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12/02/2020 É tudo Cultura?

A política cultural como adereço | Opinião | PÚBLICO

OPINIÃO

É tudo Cultura? A política


Tiago Ivo Cruz cultural como adereço
O mito da transversalidade na Cultura ilibou sucessivos governos de
garantir meios e orçamento para o Ministério da Cultura. É fruto de
uma visão absolutamente regressiva dos serviços públicos de cultura
e mostra onde o Partido Socialista se encontra ideologicamente.
20 de Setembro de 2019, 17:10

“O investimento na Cultura não é o investimento do


Ministério da Cultura. É o investimento que todo o
Governo faz na Cultura, nas diferentes atividades”,
afirmou o primeiro-ministro no debate com Catarina
Martins na RTP. Em nenhuma outra área governativa se
utiliza este raciocínio que pode, aliás, ser levado
facilmente ao absurdo. Ensino artístico conta para o
orçamento da Cultura? Muito bem. O ensino da língua
portuguesa também? E educação visual fica de fora ou
entra? E o investimento nos jardins e espaços públicos?
Transportes públicos têm uma relação direta com a
democratização do acesso à cultura. Também contam? E
no meio disto tudo, chegamos sequer a falar de serviços
públicos de cultura?

Pouco interessa porque nada disto é levado a sério por


ninguém, a começar por António Costa. O mito da
transversalidade na Cultura ilibou sucessivos governos
de garantir meios e orçamento para o Ministério da
Cultura. É fruto de uma visão absolutamente regressiva
dos serviços públicos de cultura e mostra onde o Partido
Socialista se encontra ideologicamente.

Há uma conclusão a retirar e um problema político a


resolver. Em primeiro lugar, o Partido Socialista não
aprendeu nada, absolutamente nada, com o que se
passou nas duas últimas décadas e, em particular, com o
que se passou nos últimos quatro anos. É como se não
existissem falhas estruturais nas políticas públicas de
cultura, falhas que não são resolvidas com reforços
orçamentais para tapar necessidades imediatas. Se a
Cultura é habitação, saúde, educação, então mais
recursos para o Ministério da Cultura são necessários
para organizar a ação nas diferentes áreas. O que
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definitivamente não é Cultura é a organização mediática


de exposições na residência oficial do primeiro-ministro,
o símbolo perfeito de iniciativa personalista ad hoc que
nada tem a ver com a criação ou fruição cultural como
direito.

O segundo é que temos um ministério fantasma que


serve de incubadora para políticas onde a Cultura é um
adereço promocional. A ideia de que um Ministério da
Cultura consegue implementar qualquer política graças a
parcerias com outros ministérios é de um voluntarismo
que roça a incompetência. Um ministério sem
orçamento não tem capacidade nem poder para
determinar a sua ação com ou sem parcerias. E não vão
ser os colegas de governo que o vão salvar com grupos
transversais de trabalho. Pelo contrário. É precisamente
pela sua situação de fraqueza que a transversalidade é
perigosa para o Ministério da Cultura. Querem
exemplos?

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 

O Programa Revive é, desde o início, uma operação


comandada pela secretária de Estado do Turismo, com
apoio direto do primeiro-ministro, para entregar
monumentos e património classificado a grupos
hoteleiros para exploração turística. O Governo entregou
a sua responsabilidade de recuperação e manutenção do
património classificado a privados. Para garantir que
isso acontece sem entraves, subalternizou o Ministério
da Cultura em todo o processo, cujos serviços passaram
a servir não como determinante das intervenções –
garantindo a salvaguarda e contrapartidas de interesse
público e cultural, desde logo a garantia de acesso ao
património ou a construção de centros interpretativos
como parte das obrigações dos concessionários –, mas
sim como secretaria de registo e aprovação garantida dos
projetos apresentados pelos grupos hoteleiros. O
Programa Revive não foi feito para garantir o interesse
público nas concessões, mas sim para ultrapassar as
próprias obrigações de salvaguarda do património do
Estado, com a Direção Geral do Património Cultural sob
comando do Turismo. Isto é transversalidade na Cultura
mas julgo estar longe de políticas públicas de cultura.

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O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Assessor do Bloco de Esquerda

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