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Por que garotos não vão ao urologista?

Pesquisa constatou que a urologia é uma das especialidades menos procurada por
garotos entre 13 e 17 anos.

Gabriella Feola
Sexualidade, Sexo, Saúde do homem [+]




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Na pesquisa realizada pelo psiquiatra Jairo Bouer, que entrevistou mais de 3 mil
adolescentes de 13 a 17 anos, verificou-se que, dos garotos que vão ao médico, 55,8%
responderam ir ao clínico geral e 35,3% ao pediatra. No entanto, apenas 3,5% deles
afirmaram ir ao urologista, enquanto 42,1% das meninas responderam ir ao
ginecologista (Tecnologia e o Jovem, 2019). 

Eu, como mulher, fui levada pro ginecologista pela primeira vez aos 15 anos, para
checar algo sobre meu ciclo menstrual irregular. Já crescida, tendo consciência sobre os
cuidados que eu precisava ter com a minha saúde sexual e reprodutiva, sempre marquei
exames periódicos de rotina na ginecologista. 

Era um check up, só por precaução: no mínimo uma vez por ano, eu aparecia lá no
consultório para fazer todos o tipos de exames — de sangue, glicemia, hormonal, teste
de IST — e tratar de arrumar qualquer detalhe que não estivesse bem. 

Conversando com absolutamente todos os homens com os quais eu me relacionei,


nenhum deles tinham o mesmo hábito. Homens de todos os tipo, alguns formados pelas
melhores universidades do país, mas não sabiam nomear, assim de cara, que tipo de
médico precisavam buscar para checar a saúde sexual e reprodutiva.

Meninas vão ao ginecologista e meninos vão ao…?


Não estou dizendo isso para recriminar ninguém. Ao contrário. Digo para exemplificar
como é cultural e generalizado que os homens não tenham uma proximidade clínica
com exames de rotina e com sua saúde sexual.

Qual o equivalente, para os homens, de ginecologista? Bem, é o urologista.

Já falamos aqui diversas vezes sobre como o cuidado com a saúde é pouco valorizado
entre os homens. Eles tendem a fazer menos exames e consultas de rotina que as
mulheres. 

A pesquisa aponta que apenas 3,5% dos meninos que vão ao médico, procuram
um urologista, sendo esta uma das especialidades médicas menos procuradas. Ainda
podemos questionar quantos, dentre os garotos que buscam ir ao urologista, vão por
motivos de rotina, prevenção e informação, e quantos foram por situação de
necessidade.

Diante desse dado, a Sociedade Brasileira de Urologia começou


a campanha #VemproUro, para incentivar consultas de orientação à saúde sexual e
reprodutiva dos garotos adolescentes.
O Dr. Daniel Suslik Zylbersztejn, membro do Departamento de Sexualidade e
Reprodução da SBU, foi o idealizador da campanha e falou com o PdH sobre algumas
percepções e constatações. 

"Na campanha do ano passado percebemos que é preciso conscientizar não só os


adolescentes, como também seus pais, porque ainda são eles os grandes promotores da
saúde em casa. As escolas também têm papel fundamental nessa orientação. Enquanto
a menina [quando entra na adolescência] vai ao ginecologista, levada pela mãe, o
menino não vai mais ao médico.

Ele deveria ir ao urologista, que é o médico que, assim como o ginecologista, cuida do
aparelho genital masculino e pode auxiliar dando orientações sobre prevenção de
doenças e diagnosticando outras cujo aparecimento ocorre justamente neste período."

“O urologista não é só para quando se tem um problema?”

Interagindo em um grupo de homens e mulheres interessados em temas da sexualidade,


perguntei se os rapazes frequentavam urologistas. Uma das questões que apareceu na
conversa diz respeito a esse entendimento de que o urologista não é um médico que se
procure em caso de rotina ou de saúde geral, só em casos de queixa por algum problema
específico.
O Dr. Daniel esclareceu que esta visão é reflexo da desinformação sobre a percepção do
urologista e que estes profissionais podem ajudar desde a adolescência a esclarecer
dúvidas e cuidar de diversos aspectos da saúde do homem. A ideia é que o Urologista
seja um profissional que tem um olhar para a saúde do homem, a quem adolescentes e
adultos possam se reportar sobre dúvidas e dificuldades assim como as mulheres se
reportam a seus ginecologistas.

“É importante que esta desinformação seja mudada, mostrando a importância do


urologista em estar presente na vida do adolescente masculino, do adulto, tirando
dúvidas, falando sobre de prevenção de doenças, prevenção de comportamento de
riscos, falar sobre uso do cigarro, uso do álcool, uso de drogas. Entre outros.”

Procuramos alguém que tem o hábito de ir ao urologista e encontramos o Jonathan. Ele


nos contou que começou a ir no Urologista com 13 anos porque via que o seu pênis
tinha uma curvatura que não era “normal”, afinal, não se parecia com a dos atores
pornôs.

Depois da parte constrangedora de ter de pedir pra mãe levá-lo, ele pode tirar dúvidas
com o médico e voltar pra casa mais aliviado, sabendo que seu pênis era, sim, normal.
Aos 16, quando começou a ter vida sexual, ele procurou outro urologista para começar a
fazer acompanhamentos preventivos, e conta que segue frequentando o mesmo desde
então.

“Mas você está aqui por que? Qual é a sua queixa?”

Há um tempo atrás falamos, aqui no PdH, sobre a importância de homens e


mulheres compartilharem o cuidado da saúde sexual. 
Quando, depois de algum tempo e de várias conversas, homens resolvem procurar um
urologista, convencidos dos benefícios dos exames de rotina e prevenção, alguns
relataram um outro problema: muitos urologistas apresentam um certo espanto e até
desconcerto diante de uma consulta que não tem nenhum problema concreto a ser
relatado.

Claro, há relatos de experiências positivas, de médicos que estão dispostos tirar dúvidas,
a falar sobre hábitos e comportamento (como a do Jonathan), mas também há relatos de
médicos que questionam a motivação da consulta, agindo com certa desconfiança e
hostilidade diante da motivação rotineira.

Conversamos com o Dr. Daniel sobre isso, e ele nos disse que percebe essa dificuldade
entre os próprios colegas: 

“Alguns colegas meu já relataram pra mim: 'Daniel, ótima essa campanha, mas o que
eu vou fazer com um adolescente no meu consultório?' Mostrando um despreparo, sim,
da sociedade em geral em receber esses meninos. Porque não se tem o hábito, não se
tem a tradição. Os médicos também precisam entender que eles tem que se renovar,
porque o urologista ele sabe tudo o que ele precisa para atender o adolescente, o que
ele não tem é o costume. Então essa campanha é de dentro pra dentro e dentro pra
fora. Ela serve tanto pra população geral, quanto para uma reorganização dos
próprios urologistas em entender que eles precisam sim estar mais preparados para
absorver esta demanda da população.” 

Para saber mais, antes mesmo de ir no médico

A campanha organizada pela Sociedade Brasileira de Urologia está focando na


importância de levar os adolescentes ao urologista tanto por cuidado com a saúde,
quanto como forma de obter informações importantes. No entanto, sabemos que homens
de qualquer idade podem se beneficiar e com informações de qualidade sobre saúde que
não são ensinadas nas escolas nem nas casas.

Para orientar os adolescentes, o Portal da Urologia agora tem uma área Jovem com
dicas de saúde para o público de 12 a 18 anos: www.portaldaurologia.org.br/jovem.
Médicos de diversas especialidades escreveram artigos para dar informações e
esclarecer sobre ISTs (Infecções sexualmente transmissíveis), drogas, prevenção à
gravidez, tamanho do pênis, ejaculação precoce, puberdade, atividade física,
alimentação, etc.

“O que eu vou dizer pra minha família?”

Se você for maior de idade e independente financeiramente, ótimo, um problema a


menos. Se você achar que será bom ir, pode marcar a consulta sem dar satisfação (quase
sempre).

No caso de adolescentes e de jovens adultos que vivem com os pais, há um elemento


complicador nessa equação: justificar o motivo da ida. 
Ainda na lógica de que só se procura o urologista em caso de “doença” ou disfunção,
pais (ou até mesmo companheiros/as) podem ter um olhar estigmatizado, insistindo em
saber o motivo da visita e acreditando que há algum problema oculto para se buscar o
especialista.  

Ainda que haja um questão pessoal, uma queixa a ser feita, isso deveria ser tratado com
tamanha gravidade ou olhar de desconfiança, afinal, é algo da sua intimidade, que é de
seu direito tratar e que não precisa ser “confessado”. O Jonathan, que hoje já está bem
crescido, contou pra gente como foi desconfortável, aos 13 anos, ter que explicar à mãe
o porque ele gostaria de ver um urologista.

Nestes casos, o Dr. Daniel indica que um bom jeito de lidar com esta desinformação é
partir de conteúdos informativos, como este texto ou como os conteúdos do portal, para
mostrar às pessoas ao seu redor que cuidado e prevenção é recomendado por inúmeros
motivos.

Agora queremos saber, com quantos anos vocês foram pela primeira vez ao urologista?
Foram por rotina e precaução ou foram ver algum problema?

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