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DE
Avaliação físico-química dos efeitos da irradiação e da evisceração na
conservação de atum (Thunnus atlanticus) refrigerado
Physicochemical evaluations of the effects of irradiation and evisceration
on the conservation of refrigerated blackfin tuna (Thunnus atlanticus)
Maria L. G. Monteiro1*, Eliane T. Mársico1, Helio C. Vital2
1
Departamento de Tecnologia de Alimentos da Faculdade de Veterinária
Universidade Federal Fluminense (UFF), Rua Vital Brazil, 64, 24230-340 Niterói, RJ
2
Seção de Defesa Nuclear do Centro Tecnológico do Exército (CTEx)
Avenida das Américas, 28705, Guaratiba, 23020-470, Rio de Janeiro, RJ
Resumo: O atum é um dos peixes de maior importância
comercial no Brasil, embora sua conservação seja dificultada
pela tendência do produto a decompor-se muito rapidamente. A
irradiação constitui uma atraente ferramenta alternativa para
reduzir a carga microbiana e consequentemente estender a
validade comercial de produtos de origem animal. Este estudo
avaliou os efeitos físicos e químicos da irradiação e da eviscera-
ção, aplicadas isoladamente ou combinadas, em atum (Thunnus
atlanticus) refrigerado. Vinte amostras foram separadas em
quatro grupos distintos: não irradiadas (inteiras e evisceradas) e
irradiadas (inteiras e evisceradas) e submetidas por um período
de até 14 dias a análises de pH, Bases Voláteis Totais (BVT),
amônia e aminas biogênicas (histamina, cadaverina e putresci-
na) para avaliação do grau de conservação. Observou-se um
aumento dos valores medidos com o tempo de armazenamento
para todos os parâmetros monitorados, mantendo-se aqueles
associados aos atuns irradiados inferiores aos daqueles não
irradiados, denotando um melhor estado de conservação. Com
base nos limites máximos legais, estabeleceram-se períodos de
7-10 dias para a validade comercial dos atuns não irradiados e
de 14 dias para os irradiados. Além disso, foi observada uma
extensão média da validade comercial de atuns não irradiados
de aproximadamente 2 dias proporcionada pela evisceração.
Finalmente, com base nos resultados dos parâmetros físico-
-químicos estudados, concluiu-se que a irradiação com dose
de 2,5 kGy apresenta-se como um eficiente processo de
conservação do atum resfriado, prolongando em torno de uma
semana sua validade comercial.
Summary: Tuna is among the most traded fishes in Brazil,
however efficiently delaying its fast deterioration is still a major
practical challenge. Irradiation has been proposed as a safe and
powerful alternative tool for conservation of seafood. This work
investigated the effects of irradiation and evisceration on the
physicochemical quality of twenty samples of refrigerated
blackfin tuna (Thunnus atlanticus). Analyses of pH, total
volatile bases (TVB-N), ammonia and biogenic amines (hista-
mine, cadaverine and putrescine) were performed in order to
*Correspondência: marialuciaguerra@yahoo.com.br
Tel: + 55 21 2610–1562
R E V I S TA P O R T U G U E S A
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
determine the degree of conservation. The samples were
subjected to four different treatments aiming at evaluating the
efficiency of irradiation, evisceration and both combined. The
figures measured for those parameters, all of them related to the
degree of conservation, were found to increase with time
regardless of the treatment. In addition, data for irradiated
samples remained consistently lower than for unirradiated ones,
indicating a better level of preservation that led to an extended
shelf life of 14 days. In contrast, excessive levels of those
indicators of degradation were found in unirradiated samples
after 7 to 10 days of storage. In addition, some evidence was
found that evisceration slightly increased quality, consequently
promoting a small extension in shelf life of unirradiated
samples. Finally, it can be concluded with basis on the results
of the physicochemical parameters studied that treatment of
fresh refrigerated blackfin tuna by irradiation with 2.5 kGy
efficiently preserved freshness and extended the shelf life of the
product from 7 to 14 days.
Introdução
O pescado é um alimento de alto valor nutritivo,
constituindo uma das fontes protéicas de mais alto
valor biológico. Por outro lado, a conservação do
pescado é um fator problemático, pois é considerado
um dos produtos de origem animal mais susceptível
à decomposição, visto que possui pH próximo à
neutralidade, elevada atividade de água nos tecidos
e alto teor de nutrientes. O atum é um dos peixes
de maior importância comercial no Brasil, entretanto
pertence à família Scombridae, que apresenta quanti-
dades significativas de histidina livre na musculatura,
aminoácido precursor da histamina, amina biogênica
altamente tóxica para saúde humana. Como o consumo
de pescado e o mercado varejista vêm crescendo muito,
assim como as doenças vinculadas aos alimentos, a
preocupação com medidas para preveni-las também
vem aumentando, com o intuito de fornecer alimentos
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Monteiro MLG et al.
cada vez mais seguros para população. Desta forma,
estudos sobre métodos de conservação de alimentos
são cada vez mais numerosos e de alta relevância,
apresentando-se a irradiação como uma ótima
alternativa, capaz de reduzir a carga microbiana dos
alimentos e aumentar sua validade comercial, dentre
outras funções. O presente estudo teve como objetivo
avaliar, por meio da análise da evolução de alguns
parâmetros físico-químicos, os efeitos da irradiação e
seu impacto sobre a validade comercial de atuns
recém capturados (Thunnus atlanticus) inteiros e
eviscerados.
Material e métodos
Vinte amostras de atum foram obtidas no Mercado
São Pedro, localizado em Niterói, no Rio de Janeiro.
Metade delas foram evisceradas e lavadas com água
corrente e, em seguida, todas foram devidamente
identificadas, acondicionadas em sacos plásticos
vedados, mantidos em recipientes isotérmicos
envoltos em gelo. A seguir, foram transportadas para o
Centro Tecnológico do Exército (CTEx), localizado
em Guaratiba, Rio de Janeiro, onde foram irradiadas
com dose de 2,5 kGy num irradiador gama de
pesquisa com fonte de césio-137. Imediatamente após
o término da irradiação, as amostras foram encami-
nhadas para os Laboratórios do Departamento de
Tecnologia dos Alimentos da Faculdade de Veterinária
da Universidade Federal Fluminense, onde foram
realizadas, segundo métodos oficiais, as seguintes
análises físico-químicas: Bases Voláteis Totais (BVT),
pH e amônia. A análise de aminas biogênicas (hista-
mina, cadaverina e putrescina) foi realizada segundo
Schultz et al. (1976). Para a determinação de BVT,
usou-se o método de Microdifusão de Conway (Brasil,
1981), tendo sido utilizado o limite estabelecido pela
Portaria nº 185 de 13 de Maio de 1997 (Brasil, 1997),
ou seja, inferior a 30 mg N/100 g de carne, excluindo
os elasmobrânquios. A análise de pH foi realizada
pelo método Potenciométrico, baseado na determi-
nação instrumental do pH (Brasil, 1981). Em relação
ao limite oficial, usou-se o preconizado pelo Regu-
lamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos
de Origem Animal (RIISPOA) (Brasil, 2008), que
determina para o pescado fresco um valor inferior
a 6,8 (seis e oito décimos) para a carne externa e
inferior a 6,5 (seis e cinco décimos) para a interna. Na
determinação das aminas biogênicas (histamina,
cadaverina e putrescina), foi utilizado o método
semi-quantitativo de Cromatografia em Camada
Delgada, como descrito por Schultz et al. (1976). O
limite observado foi aquele preconizado pelo
Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de
Peixe Fresco (inteiro e eviscerado) (Brasil, 1997),
o qual estabelece o limite máximo de 100 ppm (10
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mg/100 g) de histamina na musculatura das espécies
pertencentes às famílias Scombridae, Scomberesocidae,
Clupeidae, Coriphaenidae e Pomatomidae. A análise
de amônia foi realizada usando-se a Prova qualitativa
de Nessler (Brasil, 1981). Considerou-se a prova
negativa, quando o complexo colorimétrico formado
fosse amarelo esverdeado e, prova positiva, quando a
coloração, inicialmente, amarela alaranjada atingisse
o tom avermelhado. Vale ressaltar que o gelo foi
reposto diariamente, para a manutenção das amostras
de 3 a 4 ºC e que a cada dia de análise eram retiradas
porções musculares dos quatro tipos de amostras,
sendo: A1 (peixe irradiado inteiro), A2 (peixe irradia-
do eviscerado), A3 (peixe não irradiado inteiro) e
A4 (peixe não irradiado eviscerado), além das carac-
terísticas sensoriais terem sido observadas todos os
dias, simultaneamente a realização das análises.
Resultados e discussão
BVT e pH
Os resultados da análise de BVT, no dia zero, foram
15,7; 15,0; 18,3 e 17,7 mg N-BVT/100 g para as
amostras irradiadas inteiras, irradiadas evisceradas,
não irradiadas inteiras e não irradiadas evisceradas,
respectivamente. Portanto, durante o processo de
irradiação, os valores de BVT foram reduzidos em
aproximadamente 15%. Os valores das análises das
amostras não irradiadas inteiras ultrapassaram o limite
oficial no sétimo dia, ao passo que aqueles não irra-
diados e eviscerados, somente atingiram tal limite no
décimo dia de estocagem em gelo, embora ambas as
amostras, não irradiadas inteiras e evisceradas, já
tivessem se apresentado com características sensoriais
indesejáveis desde o sétimo dia. Por outro lado, os
valores das amostras irradiadas, independentemente
se inteiras ou evisceradas, somente alcançaram o
limite oficial no 14º dia de armazenagem. Compor-
tamento semelhante àquele das bases voláteis totais
também foi observado nos resultados das análises de
pH. No dia zero, as amostras irradiadas inteiras,
irradiadas evisceradas, não irradiadas inteiras e não
irradiadas evisceradas apresentaram, respectivamente,
valores de 5,5; 5,4; 5,7 e 5,3. Com base nesses resulta-
dos, verificamos que, durante o processo de irradiação,
os valores de pH foram reduzidos em aproximada-
mente 5%. Os valores dos parâmetros medidos para os
atuns não irradiados, inteiros e eviscerados, alcançaram
os limites oficiais no sétimo dia, enquanto aqueles das
amostras irradiadas (inteiras e evisceradas) atingiram
o limite apenas no 14º dia de armazenamento. Após a
obtenção dos resultados, foram realizadas análises
estatísticas, usando-se teste de regressão, tanto
para os resultados de BVT, quanto para os de pH,
graficamente representados nas figuras 1 e 2, respec-
tivamente.
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BVT x Tempo Pós-irradiação acordo com os relatos de Pereira (2004), os quais

40
Atuns inteiros irradiados afirmam que à medida que o pescado se degrada, o
Atuns eviscerados irradiados teor de BVT aumenta, e também com os relatos de
Atuns inteiros não irradiados
Atuns eviscerados não irradiados
Sikorski et al. (1994), que informam que o aumento
35 de pH é oriundo do acúmulo de compostos alcalinos
produzidos pela hidrólise bacteriana e pela autólise.
Por outro lado, as amostras irradiadas tiveram,
BVT mg/100mL

30
inicialmente (até o décimo dia), um crescimento lento,
possivelmente acarretado pela ação da exposição à
25 radiação gama nos microrganismos, os quais se
mantiveram em latência, apresentando taxa de cresci-
mento mais elevada somente no final do período de
20 monitoração (do 12º ao 14º dia), proporcionado pela
menor competição devido à redução da carga micro-
biana durante a irradiação. Estes achados corroboram
15
relatos anteriores da literatura, como por exemplo,
0 3 6 9 12
Tempo Pós-irradiação (dias)
Ahmed et al. (1997), os quais revelaram que a irradia-
ção inativa os microrganismos decompositores de
Figura 1 - Demonstração dos resultados das Bases Voláteis Totais (BVT),
após teste de regressão, dos quatro tipos de atum analisados (irradiados, óxido de trimetilamina, reduzindo assim a formação
inteiros e eviscerados, e não irradiados, inteiros e eviscerados) de bases voláteis totais e de compostos alcalinos nas
amostras irradiadas.
ph x Tempo Pós-irradiação
Atuns inteiros irradiados Aminas biogênicas (histamina, cadaverina e
Atuns eviscerados irradiados
7.2 Atuns inteiros não irradiados
putrescina)
Atuns eviscerados não irradiados
Nas análises das amostras irradiadas (inteiras e
6.8 evisceradas), foram detectadas aminas biogênicas a
partir do sétimo dia de armazenamento nas seguintes
6.4
concentrações: entre 2 e 5 mg/100 g para histamina;
menor que 2 mg/100 g para cadaverina e 2 mg/100 g
para putrescina. Porém, apenas no 14º dia de armaze-
ph

6.0
5.6
5.2
0 4 8 12
Tempo Pós-irradiação (dias)
Figura 2 - Demonstração dos resultados de pH, após teste de regressão,
dos quatro tipos de atum analisados (irradiados, inteiros e eviscerados, e
não irradiados, inteiros e eviscerados)
Observou-se no gráfico uma leve correlação entre
as curvas correspondentes às amostras inteiras e
evisceradas, sendo que as últimas consistentemente
apresentaram valores inferiores àquelas associadas a
peixes inteiros, indicativos de um melhor estado de
conservação. Em relação às amostras irradiadas, não
se observou alteração significativa entre os exem-
plares inteiros e eviscerados, o que provavelmente
possa ser explicado pelo fato do efeito da irradiação
mais intenso, ter sobrepujado o efeito da evisceração.
Entretanto, quando as amostras irradiadas foram com-
paradas às não irradiadas, observou-se uma diferença
significativa entre as curvas de ambos os gráficos. Os
atuns não irradiados apresentaram valores, tanto de
BVT, como de pH, com crescimento linear em função
do tempo após a irradiação. Estes resultados vão de
nagem em gelo, tais valores alcançaram o limite ofi-
cial. Em contraste, as amostras não irradiadas inteiras
apresentaram quantidades detectáveis de histamina
(menor que 2 mg/100 g) e cadaverina (entre 2 e
5 mg/100 g) no 3º dia. Tais valores ultrapassaram o
16 limite estabelecido pela legislação no sétimo dia de
estocagem, fato este que também ocorreu com a
putrescina, cuja quantidade tornou-se detectável (5 e
10 mg/100 g) a partir do quinto dia de estocagem.
Durante as análises dos atuns não irradiados
eviscerados, foram observadas quantidades detec-
táveis a partir do quinto dia, com valores menores
que 2 mg/100 g, tanto para histamina quanto para
cadaverina, e entre 2 e 5 mg/100 g para putrescina, os
quais ultrapassaram o limite oficial no décimo dia
(histamina e putrescina) e 12º dia de estocagem
(cadaverina). As aminas biogênicas são formadas a
partir da descarboxilação de aminoácidos precursores
livres, por meio de ação bacteriana (Sanches-Cascado,
2005), sendo que, de acordo com Vital e Freire (2008),
o processo de irradiação do pescado pode eliminar
microrganismos. Tais mecanismos provavelmente
explicam o período maior, necessário para que
os parâmetros físico-químicos determinados nas
amostras irradiadas atingissem os limites legais, pro-
porcionando dessa forma um aumento na validade
comercial em virtude da redução da microbiota.

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Monteiro MLG et al.
Amônia
Em relação à presença de amônia, as análises dos
peixes não irradiados apresentaram reação levemente
positiva no quinto (inteiros) e sétimo dia (eviscera-
dos), tendo ocorrido uma reação fortemente positiva
no sétimo e décimo dia, respectivamente. Por outro
lado, ambas as análises dos atuns irradiados (inteiros
e eviscerados) apresentaram reação negativa até o
12º dia de estocagem e fortemente positiva somente a
partir do 14º dia de armazenamento. Esses resultados
estão de acordo com Vital e Freire (2008), os quais
afirmam que a radiação ionizante é eficiente na
inativação de microrganismos, disso resultando que a
formação de amônia em produtos irradiados é menor
que em não irradiados, pois, segundo Pereira (2004),
assim que o pescado é capturado, a amônia, que tam-
bém está incluída no conjunto de BVT, é produzida na
degradação dos nucleotídeos. Além disso, de acordo
com Contreras-Gusmán (1994), a partir do rigor
post mortem, a amônia é gerada pela desaminação
de aminoácidos, que é realizada pela ação de
microrganismos.
Conclusões
Considerando os resultados das análises físico-
-químicas realizadas e os limites legais para o con-
sumo de atum, conclui-se que as amostras irradiadas
com 2,5 kGy apresentaram algumas características
físico-químicas (degradação proteica e pH) corres-
pondentes a um produto apropriado para o consumo
até 14 dias de armazenamento, independentemente de
terem sido evisceradas ou não, enquanto que as
amostras não irradiadas, as quais apresentaram
características sensoriais indesejáveis já a partir do
sétimo dia, esse período foi de apenas 7-10 dias.
Observou-se ainda que o uso da evisceração estendeu
em dois a três dias a validade comercial dos atuns.
Finalmente, conclui-se que a irradiação na dose de
2,5 kGy apresenta-se como um eficiente método
alternativo no retardamento da decomposição proteica
de atum resfriado.
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