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PERCURSO EM PRODUÇÃO CULTURAL:

ECONOMIA DA CULTURA NO BRASIL

PODCAST 1:
HISTÓRIA DAS POLÍTICAS ECONÔMICAS
E CULTURAIS NO BRASIL

AULA 1:
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ECONOMIA
DA CULTURA NO BRASIL

PROFESSORA:
CLÁUDIA LEITÃO

Cláudia Leitão: Digamos que a partir da década de 1930 até 1964, época do golpe
militar, se inicia digamos um pequeno mecenato espontâneo no país, nesses 30 anos.
A gente vai ver que o estabelecimento das grandes indústrias tradicionais que chegam
ao país, especialmente em São Paulo, figuras como Francisco Matarazzo, como Franco
Zampari, como o próprio Assis Chateaubriand, são exemplos de grandes empresários
que têm interesses culturais e que funcionam como grandes mecenas, no sentido de
construírem equipamentos culturais, de apoiar, portanto, as primeiras grandes ações
de cultura no país.

Esse período é um período bastante interessante porque, como eu havia dito, é um


período onde se criam as bases de primeiras grandes estruturas de equipamentos
culturais, é o caso da criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
depois chamado de Iphan, do próprio Instituto Nacional do Livro, o INL. E, na década
de 1930, esses equipamentos, essas estruturas, passam a ser muito importantes para
dar institucionalidade à cultura. A partir daí, já dos anos 1940, nasce uma política de
preservação cultural.

Bom, esse quadro até o golpe militar, que acontece em 1964, nos leva a pensar
ainda na construção de um outro grande período de 1964 até a redemocratização
de 1985, período em que o Estado define em nome de uma Segurança Nacional,
que é um conceito fruto exatamente da ditadura militar, é partir daí que vai se rever
os significados e os limites da atuação da Cultura. A Cultura vai se submeter a esse
conceito de Segurança Nacional.

Práticas clientelistas, a política do balcão continua, ela vem da República Velha e


atravessa o século XX, não é? Essas práticas lamentavelmente perseveram, mas o país
a partir da ditadura militar começa a se construir, para pensar o seu primeiro Plano
Nacional de Cultura.

Portanto, na década de 1970, o Estado se volta para o patrimônio imaterial, saindo


também do sentido do patrimônio edificado para o imaterial na tentativa de
transformar manifestações culturais populares em símbolos nacionais. Isso é um
recurso também de uma narrativa da ditadura, no sentido de dar também uma
visibilidade nacionalista, ufanista, para as culturas tradicionais populares.

Mas, no entanto, digamos que nessa década de 1970 até chegarmos à década de 1980,
os orçamentos para a cultura não correspondem às necessidades dessas estruturas
que vão crescendo, que de certa forma teriam que dar conta de um país continental
como o Brasil.

Em 1985, acontece exatamente uma conclusão desse período difícil dos anos de
chumbo da ditadura militar brasileira e no processo de redemocratização era bem
possível que isso acontecesse, que o Ministério da Educação e Cultura fosse pensado
na perspectiva de um desmembramento e que a Cultura saísse de dentro da Educação,
onde era uma secretária forte para se tornar um ministério.

Esse é um primeiro grande desafio das políticas culturais brasileiras. É exatamente essa
autonomia, porque ganhamos um ministério em 1985, primeiro com passagens breves
de José Aparecido e Aluísio Pimenta, mas com uma chegada muito importante, quase
inaugural do Ministério em 1986, que é a chegada do economista Celso Furtado.

Bem, esse período é um período bastante importante, um período animador, que


é essa passagem do Celso no ministério, mas, logo a seguir, já na década de 1990,
acontece o primeiro grande desmonte do setor cultural do Brasil, e esse desmonte
se faz de uma forma tão simples e tão fácil com o Governo Collor. A visão de cultura
toda construída inclusive, mesmo dentro da ditadura militar, é desconstituída,
desmantelada, desmontada e rapidamente essas instituições que haviam sido
agrupadas no ministério desaparecem porque o próprio ministério é extinto.

Então, a Lei Sarney, que foi a primeira lei de incentivo à cultura também foi revogada
pelo Governo Collor, na gestão do secretário Ipojuca Pontes, o ministério torna-se uma
secretaria e, em seguida, chegará ao ministério o ministro Sérgio Paulo Rouanet cujo o
nome já nos lembra a importante legislação de incentivo à cultura, que vem depois da
Lei Sarney, que é a lei de incentivo à cultura chamada e reconhecida como Lei Rouanet.

Esses aspectos aqui levantados nos fazem perceber que a Lei Rouanet tem um papel
que vai ser cada vez mais importante para o incentivo à cultura. E gostaria um pouco
de me referir exatamente à Lei Rouanet, que vai crescer exatamente porque ela é
promulgada em 23 de novembro de 1991, portanto, já no início do Governo Collor, e, em
seguida, em 1993, surge uma outra lei importantíssima para pensarmos as políticas de
economia da cultura.

Já no Governo Itamar Franco é publicada a Lei do Audiovisual. Chamo a atenção de vocês


para essas duas leis: a Lei do Audiovisual e a Lei Rouanet, porque essas duas leis serão os
eixos das ações para a economia da cultura no Brasil ao longo das gestões seguintes.

Então, se pensarmos a partir de então com a volta do Ministério da Cultura já nos


governos seguintes ao Governo Collor, no caso do Governo Itamar Franco, em seguida
com o Governo Fernando Henrique Cardoso, o que vamos perceber é que a lei de
incentivo à cultura, a lei federal de incentivo à cultura, vai apoiar cada vez mais o
crescimento das indústrias culturais e vai criar cada vez mais uma grande assimetria
entre o acesso ao fomento à cultura entre regiões, entre grupos, entre campos
culturais dos mais diversos.

Portanto, de 1991 até 2002, no momento em que o Estado vai se burocratizando, onde
parte da produção cultural vai manter uma relação sempre com o público consumidor
mais culto, que é capaz de decodificar e de fruir bens e serviços culturais de qualidade,
enquanto de outro lado, há uma grande massa da população brasileira, que será
instrumentalizada na direção de mercados que vão produzir bens e serviços de massa,
nem sempre com qualidade, ou com caráter educacional.
Esse período do crescimento da Lei Rouanet, e onde o financiamento e o fomento da
cultura ficam exatamente na mão dos departamentos de marketing das empresas, dos
bancos, das grandes empresas brasileiras que vão decidir para onde vão os recursos,
para o apoio a projetos culturais, é exatamente o que faltava para as indústrias culturais
para que elas ganhassem cada vez maior hegemonia no território brasileiro. É aí que
acontece um elemento muito importante entre 2003 e 2010, que é a chegada do
Governo Lula e, portanto, de uma mudança de rumos muito interessante de uma visão
liberal da cultura, do mercado também regulando as políticas de cultura, entramos
num período onde o governo assume a sua responsabilidade diante da formulação,
implantação e monitoramento de políticas culturais.

É um momento muito importante para se falar de economia da cultura. O ministro


Gilberto Gil compreende a necessidade da construção de um sistema de informações
e de indicadores culturais, não é? E para isso ele inicia uma série de parcerias com
o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, e o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, que é o Ipea.

É um momento de integração e de construção de novos indicadores, que passam


a ser frutos de levantamentos, de recenseamentos desde dados sobre os gastos
de cultura das famílias brasileiras ao mapeamento dos equipamentos culturais, a
descoberta dos investimentos dos governos municipais, estaduais, o Governo Federal;
a institucionalidade da cultura no âmbito federativo, portanto. Tudo isso foi levantado
numa primeira grande pesquisa chamada MuniC - Pesquisa Municipal de Cultura.

De 2011 até 2017, o que temos é uma situação bastante paradoxal. De um lado no
Governo de Dilma Rousseff, após o Governo Lula, e com a chegada da ministra Ana
de Hollanda, há um fato novo e muito interessante que é a criação da Secretaria
da Economia Criativa. Essa Secretaria dá, pela primeira vez na história das políticas
de economia da cultura, ou de economia criativa na história do ministério, uma
institucionalidade, um vigor, uma presença, um plano e uma série de conquistas.

A criação da Secretaria da Economia Criativa traz com clareza desde sua própria
estruturação, o seu próprio planejamento, além do fato de que a articulação da
secretária levará até a presidenta Dilma Rousseff uma proposta da criação de um plano
interministerial chamado de Plano Brasil Criativo.
No entanto, no mesmo Governo Dilma, onde a secretaria foi criada pela ministra
Ana de Hollanda, ela acabará sendo desarticulada adiante, primeiro com a ministra
Marta Suplicy, que considera que as questões da economia da cultura não têm uma
importância estratégica para o ministério. E chegamos então, ainda no Governo
Dilma, já no seu segundo mandato, com a presença de um novo ministro, o ministro
Juca Ferreira, a decisão política do ministro de desarticular a Secretaria da Economia
Criativa, que é trocada, entre aspas, por uma Secretaria de Educação para as Artes.

A partir de 2017, se nós pensarmos no governo Temer, que assume a Presidência


da República depois do impeachment, o Ministério da Cultura começa a se esvair, a
perder a sua força e prestígio. Acontece imediatamente a extinção do Ministério, no
entanto, com uma grita da população e do campo cultural, mais do campo cultural
que da população, houve uma reinstitucionalização do Ministério da Cultura, que
rapidamente vai deixando de atuar no fomento dos setores da cultura, vai perdendo
sua vitalidade, seu vigor, seus recursos, vai sendo desmontado mais uma vez. É como
se fosse uma volta ao Governo Collor. E ele é extinto já pelo Governo Bolsonaro logo no
início de 2019.

Então, temos aí um quadro bem dramático porque as políticas de economia da cultura


foram novamente se perdendo, o Ministério ao ser extinto se torna uma Secretaria Especial
da Cultura. Primeiro, abrigada na pasta da Cidadania do Governo Bolsonaro, portanto,
sem qualquer estudo ou entendimento do que faria a cultura no ministério da Cidadania,
não que não haja relação, porque a cultura é transversal, mas, depois, por questões de
decisões políticas, a pasta da Cultura que não é mais Ministério, acaba sendo abrigada
pelo Ministério do Turismo, e mais uma vez se perde a possibilidade de se pensar grandes
políticas que envolvessem uma conexão entre turismo e cultura no Brasil.

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