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Recursos expresivos

No que diz respeito à pontuação, aos recursos expressivos e à reprodução do


discurso no discurso, as principais características da escrita saramaguiana são
as que se listam abaixo.
• Pontuação
- no discurso direto é abolido o uso do travessão e dos dois pontos e são
substituídos pela vírgula o ponto de interrogação e outros sinais de pontuação,
marcando-se o início de cada fala apenas pelo uso da maiúscula inicial; a virgula
como o mais recorrente e importante sinal de pontuação: separa as várias falas
das personagens, conferindo-lhes certo ritmo (aceleração) e marca momentos
de enumeração exaustiva (pp. 251-252];
• Recursos expressivos e apropriação criativa da linguagem
- o uso da anáfora - "Seiscentos homens agarrados desesperadamente aos
doze calabres que tinham sido fixados na traseira da plataforma, seiscentos
homens que sentiam, com o tempo e o esforço, ir-se-lhes aos poucos a tesura
dos músculos, seiscentos homens que eram seiscentos medos de ser [..] (p.
283);
- o uso da comparação - "Quase tão grande como Deus é a basílica de S. Pedro
de Roma que el-rei está a levantar" (p. 10);
- o uso da enumeração de cariz popular - "ele é os ourives do ouro e da prata,
ele é os fundidores dos sinos, ele é os escultores de estátuas e relevos, ele é os
tecelões, ele é as rendeiras e bordadeiras [...]" (pp. 251-252);
- o jogo de expressões antinómicas - "entre o nariz rubicundo e o outro héctico,
entre a nádega dançarina e a escorrida, entre a pança repleta e a barriga
agarrada às costas" (pp. 29-30);
- a apropriação/interpretação subjetiva do discurso evangélico- "Pater noster que
non estis in coelis" (p. 171);
- as invetivas e as interpelações diretas ao leitor, criando um estilo próximo da
oratória barroca e uma maior cumplicidade entre narrador e leitor - "quem cuida
ele que nós somos, alguns ignorantes" (p. 143);
- o uso da ironia - "se há de o marinheiro levar um tiro fora da barra, de um
corsário francês, melhor é que lho deem aqui, morto ou ferido sempre está na
sua terra" (p. 86); "todo o mundo puxa com entusiasmo, homens e bois, pena é
que não esteja D. João V no alto da subida, não há povo que puxe melhor que
este" (p. 273); "se a vida não tivesse tão boas coisas como comer e descansar,
não valia a pena construir conventos" (p. 274); "Em cima deste valado está o
diabo assistindo, pasmando da sua própria inocência e misericórdia por nunca
ter imaginado suplicio assim para coroação dos castigos do seu inferno" (p. 285);
"embora Deus esteja em todo o lado " (p. 307);
- o uso de uma linguagem barroca, pelo seu carácter excessivamente detalhado-
reprodução do pensamento do patriarca (p. 169);
- o uso da metáfora: "a procissão é uma serpente enorme que não cabe direita
no Rossio (p. 54);
- a criação de neologismos - "os frades atrás ladainhando" (p. 309);
- o uso predominante do presente do indicativo, como reflexo da perspetiva
tridimensional do tempo por parte do narrador (move-se entre passado, presente
e futuro);
- o uso de termos anacrónicos - "e eles é que pagam o voto, que se lixam, com
perdão da anacrónica voz" (p. 283);
- o uso do trocadilho - "Blimunda não quer mais saber de contos, já lá tem na
quinta a sua conta" (p. 203); "é o que por aí não falta, loucos varridos em terra
que a loucura varreu" (p. 229).
• Reprodução do discurso no discurso
- a reprodução do discurso no discurso e a coexistência original de várias
modalidades discursivas de forma indiscriminada, sem marcação gráfica, tanto
nos modos de representação (narração e descrição), como nos modos de
expressão (discurso direto, discurso indireto, discurso indireto livre, monólogo
interior e apartes) torna as frases longas e próximas da oralidade (pp. 59, 81-82).

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