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O direito à restituição de recursos fornecidos por bancos

estrangeiros ao financiamento à exportação na falência


do banco repassador nacional

O DIREITO À RESTITUIÇÃO DE RECURSOS FORNECIDOS POR BANCOS


ESTRANGEIROS AO FINANCIAMENTO À EXPORTAÇÃO NA FALÊNCIA DO
BANCO REPASSADOR NACIONAL
Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais | vol. 36/2007 | p. 200 - 213 | Abr - Jun / 2007
Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 6 | p. 1193 - 1210 | Dez / 2010
DTR\2007\234

Fábio Ulhoa Coelho


Mestre e Doutor em Direito. Professor Titular de Direito Comercial na PUC-SP. Advogado.

Área do Direito: Bancário


Resumo: A publicização do direito falimentar é vista, pelo autor, como decorrência direta de um
movimento social no sentido de restrição jurídica à persecução dos direitos privados ocorrida ao
longo do século XX. Visto desta forma, o direito a restituição de recursos destinados ao
financiamento de exportação por bancos estrangeiros se deve à proteção ao interesse público de,
reduzindo os riscos da operação, diminuir o custo dos juros cobrados. Desta forma, o direito de
restituição, diferenciado de seu pedido, historicamente oriunda da proteção do direito de propriedade
daquele titular do domínio de bem indevidamente arrecadado em falência, independeria da
necessidade de arrecadação, podendo ser exercido independentemente de instauração de incidente
processual em falência, apesar da falta de previsão legal nesse sentido, mas embasado nos
princípios de celeridade e economia processual.

Palavras-chave: Direito falimentar - Investimentos - Exportação - Instituições financeiras - Direito de


restituição - Banco estrangeiro
Abstract: The author states that the bankruptcy law is gradually assuming characteristics of public
law, as a result of a social movement towards the legal restriction of the private rights which has been
happening along the twentieth century. Thence, the right to claim restitution of the investments on
exports made by foreign financial institutions is due to the protection of the public interest to lower the
interest rates and, therefore, reduce the risks of the operations. Consequently, the right for restitution
of funds, differentiated from its claim, which is historically derived from the protection of the property
rights attributed to the owner of the assets unduly arrested in the bankruptcy proceeding, would not
be dependent on the need for such collect. Therefore, this right could be claimed regardless of filing a
new suit dependant to the bankruptcy suit, despite the absence of legal rule in this sense, but based
on the principle of proceeding fastness and economy.

Keywords: Bankruptcy Law - Investments - Exports - Financial institutions - Restitution rights -


Foreign banks
Sumário:

1. Introdução - 2. A publicização do direito falimentar - 3. O interesse público voltado ao estímulo às


exportações - 4. Direito à restituição e pedido de restituição

1. Introdução

Decretada a falência de banco brasileiro, é provável que parte substantiva das operações de
antecipação aos exportadores com base em contrato de câmbio (ACC) tenha sido financiada por
recursos provenientes de outra instituição financeira, sediada no exterior. As leis bancária e
falimentar prevêem o direito à restituição de tais recursos, mas não detalha vários aspectos de sua
operacionalização pela administração da falência. O objetivo deste pequeno artigo é tratar de alguns
desses aspectos, notadamente a regra geral da dispensabilidade do pedido de restituição para o
exercício do direito. Para compreender adequadamente o tema, é necessário contextualizá-lo no
movimento muito mais abrangente de publicização do direito privado.

2. A publicização do direito falimentar

Embora possa nos parecer enraizada há tempos na cultura jurídica, a primazia do interesse público
sobre o particular é, na verdade, um valor relativamente recente. Se recuarmos pouco mais de um
século, já nos encontraremos num ambiente em que essa noção estava longe de gozar da espraiada
aceitação de hoje. No final do século XIX, na cultura jurídica de raízes européias, predominava ainda
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o valor de amplo prestígio do interesse privado, cultivado desde o direito romano.

O modelo liberal clássico de organização da economia, que, até então, vicejava sem nenhuma forte
oposição, propunha, aliás, exatamente o contrário - a precedência do interesse privado. A
conhecidíssima imagem de Adam Smith da mão invisível do mercado tinha por pressuposto que do
atendimento ao interesse egoísta de cada um resultaria naturalmente a realização do bem comum. 1
Ao Estado e à lei cabia unicamente garantir a cada cidadão o direito de perseguir, com ampla
liberdade, seu interesse privado; assegurado tal direito, tudo o mais se ajeitaria no modo do
atendimento do interesse geral.

O questionamento vigoroso dessa concepção ideal de organização econômica da sociedade,


empreendido pelos pensadores socialistas, principalmente os marxistas, resultou numa verdadeira
revolução kopernicana da relação de primazia entre os interesses público e privado. Ao longo do
século XX, cultivou-se o valor atualmente inquestionável de que o interesse privado deve sempre
ceder lugar ao público. Mais para o fim do século passado, identificaram-se no permeio os interesses
metaindividuais (difusos e coletivos), que, em certo sentido, também se sobrepõem aos privados.

No plano especificamente jurídico, a revolução kopernicana nos valores de organização da


sociedade traduziu-se pela noção de publicização do direito civil. Por meio desta expressão - não
inteiramente apropriada, é forçoso reconhecer -, pretendeu-se nomear a progressiva limitação
imposta pela ordem jurídica a direitos privados secularmente reconhecidos, como o da propriedade
ou o da liberdade de contratar. 2

É certo que tal revolução não se fez sem resistências. Um prestigiado autor francês, René Savatier,
em livro significativamente chamado Do direito civil ao direito público, alertava preocupado, em
meados do século XX, para o perigo que identificava na abrangente publicização do direito privado. 3
Mas o processo mostrou-se irrefreável. Na segunda metade do século passado, a doutrina civilista já
o reconhecia e o proclamava sem receios. Orlando Gomes, um dos civilistas brasileiros mais atentos
ao tema, escreveu em 1957: "Não se pode definir, com segurança, o sentido [da] mudança. Será,
para alguns, o da simples humanização do direito, o da sua democratização, ou o de sua
socialização. Não importa, porém, a qualificação que se dê ao movimento revisionista. O que se não
pode contestar é que o pensamento jurídico evoluiu no sentido de consagrar a supremacia dos
interesses coletivos sobre os individuais. A preocupação de dar satisfação às necessidades sociais
determinou profunda modificação no modo de conceber e tratar os direitos individuais da esfera
privada a ponto de tornar irrecusável a afirmação de que o direito civil está sofrendo transformações
radicais, à medida que concilia a liberdade do indivíduo com a justiça social". 4

O direito falimentar, capítulo do direito comercial e, portanto, do direito privado, não poderia ficar à
margem desse processo denominado de publicização. Também quem se debruça sobre a evolução
da legislação falimentar nota os marcantes traços da revolução kopernicana, que pôs no centro do
sistema os interesses públicos no lugar dos privados.

O emaranhado dos interesses conflitantes manifestados num processo falimentar tem a mesma e
única raiz: nem todos os credores serão satisfeitos em seus direitos. Quando o devedor quebra, é
inevitável o prejuízo dos credores, ou pelo menos de parte deles. O direito falimentar estabelece
hierarquias dos interesses em conflito, já que nem todos poderão ser integralmente atendidos. O
intérprete da lei falimentar deve ter presentes os valores prestigiados nessa hierarquização, de modo
a garantir o respeito aos objetivos pretendidos pelo legislador.

Aparentemente, mas só aparentemente, nesse emaranhado de interesses manifestados na falência,


conflitam apenas os individuais de credores; aparentemente, não haveria interesse público em jogo
(exceto quanto à hierarquização dos créditos tributários ou inscritos na dívida pública). Bem
examinada a questão, no entanto, percebe-se que o legislador, ao estabelecer certas hierarquias,
não está atento apenas ao interesse privado imediato de um credor do falido ou da massa - daquele
cujo pagamento antepôs ao dos demais; principalmente no decorrer da segunda metade do século
passado, o claro objetivo do legislador foi o de conferir primazia a interesse público. Nessas
hierarquizações, o legislador falimentar operou com conceitos diversos. Inicialmente, distinguiu os
credores da massa e os do falido, antepondo o pagamento daqueles ao destes. Nos fundamentos
dessa distinção, encontra-se a noção, inteiramente válida ainda hoje, de que a boa administração da
massa falida atende ao interesse do conjunto dos credores e, portanto, os encargos e dívidas dela
decorrentes devem ser pagos antes de iniciar-se, propriamente, o concurso dos credores do falido. 5
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Paulatinamente, em atenção a outros interesses que transcendiam os privados dos credores do


falido, não apenas os encargos e dívidas da massa foram, por obra da lei ou da jurisprudência,
antepostos aos dos credores do falido. 6

Na lei de 2005 (Lei 11.101/2005 - Lei de Falências - LF), adotou-se o conceito de créditos
extraconcursais para identificar os dispêndios com a boa administração da massa falida. São
pagamentos feitos no interesse do conjunto dos credores (remuneração do administrador, despesas
com a realização do ativo, honorários de advogado etc.), e que, por isso, antecedem o concurso.
Estão listados no art. 84 da Lei 11.101/2005. Alerta a doutrina sobre o descabimento de submeter
tais dispêndios ao concurso de credores e a rateio. 7Há, no entanto, rigorosamente falando, outros
créditos extraconcursais além dos listados no art. 84 da Lei 11.101/2005. São créditos que também
comportam pagamento antes do início do concurso de credores do falido. Refiro-me ao que a Lei de
Falência chamou de restituições em dinheiro.

Veja o art. 149 da Lei 11.101/2005: "Realizadas as restituições, pagos os créditos extraconcursais,
na forma do art. 84 desta Lei, e consolidado o quadro-geral de credores, as importâncias recebidas
com a realização do ativo serão destinadas ao pagamento dos credores, atendendo à classificação
prevista no art. 83 desta Lei, respeitados os demais dispositivos desta Lei e as decisões judiciais que
determinam reserva de importâncias". Nesse preceito, a lei estabeleceu a principal hierarquia dos
pagamentos que cabe ao administrador judicial observar. Em primeiro lugar, as restituições (em
espécie e em dinheiro); em segundo, o atendimento aos créditos listados na lei como
extraconcursais; em terceiro, os credores do falido, de acordo com a ordem legal.

Em outros termos, pelo disposto no art. 149 da Lei 11.101/2005, também as restituições em dinheiro
devem ser feitas antes do início do concurso dos credores do falido. São, nesse sentido, também
créditos extraconcursais, embora não contemplados na lista do art. 84 da Lei 11.101/2005. Em vista
da ordem estabelecida pelo art. 149 da Lei 11.101/2005, às restituições em dinheiro antecede
unicamente o pagamento das despesas indispensáveis à administração da falência (art. 150 da Lei
11.101/2005) e dos saldos salariais em atraso até o limite de cinco salários mínimos (art. 151 da Lei
11.101/2005). E, entre as restituições em dinheiro, não há dúvida, insere-se o crédito dos bancos
estrangeiros que fornecem recursos ao financiamento das exportações.

Com efeito, na falência do banco nacional, as instituições financeiras estrangeiras que haviam
financiado operações de antecipação de crédito a exportador com base num contrato de câmbio
(ACC) têm direito à restituição em dinheiro, como previsto claramente no art. 75, § 4.º, da Lei
4.728/65 e art. 86, II, da Lei 11.101/2005. A anteposição ao concurso de credores, na falência de
banco nacional, das restituições em dinheiro dos créditos oriundos de financiamento internacional
destinado a lastrear operações de ACC insere-se no movimento de publicização do direito privado.
Nessa anteposição (que só cede lugar às despesas inadiáveis da administração da falência e aos
saldos salariais limitados), o legislador deu primazia ao interesse público em detrimento de
interesses particulares.

3. O interesse público voltado ao estímulo às exportações

Não corresponde à adequada intelecção da lei postular que seriam todos privados os interesses em
conflito que ela supera pela anteposição dos créditos titulados por bancos estrangeiros financiadores
da exportação. No plano imediato, parece que a lei, ao garantir às instituições financeiras
estrangeiras a restituição do valor financiado antes de iniciar-se o concurso falimentar, estaria
atendendo ao interesse privado delas em detrimento do interesse, também privado, dos credores do
falido. Mas, na verdade, a definição dessa restituição em dinheiro como extraconcursal (isto é, como
um direito cujo atendimento deve ser feito antes do início do concurso) busca a realização de
verdadeiro interesse público, de fortalecimento da economia brasileira.

O estímulo às exportações não é exclusivo da política econômica brasileira dos nossos tempos,
caracterizada pela inserção no processo de globalização, com a abertura a investimentos
estrangeiros e integração de mercados. Também no modelo adotado até fim dos anos 80, por
governos tão diferentes como os de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck e os da ditadura militar,
caracterizado pela substituição das importações, o estímulo às exportações era buscado como um
dos mais importantes instrumentos de fortalecimento da economia nacional. Tanto na legislação
editada na vigência do modelo de substituição das importações (1945-1990) como na da inserção no
processo de globalização (1990-hoje), encontram-se mecanismos voltados ao barateamento do
financiamento das exportações. 8
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estrangeiros ao financiamento à exportação na falência
do banco repassador nacional

O financiamento à exportação mereceu a atenção do legislador tanto na hipótese de falência do


exportador financiado como no de instituição financeira nacional repassadora de recursos
provenientes do exterior.

Desde 1965, a lei assegura, na falência do exportador, às instituições financiadoras da exportação o


direito à restituição dos valores adiantados com base num contrato de câmbio (art. 75, § 3.º, da Lei
4.728/65). Valendo-se da linguagem do legislador de 2005, pode-se afirmar que, há mais de 40 anos,
o financiamento à exportação fundado em contrato de câmbio é tratado, na falência do exportador,
como crédito extraconcursal, isto é, como direito atendível antes de iniciar-se o concurso de credores
do falido. Ao estabelecer a anteposição desse pagamento, a lei reduz o risco da instituição financeira
associado à falência do exportador. Na medida em que não precisa concorrer com os demais
credores, têm aumentadas as chances de recuperação do valor financiado, mesmo na quebra do
devedor. Desse modo, preservada parcialmente desse risco, pode praticar taxas de juros menores,
nas quais não computa o spread correspondente à insolvência do devedor. 9Ao facilitar o retorno à
instituição financeira do valor adiantado ao exportador, a lei falimentar barateia o financiamento da
exportação, estimulando-a. A lei não poderia, forçoso é reconhecer, dar qualquer estímulo sem, de
algum modo, privilegiar a posição desse credor em particular. 10

Numa operação de ACC não lastreada em recursos provenientes do exterior, a garantia do banco
financiador (nacional) é o recebimento do preço das mercadorias exportadas, cujo pagamento será
feito pelo comprador (estrangeiro) ou, mais comumente, pelo banco (também estrangeiro) emitente
de carta de crédito (crédito documentário). Quando as mercadorias exportadas são entregues ou
embarcadas (dependendo da condição contratada com o comprador: FOB, FAS, CIF etc.), o
exportador tem o direito de receber esse preço. Com base no contrato de câmbio, as divisas
correspondentes são, então, entregues ao banco que fez a antecipação. Esta estrutura negocial é a
garantia dele. Se, porém, antes da entrega ou embarque das mercadorias e conseqüente
vencimento da obrigação do comprador, ocorrer a falência do exportador, nenhuma divisa será
entregue ao banco que procedeu à antecipação; ele perde inevitavelmente a garantia de que
dispunha. Nessa hipótese, tem este banco direito à restituição do valor antecipado (art. 75, § 3.º, da
Lei 4.728/65). Se a lei falimentar não assegurasse ao banco financiador da exportação um crédito
extraconcursal (via pedido de restituição), os juros cobrados dos exportadores nesse tipo de
operação financeira teriam de ser maiores para absorver o risco associado a tal eventualidade.
Como titulariza crédito extraconcursal, a instituição financeira que procedeu ao adiantamento em
favor do exportador será paga antes dos credores, minimizando-se dessa forma o risco de não
recebimento. 11

Idêntico objetivo de facilitação e barateamento do financiamento à exportação, lastreado em contrato


de câmbio, moveu o legislador quando da previsão do direito reconhecido às instituições financeiras
estrangeiras à restituição dos valores antecipados ao exportador, na falência da instituição financeira
nacional repassadora. É a hipótese abrigada no art. 75, § 4.º, da Lei 4.728/65.

Essa disposição foi introduzida na lei de mercados de capital pela MedProv 1.113, de 12.09.1995
(convertida na Lei 9.450/97), na esteira dos efeitos deletérios da intervenção no Banco Econômico,
decretada no mês anterior. Naquela época, houve forte retração, no mercado financeiro
internacional, ao financiamento de exportadores brasileiros, porque as instituições estrangeiras não
conseguiram recuperar com facilidade os valores dos financiamentos concedidos.

A exposição de motivos da MedProv 1.113/95 refere-se à necessidade de se estenderem às


instituições financeiras estrangeiras, na falência do banco nacional repassador, as mesmas garantias
asseguradas na lei aos bancos brasileiros que antecipam ao exportador com base num contrato de
câmbio: "A redação atual do referido art. 75 já contém mecanismo parcial de proteção aos
Adiantamentos por conta de Contratos de Câmbio - ACC, ao assegurar, em seu § 3.º, às instituições
financeiras nacionais, em caso de falência ou concordata dos exportadores brasileiros, a restituição
dos valores adiantados. Esse mecanismo, no entanto, não protege a operação em seu ciclo
completo, já que não alcança a operação inicial, materializada na linha de crédito comercial entre o
banco estrangeiro e o nacional, que dá suporte à operação subseqüente, de financiamento ao
exportador pelo banco nacional, através de adiantamentos por conta do contrato de câmbio. As
linhas de crédito colocadas à disposição dos exportadores, pelas instituições financeiras,
desempenham papel de crucial importância para o fluxo comercial do País. Daí a necessidade de
mecanismo que proteja tais linhas de crédito de eventuais traumas no mercado, causadas por
intervenções ou liquidações extrajudiciais de instituições financeiras sediadas no País. Esse
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estrangeiros ao financiamento à exportação na falência
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mecanismo resume-se a estabelecer, legalmente, a regra de que as importâncias adiantadas aos


exportadores serão destinadas, na hipótese de falência, liquidação extrajudicial ou intervenção em
instituição financeira, ao pagamento de linhas de crédito comercial que lhes deram origem".

Em suma, a legislação bancária e falimentar em vigor, visando facilitar e baratear o financiamento às


exportações, hierarquizaram o crédito decorrente de adiantamento lastreado em ACC, elevando-o à
categoria de extraconcursal em duas hipóteses: na falência do exportador, em benefício do banco
nacional que procedeu à antecipação; e na falência do banco nacional repassador, em benefício da
instituição financeira estrangeira que abriu a linha de crédito usada no financiamento de exportador.
Ao fazerem tal hierarquização, visaram muito mais atender ao interesse nacional de estímulo às
exportações que ao interesse privado das instituições financeiras relacionado à recuperação de seu
crédito. 12 É evidente que tais interesses se casam, não sendo minimamente possível atender-se a
qualquer um deles desprezando o outro; mas o objetivo do legislador foi, inegavelmente, o de tutelar
o fortalecimento da economia brasileira - é isto que mirou em primeiro lugar.

Ao definir o direito à restituição do adiantado aos exportadores, com base num contrato de câmbio,
como crédito extraconcursal na falência do banco nacional repassador, o direito falimentar brasileiro
manifesta sua publicização; isto é, sua inserção no movimento de afirmação da primazia dos
interesses públicos sobre os particulares - representados aqueles pela efetividade da garantia
prometida legalmente às instituições financeiras estrangeiras (de que depende a continuidade do
fluxo do crédito comercial internacional); e estes, pelos direitos titulados pelos credores do falido, que
devem aguardar o atendimento às restituições (e satisfação dos demais créditos extraconcursais)
antes de entrarem em concurso.

4. Direito à restituição e pedido de restituição

Constitui-se o direito à restituição, titulado pelos bancos estrangeiros fornecedores de recursos


destinados ao financiamento da exportação por meio de ACC com a celebração do contrato
financeiro com o banco nacional repassador, que nasce com a entrega do objeto. Não há, portanto,
fundamento legal para exigir-se, como condição para a restituição, a prévia arrecadação dos
recursos na falência do banco nacional repassador e a subseqüente apresentação pelo estrangeiro
de pedido de restituição no processo falimentar.

Historicamente, o pedido de restituição destinava-se apenas a tutelar os direitos do proprietário de


bem indevidamente arrecadado na falência. Tanto assim, que, na lei de 1945, o lesado tinha a
alternativa de optar entre o pedido de restituição e os embargos de terceiro (art. 79 e § 1.º, do
Dec.-lei 7.661/45). 13 O pedido de restituição era, nesse contexto inicial, apenas o procedimento
falimentar apropriado e mais célere para resolverem-se eventuais excessos no ato de constrição
judicial dos bens do falido. 14 A doutrina chamava-o de instrumento de depuração da massa falida (ou
desintegração, como preferiam alguns), 15 já que destacava do conjunto de bens arrecadados
aqueles que não integravam o patrimônio do falido, embora se encontrassem em sua posse.

A restituição de mercadorias entregues ao falido às vésperas da falência (art. 85, parágrafo único, da
Lei 11.101/2005), percebe-se desde logo, tem objetivo e fundamento completamente diverso. Já
contemplado na lei de 1945, esse pedido de restituição não visa a depuração da massa falida. Não
tem, em outros termos, o objetivo de resolver excesso eventualmente cometido na arrecadação. Seu
objetivo é coibir a má-fé presumida do comerciante falido, que não se recusou a receber novas
mercadorias, mesmo provavelmente sabendo não dispor de meios para pagar por elas. Em 1965,
criou-se, no direito brasileiro, terceira hipótese de restituição, destinada, como dito acima, a contribuir
para o fomento das exportações, mediante o barateamento e facilitação do seu financiamento.
Finalmente, a lei de 2005 agregou à lista uma quarta espécie de restituição. É a prevista no art. 136
da Lei 11.101/2005, que a assegura ao contratante de boa-fé, quando decretada a ineficácia objetiva
ou subjetiva de contrato do falido.

Note-se que o único traço comum às quatro hipóteses de restituição é a natureza de direito
extraconcursal, ou seja, de direito a ser atendido antes de iniciado o concurso de credores.

Há, no entanto, que se distinguir a restituição como direito material e o pedido de restituição, como
procedimento incidental ao processo falimentar. Nem todo direito à restituição exerce-se
necessariamente por meio de pedido de restituição. Há aqueles que só podem ser exercitados por
esse meio processual e há aqueles cujo exercício não se faz por este procedimento.
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O direito à restituição de recursos fornecidos por bancos
estrangeiros ao financiamento à exportação na falência
do banco repassador nacional

A restituição de bens indevidamente arrecadados (art. 85, caput, da Lei 11.101/2005) é exemplo de
direito exercitável exclusivamente por meio do pedido de restituição. Ao administrador judicial não
confere a lei a competência para rever o próprio ato de arrecadação e dele destacar o que
eventualmente arrecadou a mais. Quer a lei que o juiz, após a manifestação do falido, do Comitê de
Credores, do administrador judicial e dos credores, decida se houve ou não o excesso, razão pela
qual elege como meio apropriado o pedido de restituição. Também a restituição de mercadorias
entregues às vésperas da falência (art. 85, parágrafo único, da Lei 11.101/2005) só se pode exercitar
por meio deste procedimento.

Já a restituição dos valores correspondentes ao direito do contratante de boa-fé, no caso de


revogação ou ineficácia do contrato, sempre prescinde de pedido de restituição. Será feita em
dinheiro, segundo o previsto no art. 86, III, da Lei 11.101/2005, e independentemente de maiores
formalidades procedimentais. É decorrência natural e necessária da sentença proferida na ação
revocatória (ou, no caso de ineficácia objetiva, do despacho exarado pelo juiz da falência).
Reconhecida definitivamente a ineficácia subjetiva ou objetiva de qualquer contrato do falido, caberá
ao administrador judicial simplesmente cumprir a determinação judicial em todas as suas implicações
e entregar o dinheiro ao titular do direito (o contratante de boa-fé). De fato, corresponderia à mera
formalidade absolutamente sem sentido exigir-se daquele que, tendo sido alcançado pelos efeitos da
coisa julgada emanados de decisão proferida em ação revocatória (ou da definitividade do despacho
lançado processo falimentar), ainda precisasse manejar o pedido de restituição para ver efetivado
seu direito material à restituição.

Em relação às restituições em dinheiro, a regra é a da dispensabilidade do pedido de restituição.


Esta regra não está escrita na vigente lei de falências, mas decorre diretamente dos princípios de
celeridade e de economia processual que, desde sempre, presidem o processo falimentar (art. 75,
parágrafo único, da Lei 11.101/2005). Particularmente em relação às restituições fundadas no art. 75,
§ 4.º, da Lei 4.728/65, não há sentido em submeter o atendimento do direito material ao
procedimento do pedido de restituição. Ao administrador judicial cabe, assim, verificar a presença do
único pressuposto para a existência do direito - vinculação da operação financeira entre o banco
estrangeiro e o nacional ao financiamento de exportador via ACC - e proceder à restituição.

Por outro lado, não se coaduna com a sistemática da vigente lei falimentar burocratizar o
atendimento ao direito à restituição, com a implicação única de transferir do administrador judicial
para o juiz a conferência deste único pressuposto. Ao juiz devem ser reservadas apenas as tarefas
próprias de sua função constitucional de dizer o direito. Ficar consultando telas no computador ou
relatórios impressos do Sisbacem ou do Swift, para buscar a confirmação da vinculação referida é
atribuição que evidentemente escapa desta nobre função, podendo dela se desincumbir o
administrador judicial.

Evidentemente, se o administrador proceder à restituição descabida ou deixar de restituir o que é


devido, surgirá o conflito a ser dirimido pelo juiz da falência, no exercício de sua função
constitucional. Mas sujeitá-lo a fazer controles típicos de atividade administrativa - indesejada e real
implicação de se exigir o pedido de restituição na hipótese - é desvirtuar a natureza da magistratura.

Em função igualmente da clara distinção entre direito à restituição e pedido de restituição, não faz
sentido também se exigir a prévia arrecadação dos recursos a serem restituídos como condição ao
atendimento do direito dos bancos estrangeiros. O pedido de restituição é o meio adequado para
coibir excessos na arrecadação. Não há dúvida: di-lo o art. 85, caput, da Lei 11.101/2005. Mas disso
não se segue que todo direito à restituição tenha por pressuposto um excesso de arrecadação.
Como visto, há quatro hipóteses de direito de restituição, que, em comum, têm apenas a
extraconcursalidade, quer dizer, o atendimento anterior ao início do concurso entre os credores do
falido. Se para uma das hipóteses de direito de restituição, a lei inegavelmente elegeu como
condição a prévia e indevida arrecadação, isso não significa que esta mesma condição teria também
pertinência em relação às demais hipóteses. Ao contrário, cada uma delas está sujeita aos seus
próprios requisitos.

A restituição dos recursos fornecidos por bancos estrangeiros para o banco nacional repassador
independe de prévia arrecadação, em função mesmo da dinâmica da operação financeira em foco.
Na verdade, apenas as restituições em espécie dependem de prévia arrecadação, na medida em
que o específico bem a ser restituído deve encontrar-se sob a guarda do administrador judicial.
Quando a restituição é em dinheiro, em vista de sua intrínseca fungibilidade, a prévia arrecadação
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O direito à restituição de recursos fornecidos por bancos
estrangeiros ao financiamento à exportação na falência
do banco repassador nacional

mostrar-se-ia condição a rigor impossível. Mesmo a circunstância de, no dia da decretação da


intervenção, liquidação extrajudicial ou falência do banco repassador nacional, não existir como
disponibilidade dinheiro suficiente para as restituições dos ACC liquidados anteriormente, não é
suficiente para justificar-se a prévia arrecadação como requisito.

O dinheiro entregue pelos bancos estrangeiros ao banco nacional repassador não está
evidentemente "carimbado", mesmo sendo a operação vinculada ao fomento da exportação via ACC.
Se o banco repassador não lhe dá a destinação apropriada ou, recebendo o pagamento do
exportador (ou do representante bancário do importador), deixou de honrar seu compromisso junto
ao banco estrangeiro fornecedor dos recursos, isto em nada altera a existência e extensão do direito
à restituição por este titularizado. Imagine-se, apenas para argumentar, que o banco brasileiro, após
a liquidação de uma operação de ACC, em vez de pagar o estrangeiro fornecedor dos recursos, dá
aos valores recebidos destinação diversa: amortização do devido em razão da construção de um
suntuoso imóvel, por exemplo. É mais do que justo, jurídico e racional que recursos administrados
pela massa falida (incluindo o produto da realização do ativo) sejam empregados na restituição do
banco estrangeiro preterido em seus direitos.

Em outros termos, como o banco estrangeiro titula direito extraconcursal, em nenhuma hipótese ele
participará do concurso de credores do falido (que, aliás, só terá início depois de feitas todas as
restituições, como determina o art. 149 da Lei 11.101/2005, inclusive as correspondentes às
operações liquidadas antes da intervenção). Se assim é, então não há nenhum "avanço" sobre o
patrimônio do falido "destinado" à satisfação dos credores, quando se constata a inexistência de
disponibilidades de caixa em montante suficiente para atender às operações de ACC já liquidadas.

Aliás, seria bastante estranho - mesmo em se tratando de banco com administração altamente
criativa - que os valores recebidos na liquidação do ACC ficassem "parados" em caixa enquanto não
honradas as obrigações junto aos bancos estrangeiros fornecedores dos recursos. Quer dizer, a
inexistência de disponibilidades de caixa suficientes para o atendimento dos bancos fornecedores de
recursos de ACC liquidados nada sugerem de anormal. Não é possível extrair-se desse fato qualquer
limitação ao direito à restituição, já que se está falando de dinheiro e não de mercadorias infungíveis.

Em conclusão, o que torna restituível, com base no art. 75, § 4.º, da Lei 4.728/65, determinados
recursos é o fato de terem sido entregues ao banco nacional repassador falido para o fim específico
de lastrear operação de ACC. Cumprida essa condição, existe o direito à restituição. O pedido de
restituição é, em princípio, dispensável nessa hipótese. Mas o banco estrangeiro pode apresentá-lo
(e, a rigor, em alguns casos, deve fazê-lo) quando o seu direito à restituição não for atendido, pelo
administrador judicial, por qualquer razão. Quando apresentado o pedido de restituição fundado na
inexistência de disponibilidade em caixa entre os recursos administrados pela falência, ele serve
como uma espécie de pedido de "reserva" para o atendimento a direito extraconcursal. Trata-se,
aqui, de uma faculdade que pode ser exercitada pelo banco estrangeiro, para melhor resguardo de
seus interesses. Quando, por outro lado, o pedido de restituição é apresentado porque o
administrador judicial se recusou a fazer o repasse (digamos, porque entendeu não ter sido
suficientemente provada a vinculação a operação ACC), ele serve como procedimento judicial
adequado à superação do conflito de interesses. O juiz, ao decidir o pedido de restituição, neste
caso, está dizendo o direito, pondo fim ao conflito entre o pretendido pela instituição requerente e o
negado pelo administrador judicial. Neste caso, trata-se do procedimento judicial apropriado e, nesse
sentido, perde o caráter de facultatividade.

4. CONCLUSÃO

São duas relações jurídicas distintas: de um lado, a derivada do contrato entre o banco estrangeiro e
o banco nacional repassador; de outro, a decorrente do negócio entre o banco nacional repassador e
o exportador. Há, claro, uma vinculação entre elas, posto que o direito à restituição titulado pelo
banco estrangeiro deriva da circunstância de ter financiado a exportação via ACC. Mas esta
vinculação não vai a ponto de desnaturar a distinção entre as duas relações jurídicas. Aliás, só é
passível de vinculação o que não se confunde. Relações jurídicas interligadas a ponto de se
confundirem não podem ser, estritamente falando, "vinculadas".

Como quer que seja, é certo que o banco repassador tem ganho com a operação. Ele é intermediário
e, como tal, busca o lucro. Em geral, o ganho do banco repassador é direto: ele cobra do exportador
juros maiores do que os devidos ao banco estrangeiro. Normalmente, é cobrando do exportador mais
do que deve ao fornecedor dos recursos financeiros que o banco repassador aufere seu ganho com
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O direito à restituição de recursos fornecidos por bancos
estrangeiros ao financiamento à exportação na falência
do banco repassador nacional

a operação. Contudo, pode ser que, por razões de mercado (concorrência de outros bancos
nacionais), regulatórias (normas administrativas do Banco Central) ou outras, o banco repassador
não consiga embutir nos juros a totalidade de seu ganho. Procurará, nesse caso, obtê-lo por outros
meios, como a negociação com o exportador de uma espécie de contrapartida, mediante a aplicação
de parte dos recursos em títulos de emissão de empresas do seu grupo econômico, bancárias ou
não. Busca o banco repassador, aqui, uma espécie de ganho indireto.

Mas estas questões, atinentes aos meios pelos quais o banco repassador irá auferir seu ganho no
repasse dos recursos aos exportadores financiados (se direta ou indiretamente), em nada interferem
com a relação jurídica entre ele e os bancos estrangeiros fornecedores de tais recursos. São
questões que interferem unicamente nos direitos dos sujeitos da relação contratual correspondente,
isto é, o banco nacional repassador e o exportador financiado. Exatamente por serem relativas à
forma pela qual a instituição nacional busca obter ganhos na atividade de repasse de financiamento
da exportação via ACC, elas não projetam efeitos para outras relações jurídicas (princípio da
relatividade contratual), inclusive a que a aproximava do banco estrangeiro fornecedor dos recursos
repassados.

Em outros termos, da mesma forma que o banco estrangeiro não participa minimamente dos ganhos
que o banco nacional repassador tem ou pretendia ter no contrato de adiantamento de câmbio
celebrado com o exportador, também não pode sofrer prejuízo por força do mesmo negócio. Em
decorrência, os exportadores financiados não podem pretender a compensação do que devem com
créditos detidos contra este último ou mesmo opor outra forma de liquidação de suas obrigações,
inclusive a dação em pagamento com títulos emitidos por empresas ligadas, de fato ou de direito, ao
banco nacional repassador. Ademais, ainda que algum exportador venha a ter, em juízo,
eventualmente reconhecido qualquer direito oponível ao banco repassador, isto em nada altera a
existência e extensão do direito do banco estrangeiro fornecedor dos recursos financiados.

Quer dizer, se a massa falida do banco nacional repassador eventualmente não receber do
exportador todo o valor financiado via ACC, por força de decisão judicial que reconhece a este direito
à compensação, dação em pagamento ou de outro, tal fato não interfere minimamente com a
existência e extensão do direito titulado pelo banco estrangeiro fornecedor dos recursos empregados
no financiamento. Partícipe de relação jurídica diversa, o banco estrangeiro não pode nem ganhar,
nem perder com o que foi contratado exclusivamente entre o repassador nacional e o exportador.

1. Embora em sua obra mais importante ( Investigação sobre a riqueza das nações, 1776), Adam
Smith não tenha retomado a imagem da mão invisível do mercado, apresentada numa obra
precedente, de menor importância ( Teoria dos sentimentos morais, 1759), é inegável que a metáfora
ficou indelevelmente associada ao fundador da economia política, como referência nuclear de sua
teoria.

2. Como ensina José Lourenço: "As grandes crises precedem as mudanças sociais, sociológicas e
econômicas da humanidade. Não foi diferente com o movimento do individualismo, que teve seu
apogeu nos séculos XVIII e XIX, resultante das concepções jusnaturalistas e iluministas expressas
sobretudo no Code Civil de Napoleão e no BGB. O indivíduo, com sua liberdade e autonomia
inquebrantáveis, era visto como o centro por excelência do universo jurídico, e o direito civil como 'a
garantia dos fins individuais relativos aos bens e à família'. No século XX, individualismo iniciou sua
crise, entrando em decadência na medida em que foi sendo reduzido em prol do interesse comum -
especialmente após a 2.ª Guerra Mundial, momento histórico que modificou bastante os aspectos
econômicos das sociedades por todo o mundo. Todas as nações, com variados graus de rigor,
inclinaram-se à questão social, com uma progressiva intervenção do Estado, que limitou, quando não
eliminou totalmente, a propriedade privada e a autonomia da vontade nas relações
microeconômicas. A publicização do direito demonstra, assim, a definitiva superação do
individualismo do século XIX e a conseqüente decadência do liberalismo econômico e político.
Portanto, o século XX é marcado pelo predomínio dos interesses gerais sobre os particulares e, a
partir de sua segunda metade, aos interesses gerais agregaram-se os interesses difusos, tutelados
pela sociedade em si mesma - poder independente do Estado". O dirigismo contratual, a publicização
do direito privado pela intervenção do Estado e a heteronomia da vontade como príncípio do
contrato. In: Maria Helena Diniz; Roberto Senise Lisboa (coord.). O direito civil no século XXI. São
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O direito à restituição de recursos fornecidos por bancos
estrangeiros ao financiamento à exportação na falência
do banco repassador nacional

Paulo: Saraiva, 2003, p. 336; os grifos não são do original.

3. Referindo-se às poucas limitações que o Código Napoleão e legislação nele inspiradas


estabeleciam ao direito da propriedade, Savatier escreveu: "Or, que sont ces restrictions timides et
exceptionnelles, à côté de l'ampleur que prennent aujourd'hui l'ordre public, l'economie dirigée, la
socialisation de la responsabilité civile, les constructions sociologiques modernes. Elles ont poussé,
dans le code civil, et surtout, à coté de ce code civil, des dispositions qui l'enserrent et menacent
parfois de l'étouffer. Ce sont justement ces dispositions dont nous aurons à souligner l'importance. La
face du mode juridique en est toute changée. Elle l'est au point qu'un péril noveau surgit: lui aussi
d'ordre philosophique; cést de subordonner systématiquement, doctrinalement, l'homme au social, la
personne humaine à la personne publique, l'individu au collectif". Du droit civil au droit public. 2. ed.
Paris: LGDJ, 1950, p. 9.

4. Introdução ao direito civil. 15. ed. atual. por Humberto Theodoro Jr. Rio de Janeiro: Forense, 2000,
p. 72 (a primeira edição é de 1957).
Dez anos depois, Orlando Gomes era mais incisivo: "Orienta-se modernamente o direito das
obrigações no sentido de realizar melhor equilíbrio social, imbuídos seus preceitos, não somente da
preocupação moral de impedir a exploração do fraco pelo forte, senão, também, de sobrepor o
interesse coletivo, em que se inclui a harmonia social, aos interesses individuais de cunho
meramente egoístico. (...) Rechaçada pela maior parte dos contemporâneos escritores de direito
civil, a doutrina individualista foi batida em seus próprios fundamentos éticos e culturais, ruindo com
ela, assim, a jurisprudência dos conceitos, tão excelentemente construída pelos pandectistas, como
os pressupostos filosóficos em que se alicerçava". Transformações gerais no direito das obrigações.
2. ed. São Paulo: RT, 1980, p. 1 e 3; a primeira edição é de 1967.

5. De se notar, a propósito, que na lei de 1945, os encargos e dívidas da massa, pela letra fria da
norma, deviam ser atendidos após o pagamento dos credores trabalhistas, fiscais, com garantia real
e com privilégio especial (arts. 124 e 125, do Dec.-lei 7.661/45); mas a jurisprudência aos poucos
assentou-se no sentido da antecipação das mais importantes, como a remuneração do síndico e os
gastos com a administração dos bens da massa. De fato, mostrara-se impossível a administração
profissional da falência sem o síndico ter razoável garantia de remuneração.

6. Em 1981, por exemplo, o Dec.-lei 1.893 conferiu aos créditos da Fazenda Nacional decorrentes de
multas ou penalidades pecuniárias aplicadas até a data da falência a natureza de encargos da
massa falida.

7. Sustenta Rachel Sztajn: "Objetivamente é de reconhecer que sujeitá-las [ obrigações surgidas


após a decretação da falência] ao concurso e à regra de rateio viria em detrimento de todos, devedor
falido e credores, porque alguns serviços fundamentais para o processamento do feito dificilmente
seriam prestados sem pagamento antecipado, o que imporia mais ônus do que benefícios a todos.
Por isso que se exclui do concurso certas obrigações que são incorridas na administração da massa
(...)". Paulo F. C. Salles de Toledo; Carlos Henrique Abrão (coord.). Comentários à Lei de
Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva, 2005. Obra coletiva. p. 402.

8. Exemplo significativo encontra-se no regime tributário das cédulas ou notas de crédito à


exportação. Por força do art. 2.º da Lei 6.313, de 1975, "os financiamentos efetuados por meio de
Cédula de Crédito à Exportação e da Nota de Crédito à Exportação ficarão isentos do Imposto sobre
Operações Financeiras de que trata a Lei 5.143, de 20 de outubro de 1966". Os financiamentos por
meio de título diverso, como a Cédula de Crédito Bancário, não gozam do mesmo benefício
tributário.

9. Para Jairo Saddi e Armando Castelar Pinheiro: "A qualidade da legislação e a proteção que ela
confere a devedores e credores são importantes determinantes tanto da taxa de juros como do
tamanho e da composição do mercado de crédito. Idealmente deve-se procurar um equilíbrio entre
incentivar o devedor a buscar recursos e tomar riscos - e para isso ele deve ter alguma proteção em
caso de fracasso -, e estimular o credor a emprestar de forma que haja empréstimos disponíveis em
quantidade e nas condições apropriadas. (...) A evidência empírica indica que a boa proteção legal
aos credores leva a juros mais baixos e a um mercado de crédito mais ativo". Direito, economia e
mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 201.
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O direito à restituição de recursos fornecidos por bancos
estrangeiros ao financiamento à exportação na falência
do banco repassador nacional

10. Como ensina Manoel Justino Bezerra Filho: "(...) esta restituição estabelecida no § 3.º do art. 75
da Lei 4.728, de 1965 teve por finalidade assegurar uma garantia extra aos bancos que atuam no
contrato de câmbio, colocando a instituição financeira em posição privilegiada relativamente aos
demais credores do concordatário e do falido, pretendendo desta forma incentivar as exportações, no
afã de conseguir o maior número de divisas em moeda forte externa. Em que pese a posição do
privilégio na qual é colocado o crédito do banco (e os privilégios, em princípio, são odiosos), a
verdade é que a lei, muitas vezes, funciona como instrumento de estímulo para determinado tipo de
atividade comercial, o que ocorre no caso. Concedendo um verdadeiro privilégio ao banco,
pretendeu o legislador dar estímulo ao mesmo banco para que se coloque em posição de conceder o
adiantamento com maior facilidade e, desta forma, incentivar a exportação". A restituição ao banco
do valor do adiantamento efetuado em contrato de câmbio para exportação, em caso de falência ou
concordata do exportador - Exame da Súmula 133 (MIX\2010\1386) do STJ. RT 765/121.

11. Sobre o tema, escrevi: "A facilitação e barateamento do financiamento aos exportadores
representam (...) medida do interesse nacional. Quanto maiores forem as garantias de recuperação
do dinheiro emprestado aos exportadores pelos bancos, menores serão os juros praticados. Isso
porque parte das taxas cobradas pelas instituições financeiras é pressionada pelos riscos associados
à insolvência do devedor. Ao estabelecer a lei a restituição das quantias adiantadas ao exportador
falido com base num contrato de câmbio, definindo o crédito da instituição financeira como
extraconcursal, atenua-se o risco associado à insolvência e, conseqüentemente, os juros cobrados
nessa linha de financiamento. Em outros termos, o pedido de restituição do art. 75, § 3.º, da Lei
4.728/65 contribui para a facilitação e o barateamento do financiamento às exportações; ajuda, em
última instância, o enfrentamento do desafio nacional pela redução da dependência externa". Curso
de direito comercial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 3, p. 336.

12. Como destaca Rubens Requião: "(...) o § 3.º [do art. 75, da Lei 4.728/65] dispõe que 'em caso de
falência ou concordata, o credor poderá pedir a restituição das importâncias adiantadas, a que se
refere o parágrafo anterior'. Essas vantagens excepcionais que cercam as operações de câmbio se
explicam e se justificam pela preocupação do governo em estimular e ampliar as exportações, ponto
cruciante da política desenvolvimentista de nosso País". Curso de direito falimentar. 15. ed. São
Paulo: Saraiva, 1993. v. 1, p. 252.

13. Na lei de 2005, não há mais a possibilidade de opção. Marcus Elidius M. de Almeida comentou a
mudança: "Os embargos de terceiro foram mantidos na nova Lei de Falências, porém em caráter
residual, ou seja, quando não for possível o pedido de restituição, poderá o interessado se valer dos
embargos, observada a legislação processual civil; é o que determina o art. 93 da Lei 11.101/2005
(...). Percebe-se que houve substancial alteração uma vez que anteriormente era facultado ao
requerente propor uma ou outra ação - quando possível, as duas. Agora os embargos somente são
cabíveis quando não for o caso de pedido de restituição. O art. 1.046, do CPC (LGL\1973\5) e
seguintes estabelecem a possibilidade dos embargos de terceiro para aquele que sofrer turbação ou
esbulho na posse de seus bens em razão, dentre outros motivos, da arrecadação". O pedido de
restituição e os embargos de terceiro em face da nova Lei de Falências. In: Luiz Fernando Valente
de Paiva (coord.). Direito falimentar e a nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São
Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 320.

14. Embora houvesse quem criticasse a alternatividade prevista na legislação falimentar anterior,
apontando para hipóteses em que só cabiam os embargos de terceiro, como no caso de mero
esbulho da posse intentado pela administração da falência. Miranda Valverde. Comentários à Lei de
Falências. 4. ed. atual. por J. A. Penalva Santos e Paulo Penalva Santos. Rio de Janeiro: Forense,
1999. v. 2, p. 69.

15. J. C. Sampaio de Lacerda. Manual de direito falimentar. 13. ed. rev. e atual. por Jorge de Miranda
Magalhães. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, p. 161.

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