Você está na página 1de 7

BRUMAL DOI: 

https://doi.org/10.5565/rev/brumal.538
Revista de Investigación sobre lo Fantástico
Research Journal on the Fantastic Vol. VI, n.º 2 (otoño/autumn 2018), pp. 421-427, ISSN: 2014-7910

Filipe Furtado, O Fantástico: Procedimentos de Construção Narrativa em H.P. Love-


craft, Dialogarts Publicações, Rio de Janeiro, 2017. ISBN 978-85-8199-065-1.

Nas últimas três décadas, a obra e a sador brasileiro Flavio García com Furta-
vida do escritor norte-americano H. P. Lo- do, por ocasião do II Congresso Vertentes
vecraft (1890-1937), tem despertado a do Insólito Ficcional, em 2014 na UERJ,
atenção de duas classes de leitores. De um levou ao planejamento da obra que agora
lado, os apreciadores de ficção que encon- resenhamos.
tram na obra do autor de Providence his- O livro O Fantástico: Procedimentos
tórias inquietantes e inigmáticas e que de Construção Narrativa em H.P. Lovecraft,
não raro o conhecem via releituras de ou- lançado em 2017 pela Editora Dialogarts,
tros autores, artisticas e obras contempo- é dividido em duas partes. A primeira é
râneos, como é o caso de Guillermo del dedicada ao debate introdutório sobre a
Toro, Alan Moore e Stephen King, ou de obra, o pesquisador e o autor estudado,
jogos analogicos ou digitais. De outro, por sendo assinada por quatro diferentes pes-
parte de especialistas acadêmicos, sobre- quisadores brasileiros: Flavio García (UERJ),
tudo a partir do trabalho do crítico e bió- Júlio França (UERJ), Alexander Meireles
grafo S.T. Joshi, que tem estudado na his- da Silva (UFG) e Cláudio Zanini (UFRGS).
tória de sua obra um caso singular de A segunda parte, dividida em dez capítu-
produção, publicação e recepção literária los, constitui o estudo de Furtado a res-
no decorrer dos séculos xx e xxi. peito da obra, dos temas e da estrutura da
Antes disso, porém, em 1979, um ficção de Lovecraft.
jovem pesquisador defendia sua tese de O capítulo inicial do livro, assinado
mestrado na Universidade Nova de Lis- por García e intitulado, é dedicado ao per-
boa. O trabaho de Filipe Furtado à época curso de publicação da obra. Em seu tex-
era composto de dois volumes. O primei- to, o pesquisador detalha o processo de
ro, «A construção do fantástico na narrati- edição do volume, lembrando que, como
va», tornou-se publicação autônoma, vin- fora escrito há décadas, não se tinha aces-
do a ser publicada no ano seguinte pela so a cópia editável do volume e sim à ver-
Livros Horizonte de Lisboa. Quanto à se- são digital dos originais datilografados e
gunda parte, dedicada à obra de Lovecra- com emendas feitas à mão (p. 14). O relato
ft, ficou praticamente esquecida por anos. biográfico e editorial da obra crítica enga-
Quase quarenta anos mais tarde, um pro- ja o leitor à sua leitura e apresenta uma
videncial encontro do professor e pesqui- pertinente reflexão sobre os caminhos e

421
Reseñas

descaminhos que leva um texto desde sua como Furtado problematiza um dos te-
concepção e preparação até sua eventual mas centrais da ficção lovecraftiana: o so-
publicação. brenatural negativo ou o problema do
Essa discussão é intensificada pelo mal, discutidos pelo autor portugûes atra-
segundo texto do volume, que sumariza vés da identificação da estrutura «Avidez
os principais elementos da crítica de Fur- intelectual → Possessão → Destruição»,
tado. De autoria de Júlio França, o texto estrutura que perpassa a obra do escritor
abre com uma formulação instigante a de Providence (pp. 29-30).
qualquer pesquisador de pós-graduação: No último capítulo desta primeira
«O leitor tem em mãos uma vigorosa evi- parte, «H.P. Lovecraft – Weird Fiction for
dência de quantos estudos notáveis encer- Weird Times: Os Tempos e Paradoxos»,
ram-se nas bibliotecas universitárias sob o Claudio Zanini analisa o autor estaduni-
formato de trabalhos acadêmicos» (p. 17). dense a partir da ideia de «paradoxalida-
A seguir, França dedica-se a introduzir as de». Essa ideia é discutida por Zanini ao
principais teses de Furtado, capítulo a ca- narrar a precocidade do jovem escritor, os
pítulo, ressaltando os fenômenos me- conflitos familiares, as severas mudanças
taempíricos que definem o sobrenatural sociais e culturais da virada do século xix
na obra do autor de Providence, a centra- para o xx e as inovações tecnológicas —am-
lidade do eu em detrimento de uma quase biguamente fascinantes e assustadoras—
ausência do outro em suas histórias e a que ele vivenciou. Para Zanini, a estra-
presença de uma visão de mundo desti- nheza das pouco mais de quatro décadas
tuída de sentido, que parte do presente e em que Lovecraft viveu «era percebida na
chega a um passado imemorial, recusando reconfiguração e readaptação das pessoas
assim «qualquer modo de otimismo, seja às novas situações, e aí reside mais um pa-
antropocentrista, seja teocêntrista» (p. 26). radoxo da ficção lovecraftiana, o de como
O terceiro capítulo, «Filipe Furtado a estranheza de sua ficção, pautada na
– Um Arquiteto do Fantástico», é assinado subversão de leis universais (...) na verda-
por Alexander Meireles da Silva e apre- de disfarça uma crônica acurada de senti-
senta ao leitor um panorama do autor e mentos e medos vigentes nos EUA do iní-
da obra. Para Silva, Furtado parte de con- cio do Século xx» (pp. 35-36).
siderações mais gerais e abrangentes do A partir desta constatação, Zanini
gênero fantástico, que remetem ao texto analisa temas lovecraftianos como inva-
basilar de Todorov, para propor uma nar- sões alienígenas à luz da ameaça nazista e
ratologia do fantástico baseada em con- reanimação de cadáveres como metáfora
ceitos que com frequência o aproximam para os perigos da tecnologia. Comple-
de autores como Barthes, Genette e Grei- tam seu texto outros paradoxos, como a
mas, indicando assim suas bases estrutu- prolixidade de seus escritos, a escolha por
ralistas. Silva também discute a forma um modo narrativo pouco valorizado, o

422 Brumal, vol. VI, n.º 2 (otoño/autumn, 2018)


Reviews

compreensível não-reconhecimento em seu saber num ou mais ramos do con-


vida, fosse ele editorial ou acadêmico, e hecimento, empenhando-se de modo
excessivo em formas geralmente insóli-
sua natureza arredia e misantrópica, ape-
tas de investigação científica ou de
sar de suas amizades por correspondência
criação artística. No decurso dos seus
e de seus muitos escritos mostrarem uma estudos, através dum texto ou de qual-
dimensão humana que implorava por re- quer objeto, esse indivíduo entra súbita
conhecimento e empatia. e involuntariamente em contato com
Esses primeiros quatro ensaios uma manifestação desconhecida e, se-
gundo parece, alheia às leis da nature-
criam um pano de fundo crítico, biográfi-
za. O contato estreita-se, levando-o de
co e histórico ideal para a passagem à se-
forma gradual a tornar-se presa dessa
gunda parte, onde encontraremos os dez fenomenologia alucinada ou do seu
textos assinados por Filipe Furtado e que agente, o monstro. A relação de depen-
compreendem o livro em si. Tanto para dência e posse, que assim se vai estabe-
leitores e conhecedores da obra de Love- lecendo, reflete-se na alteração, cada
vez mais acentuada, dos caracteres físi-
craft como para possíveis interessados no
cos e psíquicos da vítima, vindo esta,
livro exclusivamente por sua natureza
eventualmente, a sofrer um processo
teórica e crítica, esses capítulos são insti- de degenerescência que, por um per-
gantes e acessiveis, servindo como efi- curso inevitável, a conduzirá à aniqui-
ciente introdução à pesquisa de Furtado. lação total (p. 45).
O primeiro capítulo desta segunda
parte, «Os Temas Centrais» —que consti- A redução do modelo estrutural
tui o maior capítulo do livro (p. 43-79)—, acima em três fases essenciais —«Avidez
detalha o escopo e o recorte de pesquisa. intelectual → Possessão → Destruição»—
Furtado faz isso através daquilo que cha- perpassará o argumento de Furtado em
ma de «delimitação negativa», ou seja: todo seu livro. Segundo ele, essas linhas
obras que não integrarão sua análise. En- temáticas desembocarão em um número
tre essas, estão textos de caráter maravi- variável de motivos e submotivos de sua
lhoso, ficção científica e escritos em co-au- ficção, como acontece nos enredos prota-
toria, como foram os assinados por gonizados por Charles Dexter Ward, Hen-
Lovecraft e August Derleth. Após essa ry Akeley, Robert Blake, Jervas Dudley,
delimitação, Furtado apresenta uma das Henry Wilcox, Harley Warren, Walter Gil-
teses de seu livro: apresentar uma estrutu- man e Arthur Jermyn, entre outros perso-
ra comum a muitos dos contos do autor: nagens típicos lovecraftianos. Em muitos
desses personagens, a «voracidade inte-
lectual» se manifesta com uma «precoci-
Tal esquema diegético pode ser suma-
rizado da seguinte forma: Um indiví- dade excessiva». Neles, a avidez intelec-
duo, singularmente culto e de grande tual, a fixação pelo olhar e a revelação
avidez intelectual, procura aprofundar o onírica —intensificados pela obsessão por

Brumal, vol. VI, n.º 2 (otoño/autumn, 2018) 423


Reseñas

documentos e livros e por impressões sen- guns de seus procedimentos mais usuais a
soriais inquietantes— levarão ao que Fur- fim de reforçar a impressão de credibilida-
tado julga ser essencial em Lovecraft e na de ficcional em seus textos, como «Refe-
ficção fantástica em geral: o tema da pos- rências Factuais», «Testemunhos» e «Ce-
sessão e as metamorfoses (para não dizer- nários Realistas», que são trazidos à baila
mos destruição) física e mental decorren- na forma de pretensos dados históricos,
tes dela. É nesse último aspecto que relatos pessoais, enumeração de eventos,
Furtado se concentrará até o final do capí- documentos e/ou livros, ou ainda, remis-
tulo, além da relação entre o eu e o outro e sões a fatos que «teriam ganhado a opi-
a problemática dimensão do feminino e nião pública», entre outros exemplos que
da sexualidade —ou sua aparente ausên- Lovecraft lança mão a fim de fortalecer a
cia— na obra de Lovecraft (pp. 71-74). verossimelhança em seus textos.
O segundo capítulo, «Os Malefícios Em «Fatos e Documentos», ainda
do Passado», detalha a forma como o pas- dedicado ao problema da verossimelhan-
sado histórico de séculos ou o tempo mile- ça, Furtado analisa a construção das «inú-
nar longínquo são encapsulados em mui- meras referências intertextuais» que unifi-
tos de seus contos, podendo chegar a eras cam as ditas narrativas do Ciclo de
longínquas e imaginárias. Esse passado e Cthulhu, como às menções a Miskatonic
seus assombrosos efeitos é marcado no University ou ainda ao misterioso Necro-
presente da diegese tanto por objetos, li- nomicon. Por fim, Furtado analisa o fato de
vros e manuscritos quanto por heredita- o calcanhar de Aquiles da ficção de Love-
riedades amaldiçoadas. No final dessa li- craft estar justamente em uma de suas
nha temporal perversa estão os Antigos, principais características: seu incompará-
entidades cósmicas antiquíssimas e gran- vel estilo narrativo. De forma óbvia, mui-
des responsáveis pelo horror cósmico tão tos dos relatos apresentados por seus nar-
comumente associado a Lovecraft, sobre- radores não poderiam ter sido vivenciados
tudo por aquilo que Furtado chama de e depois registrados à posteridade, uma
«ressonância hierática», como Azathoth, vez que muitos deles foram destruídos ou
Yog-Sothoth, Cthulhu e Nyarlathotep. estão desaparecidos, ou então enlouque-
O terceiro e quarto capítulos, intitu- ceram. Além disso, o caráter hiperbólico
lados «O Verossímil: Fatos e Documentos» de suas descrições monstruosas e a ruptu-
e «O Verossímil: Recursos e Insuficiên- ra temporal entre o que se vê e o que se
cias», dão conta de analisar os recursos descreve acabam por implodir o próprio
usados pelo ficcionalista para produzir a construto ficcional, tão severa e detalha-
impressão de logicidade narrativa que se damente construído. A dissemetria entre
espera de uma obra ficional. Partindo de a verossimelhança construída a partir de
um excerto do próprio autor sobre a escri- exaustivos dados factuais e a verossime-
ta de textos fantásticos, Furtado lista al- lhança desperdiçada em descrições mons-

424 Brumal, vol. VI, n.º 2 (otoño/autumn, 2018)


Reviews

truosas grotescas e absurdas é um dos Nesse sentido, de grande ajuda são as ta-
mistérios que a trama e o estilo de Love- belas análiticas (pp. 150 e 151) em que são
craft contiuam a encerrar. diferenciados e identificados elementos
No quinto capítulo, «Dizer o sobre- ficcionais associados ao Mundo Empírito
natural», Furtado investiga um dos ele- e ao Mundo Meta-Empírico presentes nos
mentos da prosa lovecraftiana que é comu- enredos de «O Caso de Charles Dexter
mente criticado: a descrição verborrágica Ward», «Um Sussurro nas Trevas» e «O
do insólito monstruoso. Aqui, o crítico Horror de Dunwich». No sétimo capitulo,
português também analisa a «estrutura «Os Dois Lados da Narração», Furtano re-
esquemática» de muitos dos textos do au- toma a análise das funções do emissor e
tor, muitos deles começando in ultimas res, do receptor, do narrador e do narratário,
ou em uma rápida alusão ao seu final. análise que ele já havia detalhado em A
Apesar de eficiente do ponto de vista da construção do fantástico na narrativa (1980).
fabricação da tensão ficcional, esse recur- Porém aqui, o que se faz é discutir a larga
so acaba por também implodir a coêrencia utilização que Lovecraft faz do narrador
da história, uma vez que se um persona- em primeira pessoa, ora constituindo-o
gem enlouqueceu, desapareceu ou foi como homodiegético, ou personagem se-
destruido, como é possível a simples elu- cundário, ora como autodiegético, no caso
cubração narrativa de suas causas? Sobre de um narrador protagonista.
isso, Furtado declara: No capítulo seguinte, «As Duplici-
dades do Espaço», o crítico parte de dois
Ainda que ocasionalmente empregado, planos básicos no que concerne à caracte-
o processo está longe de ser favorável rização espacial: o real, geográfico ou ima-
ao gênero, por retirar, quase sempre, ginário, e o «alucinado», que pode ser du-
credibilidade à ocorrência insólita, im-
plo, não-euclidiano ou sonhado. É a partir
pedindo-a de suscitar, no receptor do
enunciado, a aceitação parcial dela, ele- dessas categorias que cenários como
mento indispensável ao desenvolvi- Arkham, Innsmouth, Dunwich e a Miska-
mento da perplexidade visada pelo tonic University, além dos rios Manuxet e
fantástico (p. 132). Miskatonic e a região de Dark Mountain,
são revisitados e discutidos. São essas «lo-
Ainda neste capítulo, Furtado ana- calidades reais» —vivenciadas, imagina-
lisa a construção do narrador, a aparição das ou sonhadas— que servem de vias de
do monstruoso e a qualidade das hipérbo- acesso para espaços abissais como ocea-
les e metáforas do conto de Lovecraft. Já nos, abismos, vastidões cósmicas ou ou-
no sexto, «O Monstro e os Outros», o críti- tros universos.
co investiga a construção do antagonista Depois de debruçar-se sobre ele-
fantástico, maravilhoso ou insólito, a par- mentos estruturais e estilísticos por seis
tir da organização da narrativa e da trama. capítulos (3-8), Furtado encaminha-se

Brumal, vol. VI, n.º 2 (otoño/autumn, 2018) 425


Reseñas

para o encerramento do seu estudo retor- 186). No final de todos esses processos, o
nando à problematização temática. Em que temos é o desenlace nefasto, a abomi-
«As Armadilhas do Conhecimento», pe- nação de muitos desses protagonistas, to-
núltimo capítulo do livro, ele discute a dos excessivamente desejantes de saber,
forma como a fascinação com o saber e o arte ou idealizações.
conhecimento leva muitos dos protago- No último capítulo do livro, «Um
nistas lovecraftianos ao desespero e à des- Darwinismo Cósmico», Furtado discute a
truição. Sobre esse particular aspecto de solidão e o isolamento que caracterizam
sua ficção, Furtado empreende uma eficaz muitos, senão a grande maioria, dos he-
catalogação de como os campos semânti- róis condenados de Lovecraft. Grupos so-
cos utilizados pelo autor reforçam essas ciais ou cósmicos, quando surgem, sur-
estruturas temáticas: gem para intensificar esses sentimentos
de exclusão, abandono ou condenação
Os temas recorrentes nas narrativas de existencial ou física. São heróis repletos de
Lovecraft evidenciam diversos elemen- características dignas de nota que no ins-
tos que formam uma simbologia do tante seguinte são obrigadas a vivenciar a
conhecimento: nas personagens (cien-
mais absoluta derrota, o que adensa «o
tistas, professores universitários, artis-
tas e outros intelectuais); no espaço (bi- caráter profundamente involutivo, re-
bliotecas, laboratórios, universidades); gressivo» de sua ficção (p. 197). É nesse
nos objetos que o povoam (livros e do- ponto que o crítico português responde a
cumentos de toda a ordem); na ação, uma das críticas mais severas à obra e à
tantas vezes centrada na busca do sa- persona de Lovecraft: sua postura elitista
ber; no próprio ato narrativo produtor,
e xenofóbica.
muitas vezes, entrecortado por re-
flexões sobre a validade do processo
cognitivo ou tiradas sobre o universo e A ficção lovecraftiana deixa transpare-
os seus mistérios (p. 182). cer, ainda que ocasionalmente e de for-
ma distorcida, várias questões funda-
A partir dessa enumeração, Furta- mentais da época em que foi produzida,
como o racismo, a imigração, a selva
do produz insights importantes sobre a
econômico-social das primeiras décadas
construção de seus heróis, como o fato de- do século, a Depressão e os ecos do fas-
les buscarem descobrir tanto sobre o mun- cismo. As referências a vários desses as-
do exterior e seus enigmas cósmicos e sa- pectos surgem em resultado da priorida-
berem tão pouco de si próprios (p. 184), a de concedida a determinados indivíduos
prática da arte como uma fuga da realida- sobre a sociedade, tanto na vida quoti-
diana, quanto na vida cognitiva, bem
de em direção ao bizarro, ao grotesco e à
como da concepção elitista da sociedade,
morbidez (p. 185) e a busca pelo sonho a do que se poderia denominar a con-
fim de criar uma pseudo-realidade inte- cepção da história, real e fictícia, detectá-
rior para a obtenção do conhecimento (p. vel na ficção lovecraftiana (p. 198).

426 Brumal, vol. VI, n.º 2 (otoño/autumn, 2018)


Reviews

Evitando biografismos óbvios, aqui e artísticos, humanos e cósmicos, perpassa


Furtado entrecruza com sobriedade a in- a obra de Lovecraft. Para Furtado, são es-
tersecção entre ficção e contexto-social, sas contradições, essas dissonâncias terrí-
dando à obra de Lovecraft um verniz ain- veis e inquietantes, que percebemos na sua
da mais complexo. Para um autor que vi- obra, uma ficção cuja construção narrativa
veu o isolamento social em contextos pri- e artesania estilística tem mais e mais atraí-
vados e públicos, os liames de seus do a atenção de leitores e estudiosos da li-
complexos, temores e preconceitos, aca- teratura. Com O Fantástico: Procedimentos
bam vazando pelos vãos de suas ficções de Construção Narrativa em H.P. Lovecraft,
tentaculares, monstruosas e desalentado- esses dois grupos ganham um estudo crite-
ras. Trata-se de um «pessimismo radical» rioso e estimulante sobre a obra do enig-
que irá encontrar na dissolução cósmica mático cidadão de Providence.
um amargo e ambíguo desfecho. Segundo
Furtado, essa «perspectiva amarga resulta Enéias Tavares
da absurda ausência de sentido da vida e Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM)
do lugar infinitesimal atribuído ao ho-
eneiastavares@gmail.com
mem na ordem geral das coisas» (p. 201).
Esse vazio abissal que constitui os
esforços individuais e coletivos, científicos

Brumal, vol. VI, n.º 2 (otoño/autumn, 2018) 427

Você também pode gostar