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Curso EaD Tratamento da Dependência Química no contexto Hospitalar

(Hospital Geral e Hospital Psiquiátrico) e das Clínicas Especializadas


GOVERNO FEDERAL REPRESENTANTE-RESIDENTE ASSISTENTE E
COORDENADORA DA ÁREA PROGRAMÁTICA Apresentação Geral
PRESIDENTE DA REPÚBLICA Maristela Baioni
Jair Messias Bolsonaro COORDENADORA DA UNIDADE DE PAZ
VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA E GOVERNANÇA Olá!
Antônio Hamilton Martins Mourão Moema Freire Bem-vindos ao curso de Tratamento da Dependência Química no contexto Hospitalar (Hospital
GERENTE DE PROJETO
Geral e Hospital Psiquiátrico) e das Clínicas Especializadas.
MINISTRO DE ESTADO DA CIDADANIA
Ronaldo Vieira Bento Rosana Tomazini
A Dependência Química é considerada uma doença multifatorial, crônica e recidivante,
ASSISTENTE DE PROJETO caracterizada pelo uso compulsivo da substância em questão, apesar das consequências
SECRETÁRIO NACIONAL DE CUIDADOS
Aline Santana
E PREVENÇÃO ÀS DROGAS negativas - mas é também, reconhecidamente, tratável.
Quirino Cordeiro Junior
DIRETORA DE PREVENÇÃO, EQUIPE PROJETO EDITAL Nº 02/2021 A complexidade desse transtorno requer, em seu tratamento, estratégias igualmente
CUIDADOS E REINSERÇÃO SOCIAL PRESIDENTE - CEPP complexas. A evolução da ciência da dependência química nas últimas décadas revolucionou
Cláudia Gonçalves Leite Thiago Marques Fidalgo nossa compreensão sobre esse fenômeno, trazendo consigo respostas mais efetivas.
COORDENADORA-GERAL FORMAÇÃO VICE-PRESIDENTE - CEPP
Elis Viviane Hoffmann Andrea de Abreu Feijó de Mello O profissional que atua na área da dependência química se depara com constantes desafios
que permeiam os espectros psicológicos, sociais e biológicos, tornando assim, fundamental
COORDENADOR GERAL DO PROJETO que possua no seu arcabouço teórico conhecimentos sólidos em todas essas dimensões que
Cláudio Jerônimo da Silva
compõem a etiologia da dependência química e através das quais ela se manifesta. Em uma
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS COORDENADORA PEDAGÓGICA DO PROJETO doença em que a recidiva é a regra, não a exceção, cabe ao profissional atuante se aprimorar
PARA O DESENVOLVIMENTO Clarice Sandi Madruga e instrumentalizar de forma constante.
(PNUD)
CONTEUDISTAS ESPECIALISTAS
REPRESENTANTE-RESIDENTE Ana Paula Dias Pereira Reunimos aqui um time único e altamente qualificado de profissionais que atuam nas
Katyna Argueta André de Queiroz Constantino Miguel áreas da clínica psiquiátrica, psicológica, da pesquisa e do ensino, trazendo para você
Leonardo Gomes Moreira uma oportunidade de consolidar e atualizar seus conhecimentos sobre tratamento da
REPRESENTANTE-RESIDENTE ADJUNTO
Maria de Fátima Padim dependência química.
Carlos Arboleda
Ronaldo Ramos Laranjeira
Sérgio Marsiglia Duailibi
Esperamos que o curso proporcione não só o aperfeiçoamento de técnicas e protocolos
Susana Mesquita Barbosa
de atuação para cada modalidade de serviço e profissional atuante, mas também propiciar
Todo o conteúdo do Curso Tratamento da Dependência Química no contexto Hospitalar (Hospital Geral e Hospital Psiquiátrico) e das Clínicas Especializadas, da Secretaria
reflexões e críticas, muitas vezes fundamentais para o estabelecimento de práticas mais
Nacional de `Políticas sobre Drogas, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, da Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas, do Ministério do Estado e da
Cidadania do Governo Federal 2022 e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, da Organização das Nações Unidas, está licenciado sob a Licença Pública
efetivas no processo da recuperação.
Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) que pode ser acessada em https://creativecommons.org/licenses/by-nc-
nd/4.0/deed.pt_BR

Bons estudos.
BY NC NO
Coordenação do Curso
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MÓDULO 2
A Etiologia da Dependência Química e seu Diagnóstico
Sejam bem-vindos ao módulo 2. Nesse módulo vamos tratar e discutir sobre A Etiologia da Dependência Química e seu Diagnóstico, partindo
da seguinte questão: Por que as pessoas se tornam dependentes químicas?

Responder a essa questão não é uma tarefa fácil. Todas as doenças mentais, em particular os Transtornos por Uso de Substâncias (TUS),
não possuem como causa um fator etiológico único, mas uma série de fatores que interagem entre si produzindo conjunto de sintomas e
sinais conhecidos de Síndrome de Dependência Química. As pessoas se tornam, portanto, dependentes de substâncias porque possuem
fatores que as predispõem a isso.

A ciência já apontou que os fatores predisponentes da dependência química são múltiplos e estão presentes nos diversos domínios da vida:
no domínio biológico (bioquímico e genético); no domínio psicológico, no domínio familiar; no domínio ambiental ou social. Sendo assim,
várias teorias foram desenvolvidas para explicar a gênese da dependência, entretanto nenhuma teoria sozinha foi capaz de abranger todos
os aspectos envolvidos na gênese dessa doença. Por exemplo, é sabido que existe uma predisposição genética para o desenvolvimento
da dependência química, pois estudo entre gêmeos monozigóticos mostraram maior prevalência da doença entre irmãos, entretanto, essa
teoria não explica por exemplo porque não são todos os gêmeos invariavelmente desenvolve dependência quando um deles é afetado.

Do mesmo modo, a teoria do aprendizado social enfatiza a influência dos pares e da sociedade no comportamento de beber, por exemplo,
mas essa também não esgota todos os aspectos envolvidos na dependência química. A teoria cognitivo comportamental enfatiza o papel
da estrutura de personalidade na formação de crenças psicológicas permissivas ao uso de substância, mas não considera com tanta
ênfase o papel do ambiente social.

É preciso que conheçamos as principais teorias que explicam a gênese da dependência química, mas sem perder de vista que todas elas
apresentam uma explicação que pode não abranger todos os casos existentes, justamente pela natureza multifatorial dessa doença.

Autoria Esse será nosso objetivo neste Módulo. Vamos lá!


Clarice Sandi Madruga
Cláudio Jerônimo da Silva
Katia Isicawa de Sousa Barreto Bons estudos.
Guilherme Sabino de Godoy Filho

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OBJETIVOS DO MÓDULO sumário

SUMÁRIO
UNIDADE 1: O QUE CAUSA A DEPENDÊNCIA QUÍMICA? A EVOLUÇÃO HISTÓRICA
DA COMPREENSÃO DO TRANSTORNO.........................................................................................................................05
Evolução histórica dos modelos etiológicos
Modelo Moral 1. Conhecer a etiologia da
Modelo da Temperança Dependência Química, a partir
Modelo Clínico (da degenerescência neurológica)
Abordagem proibicionista da perspectiva histórica;
O colapso dos modelos iniciais e seus desdobramentos contemporâneos
Teorias Naturais
Modelo Biológico 2. Compreender a evolução dos
Modelos Teóricos da Psicologia modelos teóricos que explicam
UNIDADE 2: MODELOS TEÓRICOS CONTEMPORÂNEOS.............................................................................................14 os transtornos por uso de
A perspectiva da Aprendizagem Social substâncias;
Modelagem
Reforçadores
Estímulos Ambientais 3. Aprofundar as concepções
Autoeficácia modernas da Síndrome da
Fatores decisórios para o consumo de substâncias e as Teorias Cognitivas
Dependência Química, levando
UNIDADE 3: A PERSPECTIVA DIMENSIONAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA...............................................................21 em conta seu caráter multifatorial,
Modelo Biopsicossocial
Fatores Biológicos apreciando as dimensões
Fatores Psicológicos psicológica, biológica e social;
Fatores Sociais
Fatores de risco e proteção na dependência química
4. Entender o paradigma usado
UNIDADE 4: SISTEMAS DIAGNÓSTICOS: CONCEITOS BÁSICOS E CLASSIFICAÇÕES...............................................25
Manuais de Diagnósticos de Doenças e Transtornos Mentais pelos Manuais Diagnósticos
Critérios Diagnósticos CID-11 para determinar os transtornos
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5-TR
Critérios de Síndrome de Dependência segundo o DSM-5-TR por uso de substâncias;
Encerramento

REFERÊNCIAS...............................................................................................................................................................30

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UNIDADE 1
O QUE CAUSA A DEPENDÊNCIA QUÍMICA? A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA COMPREENSÃO DO TRANSTORNO

Os modelos etiológicos da dependência de substâncias Evolução histórica dos modelos


psicoativas buscam explicar os motivos do primeiro
episódio de consumo, da permanência do uso ocasional, da
etiológicos
manutenção do uso, do surgimento de padrões de uso nocivo Até meados do século XVIII a classificação dos transtornos
e, por fim, as razões para o surgimento da dependência. relacionados ao uso de álcool e drogas recebeu pouca
atenção. Só no início do século XIX é que termos como
“dipsomania” e “insanidade decorrente de intemperança”
foram usados para descrever problemas relacionados ao
uso de álcool.

Com o advento da destilação, em um período de


grandes transformações socioeconômicas

O S I D ADE
(como a obtenção da tecnologia agrícola e as
Grandes Navegações), as bebidas com altas

RI
C U concentrações alcoólicas (30 a 70%) começaram

a ser comercializadas, e o consumo passou a ser mais intenso e


abusivo. Posteriormente com a Revolução Industrial (século XVIII)
e a Revolução Científica (século XIX), foi possível isolar princípios

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ativos de substâncias psicoativas e disponibilizá-las nas farmácias LEITURA ACONSELHADA!


do mundo todo; não menos importante, as produções de álcool Para compreender mais sobre a história e a
foram significativamente ampliadas. evolução do conceito de dependência química,
aconselhamos a seguinte leitura:
LEITURA COMPLEMENTAR RIBEIRO, M.; Laranjeira R. Evolução do conceito de dependência química. In:
Analice Gigliotti; Ângela Guimarães. (Org.). Adição, dependência, compulsão e
António Escohotado narra um resumo da história impulsividade. 1ªed.Rio de Janeiro: Rubio, p. 57-68; 2017.
geral sobre drogas, o percurso da humanidade em
meio às diversas substâncias que nos cercam. A investigação do fenômeno da adicção parte de premissas
Fonte: ESCOHOTADO, António. História elementar das drogas. 1ª ed.
Lisboa: Antígona, 2004. e teorias simplistas que vão se refinando com o passar do
tempo a partir da contribuição de cientistas e especialistas
Outro marco importante para a história das classificações que se debruçaram sobre o tema e acrescentaram
dos transtornos relacionados ao uso de substância perspectivas inovadoras.
se deu em 1976 quando Griffith Edwards e Milton Gross
propuseram o conceito de Síndrome de Dependência do
Álcool. Este conceito influenciou as classificações recentes
da Organização Mundial de Saúde (OMS) – CID 11 - e da
Modelo Moral
Associação Americana de Psiquiatria (APA) – DSM-5-TR -
que serão posteriormente discutidas. O modelo moral configura-se como a primeira tentativa da
sociedade contemporânea de entender e controlar o uso
Esse modelo, atualmente, é o mais aceito pela comunidade de substâncias psicoativas. Esse modelo enfatiza a escolha
científica uma vez que trata as dimensões presentes na pessoal como o fator de causa primordial, associada a
gênese da Dependência Química: a biológica, a social desvios de caráter ou problemas com a moralidade. Tal
e a psicológica modelo estigmatiza o dependente, retarda seu pedido de

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ajuda, interfere no seu processo de recuperação e, por Foram eles que, pela primeira vez, consideraram que a
muitas vezes, dificulta sua reinserção social. intensidade do consumo variava ao longo de um continuum
de gravidade e que os problemas ocorriam ao longo do
Ilustração de castigos aplicados em praças públicas para tempo, ou seja, tinham uma história e um curso natural.
pessoas com transtornos relacionados ao uso de substâncias

Modelo Clínico (da degenerescência neurológica)


As ideias de Rush e Trotter revolucionaram o pensamento da
época e, em 1849, na Suécia, o termo “alcoolismo” foi usado
pela primeira vez como sinônimo de “ebriedade”. O modelo
da degenerescência neurológica olha essencialmente para
Figura 1: fonte: https://www.megacurioso.com.br/artes-cultura/120230-as-6-punicoes-criminais-mais-estranhas-ja-
documentadas.htm
aspectos físicos, indicando internações prolongadas
e tratamentos físicos como tônicos, banhos a vapor,
estimulação via eletrochoque e inclusive uso de
Modelo da Temperança sanguessugas para “tonificar as células nervosas”

Rush e Trotter (1750 – 1800) consideravam a embriaguez uma


doença e ambos concordavam que o resultado desta era uma
perda de controle e comprometimento do equilíbrio corporal.

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A figura ilustra uma representação dos tratamentos físicos este necessariamente levaria os indivíduos a situações ou
aplicados nos tratamentos de “ebriedade”. lugares predisponentes ao abuso do álcool.

SAIBA MAIS

Para conhecer mais sobre essa ação indicamos que


assistam ao documentário “A Lei Seca nos Estados Unidos:
Um País Entregue à Bebida”. Este é um documentário bem
completo retratando os avanços, retrocessos e desafios do
período da lei seca.

Fonte: Diseases of Inebriety from Alcohol, Opium, and other Narcotic Drugs: Its Etiology, Pathology, Treatment, and Medico-Legal
Relations. JAMA. 1893; XX (21):590. doi:10.1001/jama.1893.02420480018009
Fonte: FLORENTINE FILMS. A Lei Seca Nos Estados Unidos: Um
País Entregue à Bebida. Direção de Ken Burns e Lynn Novick.
Roteiro: Geoffrey C. Ward. Florentine Films. 2011. Disponível
Abordagem proibicionista em https://www.youtube.com/watch?v=c2rsWuIDUpI

Na maior parte do início do século XIX surge nos Estados Para avançarmos para a temática de modelos etiológicos,
Unidos o movimento social “temperança”, um movimento de é importante ter claro até aqui que o processo de uso
leigos, que pregava às massas a abstinência, oferecendo de substâncias na história não é linear e aconteceu em
ajuda individual ao bebedor. O movimento de temperança na diversos momentos e territórios diferentes o que possibilitou
década de 1920, evoluiu para a radicalização, acreditando não só um, mas diversos modelos teóricos.
não ser possível nem mesmo o consumo moderado, pois
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evidência. Historicamente temos, a partir de 1950, o


surgimento de modelos etiológicos em 3 grandes vertentes:
1) Teorias Naturais, 2) Modelo Biológico 3) Modelos Teóricos
da Psicologia. Tais modelos, por sua vez, se ramificam
em diferentes abordagens advindas das teorias da
personalidade, que amparam até hoje a clínica psicológica.

Teorias Naturais
As primeiras teorias naturais têm um caráter determinístico
no sentido que se embasaram no conceito de que os
O colapso dos modelos iniciais e seus homens possuem uma tendência inata e universal ao
desdobramentos contemporâneos consumo de drogas. Podemos considerar que essa
perspectiva muitas vezes representa um retrocesso na
As teorias contemporâneas da dependência química nem compreensão do transtorno, uma vez que defende uma
sempre estão relacionadas a uma evolução das concepções concepção moralista onde o dependente era visto como
estabelecidas até 1950, sendo, muitas vezes, baseadas em “fraco”, ou com uma “convicção enfraquecida”. Por
paradigmas retrógrados e pouco científicos. É importante outro lado, também se observa nas teorias naturais uma
analisar cada modelo teórico sob uma perspectiva crítica perspectiva mais neutra, em que refere que a busca por
e, sobretudo, levando em consideração a importância de
seus elementos originais para a construção do alicerce
que embasa as teorias mais modernas e baseadas em
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estados alterados de consciência é um comportamento desencadeiam o comportamento de compulsão do uso, os


natural dos seres humanos, sendo, posteriormente, descrevendo a partir dos conhecimentos da neurofisiologia.
reprimida por tabus culturais e sociais. Cabe ressaltar que O paradigma biológico parte da compreensão sobre como
essa concepção leva em consideração que o usuário possui substâncias de abuso estimulam os circuitos do sistema
responsabilidade pela escolha do excesso. límbico*, que passa a compor o chamado Sistema da
Recompensa. Desta forma, explicam por meio dessa
Modelo Biológico perspectiva o desenvolvimento da tolerância e sintomas
(Será discutido de forma aprofundadamente no módulo 3) de abstinência das drogas psicoativas. Acredita-se que a
perspectiva biológica é um pilar fundamental que compõe a
Este modelo parte do aspecto orgânico na tentativa de explicar compreensão do fenômeno da dependência química.
as alterações físicas e psíquicas da dependência química.
Ainda que limitado na perspectiva de compreender as diferentes
dimensões do fenômeno da dependência, é incontestável que o GLOSSÁRIO
modelo biológico contribuiu com explicações neurobiológicas e
genéticas que levaram a avanços significativos no tratamento
O circuito límbico é uma área do cérebro responsável pelo
farmacológico desse transtorno.
controle do comportamento emocional do sistema nervoso
e está envolvido diretamente com a natureza afetiva das
Historicamente, o modelo baseia-se na ideia de uma
percepções sensoriais, abrange estruturas que recebem
predisposição biológica para o desencadeamento do abuso
informações de diversas regiões do cérebro e que participam
de substâncias e transtornos causados pelo uso. A partir
de comportamentos complexos e inter-relacionados (p. ex.,
da evolução do modelo biológicos são estabelecidas
memória, aprendizagem e emoção)
as evidências sobre os mecanismos biológicos que

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Na animação Nuggets você conhecerá o Kiwi. Assim, várias linhas de atuação da psicologia propuseram
Ao ver a sua jornada, reflita sobre os efeitos de explicações sobre como a dependência pelo uso indevido
qualquer substância psicotrópica e encontre de substâncias psicoativas se desenvolve. Trataremos,
nas metáforas os conceitos de tolerância, nesse módulo, sobre as teorias psicológicas que embasam
riscos do uso e desenvolvimento da abordagens terapêuticas com maior evidência de eficácia.
dependência.
SAIBA MAIS
Referência. Animação Nuggets. Produção: Bilder Presents. Roteiro e direção: Andreas
Hycade. 2014. Canal: http://www.hycade.de Disponível em https://www.youtube.com/
watch?v=HUngLgGRJpo
Saiba mais sobre a perspectiva histórica dos modelos
etiológicos da dependência química no material didático
do acervo da UNIAD.
Modelos Teóricos da Psicologia
Ref: UNIAD – Unidade de Álcool e Drogas – UNIFESP. Disponível em https://
www.uniad.org.br/?s=modelos+etiol%C3%B3gicos. Acesso ago/2022
As teorias psicológicas estão focadas nos indivíduos,
bem como nos processos que os conduziram ao consumo
desregrado de substâncias psicoativas. Nesse sentido,
procuram entender, por meio da psicoterapia, a natureza
e a qualidade da experiência individual que aumentam
a probabilidade e o risco do desenvolvimento da
dependência química.

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O colapso dos modelos iniciais e seus Com o fim do proibicionismo do consumo de bebida alcoólica,
não era mais possível considerar o álcool um mal por si
desdobramentos contemporâneos só. Desse modo, tanto os indivíduos como a relação que
Até meados do século XX, as classificações diagnósticas
estabeleciam com a substância se tornaram alvos de
dos problemas relacionados ao consumo de álcool e drogas
observações e pesquisas.
traziam dois déficits importantes:
No final do século XX, outras substâncias passaram a ser
1. não consideravam as alterações psicossociais como parte
estudadas como os opiáceos, o tabaco e o café. E, assim, a
da dependência, focalizando em demasia a presença dos
doença do alcoolismo se separou ainda mais das concepções
aspectos biológicos (delirium tremens e complicações
morais e se aproximou da medicina, passando a ser tratada
clínicas);
como uma doença progressiva.
2. não faziam referência a outros modos problemáticos do
consumo.
A partir dos anos 1970, Griffith Edwards e Milton Gross (1976)
propuseram o conceito de síndrome de dependência do álcool
GLOSSÁRIO
(SDA). Tal conceitualização partia de três pressupostos
básicos:
Delirium tremens são sintomas graves de abstinência
de álcool, com possível presença de confusão mental, 1. A dependência é considerada um agrupamento de sinais
agitação e alucinações. A probabilidade de ocorrência e sintomas que se repete com certa frequência em alguns
do delirium tremens está entre o 2º e o 5º dia após a usuários dessas substâncias, sem, no entanto, haver uma
última dose de consumo de álcool, podendo ser fatal causa única ou recorrente;

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2. Tal síndrome se organiza dentro de níveis de gravidade e


não como um absoluto categórico; e
3. A síndrome de dependência é moldada por outras
influências (experiências precoces, ambiente, transtornos
mentais), capazes de predispor, potencializar ou bloquear
sua manifestação.

O conceito de síndrome de dependência e seus critérios


diagnósticos serviram de base para a elaboração dos
dois principais códigos psiquiátricos da atualidade: a
Classificação Internacional de Doenças (CID), organizado pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Manual Diagnóstico
de Transtornos e Doenças Mentais (DSM), organizado pela
Associação Americana de Psiquiatria (APA).

Essa noção é extremamente importante, pois busca-se não um


sintoma característico e absoluto, mas uma série de sintomas,
considerando sua intensidade ao longo de um continuum de
gravidade.

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UNIDADE 2
MODELOS TEÓRICOS CONTEMPORÂNEOS
A perspectiva da Aprendizagem Social De acordo com essa teoria, o indivíduo inicia o uso de
substâncias quando tem modelos que demonstram
expectativas positivas em relação ao uso. Assim, “o
Diversas vertentes da Teoria Cognitivo-Comportamental
uso inicial é estimulado pela expectativa de reforço do
(TCC) são largamente usadas para compreender os
comportamento envolvendo o uso. Esse reforço pode adotar
transtornos relacionados ao uso de substâncias. A TCC tem
uma variedade de formas e nem todas são diretamente
como alicerce a Teoria de Aprendizagem Social proposta por
decorrentes dos efeitos farmacológicos da substância”
Bandura (1977). Segundo essa teoria, o comportamento de
(ROTGERS; NGUYEN, 2008, p. 276).
uso ou abuso de substâncias é aprendido e sua frequência,
duração e intensidade aumentam em função dos benefícios
psicológicos alcançados.

Os conceitos da teoria da aprendizagem são de grande


importância para uma concepção mais ampla dos fenômenos
acerca da dependência química na qual se amplia a análise
para dos fatores ambientais, propõe novos esquemas de
compreensão e intervenção e incita o terapeuta a observar
esquemas mais complexos das vivências do indivíduo.

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A continuação do uso, contudo, Importante ressaltar que esta teoria não desqualifica o
é resultado das propriedades modelo biopsicossocial, apenas lança olhares diferentes para
reforçadoras da substância o convívio com indivíduos ou culturas disfuncionais e propõe
para o indivíduo. Assim, à que a convivência neste ambiente patológico pode aumentar
medida que o indivíduo usa significativamente as chances de uso, abuso ou dependência
a substância repetidamente química, em um continuum.
e desenvolve tolerância aos
seus efeitos, são fortes as A Teoria de Aprendizagem Social apresenta quatros conceitos
expectativas de desfecho (princípios) fundamentais: Modelagem, Reforçadores,
positivo associadas ao uso,
Estímulos Ambientais e Autoeficácia.
ou seja, é a necessidade/
anseio de atingir os efeitos do
primeiro uso que mantém o
comportamento aditivo.

Nesse sentido, observa-se que


há uma grande probabilidade de
o indivíduo usar a substância
com uma intensidade e uma
frequência cada vez maiores,
estabelecendo um “ciclo
vicioso”.

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Modelagem Reforçadores
O princípio da modelagem envolve uma noção de O princípio de reforçadores pressupõe que o consumo de álcool
desenvolvimento: em determinadas culturas, o beber ou drogas é fortemente influenciado por reforçadores positivos
faz parte do crescimento, onde as influências da família e negativos. Os reforçadores positivos estão mais associados
formam comportamentos, crenças e expectativas nos à busca pelo prazer: como sensação de euforia, maior
jovens em relação ao uso do álcool. Ou seja, o consumo do sociabilidade, atenção de outras pessoas. Os reforçadores
álcool é influenciado por modelos de consumo, produzindo negativos, por sua vez, associam-se mais a evitação de
expectativas sobre os benefícios do comportamento de beber. sofrimento: redução da tensão, da ansiedade ou de humor
negativo, alívio de dor, redução da inibição.

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Estímulos Ambientais consideradas de alto risco, especialmente nas fases iniciais


da recuperação, até que tenham tido oportunidade de aprender
habilidades cognitivas e comportamentais, para acabar com
Um outro princípio trabalhado é o papel do estímulo ambiental.
os estímulos que eliciam o craving ou o comportamento de uso
Os estímulos ambientais podem eliciar comportamentos de
uso de álcool ou drogas tanto por meio do condicionamento (BORDIN; FIGLIE; LARANJEIRA, 2004, p. 251)
clássico pavloviano quanto pelo condicionamento operante
(reforços positivos e negativos).
Autoeficácia
O quarto princípio fundamental é o conceito de autoeficácia
desenvolvido por Bandura (1977). Autoeficácia é o
sentimento de ser capaz de resolver com sucesso uma
determinada situação. Pesquisas demonstram que a
autoeficácia não pode ser negligenciada: elas indicam que
uma baixa autoeficácia está significativamente associada
a recaídas e uma alta autoeficácia está positivamente
correlacionada a comportamentos de abstinência (BORDIN;
FIGLIE; LARANJEIRA, 2004).
“As respostas terapêuticas a esses fenômenos podem envolver
a identificação e rearranjos desses estímulos ambientais,
orientando os pacientes a evitar certas situações e pessoas
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Portanto, um plano de tratamento eficaz deve ter, como um Fatores decisórios para o consumo de
dos objetivos principais, o desenvolvimento de uma forte
e realista confiança no paciente para lidar com situações
substâncias e as Teorias Cognitivas
difíceis da vida sem recorrer ao uso de substâncias.
Os paradigmas das teorias cognitivas sustentam uma gama
de abordagens terapêuticas de grande relevância para o
O indivíduo deve estar preparado para fazer mudanças em sua
tratamento da dependência química. Discutiremos sobre as
vida e no comportamento associado ao uso de substâncias
diferentes abordagens de tratamento no Módulo 6, enquanto
(“estar pronto”). Ele deve também ter vontade de sustentar o aqui, focaremos nos fundamentos dessa teoria que trazem uma
esforço empreendido na mudança (“estar com vontade”) e deve perspectiva etiológica do fenômeno da dependência química.
ter as habilidades (cognitivas, afetivas e comportamentais)
requisitadas para efetivar as mudanças desejadas no As teorias cognitivas se fundamentam na racionalidade
comportamento, pensamento e estilo de vida. Neste modelo, teórica de que o afeto e o comportamento de um indivíduo
uma das etiologias para o uso de substâncias é um baixo nível são, em grande parte, determinados pelo modo como ele
de habilidades interpessoais e na resolução de problemas. estrutura o mundo. Neste sentido, mais importante do que
a situação real, é a avaliação que o indivíduo faz a respeito
SAIBA MAIS dela. Uma mesma situação pode, portanto, desencadear
diferentes emoções (tristeza, raiva, ansiedade etc.).
Na animação Hapiness (felicidade), a vida cotidiana é ilustrada
abordando temas importantes como felicidade, sociedade e Com isso, surgem os chamados fatores decisórios. Durante
substâncias. A animação está disponível na Internet. toda situação de escolha entre fazer ou não o uso, as
Referência: CUTTS, Steve. Hapiness. Animação. Diretor e Roteirista. Steve diferentes áreas dos fatores decisórios são evocadas e
Cutts. 2017. Disponível em https://www.stevecutts.com/animation.html
divididas em: Reforçadores, Capacitadores e Predisposições.
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Na figura a seguir, apresentaremos os fatores preditores para Reforçadores


o consumo de substâncias psicoativas, a partir de vários
eixos dentre eles o individual, familiar, social, ambiental. • Contingências ambientais (especialmente sociais e econômicas) relacionadas ao
comportamento de uso.
• Influências familiares ou de pares.
• Reforçadores sociais, aumento de renda através da venda de drogas.
• Assim como os fatores capacitadores, os reforçadores são diferentes para diferentes classes
sociais, grupos etnicos e regiões.

Capacitadores
• Fatores relacionados diretamente ao comportamento decorrente a tomada de decisão frente a
oportunidade de consumo.
• Disponibilidade e acesso.
• Habilidades socioemocionais, e de enfrentamento.

Predispositores
• Características individuais e exposições ambientais.
• Vulnerabilidade genética na forma de temperamentos ou caracteristicas fisiológicas ou falhas
no desenvolvimento.
• Eventos adversos (abuso sexual, violência doméstica).
• Deficits de habilidades sociais.
• Baixa autoestima.
• Conhecimento sobre a droga.
• Percepção de risco.
• Crenças normativas.

O uso de drogas e fatores ambientais ligados à


aprendizagem social podem provar a alteração da
expressão de determinados genes (fenótipo) sem alteração
a sequência gênica (genótipo) e essa expressão alterada
pode ser transmitida para gerações futuras. Esse fator

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poderia explicar parte da questão da hereditariedade da mas recentemente a epigenética trouxe luz a essa questão,
dependência química. revelando a complexidade da interação do meio ambiente com
a expressão dos genes.
O aprendizado social decorrente de ambientes com
múltiplos fatores de riscos para beber, desempenham
um papel importante na gênese da dependência química.
GLOSSÁRIO
Estudos em epigenética apontam que o uso de substância
precoce e fatores estressores do ambiente podem alterar
a expressão do gene e contribuir para desenvolvimento da Epigenética é uma série de processos bioquímicos que
dependência química e para os aspectos transgeracionais alteram a expressão de genes de um organismo sem
que transcendem o aprendizado social. Certamente mais alterar a sequência de DNA (Deoxyribonucleic Acid/
estudos devem ser realizados para entender melhor como e Ácido desoxirribonucléico). É produto da interação do
quais genes são ativados pelo ambiente nos humanos. ambiente com o genoma do indivíduo, que determinam o
aspecto funcional na saúde e na doença (Nielsen et al.,
SAIBA MAIS 2012; Vassoler et al., 2014; Nestler, 2014 in Dissertação:
Caroline Peres Camilo). Essas alterações podem ser
mantidas por vários anos, inclusive passados de uma
A EPIGENÉTICA: Estudos demonstram que fatores ambientais
também aumentam a frequência de alcoolismo e outras formas geração a outra, persistindo durante as divisões celulares
de adição. Assim como os genes podem reduzir o nível de por meio da mitose e da meiose (Portela, Esteller, 2010).
substância que o cérebro produz, estes fatores também podem.
Pouco se conhecia sobre a forma como os fatores ambientais
e de aprendizagem social promoviam essas mudanças,

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UNIDADE 3
A PERSPECTIVA DIMENSIONAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA

Modelo Biopsicossocial
Quando pensamos sobre uso de substâncias psicoativas
e, consequentemente, a dependência química, precisamos
compreender que não se trata de um transtorno resultado
de questões relacionadas exclusivamente à saúde física ou
à saúde mental tampouco às questões morais.

Assim, a dependência química ou Transtorno por Uso de


Substâncias (TUS) é resultado de questões associadas a
fatores biológicos (saúde física), a fatores psicológicos
(saúde mental) e a fatores socioculturais. (WHO, 2008).
Observa-se que nenhum fator sozinho pode, de forma
determinística, levar ao desencadeamento da dependência
química. Assim, implica o conceito de risco, que pode ou não
acontecer.

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Portanto, compreendemos que a dependência química é • Problemas/ alterações de comportamento. 


uma doença multifatorial, também precisamos entender • Baixa resiliência e limitado repertório de habilidades
que cada um dos fatores biológicos, psicológicos e sociais. 
socioculturais possuem fatores de riscos, os quais serão • Expectativa positiva quanto aos efeitos das substâncias
descritos abaixo: de abuso.

Fatores Biológicos Fatores Sociais


• Predisposição genética. • Estrutura familiar disfuncional: violência doméstica,
• Capacidade do cérebro de tolerar presença constante abandono e carências básicas. 
da substância. • Exclusão e violência social.
• Capacidade do corpo em metabolizar a substância. • Baixa escolaridade. 
• Natureza farmacológica da substância, tais como • Oportunidades e opções de lazer precárias.
potencial de toxicidade e de dependência, ambas • Pressão de grupo para o consumo. 
influenciadas pela via de administração escolhida. • Ambiente permissivo ou estimulador do consumo de
substâncias. 

Fatores Psicológicos
Todos os elementos que compõe os fatores para o desencadeamento
• Distúrbios do desenvolvimento.
da dependência química são considerados FATORES DE RISCO.
• Morbidades psiquiátricas: ansiedade, depressão,
déficit de atenção e hiperatividade, transtornos de
personalidade.

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Fatores de risco e proteção na De forma semelhante, existem fatores que reduzem as


probabilidades de que a experimentação e abuso de drogas
dependência química ou o desenvolvimento da dependência química ocorram.
São chamados fatores de proteção, os quais veremos
Considera-se fator de risco alguma exposição que aumente detalhadamente a seguir.
a probabilidade de ocorrência de uma doença ou agravo
à saúde, podendo ocorrer em qualquer parte da cadeia No estudo da ciência de prevenção ao uso de drogas,
causal. discute-se muito o conceito de fatores de proteção, que,
inversamente aos fatores de risco, diminuem as chances
de ocorrência da experimentação e abuso de drogas ou
do desenvolvimento da dependência química. Atividades
esportivas ou religiosas, ambiente familiar acolhedor e
responsivo, alto envolvimento com atividades escolares
ou possuir habilidades socioemocionais são exemplos de
fatores de proteção.

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Em um levantamento realizado por Hanson (2002), IMPORTANTE: um fator de risco isolado não pode levar à
os principais fatores protetores ao uso de drogas por dependência química.
adolescentes incluem os demonstrados na figura a seguir.

Fonte: labSEAD-UFSC (2019), adaptado de Sanchez, Oliveira e Nappo (2004).

As ações desses fatores se influenciam mutuamente.


Desse modo, um fator de risco pode comprometer vários
campos da vida, ao ser potencializado por outros fatores
desfavoráveis, ou causar pouco ou nenhum dano ao
ser neutralizado por fatores protetores. Essa interação
determina a evolução do consumo de substâncias em
andamento.
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UNIDADE 4
SISTEMAS DIAGNÓSTICOS: CONCEITOS BÁSICOS E CLASSIFICAÇÕES

GLOSSÁRIO
A necessidade de uniformizar a linguagem e contabilizar
dados estatísticos acerca das doenças, estabelecendo
critérios para classificá-las se faz presente desde os Fisiopatologia é um ramo da medicina que se ocupa em
primórdios da Medicina. estudar os fenômenos que provocam alterações anormais no
organismo durante as doenças, com o objetivo de identificar
Para a psiquiatria, uma das áreas da Medicina, chegar a as origens e as etapas de formações das patologias.
um consenso sobre quais seriam os critérios que melhor
definem as doenças mentais é sempre um desafio por dois
motivos particulares:

1. as doenças mentais são compreendidas à luz


dos sintomas (o que os pacientes se queixam) e a
classificação dos sintomas se faz à luz da fenomenologia,
que depende da subjetividade de quem examina; e
2. os mecanismos fisiopatológicos das doenças mentais
são na maioria desconhecidos ou são multifatoriais.

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A dificuldade de consenso é potencializada pelo fato de Manuais de Diagnósticos de Doenças e


que as classificações exigem uma redução na qual um
fenômeno complexo é organizado dentro de categorias de
Transtornos Mentais
acordo com critérios pré-definidos e estabelecido com um
Atualmente, no Brasil, existem dois manuais de diagnósticos
ou mais propósitos.
comumente utilizados pelos profissionais da saúde: o
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
As classificações das doenças mentais têm o propósito de (DSM) e a Classificação Internacional de Doenças (CID).
uniformizar a comunicação, monitorar e controlar a incidência Ambos sofreram atualizações nos últimos anos, e suas
de doenças através do conhecimento da sua ocorrência e a versões atuais são: DSM-5-TR e CID-11.
modificação do seu curso através do tratamento, bem como
a compreensão dos processos envolvidos no desenvolvimento
e manutenção das doenças.

Exatamente por serem de múltiplas causas e por exigirem


tratamento de profissionais de áreas distintas, como
psicologia e medicina entre outras, é que os transtornos
relacionados ao uso de substância necessitam de
uniformização de critérios e de linguagem para descrevê-los.

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A Classificação Internacional de Doenças e Problemas 4.  Evidência de tolerância, sendo necessário cada vez
Relacionados à Saúde (também conhecida como mais doses para a obtenção de prazer originalmente
Classificação Internacional de Doenças – CID 11) é publicada produzido por doses mais baixas.
pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e visa padronizar 5.  Abandono progressivo de interesses e prazeres em
a codificação de doenças e outros problemas relacionados função do uso (estreitamento de repertório).
à saúde. A CID 11 fornece códigos relativos à classificação 6.  Persistência no uso da substância, apesar de
de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, evidências claras dos prejuízos.
aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e
Fonte: World Health Organization (WHO). International classification of diseases: ICD-10.
causas externas para ferimentos ou doenças. A cada Geneva; c2010. Disponível em: http:// www.who.int/classifications/icd/en/index.html.
estado de saúde é atribuída uma categoria única à qual
corresponde um código da CID 11.
Cabe ressaltar que estes critérios tendem a acontecer
simultaneamente explicitando a gravidade do caso.

Critérios Diagnósticos CID-11 DSM é a sigla inglesa para Diagnostic


and Statistical Manual que significa
“Manual de Diagnóstico e Estatística”
1.  Forte desejo ou senso de compulsão de consumir e o número 5-TR é usado para indicar
a substância.
que já foram feitas cinco revisões.
2.  Dificuldades de controle em termos de início, meio O DSM é uma referência para
e fim, e níveis de consumo.
profissionais da área da saúde mental
3.  Estado de abstinência fisiológico na falta da substância que lista diferentes categorias de
ou uso de substâncias similares com intenção de evitar
ou aliviar sintomas de abstinência. transtornos mentais e critérios para

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diagnosticá-los, de acordo com a Associação Americana de Critérios de Síndrome de Dependência


Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA). Ele é
usado ao redor do mundo por clínicos e pesquisadores bem
segundo o DSM-5-TR
como por companhias de seguro, indústria farmacêutica e
parlamentos políticos.
1.  O indivíduo pode consumir a substância em quantidades
maiores ou ao longo de um período maior do que
Manual Diagnóstico e Estatístico de pretendido originalmente.
Transtornos Mentais – DSM-5-TR 2.  O indivíduo pode expressar um desejo persistente
de reduzir ou regular o uso da substância e pode
relatar vários esforços malsucedidos para diminuir
O DSM-5-TR não apresentou alterações na categoria ou descontinuar o uso
diagnóstica “Transtorno por Uso de Substância”, definida
3.  O indivíduo pode gastar muito tempo para obter a
como “um padrão problemático de uso [de qualquer substância, usá-la ou recuperar-se de seus efeitos.
substância psicoativa], levando a comprometimento ou
4.  A fissura se manifesta por meio de um desejo ou
sofrimento clinicamente significativos”. De acordo com
necessidade intensos de usar a droga que podem
o DSM-5-TR, o diagnóstico do Transtorno por Uso de ocorrer a qualquer momento, mas com maior
Substância (TUS) está relacionado a um padrão patológico probabilidade quando em um ambiente onde a droga
de comportamentos subdividido em quatro grandes eixos: foi obtida ou usada anteriormente.
baixo controle, deterioração social, uso arriscado e critérios 5.  O uso recorrente de substâncias pode resultar no
farmacológicos. Quanto a gravidade, a presença de 2 ou 3 fracasso em cumprir as principais obrigações no
critérios caracteriza um transtorno por uso de substância trabalho, na escola ou no lar.
“leve”; 4 ou 5, um transtorno “moderado”; ao passo que o
“grave” possui ao menos 6 sintomas. (APA, 2022).
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6.  O indivíduo pode continuar o uso da substância apesar


de apresentar problemas sociais ou interpessoais
Encerramento
persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados
por seus efeitos. O conceito de síndrome de dependência representa uma
7.  Atividades importantes de natureza social, profissional importante ferramenta para o profissional da área, por
ou recreativa podem ser abandonadas ou reduzidas vários motivos:
devido ao uso da substância.
8.  Uso recorrente da substância em situações que 1. Ajuda a situá-lo quanto à existência e a gravidade do
envolvem risco à integridade física. problema, bem como auxiliá-lo no mapeamento dos
9.  O indivíduo pode continuar o uso apesar de estar fatores de proteção e risco, capazes de interferir na
ciente de apresentar um problema físico ou psicológico evolução do quadro diagnosticado.
persistente ou recorrente que provavelmente foi
causado ou exacerbado pela 2. Considera a dependência não apenas a partir de suas
10.  Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes características biológicas, valorizando igualmente os
aspectos: aspectos psicossociais envolvidos.
uma necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para
atingir a intoxicação ou o efeito desejado; 3. Representa um novo paradigma para o paciente e seus
acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de familiares, uma vez que proporciona explicações isentas
substância;
de moralismo e imprecisões.
11.  Síndrome de abstinência, manifestada por qualquer
um dos seguintes aspectos: 4. Os critérios diagnósticos, de natureza descritiva,
síndrome de abstinência característica para a substância; permitem ao profissional diagnosticar a dependência de
a mesma substância (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida
para aliviar ou evitar sintomas de abstinência; modo objetivo, independentemente de suas afinidades
teóricas acerca da etiologia da mesma.

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5. A terminologia coloquial, genérica e dotada de REFERÊNCIAS


imprecisões e moralismos, foi substituída por termos
baseados em observações clínicas e evidências AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Diagnostic and Statistical Manual of
Mental Disorders. Third Edition. Washington, DC: APA, 1980.
científicas.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Diagnostic and Statistical Manual of
Mental Disorders. Third Edition Revised. Washington, DC: APA, 1987.
Esperamos que este módulo tenha contribuído para o
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Manual diagnóstico e estatístico
entendimento da questão e que isso reflita em práticas de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. Disponível
mais assertivas em nossas áreas. Os efeitos colaterais que em: https://www.tdahmente.com/wp-content/uploads/2018/08/Manual-
Diagn%C3%B3stico-e-Estat%C3%ADstico-de-Transtornos-Mentais-DSM-5.
a Dependência Química traz para o indivíduo e sociedade pdf. Acesso em: 1º ago. 2019
são múltiplos e compreendem gastos diretos nos sistemas BORDIN; FIGLIE; LARANJEIRA, R. Aconselhamento em dependência química. São Paulo:
de saúde, judiciário e previdenciário, além dos danos a Roca.2004

terceiros. Ao melhoramos nossas práticas profissionais, CAMILO, C. P. Estudos epigenéticos em dependentes de crack e cocaína: investigação
da metilação global do genoma. Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina
estamos construindo uma sociedade melhor. da USP sob orientação do Prof. Dr. Homero Pinto Vallada Filho, São Paulo, 2015.
(Disponível em Biblioteca USP de Teses).

EDWARDS G, GROSS, M. Alcohol dependence: Provisional description of a clinical


syndrome. British Medical Journal. 1:1058-61; 1976.

EDWARS, GRIFFITH; LADER, MALCOLM et all. A natureza da dependência de drogas.


Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

EPSTEIN, E. E. (editors). Additions: a comprehensive guidebook. London: Oxford


University Press; 1999.

ESCOHOTADO, A. História elementar das drogas. 1ª ed. - Lisboa: Antígona, 2004.

GRANT, G. F.; DAWSON, D. A. Alcohol and drug use, abuse, and dependence:
classification, prevalence, and comorbidity. In: MCCRADY, B. S.;

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MESSAS, G. P. A participação da genética nas dependências químicas. Rev. Bras.


Psiquiatr., São Paulo, v. 21, supl. 2, p. 35-42, out. 1999. Disponível em: http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44461999000600010&lng=en&nr
m=iso. Acesso em: 13 July 2019.

RIBEIRO, M.; LARANJEIRA, R. Evolução do conceito de dependência química. In:


Analice Gigliotti; Ângela Guimarães. (Org.). Adição, dependência, compulsão e
impulsividade. 1ªed. Rio de Janeiro: Rubio, 2017, p. 57-68.

ROTGERS; NGUYEN, 2008, p. 279

VAILLANT, E. G. A história Natural do alcoolismo revisitada. Porto Alegre: Artmed, 1999.

VOLPICELLI, Joseph, Recovery Option. John Wiley Sons, Inc, New York, 2000

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). International Statistical Classification of


Diseases and Related Health Problems. Eighth Revision. Geneva: WHO, 1968.

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Diseases and Related Health Problems. Tenth Revision. Geneva: WHO, 1993.

ZWEIG, JM, PHILLIPS, BS & LINDBERG, LD. Predicting adolescent profiles of risk:
looking beyond demographics. Journal of Adolescent Health. 31:343-353. 2002.

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Curso EaD Tratamento da Dependência EXPEDIENTE


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Química no contexto Hospitalar (Hospital (Hospital Geral e Hospital Psiquiátrico) e das Clínicas Especializadas

Geral e Hospital Psiquiátrico) e das CENTRO DE ESTUDOS PAULISTA GESTOR DO PROJETO


Marcello Renato de Souza
DE PSIQUIATRIA - CEPP
Clínicas Especializadas COORDENADOR GERAL DO PROJETO
Cláudio Jerônimo da Silva FACULDADE PAULISTA DE
CIÊNCIAS DA SAÚDE - SPDM
COORDENADORA PEDAGÓGICA DO PROJETO
Clarice Sandi Madruga DIRETOR GERAL FPCS
Nacime Salomão Mansur
CONTEUDISTAS ESPECIALISTAS
Ana Paula Dias Pereira GERÊNCIA ADMINISTRATIVA
André de Queiroz Constantino Miguel Daniela Junqueira Stefani
Kátia Isicawa de Sousa Barreto
Leonardo Gomes Moreira NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Maria de Fátima Padin
Ronaldo Ramos Laranjeira COORDENAÇÃO
Sérgio Marsiglia Duailibi Susana Mesquita Barbosa
Susana Mesquita Barbosa
EQUIPE
CONTEUDISTAS CONVIDADOS Bruna Veroneze Léo
Eduarda de Oliveira Barbosa Claudia Scheidt Guimarães
Gleuda Simone Apolinário Eudes Miranda Bomfim
Guilherme Athayde Ribeiro Franco Expedito Alexandre da Silva Neto
Guilherme S. de Godoy Filho Juliana Prado Ferrari Spolon
Homero Pinto Vallada Filho Maycon Anderson Pires Novais
Joselaine Ida da Cruz
Juliane Piasseschi de Bernardin Gonçalves PROJETO EDITORIAL
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Paula Maria Greco Cipro
Quirino Cordeiro Junior
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