ; por elle fe.conduzia até ao cora-
ção toda a malTa do fangue, que devia íervir ao des-
envolvimento do embrião , em tanto que. o Ipofe efta-
va quaíi ociofo. A ' excepção de pouco fangue , que
por hum pequeno ramo fe efcapava para efta entra-
nha , o total lançava-fe de huma cavidade na outra do co-
raçaó por meio de hum buraco , que depois do naf-
cimento quafi fempre fe cicatriza. Mas- nafce a crian-
ça , o bofe começa logo a jogar nefta máquina : a ir-
ritação da atmosfera , a imprelíaÕ viva-, e dolorofa ,,
que experimenta o Menino em taò repentina, e extra-
nha revolução , o mefmo choro faô talvez eftimulos ,
que concorrem juntos a contrahir os mufculos, quê2
elevaõ a arca do peito , feguindo-fe logo hum vazio
nefta cavidade , que ha de forçofamente fer occupado
pela atmosfera , a qual tende como todos os fluidos a
equilibrarfe por toda a parte : Eis-aqui como o bofe
vai forvendo o ar , evaporando o ácido aeréo , dando
entrada ao fangue , e fazendo-fe abfolutamente neceíla-
rio
24 TRATADO DA E D V C A Ç A Õ F Y S I C A . "
rio na economia da circulaçaó ; em quanto o fígado
defcança , e fe limita ío a receber a materia de que
fe nutre , e de que filtra a cólera , grande diífolven-
te no minifterio da digeftaó. E por ventura em hum
momento fera poífível praticar-fe tao confideravel re-
volução ? E fe ella ainda naô eftava eífeituada., quan-
do precipitadamente fe feparou o cordão da placenta;
qual ferá a perturbaçaó na economia animal ?
Eis-aqui porque fe deve efperar , que páre o pul-
fo no cordaó umbilical antes de o cortar, dando tem-
po ao recem-nafcido de ir pouco e pouco acoftuman-
do-fe ao novo mecanifmo da reípiraçaó , em quanto
vai ceifando a forma de vida que lhe era peculiar no
ventre materno. Deite modo feguimos a natureza , a
q u a l , fendo deixada a fi , entretem por algum tempo a
communicaçaó entre o feto , c a placenta: e fó paf-
fados dez a quinze minutos intercepta eíta communica-
çaó ; pois que neíte intervallo ceifa totalmente a pul-
iáçaó do cordão umbilical. Eíte he o momento de o
cortar, operaçaó que fe faz fem perda alguma de fan-
gue , quando alias fe folta huma copiofa hemorrhagia,
fendo cortado em quanto elle pulfa , e por alfim di-
z e r , eftá vivo.
O modo de ligar o cordão umbilical , os lugares
em que fe deve ligar , e o numero das ligaduras faó
pontos que merecem menos attençaó , do que ordina-
riamente fe entende. O noífo fim he precaver a he-
morrhagia , que em razaó do movimento, e do calor
da cama pode foltar-fe pelas artérias do embigo, e ma-
tar aílim a criança: eftá ao noífo arbitrio ligalo aon-
de quizermos, com tanto que a ligadura fique fixa. O
coftume he ligalo na diftancia de huma maó traveíía
do embigo com hum cordão feito pelo torcimento de
huns poucos de fios , e dando muitas voltas cada hu-
ma cerrada com dous, ou tres nós.
Agora reduz-fe todo efte artigo a duas palavras ,
D O S M E N I N O S ."AS
e vera a f e r , que em quanto pulfar o cordão umbili-
cal naõ fe ligue, e que a ligadura feja fixa.
Eis-aqui como era fimples hum Tratado de Edu*
caçad Fyfica , fe naõ houvera abufos, que desfazer.
Seria efte o lugar de expor a prática , com que fe
pretende prefervar as crianças do contagio das bexigas;
mas como fou de mui tarda crença para coizas fem ra-
zaõ , e pouco aditado com medicamentos empíricos ;
naõ me demorarei miíito em femelhante expoíiçaõ. He
verdade , que nós naó conhecemos a indole deite vene-
no bexigofo ; mas hoje parece eílar reconhecido o feu
contagio , e que naõ paliando com a femente, nem
com o fangue materno, fó por communicaçaõ fe propa-
g a , fendo a atmosfera da fua adividade maligna de
hum pequeno raio , contra o entender dos Medicos
antigos , que o fuppunhaõ alongado a muitas milhas ;
donde facilmente fe entende , que o verdadeiro prefer-
vativo he arredar os faõs para longe do contagio , e
encerrar em hum lugar remoto os que já eftiverem to-
cados. Todavia como nos pódem arguir de nimiamen-
te efcrupulofos, por naõ crer que poífa achar-fe hum
modo de modificar por tal arte a conftituiçaõ das cri-
anças , que fiquem com abfoluta negaçaõ para femelhan-
te enfermidade ; quando nós vemos peíloas com quem
nunca entra a pefte, nem mefmo eíle veneno geral das
bexigas: por obviar de algum modo femelhante nota,
e fatisfazer á curiofidade direi, que o methodo moder-
namente propoíto para prefervar das bexigas, coníifte em
expremer muito bem todo o fangue do cordão umbili-
cal , esfregar a pelle do recem-nafcido com fal moido 5
e layala depois com toda a exacçaõ.

D AR-
IO TRATADO DA EDUCAÇAó FíSICA

A R T I G O IV.

Da lavagem , e do banho.

Celebre Mantell, que ha pouco deu o feu Ma-


O nual de Educaçaõ Fyíica , omittio eíte importante
artigo : talvez porque as Damas Inglefas já eítejaõ na
boa prática de lavar como deveift íeus filhos , e mi-
niítrar-lhes a tempo o banho frio. Se he verdade que
ellas efcuzaõ novas admoeítaçóes, alegra-me o feu bem,
e oxalá que o feu exemplg corrobore as razões, que
exporei fobre eíta materia.
Eu diftinguo o banho da lavagem ; chamo lavagem ,
quando naõ ha choque , e a criança fe conferva na
agua , humedecendo-fe-lhe a pelle por todo o tempo
preciíò para diíTòlver , e defpegar as vifcofidades, que
lhe eftaõ pegadas \ chamo banho, quando ha choque,
e quando fe mergulha, e fe retira immediatamente o
corpo o numero das vezes, que fe fuppoem neceflario ,
fegundo a idade, a eítaçaõ , e as forças do Menino. Se
he outra a accepçaÔ vulgar deites termos , pouco me im-
porta \ pois me pareceo neceífaria a precedente diítincçaõ.
Todos lavaõ as fuas crianças; mas nem todos co-
nhecem a precifaõ deita lavagem. Aquelle humor ge-
atinofo , em que nadava o feto no útero materno, e
vem pegado á fua pelle, he taõ vifcofo, e tenaz que fó
com repetidas lavagens fe defpega totalmente , forman-
do liuma efpecie de cruíta fobre o corpo , que tapa as
bocas dos vafos exhalantes , a que chamáraõ poros , e
deite modo fica impedida a tranfpiraçaò. He de tanta
importancia alimpar exactamente eítas impurezas, como
he precifo tranfpirar para viver. Eítudando o inítinóto
dos Brutos, teríamos menos neceífidade de femelliantes
Jições : lie de ver como elles fe eímeraõ em lamber por
longo tempo as fuas crias 3 c a faliya, que he huma agua
de
D O S M E N I N O S . " AS
de fabaõ levemente falgada, lhes ferve muito bem pa-
ra eíte miniilerio. Nenhuma das práticas vulgares he
preferível a eita da natureza ; e por certo que as la-
vagens com vinho , efpiritos , e aromas fempre feráò
reprovadas por quem conhecer a anatomia dos vaíos
linfáticos ; fendo mui confideravel a abforçaõ, que por
elles fe effeitua.
Por tanto, naõ me afaftando nunca da rigorofa ana- .
logia, que me propdfaho feguir, aconfelho que as pri-
meiras lavagens fejaõ de agoa tépida 110 gráo do calor
natural do corpo, e em que eíteja dilTolvida huma pe-
quena quantidade de fabaõ , e de lai. Aílitn pretende-
mos imitar a faliva dos animaes , efte liquido abíter-
gente , que rafpando o monco unduofo da pelle , ao
mefmo tempo eítimula brandamente os nervos, e con-
vida a tranipiraçaõ.
He de notar, que naõ fe deve continuar a lavagem
com agua quente, mas fim apenas tépida; pois que o
gráo de calor do corpo da criança ao fahir do útero
naõ fe conferva depois, e por tanto he precifo, que
naò fendo a agua inteiramente fria , feja com tudo
hum pouco eítranha , aliás deílroe toda a atividade dos
íeus orgaõs ainda molles, eefponjoíos. Se acompanhar-
mos a natureza , veremos com que cuidado fe empe-
nha em endurecer os folidos deita pequena criatura.
Quem obferva attento como a cartilagem fe oíTifica ,
e como toma confiítencia o que era apenas membra-
na molle , ou mucilagem informe, precifamente con-
clue , que a lavagem quente afrouxando as fibras, ener-
vando os mufculos, relaxando as bocas dos valos abfor-
ventes, e enfraquecendo os nervos vai de encontro ao
trabalho da natureza, e debilita a conítituiçaõ mais vi-
goro fa. Comparem-fe os antigos povos nafcidos nas
margens dos R i o s , e logo alli mergulhados, com as
gentes de hoje tao brandas, e affeminadas, que á mais,,
leve alteraçaõ da atmosfera fe conítipaõ: comparem-le
D ii ain-
23 TRATADO DA EDUCAÇAó FYSica 1

ainda agora os filhos do luxo com as crianças ruíli-


cas curadas ao tempo , e acoftumadas da primeira ida-
de aos banhos frios , com que tanto ie aprazem ! Quem
tiver paciência para attender, e eftudar eftas differen-
ças taÓ importantes ao bem da humanidade , foffrerá
mal ver retidas, e afrouxadas em aguas mornas eftas
crianças, que faõ pouco mais do que huma mucilagem
organica. Eíte abufo he certamente humas das caufas
da' debilidade , que depois apparefce em todas as acções
do homem, cujas forças comparadas com as dos nof-
fos antigos heròes fazem fufpeitar, que ellas foíTem fa-
bulofas.
Naõ fe fique entendendo que intentamos recommen-
dar a lavagem fria ; ao contrario eu naõ fiz differen-
ça de lavagem a banho , fe naõ para moftrar que o
banho frio he util, e a lavagem fria muito nociva ;
pois que o mefmo choque, que fe experimenta no ba-
nho induz huma força repulfiva no coraçaõ , e fyfte-
ma arteriofo para expellir o fangue, que alias com a
conftipaçaõ da pelle recua: naõ luccede porém affim na
lavagem , em que fe vai humedecendo lentamente o cor-
po das crianças, e conflipando-lhes a pelle, lem lhes
dar occaíiaõ a augmentar fuas forças contra os obftacu-
l o s , que oppoem á circulaçaõ do fangue os últimos ra-
mos dos vafos contrahidos , e quafi totalmente fechados.
He verdade, que os antigos'povos foffriaõ a lava-
gem fria defde o leu nafcimento , porém naõ era o
mefmo o filho de hum Lacedemonio robufto, fobrio ,
adivo , e cortido ao tempo , do que a prole mifera-
vel, e abatida de País ociofos, corrompidos pelo lu-
xo , enervados pelo abufo das bebicias mornas, abati-
dos com as vigílias, defordens, e epidemias , exina-
nidos em fim por copiofas fangrias , cuja pratica mor-
tífera apoiou a efcola Galenica , e a qual Botallo , e
^depois Staa/, por defgraça taõ acreditados, efpalháraõ
com o feu grande nome por toda a Europa.
Ho-
D O S M E N I N O S . " AS
Hoje as primeiras lavagens devem fer mornas ,
e ainda depois tépidas ; e fó o que eu reprehendo he
demorar as crianças, como he coílume, mUito tempo
em hum grande vafo de agua quente ; pois eíte abulo
he a cauza da maior parte dos catarrhos, e conítipações
da primeira idade j naõ fó porque as forças da circu-
lação íaõ debilitadas pela frouxidão , que induz nas fi-
bras o banho morno, mas porque o mufculo cutâneo
enfraquecido fica mais fenfivel ás imprefsóes do frio.
Quem toma fobre fi o cuidado das primeiras la-
vagens da i n f a n d a , deve advertir em lavar mais efcru-
pulofamente as partes onde ha glandulas; pois aqui le
accumula m e l h o r , e em mais quantidade a materia ex-
crementicia, que enlodava o feto no ventre maternal»
E os defcuidos neíla materia faõ muito attendiveis ; pois
que as erupções cutaneas , a côdea l a c l e a , erpes milia-
r e s , as fendas fuperficiaes, e ás vezes profundas trazem
daqui o feu principio. Eítes lugares faò as virilhas, os
fovacos dos braços , as curvas das pernas , o p e f c o ç o ,
atrás das orelhas , o nariz, e a boca.
Agora paífemos a refletir fobre os eíFeitos do ba-
nho frio ; pois naõ acharemos talvez occaíiaõ mais op-
portuna, ainda que elle naõ poíTa entrar nos primeiros
officios a bem do recem-nafcido , ao menos nos primei-
ros dias. Por tanto examinando o que fe paíTa no ba-
nho frio achamos , que mal o corpo entra n'agua, que
fallando a linguagem dos fyficos, lie hum meio mais
denfo , rompe-fe logo o equilíbrio entre a acçaó expanfi-
va dos fluidos internos , e a maior preflaó externa ;
daqui fp fegue , que os mefmos fluidos comprimidos re-
cuaõ da fuperficie para o centro, ajudando muito a
eíte effeito a conítipaçaò induzida pelo frio nas fibras
mufculares efpalhadas pelo tecido da cutis. Temos pois
que dentro do banho frio os humores fe concentraõ nos
grandes troncos , e o coraçaò fobrecarrcgado de langue
de tal modo fe enfarta , que a refpiraçaò fica ancio-
ia
30 TRATAOO D A EDUCAQAÓ FYSICA
fa , e afadigada , o pulfo retarda-fe , e fe a demora
for longa •, feguir-fe-hao dan nos proporcionaes á de-
bilidade dtf fyltema nervofo. Mas na fa hid a do banho
reítabelece-fe outra vez o equilíbrio , e o coraçaó efti-
mulado pelo fangue, que fe accumujou nos feus ventri-
culos , facode-o de li com tanto mais velocidade , quan-
to era maior o eítimulo, que delle fofréra no tempo
da immerfaõ.
Daqui fe vè que todo o pbder do banho frio
conliíte em obrigar a potencia mufculofa a maior ac-
çaó, pondo-a na neceílidade de reagir com huma for-
ça proporcional áirritaçaó, que lhe imprimirão os flui-'
dos repercutidos pela compreílaó da agua , e contrac-
çaó dos vafos cutâneos. Logo o banho ferá tanto mais
util, quanto mais repetidos forem os choques; pois a
cada entrada, e fahida da agua ha huma concracçaó ,
e huma repulfaò: e aíTim á força de renovados impul-
fos anima-ie a circulaçaó } luta contra os obítaculos ,
e encalhes , que entupem os vafos minimos, e chegando
vigorofa a pelle, por huma tranfpiraqaó abundante , pu-
rifica a maíla dos humores.
Mas fe a demora no banho lie longa, o fangue
retrocedendo ajunta-fe no coraçaó, e como eíle naó po-
de vencer a reíiítencia , que a compreílaó da agua ,
e o efpamo da cutis oppoem á entrada dos liquidos
nos feus refpeftivos canaes , entaó feguem-fe ancias j a
acçaó dos mufcuios foífobra-fe j e em lugar de ganharem
vigor os noífos folidos, perdem ao contrario á lua elaf-
ticidade vencida por taó forte , e aturada refiítencia.
Donde fe conclue, que havendo poucas forças he pre-
cifo ufar com muita prudência deite retnedio, aliás taó
conveniente quando as circumítancias o permitem , e
quando fe regula fegundo o methodo prefcripro.
Agora trazendo eítas reflexões ao noíío intento ,
fem tomarmos partido algum, concluimos i°. Que as
crianças devem, além das fuas lavagens, em que naó he
util
D O S M E N I N O S ."AS

util demorarem-fe ; mas íim ferem esfregadas quanto


baile para o total afleio da pelle j devem, digo ufar
do banho frio. 2 0 . Que para os Meninos debeis fe de-
ve graduar a frialdade do banho ; pois que a fua uti-
lidade nao depende abfolutamente de hum extremo gráo
de frieza , mas baila que ie extranhe. Que neíle
banho fe deve meter, e retirar promptamente a crian-
ça , que melhor foífrerá a impreilaó da frialdade, quan-
to for mais robuíla. "4°. Qiie dos oito dias em diante
fe pode praticar o banho frio , fe nao houver grande -
debilidade, que o embarace. 50. Que os banhos gradua-
dos fegundo a Eftaçaô , ao fim de hum mez, procedendo
por degráos, devem já fer abfolutamente frios. 6 o . Que
tres, ou quatro immersóes fatisfazçm a intençaó Medica.
Que as crianças que nafeem muito debeis, fó dos
quarenta dias em diante devem entrar no banho, baf-
tando-lhes huma, ou duas immersdes: femprefe obfer-
va fe a agua fria as incommoda muito, induzindo-lhes
caimbras , o que fe patentéa pelo demafiado choro ,
e contorções fuccedidas por effeito do banho : então
he precifo efperar mais algum tempo. .
Até aqui ainda nao encontrei criança tao fraca ,
que pafíado algum tempo naó toleraffe o banho f r i o ,
com tanto que a frialdade da agua fe lhe foífe pro-
porcionando por degráos quafi infenfiveis. E deixe-
mos clamar o mundo contra Floyer, que fe naó he
verdadeira a fua doélrina em toda a extenfaó , íempre
as ventagens do banho frio feraõ coníideraveis , em
quanto for certo, que de cem doentes , noventa e feis
faó nervofos. ' "
Arguaó embora, que o llachites, e a lilica pul-
monar , b por desdita tao communs na Inglaterra, pro-
cedem da frieza do clima, e do banho; fe examinar-
mos o rol dos Meninos nafeidos , e mortos acharemos
com o Celebre Mantell, que a prodigioía differençâ de
vidas confervadas ao Eítado naó pôde vir fó da inocu-
la-
23 TRATADO DA E D U C A Ç A Ó F Y S I C A 1

laçaõ i mas faõ fru&os beneficos de huma educaçaá


reformada, e bem entendida.
A s inveílivas dos inimigos do banho frio naõ ca-
bem fobre nós -y mas vaõ dar fobre Hamilton , o qual
fem. refpeito ao eftado febril do nafcimento , naõ du-
vida paíTar a criança do calor do útero materno para o
regelo das aguas , naõ graduando o temperamento do
banho , naõ refpeitando a eítaçaõ , nem as forças. Mas
UQS já nos felicitamos , de que os noílòs vindoiros coiv
roborados desde a primeira idade com eíta prática fa-
lutifera , reíiítiráõ á irregularidade dos tempos ; e in-
fenfiveis ás alterações da atmosfera , delconheceráõ as
conítipações, catarrhos, tificas, queixa eiterica , e hy-
picondriaca , que hoje affligem mais de f da efpecie hu-
mana.
A R T I G O V.

Sobre a maneira de penfar as crianças.

E I s - a q u i hum artigo , aonde tudo faõ abufos; pois


que a arte de penfar as crianças he huma das in^
venções , que produzirão os feculos de ignorancia , e
que tende a deítruir, e atormentar os miferaveis inno-
centes. Todavia naõ he outro o eítudo das noflas par-
teiras y e nelle confomem o tempo , que deveriao oc-
cupar nas inítrucções neceíTarias ao feu emprego , in-
formando-fe exactamente da organizaçaõ das partes ge-
nitaes; dos diâmetros da bacia , e da cabeça do f e t o ;
dos íinaes da prenhez, e do verdadeiro tempo do par-
to ; e ultimamente do modo de fe haver nefte impor-
tante minifterio. Mas pelo contrario daõ-fe inteiramen-
te a apprender o modo de aperfeiçoar as crianças , con-
certar os feus membros , e retocaras fuas feições. Aílim
fe compoem eíta arte taõ alheia da natureza, e taõ con-
traria á confervaçaõ dos povos.
O primeiro, e mais tyranno officio deitas mulhe-
res j
D O S M E N I N O S ."AS
r e s , apenas lhe cahe nas maõs a criança, he configu-
rar-lhe a feu geito os oíTos da cabeça. Faz horror o
como ellas eímagaó cruelmente as tenras paredes de
hum orgaó taò elíencial á noíTa vida , e particularmen-
te á noífa animalidade ! Coitadas , fem conhecer a im-
portância da o b r a , que amolegaó, encurtaó os eixos de
huma esferóide , que a natureza taó de propoíito of-
fifica , para emparedar das injurias externas a fubftancia
delicada do cerebro cuja fabrica á mais leve compref-
faó fe defordenai pois que a diftençaõ, ou o torci-
mento de huma fibra nervea he baftante para induzic
epilepfia , convulsões , eftupidez, e Deos fabs quan-
tos males, que rebentaráõ a feu tempo , e minaraõ por
largos tempos folapados.
PaíTaõ eftas deíatinada mulheres , depois de efma-
gar a cabeça das crianças , a comprimir, e expremer-.
lhes os peitos , com o pretexto de os expurgar do foro
tenue, que alli fe demora , e eíta compreífaõ he taõ vio-
lenta , que fe encaroçaõ as glandulas mammaes, inflaín-
nicio-fe , e daqui fe originaõ ás vezes os feirros, que em-
baraçaõ nas fêmeas a fecreçaõ do leite, e perturbaõ des-
de a p imeira hora o benefico, e natural officio deJVIãi.
Defterre-fe de hoje em diante huma prática taò per-
niciofa, e taó univerfal : refpeitem-fe as obras da na-
tureza , e naõ lõ acautelemos toda a compreflaõ exter-
n a , mas tenhamos o maior melindre em reparar das in-
jurias do tempo frio , e húmido a fubftancia do cere-
bro , cobrindo aquellas partes, aonde a oífificaçaó ainda
naõ eftá completa , como fuccede junto ás articulações
das peças oííeas , que concorrem a formar efta boce-
ta : para efte fim bom he que ufem as crianças de tou-
cas forradas de eftopas molhadas cm gema de ovo , as
quaes melhor defendaõ, e abriguem a molleira, a nu-
ca , e o diâmetro longitudinal da cabeça. Toda a vi-
gilância he precifa para que os oflos fe naõ amolle-
guem , e naõ comprimaõ a fubftancia folpofa do cere-
54 Tf A T A D O T)a E D U C A Ç A Ò F t s i c a
b r o , donde fe feguiriaô as epilepíias, apoplexias, con-
vulsões & c .
Entrando a ponderar os abufos, de que eftá com-
poíta a arte de enfaixar as crianças , achamos erros , que
abrangem quafi todas as Nações. Ein Inglaterra aliás
tao alumiada doutros refpeitos, e aonde a razaõ livre,
e o patriotifmo ardente trabalhaõ com difvelo por des-
fazer máos hábitos , e fundar boas praticas , la aonde
a verdade prende y e fruítifka abundantemente em todas
as fcicneias , e aonde os bons planos de educaçaõ f y -
jfica nafcêraõ y lá mefmo , a pezar das juftas declama-
ções do profundo gênio de Locke > ainda agora foi milter
que o G. Parteiro de Dover renovalfe faudaveis admo-
eítaçoes contra os abufos, que fe praticaô neíta arte de
atormentar os homens, logo desde o feu nalcimento. E.
entre nós praticaõ-fe barbaridades a efte refpeito , que
fó quem eftiver occupado dos préjuizos correntes pôde
prefenciar a fangue frio.
T o d o s os dias me offerece a minha prática fce-
nas laftimofas , que me excitaõ dor , e delefperaçaõ t
Já mais fou chamado para affiítir a infèrma de parto»
que naõ pergunte pela fua criança ; e cuíta-me a crer
que hajaõ pelToas taõ enthuíiaítas de velhas preocupa-
ções , que naõ reconheçao a fuffocaçaõ , que ameaça os
pobres innocentes conftrangidos de taixas , e cintos; e
abafados com o pezo de multiplicadas coberturas. Se
males alheios enxugalTem as lagrimas de noífos males,
poderiamos confolar-nos com as queixas do Sabio Bel-
lefxerd y que declama contra femelhantes abufos, e nao
duvida contar taõbem entre as caufas da mortandade
dos meninos os erros, que univerfalmente graílaõ íò-
bre eíte importante artigo.
E por certo que fó pôde fer invenção de bar-
baros tantos cintos, volvedoiros , e mantilhas , com que
Parteiras ignorantes ataviaõ , e opprimem os tenros ,
e delicados corpinhos dos defgraçados infantes.
Pa-
D O S M É N I N o S,

Para concluirmos demonftrativamente os males,


que refultao^de-práticas taó deshumanas , reflitamos hum
pouco fobre o eftado do recem-nafcido , e fobre o que
elle fora no ventre materno, e cahiremos naturalmen-
te na razaõ das peflimas confequencias , que reprehen-

O primeiro ponto que fe divifa no embriaò lie o


coraçaò do animai, d'alli fe expandem valos , que j á
n'aquelle tempo conduzem liuma efpecie de langue; al-
fim rapidamente começa o deíenvolvimento do animal.
Ora he certo , que lendo as refiftencias no principio
quaíi nullas, qualquer que feja a força da potencia, os
íeus effeitos faÓ muito confideraveis. Eíte o r g a o , que
primeiro fe divifa, e primeiro vive , como quer que
receba o primitivo impulfo, he certo que o conferva
a beneficio dos nervos, e pelo eíhmulo do fangue den-
fo e quente; mas ao mefmo paffo que o animal crei-
cendo , tem o coraçaó de mandar mais longe a maíla total
dos humores; multiplicaó-fe os obílaculos, e a circu-
laçaó chega muito vagarofa, e fraca aos últimos con-
fins • pois que o comprimento , e a figura dos valos,
os ângulos que d i e s V , I ^ _ ;

ventajofos á projecçaó , e as comprelsoes das partes vi-


zinhas , tudo concorre a retardar a quantidade de mo-
vimento do fangue.
Daqui vem , que fendo como diílemos, no pri-
meiro tempo o crefcimento do feto quaíi repentino ;
depois retarda-fe muito pela multiplicidade ^dos obíta-
culos. E agora começa já a apparecer a razao , porque
as c r i a n ç a s devem fer peniadas muito ligeiramente, dei-
xando largos os feus volvedoiros; pois de outro modo
vamos nos multiplicar os obílaculos , concorrendo as
comprefsoes dos cintos a entupir os vafos tenros, que
fó eítando defaffrontados de ligaduras, podenao ceder a
corrente dos humores , que vem alli diftcndelos, e
desdobralos, como fe patentêa E n pelo feu crefcimento.
iYias
23 TRATADO DA EDUCAÇAÓ FYSICA1
Mas .entendem-fe taõ diferentemente no mundo e[-
tas regras > que parece milagrofo poder ainda o Tan-
gue circular em corpos taó violentamente arrochados ,
como ficaô os das crianças depois de penfadas: porém
quando refiítaõ a eíle genero de tormento, as fuas vi-
das feráõ curtas , e as fuas forças mingoadas. Delta
arte fe vai acanhando cada vez mais a efpecie humana ;
o coraçaó, e as artérias perdem a fua elaíticidade ven-
cida pelas refiílencias , que encontra a circulçaõ nos úl-
timos ramos dos vafos; os humores recuaõ, e eíta-
gnaõ-fe pelas entranhas, e pela têa cellular r donde re-
lültaõ obílrucçoes, hydropefias, e huma total extinc^
çaõ da irritabilidade animal.
Como quer que lancemos os olhos fobre a eítru-
ílura do homem , fempre defcobrimos novas razões
contra práticas taõ abuíivas. Se attendermoa ao que fe
paíTa na cavidade do peito , com a mais ligeira idéa
de qual feja o noílò mecanifmo, he fácil reconhecer,
que deve produzir graves perturbações qualquer conf-
trangimento fobre eíta região. E por certo que o fan-
gue depois de vifitar , e nutrir o corpo em todos os
ieus pontos, e preítar-fe a differentes miniílerios y
vai entrar nos bofes , por largos troncos ramificados
prodigiofamente neíta vafculofa entranha, mas que fem
o movimento alternado da refpiraçaõ, lim entraria nel-
les a beneficio do ar alli fempre demorado j porém
feria mais difiicultofa a fua entrada : e fegundo as ex-
periencias do exa&ifllmo Godwin, em pouco tempo pa-
raria a circulaçaõ por naõ haver commercio entre el-
l e , e a atmosfera.
Supponhamos que por hum accidente qualquer que
feja , a refpiraçaõ fe embaraça j logo o coraçaõ mais fra-
camente eítimulado afroxa em fuas contracções, fobre-
carrega-fe de fangue ; e o bófe he a primeira parte
aonde os humores encalhaõ como precifamente deve
fuwCeder a huma entranha taõ molle, cujos vafos faõ
def-
DOS M E Í INOS. 37
defpidos quafi inteiramente da tunica mufculofa, "que
auxilia o movimento do íangue nas artérias. Igualmente
fica impedido o defpejo do fangue, que defce da cabeça,
e aíTim entramos logo em ancias, fyncopes, palpita-
ções , apoplexia , e morte, fegundo o gráo de dificulda-
de , ou intercepção total da refpiraçaõ.
Se he pois de taò abfoluta neceífidade a dilataçaõ
dos bòfes para a vida do homem, e fe ella naÕ pô-
de eíFeituar-fe íem a arca do peito eftar deíembaraça-
da , deveriamos , quanto em nós he , cuidar em remo-
ver todos os obftaculos; que a opprimem em todo o tem-
po da vida , e muito principalmente na primeira ida-
de , em que as forças faõ mui poucas, e os oííos ain-
da cartilaginofos, e brandos. Pelo contrario empenhaõ-
fe as Amas em apertar os cintos , e volvedoiros; co-
mo fe de propofito intentaííem obftar ao esforço dos
mufculos empregados em erguer as coftelas, e alargar em
todo o fentido a cavidade do thorax : deite modo quan-
do naõ configuaõ fupprimir totalmente a refpiraçaõ, ao
menos opprimem-na muito ; pois que mufculos debeis >
€ tenros mal podem lutar contra tantas reíiftencias.
Naõ faõ menos attendiveis as defordens, que íuc-
cedem nas funcções do baixo ventre por effeito do aper-
to das faixas; pois que a circulaçaõ encontrando obfta-
culos em todo o feu curfo , he aqui naturalmente taõ
morofa , que dos feus encalhes nas entranhas abdomi-
naes trazem origem quafi todas as moleftias chronicas.
E aflim deve fucceder , fendo necefíario que o fan-
gue diítribuido pelas artérias do fígado,, eftomago, ba-
ç o , mizenterio , pancreas & c . naõ fó venha alli nu-
trir , lubrificar , e dar calor a eftas partes, mas taõbem
miniftrar a materia de varias fecreções : o que nao
poderia praticar-fe fe elle naõ correlíe vagarofo. Igual-
mente he tardia a circulaçaõ do fangue no fyftema da
vêa-porta ; pois que a cólera , hum dos humores eíTenciaes
no trabalho da digeftaó, perennemente fe filtra no fi-
ga-
23 TRATADO DA E d u C A Ç A ó F Y S I C a 1
gado, a cuja officina acode por hum canal venofo o
langue, que já paífára por outras entranhas , e vem
como he precifo, carregado de partículas terreas , e
oleoías , que o tornaô menos aélivo para eítimular hum
canal já per íi inerte por falta da tunica mufculoia.
Accrefce mais, que a prodigiofa ramificaçaó defte tubo
eftorva a velocidade do fangue multiplicando os obfta-
culos ao feu curto. Eis-aqui novas caulas do retarda-
mento da circulaçaó na região ventral ; e por certo,
que fe nao fora o jogo continuado da reípiraçaò, e
o exercicio, encalhariaó a cada inftante os humores,
como acontece ordinariamente ás peífoas de vida feden-
taria , e a quafi todas na velhice.
Agora eftá evidente, que a mais leve compreílao
fobre o ventre ferá baftante a defarranjar toda a eco-
nomia de tao importantes funcçóes. Cumpre pois que
o ventre efteja defaffrontado de cintas, e volvedotros
para naó fe embaraçar huma circulaçaó jã de fi len-
ta , como acima moltramos. Igualmente importa mui-
• to que naó haja compreíTaó alguma externa, alias ef-
tas entranhas naó podem ganhar o feu natural tama-
nho : as digeftóes feráó perturbadas, interrompida a eia-
boraçaõ da cólera, e dos outros fuccos digeftivos, mal
podendo filtrarfe por canaes comprimidos, e por en-
tranhas mingoadas, que fem efpaço naó podem cre£-
cer , nem medrar. Ora fe a circulaçaó no ventre eftá
impedida , aonde irá dar comfigo o fangue que para
alli fe encaminhava ? dirigirá certamente os feus tiros
á cabeça , ao bófe ; e por defgraça faó de mui fatal
confequencia todos eftes tranfportes.
Naó faó menos graves as moleftias procedidas da
fuppreííaó da tranfpiraçaó , como fe experimenta nas
eftaçóes mais variaveis : a primavera , e oitono fempre
vem pejados de pleurizes, rhèumathifmos, catarrháes,
e de toda a claífe das doenças inflammatorias. Ora he
certo que as crianças precilaó , talvez ainda mais que
os
D O S M E N I M O s. 39
os adultos, deita proveitcfa excreção , para fe enxuga-
rem da nimia hun.idade , que trãtboida cm feus vaies.
Mas a tranfpiraçaó he mais cu menes ccpioía, fegun-
do que a circulaçaõ he vigorefa , cu frexa , frequen-
te ou tardia. Por tanto importa muito aliviar o cor-
po' de toda a efpecie de ccnílrangimento externo , aliás
raó podendo o langue chegar cem certo gráo de ve-
locidade até á fupeificie , nem fe purifica do gaz^in-
ílammavel , que o efquenta : nem fe deJonera da mui-
ta agua, que reftou da cryftalliza çaó animal.
A's vezes naó bafta deixar as crianças á diferi-
çaó da natureza , fem faixas, nem conftrangimento al-
gum i por fer tanta a fua debilidade , que nem aífim
confeguem huma tranfpiraçaó conveniente ; e he pre-
cito fazer-lhes fricçóes brandas íobre a pelle duas, ou
tres vezes no dia.
Quando ferá pois que por fortuna da humanidade
defappareça eíle apparato vaó, e perniciofo de cintos,
colletes , marguitos , e gibões que naó fervem fenaó de
apoquentar a noífa efpecie, e de perpetuar enfermida»
des ! por femelhantes abufos expiraõ milhares de innocen-
tes roxos , e fuffocados , cuja mortandade cobre a* ig-
norância , e a fuperítiçaõ com o pretexto de feitiços ,
bruxarias , olho , e mil outras fr ioleiras ridiculas entre
nós por defdita bem conhecidas
Concluamos em fim fempre com a analogia dos
brutos, que elles naó fe ligaó > naõ fe enfaixaó; e af-
i m he que as noíías crianças ganhariaõ aquellas dimen-
sões vantajofas dos homens naturaes. Aífim lie que o
nolTo peito alto , e elpaçofo oífereceria aos bófes huma
larga capacidade, em que francamente dilatado podef-
fe cumprir o feu importante , e continuado minifterio.
Aífim o baço , e o fígado praticariaó deítn baraçadamen-
te as iiias fecreçóes. Aífim circularia lera impedimen-
to o fangue, e chegando aítivo á fuperficie , deporia pe-
los valos cutanros as impurezas, e excrementos que o
aífroütaó, e lhe fobejau. AR-
40 TRATADO DA E D U G A Q A Ô FTSIGA

A R T I G O VI.

J)9 modo de deitar as crianças , e das evacuações da


primeira idade.

E S t á em coítume ajuntar as crianças com as Mais


em o mefmo leito, e efte abulo eftribando no a-
mor maternal he mais defculpavel, ainda que nao me-
nos nocivo; pois tenho por grande prodígio nao mor-
rerem fuffocadas todas as crianças ; humas vezes porque
nao podendo ganhar a altura dos traveileiros, vao el-
correeando pelu cama , e ficaõ fem ar oppnmidas de-
baixo da roupa ; outras vezes porque ainda coníervan-
do em defafogo a lua refpiraçaó, nao podem luppor-
tar o pezo das muitas coberturas de ordinário amon-
toadas fobre as mulheres paridas. E fe o calor, e a
tranfpiracaó dos córpos das Mais baftanaô a excitar le-
bres em taó debeis criaturinhas j melhor íe fermentaa
elias edegeneraó em podres por effeito das exhalaçoes
corrompidas dos locchios. Por tanto vemos que as cri-
anças fe anciaó, a circulaçaó difficulta-fe , a cara en-
tumefce , e faz-fe livida; e quando nao expirao em tao
violento abafo , ao menos fkaó d'entao com os boles
fracos, e obftruidos com tubérculos , que a feu tempo
fuppuraõ terminando em huma tifica fempre tatal, e
incurável. . c .
Quantas crianças fe reputao mortas por malefícios,
que ordinariamente reprefentaÓ fymptomis de eltrangu-
laçaÓ, fendo as Mais os verdugos dos pobres i n o c e n -
tes; já abafando-os com a roupa, ja volvendo-fe deía-
cordadameute por cima delles durante o lono ; ja lut-
focando-os com os feus peitos quando fuccede adorme-
cerem na acçaò de os amimmentar.
Por tanto eu fupponho da primeira neceíUdade ,
que as crianças tenhao cama apartada , ainda q ^ n a
D O S M E N I N O S ."AS

mefma camera de fuás Mais para poderem ellas mef-


mas vigiar fobre os mais pequenos reparos, e cautelas,
que mal feráõ confiadas a peííoas extranhas. Bem ad-
vertido , como fica ponderado , que a atmosfera da ca-
za naõ efteja taõ quente como lie coítume , por ler et-
te calor muito nocivo ás mefmas pandas , occaíionan-
do-lhes a febre puerperal, lartea e miliar, cuja indo-
le muito bem fe compadece com o abalo, e fordidez,
em que cegamente fe confervaõ citas infelizes mulheres
nutridas descames , golodices , e privadas de tudo que
lhes pode fervir de refrigerio, e medicamento.
Em quanto ao modo de deitar as crianças, cum-
pre que elevadas da parte da cabeça eítejaõ em huma
poficaõ obliqua ao horifonte , por ficar aflim mais faciL
a evacuaçaõ da linfa. Entenda-íe taclbem em que a luz
fempre lhes venha da banda dos pés direitamente aos
olhos, aliás convidados de ilharga pelo claraõ olhao
de travez, e adquirem máos hábitos, que depois dit-
ficultofamente fe emendaõ. Advirta-fe fempre , que a
impreíTaõ muito viva dos raios do Sol lhes offende os
orgaõs opticos, ainda debeis, e defacoítumados; por
cuia rafaõ a natureza , envolve os olhos das crian-
ças de névoas tranfparentes com eíte mefmo fim ^ len-
do precifo palliar-lhes, fegundo o habito , e a idade
eíta fenfaçaõ. E como importa muito que refpirem li-
vre e defempachadamente cuide-fe em lhes deiartron-
tar o roíto, para que a atmosfera entrando com fran-
queza pelos narizes , e pela boca vá dilatar os boles,
animar o fangue , e corroborar o eítomago , e as en-

tran Quando a criança desligada das fecundinas , e


muito bem lavada jaz em huma cama á parte e le-
vemente coberta, começa logo a expurgar-fe dos humo-
res, que fe accumuláraõ no interior dos feus valos.
Eítes humores faõ a fleuma, e o meconio, ou fer-
rado. A fleuma he huma linfa groíTa, que enchendo
F °
23 TRATADO DA EDUCAÇAÓ FYSICA 1

o eftomago , c o efofago impedia a adhefaõ deíle ca-


nal ; cujas paredes alias fe conglutinariaó entre f i , co-
mo vemos fucceder a qualquer vafo, que em nolfo cor-
po fica vafio , e fem humidade. Porém como depois
do nafcimento começa a fer fuperflua , e nociva efta
mefma linfa, he neceffario naõ obftar de modo algum
á fua cvacuaçaó; por tanto eu tenho como coifa mui-
to arrifcada o ufo das rolhas de aíTucar, e m e l ; por-
que além de embaraçarem a livre entrada da atmosfera
para os bofes, e ameaçarem fuffocaçaó ; entupem a af-
fluencia deftas fleumas vifcofas, que reprefadas, miftu-
raÕ-fe com o leite , corrompem-no , e induzem flatulên-
cias , azias , e outros males.
O meconio , ou ferrado he aquella materia vifco-
fa , e negra , que abunda nos inteftinos, e igualmente
impede a conglutinaçaó de fuas paredes. Como quer
que fe faça a nutrição do feto no ventre materno ,
he de f a á o , que fe accumulaõ fezes até ao tempo de
feu nafcimento , e he mifter promptamente evacualas ;
pois de fi difpoftas á fermentaçaõ faó menos innocen-
tes , do que julga o Doutor Buchan , e demoradas
miniftrarao por certo hum máo fermento ao quylo , que
vai prepararfe de huma materia de fua natureza fer-
mentavel. Naõ ha Medico , que deixe de ter prefen-
ciado as dores, tenefmos, picadas , caimbras, e con-
vulsões, que apparecem quando o ferrado fe reprefa nos
inteftinos. Nem era de efperar, que o ^ gaz mefytico
fummamente elaftico , e penetrante ficaífe inerte , fem
offender nervos taõ fenfiveis, e tantos, que fe entrela-
çaõ na tunica villofa do canal inteftinal.
Quando fe diz fer neceífaria a evacuaçaõ do fer-
rado , naõ fe quer fuppor logo indifpenfavel o recur-
fo a purgantes, que alguns Authores prefcrevem á to-
das as crianças aílim que nafcem. Talvez fe eftabele-
ceífe efta regra no tempo , em que a cloftraçaõ fe ti-
nha por huma doença infalliyel aos meninos, que mam-
ma-
DOS M E N I N O S ."AS
mavao o primeiro leite a que chamaó clojlro ; por
cuia razaó fe lhes refutava como fe fora hum veneno.
Porém eftá bem longe deita idea, quem eítuda a na-
tureza , que tanto fe anticipa na preparaqao deite foro
azedo tio fabijmente provido , e que lendo o fulten-
to he taôbem hum purgante natural na primeira idade.
' Todavia fe virmos, que as forças dos inteítinos
da criança naó baítaÓ a expellir as fezes nem ainda ei-
timulados pelo leite azedado para eíle ufo no leio ma-
terno recorramos a hum laxante brando , e nao mui-
to differente do que lhes fora preparado pelas maos da
natureza. Por tanto parecendo-me conveniente, quan-
do as crianças nao tem tres, ou quatro cameras por
dia dar-lhes hum pouco de mel em cozimento de
ameixas, fempre tenho para mim, c|ue nada correi pon-
de melhor ao noíío intento, nem fe aílemelha mais ao
purgante natural , do que o foro de leite preparado com
huma porção de farro de vinho, baítante a deixar appa-
recer o ácido , e adoçado com mel: eíle liquor vege-
to-animal he fermentavel tirante a azedo i e tem aqueile
adocicado, que com a miftura do acido fe percebe no

Cl°ftNaÓ faltaó crianças com tanta humidade nos in-


teílinos , e tao enfartadas de matérias fecais , que ne-
nenhuma ventagem confeguem com os purgantes minora-
tivos. O Celebre Underwood confeffa , que baldado nas
efperancas de tirar effeito de pequenas doles de Kha-
barbaro3, recorrêra a dófes, que pareceriao temeferias a
naó haver procedido por degráos , e mui prudentemente.
Todavia naó tomem fobre fi as Mais receitarem nem
o Rhabarbaro , nem o vinho antimonial de Armltrong;,
contentando-fe de lhes miniítrar os laxantes que aci-
ma prefere vemos, e advertidas a chamar Medico quan-
do em calos rebeldes naó configuao nas primeiras vin-
te e quatro horas com tifanas , ou com o foro melado
a evacuaçaó do meconio. N a o he porque eu tema tan-
F u t0'
23 TRATADO DA EDUCAÇAÓ FYSICA1

to , como o Douthor Hamilton , os efpafmos , e as


convulsões que efte fabio Medico fuppoein produzir o
Rhabarbaro nos inteftinos das crianças mais damnofo,
como elle fe explica , do que a demora do ferrado.
He innegavel, que a lenfibilidade dos nervos na primei-
ra idade eílando em proporção com a fua debilidade ,
muitas vezes fe refente do eftimulo deíla raiz refino-
f a , principalmente fe nao for diluida com algum vehi-
culo adoçante ; porem a humidade , e o meímo ferra-
do defendem as paredes , dos inteftinos de maneira ,
que o maior numero das crianças fupportaó , guardada
a proporção, os purgantes em dofes mais fortes que
os adultos. Todavia tudo que he remedio deve ler
preferipto por pelfoas hábeis, e naó confiado ao em~
pirifmo das Mais , ou das Parteiras.
As primeiras vinte e quatro horas depois do nas-
cimento , devem fer pelo commum empregadas fó nef-
tas evacuações, tempo em que o fangue , e a atmosfera
vaó penetrando lentamente pelos bofes, e diípondo ou-
tra economia bem difterente da vegetaçaó antigua,

A R T I G O VII.

Da criaçao dos Meninos.

H E hum coftume faudavel criarem as Mais feua


filhos, aífim elle fora entre nós univerfalmente
praticado. He tao conforme ás intenções da natureza,
que a obfervamos applícada a efte minifterio quafi def-
de os primeiros mezes depois da concepção. Parte da-
quelle fangue, que fe accumulou para a vegetaçaó do
f e t o , lie trasladada pelas communicaçóes dos vafos, e
palía do útero a ir ajuntarfe no feio; cujas glandulas 3
ás vezes com muita antecedencia, começaó a filtrar cer-
to foro , que lempre nas vizinhanças do parto lie mais
copiofo. Naó fem fim a natureza prepara efte liquido
fuf-
DOS M E N I N O S . " AS

fufceptivel de fermentaçaó, e que efetivamente fe aze-


da com a demora.
Efte leite forofo , a que chamarao cloítro , he hum
our can te brando accomodado á compleicaó das cnaa-
cas e taó conveniente para ellas , como lhes he neceí-
Jaria a evacuaçaó do ferrado: nenhum outro, como dii-
femos no artigo antecedente , he mais natural ; lendo
de huma vez alimento, e remedio. E fe mil vezes he
mifter recorrer a purgantes extranhos, ja fe ve quão
grande erro feja negar eíte primeiro leite aos recem-
nafcidos, como entre nós geralmente íe pratica , tal-
vez lembrando ainda a doftrina dos noííos antiguos M e -
dicos. . r r 1 ->
Sejamos huma vez prudentes, e refufando razoes „
que finge o luxo , e a vaidade obfervemos como as
M a i s , aífim que tornaó a fi , pedem feus filhos , e ei-
quecidas das penas, e fadigas do parto fo confiderao
o fruclo da lua ternura. He taÕ natural cite ientimen-
to , que fe o luxo naó tivera corrompido , e degene-
rado as propensões da natureza , feriaó em toda a par-
te olhadas peior do que feras as Mais mfenfiveis , que
naó amammentaííem feus filhos. Aflim como fuccedia em
Dana ( a crer Fernam Mendes) aonde as mulheres le
juítificavaó em público , quando naó criavao , alias erao.
excluidas da adminiítraçaó dos negocios.
Talvez que a Medicina, reduzida a hum othcio
mercenário , confiando mais de remedios, do que de
prefervativos , tiveífe já efquecido as ventagens que re-
fultaó da criacaó natural, quando a Filolofia , que deí-
intereífada em todo o tempo procura o bem da hu-
manidade, continuava a infpirar fentimentos brandos nos
' coraçóes maternais. E aflim he que os difcuríos de
Locke , e do Author do Emilio defpertáraó em paizes
extranhos, e neíte cafo mais afortunados, aquelja pro-
penfaó natural de amammentar os filhos, que hoje lou-
va o C . Mantell nas íuas Inglezas, e que ja eftava em.
ei-
46 T R A T A D O DA EDVCAÇAÕ FYSICA."
eíquecimento defde os tempos de T á c i t o ; pois que ef-
te Hiftoriador filo fofo corroborou as provas d-a deca-
dência do Império com o defprefo , em que as matro-
nos Romanas haviaõ a educaçaõ de Teus filhos.
Em idades muito anteriores íuppunha-íe iá que lo
o leite das Mais convinha ás luas crianças j pois lem-
brára attribuir ao primeiro leite naô íó as modificações
f y ficas do temperamento animal, mas até as propen-
sões do coraçaõ, as quaes fe fuppozeraÕ fubordinadas a
eíla poderofa influencia. Da fagacidade de Cicero , da
braveza dos Romanos, da crueldade de Nero , e de Ca-
ligula bufcáraò-fe caufas no leite que mammáraõ. Pou-
co importa a falfidade deitas ficções ao noíTo intento;
pois fó nos interelfa a verdade, que delias fe infere,
e vem a f e r : que ao menos houve em todo o tempo
homens perfuadidos da modificaçaõ do noflo tempera-
mento em virtude do primeiro leite, fazendo-o influir
até fobre as acções moraes ; e naõ he muito extranho
refentirem-fe os homens do leite que mammáraõ, quando
a fua máquina entrava a defenvolverfe , fe vemos que
o c a l o r , o f r i o , o alimento , as bebidas , as qualidades
do ar atmosférico , os j o g o s , os prazeres, ainda depois
modificaõ taõ particularmente o cara&er moral dos ho-
mens , que fegundo as qualidades fyficas do f o l o , e os
coftumes particulares das Nações, fe diítinguem os feus
diverfos gênios. T a l v e z que a deíTemelhança do cara-
í l e r obfervada hoje nas familias, venha de naõ ferem
os filhos nutridos aos peitos maternos ; pois que o lei-
te extranho , tendo differentes qualidades, e talvez con-
trarias á conítituiçao individual do menino, faz delle
hum aggregado monítruofo de duas naturezas.
Na corrupção geral do feculo as mais das vezes
faõ frívolas as razões , com que fe excufaõ as Mais
defapiadadas de amimmentarem feus filhos. Bem longe
eftaó ellas de imitar aquellas enternecidas mulheres ,
que a pezar dos confelhos de Buchan, e de Line o fe
aba-
D O S M E N I N o s. 47
abalançárao a nutrir feus filhos, e tivéraô em premio
de fua ternura efcaparem de molefhas deíefperadas.
Tarde fe capacitarão as peffoas de huma certa ordem,
de que o leite materno he o único fuftento propria
das crianças ; mas a fua incredulidade terá menos def-
culpa , quando forem obrigadas a r e f l e t i r que cada indi-
v i d u o ' h e conftituldo por hum modo fingular; a fua
maneira de fer parecida em muitas propriedades ao
geral da efpecie , na6 he com tudo a mefma. Por tan-
to nutrindo as Mais o feto do feu proprio fangue ,
pallaõ-lhe as modificações de fuas naturezas : daqui fe
yê com quanta razaõ fe pretende , que huma vida de-
pendente na fua origem , e commum com a da M a i , fe-
ia continuada em feu defenvolvimento , depois que o
menino nafce, por hum alimento preparado nos mef-
mos orgaôs , e tirado do mefmo fangue, que o animá-
ra. T a l he o leite materno , que traz impreíTo o ca-
rafter da economia privativa de ambos; e feparado dos
mefmos humores > que defenvolvêraõ os primeiros ru-
dimentos do embrião, he a melhor m a t e r i a d e que as
crianças fe poíTaõ alimentar.
Que mal fupprido fica com o leite das amas , o
que a natureza fiJtrára no feio das Mais } pois que
modificado de outra maneira he pouco menos do que
hum veneno , que vai lentamente deftruindo a organi-
zaçaõ da criança taó femelhante a fua M a i , quanto ef-
ta differe da Ama em temperamento idade educa-
çaõ , coftumes , maneira de viver , e em todos os ca-
racteres privativos de cada individuo..
E qual ferá a Mai tao barbara, e taõ infenfivel *
que poíTa receber das maôs da Ama coberta de chagas,
e confumida de enfermidades a fua criança, que aliás
fahio limpa , e perfeita do ventre materno ? Pois dei-
enganem fe por huma vez as M a i s , que nenhuma per-
fpicacia bafta, para diílinguir «no leite a fubtileza de al-
guns venenos , que de tal modo fe disfarçaÔ , que nem,

'48 TRATADO DA E O V C A Q A Ó Física
a cor , nem o fabor , nem a confiítencia delle , nem
as averiguações mais exadlas fobre a idade , tempera-
mento, dieta, vida, e coítumes das amas podem efta-
belecer huma regra fegura, ou ao menos que promet-
ia probabilidade.
Quantas vezes rebentão pela boca, e pela gargan-
ta deites abandonados innocentes chaguinhas peihlen-
ciaes que em breve fe alaítraõ , como he condição dos
males venereos ? NaÕ ha duvida , que no leite paliou
efta infecção ; porém a ama era robuíta , vermelha ; e
ás vezes mefmo guardava em fegredo no feu langue
eíta difpofiçaõ, que nunca pôde defenvolverle con-
tra as forças de feu temperamento: e as vezes até toi
fempre iunocente para feu proprio filho ; mas lubtil, e
contagiofa vai no leite inficionar o pobre engeitado mais
difpoíto a recebela; nem iíto nos deve admirar, quan-
do vemos hum veneno igualmente exaltado, e n'huma
mefma peíToa, fer contagiofo para eítes , e inditterente
para outros, que fe expõem á fua aélividade na mei-
ma hora , e com as mefmas circumltancias pelo menos
apparentes.
Quantas vezes as gengives das crianças entumeci-
das , e chagadas annunciaó o efcorbuto , que degenera-
va os humores da ama, mas que ainda naõ poderá en-
trar com os feus folidos; talvez porque huma vida aíti-
va huma dieta contraria , e o ar do campo lhe tem
refiítido; naõ lhe refiíte porém huma compleição deli-
cada, que de tudo fe refente.
Quantas vezes em fim as amas, em outro tempo in-
ficionadas da farna , tinha , e outras erupções cutaneas,
apprefentaõ huma pelle liza, e macia, quando o mal re-
colhido ao fangue vem com o leite infeitar, e affligir
as crianças viftimas do capricho, e da vaidade das M a i s ,
iieceífitadas ás vezes a alimentar os cachorros dos ani-
maes , para fe defaffrontarem do leite que lhes fobeja ,
e roubaó a feus proprios filhos. E quantas enfernuda-
D o s M E tf I tf o s. 49
d'aquellas , que folapadas minaõ por muitos annos o
temperamento , para rebentarem em certa eftaçaõ da
idade: iiludem todo o curativo > efcondem as luas cau-
fas , e zombao da fagacidade dos Medicos, quando el-
las foraõ bebidas com o leite das amas, e eraõ já ra-
dicadas em lua geraçaÕ. > ;
Por naó trafpaííar as raias, que nos abaulamos ,
bailaria o que eftá dito para convencer as Mais do
muito que intereíláõ os pobres innocentes em ferem
criados aos peitos maternos ; mas naõ deixaremos em
íilencio os males imminentes fobre as M a i s , que fe ne-
gaó a taõ importante minifterio ; pois que a repercu-
çaõ do leite , que a natureza taõ advertidamente lhes
largêa, traz comfigo graviilimos incommodos, muitos
dos quaes naõ tardaõ a apparecer.
Supponhamos pois , que as Mais , trocando pelos
caprichos da vaidade os avifos da natureza , abandonaó
feus filhos; então o cloílro , efte liquor azedo repreza-
fe • ganha huma acrimonia corrofiva j e repercutido vai
inficionar a mafia dos, humores , e em pouco tempo a-
cende o fogo da febre, que tantas vezes abraza as
miferaveis vidtimas das preocupações do jec:ulo. iNao
he o leite d'aquelles fuccos, que fe filtrao do langue
para reentrar na mafla dos humores ; mas feparado nas
slandulas mammares por hum mecanifmo , a nos desco-
nhecido , he logo excremento , de que a Mai le deve
defonerar j aliás acre, e corrofivo volta a contaminar
o mefmo fangue, donde dimanara. E a fua vellicaçao
he taõ viva fobre o fyílema nervofo , que induz cairn-
bras, e efpafmos fernpre precurfores das febres; e ai-
fim por tanto começa a febre ladlea , ou puerperal.
De repente crefcem os eftragos deíle fermento ma-
ligno ; pois tal he o feu poder feptico, que os foh-
dos fe relaxaÕ de forte , que o langue reçuma^ pe-
los póros, rebenta a erupçaõ miliar; a refpiraçao ía-
he fétida, e oífenfiva 3 as excreções cadaveroias, e a
G ce
23 TRATADO DA EDUCAÇAÓ FYSICA 1

ce torna-fe defunta; e ás vezes a quina, a canfora , os


emeticos, os cauíticos com toda a fua aétividade nao
podem evitar, que os humores fe diífolvaò, e apo-
dreçao no inftante proximo á morte. Eíte mefmo lei-
te reflectido vai picar tao intenfamente as tunicas dos
inteftinos, os diveríos tegumentos do abdomen, e feus
mufculos, que poem em violenta tortura as miíeraveis
paridas , quaíi lempre atormentadas de cólicas nervo-
fas, pela maior parte nalcidas delta caufa. Quantas ve-
zes eftagnado pelas entranhas induz obítrucçóes, tubér-
culos , e fcirrhos, que nao cedem a remedios , e prepa-
rao as primeiras lenientes das doenças chronicas da
idade fenii. Nao lie pouco frequente ir elle empoçar-
fe na cavidade do ventre , e produzir a afeites, pelo
commitm mortal , e pelo menos acompanhada de dores
violentas. As hydropeíias de peito , dos ovários, a do
útero , e mefmo a anazarca faó confequencias naó ra-
ras do reprefamento do leite. E quantas vezes fem paf-
far do feio, que o filtrara, mina pelas glandulas mamma-
res , lançando as fataes lementes do cancro , eíte mal
afquerofo > que trazendo comfigo a torpeza, e a fealdade
á triíte enferma, termina com a morte huma horrorofa
icena 1 Quando em fim a robuítez do temperamento pof-
ía refiítir a tantos males, pelo menos hum rheumatif-
mo chronico , que fe annuncia com a idade, atormenta-
rá os reltos de huma vida gaita na diílipaçaõ , e no o-
cio. Eis-aqui como a natureza vinga os Teus direitos >
nunca impunemente violados,.
Entrem, em li as nolTas Damas; confultem o feu
pToprio intereíle; efeutem a voz da ternura ; e impe-
rando nos lentimentos naturaes , enfurdeçaó-fe ao ruido
dos caprichos, da vaidade, e da delicadeza; e amam-
mentando a léus proprios peitos os innocentes filhinhos,
mereçaó que delias fe repita com o celebre Parteiro
de Dover ^ Militas das Senhoras da primeira ordem
deíle Reino fervem de exemplo ao mundo , criando el-
las
D O S M E N I N O S . 5'I

las mefmas feus filhos; e tem-fe igualado ás Mais das


Nações mais polidas, e ás dos feculo§ rn^is puros da
Grécia, e de Roma. E os Bretões na geraçaó futura
naõ feráõ avaliados gente melindroíá , e valetudinaria. S3

A R T I G O VIII.

Das qualidades que fe devem requerer nas amas.

A Inda que naõ feja conforme ás intenções_ da na-


j L X tureza removerem de fi as Mais as luas crianças,
G ainda que em outros tempos tiveíTem o fobejo alen-
t o , para acodirem coin abundancia de fangue á fecre-
çaõ do leite , fem desfalque attendivel em lua confti-
tuiçao , todavia hoje naõ fuccede uífim: havendo mui-
tas peíToas, principalmente na Corte , de tao débil com-
pleiçaõ, que provavelmente cahiriaõ em grandes debi-
lidades , e na febre etílica , fe teimaífem em criar feus
filhos. Outras naõ podem confervar o leite ; pois apenas
lhes apparece, per fi mefmo fe fecca. E naõ faõ pou-
cas aquellas , cujo temperamento inficionado de enfer-
midades contagiofas aííás tem já envenenado os pri-
meiros rudimentos de feus embriões, de modo que le-
ria barbaridade naõ lhes bufcar em leite extranho hum
corretivo aos males , que deiápiedadamente lhes tranf-
mittíraõ. Em femelhantes circumítancias toda^ a diligen-
cia , todo o difvelo he preciío, para nos inteirarmos
das boas qualidades de numa ama.
Por tanto, entrando no exame dos requefitos ne-
ceíTarios deitas Mais mercenarias , entenda-fe em que
a ama feja cazada com homem íadio, e bem morige-
rado; que feja robuíta, e fornida; mas naõ gorda , e
balofa ; que proceda de Pais vigorofos , fe poder
fer camponezes, nafeida ella mefma no campo, e d e
vinte annos até quarenta quando muito. Depois obler-
ve-fe, fe tem as gengives fans, firmes ? e vermelhas, e
G ii nao
io TRATADO DA EDUCAÇAó FíSICA
naõ defcarnadas , nem efponjofas ; fe a cor do roíto he
boa , e naõ verde-negra , amarelíada, pallida, ou afeita-
da com arrebiques de cor , e alvaiade , que abforvidos
para a mafia do fangue empeçonhao o leite ; fe os olhos
la6 animados ; os dentes limpos , inteiros , e naõ car-
comidos , negros, ou furados; a refpiraçaõ larga , e
fácil, e o bafo fem cheiro , nem demafiado calor; o
feio redondo , retezado , e abundante de Jeite. Cum^
pre igualmente que as luas funcções fejaõ regulares ,
quero dizer, a tranfpiraçaõ nem exceffíva, nemefcaífa,
mas confiante; o ventre antes laxo , que renitente; e
os orgaõs da diuréfi defempedidos r e queaonrina naõ
deponha fedimento lodofo, nem areas , fendo de cor
alambreada. He taõbem muito neceílario, que mefmo
por conítituiçao mecanica feja alegre , e mania; naõ
colérica, e mal foftrida; que os feus nervos firmes , e
vigorofos reíiítaõ, quanto lie poíltvel , a fenfaçoes falfas,
reípondendo a viveza das fuas ideas precifamente á
actividade das imprefsões , e naõ a excedendo, como
fuccede ás peíloas de hum fyítema nervofo nimiamen-
te débil, que pela exceífiva mobilidade , íáõ fempre ac-
comettidas por hum torpel de idéas volúveis, defnexa-
das, e taõ vivas, que defarranjaõ toda a economia ani-
mal ; pois que todas as impresões faõ fortes para as
peíloas nervofas, fendo ellas taõ fenfiveis , como faõ
moveis , e debeis.
Ella reflexão he muito importante hoje principal-
mente , que o hyíterifmo , e a hypocondria flagellaõ ~ das
peíloas, que vivem á moda da Corte. Haja taõbem
todo o cuidado em que a ama naõ feja dada ao ufo
do vinho, ou a outras bebidas fermentadas , e liquores
efpirituofos; cm que tenha a pelle liza , e macia , fem
erupção, burbulha , ou impige ; em que feja carinhofa;
boa criadeira , e parida do menos tempo poífivel pois
que a natureza naõ prove o feio materno de hum lei-
te igualmente groílb , c fubítancial em todo o tempo
da
D O S M I N I N O í, n
da criaçao, antes proporciona a fua confiílencia á ida-
de do menino; de íòrte que nos primeiros mezes o lei-
te he aguacento, depois vai engroífando , e he preci-
fo naô inverter a ordem natural, oíferecendo a huma cri-
ança recem-nafcida o alimento , que fó lhe conviria
depois de alguns mezes.
Ha algumas mulheres, que durante a criaçao, na6
deixaõ de fer menftruadas : mas quando eíte fenômeno
naó provem de debilidade, e relaxaçaõ dos orgaõs ge-
nitaes; mas fim de fobejidaó dç fangue, e em coníU-
tuiçóes fortes, e iadias, naõ preverte , nem tranílorna
as boas qualidades do leite ; e por tanto naõ he pre-
cifo tirar-lhes as crianças nefte intervallo. A o contra-
rio deve fer hum fymptoma muito attendivel para re-
jeitar as amas , quando ellas padecem dores, caimbras,
ou indifpofições confideraveis nas vizinhanças das re-
gras ; pois que femelhante perturbaçaõ nao pode deixar
de influir fenílveímente no quilo x e 110 leite.
Taóbem eu quizera , que fe averiguaífem com to-
da a exacçaô as qualidades moraes das amas, entenden-
do-fe em que ellas tiveífem boa indole , hum gênio dó-
cil , e todas as fuas paixões moderadas: que naõ fejao
nimiamente libidinofas , fem fuppôr abfolutamente pre-
cifo arredalas de toda a communicaçaõ conjugal. E
muito particularmente fe deve requerer que a ama nao
feja de temperamento colérico ; pois todos os dias vemos
cahir em epilepfia , e em convulsões crianças, que mam-
máraõ o leite filtrado no acceffo da cólera. E por aca-
bar de huma vez , he muito de dezejar com Eallex-
ferd, que a ama feja outra M a i com a mefma eftatu-
r a , figura, e a mefma cor; e que em fim , exceptuan-
do' o máo , em tudo mais lejao inteiramente parecidas.
Em quanto ao exame do leite, parece-me bem in-
fufficiente a prova exhibida pelas fuas modificações fen-
fiveis : importa pouco , que elle feja alvo , tirante a
azul J ou amarello 3 que faça pérola ao cahir da unha ;
Ott
£4 TRATADO DA EoucAqAo FYSICA
ou efcorregue por fer muito delgado. Taõbem avalio
em mui pouco a lua doçura , ou iníipidez , com tan-
to que hajaõ na ama as qualidades fyficas, e moraes
acima apontadas, e que a fua criança feja medrada, e
ladia. Eu tenho viílo mulheres .inficionadas de toda a
efpecie de moleltias oferecerem hum leite com todos
os requefitos apparentes; e com tudo as fuás crianças
adoecerem, hirem-fe definhando, e em fim morrerem.
Taòbem tenho obíervado muitas vezes , huma meíma
peíToa em poucas horas de intervallo , apprefentar no
feu leite differenças mifito fenfiveis.
Mas iuppondo, que fe acerta dar com huma ama,
em que naõ falte nenhuma das circumftancias requeri-
das , relia ainda examinar a queítaõ leguinte, e vem a
fer : T e m efta ama hum filho , que deftino lhe procu-
ra ? Como dilpoem a feu refpeito ? Já o naõ tem ? Que
fim levou elle ? Se morreo; cumpre faber de que mo-
leftia i fe hereditaria, le contagiofa, fe envolvia vicio ,
que le perceba na M ã i ; fe concorreo defeuido delia ,
máo trado, alimento improprio , e extranho ; ou fe mor-
reo de molelVia accidental , em que nao pode arguir-
fe nem o temperamento da M a i , nem falta de difvelo.
Mas fe ella conferva o feu filho, e determina abando-
nalo por hum extranho , he muito de recear, que feja
má criadeira quem nem para os feus filhos labe fer
Mai. Naõ faltaõ mulheres que por ambiçaõ , e as mais
das vezes por miferia, emprehendaõ duas criações jun-
tas , quando mal baftariaõ á que a natureza lhes deftina.
E como fe pode efperar de huma pobre maltratada ,
moida de trabalho, falta de alimento , acabada de con-
fumições, que naõ desfaleça em taõ violento desfalque ?
Mas a tanto chega a indigência, e a miferia de huma
familia defamparada ! aíTim he que huns defmanchos
' produzem outros! e nunca os homens fe apartaõ dos
trilhos naturaes fem funeílas confequencias.
Depois de ponderar as cautelas mais eilenciaes na ef-
co-
D O S M E N I N O S .

colha das amas, reíta-me aconfelhar, que naó degradem


as Mais para longe de íi os feus filhos; pois íó ellas
podem defempenhar a vigilancia , e os cuidados > que
requer huma criança. N o mais leve defcuido fuccede
torcer , ou deslocar hum membro ; ganhar hum máo
habito ; conítipar-fe j cahir ; ler mordida , ou mutilada
por animaes. E fó quem he Mai fe naõ cança de ef-
tudar a expreíTaõ das vozes equivocas da primeira ida-
de , os gritos , os clamores , e certas geíticulações que
ora annunciaõ o padecimento , e he forçofo attendelas >
ora faõ eífeito de impertmencia , e de mios hábitos ,
que tem produzido a indulgência indifcreta, e huma
nimia promptidaó a fatisfazer appetites caprichofos , e
então lie precifo defvanecelos , que tudo he fácil na
primeira idade»
Mas fe ha tantas mulheres ? que naó fabem fer
Mais , como lerá pollivel paífar ás extranhas os fenti-
mentos maternos ? Quando fucceda pois naó poderem
as Mais criar feus filhos} ao menos, naó me canço de
o redizer , obfervem como elles fao tratados; pois que
difpenfadas de os nutrir, nunca podem feio dos dif-
velos j que devêraó entrar em feus coraçóes no momen-
to , em que foraó Mais.
A R T I G O IX.

Como Je devem conduzir as antas..


H U m Tratado inteiro de Hygiene he a materia
deite artigo, e por cerro que as mulheres quan-
do criaó preciíaó , mais que nunca , refpirar huma atmos-
fera pura j ufar de boas agoas e alimentos faos; o
feu fono , e exercícios devem fer regulados ; as luas
excreçóes fáceis } e promptas; e o feu coraçaó defaf-
fogado de paixões. Nós tocaremos eítes pontos com a
brevidade poífivel.
Parece-me muito importante ? que as amas vivaó
no
$6 TRATADO DA EDÜCAÇA6 FYSIcfi
no campo: aqui a atmosfera he mais energica, e mais
franca; os ventos foprando fem eftorvo a refrefcao ,
e a renovao; e ella abunda d'aquelle principio^ fubtil,
que conferva aftivo o movimento da noíla maquina ;
refrigera os humores ; corrobora o bofe , e o eftoma-
g o ; e infinua-fe nos alimentos J á durante o leu fabri-
c o , j á na acçaó da maftigaçaó.
Olhe-fe muito para que o alimento das amas le-
ia faó; pois que deite lie que o leite fe extrahe, e fe
compõem: elle he hum liquido vegeto-animal, que con-
ferva muitas propriedades da maíTa alimentar. Pois bem
obfervamos , que fe os animaes paftaó o abfinthio lie
amargofo o feu leite , e tem hum cheiro iuaye, e hum
fabor agradavel quando faó fragantes , e faborofas as
fuas paltagens. .
Nunca eu entendi em que a ama tiveíle huma ei-
treita dieta, pelo contrario tenho por primeira regra,
o nao fe afaftar, quanto for poiTivel, do feu coltuma-
do fuftento ; pois habituada aos alimentos groífeiros do
campo , extranha guifados, que enfraquecem. E por cer-
to fe o vigor natural do eftomago, e feus fuccos digei-
tivos faó taó energicos , que de alimentos rudes, e for-
tes extrahem a boa nutrição , que fe diftunde pelos mem-
bros , e brilha na face , e na agilidade do movimento
das gentes do campo ; para que he corromper os bons
humores da ama, e debilitar as forças do feu^eftomago
com manjares taó inertes, que naó eftimulao as íuas
fibras, antes alteraó a economia de feus orgaós.
Os legumes, os frutos, as hortaliças, que de com-
mum fervem de único fuftento nas mezas rufticas, faó
extranhos talvez ás peífoas debeis, e hypocondriacas
mas de miftura com as carnes eftabelecem a dieta mais
íaudavel , e mais propria ; porém como no Tratado
fobre a utilidade dos frudtos impreílo em 1786 , le
tratou efta materia mais largamente , baila dizer, que
achamos mui conforme á razaó, áexpenencia, aos re-
íul-
b Ó S M £ N I N ô £ 57
faltados da anatomia comparada , e as efpeculaçóes fi-
loíoficas , que o homem feja hum animal fetifago por
natureza , e por organizaçaó , e que lo o coítume , e a
neceílidade otornao carnívoro. Naó obítando a figura de
feus dentes , a Símia reduz-fe á mefma ordem a que o
homem e he taóbem fetifago. Nem pôde fer objec-
ção attendivel a debilidade, flatulências, e azias ,
que incommodaó as pelfoas fracas quando fe alimentao
de veeetaes j pois mal fe pôde avaliar o homem natu-
ial por aquelie , que hoje vemos habituado as carnes,
enfraquecido pelos vícios, debilitado pela vida afemi-
nada da Corte, e degenerado abfolutamente da fua pri-
mitiva energia. Mas deixemos huma queítaõ , que en-
gendra outras, e naõ he muito propria deite lugar. _
° Com tudo temos fempre por muito errada a opi-
nião d'aquelles, que prohibem abfolutamente ás amas o
ufo dos fruclos, pretextando o grave danno, que pro-
vém de hum leite azedo , como fempre refeita deitas ma-
térias fermentáveis , caufa, dizem elles, das diarrheas ,
e fllatulencias das crianças de peito; porem fe as amas
forem robuítas, commutaráo melhor ainda os vegetaes,
do que as carnes, e aífim nos moílra a experience
contra o que fuccede ás peíToas debeis, e hypocondria-
cas • e quando mefmo paíTaífe no leite alguma difpofiçao
m r á maior acefcencia , eíta em lugar de fer nociva ,
a" naó fer fobeja , he util a humas cnaturinhas , que a-
bundaó de humidade j e aquecidas do calor interno da
veeetaçaó , deixadas na molleza, e no ocio devem ter
humores muito vifcofos, e tendentes a corrupção, con-
tra a qual he o ácido hum poderofo prefervativo. Mao
feria talvez grande abfurdo, em lugar de attribuir ás
fermentações azedas muitas das diarrhêas da primeira
idade ir antes bufcar-lhes a caufa na podridão , que in-
ficiona as primeiras vias, quando fe abufa das carnes,
e fe defprezaó totalmente os vegetaes.
Explicar-me-hia eu muito m a l , fe podeífe enten-
1 H der-
tf T r a t a d o d a E d v c a ç a õ F y s i c a
der-fe do que fica d i t o , que he do meu intento con-
fervar as amas nO ufò immoderado de fruétos , e hor-
ta liças , quando as crianças fa6 atormentadas de
diarrheas de matérias efverdiadas , e azedas; ou quan-
do vómitaõ o leite muito coalhado e azedo j quan-
do o cheiro da fua tranfpiraçaõ, e os vapores de feus
eítomagos indicao a demafia do gaz aéreo , que as
opprime. Antes neftes cafos reputo oífenfivo todo o
alimento vegetal. Porém eu aqui naõ trato enfermida-
d e s , preferevo regras para o maior numero.
E m quanto ao ufo do v i n h o , agua-ardente , e
outros liquores efpirituofos , e fermentados ; he precifo
que as amas fejaÕ muito reguladas, ainda quando pre-
cedeífe habito inveterado ; pois fe elles enervao o iyl-
tema dos noíTos folidos , e defordenaÓ toda a econo-
mia animal nas peífoas adultas , naõ podem fer ínno-
centes modificando o leite,, que vai tocar os nervos de
hum eftomago tao melindrofo, como he o das crianças
de peito. Naõ nos levemos da boa nutrição da ama,
e do luzimento do menino ,, em pouco tempo fe defva-
nece eíta formofa fcena, e a criança acaba quafi ma-
rafmada , e eonfumida pela ética , e pela diarrhea.
O ufo do chá , e do caffé nocivo quaíi a todos em
hum Paiz quente, he venenofo para as amas , e para
as crianças. Reíervamos para outra obra reflexões mais
extenfas fobre eftas bebidas , contentes por hora de
advertir , que o chá como hum liquido morno alro-
xa as fibras do eftomago , e deítroe a atividade dos
nervos, aflas debilitados pelo temperamento do noílo
clima. Cuíta a crer,, que poííaõ fubfiftir por tantos an-
nos abufos taõ evidentemente contrários á razao, e a
e x p e r i e n t ' 1 , e que naõ vejao todos como fe vao en-
fraquecenu com femelhantes beberagens. Sena melhor
que as fuppriífem com agua fria , c affim tenao mao nei-
ta máquina que per fi mefmo fe gaita, e fe deítroe.
Além do danno , que produz o chá morno como entre
nos
D O S M E N I N O S . 66

ceílitao de lemeinamc firmeza de nervos que nao

f 0 b r e C°o f : U as y p^ a as " h ^ a s , e W o n d r i a c a s pe-


m

ia

f e r , que já mais pude tom ememidade8 , ,e a pon-


n a 6 entraffe em huna wenn0» ^ ^ ffieu

10 W ' qXftavà t m f o coraçaó, e fenda o- mtenor


nome ; allultava ie me u * figurava citar ca-

^ " t ia 'cada
hindo a I nltarte.
n l h n t emú Z s v e « s c «efpafmos,
V fangueque a-
d
penas o tomava t a U a a « o i .P, ^ b ü f e >
por confenfo do eltomayj u i

m 6 pela « * d e , ou p ofo conoborante ; com


cicio em ar livre ne » » » r .. que
6O T R A T A S O DA E D U Ç A Ç A Õ F y s ! GA
que a natureza contara , quando traçou o plano dá
economia animal. E por certo, que os mufculosjof-
tos em acçaó comprimem os valos, que lhes ficaõ em
torno , e ajudaõ o giro dos noíTos humores. Por efta
razaõ enrijando com o trabalho , entorpecemos com o
ocio ; e fem movimento eftagnaó-fe os fluidos, retar-
da-fe a circulaçaó á fuperficie , e de fangue impuro
naõ fe filtra hum leite innocente e copiofo. Em quan-
to ao focego he precifo, que a ama naõ perca as ho-
ras coftumadas de feu fono. Nada tem o poder de
renovar aquelia energia , que haviamos perdido no atu-
rado difvelo de longas horas , fenaõ hum fono def-
cançado. Nem a atividade dos eftimulos, nem a for-
ça dos cardíacos fupprem a falta de dormir. O animal
mais forte cahe vencido do fono , e nunca por largo
tempo reíifte á falta deite faudavel repoifo. Sem elle
a circulaçaó affrosa ; o pulfo faz-fe frequente , irre-
gular , e pequeno ; a cor amarellada; amortecem-fe os
olhos; perturbaõ-fe as digeftóes; embota-fe o appetite;
as forças desfallecem ; confomem-fe as carnes ; e def-
ordena-fe de todo a economia animal. E quando fe per-
vertem tanto todos os humores por effeito de vicio
das digeftões, mal pode o leite confervar qualidades faur
dáveis.
Em quanto ás excreções naturaes cumpre ,, que a
ama leja regulada em todas ellas; por que grande par-
te das moleftias efporadicas naõ tem outra caulá. CuL-
de-fe muito, que o feu ventre fe defonere a tempo ;
pois das fezes accumuladas refulta hum efpirito feda-
tivo, origem de febres nervofas-, ou podres. As di-
geftões naõ podem deixar de fer pervertidas pelos efflu-
vios de matérias corruptas , c o leite , que fe filtra de
femelhante quylo , ha de por certo fer ofFenfivo.
N o que refpeita á diurefi poucos deixaráõ de ter
prefenciado horrorofas cataftrofes, procedidos da reten-
ção. de ourinas». Eíte humor e x c r e m c n t i c i o , mordendo
nos
D O 5 M E U I N O Si
nos nervos da b e x i g a , além de cruéis efpaftnos, e do-
res agudas, que induz neíta entranha , propaga os feus
violentos effeitos até ao eítomago, inteílinos , e mais
longe ainda por confenfo das fibras nerveas, que por
elles fe efpalhaó ; e em fim abforve-fe para a maíla do
fangue , e vai accender febres anômalas , que muitas
vezes depois de v i g í l i a s , delírio , e ferneíi terminao
pelo lethargo, e pela apoplexia. Por tanto haja muito
cuidado , em que a ama naõ retenha as fuas a g u a s ,
antes promptamente fe defonere delias.
Pelo que refpeita á economia da tranfpiraçao he
precifo , que ella feja regular , e permanente > mas no-
tar os i n c o m m o d o s , que provém deita excreção impe-
dida , feria fazer hum tratado de todas as moieítias- da
primavera, o i t o n o , e inverno. A s febres inftammato-
rias , os pleurízes, catarrhos, peripneumonías, rheuma-
tifmos pelo com mum nao tem outra caufa. E r e f l e t i n -
do bem íobre a abundancia deita excreção , facilmen-
te nos convencemos, de que neceífariamente fe ha de
feguir huma perturbaçaõ muito fenfivel na economia
animal , fe a maffa retiver em íi grande copia dos hu-
mores , que de coítume fe evaporaõ pelos vafos exha-
lantes da pelle. Daqui vem , que nas eítaçoes variaveis ,
e nos Payzes marítimos he precifo andar fempre com
cautela contra as alterações da atmosfera: e eu delejá-
r a , que fe introduziíle o ufo dos colletes de algodao
fobre a pelle , por certo grande defenfivo contra as
conítipaçoes affim como advirto , que as infusões de
plantas aromaticas fao hum remedio conveniente para
renovar a tranfpiraçao embaraçada.
Havendo bem ponderado alguns M e d i c o s r i l o í o -
fos a dificuldade , que ha de encontrar amas com as
circumítancias precifas ; pois que de ordinário fad
mulheres pobres,, fuítentadas de raáos alimentos, desfal-
cadas com trabalhos , moidas com defgofios , e taõ-
iniferaveis, que facrificaô, por naõ morrer de f o m e , o.
* bem,
6Z T R A T A D O DA EDÜCAÇAÕ FYSICA
bem de feus filhos ao de filhos alheios : em tal conf-
ternaçaó deraó-le a inventar máquinas, c o m que f u p -
priflem a criaçaó n a t u r a l ; mas eu fupponho deinecef-
f a r i o todo effe apparato , e quando naó bafte huma co-
iher nada lie melhor do que hum bocado de e l p o n -
ia bem l a v a d a , e enfopada em l e i t e ; pois que a m e l -
roa a~çaô , com que o menino expreme a eiponja ,
comprime as glandulas f a l i v a e s , e extrahe efte fucco di-
g e í l i v o , que talvez mal fe pode difpenfar : b e m adver-
t i d o que o leite dos animaes difficultofamente c o n v é m
a hum menino nafeido de p o u c o , que apenas c o m m u -
ta o leite d e f o r a d o , e tenue do feio materno.
A R T I G O X.

J)0 fuftento propria das crianças.


A N a t u r e z a , que fecunda as primeiras fementes das
c o i f a s , he a mefma que fe difvela na fua con-
fervaçaõ. E l l a convidando os animaes á propagaçao d a
efpecie , defde l o g o prepara o mais p r o p n o alimento
da nova criatura. E aflim c o m o na criaçao dos ovipa-
ros fe anticipa em depoíitar nos ovos huma geièa ,
que attenuada pelo calor fe prefta ao desenvolvimento
d o embrião ; c o m igual cuidado depois de fuílentar a
v e e c t a ç a õ do feto no útero dos v i v i p a r o s , leva aos pei-
tos maternos aquelle fluido a z e d o , e aguacento , a que
chamao c l o f t r o ; nutrimento adequado aos primeiros
trabalhos de hum eftomago f r a c o , e pouco a f t i v o . b i -
te cloftro no principio remedio , e alimento , c o m o
tempo pouco , e pouco fe vai engroíTando ao m e i m o
p a l i o , que o eftomago da criança ganha f o r ç a s ; pois
Já naó bafta a confervar as fuas hmcçces aquelle leite
delgado que préviamente lhe fora preparado. A f l i m he
que em conformidade das viftas da n a t u r e z a , nao he
precifo cuidarmos em outro alimento para as crianças
até aos dois ou tres m e z e s , certos de que o leite 1km>
feu mais proprio fuftento.
D O S M E N I N O S . 70

Si suamos o inftin&o dos b r u t o s , e veremos c o m o


muitos'"dos 9 u e m a m m a ó , fe contentao nos primeiros
tempos fó c o m o l e i t e , quando aluis melhor que as nof-
fas crianças poderiaÓ foffrer alimentos g r o í í e i r o s j pois
c u e T ó mais capazes de exercício q.uafi l o g o depois de
?eu nafcimento ' c o m o femelhante exemplo fem bufca
razões eftudadas, fe devem nutrir f ó de leite as
crianças; e havemos por muito dannofo o coftume de lhes
dar outras c o m i d a s , por leves que f e j a õ ; pois nefta ida-
de começaÕ os primeiros eftragos dos orgaos da d i g e l -
t a ó ; e por certo , que os fuccos do eftomago , fendo en-
tão muito f r a c o s , mal podem diíTolver as f a r i n h a s , ge-
lêas e mucilagens dos alimentos c o m m u n s ; e qualquer
coifa que naõ feja o leite de mulher grava , e danna.
N a õ bafta c u i d a r m o s , em que o alimento dos me-
ninos feia proprio , he precifo regular taobem a lua
quantidade. O alimento mais innocente mata fe he de-
s a f i a d o . O leite aíTás brando e f u a v e , quando fobe-
ja , induz a cólica , a indigeftaÓ a diarrhea , o v o -
mito , as convulsões , e a epúepfia. N e m por iflo as
M ã i s faÓ mais advertidas em naõ o f e r e c e r o peito a
feus filhos ainda mal defaflfrontados d o muito que mam-
máraõ. O leite naõ f ó fuftenta a vida das crianças ;
mas ferve por defgraça c o m o hum meio prompto d e
S callar quando choraó. E affim defeançaó as M l i s
fobre hum a b u f o , em v e z de elludarem c o m maior ef-
crupulo o gênio deftes meninos , que nao fe queixao
em v a õ , principalmente antes que os máos hábitos lhes
tenhaõ pervertido a imaginaçaõ.
D e f d e o nafcimento l o g o começa a educaçao
fica, e moral. D e f d e entaõ fe devem acoftumar as c r i -
anças a mammarem a huma hora r e g u l a r , e nefta ida-
de em que tudo facilmente fe c o n f e g u e , pois que nos
pou'eo mais fomos do que h á b i t o s , e educaçao ; nef-
ta idade , d i ^ o , he fácil arreigar hum coftume. Por iflo
mefmo naõ ha acçaõ i n d i f e r e n t e * tudo d e v e fer b o m ,
64 TRATADO DA E D U C A Ç A Ó FYSÍCA

tudo -deve fer meditado. O numero de v e z e s , que as


crianças devem mammar naó pôde bem determinar-fe;
pois J que depende muito da quantidade de leite , que
ellas tomaõ por cada vez. N o s primeiros dias ainda mal
habituadas ao mccanifmo defta nova acçao , e prezas
de lingua difficultofamente engollem a l g u m a s g o t a s de
leite , por tanto Ballexferd ordena por então , que íe
lhes miniftre frequentemente o peito ; mas entenda-le .
f e m p r e , que o eftomago eftá muito f r a c o , e he neceL-
fario naó o fatigar. O s intervallos que nos marca Man-
tell no feu T r a t a d o da EducaçaÓ F y f i c a fao mui Ion-
gos para o primeiro tempo. E u coitumo aconieliiar , .
que as crianças mammem muitas vezes nos primeiros
dias \ quando porém ellas fe defembaraçao a mammar
com facilidade , bafta que pelo commum o façao quatro
ou feis vezes ao d i a , fegundo as fuas f o r c a s , ficando-lhes
a noite para hum fono aturado que lhes he natura ,
e neceíTario ás M a i s , q u e , a ferem cuidado f a s , afias
precifao defeançar de noite. N a ó he indiferente o lu-
gar aonde os meninos devem m a m m a r , o qual d e v e
fer e f p a ç o f o , e livremente arejado : por beneficio de
hum ar defembaraçado, e puro confegue-fe mais facil-
mente rarefazer efte vaó enchendo a boca das crianças ,
que affim chupão melhor o l e i t e ; e efte mefmo ar at-
mosférico entrando de miftura c o m elle no e f t o m a g o ,
concorre para a preparaçaÓ de hum q u y l o mais a í t i v o ,
além de miniftrar mais vigor ás fibras, e dar força^ ao
bofe , que fe regenera com taó faudavel refpiraçao.
Tá a d v e r t i m o s , ainda que a outro refpeito ^ q u a n -
to he n o c i v o o abulo univerfalmente efpalhado de me-
ter rolhas na boca das crianças recem-nafcidas : iao
graves os inconvenientes, que provém do affucar d o
m e l , e da m a r m e l a d a , de que ellas fe compõem. Eftas
golodices deftroem a energia do eftomago ; debihtao os
organs da digeftaÓ ; depravaÓ a aílividade dos fuc-
cos digeftivos) accumulaó cólera j e lançao as piimei-
° ias
D ô S M E N I N O S.
ras fementes da paixao h y p o c o n d r i a c a , hoje por infeli-
cidade tao conhecida da noífa. gente. Ainda mefmo
quando foífem innocentes eftas rolhas pela fua qualida-
de feraó mortiferas opprimindo a refpiraçao , e impe-
dindo a entrada da a t m o s f e r a , que vai deiembrulhar os
v a l o s , e facilitar a circulaçaõ.
N a õ quero dizer , que le deva abfolutamente vedar
qualquer fuftento além do leite materno em todo o tem-
p o da c r i a ç a o , como já pareceo bem a alguns M e d i c o s
doutos. E u tenho experimentado, que ao cabo de d o u s ,
ou tres mezes , fe o menino lie forre , e fadio , pode
ufar de algum alimento tenue, e liquido. H e certamen-
te pelo leite dos outros animaes que fe deve começar. L m
razao da grande analogia , que tem com o noffo primeiro
fuftento. Elie he hum langue branco ( efte nome de que
ufa o Celebre Underwood com os M e d i c o s antiguos pou-
pa largas definições) efte langue pois he tao adoptado
a refazer as partes confumidas pelo trabalho da vida ,
e pelas excreções quotidianas , que o naõ fupponho p o -
der gravar o eftomago das c r i a n ç a s , íe ellas íao v i g o -
roT^s»
Por tanto aquelle que confervar maior analogia c o m
o leite humano , ferá o que melhor convenha ao
noílo intento. O de burras mais aguacento , como m o i -
tra a experiencia, e mais fácil de d i g i r i r , he o que pri-
meiro deve entremear-fe com o leite humano , f e n d o
por certo preferível ao de v a c c a s , que tanto agrada ao
D o u t o r Smith. C r e f c e n d o o menino em i d a d e , no 5 . ,
ou 6 . mez pôde tomar no feu leite alguma g e l ê a , ou
o

mucilapem. O nimio efcrupulo de evitar a fermenta-


çaõ do leite , levou alguns M e d i c o s a querer corregir
efte alimento faudavel com a gelêa de ponta de veado ;
he c e r t o , que a naõ poder excuzar-feo fuftento a n i m a l ,
efta gelea feria a mais leve ; mas ella corrompe-fe lo-
g o , e precila renovar-fe todos os dias, em t a n t o , que
o S a l e p e , o S a g u , e a Tapioca além de nag eftareni fu*
A J
66 T R A T A D O DA E D U C A Ç A Ó F Y S í C A

ieitas á fermentaçaõ animal , daõ-fe tãobem com os


eítomagos debeis principalmente fendo aromatifadas com
canella , e por iiTo de ordinário prefcrevo eíta dieta
aos meninos, que eílaõ a meu cuidado.
Muitas vezes por variar alimento uío da rarinna
de arrós torrada j cuja mucilagem lie mais leve , que
a geléa do trigo, de que fe faz a papa. Efta maíía
croiíeira lie conhecida pelo mefmo nome de quafi to-
das as gentes da Europa , tanto poder tem o erro ás
vezes, que fe extende ao longe a pezar das vans de-
clamações de peífoas humanas , e zelofas do bem pú-
blico. "Coftumaõ alguns educadores mais entendidos tor-
rar a farinha de trigo, bufcando aífim attenuar a vil-
cofidade do feu grude; mas fempre fallece aquella di-
viíád myfteriofa , que refulta do movimento inteftino da
fermentaçaõ entre as primeiras particulas; por tanto o
paó levedado bem cozido ? desfeito , e recozido no leite
lerá muito mais fácil de digerir , e mais faudavel do que
efta papa groíleira da farinha de trigo vifcofa , e naõ
fermentada.
He taõ ordinário coítume nos homens apartarem-le
dos trilhos da natureza , que podemos aífegurar de tu-
do o que for util , que ha de fer rejeitado: aflim he
que o leite he negado ás crianças com o pretexto de
azias , e flatulências. Eu naõ duvido que de ioo me-
ninos haja 3 , ou 4 , que fupportem mal efte alimen-
to , por ferem debeis em extremo , e taõ fenfiveis de
nervos , que o ácido da fermentaçaõ, por brando que
feja , lhes efcandalize a tunica villofa, que forra o ef-
toinago , e os inteítinos ; porém qualquer tintura de
flores de macella, de íementes de herva doçe , de fun-
cho , huma pequena porqaõ de canella junta com o leite
remedeaõ promptamente taõ leves incommodos. Algu-
mas vezes fuccede naõ baftarem eítas cautelas entaõ^eu
uíb de 2 , ou 3 grãos de gengivre com 6 , ou 10 grãos
de Rhabarbaro 3 e outro tanto de Magnezia em hum
xa-
DOS M E N I N O S . 67
xarope de cafca de laranja. Ouíras vezes advirto, que ef-
te gaz, produfto da fermentaçaõ do leite, emenda a cor-
rupção , que refulta da humidade , e do calor , e lie hum
corredivo contra os vermes , que alias le geraõ, e ani-
nhaõ com facilidade nos inteftinos das crianças, accent
dem febres , induzem cólicas , convulsões, epilepfias,
diarrheas , marafma , ética, e morte.
O alimento folido , a aforda , e a papa concor-
rem para o choco dos vermes , e para que mais nocivas
fiquem, faõ adoçadas nimiamente , quando lie coifa fa-
bida, que os alimentos doces contém huma grande quan-
tidade de materia aflucarada, que aliás muito nutritiva,
folta comtudo hum g a z , ou ácido carbonico, que em
eftomagos fracos accumula flatulências •, e de femeihantes
alimentos forma-fe hum chilo groííeiro , e mal dirigido ,
que obftrue os vafos lácteos, miniftra liiccos impropnos
para o officio da digeftao, e convertido em fangue he
terreo , a fua animaliláçaõ difficil, e a nutrição que delle
refulta viciofa : por efte modo fe formão os tempera-
mentos das peíToas fleumaticas , e frouxas , que apo-
drecem no ocio ; infipidas para f i , e inúteis ao Eftado.
O alimento liquido convém melhor, que o foli-
do ás crianças, mas defte mefmo lie precifo ufar mo-
deradamente ; no principio talvez bafte huma vez ao
dia , porque eftomagos fracos, e defacoftumados de ali-
mentos mais difficeis de digerir, tarde commutaõ, prin-
cipalmente faltando o exercicio , quafi impraticável na
primeira idade; porque f do tempo lie dado ao fonno.
Entrados porém os meninos nos oito, ou nove
mezes de fua idade, rebentaÕ-lhes os primeiros dentes,
a que chamaÕ incifores , e entaõ a natureza mol-
trando efte inftrumento proprio da maftigaçao nos ad-
verte de que os alimentos folidos que preciíao corta-
dos , já entraÕ a fer convenientes. Ainda mais nos ad-
verte de que as crianças já entaõ mais fortificadas ,
podem taõbem melhor com as digeftões, porque a faliva
68 T R A T A D O D A E D U C A Ç A Ó F Y S í C A
hum dos fuccos taô poderofamente d i g e í t i v o , que da
falta delia fe feguem as más commutações tantas vezes
obfervadas pelos M e d i c o s , a f a l i v a , digo , começa a fer
mais copiofa ; he v e r d a d e , que ella vem a ler hum re-
medio , para abrandar a dureza das gengives , m i t i g a r
as d o r e s , apagar a i n f l a m m a ç a o , e facilitar a erupção
dos dentes ; mas taõbem miíturada c o m o alimento f a -
cilita a lua diíToluçaõ , e deite m o d o na boca fe co-
meça o primeiro officio da digeítaõ.
H u m a côdea de paó bem fermentado , e bem co-
z i d o h e , além de alimento> hum excellente r e m e d i o , que
exercitando os novos dentes , comprime fuavemente as
gengives , e facilita a dentição. E deite modo fe ex-
cufaõ cífes feitios de marfim , de prata , de c r y f -
tal , que fe penduraõ ao p e f c o ç o das crianças^ para
lhes rerrefcar a boca > e para outros u f o s , que nao tem
rafaò. . r
A f f i m fe conduzem eftas pequenas criaturas i m g e -
l a , mas faudavelmente. B a f t a - l h e s , c o m o d i c e m o s , nos
primeiros mezes o leite materno ; depois o leite de bur-
ras , e de v a c c a s , e alguma mucilagem leve ajudaõ f u f -
jficientemente a fua v e g e t a ç a ô ; crefce a i d a d e ; v e m os
dentes , e poucos manjares fatisfazem o feu dezejo
exeufaõ g u i f a d o s , e m o l h o s , temperos picantes, e a d i -
vos , que corrompem os h u m o r e s , e convidaõ a gula»
N a o he precifo mais do que a fome^ para temperar os
c o m e r e s , e quando as golodices naõ tem depravado o
appetite, huma côdea de pao lie muito faborofa.

AH*
DOS M E N I N O S . 69

A R T I G O XL
Bo modo , e do tempo próprio para defmammar
as crianças.
ANdando os t e m p o s , a criança munida de novos
d e n t e s , e afeita ao trabalho da m a f t i g a ç a o , abun-
dando de f a l i v a , e mais firme de fibras, porcme ^ a-
c o a de lua cryftallifaçao eftá mais enxuta , pode ja ir
entrando melhor com os alimentos duros , com tanto
aue fejaõ em pequena quantidade, e miniftrados a h o -
ras regulares. Completo o anno de fua idade ja conta
quatro dentes; já dorme menos; já fupporta ao collo
largos paíTeios ; em fim tudo moftra , que o leite ma-
terno lhe vai fendo fuperfluo , e talvez i m p r o p n o por
' fer pouco a f t i v o , de mui tenue alimento , e incapaz
de excitar aquella acçaó precifa que entretem a ela ti-
cidade das fibras , as quaes naó fupportando eíhmulos
fortes , fempre precifaó , para naó entorpecerem, ler
b r a n d a m e n t e eílimuladas. Por outra rafao fe alcança que
no fim do anno fe podem hir defmammando as crianças
pois vemos , que o útero até alli pafmado e raramente
fufceptivel de 2oncepçaÓ, por efte tempo , livres as M a i s
para novos cuidados , continua a moftrar os f r u d o s da
fua benefica fecundidade.
O modo de defmammar as crianças he para a gen-
te de hoie huma arte de muito trabalho. Ella culta
vigílias fadigas ás a m a s ; c h o r o s , e doenças aos mi-
feraveis meninos. E tudo v e m dos máos h á b i t o s , que
i3or defcuido lhes foi livre contrahirem.^
N a ó faltaó M e d i c o s , que fupponhao de tanta con-
fequencia efte período , e temaÓ tanto a paílagem do lei-
t e á alimentos f o l i d o s , que femanas logo depois d o
nafcimento entendem em nutrir com elles as fuas crian-
ça para evitar a extranheza, que eftas e x p e r i m e n t a d o
l o tempo e m q u e fe defmammarem. Outros « t e n d e m tao
/
70 TRATADO DA EDTTCAÇAO FYSICA
longe o período da criaçaó , que naó fe contentaó de
que ellas mammem menos de tres a n n o s , julgando que
até entaó o eílomago naõ tem forças para digeílões
mais deficultofas , maior mente paíTando fe neíle intervallo
as grandes dores da fahida dos dentes , as erupções
cutaneas , aftas , e muitas vezes o ferampo , b e x i g a s ,
e outros males , que requerem dieta t e n u e , e que deven-
do fer attendidos com medicamentos p r o p r i o s , mas pou-
co a g r a d a v e i s , fó podem fer bem remediados medican-
do-fe o leite das a m a s , o qual temperado coin hu-
ma dieta conveniente , e remedios adequados fatisfaz
ambas as indicações de nutrir , e curar.
H e c e r t o , que algumas vezes fe me apprefentaõ
crianças taõ debeis, e doentes, que eítando j á em t r e s ,
ou quatro annos de idade , e abandonadas de M e d i -
c o s , fou de v o t o que fe lhes chamem amas que de no-
v o as amammentem , e fem outro remedio em pou-
c o tempo tenho tido o prazer de curar , e reduzir a
huma vigorofa vegetaçaõ crianças marafmadas , e d e
cuja penofa vida fó na morte fe efperava f o c e g o . M a s
quando ellas faõ tratadas fegundo as regras p r e f c r i p t a s ,
f a d i a s , e bem nutridas excufaõ huma criaçaó taõ d i -
latada , inútil para ellas, e de certo muito prejudicial
ás M a i s , que fe desfalcaó para outras ^ criações. T o d a -
via he p r e c i f o , para emendar huma prática abonada por
boas a u t o r i d a d e s , expòr as rasóes , que me levaõ con-
tra as duas opinióes correntes relativas a eíle a r t i g o ;
e vem a f e r , que huns daó muito c e d o o alimento
f o l i d o , outros confervaó l o a leite as crianças por lar-
g o tempo.
Primeiro que t u d o , eu naó poíTo convir com o
v o t o d'aquelles, por fuppôr fer contra a ordem da na-
tureza dar alimento extranho , quando ella tem prepa-
rado no leite da M á i hutn fuílento fobejo á nutrição
nos primeiros mezes. D e mais fe nós v e m o s , que ef-
te mefmo l e i t e , o mais brando , o mais d i g e í l i v e l , e
o
DOS M E N I N O S . 71
o mais natural dos alimentos, l o g o no principio tem
muito menos confiftencia , e que f ó depois a vai g a -
nhando , entendendo allim a natureza fabia em naõ gra-
var o eftomago deites tenros individuos; fe o leite das
a m a s , fendo de muito tempo , he mal foffrido pelos
meninos recem-nafcidos, e he piecifo que elle feja agua-
d o , e forofo como vemos fer o cloftro > entaõ como
foffrerá alimento extranho huma criança , que nem fup-
porta hum leite mais groífo , e conüítente ? M a s ao
p a ç o que pouco , e pouco fe vai vigorizando eíta pe-
quena criatura, o feu eftomago fe enrija j os feus fuc-
cos fe tornaõ mais efficazes , e o exercício vai fortifi-
cando os feus nervos. Por eíta mefma gradaçaó fe po-
de com cautela ir difpondo , para que pafle do leite
humano a ufar de outro alimento ; mas nunca nos pri-
meiros mezes ferá innocente a prática , em que vulgar-
mente eftaõ as amas , que enfartaõ de alimentos g r o f -
feiros eítes pobres innocentes.
A g o r a relativamente á fegunda opinião tenho por
demafiadamente longa a criaçao de t r e s , ou quatro an-
nos ; e por certo , que os dentes naõ forao dados ao
animal fem deítino : elles devem preparar , dividir , e
triturar as matérias de fua nutrição. Quando a nature-
za miniftra efte inftrumento , já tem fortificado de tal
modo os orgaõs da d i g e f t a õ , que elles podem com a-
limentos mais folidos do que os leites , e do que os
caldos. A o s oito mezes fe a criança naõ he muito dé-
bil foffre alimentos e x t r a n h o s j e algumas , que por ni-
mia debilidade naõ podem fe naõ com o leite m a t e r n o ,
taõbem paífaõ muito além deita i d a d e , fem que os pri-
meiros dentes appareçaõ , e para o dizer de huma v e z ,
aífim como o alimento extranho no principio debilita ,
e cança o eftomago dos m e n i n o s , igualmente o leite por
fi fó he infuíiciente , quando elles eftaõ mais robuftos.
A g o r a fuppômos de nenhum trabalho defmammar
as crianças, com tanto que fe pratique o que fica ad-
ver-
72 TUATABO Í) A E 0 Ü C ! A ( 5 A O FYSICA
-vertido por todo o tempo que decorre do nafcimeiW
to até ao termo da criaçaó. B a i l a , que dos tres mezes
n^r d i ^ u e tomem além" do peito algum tanto de leite
S e bu ra depois paíTaó-fe i o d e vacas: do q u i n t o , e
f e x t o meV por diante miílura-fe-lhes com o leite algu-
ma comma leve para encraííar efte alimento e quando
lhes apontaõ os dentes , e começaô a maftigar foge-
fe lhes P O U C O , e pouco com o p e i t o ; affim le diftia-
hem da mamma fem que o fintaô ; e na idade de hum
anno ou anno e m e i o , fe foraó convenientemente cria-
dos acha6-fe naturalmente defmammados fem traba-
lhos', nem e s t r a n h e z a , ou doenças.

a r t i g o XII.

Da dicta propria para as crianças depois de dej-


mammaaas.

HUma v e z defmammadas trata-fe do feu alimento


proprio: nefte artigo os abufos eftao tao arreiga-
dos , que parecem quafi incuráveis. Se eu nao vira c o m
a d m i r a ç a Ó quanto a Filofofia tem reformado a o p i n i ã o ,
f o penfar q commum da E u r o p a , avaliaria em nada to-
dos os T r a t a d o s de EducaçaÓ ; mas em Portugal aos
d o nte apagao a fede a r d À t e das febres com bebidas
copiofas , i í os febricitantes , e os bexigofos ufao li-
vremente dos f r u f t o s . A laranja , que em outro tempo
f o geralmente condemnada, hoje he huma fruta faluti-
fe a e medecinal, que fe aconfelha ate as p a r i d a s , tal-
v e z fim com a mefma rafaó , com que em outro tempo
fe reprovava. Por t a n t o , na efperança de que nao fi-
c a r á i n ú t i l com o andar dos tempos o meu trabalho
nao me enfado de r e d i z e r , que a dieta da primeira ida-
de deve fer t e n u e , frugal , e faudavel. ^ e n c a r e s
e os feus caldos bem pouco me parecem próprios as
crianças, nem poíTo cahir n a r a f a o porque Authores C e -
D O s M E U I N o s. 73
lebres os aconfelhao. Tanto pôde o coftume de matar
animaes, e banhar em fangue as maós, e o peito , que
fe teve por licito , e conveniente o que fora barbari-
dade , ou penúria. Eu eílou bem feguro, que o efto-
mago das crianças abundando de humidade , e calor lie
hum lugar difpofto a fomentar podridão.; por tanto as
carnes , que já de fi tendem a efta ultima fermenta çaó ,
entrando alli promptamente fe corrompem , e faò hum
alimento improprio neíla idade.
Além dos males fyficos , que reíultao^do ulo cias
carnes , naó he extranho que ellas induzao em noífa
conftituiçaõ crueza, e ferocidade; nao fomente porque
acoftumados a fer duros efpe&adores do cruel degolladoi-
ro de entes fenfiveis , com mais hum patTo facilmente nos
habituaremos a olhar com a mefma infenfibilidade os
males da noífa efpecie ; mas taõbem porque entrando
ellas na compofiçaõ de todos os nolfos humores, po-
dem mudar eífencialmente o noíTo temperamento , exal-
tar a cólera, e dar-nos o máo humor dos animaes fe-
rozes. Embora paífe por efpeculaçaó filofofica, ou tal-
vez por hum delírio de efcola, a dieta Pythagorica, que
£m tanto eu acho muita rafaó aos Egypcios excluindo da
Magiftratura criminal os homens occupados nos mata-
doiros. Mas em fim deleitem-fe os Filofofos neítas;
efpeculações humanas, e agradaveis, que nao pertence
aqui analyfar fentimentos moraes. ^
Todavia fempre peço muito aquelles, que crera
pouco em theorias filofoficas , fu ppondo-fe com im-
pério abfoluto fobre toda a natureza , que olhem para
os homens do campo , robuftos , e fadios ; pois elles
faõ os que menos fe aproveitaò do direito fanguina-
rio tirando quafi todo o feu fuílento do reino vege-
tal 'Eu polTo apprefentar meninos muito luzidos em fua
faude, e nutriçaõ , que nunca paíTárao de leite, e ar-
roz , farinha torrada , tapioca , e alguns trudtos, redu-
zindo-fe as fuas comidas a $ , ou 4 em 24 horas ; ao
"DO TRATADO D A E D U C A Ç a õ F Y S I C A . 74
meíino t e m p o , que v e j o outros cevados com as carnes,
c iguarias de exquifito fabor , que enfraquecidos pelo
pefo do alimento animal morrem de diarrhea podre ,
5 e lyenteria , e de atrofia , mal foffrendo a/obrecarga de
ta6 iuperfluo nutrimento. Por tanto eu tenho para mim
e obfervo em minha prática confervar os meninos em
dieta v e g e t a l , em quanto a debilidade de feus l o l i d o s ,
ou alguma doença naõ moítra fer precifo paíTalos ao
ufo das carnes. ,
O chá , caffe , agoas q u e n t e s , e aíFucaradas, e
todas eíías bebidas, que ufadas fem moderação deftroem
a energia dos nofios folidos ainda quando ja eitao
fortificados pela idade , necelTariamente devem produ-
zir grande eftrago fobre as crianças , relaxando-lhes
os n e r v o s , e augmentando mais a froxidao das fi-
bras de feus eílomagos debeis , e amollecidos pela hu-
midade , e que aliás precifaÕ de c o r r o b o r a t e s para ga-
nharem vigor 5 e refiílirem ao continuo trabalho da di-

gCftTgualmente reprovo o ufo de vinho ; liquores e f p i -


rituofos; e bebidas fermentadas, q u a e f q u e r que íejao ;
a pezar de alguns Authores as terem aconfelhado com
o fim de corroborar as crianças debeis , e raquíticas.
N o s paizes feptentrionaes, onde hum frio intento con-
trahe os vafos cutâneos , embaraça a tranfpiraçao , e
até fuffoca inteiramente a acçaó da vida , neftas regiões;
talvez le poíía permittir femelhante liberdade j j u n d a
aflim as fricções brandas íobre a pelle fupprinao bem
taõ arrifcado expediente. Entre nós o vinho he iem-
pre nocivo ás crianças, e p e l o . ordinário induz diar-
r h e a s , t e n e f m o , caimbras , c o n v u l s o e s , epilepfia, e t o -
da a efpeçie de erupções cutaneas.
I

AR*
dos M E N I N O S . 82

a r t i g o XIII.

Do defcanço , <? movimento das crianças.

TV T O , Drimeiros momentos depois do nafcimento to-

N ?os = n a , r de:
E Pr0rrrvTdâ £ r e t e r o a l i m e n t o do M e m a ner-
curfo da vida para rerazer a t u r a d a s da econo-
v o f o , que fe debilita na tuncjoes na
mia a n i m a l , nunca elle he mais necena i
primeira i n f a n d a , quando ainda e x t r a n o s , : traço
Ltimos qualquer pequena ^ o como '
forço p

C
d fo°'noTo S ^ S * em eftabelecer o ^
fturno , para defde l o g o as a < a o verta
emprego d o ^ ^ o J o ^

dem natural das c o i f a s , velando de noite pa


çar d e dia fempre 1lhes fe a noerva e e,:tia
lhan
í t teaitS fe executa pelas t r e v a s ,
m °a ffria
• a humidade
humidade da
da nnoite afroxa a fibra; enrouquece;
e fobre os ^ ,
e conltipa. A l u z , cum » q u e vivendo
tao p o d e r o f a , como & • v e ' <1 eftimula
em lugares fombnos fao pallidos:, a luz q cQm.

íe ò dia he tâõbem muito incommodo para o f o c e g o ,


"DO TRATADO D AE D U C A ç a õF Y S I C A .83
porque o fufurro dos animaes inquieta , e perturba o
Ion n o ; o calor da atmosfera augmenta o fuor^, que j a
era convidado pelas coberturas, e pela relaxaçaó da pel-
le ; pois a cama naó he outra coila fe naó hum banho
dç, v a o o r , que entorpece quando dura muito tempo.
Paliando ao movimento , e e x e r c i d o , eu naó to
m o indiferentemente hum pelo o u t r o ; antes com o
D o u t h o r Smith entendo pelo primeiro , qualquer agi-
taçaó , que naó fe faz á cufta das noífas 'forças ; e pe-
lo f e g u n d o , aquelle esforço , em que fe exercitaó os nof-
fos mufculos , e nefte íentido he que eu d i g o m o v i -
mento de fege , de r e d e , de mar & c . A o contrario exer-
c i d o de p a í l e i o , de carreira , de d a n ç a , de baile & c .
O movimento convém ás crianças nos primeiros mezes
c m quanto mammaõ : huma v e z defmammadas j á co-
meqaó a arraftar-fe, e d'ahi a pouco deixando-as a l i ,
principiaÓ a tentar fe podem firmar os primeiros paf-
fos. H e de. a d v e r t i r , que eu tenho por d e f n e c e f l a r i o ,
e ainda mefmo n o c i v o , o ufo das andadeiras, e_ de
qualquer outra invenção dirigida a fazer andar as crian-
ças ; pois que fó a natureza fabe quando ellas eítaõ
aífás' vigorofas , e quando podem defembaraçar os feus
paflos. A s andadeiras além de oppriroirem o pei-
to dos meninos , fuftentando-os fobre as p e r n a s , faó
occafiaó de torturas , c o m o todos os dias vemos fucce-
der áquelles , que fe poem a andar antes , que o olfò
da cannela tenha a precifa confiftencia , o qual fe fe tor-
ce , leva comfigo os m u f c u l o s , e aífim fe fôrma hu-
ma d i s f o r m i d a d e , e ás v e z e s aleijão. „ Nunca vi ( d i z
„ hum educador F i l o f o f o ) que os homens naó foubef-
£ém andar por falta de enfino. E por certo deixem a ft
" o menino , que elle imitará , e apprenderá : as fuás for-
,, qas feráó a regra dos feus primeiros enfaios , e os feus
palíeios feráó medidos pelo feu vigor. Elle andará quan-
do poder andar, nem para iíTo precifa de meílre. „
T a o b e m naó he indiferente o lugar onde fe pra~
ti--
D O s M E U I N o s. 77
tfcaÓ os paífeios na infancia. NaÒ he pois o m e f m o
paíTear em hum lugar f e c h a d o , cujo ar lie impuro , e
iem elaíticidade , quer l e a hum a fala perfumada por
a r o m a s , ou hum albergue inficionado de miafmas cor-
r o m p i d o s , e de exhalações húmidas, naó he o mcimo
Zo? do que paffear em hum prado e f p a ç o f o , onde
a atmosfera fe renova pelos v e n t o s , e onde os vapo-
res da terra , e os effluvios das flores embalfamao de
v i d a , por aflim d i z e r , eíte elemento vivificante. A s fa-
m i l i a l deita C o r t e , que ficaÓ longe do c a m p o , nao
podem ter lugar mais proprio para os exercícios da
infancia do que o Paííeio público. A s horas da m a -
nhãa faó as melhores. „
Seria para mim hum prazer infinito , ie chegaiie
a ver as M ã i s conduzindo feus filhos a eíte ameno lu-
gar , onde deixados em liberdade os innocentes meni-
nos correilem com os feus compaiilieiros , a p r e n d e n d o
aflim a amarem-fe , e a eítender a toda a humanida-
de a idéa de i r m a ó s , e de parentes. A hora da ma-
il hãa , quando o ar eftá mais frefco , quando a lida ,
e concurfo da gente na6 tem ainda levantado p ó , o
m o v i d o os entulhos, e lameiros, que apodrecendo em
todas as ruas , inficionaò a atmosfera , e quando em
fim a evaporaçaó do ar v i t a l , que por intervenção da
luz dimana dos v e g e t a e s , he mais c o p i o í a e t t a ne c e i -
tamente a hora mais propria para o exercício das crian-
ç a s , que fe regofijariaô muito d e c o r r e r , e l a l t a r , re-
cebendo a hum tempo multiplicados benefícios j a dar
falubridade da atmosfera , j á da agitacao de feus c o r -
pos , e práticas amigaveis de feus collegas. _ f
F Eíte exercício he muito neceffario na primeira ida-
de em que os mufculos eítaÓ'ainda f r a c o s , e preci-
faó acitar-fe , e endurecer-fe com o exercício , e e m
que a humidade f o b e j a , e he miíter diffipalá pela tranf-
piraçaó ; mas como o fangue naÓ corre com a quan-
tidade. de movimento neceffaria para vencer os ob a -
"DO TRATADO D A E D U C A Ç A Õ F Y S I C A . 85
ralos que encontra na fua paííagem até á f u p e r f i c i e , naó
nóde defonerar-fe deite humor fuperfluo , ie os mufcu-
f o s naó ajudarem o feu curfo entrando em acçao E
c o m o filtrará o fígado a cólera , fe os mufculos abdo-
m i n a e s naó o comprimirem para ajudar hum circulo de
fi f r o x o e v a g a r o f o . ? C o m o fe corroboraráó os mem-
bros fe eilesTe naó moverem ? A s digeíloes feráo tar-
dias ' e imperfeitas ; o quylo naó poderá paílar fe as
oeauenas forças do menino nao forem ajudadas por hum
W o , e v i v o exercício. Eis-aqui porque as crianças
p o r i i p u t f o mefmo da fua natureza, quando nao d o r -
mem eíláó f e m p r e e m continua a g i t a ç a o , e nunca pa-
ra ó È fe accafo fe defcuidaÓ, e lè aquietao he preci-
f o provocalas ao movimento. N e i l a idade fe decide da
forte do homem j trata-fe de fazer hum individuo mol-
e e n f e r m o , t r i f t e , e pezado , ou hum animal v i g o -
r o f o , f a d i o , a l e g r e , e útil? Pois a educaçaó he que Q

deter Vtóm-fe os alimentos para eítimular-lhe o ap-


petite • fobrecarregue-fe o pequeno eftomago da crian-
ça deite-fe ; ligue-fe ; feiehem-fe-ihe portas , e janel-
£ ' . c ella entorpecerá no ocio : ao contrario coberto
c o m Pouca roupa , ufe de alimentos tênues , e pouco
v a r i a d o s i faia , e paífeie ao ar l i v r e i folfra o v e n t o
e frio - queime-fe ao foi , á chuva , e corra animado
por algum premio a vingar o cume de hum o i t e i i o
a proporçaó de fuas f o r ç a s , e da fua i d a d e j e e m bre-
ve tempo experimentará o beneficio da rudeza do feu
trato : f a d i a , e a f t i v a c e d o pagará os trabalhos da fua
fim pies , e fácil educaçaó. . .
P A efte artigo pertencem os exercícios gymnaíli-
cos da infancia. Q u e m duvida de que a l u t a , a bar-
a , o j o g o da b o l t , e as corridas t e n d e f e m a enrijar
os homens ? C o m o explicaremos nós as f
nadas forças dos noífos maiores , que v e f t i d o s de f e -
ro brandiaó lanças , e j o g a v a ó a r m a s , c o m que o e
dos M E N I N O S . 79
anenas fe pode mover o homem mais alentado ? O exer-
cicTo defde a primeira idade pouco e pçuco lhes en-
durecia os m u f c u l o s , e fortalecia de tal mane,ra as
fib as c u e adquiriaõ depois líuma robuftez de que 1,0-
íe nem fe pód\ fazer idéa. Ballexerd faz medir os
a r m a m e n t o s antiguos com as forças dos modernos e
d i " q«e da v i d ! a f t i v a , e exercitada vmha toda a dif-
f e r e n c a , que v a i de nós a noilos pais.
? A q u i tãobem pertencem a d a n ç a , e o baile Tal-
v e z que feia ridículo ver hum homem fizudo lah.r a
d a n ç a r , e occupar-fe da oftentaçaã frívola de certos
paflos affeítados , • e tregeitos p u e r i s ; porém nao conto
J>r nerdido o tempo , em que os meninos ten ao U-
I t s ^ e dança pois efte o modo de os lujeitar a
C exercicio regular , que lhes ftm.fica o . mufcu-
los que lhes defembaraça os p a ç o s , c que lhes adel-
tra a marcha. M a i o r m e m e a p p r o v e o exercício forte
das contradanças : elle convém a todas as idades , e
he hum movimento muito v i v o , que excita alegria o
tó N a ó houve ainda na fociedade hum enter-
e ! S mais útil , nem hum « m é d i o mais prompto
para emendar a vida ociola , e fedem.» d nofl
damas principalmente no i n v e r n o , quando a imempe
rança d o tempo impede os pafíeios ao ar livre.
O i n v e r n o , a cftaçaõ mais incommoda para o paf-
ftio he c o m « d o aquella , cm que he precifo ma,or
movimento para acelerar a eirculaçaé , e: conferva,• hn-

3 . m m í r í eS r a b ^ , ' S ™
i fu o e r f i c i e ' d o s corpos. Por tanto cumpre que em lu-
g a f P d e n ô : d e f g o f t a i ^ o s , de que as crianças nao paf-

l 0 « p ^ ^ ^ »
X k a d e eP
v i v e z , enfinando-lhes a jogar a p e i t a ;
g s a b o L ! e o bilhar; brincos que ennjao as fi-
bras ; difpocm os meninos para o trabalho , e corro
Ho T R A T A D O DA E D U C A Ç A O FÍSICA
boraô de tal maneira as forças , que as fuas funcções
fe executao fem interrupção, a pezar das alternativas da
E í h ç a ó , e da a t m o s f e r a , que aliás influe tanto nos
temperamentos fracos das pelfoas valetudinarias, entor-
pecidas no ocio , e na inacçaó.
Se ainda nao baítaõ eftas razoas para c o n v e n c e r os
Pais da utilidade de huma educaçaõ a d l i v a , e de quanto
importa , que as crianças fe exercitem em largos paíTeios,
em j o g o s , c o r r i d a s , e todo o genero de acçaõ meca-
jiica , entrem nos Armazéns do A r f e n a l do Exercito ^ ve-
j a õ com que armas os noífos Portuguezes debelláraó os
A f r i c a n o s ' ; e confiderem fe homens de taõ agiganta-
das forças podiao conhecer eíte Proteo de enfermida-
des nervofas , que hoje afflige j da eípecie humana :
pois advirtaõ , que eiles naõ bebiaõ chás , nem caíFes j
pouco fe enroupavao , e as M a i s feguiaõ nas marchas
feus maridos , levando nos braços as tenras crianças naf-
cidas no campo , e que apenas c o m e ç a v a õ a arraílar-fe ,
naõ tinha o outro f o c e g o fenaõ em quanto d o r m i a õ : e
como o officio de todo o homem era o das_ a r m a s ,
com tempo fe entrava nas e f c o l a s ; e os exercicios g y m -
nafticos ferviaõ de entretenimento á mocidade Luíitana.
A f l i m fe formáraõ os A l b u q u e r q u e s , os A l m e i d a s , e os
C a í t r o s ; affim os A f f o n f o s todos , pois entaõ as tendas ^
.dç guerra eraõ as falas dos R e i s .

A R T I G O XIV.

Do modo de veflir os meninos.

POuco me ficaria , que acçrefcentar ao artigo da ar-


te de penfar as crianças, fe o erro , e a vaidade
naõ inventaífem novos motivos para cubrir os feus falfos
procedimentos. „ Neíla idade , dizem os Pais , em que
„ as crianças fe defembaraçao a andar, he quando tao-
w bem foffrem mais as alterações do frio , e do calor ?
v da
b o s m e n i n o s . Si

•, da feccura , c da humidade fegundo ellas v i v e m mais


V expoítas ao tempo. Então fe nós vemos os mef-
" mos adultos endurecidos , e afFeitos pela idade a taó
55 d i f e r e n t e s modificações enfermarem atacados de ca-
" tarrhos v i o l e n t o s , tolíes f e r i n a s , p l e u r i z e s , rheumatif-
" mos , e toda a geraçaõ de febres agudas , e doen-
" ças inflammatorias , que naõ havemos de efperar para
„ as nolfas crianças debeis , delicadas, e taõ mimofas
„ quando der fobre ellas o rigor do inverno , fe naõ
„ eftiverem bem reparadas contra as fuas inclemências ? „
A minha refpoíla he fuccinta =í T e l a s bem acauteladas í=i
por iflb mefmo que as crianças nunca foraÕ enroupa-
das , que fofrêrao mal cobertas, l o g o que fahirao ao
mundo , o f r i o , e a h u m i d a d e , o c a l o r , e a fecura ,
por ifto que entráraÓ no banho f r i o , endurecerão as
fuas fibras , e reforçáraõ os feus orgaõs , naõ fentenx
c o m o as peííoas de hoje m o l l e s , e afeminadas tantos
e f t r a g o s , logo que tem o mais pequeno deícuido em luas
nimias cautelas. A s crianças que faó educadas defde
o berço como acima dilfemos , alimentadas com m o -
deraçaõ , agitadas com todo o e x e r c i d o de que ellas faó
c a p a z e s , e em campo l i v r e , naó tem nenhuma fernelhan-
ç a com elíes filhos do luxo , cevados na gula , abafados
em fumptuofas veftiduras, fuffocados em camarins ef~
* crupuloíamente calefetados , e em fim apodrecidos no
o c i o , e na preguiça. Quaes faó as peífoas, que v e m
a fer mais fenfiveis ao ar ? A experienciá que refpon-
da • A q u e l l a s , que mais delle fe reparaõ , e que menos
lidaõ. O verdadeiro meio de evitar as inclemências d o
tempo he agitar-fe, e andar fernpre expoílo ás alterna-
t i v a s da atmosfera. . .
E u naó quero d i z e r , que os meninos le nao cu»
braó ; mas que fejao leves as fuas coberturas. A s rou-
pas de algodaõ , e linho faó baftantes para os defen-
der do maior rigor do tempo. O modo de talhar léus
yçftidos naõ he taobem coifa indiferente. Hum gran-
L de
$2 T * AI? A B O DA E D U C A ÇA 6 F Y S I C A
de dezejo de fazer paflar crianças por homens he a
paixaõ das M a i s , e eíte a b u l o , que na educaçaó m o -
rai he taó reprehendido , tem naõ fei que de n d i c u -
l o até no trajar externo. A l é m de que íeguem-fe gra-
ves dannos ás crianças por fe veílirem de c a l ç õ e s , v e f -
t i a s , cazacas , çapatos , fivelas , e outros atavios , que
o homem inventou para fua tortura , e acanhamento
da fua efpecie. Se naò tragaõ-fe á memoria as refle-
xões , que fe fizeraó contra o conítrangimento , e aper-
to das f a x a s , , e volvedoiros ufados na primeira idade , ,
e l o g o nos convenceremos de quanto nocivas faõ ás
crianças femelhantes veítiduras , que perturbaô o m e -
canifmo da c i r c u l a ç a õ , impedem as evacuações n e c e f -
farias , e defarranjaõ todo o miniíterio da economia a n i -
. mal. Attendamos como a natureza para poder con-
duzir o fangue das e x t r e m i d a d e s , teve preciíaõ de val-
vulas , em que defcance o pezo do liquido a n i m a l , p a -
ra aílím pouco e pouco o ir trasladando com o a u -
x i l i o deites apoios por t o d o o canal venofo. C o m o po-
derá effeituarfe eíta circulaçaõ , fe ligarmos a noíTa per-
na c o m l i g a s , e calções como uíamos fazer ? A s incha--
ções que vifivelmente apparecem nos p é s , quando as;
pernas eítaõ apertadas , provaõ que os humores fe em-
p o ç a õ , e naõ podem fubir por hum c a n a l , que eíta
embaraçado, com ligaduras. Igual incommodo fentem os
braços opprimidos pelas mangas dos vertidos.. A s v e a s , ,
que defpeíaõ o fangue da cabeça apertadas com a t a d u -
ras de diverfá e f p e c i e , taes c o m o curvatas ; p e f c o c i -
n h o s , & c . naõ podem fatisfazer ao feu miniilerio , e o r o f -
to entumecido lie final da eítagnaçaõ do langue,,
que fe vai empoçando pelos feios , e cavidades do c e -
r e b r o , e aíTun fe obferva fucceder ás peíToas que aper-
taõ nimiamente as fuas gargantas.
A a tificas , a afina , o hydrothoras , e t o d o s
os defarranjos da cavidade do peito faõ taõ cazei-
xos com as m u l h e r e s , que fe daõ tratos com os efparti-
À lhos j,
SD O S M e N I M O G.
l h o s , que hoje naó he mifter apontar efte abufo c o m o
huma' das caufas mais geraes deílas incuráveis enfer-
midades. H e taõ geral a introducçaõ defies adornos ,
quanto "faÓ communs em todos, os livros de educaçaõ
as declamações contra o feu uío. E u me contentaria de
tresladar para aqui as reflexões de Pegue de Presle fo-
bre os e f p a r t i l h o s ; mas callando por brevidade todos
os defeitos , que elle diz obfervar fobre as coítellas ,
efpinhaço , e ventre das peííoas, que andaõ efpartilha-
das por coftume , fó referirei as feguintes palavras, com
que remata o feu difcurfo , e vem a fer ^ Quanto mais
reflito ( d i z e l l e ) fobre a compreííao, defarranjo, tor-
tura , mortificação , e fobre o fem-numero de enfer-
midades chronicas , que atacao commummente as mu-
lheres , e as meninas de certa ordem ; vendo que el~
las daõ mui raras vezes no p o v o , e nos ruílicos, mais
me c o n v e n ç o , que a origem de tantos males vem do a-
perto dos eípartilhos. Por e x e m p l o , o hyílerifmo tem por
caufa a compreífaõ do fígado; a compreífaõ do eíloma-
g o , e do duodeno induz naufeas, v o m i t o s , más di-
geítões : das glandulas linfaticas ferem opprimidas feguc-
fe a amarellidaÕ, ou chlorofis. A s obílrucções 3 tumores 3
d u r e z a s , fcirros , provém da compreífaõ das glandulas
m e f e n t e r i c a s , do pancreas, do epipelon, do fígado, ová-
rios , e de outras partes internas do abdomen. E eíles
faõ os bons eífeitos, que refultaõ dos efpartilhos.

A R T I G O XV.

Do influxo das Paixões na Economia animal dos


meninos.

S E nós efcreveílemos da educaçaõ m o r a l , tendo que


conílderar o influxo das paixões fobre o coraçaõ hu-
mano , mal poderiamos reduzir a hum artigo a mate-
ria de hum livro inteiro. Porém aífim melmo de tal
L ii
91 T R A T A d O DA EDUCAÇAÓ FYSícA
maneira ferve- a extruftura fyfica d o homem ao feu mo*
r a l , que por força influem mui poderofamente na eco-
nomia animal eítes fentimentos-vivos , que nos forao da-
dos c o m o defpertadores , que excitaô o homem a vigiar,
á roda de fi , e eílar fempre á lerta fobre os m a l e s ,
que o ameaçaó , e fobre os b e n s q u e o l i f o n g e a õ . Por
certo que ellas f a ó hum b e m , que por ventura eftá na
organizaçaó- humana ; mas he precifo moderalas.
E c o m o poderiaó as paixões do homem deixar
de influir fobre o feu f y f i c o , fe ellas , bem c o m o to-
das as acções m o r a e s , faó conduzidas pelas diverfas m o -
las , e orgaõs d i f e r e n t e s da noífa máquina ? Eis-aquá
pois c o m o o feu influxo naõ pôde fer ommittido nos T r a r
tados de E d u c a ç a o F y f i c a .
A s paixões faó humas fenfaçoes v i v a s , que deter»
minaõ o homem para hum o b j e f t o taõ forçofamente ,
que alli o a b f o r v e m , e embotaõ a fua fenlibilidade par
Ta toda outra impreifaó. O s nervos faó o o r g a õ de to
das as noífas f e n f a ç o e s ; . c o m o quer que elles^ obrem ^
cançaõ-fe ; e o homem depois de vivas fenfaçoes prof-
tra-le , e precifa bufcar no fonno hum r e p o i f o , em que
recupere a energia de feu fyltema nervofo : aliás aba-
te-fe de f o r ç a s , emagrece.;, perde a c o r ; o pulfo f a z -
fe pequeno , e f r e q u e n t e ; o appetite f a l t a ; as digeílões
perturbaõ-fe ; as funcções todas da natureza fe defarran-
jaõ.; e fe em> pouco t e m p o a ética , e o marafma naõ
lhe p o e m termo á v i d a , ao menos a a f e c ç a õ h y p o c o n -
. driaca vai con fornindo, os- feus. d i a s . .
T a o b e m he v e r d a d e , que quanto mais débil he o
fyftema. n e r v o f o , tanto mais de prelTa fe refente de qual-
quer fenfaçaõ v i v a , e aturada : a nimia fenfibilidade •
he huma doença procedida da grande m o b i l i d a d e , e
debilidade dos., nervos. Se> r e f l e t i r m o s hum pouco f o -
bre o que fuccede no mundo , facilmente teremos a pro*
y a delta propoíiçaõ. A s mulheres faó pelo ordinário
tocadas roais vivamente do que os homens, ainda das
m*:
DOS M E N I N O S . 92
íinprefsões mais leves ; mas os feus nervos faõ taõbem
mais delicados , e mais debeis : as hyítericas , os h o -
mens f r a c o s , e aífeminados moleftaÕ-fe com imprefsões
ás vezes bem deíprefiveis ; á mais apparente idéa dos
objedtos a l e g r a õ - l e ; efperaõ : temem. O mefmo indi-
viduo , que em outra hora robufto, e fao tinha fobeja
conftancia para fupportar imprefsocs d e f a g r a d a v e i s a g o -
ra doente 'he infoífrido , huma noticia trifte o deípedar
ga ; ás vezes o cheiro fragante de huma flor. o inquie-
t a , e o derruba. , ...
A g o r a pois-accommodando eílas verdades praticas
ao no fio o b j e & o , quem d u v i d a , que as crianças fejaõ
eíles individuos fracos-, cujo fyftema nervofo ainda ten-
ro , nao tem v i g o r para foffrer imprefsões fortes ? Q u e m
duvida que fem reflexão fobre.fi , e fobre as c o i f a s , que
os cercaõ , impetuofamente vaõ arrebatados para os ob-
j e t o s de fuas imprefsões.,. e que as fuás íeníações fao
ta o v i v a s , c o m o volúveis ? E u confeílo , que. certas
paixões nao fao da primeira idade , pois filhas da re-
flexão , nao fe compadecem com as poucas ideas de
hum menino porém a c ó l e r a , e o temor faõ o verdu-
g o dos primeiros annos.
A n i m a d o o menino defde o b e r ç o , ncoítumado a
ver tudo fervir aos feus appetites , naõ foffre fem i n -
dignaçaõ demora na fatisfaçaõ de feus d e z e j o s ; porem
c o m o a íua imaginaçaõ volúvel em hum momento appe-
tece , e rejeita mil vezes , fer-nos-hia impoflivel cum-
prir a tempo com todas as fuas vontades : em tanto
eiles c h o r ã o , e c o n f o m e m - f e ; fendo ás vezes tal a bra-
v e z a de feu animo , que cahem em c o n v u l s õ e s , em epi-
l e p f i a , e f y n c o p e . N a õ he huma vez f ó , que eu te-
nho vifto r o x a s , e fem folego crianças que fe arrebà-
táraÕ de c ó l e r a , e he precito tornalas a fi por meio de
ventofas ; e quando a criança tem já contraindo m a o s
hábitos , he neceílario ás vezes eítimulalas com o cal-
tigo para., as tornar a l i . Pelo que lie muito impor tan--
6Z T r a t a d o da EDÜCAÇAÕ Fysica
te nao deixar nunca perceber aos meninos grande at-
tençaó a feus clamores, nem a feus d e z e j o s : huma v e z
que* as fuas neceflidades fy ficas fejaó fatisfeitas , nem
o feu c h o r o , nem os feus r o g o s , quando nao vem de
m o l e í l i a , devem fer a t t e n d i d o s ; entaô defenganadas de
que naó aproveitaõ nada , antes fe mortificaó em v a õ ;
nem podem contrahir m i o s hábitos n o v o s , n e m confer-
var os que j á haviaõ adquirido.
Deíenganem-fe as M a i s nimiamente attentas a va-
riar os prazeres de feus filhos , que naó he eíle o mo-
d o de os f a t i s f a z e r , antes aífim lhes multiplicaó necef-
fidades , e communicaõ-lhes o fegredo de nunca ferem
contentes. E fe naõ obfervem , como os meninos cria-
dos fem eífes mimos paíTaõ a l e g r e s , fem alteraçaõ , fem
d e z e j o s , fem cólera dias inteiros , e comparem-nos a feus
f i l h o s , que , a pezar de todo o eíludo , chorão horas fuc-
ceííivas; tudo os i n q u i e t a , e os a f f l i g e ; e concluaó quaes
íáó mais felizes ? Quaes feraó mais fadios ? Por certo
que naõ he poífivel eílar huma criança duas horas a
c h o r a r , fem que fe defordene toda a economia das fuas
funcções. O s profundos fufpiros em que terminaõ os feus
c h o r o s , faõ huma prova decifiva da violência , que fof-
frêra o bofe por falta de ar ; e a infpiraçaõ aturada,
que fempre os acompanha provém da n e c e f l i d a d e , que
tem o mefmo bofe de communicaçaõ livre c o m a at-
mosfera ; pois durante a affliçaõ eílivera em huma com-
preífaõ , e em hum abafo violento. O fonno he a con-
lequencia do abatimento do fyílema nervofo , e do en-
calhe de f a n g u e , que por effeito do choro fe accumulá-
ra na c a b e ç a , naõ podendo defcer para o coraçaõ pe-
la pouca a d i v i d a d e de fuas c o n t r a c ç õ e s ; pois lhe falta
o principio vivificante , cuja entrada nos bofes eíleve
embaraçada. Eis-aqui como o choro he muito preju-
dicial ás crianças ainda tenras, e a quem qualquer pe-
quena alteraçaõ he muito fenfivel.
Naõ me entende bem quem concluir das minhas
pa-
D O S M E N I N o S. 87
palavras , que eu approve a crueldade de certas
M a i s grofleiras , e deiápiedadas que maltratai) feus fi-
lhos. N a o he o mefmo diífimular com as crianças, e
mó attender a feus caprichofos appetites , que^eftudar os
modos de as a p o u c a r , confumindo-as com lições imper-
tinentes , e intempeílivas , e caíligando-as aíperamente
por acções ás v e z e s próprias de fua tenra idade.
N a õ faõ menos funeftos os effeitos do f u f l o , que
os da cólera , ainda que ás vezes naõ fe manifeítem
taõ rapidamente.. Poucas crianças tem a fortuna de vi-
ver fem pre com peííoas diferetas e humanas , que ^lhes
callem efias novellas horríveis, com que fe intimidaõ , e
ganhão ás vezes moleítias mortaes logo em fua origem.
Haja pois todo o cuidado em que naõ efeutem contos
de almas , de encantos bruxarias, e outros nadas em
fi ; mas que influem fobre o reíto da vida , e ás^ vezes
a pezar da razaõ aUfligem o h o m e m , e inquietaõ a fua
imaginaçaõ. N a o he precifo refledir muito fobre a eco-
nomia de noifas funeções r para. v i r no conhecimento
dos males, que occafionáraõ ás crianças femelhantes con-
tos , bafta coníiderar o pavor com que ellàs faõ oppri-
midas , quando obrigadas da curiofidade gaftaÕ o tem-
p o , , em que deveriao faltar , e m o v e r - f e , . a efeutar e í -
fes fonhos p r o d i g i o f o s , que os entretem em hum temor
taõ f o r t e , que depois a fua imaginaçaõ em toda a p a r -
te os atormenta, reprefentando-lhes fantafmas , que os
a f u í l a õ , obftaõ á fuas a c ç õ e s , e movem taõ vivamente
os feus â n i m o s q u e ás vezes fe precipitao por evitar
v i s õ e s , que idealmente fe lhes apprefentaõ.
T a õ b e m faõ mais fenfiveis , e mais promptos os
males que produz liuma fobrefalto repentino , que emba-
ça , e pára fubitamente a circulaçaó das creanças , per-
turbando taõ violentamente a economia animal , como
he fácil de ver , fe r e f l e t i r m o s fobre os feus effeitos. O
eílado do temor lie femelhante ao acceíTo de huma f e -
# z a o , e muitas vezes he caufa delia , aílim como alguma
* yeze.
6Z TRATa D o DA EDÜCAÇAÕ FYSICA
vez o feu remedio. T a õ viva he a alteraçaõ que induz
na nofía maquina f N o frio da fezaõ contrahe-fe a pelle ;
o fangue recita paia os grandes v a z o s ; opprime o co-
r a ç a õ , e faz ancias: o bofe taõbem contraindo naõ ref-
pira ; e o doente afflige-fe ; tirita com frio , e tem o fy In-
terna nervofo em hum violento e f p a f m o , ás vezes taõ
f o r t e , que eahe em f y n c o p e , e aflim he que as inter-
mittentes quafi fem pre mataõ no rigor do frio. A g o -
ra comparem-fe eítes f y mptomas com os effeitos do íuf-
t o ; nada he mais parecido ! O homem afuítado esfria ;
treme ; refpira com dificuldade ; o coraçaõ p á r a ; fo-
me-fe o pulfo; fegue-fe o deliquio , e ás vezes a m o r -
te : eis-aqui os bons officios que ordinariamente rece-
bem as crianças de feus educadores. A s imprefsóes na
primeira idade gravaõ profundifimos veítigios fobre a
c o i f a maquina ; pois que ainda he pouco firme o teci-
do de noílos vazos ; os nervos faõ muito debeis , e
m o v e i s ; o fangue naõ tem aquella fibra , que eílimula o
c o r a ç a õ a continuar no feu jogo ; qualquer imprefaÕ
baila a defarranjar huma maquina taõ d e l i c a d a ; daqui
v e m que as c o n v u l s õ e s , a epilepfia , a eíiupidéz , e
a mania muitas vezes faõ confequencias de fuílos gran-
des , naõ entrando em conta aquelles defarranjos que
-por menos apparatofos efcapaõ ás percepções v u l g a r e s ,
mas que nem por iíTo deixaõ de lançar a femente dos
p o l y p o s , dos tubérculos, e pelo menos da hypocon-
dria , e cTafFecçaõ nervofa.
N a õ poíTo deixar eíte artigo , fem lembrar que te-
nho por excufado , e barbaro todo o caíligo nos pri-
meiros a n n o s ; pois facilmente fe dobra huma vergontea
ílexivel e tenra , quando alias nada fe tira deites pro-
cedimentos d u r o s , que affligem , e intimidaõ as crianças.
Igualmente me caufa a f f l i ç a õ , ver como o p o v o igno-
rante flagella os pobres innocentes , quando fubmergidos
•no profundo íono da primeira idade , foltaõ fem íe
advertirem as fuas o u r i n a s j e deíte m o d o o u os ator-
men-
D 0 S M E N I N O S. 89
mentaõ inutilmente , 011 confegucm perturbar o fono
pezado, plácido, e falutifero da infanda, ou em fim
obrigando-os a reter as aguas occazionaÕ-lhes retenções
de ourinas, e outras moleílias dos orgaos ourinarios.
TaÕbem me defagrada , e tenho por inútil, e mef-
mo por muito nocivo a huma criança, confumila com
eítudos nada proprios de feus nnnos , e que além de lhes
embaraçarem o exercicio, e a agitaçaõ continuada , e
neceífaria para a corroboraçaõ de feus folidos, aífroxad
a energia da fuá imaginaçao; eançaó os feus nervos ;
perturbao as fuas digeílóes, e mirraÕ a fua recente ve-
getaçaõ. E qual lie o adiantamento que fe ganha delias
applicações intempeílivas ? Decorar as opiniões dos ou-
tros ; fallar muito, e naõ faber nada.
Baila o que eílá dito para fe ver de quanta confe^
quencia íáõ as paixões na primeira idade , e como a
fua moderaçaõ influe para formar crianças robuílas, e
sás. He verdade que hum ente fem paixões he hum
automato eílupido, e defprezivel: Eíle fogo he necei- .
fario ao homem para a fua mefma confervaçao ; apagar-
lh'o lie embrutecelo; mas he precifo prefcrever-lhe
raias; eis-aqui em que ellriba toda a filoíòíia , e todo
o artificio da educaçaõ moral. Bailaria eíle artigo para
moílrar claramente por onde prende a cadêa dos conhe-
cimentos fyficos com os moraes da natureza do homem,
e como a boa conducta da fua economia animal eílá
igualmente pendente de confiderações fyficas , e moraes.
A t é aqui havemos conduzido o homem em quanto
ao feu fyfico , fegundo as intenções da natureza , e affir-
mamos de certo, que naõ faõ conjedluras os noíTos ra-
ciocínios ; agora porém que já o iuppomos ter vingado
aquella idade, em que a noífa maquina per fi fe vai
defenvolvendo , e fortificando , qualquer reflexão baila
para hir profeguindo 11a fua educaçaõ,

M D IS-
D I S S E R T A Ç A O
Sobre a Inoculaçao.

Inoculaçao, ou arte de enxertar o veneno bexí-

A goio lie hum termo taõ conhecido de t o d o s ,


que nem precifa explicar-fe , nem definir-fe.
T a õ b e m he certo que ella eítá taõ eftabelecida entre
os M e d i c o s de maior nome , que hoje cuida-fe mais
em amoílrar o verdadeiro tratamento, que requer a ino-
culaçao , do que em amontoar razões , que provem a
fua utilidade, e que eítendaõ mais ao longe a fua pra-

tlCa" T o d a v i a naõ fazem ainda entre nós grande fortu-


na os P r o t e t o r e s da inoculaçao, havendo-lhes fempre
acontecido algum defaítre , que lhes atalha os pálios.
Quando fe trata de introduzir novas praticas, he mil-
ter attender muito a confervar inteira a cadea de^luc-
celíos felizes , pois chegando a romper-íe em vao toi
começar. . ^ r
T a õ b e m eflou perfuadido , que entre nos nao le-
ia de grande utilidade efta prática , aliás tao neceílaria
em outros p a í z e s , onde as bexigas faó muito mais pe-
r i ç o fas j e m o r t í f e r a s ; mas por completar os meus ele-
mentos de educaçaõ fyfica me pareceo conveniente ajun-
tar a feguinte diífertaçaõ, que dividimos em cinco ar-
tigos N o primeiro expoem-fe huma hiftoria curta da
inoculação ; no fegundo amoílraõ-fe as razões que a ei-
tabelecem: no terceiro referem-fe os argumentos^ que a
debatem ; no quarto declaramos a nofla opinião ; no
quinto fazem-fe algumas reflexóes fobre a preparaçao,
idade , e tempo proprio para a inoculaçao.

Mii AR -
5>2 D I S S E R T A Ç Ã O

A R T I G O I.

Da Hijloria da Inoculaçao.

A Origem da Inoculaçao , o nome do primeiro Ino-


Jl \ c u l a d o r , feu paiz natal, e os a c c a f o s , ou as ra-
zoes que fuggeriraÕ a primeira idéa defta prática eftaõ
em fegredo para nós : confta porém com alguma pro-
babilidade , que a China , e- a Circa ília abraçáraõ pri-
meiras a inoculaçao ; diz-fe que datava de mais de cem
annos na China , quando alli houverão noticia delia os
E u r o p e o s , tendo-a j á prefenciado na E u r o p a , mas co-
m o naõ fabemos ao certo quanto tempo vagára na C i r -
calfia antes de vir ao noíío conhecimento, naõ fomos
fenhores de difpôr da gloria defte achado.
Se nos damos á conjecturar fobre os m o t i v o s , que
poderiaõ lembrar a inoculaçaõ aos C i r c a í l i a n o s , l o g o
nos vem á idéa , que traficando efte povo em mulheres,
e ganhando fomente nas formofas , a todo o rifco de
vida eftaria prompto a admittir qualquer artificio , que
tornafle mais vendável hum genero do feu commercio.
A s bexigas aífeiaõ de tal maneira as m u l h e r e s , quando
as accommettem na idade adulta , e deixaõ taõ l e v e s , e
taõ raros velligios quando rebentão na infancia , que fe-
ria huma fortuna para a Circaífia , fe efte mal folie pri-
v a t i v o da primeira idade.. Ora como o veneno das be-
xigas traz contagio , he muito provável , que os Circaf-
Jfianos em vez de arredar as fuas crianças dos enfermos
b e x i g o f o s , antes as expozeílem de boamente a efta in-
f e c ç ã o , e naõ contentes de os ajuntar no mefmo lei-
to , até esfregaflem com o humor das puftulas os corpos
dos meninos f a õ s : e eis-aqui j á huma efpecie de ino-
culaçao.
H e igualmente certo,, que as bexigas naõ ló des-
figuraõ menos > mas que faõ mais benignas na idade
ten-
SOBRE A I N O C U L A Ç A Ô . 93*

tenra j por tanto he muito para appetecer, a haver de fe


paílar por"efte contagio, que feja nos piimeiros annos-;
e eis-aqui agora huma razaó de utilidade , que podia
fuggerir a idéa da inoculaçaô.
Já nos hiamos deixando levar da curiofidade de
efpecular coifas inúteis, e efcondidas, quando he pre-
cifo content^rmonos com os fados. Por tanto como
quer que palíaife da Circaííia á Conftantinopla a noti-
cia da inoculaçaô, ella foi aqui abraçada dos Gregos
e Armênios, e° ielo-hia dos Turcos, a terem elles me.-
nos fuperftiçaó.
Naó achamos certeza do tempo, que a inoculaçao'
tardou em tranfmigrar de Conftantinopla para Europa r
aonde chegou em 1713 por carta de hum Medico d'a-
quella Corte ao Doutor Timoni j mas defta noticia
naó refultou lucceílo. Era mifter algum enthufiafmo
para fe abraçar humH prática , que nem por iílò tra-
zia o melhor fobrefcrito. Huma S e n h o r a de refpeito pór
de muito com outras, e ailim fuccedco, pois que Wor-
thy Embaixatriz em Conftantinopla voltando a Lon-
• dres em 1721 perfuadio com o feu exemplo á tranf-
plantaçaõ das bexigas > e por efte tempo he que o Me-
dico de Jorge II. obteve a faculdade de inocular cin-
co réos de pena ultima , cuja operaçaó praticada aos
vinte oito de Julho foi , como prefenciou o noífo Ja-
cob de Caftro, muito bem luccedida. Seguio-fe logo no
anno de 1722 a inoculaçaô dos filhos da Princeza de
Galles, cujo autorizado exemplo foi taó fobre maneira
efficaz , que ao cabo de dous annos contavaó-íe mais de
500 inoculados , todavia os feus progrefibs naó cref-
cêraó á proporção nos 20 annos feguintes; mas por ef-
tes tempos ganhou outra vez tao grande partido , que
entre os annos de 49, e 50 apparecêraó mais de 2000
inoculados , naó contando mais de 1500 que Je inocu-
láraó em Londres ; e quanto hia por diante efta práti-
ca , tanto mais creicia o numero dos fuççeífos, que a
eftabelcciaó. ^'i
Ç4 S0BREAltf0CT7LAÇA&'
O Senhor Maitlanà foi certamente o primeiro
que inoculou em Londres, pois que havendo acom-
panhado a Embaixatriz em Conftantinopla, ahi appren-
dêra eíh arte. Elie mefmo voltando á Elcocia foi taõ-
bem o primeiro, que ahi enxertou o veneno das bexi-
gas , ainda que já no paiz houveiTe certa efpecie de
inoculaçaõ ufada entre o povo , a qual fe fazia por
meio de hum cordão embebido neíte veneno, como re-
fere o Doutor Monró Pai , na fua conta dos fuccef-
fos da inoculaçaõ na Efcocia.
Hum defaítre baítou a defacreditar a inoculaçaõ
nefte p a i z , e defde o anno de 1726 até o de 33 pou-
co fe eftendeo. Entaõ a Cidade de Dumfries acoitada
de huma epidemia violenta , voltou-fe a eíte expedien-
te , e depois começou a praticar-fe a inoculaçaõ por
todo eíte Reino; mas encontrando fempre tantos tro-
peços , que no efpaço de 30 annÔs naõ pôde o Dou-
tor Monró fommar 6000 inoculados em toda a Efcocia.
Se deixamos eítes reinos, pouco temos que accref-
centar á hiítoria da inoculaçaõ; a pezar dos Medicos
acclamarem por toda a parte taõ grande auxilio, ainda
naõ eítá mui bem eítabelecida ; pois naõ foi dada a
todos a precifa coragem para bufcarem por fi mefmos
huma enfermidade, que naõ he abfolutamente fem rif-
c o , ainda pelo calculo mais ventajofo. Entre nós po-
rém , poíto que naõ tiveífe ganhado ainda grande ter-
reno femelhante prática , talvez porque as bexigas na-
turaes neíte clima faõ menos perigoías, affim mefmo
com tudo começavaõ alguns Pais a deixar-fe ir ás per-
fuasões dos M e d i c o s ; porém como a inoculaçaõ naõ
he fempre fem r i f c o , a primeira adverfidade defpertou
a calumnia , e intimidou os práticos mais prudentes.
Antes de acabar eíte primeiro artigo he de no-
tar , que em algumas aldéas d'Entre-Doiro, e Minho
fe pratica huma efpecie de inoculaçaõ iuperíticiofa , cu-
ia data naõ tem fido examinada , e que talvez recua
J con-
D I S S E R T A Ç A Õ 103

conforme alguns entendem, a tempos anteriores á tranf-


plantaçaõ Circaífiana. - -

A R T I G O II.

Dos argumentos que prcvaõ a utilidade da inocu-


lação.

I. T T E hum f a d o i n n e g a v e l , que as peífoas a -


J " " l dultas morrem de bexigas em muijo maior
numero d o que as crianças. L o g o a inoculaçaó tem ef-
ta ventagem por f i , que he a efcolha da idade.
I I . H e taõbem de f a d o , que as peíToas de boa conf-
t i t u i ç a ó , cuja pelle h ú m i d a , e macia entretem huma
tranfpiraçao f á c i l , e confiante , pelo ordinário tem be-
xigas mais benignas ; e que as pelloas de temperamen-
to c o l é r i c o , cuja pelle fecca , e c o m p a d a impede a
tranfpiraçaõ , tem bexigas confluentes , e muito mais
perigofas ; l o g o fe nós podermos emendar os vicios do
t e m p e r a m e n t o , antes que venliaõ as bexigas , amacian-
d o a pelle com os b a n h o s a b r a n d a n d o a nimia dure-
za da fibra , e em cafos de debilidade corroborando
c o m a dieta animante , com o e x e r c í c i o , e a m a r g o s ;
nefte c a f o os noílos doentes feráõ muito mais felizes
mas he eíla outra ventagem , que tem por fi a inocu-
laçaó.
I I I . A s bexigas ora faõ e f p o r a d i c a s , ora e p i d e m i -
c a s j ha paizes aonde ellas faõ fempre epidemicas-
E pofto haver epidemias b e n i g n a s , nós fabemos p e l a
c x p e r i e n c i a , que ás vezes reinaõ taõ violentas , que
illudem toda a prudência dos M e d i c o s mais experi-
mentados : daqui fe vé quanto faõ felizes aquelles „
que havendo j á paífado por femelhante moleília , efca-
paõ á indole cruel deílas e p i d e m i a s ; e eis-aqui outra
ventagem da inoculacaõ , podendo efta fer praticada em
huma occafiaõ e f c o l h i d a , f e i u r a , e no ifltervallo d a
-epidemia.
D I S S E R T A Ç A Õ 103
IV. C o m o a febre das bexigas v e m efcoltada de
fymptomas taó equivocos com os das outras f e b r e s ,
que podem confundir os práticos mais a t t e n t o s , prin-
cipalmente quando nao domina influencia bexigofa , fuc-
c e d e , que ás vezes o mal fe deteriora por nao fer co-
nhecido , e atalhado a tempo. M a s quem inocula nao
pôde fer furprehendido , e eis-aqui a inoculaçaõ com
mais efta utilidade.
H u m pequeno numero de inoculações afortunadas
corroborou eftes argumentos , e decidio no principio
o s M e d i c o s a abraçar a invenção CircaíTiana. C o m o
andar dos tempos engroífou muito o catalogo dos ino-
culados , e fobre milhares delles f o i fácil fazer novas
obfervações que provaõ melhor a utilidade da inocula-
çaõ. O Celebre Camper , cujos trabalhos tem enrique-
c i d o varias Academias , defcobrio em fim novos argu-
mentos , de que eu tive a fortuna de fer informado
p o r feu filho n'hum encontro de v i a g e m , antes de efta-
rem impreífos. R e d u z e m - f e os> feus argumentos a efta
efpeculaçaõ.
io. A r g u m e n t o .

„ T o d o o rifco das bexigas he em proporção do


„ feu numero ; pois as difcretas pelo c o m m u m faõ be-
„ nignas , e as confluentes pelo menos fem pre daó cui-
35 dado. L o g o fe a experiencia moftra ferem as bexi-
5 , gas artificiaes fempre em menor numero do que as
" naturaes , eftá claro que ellas feráó menos p e r i g o f a s ;
J } e quanto maior for a diíFerença no numero de puf-
„ t u i a s , tanto maior probabilidade ganha a feu favor
j , a inoculaçao.
„ O r a lie de f a d o , que as bexigas faõ muito mais
3, numerofas nas partes expoftas ao ar , contra as re-
„ gras de toda a theoria. „ C o m o diz o D o u t o r Cam-
per ; mas naõ poíío convir c o m elle antes acho fer bem
conforme ^ r a z a õ , que o humor b e x i g o f o fe accumu-
le
SOBRE A INOCULAÇAÔ. 97*
le em maior cópia debaixo da pelle deitas partes que
por mais denfas mais lhe obítaõ a evaporar-jfe peia
tranfpiraçao : mas profigamos com a fua doctrina. „ He
„ certo ( diz elle ) que a cara , e os braços moftraõ
„ ás vezes bexigas confluentes , em quanto o corpo a-
j, penas tem alguns finaes. ,, Por tanto comparando a
fomma total das puítulas de todo o corpo com as da
face, extrahindo eftas 3 e comparando os reílos eftabe-
lece a fua regra ; e vem a fer , que a quinta parte por
boa aproximaçaõ da fomma das puítulas occupa o roí-
t o , e que tudo eítá em evitar que eftas fejaÕ muitas ;
depois comparando as puítulas das bexigas naturaes , e
das artificiaes acha , que le as fegundas chegao a 100,
as outras montão a ioccoo; logo a inoculacaõ tem pe-
la fua parte a ventagem de ioo : 1 „

2°. aKG.UMENTO.

„ A inchaçaõ da cara naó he critica; lie, como pa-


„ receo à Mead, hum máo fymptoma porprocionaí á
„ confluência das puítulas ; mas como as bexigas arti-
„ ficiaes faõ em pequeno numero, quaíl fempre falta
j, efte máo fymptoma aos inoculados. „

3°. Argumento.

„ A falivaçao, que acompanha as bexigas conflu-


„ entes, fendo huma confequencia da irritaçaõ das glan-
„ dulas , da fua compreífaõ 3 e da excoriaçaô das par-
tes internas da boca, e fauces, naõ he huma crife,
„ antes hum fymptoma perigofo , e que falta quando
„ as bexigas faõ poucas, como fuccede na inoculaçaõ.,,

N
D I S S E R T AÇ AO
9 8

4o. A r g u m e n t o .

Taobem ás vezes nas bexigas confluentes, e até


- nas 'difcretas íòbrevem toííe , e fuffocaçao de gargan-
ta , fvmptomas peffimos, e que procedendo igualmen-
" t e do grande numero de puftulas, fallecem nas bexigas
„ artificiaes.
c°. A r g u m e n t o .

, Todos fabemos haver bexigas taó benignas, que


paflaõ fem a febre fupuratoria , aliás t a ó p e n g o í a , e
que leva a maior parte das viítimas deite mal ; mas
a inoculaçao domando muito a violência dos lymp-
" tomas , rara vez he feguida deita febre fecundaria ,
„ e efta razao bailaria aprovar a fua utilidade.

6°. A r g u m e n t o .

„ As cegueiras, tilicas,
r* • 1_ '
„ muitas aleijões, que vinhaó em confequencia das be-
II
j, xigas
laçad. naturaes 3 agora naõ appareeem depois da inocu-
3
ARGXJ MENTO,

Hum dos maiores males que traz comíigo efte


„ contagio bexigofo , he o receio, com que vivem as pel-
foas ainda naó atacadas, e mefmo a incerteza de po-
derem fer acommettidas 2. e - * vezes ; pois confta
de bexigas naturaes repetidas; mas a inoculaçao da
" efta fegurança; porque de mais de l o o o o o moeu ados
" ( diz Camper ) nem hum fe conta duas vezes inful-

" t a d He'certo , que todos eftes argumentos affim referi-


dos faó afsaz fortes para aballar alguns e f p i r i t o s energi-
cos e determinados a verificar a probabilidade dos cal-
S o B U E A l N O C t J L A q A Õ .

cutos efpeculativos ; mas de pouco fervina hum ca-


thecifmo theorico da inocülaçaó , fe a pratica o nao
confirmaífe. Eis-aqui porque o Candido Jurtn, como
lhe chama o no£To Cajlro Sarmento , fe determinou a
fazer hum calculo comparativo tanto dos mortos de
bexigas naturaes , como das vidimas da inoctilaçaó ; e
o feu calculo reduz-fe, a que do anno de 1721 ate
ao de 28 a 12™. parte dos mortos morreo de bexi-
gas naturaes, e de 897 inoculados em 845-, em que
prendeo o veneno fomente fe contavaó 17 mortos. O
calculo, que o Douthor Monro pôde recolher dos leus
correfpondentes em toda a Efcocia no decurfo de mui-
tos annos moftra, que de 562Ó inoculados fo morrerão
7 i i os cálculos modernos faó muito mais ventajoios
a favor da inocülaçaó ; pois que o Douthor Nedleten
no anno de 49 para 50 inoculou 78 peíloas , lem que
hum fó lhe morreíTe. De i>oo inoculados em Londres
morrêraô fó Difcorrendo pelo refto da Europa ia-
bemos que de 80 inoculados em Genebra nenhum mor-
rera em tempo, que graflava huma epidemia muito ma-
ligna O Doutor Camper inoculou fo em huni anno
xoo peíloas , e todas paíTáraÓ bem. Os p r o g r e s s fe-
lizes da inocülaçaó fora de Europa faÓ talvez ainda
mais prodigiofos - pois que o Douthor Mead c o n t a de
hum Senhor de Engenho , que em tempo de bexigas
malignas inoculára por fua ma6 300 eferavos de 5 ate
até to annos de idade, dos quaes nenhum morreo. As
relações de La Condamine faõ igualmente muito a fa-
vor da inocülaçaó. Ommittimos outros argumentos, que
talvez tenha* grande f o r ç a para algumas peíToas; mas
que em minha razaó pezáraó mui pouco. P c t a n t o
como he de noíTo intento expôr finceramente todas as
razóes a favor, e contra a inocülaçaó , P ^ o s a y -
derar no artigo os argumentos que a impugnao.

N ii A R -
LOO D L S S E K T A Ç A Õ

A R T I G O III.

Dos argumentos contra a inoculaçaõ.

N i n g u é m efpere achar nefte artigo todas as razões


theologicas, e fyficas, que fe tem produzido con-
tra a inoculaçaõ ; pois que a futilidade de alguns ar-
gumentos poem de má fé o noíTo entendimento con-
tra a verdade dos outros que vem com elles. Todavia
os feguintes argumentos merecem alguma attençaõ.

io. A r g u m e n t o .

A inoculaçaõ he huma cautela defneceífaria , fe as


bexigas faõ hum mal benigno , e pouco arrifcado , de
modo, que eftribando a ventagem da inoculaçaõ na hy-
pothefe de morrer hum de cada 7 bexigofos , a ino-
culaçaõ perderá da fua probabilidade, quando fe nioftrar,
que efte calculo he defmentido por muitas práticas, e
em todos os paízes, como agora vamos ver.
Em Hollanda Antonio de Haen curou com tanta
felicidade efta moleftia , que ao fair para Vienna f o i ,
como elle refere, chorado pelas matronas Hollandezas;
e em Alemanha fendo igualmente afortunado , acref-
centa que igual fucceífo tiveraõ taóbem outros práticos.
Naó falára elle aífim , fe de 7 bexigofos perdeífe hum.
Em Inglaterra Lifter , ainda antes de chegar alli
a noticia da inoculaçaõ , tinha para f i , que as bexigas,
aliás doenqa contagiofa, era hum mal pela maior par-
re =3 magna exparte benigno =3 falutaris.
E m Alemanha o Baraõ Fanjwieten , curiofo de
f a b e r , qual era a proporção dos mortos de bexigas ef-
pontaneas relativamente ao numero , dos que fe livra-
vaõ , veio a faber que de trinta e tres Collegiaes da
E f c o l a Militar de Ncujiadt, que tiveraõ bexigas den-
tro
SOBRE A INOCULAÇAÔ. 108*
tro de oito annos, fó niorreo hum , quando todos já
eraó adultos fegundo a inftituiçao do Collegio. Refe-
re mais , que na Efcola Militar vizinha a Vienna 70
meninos tiveraó bexigas em hum anno , e nenhum mor-
reo : e que houveraõ outros 61 bexigofos dentro de
10 annos , que efcapàraó todos , excepto feu filho.
No anuo de 69 , em que a epidemia na Corte
de Vienna foi taõ violenta, que até as bexigas difcre-
tas eraõ perigofas, entrárao em 4 mezes n'hum Hoí-
pitai 57 bexigofos , e nenhum morreo. O meímo íuc-
cedeo a 30 no Hofpital dos pobres em Vienna : con-
clue em fim efte illuílre prático , revendo as fuas lif-
tas , que a proporção dos mortos para os curados eí-
tá :: 1: 89. . . . ,
Em Italia o celebre Baglivi , imputando a gran-
de mortandade das peíToas de certa fortuna a multi-
dão de remedios, principalmente em moleílias ínflam-
matorias, accrefcenta , que ufando dextramente , e a tem-
po da fangria, nem hum íó bexigofo lhe morrera.
Naõ he porque a fangria feja infallivelmenae ne-
ceífaria em todas as bexigas; mas he que os bexigoios
de Baglivi acertáraõ de ter a febre inflammatory.
Se refleairmos fobre o que fuccede entre nos ve-
remos , que bem poucos doentes fe perdem , quando tem
a fortuna de fer tratados por Medicos hábeis , e que
reconhecendo a efpecie da febre, que acompanha as be-
xigas , caftigaõ-lhe o génio com os remedios próprios.
Na ultima epidemia de 88 he verdade que perecerão
alguns bexigofos ; porém forao talvez aquelles com
quem os inoculadores naõ feriaõ muito afortunados.
Eu pude valer a muitos doentes, que eílavaõ já
defamparados, e apenas perdi algum , em que o con-
tagio bexigofo naõ vieífe complicado com outros vicios
da conftituiçaó dos doentes.
Ainda "a inoculaçao naõ era conhecida na Ingla-
terra , quando o experto Sydenham tinha achado , co-
*
mo
FOZ D I S S E R T A (; A 6
m o profundo o b f e r v a d o r , hum expediente efficacifiimo
contra a malignidade das bexigas. T u d o eftava em mu-
dar o curativo aili praticado: m u d o u - f e , e defde en-
tão as bexigas foraò para todas as peífoas hum mal
menos c r u e l , quando eraó d'antes fó benignas entre os
p o b r e s , . que por efta vez afortunados careciaó de cu-
radores. ,„
A graveza do mal vinha dos erros da p r a t i c a ,
como diz o mefmo Sydenham; pois obfervando^, que en-
tre a plebe quafi todos os bexigofos e f c a p a y a õ , accref-
centa ca H e porque naõ tem M e d i c o s t : Lijier , e Ba-
glivi, que naõ fao homens de fyftema , acháraõ verda-
deira efta razaõ.
A g o r a profeguindo o fio dos argumentos contra a
inoculaqaõ, refira-mos o fegundo argumento.

2o. Argumento.

E r a p r e c i f o , que os inoculadores naõ efcolheífetn


os 'fujeitos v i g o r o f o s , e f a õ s , mas fim iuoculaífem fem
difcernimento , para que d o feu calculo fe concluiífe
a favor da inoculaçaõ: porém mal nos poderemos de^
cidir por efta prática, quando vemos inocular fó aquel-
l e s , que pelo ordinário fe falvariaõ muito bem , quan-
d o folfem comprehendidos no contagio das bexigas na-
turaes. Para dar mais luz a efte argumento , luppo-
nhamos que i o o peíloas devem ter b e x i g a s ; elcolhe o
inoculador c o f a d i a s , e robuftas, de que fó morre hu-
m a , e efta, porque efcondia certo veneno em lua coni-
tituiçaõ ; mas ficáraÕ expoftas ao contagio efpontaneo
as outras $-o; que fegundo a forte do m i f e r a v e l , que
morreo na enxertia , deviaõ todas m o r r e r , porque ti-
nhaõ minados feus temperamentos por doenqas , e erao
debeis , e valetudinarias: mas fuccede , que aíhm meimo
deftas c o efcapaõ m u i t a s , donde f e v ê , quão pouco le
ganha em fer i n o c u l a d o , e quaõ pouco ganhou aquel-
sobre a i n o c u l a ç a õ iò3
le doente dos 4 inoculados em Leipfick, que morreo
quando efcapárao de bexigas eipontaneas, lendo
comprehendidos nelles alguns, que o hábil inoculador
havia excluido. Eis-aqui como o calculo da inocula-
çao he capciofo, já tomando para fi aquelles fujêitos.
que abandonados ao contagio natural engroíTanao a iit-
ta dos fucceíTos felizes pela parte das bexigas efpon-
taneas; iá excluindo eft'outros, que devendo morrer de
bexigas defacreditariaó a fua prática, e vao depor con-
tra os Antinoculadores.

30. A r g u m e n t o .

Hum dos maiores bens da inoculaçaõ he a fegu-


rança, que ella promette aos inoculados mas eíte _bem
fallece, quando fe prova haver inoculados, que nao ei-
capáraõ de bexigas naturaes , ou pelToas, que reiiltin-
do a todas as tentativas de enxertia , vierao a lecum-
bir ás bexigas efpontaneas. Eítes fados laõ os que An-
touio de Haen abonou com o teítemunho de muitos
Medicos fábios, e de boa fé. E cada hum de nos tem
viílo em Portugal bexigas -repetidas, nem hoje os ino-
culadores ouzaõ conítraílar eíta verdade. ; ^
Parece poder-fe concluir naõ fer a inoculaçaõ tao
util , como o fôra a reforma, que o experto Sydenham
fizera contra a multiplicidade de medicamentos , e be-
zoarticos mais terríveis do que o mefmo mal. Mao
era elle feito para inocular, ou para fazer f o f t r e r m a s
fitando a vifta na fabia natureza , e indo-lhe pelo raí-
t o , mil vezes defarmou o braço da morte.

A R T I G O IV.

N E n h u m argumento, que podeííe inclinar por hu-


ma , ou outra parte com alguma força , toi ornmit-
tido nos dous precedentes artigos j pois que o meu hm
LO 4 D I S S E R T A Ç A Õ
he deixar a cada hum livre o ajuizar , e decedir-fe fem
preocupaçaõ. Todavia como a inoculaçaõ fermenra a-
gora entre n ó s , todos efperaó de hum Medico o íeu
juizo fobre efta materia.
Pergunta-fe pois , fe d e v e , ou nao admittir-fe em
Portugal a inoculaçaó ? Antes de refponder a efta quef-
t a o , hei por neceífario fazer algumas reflexões fobre
dous argumentos , que pezaõ muito a favor defta prá-
tica. O I o . he o Celebre argumento de Camper , com
o qual elle conclue; como já diífemos, f e r a ventagem
das bexigas artificiaes : : i o o : i . Pofto que já naõ he
tempo de argumentar com efpeculações theoricas; pois
mais de 6o annos de prática, e mais de iooooo'inocula-
dos na Europa miniítrao exemplos que poífaõ decidir-
nos y com tudo o Douthor Camper encontrando talvez
a mefma difficuldade, que o Bar ao de Vanfwieten, em
recolher fados verdadeiros, fobre que fundaífe o calculo
comparativo entre as ventagens da inoculaçaõ , e das
bexigas efpontaneas; voltou-fe a efpeculações, e eítable-
ceo agora em noílos dias a utilidade da inoculaçaõ fo-
bre raciocínios , cujos princípios faõ hum pouco falli-
veis j pois como acabamos de ver no 2 o . artigo elle ei-
triba toda a fua theorica , em que o numero das be-
xigas decide do rifco deite mal j porém tem contra íi
. a experiencia dos grandes práticos, que em todo o tem-
po obferváraõ bexigas difcretas fummamente malignas j
e as difconyeniencias do feu refultado com a obíèrva-
çaõ provém, de que elle naõ attendeo á indole da fe-
bre bexigoía ; pois que a malignidade das bexigas eftá
na razaõ compoíla do numero das puftulas, e da qua-
lidade da febre. Por tanto lie precifo tirar dos i o o :
aquelles, que íim tiveraõ mui poucas puftulas, porém
ardêraõ em febre, que ou por influencia da quadra, ou
pela difpoíiçaõ occulta do inoculado, foi de máo cara-
(fter. E por certo que morrem muitos bexigofos por
falta de attençaõ a obferyar-fe a indole da febre , e
ava-
SOBRE A INOCULAÇAÔ. 105*
a variar-fe o curativo das bexigas mais fegundo eíta ,
que fegundo o numero dos botões.
C o m tudo c o m o eu nao me pretendo enganar ;
fempre reconheço , que ha mais probabilidade pela be-
nignidade das bexigas d i f e r e t a s , do que das confluen-
tes , e que efte argumento de Camper tem alguma pro-
babilidade. .
Eft'outro argumento , que pretende attnbuir a
preferencia da inoculaçaô, a fer alfim o veneno intro-
duzido no fangue ; quando as bexigas efpontaneas
inoculadas por intervençaó da atmosfera inficionao
o boífe , e o e f t o m a g o , entranhas aliás taó eííenciaes
á vida ; efte argumento , d i g o , hoje taó acclamado
por todos os noíTos I n o c u l a d o r e s , he para mim bem
pouco convincente , pois vejo , que as coilas mais in-
nocentes para o eftomago introduzidas no langue lao
hum veneno mortifero^ , e que os mais refinados ve-
nenos ás vezes bebidof naó tem a t i v i d a d e , e f o fe
inoculaó no fangue. Á s bexigas induzem certa modi-
ficação nos noíTos humores , eis-aqui hum fadto^ po-
rém determinar , porque maneira inoculadas ferao mais
b e n i g n a s , lie outro f a f t o , de que fó a experience nos
pode defenganar. ,
A g o r a voltando á noífa queftao , digo , que a de-
cidir-nos pelos cálculos dos Inoculadores; he eviden-
te , que os de Jurin , e de Monró daó menos venta-
gem na inoculaçaô , do que nos oíferece a r e f ó r m a ,
que o prudente , e experto Sydenhan fez no rnetho-
d o de tratar as bexigas inflammatorias 5 principalnien-
re fe aproveitarmos a diftincçao , que o celebre Lux-
ham taó fabiamente fizera entre o mefmo Sydenham,
e Morton relativamente ao que lie verdade em léus
f y f t e m a s ; pois que naó fendo fempre a febie das be-
xigas inflammatoria, o m e t h o d o geral de Sydenham nao
bafta e lie precifo acudir aos enfermes com os remé-
dios animantes, para lhes levantar as forças abatidas
O pe-
5 > 2 D I S S E R T A Ç Ã O

pela qualidade feptica da febre podre , ou nervofa.


Todavia os cálculos dos Inoculadores modernos
faõ muito mais v e n t a j o f o s a favor da inoculaçaõ , e
naó fe pode negar, que em alguns paizes ganhem em
* fer inoculadas as peífoas, que fe fujeitaõ á enxertia; po-
rém como ha outros paizes , em que as bexigas na-
turaes faó mais benignas , talvez que a enxertia ve-
nha neíles a fer fuperflua, e talvez nociva. ^
Por tanto , antes de admittir a inoculaçaõ em Por-
tugal, he precifo obfervar, fe as bexigas naturaes faõ
entre nós hum mal benigno, ou violento. Porque a
ferem ellas taó malignas como no Hofpital de Lon-
dres , aonde morrerão 2 de 9 bexigofos; ou como em
Stockholm aonde de 300 meninos morrerão 270, cer-
tamente a inoculaçaõ he hum bem divino para a noí-
fa cente. Agora le ella he entre nós taó benigna co-
mo em Hollanda , aonde Pedro Forejlo curou ( como
elle d i z ) infinitos, e Antonio de Haen de 220 fo per-
deo hum j ou como na Italia aonde o nollo Amato de
i c o enfermos de bexigas, e farampo íó perdeo hum;
e Bae li vi nem hum fó. Se ella he taó benigna como
em V i e n n a , aonde Quarin em $ annos de prática nao
perdeo hum fó bexigofo. Se ella em fim he tao be-
nigna entre nós, como Mirandella attefta fer na lua
província, aonde as crianças fem refguardo nem re-
médios curaó ao tempo efte m a l ; em taes circumftan-
cias a inoculaçaõ fica fuperflua para n o s , e nao he pa-
ra adoptar huma prática , que excuzamos. ^
Outra razaó tenho contra a inoculaçao, e por cer-
to de mui grande pefo ; vem a f e r , que fe o vene-
no das bexigas he contagio fútil, e fácil de fe propa-
gar- n e f t e c a f o a inoculaçaõ , trazendo infecção pa-
ia a fociedade, ferá embora hum bem para os Ino-
culados , mas confiderada em refpeito do publico lera
hum grande m a l , e hum foco de contagio para o gran-
de numero. E por certo , que a provar-fe nao haver
SOBRE A INOCULAÇAÔ. 114*
bexigas fenaõ por contágio, feria a inoculaçaõ o mo-
do de propagar efte veneno. Ora que as bexigas fao
mal contagiofo he huma verdade, de que todos eftao
perfuadidos , mas como taóbem quafi todos o eftao do
contagio da tifica , fem que talvez a razaÕ efteja por
elles ferá precifo provar efta propofiçao. Primeira-
mente a inoculaçaõ feita na pelle , ou pela introducçao
de torcidas molhadas no veneno bexigoío pelo nariz
prova, que as bexigas tem contagio.
Ern fegundo lugar confta-nos pelas obfervaçoes de
Ckehorn 11a Minorca, que em feu tempo fó alli appa-
recérao dous annos bexigas ; a primeira vez em Mar-
ço de 1 7 4 2 , as quaes eraõ tao malignas, que em Ma-
hon havia dia de 10 e 12 enterros ; mas extinguio-íe
em fim efte flagello, e íó voltou em 46 por contagio
de hum Navio Real que abordára a efta Ilha , vindo
de Conftantinopla, de modo que a Minorca delconhe-
ceria por fortuna efte mal, a naõ lhe fer levado de
fó ra
' Confta da hiftoria fobre a Groeland, que as bexi-
gas eraõ aqui defconhecidas, até que hum natural as
levara para alli comfigo na volta de Copenhague.
Sendo pois de toda a evidencia o contagio das
bexigas, naõ fe pode duvidar, que todos os aíliftentes
dos inoculados levaráõ o contagio pelas famílias, que en-
contrarem 5 e naõ confta , que efte contagio feja menos
maligno, do que o das bexigas naturaes; antes talvez,
fe nos levarmos por exadliífimas liftas de Londres, a-
creditaremos, como fuccedeo á Pringle, e mefmo ao
BaraÔ Dim/dale, que nas vizinhanças das cazas de HIO-
culacaõ as bexigas naturaes foraõ de muito peor cara-
cter do que nos annos anteriores. Talvez que outras
caufas influiflem nefta terrivel diíferença, porem como
naõ conftaó devemos eftar de cautela.
He verdade, que efcapando mui poucas p e t o s a
efte contagio quafi univerfal, pouco importa ( dir-le-Jia >
0 ^ Q ü que
5>2 D I S S E R T A Ç Ã O

que elle fe derrame mais cedo, ou mais tarde, e que


venha de bexigas artifkiaes , ou naturacs. Porém nao
he fem refpoíh efta reflexão ; i.° porque pode iobrevir ,
ao tempo, que fe práticaõinoculações, huma influencia
da quadra , que avive a malignidade das bexigas, de mo-
do que morrão muitas peífoas, que efcapariaõ taLvez len-
do atacadas depois em tempo de epidemia benigna, o
fem complicaçaó de outros influxos. 2°. Porque lendo
certo, que as bexigas naturaes, como naõ nega o mef-
mo Camper, repetem mais de huma v e z , pode fer que
as peífoas inficionadas pelo contagio procedido de be-
xigas artificiaes naõ efcapem de o ferem ainda outra
v e z , quando reinar a epidemia, e que haja , outros , que
nao obftante terem já tido bexigas, agora de novo ga-
nhem efte mal pelo contagio, que eípalhe a moculaçao,
os quaes talvez naõ feriaõ depois compreliendidos quan-
do chegaiTe a epidemia.
Ainda me refta mais huma razaõ contra a enxer-
tia das bexigas , e vem a fer, que morrendo grande
parte dos bexigofos na primeira idade , e muito antes
dos dous annos , pouco ferve a inoculaçaõ, excluindo
talvez mais de hum terço dos enfermos bexigofos; por-
que fegundo as Liftas de Genebra , tres fetimos das crian-
ças, que morrem de bexigas, naõ chegao a efta idade.
Pelas rasões acima referidas eu nunca me decidi-
rei a inocular , em quanto a inoculaçaõ naõ for hum
ponto, que mereça a confideraçaõ do eftado : de manei-
ra , que fe eftabeleçaõ Hofpitaes, aonde á tempo deter-
minado fe inoculem todas as crianças, e donde naõ laia
para fóra peifoa alguma, nem roupa, veftidos, ou qual-
quer outra coifa d'aquellas, que entraó no Hofpital ?
fem primeiro fer mui bem enfiboada, de modo que o
Contagio de nenhum modo fe poífa propagar.
Taõbem ferá precifo inocular defde a primeira
idade , vifto qne nella perecem a maior parte das crian-
ças i pois que o mefmo Dims dale, prescrevendo a re-
S o b r e k I n o c u l a ç a o 109

gra de naõ inocular abaixo de dous a n n o s , confeíla,


naõ ter obfervado danno d o contrario.

A R T I G O V.

Be algumas reflexões Jobre a preparaçaõ, idade, e


tempo proprics para a inoculaçao.

S E as epidemias b e x i g o f a s vierem hum dia a fer


entre nos taõ m a l i g n a s , c o m o em outras partes da
E u r o p a até agora o tem fido : ou fe por ventura h u m
dia entrar nos p r o j e d o s politicos o eilabelecimento d e
H o f p i t a e s p ú b l i c o s , aonde f e fujeitem á enxertia todas
as crianças , com as cautelas precifas para evitar a pro-
pagacaõ d o cantagio b e x i g o f o . E m qualquer deftes
f o s , " d i g o , que a inoculaçao poderá fer-nos u t i l , e ne-
ceíTaria; e por tanto naõ me parece defafizado exami-
nar neíte artigo algumas queítões geraes relativas a
prática da enxertia.

Qjj ESTA 6.

P e r g u n t a - f e , f e as peíToas , que fe fujeitao á ino-


culaçao devem antes fer preparadas?
A refpofta he fímples, e v e m a f e r , que os enter-
•mos f e j a õ primeiro curados , e que os faos excuzaÕ

p r e p a r a ç ^ ^ ^ procedimento indifcreto inocular huma


doença aguda em fujeitos e n f e r m o s , quando ha que
recear da c o m p l i c a ç a o dos males confequencias^ funeí-
tas. H e v e r d a d e , que eu naõ creio nas panaceas tao
decantadas de azouge , antimonio , c i c u t a , & c , em que
os inoculadores punhaõ o bom fucceílo de íuas enxer-
tias. Igualmente reprovo a dieta teime , e vegetal , os
d i l u e n t e s , e as fangrias geralmente prefcnptas a todos
os inoculados p o r 14, 10, ou 9 dias antes da moeu-
ia-
t i o D i s s e r t a d a ó

laçaó i pois que efta prática eftribava na idéa falfa de


que a febre das bexigas era fempre inflatnmatoria , do-
utrina, que Sydenham apprendêra de Rhafes , e paííára
a muitos M e d i c o s .
T o d a v i a naõ poífo approrar a coragem daquelles,
que fem attençaÕ alguma aos vicios da conftituiçaõ ,
inoculaõ indifcretamente todos os individuos, que ie
lhes apprefentaõ ; quando he fem duvida , que as pef-
foas débeis, e de fyftema nervofo nimiamente f e n f i v e l ,
e irritável extranhaó menos o toque do veneno bexigo-
f o , fe primeiro tiverem reftablecido as fuas f o r ç a s , e
corroborado os feus nervos c o m a dieta plena, e com
remédios animantes. Aífim como as peífoas plethoricas,
e nimiamente robuftas p r e c i f a õ , antes de ferem inocu-
ladas , desfazer-fe da íobejidaõ de fangue , e f o r ç a s , que
auxiliariaõ muito a violência da febre eruptiva.

2". Q j J e s t ã o .

Pergunta-fe qual he a idade propria para a ino-


culaçao ? .
Se attendermos á utilidade pública, he preciío ino-
cular o mais cedo poflivel, e pelo menos antes dos 3
annos ; pois que revendo os catalogos de Londres ,
e de Genebra a c h a m o s , que hum grande numero de
crianças morrem de bexigas, antes de tocarem efta ida-
de. H e v e r d a d e , que a erupção dos dentes he huma
doença acompanhada de fymtomas violentos , e mui-
tas vezes mortaes ; de forte que feria müito mais a r n f -
cado inocular nefte periodo : com tudo fe as regras
preícriptas no noífo compendio de educaçao fyfica f o f -
fem e x a t a m e n t e praticadas , entaó nem a fahida dos
dentes, nem outras doenças da primeira idade feriao
de confequencia , antes as crianças robuftas paífariao
pela inoculaçao fem outra d i e t a , nem mais r e m e d i o ,
do que o leite materno.
3*-
SOBRE a INOCULAÇAÔ. 118*

3a. Q u E S T A Õ.

Pergunta-fe qual hé á eílaçao mais favoravel á ino-

C ^ C e r t a m e n t e ferá*aquella, em que as febres, eítacio-


naes coftumaÓ fer mais benignas y pois que a expe-
riencia moftra o influxo , que tem a quadra fobre todas
as d o e n ç a s ; e como as bexigas faõ muito mais p e n -
p o f a s , quando reinao febres de mao c a r r i e r , h e inii-
fer fugir das eftações, que pelo commum ao mais fer-
ieis ' defte flagello. O O i t o n o prenhe de febres p o d r e s , .
e dyfenterias feria muito mal efcolhido para a inocu-
laçaõ- O E A i o , e o Inverno faõ exceflivamente des-
temperados. A Primavera íempre he a eftaçao mais
a p r a z í v e l , as fuas doenças faõ menos p e r i g o f a s , e o
feu temperamento mais t e m p e r a d o , nao h a v e n d o nem
calor demafiado , que affroxe os n e r v o s , nem frio n g o -
r o f o , que embarace a tranfpiraçaõ.

4«. Q J J E s T A õ.

Pergunta-fe fe a indole do veneno bexigofo influe


na graveza do mal , e fe deve efeolher-fe o mais be-
n i g n o na prática da enxertia ?
Se nós confultaíTemos a razaõ , eftariamos pela af-
i r m a t i v a ; e por certo que ninguém d u v i d a da influen-
cia que tem geralmente fobre todos os fujeitos a natu-
reza da epidemia j e ainda que a coníhtuiçaõ particu-
lar de cada hum poíía modificala de algum m o d o , to-
davia a fua malignidade derrama-fe com muita univer-
falidade. , , r
AffirmaÕ porém os Inoculadores , que o mefmo ve-
neno b e n i g n o , ou maligno produz huma enxertia igual-
mente f a v o r a v e l , e que a diíferçnça do fucceffo depende
unicamente do temperamento dos Inoculados. Ç o n l u l -
tem-
LO 1 1 2 D I S S E R T A Ç A Õ
tem-fe os práticos fobre efta m a t e r i a , em que eu nada
fei por minha experiencia.

5a. Q j j e s t A õ.

P e r g u n t a - f e , fe a profundidade da inferçaó do ve-


neno , ou a quantidade delle , ou a multiplicidade de
infersóes podem influir no caraéler da erupção ?
A todas eftas queftões refpondem os Inoculadores
pela negativa. Pouco mais de 30 inoculações que eu
prefenciei em Hollanda , e em F r a n ç a ; aonde efta prá-
tica encontra ainda muitos obftaculos , tendo contra fi o
corpo da Sociedade R e a l de M e d e c i n a , nao baftaõ pa-
ra eu tomar partido , e em matérias de f a d o trabalho
fempre por efconder as minhas conje&uras particulares.

6a. q u e s t ã o .

P e r g u n t a - f e , fe a inoculaçaô he d'aquelles officios ,


que fó pode preftar quem for dado em particular a ef-
te minitterio ? , ,fl r ,
Para refponder à efta queftaó , he miller conlide-
rar a inoculaçaô em quanto á inferfaõ do veneno , e
em quanto ao tratamento da moleftia. O primeiro o f -
ficio confifte em levantar a pelle com huma a g u l h a , o u
lanceta tocada em o veneno bexigofo ; ou taóbem em
cobrir o lugar da inferfaó com hum emplafto aberto
no meio , em figura circular , a c u j a abertura fe acerta
hum veficante, que excita bolha em pouco mais de íeis
h o r a s , e fobre ella fe poem huns fios embebidos nefte
v e n e n o , os quaes fe cobrem c o m hum emplafto aahe-
fivo bem ligado para ficar alguns dias. >

E m quanto agora ao m e t h o d o curativo das bexi-


gas artificiaes, c r e i o , que elle f e j a o mefmo , que o das
bexigas naturaes: pois , fendo a doença a m e f m a , nao
pósie differir no feu tratamento. H e c e r t o , que os Ino-
r cu-
S o b r e À I v t ) Á 3 " À ' 8 . t x Í
culadores preicrevêra como regra geral aos Inoculados
a expofiçao livre ao a r , e nenhuma dieta : quando po-
rém a febre eruptiva fe anunciar com fymptomas graves
ou quando a erupçaó retroceder eíla r e g ^ foffrera hu-
ma excepção, ou os doentes feraÔ as vidhmas, como
fempre o tem fido, de caprichofos fyílemas.
Agora cada hum eftá no cafo de refolver a quef-
taõ • pois fendo taó fimples a prática da enxertia, e
o feu curativo conforme em tudo as regras da arte,, lá
vemos, que todos os Medicos, e fómente elles eftao
no cafct dç ferem Inoculadores.
REGRAS GERAES
E X T R A H I D A S D O T R A T A D O

D A

educaçaõ fysica,
Q U E D E V E M S E R V I R
D 5

M A N U A L P R A C T ICO.
try

i n t r o d u c ç a õ

A f o r i s m o s .

I.

Umpre que todas as p e í f o a s , antes de contra-


f Hirem c o n f o r c i o s , olhem para o eftado de fua
f a u d ? , certos de que as moleftias paííaõ em h e -

rança de Pais a filhos.


IX.

pratica he errada; pois he ^ Idade U s propria


par^efpofoSos "'e' dos dezoito aos trbta annos.

Hi.

c n trabalho da educaçaõ f y z i c a , e moral de


Sendo o trateino a * ' p a i s d e farm-
tanto p e z o , e m e l m d : f e u s deveres; e
PO q - nen^ o intereife , nem^o capricho devem
t o u X em femelhantes convenções.

IV.

r n rommum das mulheres fejaõ debeis, e


C o m o o commuu maneira de
devnõ ter Z w J m o W l h e * alguns
,tiver durante a prenhez ? c g w r w . fJin,
ii8
f y m p t o m a s , por onde poíTao inferir eftarem p r e n h e s :
por tanto a fufpençao dos menítruos, fem preceder
outra cauza alguma , o fono , a nauzea, o vomito , an-
ciedade , abatimento, faftio abfoluto, ou refpeclivo aos
a l i m e n t o s , que d'antes lhes eraó do melhor f a b o r ; appe-
tites defvairados, grolíura de v e n t r e , d u r e z a , e fenfi-
bilidade nos peitos faÓ os f i n a e s , que f a z e m provável
a prenhez.
V.

Huma v e z que haja razaõ para que as mulheres


fe fupponhaó prenhes; fe ellas forem robuftas , e fans
deveráó confervar fua coftumada dieta fem alteração al-
guma ; porque a prenhez nao lie huma doença íenao
para as peífoas d e b e i s , e enfermas.

VI.

A s mulheres fracas , e doentes de nervos devem u-


far de huma dieta compofta de lubílancias animaes, e
vegetaes fazendo ufo de f r u t o s , e hortaliças c o m a
moderaçaó d e v i d a á fraqueza de feus eítomagos ; ad-
vertindo f e m p r e , que os vegetaes laxaó o ventre c o m -
mummente reiniflb no tempo da prenhez. D e v e m taõ-
bem fugir de c a r n e s , e peixes f e c c o s , e falgados ; de
m o l h o s , m a ç a s , l e g u m e s , e de frutos muito maíiífos.
Igualmente devem ter por muito nocivos o chá , c a f f é ,
bebidas fermentadas , ufando prudentemente de v i n h o ,
a fer-lhes precifo como remedio , ou por fatisfaç.çaò
com o coítume.
VII.

Botn ferá que paíTeem moderadamente defde o


principio da prenhez , mas evitem faltos , e balanços
violentos de carruagem , corridas , e qualquer outro
movimento defordenado.
VIII.
IT9

VIII.

N a õ ufern de efpartilhos, nem apertem as faias;


antes em lugar de as colchetarem, bom ferá fufpende-
ías por fittas aos feus colletes.

IX.

Naó fe fangrem fó por hirem com a rutina , rma3


confultem Medico hábil fentindo-fe com dores vivas,
apontamentos, fuffocaqóes , retenções de ourina , e in-
chações conüderaveis,

Taõbem devem confultar Medico, fe tiverem já


abortado fem preceder incidente, ou fe forem hyfte-
ricas e convulfas , com cujo voto ferá talvez conve-
niente o ufarem de banhos frios, de amargos, e fer-
r o , fegundo a norma, que lhes for prefcripta.

CLE-'-
REGRAS GERAES
E X T R . A H I D A S DO T R A T A D O
DA

E D U C A Ç A O F Y S I C A .

A R T I G O I.
Da necejjiâade de cobrir as crianças quando nafcem.

A f o r i s m o s .

I.
E hum preceito da natureza , que as cri-
anças fe cubraó apenas nafcem ; pois que
vemos todos os animaes occupados em bare-
jar, e chegar a fi as fuas crias , ainda quan-
do'ellas trazem alguma natural cobertura.

II.

Sendo certo, que as crianças fahem de hum lu-


gar mais quente , do que a noífa atmosfera , he forço-
fo que l o entrarem nefta extranhem hum tempera-
mento taõ diíferente do calor da matriz principalmen-
te no Inverno ; e eis-aqui porque nao le devem deixar
hum fo inftante expoftas ao a r , mas fim cobrirem-ie
logo que entraõ no mundo. ^
do Tràtàbo da Educaçk6 Física. iaí

III.

Sendo taõbem muito neceííario , que as crianças


confervem livre a fua tranfpiraçaó; para fe expurgarem
dos humores fobeos ; convém que as roupas de leu
uío fejaó muito bem enxutas, e que fejaò r e v e z a d a s ,
logo que fe molharem.

A R T I G O II.

Do temperamento da atmosfera , e da fua pureza.

I.

A M e f m a natureza nos moftra em t u d o , que tem


jL \ vida , quanto importa a pureza da atmosfera a
fua confervaçaõj pois que todos os animaes abafaÕ ,
entriftecem, e adoecem em hum lugar fechado j ale-
ffraõ-fe, e regofijaõ-fe, aíTim que paíTaÕ para o ar pu-
ro e defembaraçado. T a õ b e m as mefmas plantas mur-
c h a s , e fombrias em huma atmosfera corrupta, rever-
decem , e medraõ com a pureza do ar,

II.

Se o homem precifa de hum ar p u r o , quando a-


dulto , e f o r t e , com maior razaó o naõ pode efcuzar hu-r
ma crianca tenra , e melindrofa. Por tanto cumpre que
a criança', aífim que vem ao m u n d o , e por todo o
tempo da fua criaçao goze de huma atmosfera pura •
por cujo motivo evite-fe com muito cuidado aquella,
que paífa por lagôas , charcos , ou fitios apaulados ,
e taõbem a que vem inficionada dos effluvios conta-
giofos de animaes corruptos, ou que fervio á fermen-
tação dos vegetaes. O ar dos hofpitaes, das cadeas,
* Q, e
122 RÉGUAS GERAES EXTRAJÍIDAS
e lugares fechados, e immundos lie fempre contagiofo.

III.

N a o f ó importa cuidar muito na pureza da atmos-


fera ; mas no feu temperamento pois fe os adultos
extranbao as alternativas de c a l o r , e f r i o , como feraó
ellas imperceptíveis á huma criança débil , muito deli-
cada , e feníivel.
IV.

E m conformidade do que he precifo no Inverno


aquentar a atmosfera da Camera que fe deftina para
o r e : e m - n a f c i d o , para que o feu toque lhe naó feja de-
mafiadamente extranho ; advertindo f e m p r e , que o tem-
peramento do ar feja mais frio do que o he o do c o r p o
da criança , porque aífim fe começa a fortificar. Igual-
mente convém no veraó abrir as janellas para refres-
car o íalor do q u a r t o ; miniftrando-fe aífim hum ele-
mento p u r o , elaftico, e faudavel ao recem-nafcido.

A R T I G O III.

Do tempo, e modo de cortar a vide.

I.

S E as crianças abandonadas ao deítino ftcaõ p e g a -


das ás fecundinas , nem por iíTo morrem , antes ga-
nhaó m a i s , do que fendo inftantaneamente feparadas del-
ias pelo corte d o cordaó umbilical» p o r tanto tenho
p o r errada a prática ordinaria

II.

Em quanto a vide moítrar pulfaçaó naó fe corte 5


mas
do T r a t a d o da Educaçaó Física. 12;

mas fim tendo efta já expirado , o que fuccede em pou-


cos minutos. N e m iirva de^embaiaço , como fuccede
a celebres Parteiros, o ficar a criança expofta aos ef-
ftuvios do parto ; pois que efta infecçaÓ em huma ca-
za efpaçofa , e pouco abafada naó he attendivel, em com-
paraçaó dos danos , que fe feguem do corte precipita-
do defte myfteriofo cordão.

III.

O modo de ligar a vide he atando-a quatro polle-


gadas diftante do embigo com hum cordão feito de
dilferentes fios torcidos fobre í i ; entaó fe fazem varias
voltas rematadas cada huma com dous ou tres n ó s , de
modo que naó pofla foltar-fe fangue do embigo da
criança.

A R T I G O IV.

Bas primeiras lavagens , e do banho.

I.

D izemos lavar as crianças, quando as metemos den-


tro de agua , e as demoramos o tempo neceífa-
rio para lhes delapegar da pelle a fordidez que lhe eftá
grudada. E dizemos banhalas, quando fomente as mer-
gulhamos , e retiramos promptamente da agua.

II.

A natureza he ainda quem nos enfina a necefiida-


de das primeiras lavagens , amoftrando-nos como os
brutos lambem feus filhos, logo que lhes cahem aos pés ,
procurando defpegar-lhes do corpo aquelle humor ge-
latinofo , que os involve.

Qjj Naf-
124 REGRAS GERA ES EXTRAHIDAS

III.

N a f c e n d o pois as noíTas crianças igualmente cober-


tas de huma côdea v i f c o f a , que lhes embaraça a tranf-
piraçaó taó neceílaria na primeira idade , convém que
ellas fejaõ efcrupulofamente lavadas apenas naícem ; e
como a agua pura pela íua nimia lubricidade naó b a f -
taria a diíiblver a fordidez da pelle , deve a agua da
lavagem fer hum pouco vifcofa , e diíTolvente. A g u a
quente em calor inferior ao do c o r p o da criança, em
que fe diííolva Qualquer coiza de f a b a õ , fatisfaz muito
bem a eíte minifterio.

IV.

C o m o porém nem todos os lugares do corpo faó


igualmeute cobertos defte humor oegajofo ; mas fim
o iaõ muito mais aquelles aonde ha gíandulas , eftes
devem fer l a v a d o s , e esfregados com mais exacçaõ :
faÕ pois eftas partes as virilhas , as curvas das p e r n a s ,
os fovacos dos b r a ç o s , o p e f c o ç o , o n a r i z , a b o c a ,
e por tras das orelhas.

V.

E m quanto ao u f o do banho frio > que eu repu-


to muito conveniente na primeira i d a d e , elle deve c o m
tudo fer regulado pelas regras da prudência, e fegun-
d o as forças do menino.

VI.

Por tanto deve a criança entrar , e fair da agua


veloímente ; para as crianças debeis , deve graduar-fe
o temperamento do banho fegundo fuas f o r ç a s , adver-
tiu-
do T r a t a d o da Educaçaõ Ftsica: 125-

tindo que dos oito dias em diante fe deve começar o


banho trio , mas fe a criança for muito débil, entaõ de-
more-ie eíle poderofo corroborante até aos quarenta dias.

A R T I G O V.

Sobre a maneira de penfar as crianças.

I.

T O g o que a criança eílá efcrupulofamente lavada,


JLj deve íér envolvida em huma efpecie de camizola
atada , e naó pregada com alfinetes , mas de tal modo
folta , que os movimentos de feus membros naõ fi-
quem embaraçados. ^

C o m o os oííos da cabeça das crianças nao vem to-


talmente offificados , he precifo para reparar o cere-
bro das injurias externas, cobrilo com huma touca a
que eílejaó cozidas eítopas molhadas em clara d'ovo ,
tendo principal cuidado em defender a moleira, a nu-
ca , e a linha longitudinal, e media da cabeça.

III.

T a õ fimples he pois a arte de penfar as crian-


ças ! E havemos por abufo fummamente n o c i v o , ebar-
baro todos os'artifícios das Parteiras , já amollegando o
cerebro dos miferaveis innccentes , já expremendo-lhes
os peitos, e em fim cingindo taõ eílreitamente os feus ten-
ros c o r p i n h o s , que além de os acanharem nas propor-
ções da noffa efpecie, efmagaõ-lhes as entranhas, e af-
íàílinaõ grande numero deílás pobres viítimas.

AR-
126 REGRAS GERA ES EXTRAHIDAS

A R T I G O VI.

Do modo de deitar as crianças , e das evacuações da


primeira idade,

I.

T T E huma pratica muito nociva aos recem-nafci-


JLJL dos ferem poftos aos lados das M a i s no mefmo
l e i t o , naó íó porque mal fupportaó o p e z o das cober-
turas , c o m que eilas ordinariamente f e c a r r e g a ô , mas
pelos vapores c o r r o m p i d o s , que inficionaó as íuas camas.

II.

Igualmente condemno o ufo das m a n t i l h a s , em que


fe envolvem c a b e ç a s , e roftos das crianças de m o d o , que
íarece milagrofo nao morrerem todas l u í f o c a d a s , mas
Í tm aquellas, que fe d i z e m v i & i m a s de malefícios , e ou-
tros p r e f t i g i o s , c o m que fe encobrem femelhantes aífaf-
fmios.
III.

Por tanto c u m p r e , que as crianças tenhao cama


apartada , e que a cobertura feja leve f e g u n d o a eíla-
çaò , e que o traveíTeiro fique hum pouco elevado , de
modo que fem affliçaó fempre a cabeça fique mais le-
vantada do que o reíto do c o r p o , e a pofíqaó do berço
feja tal q u e , a luz fira feus olhos direitamente ; e naó
de i l h a r g a , aliás convidados pelo claraó ficaõ olhando
de travez.
IV.

Cumpre que o berço efteja na rnefma camera da


M á i , aoudc a criança ferá melhor tratada ; pois naó he
fa-
do Tratado da Educaçaõ Fysica. 127

fácil paflar a extranhos a vigilância neceífaria neíla pri-


meira idade.
V.

Huma vez que a criança depois de mui bem la-


vada fe deita no feu b e r ç o , começa a evacuar pela bo-
ca huma efpecie de humor l i n f á t i c o , em tanto que os
inteftinos fe defoneraõ do ferrado. Éítas evacuações faõ
muito neceífarias, e devem fer com grande cuidado at-
tendidas.
VI.

Por eíla razaõ eu condeno o ufo de rolhas de af-


f u c a r , e m a r m e l a d a ; pois que elles impedem a evacua-
çaõ da l i n f a , e embaraçaõ a entrada do ar para o ef-
t o m a g o , e para os boffes da criança.

VII.

T a õ b e m he muito importante á faude da c r i a n ç a ,


que ella tenha t r ê s , ou quatro cameras nos primeiros
dias depois do nafcimento , e quando naõ fuccedaõ es-
pontaneamente he precifo promovelas.

VIII.

A ' femilhança da n a t u r e z a , que fe ferve do clof-


tro como purgante muito conducente á evacuaçao do fer-
rado , ufo eu , fe he neceífario, do foro de leite prepara-
do com o cremor de tartaro , e adoçado com pequena
porçaÕ de mel. M a s fe naõ baila eíte laxante b r a n d o ,
recorra-fe á purgantes de outra o r d e m ; porém naõ fem
a v i z o do M e d i c o .

IX.
135 REGRAS GERA ES EXTRAHIDAS

IX.

Pelo com mum as primeiras vinte e quatro horas


faó dadas a eítas evacuações , e naõ fe devem pertur-
bar com alimento a l g u m , nem mefmo com o leite ma-
terno. _ _ TTTT
A R T I G O VII.

Da criaçaÕ dos Meninos.

I.

\ T A õ contente a natureza de moftrar ás M a i s ,


I N que ellas faó as A m a s de feus filhos; miniftran-
do-lhes em feus peitos o fuftento unicamente p r o p n o
para eftas tenras creaturinhas, até paífa a caítigalas com
horríveis e tormentofas enfermidades , quando ellas ie
enfurdecem a o feu b r a d o .
II.
H e hum erro fuppor-fe , que o primeiro leite por
fer azedo feja improprio , e nocivo ao recem-nafcido;
ao contrario lie u t i l , e mui de propofito azedado pa-
ra lhe fervir de p u r g a n t e , entaó aisas neceílario para
a evacuaçaó d o ferrado.

III.

T a ó b e m ha outro erro muito nocivo , que he dar


á c r i a n ç a , naquelle intervallo , em que a M ã i lhe nega
o feu peito , o primeiro leite , que fe offerece , o qual
ás vezes por fer de muito tempo lie demafiadamente
g r o í í o , e indigeílo para hum eftomago fraco , para o
qual a natureza prepara hum leite aguacento , e muito
f o r o f o : outras vezes he i m p u r o , e maléfico.
do Tratado da EducàçaÕ Física. 129

IV.

Poucas vezes fuccede', que as M a i s fejaõ razoadas


em fuas excuzas ; pois que a naó ferem nimiamente
debeis, enfermas, e tocadas do veneno eierofulolo, ef-
corbutico, gallico , leprofo , ou de alguma outra efpe-
cie de mal de pelle, aflim como çonlumidas de febres,
por certo que devem amammentar ellas mefmas feus fi-
lhos.
Quando as M a i s , vencidas das preocupações, e ca-
prichos do luxo , e da vaidade , ie negaó a amammen-
tarem feus filhos, naó fó fazem graviflimos males aos
pobres innocentes ; mas deftroem-le a fi mefmas , fican-
do fujeitas ás febres , que vem íobre parto, a hydro-
pezias , tubérculos, rheumatifmos , ao cancro, e a outras
enfermidades com que bem pagaõ o feu crime.
Por tanto, feguindo os di&ames da razaõ, o im-
pulfo da natureza , e o exemplo das Nações mais alu-
miadas , criem as M a i s Portuguezas ellas mefmas os feus
filhos, e teraõ o prazer de lhes paífarem com o leite
faude , robuftez, e huma boa indole.

A R T I G O VIII.

Das qualidades que fe requerem nas amas.

I.
V

H E verdade que as Mais faõ as amas naturaes de


íeus filhos , mas fuccede ás vezes_ ferem taó dé-
beis , que faõ por desfortuna impoflibilitadas para efte
minifterio , outras vezes naó confervaõ o leite, ou eftaõ
de tal modo minadas de enfermidades, que em lugar
de nutrirem , antes inficionaó os pobres innocentes ; e
lie fó neítes cazos que lhes lerá permittido bufearem
R amas
137 REGRAS GERA ES EXTRAHIDAS
a m a s , flue tenhaõ o maior numero poffivel das quali-
dades feguintes.
II.

C o n v é m que a ama feja de vinte até quarenta an-


nos robufta , e filha de Pais fádios , nafcida , e crea-
da no c a m p o , de cor vermelha , olhos animados , den-
tes faos , e b r a n c o s , gengives vermelhas, e lem le-
zaõ hálito fem cheiro , refpiraçaõ livre , feio redon-
d o , ' e abundante de leite , mas naõ com demafia ; de
b o m appetite , regulada em todas as luas f u n c ç õ e s , firme
de nervos , e fem mal de pelle.

III.

C o n v é m que feja regulada em fua dieta , que naó


ufe de liquores efpirituofos, e bebidas fermentadas ; que
naõ abufe de v i n h o s , que feja boa criadeira , e pari-
da de p o u c o .
v IV.

C o n v é m que ella feja de gênio pacifico, e fe al-


guma vez fe encolerizar, que fuja de miniftrar então
o peito a fua criança ; porque o leite filtrado no accef-
fo da cólera he fummamente nocivo. T a õ b e m he pa-
ra d e z e j a r , que ella naõ feja nimiamente l i b i d i n o f a ,
e que íem fugir da cohabitaçaõ , naõ a bufque amiúde ,
nem c o m muito ardor. T a õ b e m feria bom ^ que naõ
lhe baixaífem as conjuncções durante a c r i a ç a o , fe lhe
R e c e d e foíFrer muito nefta evacuaçaõ.

V.

E m quanto ás qualidades do leite , bom ferá que


elle feja de cor branca , e igual fetn fombras amarei-
las 7, de fabor d o c e , e de alguma confiftencia j porem
ei-
do Tratado da Educaçaó Fysica. 131

cftes finaes de pouco valem , fe a ama naó tiver boa


íaude , e fe a lua criança naó for bem medrada.

VI.

Suppondo já que fe accrtou encontrar com amas


de todas as circumftançias requeridas, ainda falta exa-
minar , fe lie poífivel paliar a eftas mulheres venaes a-
quelles lentimentos , que a natureza imprime no cora-
ção materno j pois que faó tantos os cuidados, e cau-
telas , que requer huma criança , que fó debaixo dos
olhos dos Pais poderá fer bem tratada.

VIL

Por tanto importa m u i t o , que as amas venhaó criar


na preíença das M a i s ; pois que defobrigadas talvez
cftas de dar de mammar a feus filhos, naó tem excu-
za para naó velarem fobre a fua criaçaó.

A R T I G O IX.

Do modo porque fe devem conduzir as amas.

I.

S E as amas houverem de apartar-fe dos olhos das

M a i s , convém que ellas vivaó no campo, onde o


a r , que as anima, e que defce de miftura com o leite
para o eftomago das íiias crianças he mais puro , que
o das Cidades
exhalaçóes corrompido , abafado , e inficionado por
podres.
C o m o as qualidades dos alimentos paííaó^ ao leite ,
convém , que as amas ufem de alimentos íáós , e que
fem fe apartarem muito da fua coftumada dieta , fu-
jaó de carnes . e peixes faJgados, e feccos ; e que u-
J R ii íanr
132 Réguas Gekaes Extràhtdas.

fando de vegetaes fejaS moderadas era,, feu ufo , quan-


do ellas forem fujeitas a flatulências, ou as íuas crian-
ças.
* II.

T a õ b e m he muito nocivo ás crianças, que as luas


amas ufem de Ilquores , e vinho fem moderacaõ; igual-
mente o ufo de c h á , e caífé envenena o leite.

III.

C o m o f<5 da boa digeftatf refulta hum bom l e i t e ,


e eíta fe perturba ou pela falta de f o c c e g o , ou pela
nimia ociofidade ; convém , que a ama durma c o m def-
c a n ç o , e paííee ao ar livre por algum tempo. H e
hum o b j e d o muito importante , que as ^ amas conier-
vem regularidade em todas as fuas evacuçoes ; pois que
certamente daõ hum máo fermento ao leite os humo-
res excrementicios demorados , ou repercutidos para
o langue. _ __
ò A R T I G O X.

Do fuftento proprio das crianças.

I.

O Leite lie o fuftento mais analogo á criança, de


leite unicamente fe nutrem muitos dos animaes
viviparos nos primeiros tempos de fua vida , e elle
deve bailar taõbem á noíía eípecie.

II.

AíTtm m e f m o fendo o leite humano hum alimento


tenue , e de fácil d i g e i h ó , nem por ilTo fe deve dar
em tanta quantidade, que fobrecarregue o eftomago
do Taàtado da Educação Fysica. 133

das criancas, corno ordinariamente fe pratica; pois que


as Mais í e fervem de feu peito para caliarem o choro
das crianças , quando ás vezes a nimia repleção excita
as luas lagrimas, e os feus clamores.

III.

C o m o a nofla vida naÓ he mais do que habito ,


convém muito coílumar as crianças defde a primeira
idade a tomarem o feu alimento a horas regulares , cui-
dando fempre em naÓ lhes Interromper o fomno da noi-
te muito neceífario na primeira idade á criança; e mui-
to conveniente á M ã i , que precifa defeanço , para po-
der velar de dia.

IV.

Nos primeiros dias naõ eítando ainda as crianças


defembaracadas no mecanifmo de mammar, lie preciio
miniítrar-lhes o peito repetidas v e z e s : mas ao cabo de
hum mez baila , que elías mamem quatro , ou leis ve-
zes no dia conforme as luas f o r ç a s , e conforme a quan-
tidade de l e i t e , que tomaõ de cada vez.

V.

Pa (Ta dos porém d o u s , ou trés mezes , fe as crian-


ças faõ fortes, e fe foffrem algum movimento, ja po-
dem começar no ufo de alimento extranho, e convém
que efte feia o leite dos animaes , entre os quaes ie
deve eicolher o mais analogo ao leite humano, como
he o de burras, ou de cabras.

VI.

Quando o leite fe azede nos eftorçagos debeis das


C-11"*
4
134 R E G R A S GERAES EXTRAHIDAS
c r i a n ç a s , deve recorrer-fe á geléa de ponta de v i a d o ,
ou algum caldo tenue de carne ; o f a l e p e , l a g o , e a ta-
pioca fervem muito propriamente para os caldos da
primeira idade.
VII.

A p a p a , e outras gelêas aíTucaradas, que eftaõ em


ufo faÕ muito n o c i v a s , principalmente na primeira ida-
de.
VIII.

A í l i m fe devem ir alimentando as crianças com o


leite , e gommas até lhes rebentarem os primeiros den-
tes , com os quaes podendo entrar por alimentos foli-
dos bom he miniftrar-lhes huma codêa de paõ para os
exercitar no officio da m a í t i g a ç a ó , e de reílo pouco
fuílento a n i m a l , nada de m a l f a s , nem de guizados.

A R T I G O XI.

Do modo e tempo de dejmammar as crianças.

N A ó he grande trabalho defmammar os meninos ,


quando elles f o r a ó conduzidos f e g u n d o as regras
preícriptas , nem he taó pouco obra de hum inftante;
pois muito detraz , e infenfívelmente fe vao preparan-
d o para eíla occaíiaõ.
Q u a n d o elles faó f a d i o s , e fortes , ao cabo de do us
ou tres mezes j á podem entrar no ufo d o leite de bur-
ras , ou de cabras, o qual paífados dias fe engrof-
fa com alguma g o m m a l i g e i r a , e quando apparecein
os primeiros dentes fe paíTaó a alimento folido de
m o d o , que no fitn de hum anno , até dezoito mezes ef-
quecem-fe elles mefmos d o peito , que pouco e p o u c o
fe lhes fora negando á proporção , que hiaó comendo ,
e aílim per fi mefmos fe defmammaó fern v i g i l i a s , cho-
ros j
%
DO T B A T A D O DA E D U C A q A Ò F Y S I C A . 135-

ros , doenças d e l l e s , e trabalho das M a i s , e dos do-


" mefticos. . ,
N e m tenhao as M a i s por indiferente o tempo da
c r i a c a õ , pois quando lie '.nimiamente curto deixa as
crianças muito d e b e i s , e enfermas; e quando fe esten-
de além de dezoito m e z e s , naõ fó obíla á fecundidade
das mefmas M a i s ; mas desfalca inutilmente as fuas for-
ças , impoffibilitando-as para novas criações.

A R T I G O XII.

Da dieta propria das crianças depois de defmammadas.

I.

X T E hum máo c o f t u m e , e reprehenfivel dar ás


l i crianças depois de defmammadas alimentos aíluca ;
r a d o s , d o c e s , b o l o s , e outras g o l c d i c e s , que lhes deí-
troem o e í l o m a g o , o temperamento , e as forças.

II.

TaÕbem naõ louvamos a prática de alguns P a i s ,


que alimentaó os feus filhos de fuas m e z a s ; pois quer
eílas feia o fervidas de manjares , e guizados muito va-
riados , quer fobrias, e bem reguladas, quer em hm
pobres , e de alimentos groííeiros], nunca p o d e m con-
vir aos eítomagos debeis das crianças de pouca idacle.

III.

O alimento da primeira idade deve fer íimples,


t e n u e , de fácil digeftao, e pouco v a r i a d o . A r r o z co-
z i d o c o m poucos adubos, paÓ bem fermentado , biicoi-
to , leite , ovos quentes baítaõ a compor , e a variar
a dieta dos meninos.

#
136 REGRAS GERAES EXTRAHIDÀS
O chá , e caffé ta6 ufados entre nós deftroem a
adlividade dos nervos, e enfraquecem o eftomago.
O vinho , liquores efpirituofos, e bebidas fermen-
tadas faÓ muito contrarias á conflituiçaÕ das crianças,
em tanto que a agua fria , e pura lie huma bebida
f a u d a v e l , e corroborante.

A R T I G O XIII.

Do defcanfo , e movimentos proveito/os na primeira.


idade.

I.

Eguindo o exemplo univerfal da natureza anima-


S d a , devemos dar longo foílego ás crianças, as
quaes , como faó muito debeis, qualquer coiza as fa-
t i g a , e precifaõ dormir muito.

II.

A noite he o tempo proprio para o fomno o dia


para a vigilia i e como as crianças ainda faõ fáceis
para contrahirem os coílumes, em que forem poitas ,
cumpre defde logo habitualas ao fomno noóturno.

III.

A film como he p r e c i f o , que as crianças durmaó


hum longo , e aturado fomno , taóòem lie igualmente
neceílario movelas , e exercitalas.

IV.

E m quinto ellas nao podem firmar paíTos, tem lu-


gar o m o v i m e n t o , o qual k lhes procura agitando-as
& nos
n o T R A T A D O DA E D U C A Ç A S FÍSICA. 137

nos braços , levando-as em carrinhos, emballoiçando-as


cu. redes , mas naõ com exceffo-
V.

Q u a n d o porém já e o m e ç a ó a a r r a í b r - f e , < « W P ^
T,las a fi ; pois q u e advertidas peta n a t m e z a da neceL
& q u e tem de acçaâ , e m o v i m e n t o , l i d a o todo o

tempo, que naô d o r m e m .

VI.

Advirta-fe porém que o tifo das andadeirasjhemui-


t0 n o c i v o ; porque além de oppnmir os peitos da c n »

a andar antes de tempo.


VII.

crianças , refpirarem hum ar puro , c


de gozarem em d í c o o U ^ de feus iguaes.

a r t i g o XIV.

Bo modo de veftir os Meninos.

I.

N T tffte orti.ro a moda tem reformado alguns abuíbs


nns e m r e f o ^ d o outros; pelo que he p r e c i f o

confultar a razaõ que he huma guia mais i e g u r a , do


que naô he o capricho. ^
145 R E G R A S G E R A ES EXTRAHIDAS

II.

A primeira regra, e a mais geral h e , que fe de-


ve períeverar em naõ opprimir as crianças ; mas veíti-
las de tal maneira, que fiquem livres em todos os feus
movimentos, e desembaraçadas em todas as acções vi-
t a e s , animaes, e naturaes.

III.

Por tanto condemno efte atavio ridículo de five-


las , l i g a s , veíles , cazacas , e outros ornatos , que oxa-
lá os homens foubeííem eícuzar em idade mais adulta.
Por ventura efte abulo nos meninos machos eítá quaíi
vencido com o exemplo de huma Naçaõ polida, e illu-
minada.
IV.

T a õ b e m tenho por muito nocivo o ufo de efpar-


tilhos , e colletes de barbas , que além de afligirem as
crianças, embaraçaô-lhes o exercicio, e movimento ;
amolcgaò os oflbs de feus p e i t o s , e faõ huma das cau-
zas mais férteis da phthifica , que leva grande parte das
gerações prefentes.
& V,.

A o contrario cumpre , que os meninos machos ufem


de c a l ç a s , e gibão de fazenda ligeira j pois que aífim
fe exercitaó melhor em feus j o g o s , e carreiras livres
defies adornos , com que barbaramente dantes íe ate-
nazavaõ. A s meninas femeas com huma c a m i z o l a , e
cinta larga ficaó , quanto baila , reparadas das injurias
do t e m p o ; crefcem , e medraõ defembaraçadas delias
horríveis torturas, que a vaidade ainda h o j e , por def-
dita 3 entretem entre nós.
J\ lv~
"DO TRATADO DA EDUCAÇAÕ FYSICA. 139

A R T I G O XV.

Do influxo das paixões na primeira idade.

I.
A S paixões fendo movimentos violentos executados
i \ á cuíla dos noilos o r g a õ s , neceiíariamente devem
perturbar a economia de todas as acções do homem , e
maiormente das crianças muito mais debeis, e fenfiveis.

II.

A cólera , e o temor faõ as paixões dos primeiros


sumos i he precifo pois regulalas l o g o do principio.

III.

O s meninos dezejando com muito ardor faõ fáceis


em fe affligirem , e depois em fe enfurecerem , quando
lhes negaó os feus appetites; por iífo mefmo he necef-
fatio nao os attender, nem cumprir os feus capricho-
los dezejos. Defte modo conhecendo a inutilidade de
feus furores, e de feu pranto mudaõ de f y í t e m a , fa-
zem-íe i n a n i o s , e dóceis.

IV.

Igualmente fe deve evitar toda a idéa trifte, e


pavoroía , c o m o propria a defordenar a faude dos me-
ninos , a faz elos eftupidos , e ás vezes a cauzar-lhes a
morte. Por tanto evitem-fe-lhes contos f e n í s , e roman-
ces horríveis que convidando a lua curiofidade efpan-
taõ 3 e aíuftaõ a fua imaginaçaõ.

S ii V.
I40 147 R E G R A S G E R A ES EXTRAHIDAS

V.

Sendo muito natural ás crianças terem o fono ni-


miamente pezado e os orgaõs muito ' f ^ J ^
de aue ellas fe defoncram de fuas a g u a s , e excremen-
tos durante a noite ; porém fendpefta acqao neceíTaria
he baibaro o c o f t u m e ' d e as caftigar por e l l a , antes al-
íim ficaó fujeitas a inquietações n o d u r n a s , e a fonho.
cheios de temor , e de receio.

VI.

Sendo taõbem n e c e f o r i o , que as crianças fe mo-


vaó e exercitem continuamente nos primeiros annos, he
hum e r r o confumilos em eíludos intempeftivos que lhes
gaftaó a f a u d e , fem adiantamento algum em luas idéas.
HI

í n d i c e

Dos A r t i g o s , que fe contém nefle Tratado.

N T R O D U C C A & ' Das cautelas que fe reque-


I rem no tempo da prenhez. - -
A R T I G O
7 PaS*
I. Da necejfidade de cobrir as crianças
1

quando nafeem. " ~~V I LT


ART. II. Do temperamento da atmosfera, e da im-
ART.portância
III. Doda Jua
modopureza.
x e tempo de cortar
~Z
o cordão ^
umbilical. ~~ •
ART. IV. Da lavagem , e do banho. 20
ART V. Sobre a maneira de penfar as crianças. 3*
ART. VI. Do modo de deitar as crianças, e das
evacuações da primeira idade. - 4O
ART. VII. Da criaçaõ dos Meninos. 44
A R T . V I I I . Das qualidades que fe devem requerer
' nas amas. H
ART IX. Como fe devem conduzir as amas. 5>
A R T . ' X.'ZTO Mento próprio das crianças- - - 6 2

ART. XI. Do modo, * do tempo proprio para dej- ^


mammar as crianças- " " * 9
ART. X I I . Da dieta propria para as crianças de- ^
Dois de defm animadas. " " " T
ART X I I I . Do defeanco , e movimento das crianças. ,$
ART' XIV- Do modo "de vejlir os meninos. 80
ART. XV. Do influxo das Paixões na Economia
animal dos meninos. - - - - - >3

D I S S E R T A C A Õ Sobre a InocuIaçaÕ. PS- 9l


ARTIGO I . Da Rifloria da Inoculação,

14* Í N D I C E
Art. II. Dos argumentos que provao a utilida-
de da inoculaçao. - - ; " " " 95
Art. III. Dos argumentos contra a inoculaçao. ico
Ar T ' IV. - 1 0 3
Art" V. De algumas reflexões Jobre a prepara-
ção , 'idade, e tempo proprio para a inoculaçao. 109

REGRAS GERAES EXTRAHIDAS DO TRATADO


d a e d u c a ç a õ f y s i c a .

A R T I G O . I. Da necejjidade de cobrir as cri-


anças quando nafcem. PaS* I2ÍJ

Art. II. Do temperamento da atmosfera, e cia


121
rua pureza- .~ "
Art III. Do tempo, e modo de cortar a vide - 121
Art' IV. Das primeiras lavagens , e do banho. 123
A r t ' V '«ftJr* maneira de penfar as crianças. 12?
Art'. VI. Do w^o de deitar as crianças , e aas
evacuações da primeira idade. 116
Art VII Da criacaõ dos Meninos. 120
A r t ' . V I I I . Das qualidades que fe requerem nas

A r T i X . ~Do modo porque fe devem conduzir as ^


amas. " ' ~~~ í^-,
Art X Do fujlento proprio das crianças. 132
Art! XI. Do modo e tempo de defmammar as

A r t ! XII^jD/ídieta propria das crianças depois


de definam nadas. .
A r t . X I I I . Do defeanfo , e movimentos provei-
l
tolos na primeira idade. - - - \
Art XIV Di modo de veflir os Meninos.-- - 137
Art'. XV.'Do influxo das paixões na primeira
idade. - " CA-
C A T A L O G O

Das obras já hnprcjjas , e mandadas compor pela


Academia Rea/ das Sciencias de Lisloa > com
os preços , por que cada huma delias
Je vende brochada.

I„ T ) R e v é s I n f t r u c ç o e s aos Correfpondetites da Aca-


r i d e m i a , fobre as rcmeíías dos produétos natu-
raes / para formar h u m M u f e o Nacional - - -• - U9
I I . Memorias fobre o modo de aperfeiçoar a Manuteòtu-
ra do Azeite em P o r t u g a l , remettidas á A c a d e m i a ,
por j o a ó Antonio Dalla-Bella , Socio da m e f m a . - - 4«o
I I I . M e m o r i a fobre a Cultura das Oliveiras e m 1 ortu-
gal , remettida á Academia , pelo m e f m o " 4«o
I V . Memorias de Agricultura premiadas pela Acade-
4 0
mia , i . vol. 8. - - -
V . Pafchalis Jolephi Mellii F r e i r a , H i f t . J u n s Civilis
Lufitani Liber íingularis , i . vol. 4. 4°
V I . E j u f d e m I n f t i t u t i o n u m ]uris Civilis Luiitani Líber
primus d e Jure P u b l i c o , 1. vol. 4. - - - - - - 480
— L i b . fecundus de Jure P e r f o n a r u m . 1. vol. 4.
V I I o f m í a , Tragedia coroada pela Academia , i . v o l . 4 . ^4°
V I I I . V i d a do Infante D . D u a r t e , por Andre de Ke-
z e n d e , r. vol. 8. _" " "
I X V e f t i g i o s da Lingua Arabica em P o r t u g a l , ou
V
L e x i c o n E t y m o l o g i c o das palavras , e nomes 1 ortu-
puezes , que t e m origem Arabica , compofto por or-
d e m da A c a d e m i a , por F r . Joaó de Soufa , 1. vol. 4. 4«o
X . Dominici V a n d e l l u , Viridarium ü r y s l e y Lufitani-
cum Linnacanis nominibus illuílratum , t. vol. «. - 2co
X I . E p h e m e r i d e s N a u t i c a s , ou Diário Aftronomico pa-
ra o anno de 178c; , calculado para o merediano de
L i s b o a , e publicado por ordem da A c a d e m i a , i . v o l .
4. - - - - - - - - - - - - * *> ^
O m e f m o para o anno de 1790 , 1. vol. 4. - - - - ^o
O m e f m o para o a r n o de 1791 > vol. 4- - - 7 ^Q
X I I . Memorias Econômicas da Academia R e a l das
en-
eficiás de Lisboa , para o a d i a n t a m e n t o ^ Agricul-
tura , das Artes , e da Induílna em Portugal luas ^

X í n T o l í e V c a ó d e L i t i o s V e d i t ' o s "de H i f t o r i a P o r t a -
X l
eza C d o e ; ^ i n a d e o s dos S e n h o r e s K e y s D o m João I ,
D . Duarte, D- Affonio V . . , e Dom João 1 1 . , i. ^

X l t : Avif 0 ; intereílíintes fob* as i m o . e s agentes,


mandados recopilar por ordem da Acidemia £
X V . Tratado de Educaçao Fyfiça para u o da m ç a o
Portugueza , publicado por .^dem da A ; dem a Rea
das Scicncias , por Francifco de Meüo i a _ ,

por ordem da Academia, pelo leu Corn.lponde.uc i _ ^

O b f e r v t ^ s "fobrc "as P ^ - f ^

do Amaral, Socio Efteilivo da m e l m a - -


X V I I I . Flora Çochmchmenfis. mtcns i nt^ ^
g„o Cochinchina naícentes. Qmbus acçedan

Ferva» in Sinenfi Impeno . A t a c a Ur,enta

' t i : ]uffa°Academ. R. Scicnr. in Incem edua. u vol. ^

r S i r ^ S r ^ d c A l m e j a , Cor- ^
rcfpondente da mefma Sociedade - is

XX. j S d a Legislação
Anaftafio de Figueireao , Cor- ^
refpondente da A c a d e m i a , 2. vol. 4- ,
X X r Obras Poéticas de Pedro de Atidtaac
C a m i n h a
_ _ 6 o o

publicadas d e o r d e m de A c a d e m i a . 1. v o l .
EJlao debaixo do ptélo as feguintes,
A&as c Memorias da Academia R e a l das Sciencias , I . v o l ;
T a b o a d a s P e r p e t u a s Aftronomicas para u f o da N a v e g a ç a ó P o r -
tugueza.
C o l l e c ç a ó de Livros inéditos de Hiftoria P o r t u g u e z a , dos
R e i n a d o s dos Senhores R e i s D . Joaõ I . , D o m D u a r t e ,
D . A f t o n f o V . , c D . Joaó I I . , 2.0 e vol.
Dicçionario da lingoa P o r t u g u e z a .
E p h e m e r i d e s Nauticas 3 ou D i á r i o Aftronomico para o anno
de 1792.
M e m o r i a s de Litteratura P o r t u g u e z a .
M e m o r i a s de Agricultura premiadas pela A c a d e m i a , l . vol.

Vcndcm-fe cm Lisboa tias logcas de e de Bertrand, Borel,


$ na da Gazeta ; e em Coimbra também pelos mefmos preços.

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