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Seleção dos Materiais de Construção Mecânica:


Estratégias e Metodologia Básica
Maurizio Ferrante

Departamento de Engenharia de Materiais


Universidade Federal de São Carlos – 13565-905, São Carlos (SP)
e-mail: ferrante@power.ufscar.br

Resumo

A seleção de materiais (SM) é uma atividade das mais importantes para o engenheiro de materiais, mas
também para profissionais de outras especialidades tecnológicas. Neste trabalho são apresentados os
principais requisitos de seleção e as diferentes situações nas quais exerce-se a SM. Em seguida será
discutida a aplicação das visões "macroscópica" e "microscópica", a primeira necessária nos estágios
iniciais do processo, para que nenhuma oportunidade de seleção seja perdida, e a segunda mais adequada
ao detalhamento final, após aplicação das restrições pertinentes. Segue a apresentação do conceito de
índice de mérito (IM) e a metodologia para sua dedução. O IM é uma fórmula algébrica que no contexto
de determinado requisito identifica as variáveis importantes e suas relações funcionais. Os mapas das
propriedades dos materiais, desenvolvidos por MF Ashby são apresentados e exemplificados em um
estudo de caso. Por fim discute-se a metodologia de formalização dos procedimentos de SM através de
matrizes de decisão, ilustradas por um estudo de caso resolvido pelo método de Pahl & Beitz.

Palavras chave: seleção de materiais; índices de mérito; otimização; propriedades.

Abstract

Materials selection is a major activity for materials engineers, as well as for experts on other technological
themes. This work presents the main requirements for selecting and the different situations in which the
selection of materials is called for. In the following, "macroscopic" and "microscopic" approaches will be
discussed. The former is required on the initial stages of the process and the latter is more adequate to
take into account the final details, after the pertinent restrictions have been applied. Then, the
presentation of the index of merit concept and the methodology for its deduction are presented. The index
of merit is an algebraic formula that identifies the important variables and their functional relations within
the context of a certain requirement. The materials properties maps, developed by M. F. Ashby, are
presented and exemplified in a case study. Finally, the methodology for formalizing the procedures for the
selection of materials is discussed by using decision-make matrixes. This is illustrated by a case study
solved by Pahl & Beitz's method.

Key words: materials selection; indexes of merit; optimization; properties.

I. Introdução

A atuação do Engenheiro de Materiais abrange duas grandes áreas. Uma trata de atividades que podem
ser definidas como "correlacionamento de propriedades com o desempenho final", que se traduzem em
realização ou melhoria de produtos e, por isso mesmo, incluem o processamento. Consequentemente, o
escopo desse tipo de atividade se estende desde a adaptação de matérias-primas até a avaliação do
desempenho final.

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A outra grande área de ação do Engenheiro de Materiais é a seleção de materiais (SM). Trata-se de
atividade que envolve uma gama de conhecimentos técnicos, cuja amplitude dificilmente é abrangida por
um só tipo de profissional por ser o ponto focal de uma série de especialidades tecnológicas. Essas vão
desde a feitura do projeto até a análise de desempenho em campo e necessariamente reúnem profissionais
de diversas especialidades. Em outras palavras, interdisciplinaridade e interatividade são particularmente
exigidas em SM, da qual seleção de processo e design do produto também fazem parte, integrando assim
engenheiros de produção, de materiais e mecânicos. A Figura 1 mostra esquematicamente as relações
interativas ou de retroalimentação que juntam materiais, processo e projeto, evidenciando que o caminho
que une a idéia ao produto final compõe-se de um certo número de etapas, cada uma necessitando de
informações de diversas naturezas. Iniciando com os requisitos de mercado, tanto a faixa de custo como a
escala de produção são definidos a partir de dados mercadológicos, que geram decisões referentes a
seleção de processo e composição do custo provável (manufatura, material, manutenção, etc.) Ainda, do
conhecimento das demandas ambientais depende o estabelecimento da expectativa de vida do produto,
seu desempenho, os requisitos de manutenção e as condições de operação. Por exemplo, determinado
ambiente industrial pode incentivar a corrosão sob tensão, o que deve ser levado em conta na análise de
tensões e no dimensionamento. Em resumo a Figura 1 mostra os passos necessários para produzir
determinado produto e ressalta quatro considerações principais: (i) a função – o que o objeto deve fazer;
(ii) em que ambiente deverá operar; (iii) por quanto tempo, e (iv) qual o custo da solução encontrada e
como este se compara com as expectativas do mercado.

Figura 1. Fluxograma de desenvolvimento de um produto: condições de contorno e


relações funcionais entre projeto, seleção de materiais e seleção de processo

2. Principais Conceitos em Seleção de Materiais


2.1. Requisitos de Seleção

As atividades de SM podem ser executadas tendo múltiplos objetivos em mente, cada um caracterizado
por um ou mais requisitos específicos. A lista a seguir fornece alguns exemplos:

Redução de custo: as estratégias podem incluir troca do material de construção, por exemplo
polímeros substituindo aços na indústria automotiva. Um exemplo é o conjunto de pedais em nylon
reforçado com fibra de vidro, utilizado em um automóvel FIAT, que pesa 2,7 kg (cerca de metade
do conjunto original em aço) e custa cerca de 20% menos.
Novas condições de serviço: exemplificadas por aumento de pressão e temperatura em um
equipamento de processo na indústria química.
Materiais versus processo. Há casos em que é necessário proceder a substituição de materiais para
permitir a adoção de um processo de fabricação mais econômico.
Redução de peso: este é um requisito universal para qualquer produto que seja móvel. A indústria
automotiva é especialmente sensível a este aspecto, que como mostra a Figura 2, está fortemente
relacionado com o consumo de combustível. A Tabela I associa materiais a economia de peso na
indústria automotiva. Os dados são fornecidos em termos de igual rigidez e resistência, isto é, já

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incluem diferenças de seção causadas pelos diferentes valores do módulo de elasticidade (E) e
tensão de escoamento (sy). Da figura e da tabela fica claro que substituição de materiais tem
enorme potencial para redução de massa.

Figura 2. Efeito da massa do automóvel no consumo de combustível. Adaptado de [1].

Novos materiais: há casos em que a adoção de um novo material leva ao reprojeto completo do
produto ou componente. Um exemplo é a substituição de ímãs permanentes de ferrita por ímãs
baseados em Terras Raras. . A Figura 3-a mostra a curva de desmagnetização para ímãs
permanentes de ferrita, de SmCo5 e de NdFeB, que tem produtos de energia BHmax da ordem de 3,
20 e 35 MGOe. As dimensões dos ímãs diminuem sensivelmente com BHmax contribuindo assim
para a miniaturização do dispositivo, motor ou alto-falante que seja. Mas como a Figura 3-b mostra
há outras conseqüências: para motores elétricos de alta potência a seleção de ímãs de Nd-Fe-B
implica em total mudança de projeto, com os ímãs sendo alojados no rotor ao invés de no estator
[2].

Tabela I. Economia de Massa (em %) Obtida Pela Substituição do Aço Baixo Carbono por Diferentes
Materiais, em Partes do Automóvel Construídas por Chapas Finas

Material Igual rigidez Igual resistência


Aço Base Base
Aço microligado 0 18
Aluminio 52 50
PRFV 38 25
PRFC 48 60

2.2. Abordagens Microscópica e Macroscópica

Na Introdução e na seção acima foi dito que a SM é um ponto de convergência de múltiplos objetivos e
diferentes competências técnicas. Ainda, a associação do material com o processo é um fator complicador
pois outros níveis de restrição são acrescentados. Esses pontos podem ser apreciados supondo um
processo de seleção no qual, por exemplo, seleciona-se determinada liga de alumínio. Da existência de
cerca de 600 ligas baseadas nesse metal, da grande variedade de processos de fabricação e da necessidade
de considerar outros materiais (aços, ligas de titânio, compósitos, etc.), resulta um problema
extremamente complexo.

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O processo de seleção está esquematizado na Figura 4; o formato em funil sugere que inicialmente
deve-se considerar um grande número de materiais candidatos de modo a não perder nenhuma
oportunidade razoável, mas que a aplicação sucessiva das restrições transforma essa abordagem inicial em
uma mais detalhada e seletiva a medida que o processo se move para a direita da figura. Pode-se dizer que
o processo de seleção inicia com uma abordagem macroscópica e termina com uma abordagem
microscópica.

(a) (b)

Figura 3. Em (a) tem-se curvas de magnetização de ímãs de ferrita, de SmCo5 e de Nd-Fe-B. Em (b) são
comparados circuitos esquemáticos de motores e alto-falantes construídos com ímãs desses materiais [2].

2.3. Mapas das Propriedades dos Materiais – Índices de Mérito

A compilação e ordenamento das propriedades dos materiais são objeto dos Bancos de Dados, que podem
ter maior ou menor complexidade, indo de simples tabelas até sistemas de busca computadorizada. A
representação gráfica é particularmente interessante, pois em um sistema de coordenadas ortogonais os
eixos X e Y podem ser identificados com propriedades, criando-se os assim denominados Mapas das
Propriedades dos Materiais (MPM) que permitem rápida comparação dos candidatos. Essa
representação foi desenvolvida por M.F. Ashby [3] e está exemplificada na Figura 5, onde X = densidade
Y = módulo de elasticidade. Desde 1995 os MPI podem ser construídos utilizando o software CMS [4].

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Figura 4. O “afunilamento” de um típico procedimento de seleção de materiais e alguns critérios de


decisão ao longo do evento.

Figura 5. Um exemplo dos Mapas das Propriedades dos Materiais como inicialmente desenvolvidos [3].
O mapa módulo de Young versus densidade pode ser utilizado em processos de seleção objetivando
minimização de massa em projetos regidos por elasticidade, ver explicação no texto.

Um conceito dos mais importantes em SM é o de Índices de Mérito (IM), que é uma fórmula algébrica que
expressa um compromisso entre duas características ou propriedades. Em sua forma mais simples um IM é
geralmente uma fração[A], tendo no numerador a propriedade que se quer maximizar e no denominador a
que se deseja minimizar. Tomando uma situação de projeto regida por critério de resistência mecânica e
como requisito ou objetivo principal o baixo peso do produto ou componente, o IM adequado será igual a
[s/r] e o material mais adequado aquele que exibir o máximo valor dessa fração. A metodologia de
dedução do IM adequado a uma situação particular é a seguinte:

Estabelecimento da função do produto ou componente


Estabelecimento do objetivo principal
Identificação da restrição

A função é normalmente estabelecida por simples inspeção do objeto, ou a partir do conhecimento de sua
finalidade. Por exemplo, uma viga deve resistir a forças de flexão; um ímã exerce uma força de atração ou
repulsão; uma pá de ventilador produz um fluxo de ar; um capacitor deve armazenar uma dada quantidade
de energia, etc.

O objetivo expressa o requisito imposto àquela etapa de seleção. Assim, para os exemplos dados acima,
podemos ter:

barra Þ minimização de massa


capacitor, ímã Þ minimização de volume
ventilador Þ maximização da vazão de ar

Cada um desses objetivos pode ser expresso por uma equação

A restrição identifica-se com o desempenho e com a propriedade que o controla, no contexto do objetivo

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desejado. Expressa-se por uma equação cuja forma é determinada pela função do produto em estudo.

Essa metodologia será aplicada a um exemplo simples consistindo de uma barra de seção circular A e
comprimento L sujeita a esforços de tração, o objetivo da seleção sendo a minimização da massa. O
critério de projeto é por resistência mecânica, a função do componente é resistir a esforços de tração (F) e
o objetivo ou requisito de seleção, pode ser expresso pela equação que relaciona massa (m) com
geometria (G) e com a propriedade do material (M) que tem relevância para o objetivo em foco. Nesse
caso G é o volume da barra (A L) e M a densidade do material de construção (r) e seu sy; logo:

m= ALr (1)

A equação restrição correlaciona F, G e M para uma barra em tração:

F = A sy (2)

Na expressão (2) procura-se a variável livre, que identifica-se com aquela que deve ser alterada para que
o desempenho permaneça igual ao se mudar o valor numérico da função. No presente caso a função é o
próprio F (resistência a esforços de tração) e sua alteração impõe a alteração de A, para que o
desempenho da barra não mude. Logo, A é a variável livre[B]. Eliminando A entre as equações (1) e (2) e
agrupando os termos em F, G e M, temos:

Como vemos, todos os termos são independentes e os que constituem M podem ser agrupados, tornando
assim o resultado independente de F e de G. Lembrando que no presente caso deseja-se a minimização de
m, o IM é obtido invertendo M:

O melhor material será aquele que apresentar o maior valor desse índice, independentemente do valor da
força aplicada (característica funcional) e da geometria do produto ou componente.

A seqüência função Þ objetivo Þ restrição, é absolutamente geral aplicando-se às situações mais


diversas. Por exemplo, se a barra do caso anterior for sujeita a esforços de flexão deverá ser projetada no
contexto da teoria da elasticidade; em outras palavras o critério de projeto é nesse caso a deformação
elástica. Logo, se desejarmos selecionar o material objetivando minimizar a massa do componente, temos:

função: resistir a esforços de flexão;


objetivo: massa mínima, logo equação (1)
restrição: a equação da teoria da elasticidade que relaciona deflexão (d) com F, G (este expresso
pelo momento de inércia I = p r4/4) e M (igual ao módulo de elasticidade E), é:

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onde C é uma constante que depende do modo de engastamento. Para um vão L especificado, a variável
livre é o raio da viga; logo, eliminando r das expressões (5) e (1) e agrupando os termos, resulta:

O procedimento que leva à obtenção do IM adequado está esquematizado na Figura 6.

FUNÇÃO (define restrição)

OBJETIVO [IM]

RESTRIÇÃO

identificar a variável livre

Figura 6. Passos para obtenção do IM. A restrição é expressa por uma equação cuja forma depende da
função que o produto ou componente exerce. O objetivo é também expresso por uma equação, que no
final do procedimento contém o IM e o relaciona com o objetivo.

A Tabela II contém os IM de cinco modos de carregamento de componentes estruturais exibindo


diferentes formas, para duas condições de projeto: resistência mecânica (plasticidade) e elasticidade
(deflexão elástica).

Tabela II. Índices de Mérito para Projetos Regidos por Rigidez e por Resistência Mecânica, com
Diferentes Modos de Carregamento

Modo de Índice de Mérito


Forma
Carregamento Rigidez Resistência
Barra, Tubo E /r
1/2
s2/3 / r
Flexão
Chapa E1/3 / r s1/2 / r
Tração Barra E/r s/r
Coluna, tubo E1/2 / r -
Flambagem
Chapa E1/3 / r -
Torção Barra, Tubo G/r s/r
Vaso de pressão
E/r s/r
cilíndrico
Pressão interna
Vaso de pressão
E / (1 - n) s/r
esférico

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G = módulo de elasticidade em torção º 3/8 E

O conceito de IM é absolutamente geral aplicando-se a qualquer campo da engenharia. Por exemplo,


suponhamos um capacitor do qual quer-se maximizar o armazenamento de carga ou energia, por unidade
de volume. As expressões relevantes são:

(i) a energia armazenada E

ii) a energia de falha (curto-circuito), Ecc

Quando t é reduzido até tc, a carga atinge o valor crítico e ocorre a falha.

(iii) o volume v do capacitor Þ v = A tc

(i), (ii) e (iii) classificam-se como:

função: expressão (i)


objetivo: expressão (iii)
restrição: expressão (ii)

A dedução do IM faz-se eliminando A entre (i) e (iii) e substituindo-se o tc pelo seu valor obtido da
equação restrição (ii). A expressão do volume do capacitor fica:

Logo, o IM procurado é: [e Ecc2].

E o volume é tanto menor, para o mesmo desempenho, quanto maior for o produto da constante dielétrica
pelo quadrado da voltagem de curto-circuito. Assim, é mais efetivo aumentar Ecc do que e.

Associando o IM e o MPM adequados cria-se uma ferramenta de grande utilidade cuja operação será
ilustrada utilizando o componente esquematizado na Figura 7. Trata-se de um disco circular, com uma
barra no centro, submetida a tração. O disco está apoiado pela sua circunferência e deseja-se que sua
flexão se dê sempre no campo elástico. O critério de projeto do conjunto é resistência mecânica e os IM
para disco e barra em tração são obtidos da Tabela II, como [s1/2/r] e [s/r], respectivamente. O objetivo da
seleção é diminuição de massa, a análise inicial sendo focada sobre a liga Mg ZW3 (Mg-3,25Zn-0,6Zr),
um compósito em matriz de Al (Al20Al2O3) e a liga Ti-6Al-4V. O material atual, que se quer substituir, é
a liga AA2024

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Figura 7. Esquematização de um componente formado por um disco firmemente apoiado e uma barra
sujeita a forças de tração.

O procedimento de seleção inicia com a comparação do valor numérico do(s) IM relevante(s), segue
avaliando propriedades importantes no contexto dos requisitos do produto, do envelope de solicitações e
do ambiente de trabalho, e naturalmente, aborda considerações de custo. Algumas observações sobre esse
procedimento são necessárias para melhor entender a Tabela III, que contém valores de IM (projeto
regido por resistência mecânica ou plasticidade), e tenacidade a fratura; por exemplo, para o mesmo
desempenho o valor numérico do IM é inversamente proporcional à massa do objeto da seleção. Por
exemplo, para uma viga em flexão o desempenho é simplesmente o valor da flecha d sob a carga prescrita
e para a geometria de projeto escolhida; é correto se d igual ao especificado, incorreto se diferente. Assim,
temos:

Tabela III. Comparação dos Materiais Candidatos em Termos de IM e Tenacidade a Fratura. Critério de
Projeto por Resistência Mecânica

Material Barra Chapa Massa relativa K Ic


[s/r] [s1/2/r] Barra Chapa (MPa m1/2)
Al 2024 T4 120 6,6 1 1 40
Mg ZW3 128 8,4 0,9 0,8 16
Al-20Al2O3 153 7,0 0,8 0,9 21
Ti-6Al-4V 200 6,7 0,6 1 100

Observação: IM dados em (MPa/Mg/m3)

O problema pode também ser resolvido graficamente, ver Figura 8 reproduzida do software CMS [4].

As linhas guia ali representadas referem-se a [s/r] e a [s1/2/r], relativas a barra e chapa, respectivamente.

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Figura 8. Mapa das propriedades tensão de escoamento e densidade [4] incluindo os materiais
candidatos do caso em estudo. No mapa são visíveis as linhas-guia com inclinação 1 e 2, correspondendo
aos IM relevantes: s/r e s1/2/r.

Do gráfico fica claro como os IM são específicos para cada modo de carregamento.

Outro gráfico gerado pelo CMS pode mostrar os vários materiais (abcissa) contra KIc (ordenada). E para
projeto regido por deflexão elástica utiliza-se o MPM da Figura 5 e as linhas-guia relevantes, que no
presente caso são E/r e E1/3/r.

Em situações normais o procedimento de seleção passa por etapas sucessivas. Aos dados da Tabela II
podemos acrescentar o custo do produto final, que é um item decisório da maior importância. O custo do
material por unidade de massa é apenas indicativo, pois realmente importante é o custo do produto,
lembrando que diferentes IM correspondem a diferentes massas, ver equação (8). Logo, o custo do
material é dividido pelo IM, obtendo-se o custo relativo. O Anexo I mostra o procedimento de cálculo
sobre este exemplo.

Da análise das Tabelas II e III, obtém-se a classificação dos materiais candidatos, mostrada na Tabela IV,
organizada em termos dos seguintes ítens: (i) massa relativa; (ii) tenacidade; (iii) custo relativo.
Claramente, se o objetivo da seleção for a substituição de determinado material as propriedades e a massa
deste serão conhecidas e os grandezas relativas são traduzidas em valores absolutos. Para o caso em
estudo, tem-se:

Tabela IV. Classificação dos Materiais Candidatos

Material Classificação
Massa relativa KIc Custo relativo
Barra Chapa Barra Chapa
AA 2024-T4 4 3 2 1 1
Mg ZW3 3 1 3 2 2
Al-20Al2O3 2 2 4 3 3
Ti-6Al-4V 1 3 1 4 4

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Da tabela vê-se que nenhum material supera os outros em todos os aspectos, gerando-se assim uma
situação de conflito. Essa é a situação que prevalece na maioria dos casos de SM, tornando necessário a
adoção de uma metodologia de decisão.

3. Metodologias de Seleção de Materiais – Matrizes de Decisão

O fato de os procedimentos de seleção normalmente incluírem vários requisitos e a existência de


correlações inversas entre as propriedades dos materiais, geram situações de conflito como a mostrada
pela Tabela IV.

As matrizes de decisão contém os materiais candidatos, os requisitos, as propriedades dos materiais


(inclusive custo) e os fatores de proporcionalidade ou pesos. Esses constituem o aspecto mais importante
das matrizes e o que apresenta maiores dificuldades em sua determinação. São a representação numérica
da importância relativa dos critérios e sua determinação depende de conhecimentos de diversas naturezas:

· Mercadológico – custo (função do nicho do mercado); escala de produção (tamanho do mercado


consumidor); durabilidade, estética, etc.

· Técnico – deve-se conhecer o efeito das propriedades mecânicas e físicas no contexto das condições de
operação: ex. o valor da tenacidade para um componente estático e para um componente dinâmico terá
pesos diferentes.

· Industriais e corporativos– disponibilidade de insumos primários ou de matérias primas; existência de


normalização, reciclabilidade, impacto ambiental.

Tabela V. Correspondência Entre Algumas Propriedades Mecânicas, Físicas e Fabricabilidade

Propriedade A Propriedade B
Tensão de escoamento coeficiente de expansão térmica
¯ Tenacidade
Limite de resistência à fadiga
¯ Conformabilidade a frio
¯ Atenuação de vibrações e ruído
Dureza ¯ Usinabilidade
Resistência à fluência ¯ Conformabilidade a quente
Resistividade elétrica ¯ Condutibilidade térmica
¯ Difusibilidade térmica

As metodologias de decisão mais conhecidas são três. A mais simples é a de Pugh, totalmente qualitativa e
por isso mesmo aconselhada apenas na fase inicial do projeto [5]. Em seguida temos os métodos de
Dominic [6] e de Pahl & Beitz [7], que admitem algum grau de quantificação via o uso de “notas” como
mostrada a Tabela VI. Recentemente, Ferrante et al [8] aumentaram o escopo quantitativo do método de
Pahl & Beitz (P&B) utilizando diretamente os valores dos índices de mérito ao invés de notas.

A primeira etapa do método P&B é o estabelecimento de uma “árvore de objetivos”, com vários níveis,
dos quais o primeiro ou nível 0 (zero) é a descrição do componente ou produto. O nível 1é uma lista dos
requisitos básicos de projeto, cada um deles multiplicado pelo peso (wj) que lhe for atribuído.

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Tabela VI. Escalas de Valores do Método de Pahl & Beitz

Escala 5 Escala 11 Significado


0 - Insatisfatório
- 0 Totalmente inútil
1 - Apenas tolerável
- 1 Muito inadequado
- 2 Fraco
- 3 Tolerável
2 4 Adequado
- 5 Satisfatório
- 6 Bom com problemas
3 7 Bom
4 8 Muito bom
- 9 Excede requisito
- 10 Ideal

O nível 2 contém a especificação de cada um dos requisitos do nível 2, também multiplicados pelos seus
pesos, e assim por diante. Note que uma especificação localizada no nível 2 será multiplicada pelo seu
peso mas também pelo peso da especificação do nível 1 da qual ela depende. A segunda etapa consiste na
elaboração de uma matriz da qual cada coluna é um material candidato e as linhas são os critérios, cada
um multiplicado pelo seu peso e pelos pesos dos critérios que o antecedem. Os fatores assim obtidos são
multiplicados pelas notas da Tabela IV (vj) havendo a liberdade de escolher uma ou outra escalaC.
Finalmente somam-se os valores obtidos em cada coluna e encontra-se o Índice de Rateio IRi:

onde geralmente a soma dos pesos wj é igual a 1. O material selecionado é o que exibe o maior valor do
IR.

O método de P& B será exemplificado utilizando como exemplo um trocador de calor de placas. O que
deve ser maximizado é a condutividade térmica (l) do material e sua resistência mecânica (sy), logo o IM
adequado é [ls]. Os outros requisitos e o correspondente IM (quando existente) são:

Baixo peso: IM = [s/r]


Bom desempenho térmico: IM = [lsy]
Baixa vibração e ruído
Disponibilidade de material
Custo aceitável

Os materiais são os mesmos do exemplo anterior. A Tabela VII reúne os requisitos e respectivos pesos. Os
materiais candidatos estão organizados em colunas e a comparação é feita em termos da somatória das
notas atribuídas a cada requisito multiplicadas pelo respectivo peso (vj wj).

Tabela VII. Matriz de Decisão Pahl & Beitz Para o Trocador de Calor

Requisitos/Pesos (wi ) AA2024 Mg ZW3 Ti-6Al-4V 20Al2O3


vj vj wj vj vj wj vj vj wj vj vj wj

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Baixo Peso [s/r] ( 0,2) 3 0,6 4 0,8 3 0,6 4 0,8


Desempenho [l sy] (0,6) 4 0,96 3 0,72 1 0,24 4 0,96
(0,4) Atenuação [h] (0,2) 1 0,08 4 0,32 2 0,16 3 0,24
[sfadiga] (0,2) 2 0,16 2 0,16 4 0,32 2 0,16
Disponibilidade (0,2) 4 0,8 3 0,6 2 0,4 1 0,2
Custo (0,2) 4 0,8 3 0,6 0 0,0 1 0,2
IRi - 3,4 - 3,2 - 1,7 - 2,6

Da Tabela resulta que o material mais adequado é a liga de alumínio, seguida muito de perto pela de
magnésio Naturalmente, qualquer alteração nos pesos escolhidos poderia eleger outro material.

4. Considerações Finais

SM é uma atividade que atravessa um grande número de áreas da engenharia mas que também
relaciona-se com disciplinas não-técnicas tais como marketing. A sistemática aqui apresentada deve-se a
M.F. Ashby e representa hoje a mais avançada metodologia disponível.

O uso dos MPM expressa a abordagem macroscópica e integra os IM no processo de seleção. Isso tem
vantagens didáticas e práticas, e assegura que nenhuma oportunidade seja perdida, o que provavelmente
ocorreria se desde o início a gama de escolha fosse reduzida por uma extemporânea visão microscópica e
detalhista.

O presente trabalho não discute como o processo de fabricação intervém nos procedimentos de seleção,
apesar de ter sido enfatizada a complementaridade material – processo. A omissão justifica-se face a
complexidade dessa integração, que para ser bem resolvida necessitaria da junção das bases de dados que
cobrem as propriedades dos materiais e as características dos processos. Por exemplo, deve ser
considerado que objetos reais exibem propriedades que dependem tanto do material como do processo de
fabricação, um aspecto que aumenta o grau de complexidade dos procedimentos de SM.

Por fim é importante realçar que na prática vários requisitos devem ser obedecidos ao mesmo tempo, o
que conduz a situações pouco claras. É importante então sistematizar os procedimentos de SM via o uso
de matrizes de decisão, das quais a mais completa é a de Pahl & Beitz.

5. Referências

1. C. Mus, “The today and future potential of magnesium in the automotive industry”, Metallurgical
Science and Technology, 15, (2) 62 – 66, 1998.

2. “Nd-Fe-B Permanent Magnets – Their Present and Future Applications”, Ed. I.V. Mitchell, Elsevier
Applied Science Publisher, 1985, pg 209.

3. M.F. Ashby, “On the engineering properties of materials, Acta Metall, 37, 1273-1293, 1989.

4. Cambridge Materials Selector, Version 2.02, Granta Design Ltd., 1994.

5. S. Pugh; “Total Design: Integrated Methods for Successful Product Development”, Addison-Wesley,
1991,

6. A.E. Howe, P.R., Cohen, J.R. Dixon, M.K.S.Dominic, The International Journal of Artificial
Intelligence in Engineering, 1 (1) 1986.

7. G. Pahl, W. Beitz, “Engineering Design: A Systematic Approach”, Springer-Verlag, 1993.

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Seleção dos Materiais de Construção Mecânica: Estratégias e Metodol... http://www.materia.coppe.ufrj.br/mirror/sarra/artigos/artigo10113/index...

8. M. Ferrante, S.F. Santos, J.F.R. Castro, “Materials selection as an interdisciplinary technical activity:
basic methodology and case studies” Materials Research, 3, (2), 1-9, 2000.

Anexo I

Cálculo de Custo dos Materiais do Exemplo I

Esta metodologia é extremamente simples e supõe que o processo de fabricação seja o mesmo para os
materiais candidatos e que as perdas também sejam idênticas.

Procedimento: partindo-se do custo por unidade de massa obtém-se o custo por peça; assume-se que o
custo de fabricação de chapas é 1,5 vezes superior ao de fabricação de barras, inependentemente do
material. Por fim calcula-se o parâmetro DC, que é a diferença entre o preço dos materiais candidatos e o
material base (AA2024-T6).

Tabela A1.

Material Custo Material DC1 Custo Peça DC2

(US$/kg) (US$/peça/kg)
Barra Chapa Barra Chapa
AA2024-T4 3,0 - 3,0 4,5 - -
Mg ZW3 6,0 3,0 5,4 7,2 2,4 2,7
Al-20Al2O3 12,0 9,0 9,6 16,2 6,6 11,7
Ti-6Al-4V 50,0 47,0 30,0 75,0 27,0 70,5

É importante observar que embora a ordem de custos dos materiais não tenha mudado ao se passar de
US$/kg para US$/peça/kg (com já visto na Tabela IV), o parâmetro DCi pode variar bastante. Por
exemplo, a diferença de custo entre a liga de alumínio e o compósito é de US$ 9/kg, mas esse valor se
reduz para 6,6 quando compara-se peças em forma de barras. Em outro caso a situação pode se inverter,
comparar por exemplo DC1 e DC2 das ligas de titânio e de alumínio, para chapas.

[A] Também pode ser um produto, quando as propriedades devem ser maximizadas

[B] Geralmente cálculos de dimensionamento visam a seção transversal pois o comprimento de, por
exemplo, uma barra, uma viga, uma coluna, etc., é fixado pelo projeto.

[C] Cabe comentar que é difícil estabelecer onze diferentes gradações conforme exigido pela Escala 11,
pois um razoável grau de subjetividade é introduzida na avaliação.

Obs.: esse artigo foi apresentado na Escola de Materiais, que se realizou durante o Simpósio Matéria
2000, no Rio de Janeiro, de 23 a 27 de outubro de 2000.

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