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Moeda Fiduciária

Não se pode falar de moeda fiduciária, sem antes fazer uma breve alusão ao período
em que o bimetalismo regia as transações monetárias. Pois bem, é de entendimento dos
leitores de que têm-se o dito conceito como a utilização dos metais preciosos ouro e prata
como moeda com taxa de câmbio variada. Segundo Friedman, uma definição equivalente de
se definir o padrão bimetálico é a aquisição de ambos os metais a um preço fixo da moeda
corrente pelo Estado. No entanto, mesmo que no século XIX, tanto ouro, quanto prata,
pudessem ser aceitos como pagamento, de fato, apenas um dos dois poderia ser usado como
dinheiro.
Nesse sentido, cabe citar a Lei de Gresham (natural da economia), cuja a lógica
consiste na preferência pela utilização de uma moeda mais barata, de modo a retirar/restringir
a circulação da moeda mais cara, caso ambas pudessem ser intercambiadas por um valor
comum (MUNDELL, 1998). Assim, como posto anteriormente, pelo fato de os governos não
conseguirem estabelecer controle sobre as taxas do mercado – tidas a partir de fluxos
externos dos metais -, o sistema bimetálico beirava o monometalismo.
No entanto, ainda no século XVIII, tal sistema começou a se aproximar do fim na
Europa, após Isaac Newton, então chefe da Casa da Moeda inglesa, valorizar as moedas de
ouro em relação às de prata. De forma que, antes do início do século XIX, a Inglaterra já dava
início ao padrão ouro. Já no continente Americano, com a forte crise econômica dos Estado
Unidos na década de 1870, a prata acabou perdendo grande parte de seu valor.
Para mais, foi justamente neste meio tempo em que o bimetalismo se enfraquecia e o padrão
ouro criava forma, que um novo sistema passou a ser utilizado por bancários na criação de
moeda.
Pode-se definir títulos de crédito como representantes de determinado crédito tido em
uma transação no mercado, gerando certa obrigação jurídica monetária do devedor para como
o credor. Assim, segundo Vivante, “é o documento necessário ao exercício do direito, porque
enquanto existente o título, não pode o credor [...] fazer modificação alguma no conteúdo do
título, sem nele anotá-la”. Importante ressaltar ainda, que sua circulação, é dada de três
formas: ao portador – que presume que o proprietário do título tem a posse de algo e a está
transferindo a outra pessoa; à ordem - cuja transferência da propriedade é realizada pelo
endosso, seguido da tradição e, seu proprietário legítimo é aquele que consegue justificar a
posse do documento através de uma série de endossos, mesmo o último estando em branco
(com apenas a assinatura do endossante ); e nominativo – em que o nome do beneficiário já
está registrado.
Tendo tal conceito em vista, cabe desenvolver a explicativa de duas epécies de títulos
de crédito, sendo elas, a letra de câmbio e a nota promissória. A primeira, é definida por
Vivante como “um título de crédito essencialmente endossável, formal e completo, contendo
a obrigação de pagar ou fazer pagar sem prestação recíproca uma determinada quantia na
época do vencimento e no local nela mencionado" (1928, p. 117). Desta forma, por se tratar
de uma ordem de pagamento a um terceiro agente, exige que haja três posições no título:
sacador, sacado e beneficiário.
A disseminação do uso da letra cambial se deu durante a Idade Média, porém, existem
registros da utilização de tal título em alguns países da Ásia e Europa, como China e Grécia,
ainda na Antiguidade. Para mais, é possível encontrar as raízes da letra de câmbio em quatro
períodos específicos:
1) Período Italiano – desde a Baixa Idade Média (séc. XII), com o surgimento dos
burgos independentes, na época de decadência do sistema feudal, até meados do séc. XVII;
lapso temporal em que surgiu o documento chamado “câmbio per literas”, que viria a ser
mais tarde a letra de câmbio. Seu contexto de origem se deu pelo fato de, na época, cada
cidade italiana utilizar sua própria moeda, o que resultava na dificuldade em se fazer o
intercâmbio comercial. Todavia, para que os comerciantes não precisassem transportar
grandes quantidades de moedas da praça de câmbio local ao seu destino, começou-se a fazer
uso da distância loci, em que o cambista efetuava a troca da moeda que possuía pela
promessa de outra determinada moeda, que lhe seria entregue, quando chegasse ao seu
destino. Tal mecanismo se reduzia a um documento fornecido pelo notário (espécie de
tabelião), apontando a promessa de pagamento do reconhecido débito por parte de algum
banqueiro ou cambista. Com o passar do tempo, no entanto, o documento foi simplificado à
um escrito apenas de delegação de pagamento entregue junto à carta de apresentação ao
correspondente. Ademais, para a emissão desta letra de pagamento de câmbio, era necessário
que houvesse três requisitos: distância loci, diferença das moedas entre as praças de câmbio, e
provisão de pagamento (ARNOLDI, 1998, p. 61).
2) Período Francês - no intervalo de 1650 à 1848, com destaque a partir de 1673, com
a criação da Ordenança de Comércio Francesa. À princípio, uma cláusula à ordem era gerada,
possibilitando a transferência do título a qualquer pessoa, com ou sem consentimento do
sacador (pessoa que recebia o dinheiro e entregava a ordem de pagamento), de modo que o
indivíduo que recebesse a letra passasse a ter os mesmos poderes de seu antecessor,
facilitando a circulação da letra de câmbio por endosso. Todavia, para que o aceite da dívida
ocorresse, era necessária a existência de um avalista, para garantir que a mesma obtivesse
pagamento, nascendo assim, a possibilidade de protesto (ARNOLDI, 1998, p. 64).
3) Período Alemão - compreendido entre 1848 e 1930, tempo em que se organizou a
unificação do Direito Cambiário, a partir da Ordenança Geral Cambiária Alemã, fortemente
influenciada pela teoria de Einnert de que o exercício da atividade cambial dispensa a
determinação de credor. Tal teoria influi nos seguintes efeitos para o sistema cambial:
eliminam a exigibilidade de distância loci e valor à receber; o endosso se torna implícito e
dispensa a cláusula à ordem; pode ser apresentada ao responsável pelo pagamento da letra de
câmbio; cada assinatura no título é independente da outra; o credor se caracteriza pela posse
do título sem interrupção de endossos; e o credor não possui acesso às exceções do direito
pessoal (REQUIÃO, 2003, p. 382)
4) Fase de Unificação - iniciada na década de 1930 e atuante até hoje, tendo como
marco a Convenção de Genebra de 1930, em que houve a unificação universal das leis
cambiais vigentes até então. Assim, após uma série de deliberações, foram assinadas, em
junho daquele ano, três convenções a respeito dos títulos de crédito: de lei universal para a
letra de câmbio e nota promissória; de regulamentação dos conflitos acerca de protocolos,
letras de câmbio e promissória; convença que autoriza a utilização de selos em promissórias e
letras cambiais.

O papel-moeda, também conhecido como moeda-fiduciária, apesar do que muitos


acreditem, teve sua circulação iniciada no século 17. Nitidamente essa circulação não pode
sequer ser comparada com a proporção e com os mecanismos atuais, no entanto, ao
compreender como ocorria esse processo antigamente obtemos uma base de estudo e de
esclarecimento acerca da fase embrionária da moeda fiduciária como a conhecemos hoje.

A princípio, precisamos relembrar do bimetalismo, como já citado anteriormente, e


nos contratempos que sua cunhagem e também de seu transporte tinham. No bimetalismo era
preciso derreter metais como o ouro e a prata em locais especializados e certificados pelas
autoridades do país, reis ou governos, trazendo estampado nelas o símbolo exigido. Essas
moedas eram usadas para compras no mercado, pagamento de soldados e dívidas e algumas
vezes era preciso transportá-las para outros países, por meios terrestres ou navais,
enfrentando as adversidades climáticas, como também o risco de roubos (FERGUSON, 2009;
CANO, 2012). Outro fator exposto pelo autor Galbraith (2017), era que diversas dessas
moedas utilizadas sofreram adulterações na sua composição por metais que não eram
preciosos, como o ferro e o cobre, causando certo desequilíbrio na economia.

Devido às dificuldades encontradas nesse sistema em conjunto com a evolução da


sociedade foi necessário adaptar o método de compras, vendas e depósitos de acordo com o
crescente fluxo de comércio do século 17 e suas novas demandas (FERGUSON, 2009). Com
isso, por meio de modelos anteriores, foram criados três grandes bancos em épocas
diferentes, mas que tiveram uma importante contribuição para o surgimento de um novo
sistema financeiro. Podemos citar brevemente sobre o Banco de Câmbio de Amsterdã,
construído em 1609, que acabou por realizar, em meio a uma grande variedade de moedas
diferentes que existiam em seu território, a padronização em uma única moeda, sendo ele o:

[...] pioneiro no sistema de cheques e de débitos diretos, ou transferências,


cuja importância atualmente sequer entra nas nossas cogitações. Isso
permitiu que um número progressivamente maior de transações comerciais
ocorresse, sem a necessidade de materializar os montantes envolvidos em
moedas reais (FERGUSON, 2009, p. 45).

A partir do Banco de Amsterdã, podemos compreender de forma mais clara um dos


principais pontos que explicam sobre a moeda fiduciária daquela época. Como exposto por
Ferguson, este banco continha:

[...] mantinha algo perto de um coeficiente de 100% entre seus depósitos e


suas reservas de metais preciosos e moedas. Por volta de 1760, quando seus
depósitos permaneceram um pouco abaixo de 19 milhões de florins, suas
reservas em metal estavam acima de 16 milhões” ( FERGUSON, 2009, p.
45).

Desse modo, os bancos perceberam que ao emitir notas de recibo que representavam
os depósitos ao mesmo tempo em que armazenavam o seu valor em ouro e prata nos cofres se
mostrou, quase que de imediato, ser a melhor maneira de evitar fraudes, como também o
antigo problema de transporte dos metais, inovando o comércio e a maneira pela qual eram
feitos os pagamentos, visto que “Um mercador podia fazer um pagamento a outro
simplesmente ordenando que sua conta fosse debitada, e a conta da sua correspondente fosse
creditada, na mesma importância” (FERGUSON, 2009, p. 45).

É importante apresentar também o Banco da Inglaterra, criado em 1694 o qual tinha o


objetivo de transformar dívidas públicas em títulos bancários para a arrecadação dos fundos
de guerra. Entretanto, o momento mais crucial do Banco da Inglaterra ocorreu em 1742,
quando o banco “[...] iniciou um monopólio parcial na emissão de notas bancárias, uma
forma característica de nota promissória [...] destinadas a facilitar o pagamento numa
transação [...] sem que as duas partes tivessem a necessidade de ter contas-correntes no
banco” (FERGUSON, 2009, p. 46). A partir desse ponto, como ressalta Ferguson, todo o
mundo ocidental sofre uma drástica mudança em sua estrutura econômica e financeira, algo
de proporções imensuráveis.

Retomando ao termo moeda fiduciária, podemos dizer que logo após o grande salto
financeiro dado pelos bancos quando começam a emitir notas que equivaliam ao depósito
feito houve uma segunda revolução, uma ideia que foi muito além do armazenamento dos
metais preciosos e a emissão dos comprovantes. Inicialmente, como já citado, as notas ou
recibos feitos pelo banco possuíam total conversibilidade em ouro e prata, sendo esse um
meio para evitar os problemas referenciados anteriormente e também carregando consigo o
conceito de fidem (fé), no entanto, os bancos notaram que ao utilizaram os métodos
geralmente usados apenas em momentos de conflitos, o qual consistia de emitir mais papel-
moeda em relação à verdadeira quantidade de ouro e pratas depositados indo de encontro com
a necessidade das pessoas terem fé de que aqueles pedaços de papel realmente valiam, como
expresso nas frases de Ferguson e de Wilson Cano:

Certa parte desse dinheiro pode, de fato, ainda consistir de metais preciosos,
embora uma proporção crescente dele tivesse que ser guardada nos cofres do
banco central. Mas a maior parte dele seria constituída daquelas notas
bancárias e moedas que existem apenas em extratos de contas ou em recibos
de depósitos (FERGUSON, 2009, p. 47).

[...] passaram a emitir mais moedas metálicas e notas de recibo além do que
lhes permitia a quantidade de metal a eles efetivamente confiada. Isto é,
passaram a emitir papel-moeda, cuja característica fundamental é a de não
são, de fato, conversíveis em ouro e prata, tendo, entretanto, uma circulação
forçada e garantida pelo poder público e pela confiança de seus portadores,
tratando-se, portanto, de emissão fiduciária (CANO, 2012, p. 178).

Ambos os autores expõem a prática da emissão das notas fiduciárias, as quais só


seriam grandemente efetivadas nos dias atuais, mas que naquela época, já tiveram o início de
sua aparição no mundo financeiro. Mesmo diante desse sistema, a busca e o acúmulo de prata
e principalmente de ouro continuaram, surgindo a questão sobre qual deveria ser a relação
entre a quantidade de ouro nas reservas do banco do país e o papel-moeda em fluxo. O
governador do Banco da Inglaterra, J. Horsley Palmer afirmou que um terço de todos os
negócios de descontos deveriam ser de barras ou moedas de ouro, levando os bancos a
dificultarem a emissão do papel-moeda (FERGUSON, 2009, p. 50-51). Em consonância, um
dos importantes magnatas, o barão Overstone, afirmou que:

As notas de papel são dinheiro porque são representações do dinheiro


metálico. Se não for assim, elas são pretendentes falsas e espúrias. Um
depositante pode conseguir metais preciosos, mas nem todos podem,
consequentemente, depósitos não são dinheiro (FERGUSON, 2009, p. 50).

Desse modo, a emissão de papel-moeda continuou sendo modificada apenas em 1844,


na Inglaterra, o sistema financeiro sofreu outra mudança a qual será chamada de padrão-ouro,
consistindo da aplicação de lastro total das notas emitidas com relação à quantidade de ouro e
prata possuídos pelos bancos (FERGUSON, 2009).

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