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SUMÁRIO

1. PROGRAMA DA DISCIPLINA ........................................................................... 1


1.1 EMENTA .......................................................................................................... 1
1.2 CARGA HORÁRIA TOTAL ................................................................................... 1
1.3 OBJETIVOS ..................................................................................................... 1
1.4 CONTEÚDO PROGRAMÁTICO ............................................................................. 1
1.5 METODOLOGIA ................................................................................................ 2
1.6 CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO ............................................................................... 2
1.7 BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA .......................................................................... 2
CURRICULUM VITAE DO PROFESSOR ....................................................................... 3

2. TEXTO PARA ESTUDO - EVOLUÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO DO COMPLIANCE.. 3


2.1 CASE GESTÃO INTEGRADA DE RISCOS ............................................................... 3
2.2 NOÇÕES GERAIS ............................................................................................. 7
2.3 FCPA .............................................................................................................. 9
2.3.1 EXCEÇÕES DO FCPA .....................................................................................11
2.4 CONVENÇÕES INTERNACIONAIS .......................................................................11
2.4.1 CONVENÇÃO SOBRE O COMBATE DA CORRUPÇÃO DE FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS
ESTRANGEIROS EM TRANSAÇÕES COMERCIAIS INTERNACIONAIS – OCDE – 1997.......11
2.4.2 CONVENÇÃO INTERAMERICANA CONTRA A CORRUPÇÃO – OEA – 1996 ..............12
2.4.3 CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO – ONU – 2003 .........13
2.5 UK BRIBERY ACT.............................................................................................14
2.5.1 ÓRGÃOS RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO DO UK BRIBERY ACT .......................15
2.5.2 INFRAÇÕES .................................................................................................15
2.5.3 SUJEITOS ATIVOS ........................................................................................18
2.5.4 APLICAÇÃO EXTRATERRITORIAL ....................................................................18
2.5.5 DEFESAS .....................................................................................................19
2.5.6 SANÇÕES ....................................................................................................21
2.5.7 “DPA CODE” ................................................................................................22
2.6 OUTRAS LEIS ESTRANGEIRAS ..........................................................................23
2.6.1 ALEMANHA ..................................................................................................23
2.6.2 ARGENTINA .................................................................................................24
2.6.3 CHINA ........................................................................................................24
2.6.4 FRANÇA ......................................................................................................26
2.6.5 ITÁLIA ........................................................................................................27
2.6.6 MÉXICO ......................................................................................................27
2.6.7 RÚSSIA .......................................................................................................28
2.7 INTERAÇÃO MULTIJURISDICTIONAL ..................................................................28
2.8 CASE CUIDADOS EM OPERAÇÃO INTERNACIONAL ..............................................30
2.9 CASE MAGYAR TELEKOM – INSPIRADO EM FATOS REAIS .....................................30
2.10 COMPLIANCE NO BRASIL ...............................................................................31
2.10.1 LEI ANTICORRUPÇÃO BRASILEIRA E SEUS PRINCIPAIS ASPECTOS ...................31

3. ASPECTOS GERAIS E PENAIS DA LEGISLAÇÃO ANTICORRUPÇÃO E


ANTISSUBORNO ............................................................................................... 34
3.1 CÓDIGO PENAL ...............................................................................................34
3.2 COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO .................................................................35
3.2.1 MODUS OPERANDI .......................................................................................36
3.2.2 BEM JURÍDICO .............................................................................................36
3.2.3 CRIME ANTECEDENTE ...................................................................................37
3.2.4 CONSUMAÇÃO .............................................................................................38
3.3 LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ............................................................39
3.4 LEI DE LICITAÇÕES (LEI 8.666/93) ...................................................................41
3.5 O PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR .................................................43
3.5.1 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR ....43
3.6 O RITO DO PAR FEDERAL (DECRETO 8.420/15) ..................................................45
3.6.1 COMPETÊNCIA .............................................................................................45
3.6.2 COMPETÊNCIA DO MINISTRO DA TRANSPARÊNCIA (CGU) .................................46
3.6.3 SINDICÂNCIA, PAR OU ARQUIVAMENTO .........................................................46
3.6.4 DEFESA E PRODUÇÃO PROBATÓRIA ...............................................................47
3.6.5 ALEGAÇÕES FINAIS ......................................................................................48
3.6.6 PRINCÍPIOS INFORMADORES DO PAR POSITIVADOS NO DECRETO ....................48
3.6.7 INTIMAÇÕES ...............................................................................................48
3.6.8 PRAZOS E CONTAGEM ..................................................................................49
3.6.9 PODERES INSTRUTÓRIOS DA COMISSÃO ........................................................49
3.6.10 RELATÓRIO FINAL, JULGAMENTO E COMUNICAÇÕES EXTERNAS ......................50
3.6.11 A PUBLICAÇÃO DA DECISÃO ........................................................................50
3.6.12 RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO..................................................................51
3.6.13 TRÂNSITO EM JULGADO E EXECUÇÃO DA DECISÃO SANCIONADORA ...............51
3.6.14 PENALIDADES ............................................................................................51
3.6.15 OS ENCAMINHAMENTOS JUDICIAIS ..............................................................51
3.7 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ...........................................51
3.8 SISTEMA CGU-PJ: CNEP E CEIS ........................................................................52
3.9 ACORDOS DE LENIÊNCIA E DELAÇÃO PREMIADA ................................................52
3.9.1 DELAÇÃO PREMIADA ....................................................................................52
3.9.2 ACORDO DE LENIÊNCIA ................................................................................54
3.9.3 LEI 9.613/98 – LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS ................................................55
3.10 COMPLIANCE FISCAL .....................................................................................57
3.10.1 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO .......................................................................58
3.10.2 EVASÃO E ELISÃO FISCAL ...........................................................................59
3.10.3 TEORIA DO ABUSO DE DIREITO ...................................................................59
3.10.4 CLÁUSULA GERAL ANTIELISIVA....................................................................61
3.10.5 SPED - SISTEMA PÚBLICO DE ESCRITURAÇÃO DIGITAL ..................................62
3.10.6 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA ................................................................63
3.11 CASE COMPLIANCE FISCAL.............................................................................67
3.12 COMPLIANCE REGULATÓRIO...........................................................................67
3.13 COMPLIANCE DE CONTRATOS .........................................................................67

4. POLÍTICAS E SISTEMAS DE COMPLIANCE ..................................................... 69


4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO.......................................................................................69
4.2 ISO 19600 – SISTEMAS DE GESTÃO DE COMPLIANCE .........................................69
4.3 ISO 37001 –SISTEMAS DE GESTÃO ANTISSUBORNO ..........................................70
4.4 A FIGURA DO COMPLIANCE OFFICER (CCO) .......................................................71
5. SISTEMA DE GESTÃO DE COMPLIANCE ......................................................... 73
5.1 NOÇÕES BASILARES SOBRE GOVERNANÇA ........................................................73
5.2 CARACTERÍSTICAS E PILARES ..........................................................................75
5.3 BOAS PRÁTICAS DE GOVERNANÇA ....................................................................78
5.4 CONFIANÇA....................................................................................................79
5.5 LEI SABANES-OXLEY – SOX .............................................................................80
5.6 OS PILARES DA GOVERNANÇA NO NOVO CONTEXTO REGULATÓRIO .....................82
5.7 FASES DA PREPARAÇÃO DE UM PROGRAMA DE COMPLIANCE ...............................82
5.8 PILARES E ESTRUTURA ....................................................................................84
5.9 ELEMENTOS DE UM PROGRAMA DE COMPLIANCE CONFORME DECRETO 8.420 .......84
5.10 DOCUMENTOS PRINCIPAIS DE UM PROGRAMA DE COMPLIANCE .........................90
1

1. PROGRAMA DA DISCIPLINA

1.1 Ementa
Histórico do Compliance no Mundo e no Brasil. O FCPA, U.K. Bribery Act e outras
Legislações Anticorrupção Estrangeiras. Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013). Aspectos
Penais da Legislação Anticorrupção e Antissuborno. Políticas de Compliance. Programas
Sistema de Gestão de Compliance. Investigações Internas. Processos Sancionadores e
Acordos de Leniência. Delação Premiada. ISO 19.600 e ISO 37.001. Governança e Gestão
de Riscos. Due Diligence de Integridade e Aspectos Fiscais. Estudo de Casos Práticos.

1.2 Carga horária total


24 horas-aula.

1.3 Objetivos
Transmitir os conceitos e fundamentos pertinentes às competências relacionadas ao
compliance, permitindo que, com uma visão estratégica corporativa, os alunos o apliquem
em seu cotidiano corporativo.

1.4 Conteúdo programático


Eixo Temático 1
Conteúdo
Objetivos de aprendizagem
programático mínimo
1. Histórico do • Conhecer a evolução histórica do compliance no mundo
Compliance e no Brasil;
• Compreender as principais leis de compliance, como
Foreing Corrupct Practices Act - FCPA - e U.K. Bribery
Act;
• Conhecer a Lei Anticorrupção brasileira e seus principais
efeitos.

Eixo Temático 2
Conteúdo
Objetivos de aprendizagem
programático mínimo
2. Aspectos Gerais e • Conhecer a legislação aplicada;
Penais da Legislação • Compreender as implicações penais das leis de
Anticorrupção e anticorrupção e antissuborno;
Antissuborno • Conhecer os processos sancionadores, em especial,
Processo Administrativo de Responsabilização - PAR;
• Analisar os limites dos acordos de leniência e delação
premiada;
• Avaliar os aspectos fiscais e empresarias
do compliance.

Compliance
2

Eixo Temático 3
Conteúdo
Objetivos de aprendizagem
programático mínimo
3. Políticas e • Avaliar o processo decisório na escolha de programas de
Sistemas compliance;
de Compliance • Compreender sistemas de compliance, como os modelos
da ISO 19.600 e ISO 37.001, da DSC 10.000 e do Pró-
ética;
• Analisar a relevância de um processo de Certificação;
• Verificar a importância do Compliance Officer.

Eixo Temático 4
Conteúdo
Objetivos de aprendizagem
programático mínimo
4. Compliance e • Verificar a relação entre governança corporativa, o
governança compliance e a gestão de riscos;
corporativa • Entender a ética e a responsabilidade corporativa dentro
do novo contexto empresarial;
• Analisar ferramentas de programas de compliance,
como: investigações internas; due diligence; normas
organizacionais e empresariais; e, auditoria;
• Avaliar o processo de elaboração de um programa de
compliance.

1.5 Metodologia
O curso será desenvolvido por meio de aulas com método participativo, estudo de
caso, exercícios e leituras complementares, de modo que os conceitos sejam aplicáveis à
realidade prática dos profissionais. Durante o curso será solicitado o estudo prévio de
determinados temas pelos participantes, de modo a nivelar o conhecimento e fornecer
subsídios para as aulas.

1.6 Critérios de avaliação


Avaliação do curso é feita por meio de prova escrita com peso 7,0 (sete) e avaliação
de trabalho em sala de aula com peso 3,0 (três), somando 10,0 (pontos). O critério para
aprovação é atingir nota total 7,0 (sete) no curso.

1.7 Bibliografia recomendada


CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO (CGU). Programa de integridade. Diretrizes para
Empresas Privadas. Brasília, 2015. Disponível em: <https://www.cgu.gov.br/Publi
cacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizes-para-empresas-
privadas.pdf>.
FGV Projetos. Compliance, Gestão e Cultura Corporativa. In Cadernos FGV Projetos nº
28, novembro de 2016, ano 11. Disponível em <https://shar.es/1LVVnN>.

Compliance
3

IBGC. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código das Melhores Práticas


de Governança Corporativa. v. 5, 2015. Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/userfiles
/2014/files/codigoMP_5edicao _web.pdf>.
IBGC. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Governança – Governança
Corporativa – Origem da Governança – Principais Modelos. Disponível em: <http://
www.ibgc.org.br/index.php/governanca/origens-da-governanca/principais-modelos>.

Curriculum vitae do professor


Fernando Silva Moreira dos Santos

Mestre (2014) em Direito Processual Civil pela USP. Doutorando (2020) em


Engenharia de Produção pela UFSCAR, onde estuda governança corporativa e compliance
na linha de pesquisa Instituições, Organizações e Trabalho. Parte dos créditos deste
doutorado foi cursada no doutorado de Economia dos Negócios do INSPER. Especializado
(2007) em Direito Público pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Graduado (2005)
em Direito pela PUC-SP. Professor da FGV desde 2008. Membro da Comissão Jurídica do
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC. Consultor e Advogado atuante em
Direito Empresarial, sendo sócio fundador de Moreira dos Santos Sociedade de Advogados.

2. TEXTO PARA ESTUDO - EVOLUÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO


DO COMPLIANCE

2.1 Case Gestão Integrada de Riscos


A companhia

O Banco MC é o terceiro maior banco privado do país em total de ativos e operações


de crédito. No último ano, os ativos totais do banco atingiram R$ 159,6 bilhões. A missão
do Banco MC é ser reconhecido por prestar serviços financeiros de qualidade exemplar aos
seus clientes, gerando resultados sustentáveis para todos os públicos com os quais se
relaciona. A empresa conta atualmente com mais de 33 mil funcionários e 4 milhões de
correntistas. No ano passado, a companhia teve uma receita total de R$ 16,5 bilhões e um
lucro líquido de R$ 2,975 bilhões. Há um ano e meio, o consórcio formado pelos bancos
SFC, FC e Black Bank comprou o MCI, controlador do MC. As operações do Banco MC
ficaram com o SFC e, desde o início do ano passado, fazem parte do Grupo SFC. Nesse
texto, nos referimos ao MCI como antigo controlador global do Banco MC, no qual o
processo de gerenciamento integrado de riscos foi iniciado.

GESTÃO INTEGRADA DE RISCOS

O assunto Gestão integrada de riscos entrou na agenda estratégica do MCI há 4 anos.


O MCI iniciou, em uma das suas unidades de negócio, um projeto que visava definir o
objetivo, o conceito, as políticas e o framework de enterprise risk management ou ERM
(sigla utilizada globalmente pelo grupo ABN AMRO, equivalente a “gestão integrada de

Compliance
4

riscos”). Esse projeto foi apresentado e aprovado pelo managing board1 do MCI. A partir
de então, já no início do ano seguinte, a matriz assumiu a responsabilidade de liderar o
esforço de difusão e implementação de ERM em todas as unidades de negócio do grupo.
Em sua gestão integrada de riscos, o MCI busca garantir a correta e adequada
identificação, reporte e gerenciamento integrado de todos os riscos materiais, permitindo
um processo de tomada de decisão mais eficiente e melhor informado, que resulte no
aumento do valor da empresa. Ou seja: a função da gestão integrada de riscos para o MCI
é disponibilizar a informação e o conhecimento dos riscos significativos da organização,
para que as pessoas certas, no tempo adequado, tenham as condições necessárias para
tomar decisões mais acertadas e eficientes.
A implantação da gestão integrada de riscos no MCI permitiu a captura de sinergias,
ganho de eficiência e aumento da competitividade do banco por meio das atividades do
modelo holístico2 que já estava em funcionamento. O quadro 1 detalha as principais
características dos diferentes estágios dos modelos de gestão de riscos.

Quadro 1 — Características dos modelos de gestão de riscos


Fragmentado Holístico Integrado
▪ Não identificados riscos ▪ Identifica os riscos ▪ Identifica os riscos
relevantes para a relevantes para a relevantes de
organização e não faz organização e faz forma abrangente,
sua priorização. sua priorização. considerando a
▪ Diversas iniciativas com ▪ Atividades isoladas. interdependência
diferentes graus de ▪ Metodologias entre eles e
maturação (identificação, múltiplas. permitindo que
mensuração, ▪ Métricas múltiplas sejam
monitoramento e (deficiência na comparados.
mitigação). comparabilidade). ▪ Metodologia única.
▪ Metodologias múltiplas ▪ Taxonomia ▪ Métricas
em diferentes estágios parcialmente consolidadas
de maturação. comum. (conferindo
▪ Métricas distintas comparabilidade).
espalhadas pela ▪ Taxonomia
organização (deficiência comum.
na comparabilidade).
▪ Taxonomia fragmentada.

Em seu modelo holístico, MCI já adotava classificação de riscos com nove categorias:

▪ risco de crédito: risco de perda devido à falha da contraparte ou do emissor em


cumprir suas obrigações com o banco;
▪ risco legal: risco de falha no cumprimento das obrigações estatutárias ou
regulatórias, ou risco associado a incertezas devido a ações legais ou incertezas na
aplicabilidade ou interpretações de contratos, leis ou regulamentações;

1
Em português, “alta administração”.
2
Identifica os riscos relevantes para a organização e faz sua priorização.

Compliance
5

▪ risco de liquidez: risco de perda de capacidade financeira em obter ativos e não


cumprimento de suas obrigações, por conta do descasamento nos fluxos financeiros de
ativos e passivos;
▪ risco de mercado: risco de queda da carteira de investimentos por conta de
variações de preços de mercado;
▪ risco de taxa de juros: risco dos ativos do MC perderem valor ou o montante de
suas obrigações aumentar por conta de mudanças nas taxas de juros;
▪ risco operacional: risco de perdas resultantes de processos ou sistemas
inadequados, comportamento humano ou eventos externos. Engloba problemas com
tecnologia da informação (TI), falhas na estrutura organizacional, falhas ou controles
internos inadequados, falhas humanas, fraudes e ameaças externas;
▪ risco de reputação: risco de perdas devido a opiniões negativas do público
(baseadas em fatos reais ou apenas em percepção). Pode gerar aumento no custo de
captação, bem como impedir a geração de receita planejada;
▪ risco estratégico: risco da utilização de estratégias inadequadas ou mudanças no
ambiente de negócios; e,
▪ risco de negócio: risco de o banco ter resultados abaixo do esperado ou aumento
de custos acima do esperado, não causado por nenhum dos riscos anteriores.
O processo de implantação do modelo integrado demandou a revisão da classificação
do modelo holístico. O Banco MC criou dois macrogrupos de risco, dividindo-os em
modeláveis (crédito, mercado, liquidez e operacional) e parcialmente modeláveis
(estratégico e de reputação). No caso do Banco MC, a transição para uma gestão integrada
de riscos foi realizada mediante um projeto. Nele, procurou-se, primeiramente, alavancar
a sinergia entre os riscos modeláveis. A implantação da gestão integrada de riscos levou a
mudanças organizacionais na diretoria de riscos responsável pela implantação do modelo.
Foram criadas as seguintes áreas:
▪ ERM — responsável pela coordenação da gestão integrada de riscos e pela definição
de políticas, processos e procedimentos, e desenvolvimento de um dashboard3 local
consolidado; e,
▪ risk services — responsável pelo gerenciamento de projetos, mapeamento de
processos e geração de relatórios com foco em riscos modeláveis.
Além das mudanças organizacionais, a implantação do modelo integrado provocou
uma mudança de comportamento no Banco MC. O modelo integrado demanda uma análise
interdisciplinar dos riscos, das suas interdependências e das respectivas ações mitigadoras.
Os fóruns responsáveis por essas atividades, denominados grupos de trabalho,
coordenados pela área de ERM, se reúnem periodicamente. A implantação do modelo de
gestão integrada de riscos no Banco MC está em diferentes níveis de maturidade:
• riscos de crédito, mercado e liquidez — estágio avançado, considerando-se políticas,
melhores práticas, controles e governança, entre as quais existe uma integração natural e
os assuntos são frequentemente discutidos conjuntamente;
• risco operacional — estágio médio, com metodologias claras, limites, governança e
ferramentas de controle, embora precise ainda evoluir no que diz respeito à unificação de
metodologias e procedimentos com outras áreas correlatas e melhorar a governança
corporativa. A existência dos grupos e do dashboard de ERM, porém, contribui para que as
questões sejam discutidas de forma integrada; e,

3
Em português: “painel de controle”.

Compliance
6

• riscos estratégicos e de reputação — estágio inicial, em que é preciso ser mais


desenvolvido no que diz respeito à quantificação e às metodologias preventivas e
alinhamento com outros riscos.

Os próximos passos para a gestão integrada de riscos no Banco MC são:


▪ criar a base integrada de riscos e controles;
▪ criar framework único para riscos parcialmente modeláveis;
▪ aprofundar a consistência nas priorizações; e,
▪ aprimorar os relatórios.

Benefícios
A implantação da gestão integrada de riscos gerou, até o momento (2017), os
seguintes benefícios para Banco MC:

▪ aumento da competitividade por meio de sinergia e aumento da eficiência;


▪ aprimoramento da qualidade da tomada de decisão;
▪ maior conscientização da organização para a existência dos vários tipos de risco e
suas interdependências não percebidas anteriormente; e,
▪ melhor decisão advinda de comparabilidade e priorização com o uso de dashboard.

Desafios
No processo de implementação da gestão integrada de riscos, o Banco MC tem se
deparado com diversos desafios, entre eles:
▪ resistência à colaboração entre as áreas que não enxergam como a gestão integrada
de riscos pode contribuir para um melhor gerenciamento dos riscos em uma área
específica e no banco como um todo;
▪ dificuldade em fazer o link entre gestão integrada de riscos e tomada de decisão;
▪ falta de metodologia of the shelf4 para homogeneizar as métricas usadas por
diferentes áreas; e,
▪ escassez de profissionais no mercado com expertise e experiência no
gerenciamento integrado de riscos.

Exemplo — expansão de crédito imobiliário


O Banco MC incluiu a área de gestão de riscos na avaliação da sua expansão na
atividade de crédito imobiliário em 2017. O desafio da área de negócio era expandir essa
atividade de forma relevante em um ambiente altamente regulado, com atividades que
dependiam de diversas áreas do banco e cujos processos internos tinham baixo grau de
automação. Foi criado um grupo de trabalho composto por representantes de todas as
áreas envolvidas na avaliação, concessão e recuperação de crédito. Esse grupo mapeou o
macroprocesso. A partir desse mapeamento, foi possível identificar a lista geral dos riscos
e depois fazer a priorização dos mais significativos e da interdependência entre eles. O
grupo de trabalho também identificou que as decisões relacionadas aos riscos de crédito
poderiam impactar os riscos operacionais e vice-versa. A aplicação da visão integrada de
riscos na expansão da atividade de crédito imobiliário gerou os seguintes benefícios:

4
Em português, “de prateleira” ou “pré-pronta”.

Compliance
7

▪ metodologia de cenários aplicada à quantificação das perdas oriundas de riscos


operacionais e de crédito;
▪ análise detalhada dos custos dos processos e controles, vis-a-vis os riscos incorridos
e mitigados; e,
▪ aprimoramento da qualidade da tomada de decisão.

Principais características
Entre várias características importantes da visão integrada de riscos do Banco MC,
acreditamos ser oportuno destacar:
▪ a necessidade de metodologia única de comparação dos riscos que considera a
interdependência;
▪ a definição das dimensões relevantes e da metodologia de cálculo permitindo a
comparabilidade com o uso de dashboard;
▪ a segmentação dos riscos em modeláveis e parcialmente modeláveis;
▪ a criação da área de risk services, responsável pelo gerenciamento de projetos,
mapeamento de processos e geração de relatórios com foco em riscos modeláveis; e,
▪ a criação de grupos de trabalho, fóruns para a análise interdepartamental dos
riscos, de suas interdependências e das respectivas ações mitigadoras.

2.2 Noções gerais


No começo do século XX surge nos Estados Unidos a ideia de programas de
compliance, em especial em 1906, com a promulgação do Food and Drug Act e a criação
do Food and Drug Administration – FDA, instalando-se um modelo de fiscalização
centralizado para regular atividades relacionadas à saúde alimentar e ao comércio de
medicamentos. Em 1913, ainda nos Estados Unidos, cria-se o Federal Reserve System,
com o objetivo de conferir maior estabilidade e segurança para o sistema financeiro,
reforçando a ideia de compliance.
Em 1977, após o escândalo Watergate, promulga-se o Foreign Corrupt Practices Act
– FCPA – com o objetivo de normatizar regras anticorrupção transnacional norte-
americana, obrigando as companhias a manterem livros e registros que refletissem
precisamente as suas transações, além de estabelecer um sistema adequado de controles
internos. Foi a primeira no mundo a proibir e punir subornos oferecidos por empresas
americanas a dirigentes, oficiais e funcionários de governo estrangeiro, bem como partidos
políticos e candidatos políticos estrangeiros, de maneira direta ou indireta,
responsabilizando-as, por isso, objetivamente.
A origem da palavra compliance vem do verbo em inglês “to comply”,5 que se traduz
em agir de acordo com a regra, norma, política ou comando, ou seja, estar em
conformidade. Utilizar compliance significa que será adotada a melhor forma, maneira ou
processo mais adequado para executar determinado trabalho dentro de uma organização.

5
To act in accordance with rules, wishes, etc; be obedient (to) – COLLINS COBIULD. Disponível
em:<https://www.collinsdictionary.com/dictionary/english/comply>. Acesso em: 24.04.2018.

Compliance
8

Compliance é o dever de estar em conformidade e fazer cumprir as leis, diretrizes,


regulamentos internos e externos, buscando mitigar riscos atrelados à reputação e o risco
legal/regulatório.6
Trazendo o termo à aplicabilidade no mundo corporativo, tem-se que se trata de um
conjunto de normas e regras que devem ser observadas na consecução dos negócios ou
atividades dentro de um ramo, por meio de ferramentas que auxiliam nesse controle.
Compliance é o conjunto de disciplinas para fazer cumprir as normas legais e
regulamentares, as políticas e as diretrizes estabelecidas para o negócio e para as
atividades da instituição ou empresa, bem como evitar, detectar e tratar qualquer desvio
ou inconformidade que possa ocorrer através de ferramentas de controle.7
Sendo assim, podemos afirmar que, no mundo corporativo, compliance são os
conjuntos de disciplinas para cumprir as normas legais e regulamentadoras, políticas ou
diretrizes estabelecidas para um negócio ou atividades da organização, com a utilização de
ferramentas que auxiliam esses controles. Através das atividades de monitoramento
efetuadas pelo compliance, qualquer desvio em relação à operacionalização pode ser
identificado e evitado.8
Discutir compliance requer a compreensão da natureza e dinâmica da corrupção nas
organizações. A conduta em conformidade com a regra (compliance) ou a corrupta
apresentam diferentes causas e são influenciadas pelas circunstâncias. Na origem da
conduta corrupta ou da compliance encontra-se a percepção moral, o entendimento do
indivíduo acerca de sua atitude em presença da moral e das regras organizacionais.
Segundo entendimento de Candeloro e Rizzo,9 as finalidades da implantação de uma
política de compliance são numerosas, contudo, entre os principais, temos: cumprir com a
legislação nacional e internacional, além das regulações do mercado e das normas internas
da empresa; prever demandas judiciais; obter transparência na condução dos negócios;
resguardar a confidencialidade da informação concedida à instituição por seus clientes;
obstar o conflito de interesse entre os vários atores da instituição; evitar lucros pessoais
indevidos por meio da criação de condições artificiais de mercado, ou da manipulação e
utilização da informação privilegiada; evitar o ilícito da lavagem de dinheiro; e, difundir os
valores de compliance na cultura organizacional por meio de treinamento e educação.
Para Gonçalves, com a implementação da política de compliance, a empresa tende a
direcionar as suas ações para as finalidades definidas; empregar os recursos de modo mais
eficaz, porquanto as decisões passam a ser mais econômicas, pois uniformes para casos
semelhantes; proteção contra as pressões das emergências; apresentar uniformidade e
consistência em seus atos e decisões, cooperando com a transparência dos processos;
promover a adaptação de novos empregados à cultura organizacional; disponibilizar aos
gestores mais tempo para repensar políticas e agir em questões estratégicas; aumentar e
aprimorar o conhecimento da organização por todos os seus atores.10

6
OLIVEIRA, Fabio Rodrigues de & SOUZA FILHO, Paschoal Naddeo de. O Compliance Tributário. Migalhas.
Disponível em <http://m.migalhas.com.br/depeso/242766/o-compliancetributario>.
Acesso em: 24.04.2018.
7
FERREIRA, Renan. Você sabe o que é o Compliance Tributário? Bluesoft. Disponível em:
<https://blog.bluesoft.com.br/2015/06/voce-sabe-o-que-e-o-compliance-tributario/>. Acesso em: 24.04.2018.
8
ANDRADE, Diogenes. O que é o compliance fiscal e como ele pode contribuir para as empresas. Disponível em:
<http://www.quirius.com.br/como-o-compliance-fiscal-contribui-com-as-empresas/>. Acesso em: 24.04.2018.
9
CANDELORO, A.P.P.; RIZZO, M.B.M. de; PINHO, V. Compliance 360º: riscos, estratégias, conflitos e vaidades
no mundo corporativo. São Paulo: Trevisan Editora Universitária, 2012, p. 37-38.
10
GONÇALVES, J.A.P. Alinhando processos, estrutura e compliance à gestão estratégica. São Paulo: Atlas, 2012,
p. 64-65.

Compliance
9

Uma vez implantada essa política e funcionando efetivamente, a empresa obtém


maior confiança por parte dos investidores e mais confiabilidade no mercado, dessa forma,
atingirá altos níveis de cooperação interna e externa, com o concludente aumento de lucro,
contudo sempre de modo sustentável, trazendo benfeitorias à organização, a seus
empregados e à sociedade.
No entanto, há muitos desafios da realidade corporativa que precisam ser
trabalhados para que seja possível a implementação do compliance, como: avaliação ética;
contexto regulatório abrangente, inclusive, redunda em um desencorajamento do inovador
e criativo; burocratização dos processos; desenvolvimento de movimento de gestão
baseado em evidências; custos dos programas de compliance e a realidade concorrencial;
cultura individual e organizacional. O programa precisa ainda estar fundamentado na
realidade da firma, considerando seu porte, suas atividades e o mercado em que se insere.
Coimbra e Manzi referem que para o implante de uma política de compliance, a
empresa deverá primeiramente elaborar um programa fundamentado na sua realidade,
cultura, atividade, área de atuação e local de operação, que deverá ser implementado “em
todas as entidades que a organização participa ou possui algum tipo de controle ou investi-
mento”, sobretudo mediante o implemento de políticas, elaboração de um Código de Ética,
criação de comitê exclusivo, o treinamento permanente e a disseminação da cultura, moni-
toramento de risco de compliance, revisão periódica, incentivos, assim como a criação de
canal confidencial para recebimento de denúncias, com a procedente investigação e
determinação de penalidades em vista de ocasional inadimplemento da conduta
almejada.11

2.3 FCPA
As penalidades previstas para o descumprimento do FCPA são de natureza cível e
penal, inclusive para pessoas jurídicas. As multas pecuniárias variam em razão da pessoa
(física ou jurídica), sendo maiores, no entanto, caso refira-se às diretrizes contábeis. Há
responsabilização objetiva decorrente da necessidade de se punir baseado no modo de
operação peculiar pelo qual se concretiza a corrupção. Os instrumentos normativos até
então disponíveis mostravam-se insuficientes para coibir a corrupção.
Válido frisar que a corrupção privada não se encontra na esfera da lei, sendo,
portanto, desconsiderada na aplicação das sanções. Outras leis americanas, contudo,
podem ser usadas para tratar de corrupção privada. Os sujeitos ativos, previstos no FCPA,
irão depender do tipo de violação, que, no caso de corrupção, podem ser três:

- issuers: companhias de capital aberto americanas ou estrangeiras, cujos valores


mobiliários são registrados para negociação nos Estados Unidos.
- domestic concerns: pessoas naturais ou jurídicas. Em relação às pessoas naturais,
faz-se necessário que gozem de cidadania americana ou residam nos Estados Unidos, e,
no caso das pessoas jurídicas, que estas sejam sediadas em território americano ou sejam
constituídas segundo a lei deste país.
- foreign nationals or entities: todos os demais, ou seja, os estrangeiros que não
tenham valores mobiliários negociados nos Estados Unidos. Mas para que estrangeiros

11
COIMBRA, M.A.; MANZI, V.A. (Coord.). Manual de Compliance: preservando a boa governança e a integridade
das organizações. São Paulo: Atlas, 2010, p. 20-21.

Compliance
10

sejam sujeitos ativos, o ato deve ocorrer nos Estados Unidos ou ter uma conexão com os
Estados Unidos.
O FCPA se baseia numa lei federal que já havia desde 1934. O FCPA se estrutura,
basicamente, numa divisão de dois agrupamentos: um deles trata sobre a corrupção e os
subornos, enquanto o outro se refere às diretrizes contábeis, reforçando a criação de
controles internos que detalhem os fluxos de caixa, e aplica-se a todo indivíduo,
empregado, administrador, agente, representante ou sócio que atue em nome da empresa.
As condutas proibidas pelo FCPA não se resumem ao oferecimento de propina (ou
seja, o oferecimento direto), incluem-se no rol, ainda, aquelas oferecidas de maneira
indireta, mediante o oferecimento de qualquer coisa de valor. Além disso, a contrapartida
do suborno não necessariamente se consubstancia em celebração de contratos, como
também em obtenção de benefícios, tais quais redução de impostos, subsídios
governamentais, dentre outros. É de se notar que o FCPA não prevê a chamada “corrupção
passiva”, ou seja, é uma lei voltada exclusivamente para os “corruptores”.
Percebe-se, com isso, uma dupla função do FCPA: coibir as práticas de suborno
praticados em território estrangeiro, através de sua criminalização e, ao mesmo tempo,
instituir exigências rígidas em relação a controles internos.
Além disso, é previsto, em legislação suplementar, outras sanções, dentre as quais
destaca-se o direito de contratar com a administração pública e de receber financiamentos.
O UKBA visa ter uma abrangência maior do que o FCPA, pois refere-se à corrupção
praticada não somente na esfera estrangeira, mas também na esfera doméstica no Reino
Unido, além de inovar, prevendo a punição na esfera não apenas pública, mas também
particular. O UKBA é uma lei que exige extrema diligência, pois, além da possibilidade de
punição dos atos de corrupção oriundos da própria empresa, também o são os atos
praticados por terceiros (parceiros, prestadoras de serviços, dentre outras), desde que em
benefício da empresa; vale notar que a possibilidade desta responsabilização também
existe no FCPA, mas exige-se a intenção de corromper – atual ou presumida, no conceito
do willful blindness –, e o UKBA acaba permitindo mais facilmente a responsabilização.
Verifica-se as disposições do UKBA o tornam uma lei ainda mais rígida do que o FCPA.
Com sua edição, os normativos anteriores foram revogados, sendo o UKBA, portanto,
a fonte direta das disposições anticorrupção vigente no Reino Unido. No mesmo sentido
que nosso Código Penal, a corrupção é punida tanto no âmbito ativo quanto passivo. A
responsabilização objetiva também é prevista, não apenas em relação às empresas que
ajam finalisticamente, mas também em relação àquelas que foram beneficiadas pelos atos
de corrupção que tenham sido praticados por outrem.
O sujeito ativo da prática delituosa pode ser tanto uma pessoa física quanto jurídica,
a depender, evidentemente, do ilícito envolvido, contudo, ressalta-se que alguns só podem
ser cometidos pela pessoa jurídica – como, por exemplo, ausência de prevenção à
corrupção – e outros apenas por pessoas físicas – como, por exemplo, a corrupção passiva.
A disposição que responsabiliza empresas por falhar em prevenir a corrupção
aumenta a necessidade de um programa de compliance bem estruturado, que seja capaz
de identificar as áreas sensíveis e realizar as devidas diligências, evitando relações que
não sejam pautadas em um rígido sistema de controle.

Compliance
11

2.3.1 Exceções do FCPA


O FCPA não pune o pagamento de suborno quando decorrente de ação
governamental de rotina ou de defesas afirmativas.
• Ação governamental de rotina:
• Pagamento de facilitação ou agilização a um funcionário do governo para a realização
de uma ação governamental de rotina.
• É a ação que é normal e comumente realizada por um dirigente estrangeiro ao...
• Obter autorizações, licenças ou outros documentos oficiais para qualificar uma pessoa
a conduzir negócios em um país estrangeiro (exemplo: China);
• Processar documentação governamental, tais como vistos e ordens de trabalho;
• Fornecer proteção policial, coleta e entrega de correspondência ou agendamento de
inspeções relacionadas ao cumprimento de contratos ou inspeções relacionadas ao
trânsito de bens pelo país;
• Fornecer serviço telefônico, elétrico, de água, carregamento e descarregamento de
carga, ou proteger produtos perecíveis ou produtos básicos contra a deterioração; ou,
• Empreender ações de natureza semelhante.
• Não inclui a tomada de decisão por parte de dirigente estrangeiro, de outorga ou não
de novos contratos, bem como de prorrogá-los.
• Defesas afirmativas:
• Ações, com despesas razoáveis e legítimas, para promover, demonstrar ou explicar
produtos/serviços ou a execução/cumprimento de um contrato.

2.4 Convenções Internacionais


Após a adoção do FCPA, os Estados Unidos começaram a pressionar a comunidade
internacional pela adoção de medidas semelhantes de combate à corrupção. O fenômeno
da corrupção não é características apenas da cultura brasileira, mas afeta toda a
comunidade internacional, exigindo a ampliação e o fortalecimento das relações de
cooperação entre os países e organismos internacionais para contribuir com a prevenção
e o combate à corrupção.
Algumas convenções internacionais foram celebradas e o Brasil é signatário e
ratificou: (i) a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos
Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, da OCDE, de 1997, ratificada
mediante o Decreto nº 3.678/2000; (ii) a Convenção Interamericana contra a Corrupção,
da OEA, de 1996, ratificada mediante Decreto nº 4.410/2002; e (iii) a Convenção das
Nações Unidas contra a Corrupção, de 2003, ratificada mediante o Decreto nº 5.687/2006.
Entre as obrigações assumidas por essas convenções está o compromisso de
combater a corrupção por brasileiros no exterior, que resultou em alterações ao Código
Penal, bem como o compromisso de responsabilizar empresas corruptas que resultou na
adoção da Lei Anticorrupção.

2.4.1 Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos


Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais – OCDE – 1997
A Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) tem por objetivo prevenir e combater o delito de corrupção de funcionários públicos
estrangeiros na esfera das transações comerciais internacionais. Considera funcionário
público estrangeiro qualquer pessoa que ocupe o cargo nos Poderes Legislativo, Judiciário

Compliance
12

e Executivo de um país estrangeiro, independentemente de ser essa pessoa nomeada,


eleita ou concursada; e, qualquer pessoa que exerça função pública internacional do nível
federal ao municipal.12 Em seu art. 2º, responsabilizou as pessoas jurídicas que
subornarem funcionários públicos estrangeiros.
Com a entrada em vigor desta Convenção, aumentou-se o número de investigações
e condenações nos Estados signatários, com a responsabilização de indivíduos e empresas
por suborno transnacional, tendo havido aplicação de multas.
A Convenção trata de normas contábeis e tributárias, como a proibição de “caixa
dois” e de operações inadequadamente explicitadas; proibição de alguns atos e ocultações
dos funcionários públicos estrangeiros, como registro de despesas inexistentes,
lançamento de obrigações tributárias inadequadas e uso de documento falso por empresa
com propósito de corromper os funcionários públicos. Tratou também da lavagem de
dinheiro, exigindo que os ordenamentos internos tipificassem as práticas de corrupção
transnacional. O Brasil criminalizou as práticas de corrupção transnacional pela alteração
da Lei nº 9.613/1998, o que foi feito pela Lei nº 10.467/2002.

2.4.2 Convenção Interamericana contra a Corrupção – OEA – 1996


Em 1994, foi assinada a Declaração de Belém do Pará, manifestando apoio a estudos
de medidas de combate à corrupção, de melhoria da eficiência da gestão pública e de
promoção da transparência e probidade administrativa. Por meio da Resolução AG/RES
1294 (XXIV-O/94), a Assembleia-Geral determinou ao Conselho Permanente o
estabelecimento do Grupo de Trabalho sobre Probidade e ética, o que resultou no projeto
da Convenção Interamericana contra a Corrupção, da Organização dos Estados Americanos
(OEA), concretizada em Caracas, em 1996.
O objetivo desta Convenção é “promover e fortalecer o desenvolvimento de
mecanismos necessários para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção, além de
promover, facilitar e regular a assistência e a cooperação técnica entre os Estados Partes”.
Define medidas para o combate em nível regional, sendo elas:

“1 - Criação de normas de conduta para o correto, honrável e adequado cumprimento das


funções públicas;
2 - A adoção de sistemas para a contratação de funcionários públicos e para a aquisição
de bens e serviços pelo Estado que assegurem a publicidade, equidade e eficiência de tais
sistemas;
3 - A criação de órgãos de controle superior, com a finalidade de desenvolver mecanismos
modernos para prevenir, destacar, sancionar e erradicar práticas corruptas;
4 - O estabelecimento de “mecanismos para estimular a participação da sociedade civil e
das organizações não governamentais nos esforços para combater a corrupção;”
5 - A instituição de sistemas de arrecadação fiscal que impeçam a prática de corrupção;
6 - A criação de sistemas para proteger os funcionários públicos e cidadãos particulares
que denunciarem de boa-fé atos de corrupção;”

12
Sobre o tema, ver MEYER-PFLUG, S. R; OLIVEIRA, V. E. T. O Brasil e o combate internacional à corrupção.
Brasília, ano 46, n] 181, jan/mar, 2009, p. 187-194. Disponível em
<https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/46/181/ril_v46_n181_p187. pdf>. Acesso em: 25.04.2018

Compliance
13

Para atingir tais objetivos, a Convenção da OEA tipifica alguns atos como crimes de
corrupção, como:
“l Esta Convenção é aplicável aos seguintes atos de corrupção:
a - a solicitação ou a aceitação, direta ou indiretamente, por um funcionário público
ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor pecuniário ou de outros
benefícios como dádivas, favores, promessas ou vantagens para si mesmo ou para outra
pessoa ou entidade em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de
suas funções públicas;
b - a oferta ou outorga, direta ou indiretamente, a um funcionário público ou pessoa
que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor pecuniário ou de outros benefícios
como dádivas, favores, promessas ou vantagens a esse funcionário público ou outra pessoa
ou entidade em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas
funções públicas;
c - a realização, por parte de um funcionário público ou pessoa que exerça funções
públicas, de qualquer ato ou omissão no exercício de suas funções, a fim de obter
ilicitamente benefícios para si mesmo ou para um terceiro;
d - o aproveitamento doloso ou a ocultação de bens provenientes de qualquer dos
atos a que se refere este artigo; e
e - a participação, como autor, co-autor, instigador, cúmplice, acobertador ou
mediante qualquer outro modo na perpetração, na tentativa de perpetração ou na
associação ou confabulação para perpetrar qualquer dos atos a que se refere este artigo”.
Prevê dois delitos que devem ser tipificados pelo Estado signatário: suborno
transnacional e enriquecimento ilícito. O suborno transnacional, inserido pela Convenção
da OCDE e internalizado pela Lei nº 10.467, foi definido pela Convenção da OEA como:
Estado Parte proibirá e punirá o oferecimento ou outorga, por parte de seus cidadãos,
pessoas que tenham residência habitual em seu território e empresas domiciliadas no
mesmo, a um funcionário público de outro Estado, direta ou indiretamente, de qualquer
objeto de valor pecuniário ou outros benefícios, como dádivas, favores, promessas ou
vantagens em troca da realização ou omissão, por esse funcionário, de qualquer ato no
exercício de suas funções públicas relacionado com uma transação de natureza econômica
ou comercial.
O enriquecimento ilícito caracteriza-se pelo “(...) aumento do patrimônio de um
funcionário público que exceda de modo significativo sua renda legítima durante o exercício
de suas funções e que não possa justificar razoavelmente”.
A Convenção da OEA define atos de corrupção, estabelece a obrigação de tipificar o
suborno transnacional e o enriquecimento ilícito e é implementada pelo mecanismo de
monitoramento e acompanhamento (MESICIC) no sentido de tornar-se efetivo o combate
à corrupção no Brasil.

2.4.3 Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção – ONU – 2003


As discussões sobre corrupção iniciaram-se na Organização das Nações Unidas (ONU)
com a Resolução 3514 de 15 de dezembro de 1975, condenando as práticas corruptas,
dirigindo as ações dos Estados à cooperação nessa matéria, principalmente ao suborno em
transações comerciais internacionais. Elaborou-se um código de conduta para as
transações internacionais, com a Resolução da Assembleia Geral da ONU 50/106 de 20 de
dezembro de 1995.

Compliance
14

Em 12 de dezembro de 1996, por meio da Resolução 51/59, adotou o Código


Internacional de Conduta para Funcionários Públicos e, em 16 de dezembro de 1996,
adotou sua Declaração contra a Corrupção e Suborno em Transações Internacionais
Comerciais por meio da Resolução 51/191. Em 1999, o Escritório das Nações Unidas sobre
Drogas e Crimes (UNODC) lança o Global Programme Against Corruption (GPAC) com o
intuito de combate à corrupção.
Em 1999, UNODC lança Global Programme Against Corruption (GPAC) com o intuito
de combate à corrupção. Em 2000, com a Convenção contra o Crime Organizado
Transnacional da Organização das Nações Unidas, há o desenvolvimento de instrumento
real de coerção estatal em nível internacional, criminalizando a corrupção ativa e passiva,
tendo as seguintes diretrizes:

1 - necessidade de órgãos de prevenção contra práticas de corrupção pelos países


signatários;
2 - importância do princípio da eficiência no setor público;
3 - elaboração de códigos de conduta para funcionários públicos; e,
4 - participação da sociedade civil, das organizações governamentais e das organizações
com base na comunidade, na prevenção e luta contra a corrupção.

Em 2003, vem a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção – ONU. A


Convenção prevê que os países devem criminalizar uma série de atividades corruptas,
adotar medidas para prevenir a corrupção, promover a integridade nos setores públicos e
privados e cooperar com outros países. Estabelece, pela primeira vez, mecanismos legais
para o repatriamento de bens e recursos obtidos por meio de atos corruptos e remetidos
para outros países. Define, em seu art. 6º, a necessidade da existência de um órgão ou
órgãos de prevenção à corrupção. Trata ainda de lavagem de dinheiro, crimes que devem
ser tipificados pelos Estados signatários e de cooperação internacional.

2.5 UK Bribery Act


O Bribery Act (“UK Bribery Act”), também conhecido como 2010 Bribery Act ou UKBA,
foi promulgado em 08 de abril de 201013 para consolidar e fortalecer a legislação
antissuborno do Reino Unido. Ele começou a produzir efeitos apenas em 1º de julho de
2011 por determinação do Ministério da Justiça britânico.14 Anteriormente ao UK Bribery
Act, o Reino Unido contava apenas com leis antigas de difícil aplicação,15 como o Public
Bodies Corrupt Practices Act de 1889, o Prevention of Corruption Act de 1906 e o
Prevention of Corruption Act de 1916, revogados pela nova lei.16

13
Ou seja, após o procedimento de análise, alterações e aprovação pelo parlamento (House of Lords e House of
Commons), recebeu o Royal Assent em 08 de julho de 2010, que é a sanção pela Rainha do Reino Unido que
transforma o projeto de lei (bill) em lei (Act). Para informações esquematizadas de maneira simples sobre o
processo legislativo aplicável, consultar o site do parlamento britânico
(http://www.parliament.uk/about/how/laws/passage-bill/lords/lrds-royal-assent/). Acesso em: 24.04.2018.
14
Ministry of Justice. The Bribery Act 2010 – Guidance. <http://www.justice.gov.uk/guidance/docs/bribery-act-
2010-guidance.pdf>. Acesso em: 24.04.2018.
15
Hughes Hubbard & Reed LLP. FCPA/Anti-Bribery Alert – Winter 2015. <
https://www.hugheshubbard.com/index.php?p=actions/vmgHhrUtils/download/asset&id=619 Hughes Hubbard
& Reed LLP. FCPA/Anti-Bribery Alert – Winter 2015>. Acesso em: 24.04.2018.
16
Schedule 2 do UK Bribery Act.

Compliance
15

2.5.1 Órgãos responsáveis pela aplicação do UK Bribery Act


O Criminal Justice Act de 1987 criou o Serious Fraud Office (“SFO”), um órgão
independente que investiga e indicia casos complexos de corrupção, atuando na Inglaterra,
País de Gales e Irlanda do Norte. Além disso, o SFO responde diretamente ao Procurador
Geral do Reino Unido, sendo esse o principal órgão de aplicação do UK Bribery Act.
O SFO pode requerer a qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica, que forneça
documentos relevantes, inclusive sigilosos, ou que respondam perguntas sobre quaisquer
assuntos relevantes, confidenciais ou não, para o caso analisado.17
O SFO só pode realizar os atos de sua competência caso o procedimento já esteja
formalmente aprovado. No entanto, com relação a casos de corrupção que supostamente
ocorreram fora de sua jurisdição, os atos de investigação de sua competência poderão ser
realizados antes do início de uma investigação formal.18
Ademais, o SFO possui um departamento de Assistência Internacional que auxilia
autoridades estrangeiras em todo o mundo em suas investigações de fraude e suborno.
Há, ainda, a Financial Conduct Authority (“FCA”), criada pelo Financial Act de 2012,
é um órgão regulador financeiro com atuação independente do governo do Reino Unido. A
FCA tem como objetivo a manutenção da integridade dos mercados financeiros do Reino
Unido e consumidores, bem como promover a competição. Ela possui os poderes de: (i)
investigar pessoas jurídicas ou naturais; (ii) regular condutas relacionadas à
comercialização de produtos financeiros; (iii) requerer que as empresas retirem
imediatamente promoções enganosas e que publiquem tais decisões; entre outros.
Por fim, há o Ministério da Justiça do Reino Unido, que possui como prioridades
proteger a sociedade e aumentar a confiança da sociedade no poder judiciário. Em relação
ao UK Bribery Act, antes de sua entrada em vigor, o Ministério de Justiça do Reino Unido
editou um guia em março de 2011 (“MOJ Guidance”) que estabelece (i) os procedimentos
adequados para que as pessoas jurídicas e seus funcionários não se envolvam em casos
de corrupção, (ii) o alcance jurisdicional do UK Bribery Act e (ii) diretrizes sobre o uso de
terceiros ou agentes, oferecimento de hospitalidade e pagamentos de taxa de urgência.19

2.5.2 Infrações
O UK Bribery Act estabelece quatro categorias de infrações distintas: (i) o ato de
oferecer vantagem indevida,20 (ii) o ato de aceitar vantagem indevida,21 (iii) o suborno de
funcionário público estrangeiro;22 e, (iv) a falha na prevenção de corrupção por uma pessoa
jurídica.23 Para os fins do UK Bribery Act, diferentemente do Foreign Corrupt Practices Act
norte-americano (“FCPA”) e da Lei Federal nº 12.846/2013 (“Lei Anticorrupção Brasileira”),
as infrações se referem tanto a oferecimento de vantagens a funcionários públicos quanto
a pessoas de direito privado, naturais ou jurídicas. Ou seja, no âmbito da legislação em
tela, a corrupção privada também é uma infração e o UK Bribery Act não visa proteger
apenas a administração pública do Reino Unido.

17
Ver <https://www.sfo.gov.uk/about-us/>. Acesso em: 24.04.2018.
18
Ver <https://www.sfo.gov.uk/about-us/>. Acesso em: 24.04.2018.
19
Ver Ministry of Justice. The Bribery Act 2010 – Guidance. p. 18.
<http://www.justice.gov.uk/guidance/docs/bribery-act-2010-guidance.pdf>. Acesso em: 24.04.2018.
20
Section 1 do UK Bribery Act.
21
Section 2 do UK Bribery Act.
22
Section 6 do UK Bribery Act.
23
Section 7 do UK Bribery Act.

Compliance
16

(i) Oferecimento de vantagem indevida:


A primeira categoria proíbe uma pessoa (natural ou jurídica) a oferecer, prometer ou
dar vantagem financeira ou de outra natureza a outra pessoa com a finalidade de induzi-
la ou premiá-la pela realização inadequada da sua função ou atividade. Além disso,
também constitui infração caso uma pessoa ofereça, prometa ou dê vantagem financeira
ou de outra natureza a outra pessoa tendo ciência de que apenas a aceitação já
configuraria realização inadequada de sua função ou atividade.
Dessa forma, de acordo com a Section 1 do UK Bribery Act, a ciência da pessoa,
natural ou jurídica, de que a vantagem é indevida já, por si só, consubstanciaria a conduta
infratora, ainda que o oferecimento não tenha o objetivo de induzir quem a recebeu a
realizar suas funções inadequadamente.
O UK Bribery Act ressalta que há infração ainda que quem receba a vantagem não
seja a pessoa que deva realizar sua função inadequadamente ou caso o oferecimento da
vantagem seja feito por terceiro. Portanto, conforme melhor explicado a seguir quando
tratarmos das proteções que deverão ser mantidas pela pessoa jurídica, o oferecimento de
vantagem indevida por agente ou terceiro contratado também gera responsabilidade para
quem será beneficiado ou solicitou o ato.
Similares à primeira infração do UK Bribery Act, há na legislação brasileira o crime
de corrupção ativa (Artigo 333 do Código Penal), certos atos previstos na Lei Federal nº
8.429/1992 (“Lei de Improbidade Administrativa” – conforme seu Artigo 3º), algumas
infrações previstas no Artigo 5º da Lei Anticorrupção brasileira e outros.

(ii) Recebimento de vantagem indevida:


A Section 2 do UK Bribery Act, por sua vez, foca na infração cometida por quem
recebe a vantagem indevida. De acordo com a disposição respectiva, será considerada
infração quando alguém:24

1. solicita, aceita receber ou recebe vantagem financeira ou de outra natureza com


a finalidade de realizar sua função ou de outra pessoa inadequadamente;
2. solicita, aceita receber ou recebe vantagem financeira ou de outra natureza sendo
que a solicitação, aceitação para receber ou recebimento seja por si só considerado a
realização inadequada de sua função.
3. Solicita, aceita receber ou recebe vantagem financeira ou de outra natureza como
prêmio pela realização inadequada de sua função ou de outra pessoa; ou,
4. Realiza sua função inadequadamente, ou requere ou concorda que terceiro realize
sua função inadequadamente, com a intenção de solicitar, aceitar receber ou receber
vantagem financeira ou de outra natureza.

Para todos os casos, assim como para a primeira categoria de infração, há infração
ainda que quem receba a vantagem não seja a pessoa que deva realizar sua função
inadequadamente ou caso o recebimento da vantagem seja feito por terceiro. Para as
situações indicadas de (2) a (4) acima, a infração será configurada mesmo se o receptor
acredita ou tem ciência de que a realização da função foi inadequada.25

24 Section 2 (1) to (5) do UK Bribery Act.


25 Section 2 (7) do UK Bribery Act.

Compliance
17

Essa infração de recebimento de vantagem indevida se assemelha ao crime de


corrupção passiva (Artigo 317 do Código Penal), atos de improbidade administrativa
previstos na Lei de Improbidade Administrativa, certas infrações previstas na Lei Federal
nº 8.666/1993 (“Lei de Licitações”) e outros.

(iii) Suborno de funcionário público estrangeiro:


A terceira categoria de condutas ilícitas compreende o suborno de funcionário público
estrangeiro – aqui entendido como qualquer membro de governo fora do Reino Unido.
Apesar de tal conduta já, em tese, estar inserida na primeira infração (oferecimento de
vantagem indevida), optou-se por criar disposições particulares para o suborno de
funcionários públicos estrangeiros especialmente considerando que o UK Bribery Act
também tem a finalidade de proteger as relações privadas.
De acordo com a Section 6 do UK Bribery Act, uma pessoa cometerá a infração lá
prevista caso suborne funcionário público estrangeiro com a intenção de influenciá-lo e
para obter ou reter negócio ou vantagem relacionada a negócio. Nos termos da lei, para
que a conduta seja considerada ilícita o indivíduo estrangeiro não poderá ser autorizado
ou obrigado pela lei escrita aplicável a ser influenciado em sua capacidade como funcionário
público pela oferta, promessa ou vantagem recebida.
A omissão no exercício das funções respectivas e a utilização da posição enquanto
funcionário público estrangeiro, ainda que não dentro de sua autoridade, também será
considerada influência para os fins do UK Bribery Act.26
Novamente, assim como nos casos anteriores, a infração será configurada se a
conduta ocorrer com a intermediação de terceiro ou não.
Será considerado funcionário público estrangeiro aquele que:

1. possui posição legislativa, administrativa ou judicial de qualquer tipo, por nomeação ou


eleição, em país ou território ou divisão fora do Reino Unido;
2. exerce função pública (a) para ou em nome de país ou território ou divisão fora do Reino
Unido ou (b) para qualquer agência ou sociedade pública em país ou território ou divisão
fora do Reino Unido; ou,
3. é oficial ou agente de organização pública internacional.

Essa infração se assemelha ao crime de corrupção ativa (Artigo 316 do Código Penal),
certas infrações previstas na Lei Anticorrupção Brasileira e outros.

(iv) Falha na prevenção de corrupção por uma pessoa jurídica:


A quarta e última categoria de condutas ilícitas, e a mais relevante para sociedades
empresárias com atuação global, é a falha na prevenção de corrupção por uma pessoa
jurídica com responsabilidade objetiva. De acordo com o UK Bribery Act,27 uma pessoa
jurídica poderá ser considerada culpada caso uma “pessoa associada” cometa as infrações
(1) e (3) acima para ajudá-la a conseguir ou manter negócios ou vantagens comerciais.
Para os fins do UK Bribery Act,28 “pessoa associada” poderá ser qualquer um que
forneça serviços para ou em nome da pessoa jurídica, e inclui e empregados, agentes,
subcontratados e fornecedores.

26 Section 6 (4) do UK Bribery Act.


27 Section 7 do UK Bribery Act.
28 Section 8 do UK Bribery Act.

Compliance
18

Não há infração diretamente similar na legislação brasileira. No Brasil, a existência


de programa de compliance não é obrigatória e, na verdade, é atenuante para a aplicação
da multa sob a Lei Anticorrupção Brasileira.

2.5.3 Sujeitos ativos


O UK Bribery Act prevê que as infrações poderão ser praticadas tanto por pessoas
jurídicas quanto por pessoas naturais. Esse é o caso das infrações de corrupção ativa e
passiva,29 bem como corrupção de funcionários públicos estrangeiros.30 Especificamente
quando a infração for praticada por pessoa jurídica, o administrador também será
pessoalmente responsabilizado se demonstrado que consentiu ou foi conivente com a
prática criminosa.31 Tanto o “consentimento” quanto a “conivência” requerem um
conhecimento dos fatos, mas, enquanto para a “conivência” esse conhecimento pode ser
apenas tácito (“turning a blind eye”), para o “consentimento” deverá ocorrer um acordo
explícito entre as partes.32
A infração prevista na Section 7, por sua vez, somente poderá ser praticada por
pessoas jurídicas. Isto porque a redação do dispositivo estabelece que praticarão a infração
de falhar na prevenção da corrupção as pessoas jurídicas que exercerem atividades
econômicas (commercial organisation). Cabe ressaltar, ainda, que as associações e
organizações não governamentais estariam englobadas entre as pessoas jurídicas capazes
de praticar essa infração caso exerçam qualquer tipo de atividade comercial.33
O UK Bribery Act não se aplicará às empresas estrangeiras que apenas tenham títulos
ou ações listadas na London Stock Exchange caso não haja efetiva realização de negócios
no país,34 sendo, portanto, um pouco mais restritivo em sua aplicação do que o FCPA nesse
quesito – aplicável a quaisquer empresas estrangeiras que tenham ações ou títulos
negociados em bolsas de valores nos Estados Unidos.

2.5.4 Aplicação extraterritorial


De forma geral, pode-se dizer que o UK Bribery Act tem aplicação extraterritorial
plena, tornando-se irrelevante o local da prática dos atos preparatórios da corrupção ou
de sua consumação.35 Em outras palavras, o requisito para aplicação extraterritorial do UK
Bribery Act é o grau de vínculo do sujeito ativo com o Reino Unido e a infração praticada.

29
Section 1 e Section 2 do UK Bribery Act.
30 Section 6 do UK Bribery Act.
31 CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Legislação anticorrupção no mundo: análise comparativa

entre a Lei Anticorrupção brasileira, o Foreign Corrupt Practices Act norte-americano e o Bribery Act
do Reino Unido. In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (org.). Lei
Anticorrupção. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 50.
32 Mayer Brown LLP. Guide to Anti-corruption Laws in Major Jurisdictions, 2011. p. 70.
33
Transparency International UK. Anti-Bribery Principles and Guidance for NGOs. Disponível em:
<http://www.transparency.org.uk/our-work/publications/10-publications/128-anti-
briberyprinciples- and-guidance-for-ngos>. Acesso em: 24.04.2018.
34 CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Legislação anticorrupção no mundo: análise comparativa

entre a Lei Anticorrupção brasileira, o Foreign Corrupt Practices Act norte-americano e o Bribery Act
do Reino Unido. In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (org.). Lei
Anticorrupção. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 50.
35
CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Legislação anticorrupção no mundo: análise comparativa
entre a Lei Anticorrupção brasileira, o Foreign Corrupt Practices Act norte-americano e o Bribery Act
do Reino Unido. In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (org.). Lei
Anticorrupção. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 58.

Compliance
19

Quando a infração for prática de corrupção ativa, passiva ou corrupção de


funcionários públicos estrangeiros, o UK Bribery Act é aplicável sempre que qualquer ato
ou omissão que configurem a infração ocorra ou devesse ocorrer no Reino Unido. Além
disso, aplica-se o UK Bribery Act ainda que o ato ou omissão que compõe a infração não
seja praticado no Reino Unido, sempre que tal ato ou omissão constituam infração se
praticado no território e o sujeito ativo possua um vínculo próximo com o Reino Unido.
Consideram-se pessoas com vínculo próximo ao Reino Unido:36

(i) os cidadãos britânicos e diversas outras pessoas que possuem passaporte


britânico, v.g. súditos e nacionais britânicos e dos territórios além-mar;
(ii) as residentes no Reino Unido; e,
(iii) as pessoas jurídicas criadas sob as leis de quaisquer integrantes do Reino Unido
ou uma parceria escocesa.

Por outro lado, a infração de falhar na prevenção da corrupção é aplicável às pessoas


jurídicas que mantenham negócios no Reino Unido. Embora possua um conceito amplo,
como dito anteriormente, o UK Bribery Act não se aplicará às pessoas jurídicas estrangeiras
que apenas tenham títulos ou ações listadas na London Stock Exchange, se não houver
efetiva realização de negócios no país.37
Além disso, o MOJ Guidance ainda afirma que o fato de possuir uma subsidiária no
Reino Unido não significará que a controladora estrangeira mantém negócios no Reino
Unido, uma vez que a empresa subsidiária pode agir com autonomia em relação à
sociedade controladora ou ao grupo empresarial. No entanto, no caso de subsidiária de um
amplo grupo corporativo, a exposição ao UK Bribery Act é aumentada, pois facilitaria a
configuração da presença da controladora no Reino Unido.38
O Reino Unido tem uma das legislações de maior alcance extraterritorial e começou
a aplicá-la impondo sanções, recentemente. No início do ano, o Reino Unido sentenciou a
empresa Smith & Ouzman Ltd. por propinas a oficiais da Mauritânia e Quênia. A sociedade
tinha conexão com o Reino Unido, pois era baseada no Reino Unido, mas as condutas
ocorreram inteiramente no exterior.

2.5.5 Defesas
Conforme anteriormente explicitado, o UK Bribery Act prevê como infração o ato de
falhar na prevenção da corrupção. Portanto, pode-se perceber que o diploma permite e
incentiva a autoproteção das pessoas jurídicas, que terão o ônus de prevenir a prática de
atos que violem as disposições do UK Bribery Act. Nesse sentido, na Section 7 (2) do UK
Bribery Act, está prevista uma modalidade de defesa das pessoas jurídicas que pode
diminuir o âmbito de aplicação da infração, uma vez que esta seria responsável por atos
ilícitos praticados em seu interesse ou benefício por quem possua qualquer ligação com a
pessoa jurídica. O UK Bribery Act dispôs que a existência e aplicação de procedimentos de

36
Section 12 (4) do UK Bribery Act.
37 CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Legislação anticorrupção no mundo: análise comparativa
entre a Lei Anticorrupção brasileira, o Foreign Corrupt Practices Act norte-americano e o Bribery Act
do Reino Unido. In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (org.). Lei
Anticorrupção. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 50.
38 Mayer Brown LLP. Guide to Anti-corruption Laws in Major Jurisdictions, 2011.p. 68.

Compliance
20

compliance considerados adequados e suficientes constitui uma defesa integral.39 Ou seja,


a pessoa jurídica que possuir um programa de compliance (ou integridade) que satisfaça
os requisitos da legislação poderá alegá-lo como excludente de culpabilidade.
No entanto, o UK Bribery Act não define quais são os critérios para que um programa
de integridade seja adequado e suficiente, uma vez que há uma série de variáveis que
determinam o grau de rigidez das regras de compliance aplicáveis a cada caso. Assim, a
pessoa jurídica deve realizar uma análise de risco, contemplando o cenário em que atua40
e as diretrizes estabelecidas pelo MOJ Guidance, a fim de estabelecer as melhores práticas
de acordo com a sua realidade e seus riscos.
O MOJ Guidance dispõe sobre seis princípios que devem ser observados pelas pessoas
jurídicas sujeitas à aplicação do UK Bribery Act. Tais princípios se coadunam com as
práticas internacionais e dos Estados Unidos.41 Além disso, o guia ainda traz, em seu
anexo, exemplos de aplicação dos princípios em casos do dia-a-dia das empresas.
O primeiro princípio é o da proporcionalidade dos procedimentos. De acordo com tal
princípio, as pessoas jurídicas devem possuir procedimentos e políticas acessíveis e
adequadas aos riscos, natureza, tamanho e complexidade de suas atividades comerciais.
O MOJ Guidance classifica como de alto risco a exposição de terceiros que negociam com
agentes públicos estrangeiros e, embora também reconheça as dificuldades de fazer com
que tais terceiros também sigam suas políticas e procedimentos de compliance, encoraja
que as pessoas jurídicas apliquem tais procedimentos a relações futuras e já existentes.
Em regra, quanto maior a pessoa jurídica e quanto mais variado seus parceiros comerciais,
mais abrangente e detalhado deve ser o programa de compliance.42
O segundo princípio, e uma das principais preocupações das autoridades do Reino
Unido, prevê o compromisso da alta administração da pessoa jurídica com o programa de
compliance. De acordo com o MOJ Guidance, a alta administração deverá deixar claro para
todos os colaboradores da empresa e para terceiros que a política e a cultura internas são
contra a prática de atos corruptos, bem como deverá demonstrar seu comprometimento
na prevenção da corrupção – e.g. apoio e auxílio no desenvolvimento do código de conduta
e programa de compliance, publicidade do programa junto aos seus colaboradores e
terceiros, entre outros exemplos.43
O terceiro princípio estabelece que as pessoas jurídicas devem realizar uma avaliação
de riscos. Assim como os procedimentos, a profundidade da avaliação de riscos variará de
acordo com uma série de fatores, devendo ser proporcionais ao seu tamanho e estrutura
e a natureza, dimensão, local e setor de suas atividades comerciais. Além disso, segundo
o MOJ Guidance, para que a avaliação de riscos seja eficaz, deverá possuir alguns
requisitos: supervisão da alta administração, identificação de todos os riscos relevantes,

39
Section 7 (2) do UK Bribery Act.
40
CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Legislação anticorrupção no mundo: análise comparativa entre a Lei
Anticorrupção brasileira, o Foreign Corrupt Practices Act norte-americano e o Bribery Act do Reino Unido. In:
SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (org.). Lei Anticorrupção. Salvador: JusPodivm, 2015, p.
48.
41
Hughes Hubbard & Reed LLP. FCPA/Anti-Bribery Alert – Winter 2015, p. 308. <
https://www.hugheshubbard.com/index.php?p=actions/vmgHhrUtils/download/asset&id=619 Hughes Hubbard
& Reed LLP. FCPA/Anti-Bribery Alert – Winter 2015>. Acesso em: 24.04.2018.
42
CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Legislação anticorrupção no mundo: análise comparativa entre a Lei
Anticorrupção brasileira, o Foreign Corrupt Practices Act norte-americano e o Bribery Act do Reino Unido. In:
SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (org.). Lei Anticorrupção. Salvador: JusPodivm, 2015, p.
48-49.
43
Ministry of Justice. The Bribery Act 2010 – Guidance. p. 23-24
<http://www.justice.gov.uk/guidance/docs/bribery-act-2010-guidance.pdf>. Acesso em: 24.04.2018.

Compliance
21

identificação de fontes internas e externas de informação relacionadas aos riscos, possuir


entrevistas de verificação prévia dos riscos e assegurar a documentação precisa e
apropriada da avaliação de riscos e suas conclusões.44
O quarto princípio versa sobre auditoria prévia (due diligence), a qual consiste em
procedimentos de diligência, baseados na avaliação de risco, de todos que possuam um
relacionamento comercial com a pessoa jurídica, incluindo agentes e intermediários, joint
ventures e cadeia de fornecedores. A pessoa jurídica deverá, portanto, verificar o histórico
de tais terceiros e a existência de procedimentos de compliance.
O quinto dispõe sobre comunicação e treinamento. A empresa deverá promover
treinamentos sobre as políticas e procedimentos de compliance existentes, devendo esse
ser periódico e mantido atualizado. No que tange à comunicação, esta poderá ocorrer por
meio de um canal seguro e confidencial, onde colaboradores e terceiros poderão denunciar
possíveis casos de corrupção. Além disso, a empresa deve promover ampla divulgação das
políticas e do código de conduta, que assegurarão a implementação do programa e o
conhecimento das consequências aplicáveis em caso de descumprimento.45
Por fim, o sexto princípio prevê o monitoramento e revisão do programa de
compliance, devendo a empresa periodicamente reavaliar os riscos a que está sujeita e
verificar se os procedimentos já implantados são adequados e suficientes para a prevenção
da corrupção, realizando as devidas readequações sempre que necessário.46

2.5.6 Sanções
Quando pessoas naturais praticarem as infrações de corrupção passiva, ativa e/ou
de funcionários públicos estrangeiros,47 as sanções aplicáveis serão: (i) no caso de
condenação sumária, prisão por um período não superior a 12 (doze) meses e/ou uma
multa não superior ao máximo legal; e (ii) no caso de condenação em processo, prisão por
um período não superior a 10 (dez) anos e/ou multa, sem limite de valor.
Quando uma pessoa jurídica48 praticar os mesmos crimes acima mencionados, caso
considera culpada por condenação sumária, deverá pagar uma multa não superior ao
máximo legal. Por outro lado, se for condenada em processo, estará sujeita ao pagamento
de multa sem limite de valor. Essa última sanção também é aplicável aos casos de falha
de prevenção da corrupção.49 Além disso, no caso de pessoas jurídicas, também poderão
ser aplicáveis sanções de outros diplomas legais, e.g. ordens de reembolso, ordens de
confisco, impedimento de participar de licitações públicas, proibição de exercer atividade
de diretor de qualquer empresa do Reino Unido por até 15 (quinze) anos, entre outros.

44
Ministry of Justice. The Bribery Act 2010 – Guidance. p. 25.
<http://www.justice.gov.uk/guidance/docs/bribery-act-2010-guidance.pdf>. Acesso em: 24.04.2018.
45
Ministry of Justice. The Bribery Act 2010 – Guidance. p. 29-30.
<http://www.justice.gov.uk/guidance/docs/bribery-act-2010-guidance.pdf>. Acesso em: 24.04.2018.
46
CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Legislação anticorrupção no mundo: análise comparativa entre a Lei
Anticorrupção brasileira, o Foreign Corrupt Practices Act norte-americano e o Bribery Act do Reino Unido. In:
SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (org.). Lei Anticorrupção. Salvador: JusPodivm, 2015,
p. 49.
47
Section 11 (1) do UK Bribery Act.
48
Section 11 (2) do UK Bribery Act.
49
Section 11 (3) do UK Bribery Act.

Compliance
22

2.5.7 “DPA Code”


Em 14 de fevereiro de 2014, o Diretor do Ministério de Justiça Britânico e o Diretor
do SFO publicaram a versão final do Deferred Prosecution Agreements Code of Practice –
(“DPA Code”), o qual fornece orientação para promotores para a negociação de DPAs. Após
o lançamento do DPA Code, os promotores foram autorizados a começar a celebrar DPAs
a partir 24 de fevereiro de 2014.50
O DPA é o acordo assinado por uma pessoa jurídica e o Ministério de Justiça quando
há grande probabilidade da pessoa jurídica ser condenada sob o UK Bribery Act ou quando
há ao menos uma suspeita razoável baseada em evidências lícitas. No entanto, para que
os procuradores possam conceder esse benefício às pessoas jurídicas que praticaram atos
corruptos, deverão observar dois requisitos. Quanto mais a empresa atender tais
requisitos, maior será a chance de celebrar um DPA com as autoridades e, pelo contrário,
quanto menos requisitos ela atender, maior será a probabilidade de ser indiciada.
O primeiro requisito está ligado à produção razoável de provas. As provas deverão
indicar que a pessoa jurídica praticou a infração e que a produção de provas será feita em
um período de tempo razoável, sendo este último conceito amplo e variando de acordo
com as nuances do caso. O objetivo do DPA Code é incentivar a cooperação das pessoas
jurídicas com as investigações e, consequentemente, demonstrar a efetividade do
programa de compliance da pessoa jurídica envolvida no ilícito. Isto porque os
procuradores deverão levar em conta os esforços empreendidos pela pessoa jurídica para
reunir e entrevistar testemunhas e fornecer documentos de quaisquer investigações
internas, incluindo documentos sigilosos.
O segundo requisito a ser observado pelos procuradores é se a celebração de um
DPA atende ao interesse público. São fatores de interesse público a serem considerados:
(i) se a pessoa jurídica possui um programa de compliance efetivo; (ii) se a pessoa jurídica
possui uma postura genuinamente proativa ao se delatar e tomou medidas para remediar
a situação; e (iii) se a pessoa jurídica não praticou anteriormente atos ilícitos similares.51
O DPA Code ainda dispõe sobre outros fatores que poderão ser considerados pelo
Ministério Público para analisar se há interesse público ou não, e.g. a infração cometida
era uma prática recorrente da pessoa jurídica, ou causou um dano econômico severo, ou
se a pessoa jurídica não reportou a infração dentro de um prazo razoável.52
Merece destaque a falta de proteção às provas que o DPA Code oferece, uma vez
que, fornecidas as provas pela pessoa jurídica infratora durante um processo de celebração
de um DPA, estas poderão ser usadas em um processo criminal futuro caso o DPA não
venha a ser celebrado, desde que sejam consideradas evidências lícitas.

50
Hughes Hubbard & Reed LLP. FCPA/Anti-Bribery Alert – Winter 2015, p. 313. <
https://www.hugheshubbard.com/index.php?p=actions/vmgHhrUtils/download/asset&id=619 Hughes Hubbard
& Reed LLP. FCPA/Anti-Bribery Alert – Winter 2015>. Acesso em: 24.04.2018.
51
Hughes Hubbard & Reed LLP. FCPA/Anti-Bribery Alert – Winter 2015, p. 314. <
https://www.hugheshubbard.com/index.php?p=actions/vmgHhrUtils/download/asset&id=619 Hughes Hubbard
& Reed LLP. FCPA/Anti-Bribery Alert – Winter 2015>. Acesso em: 24.04.2018.
52
Hughes Hubbard & Reed LLP. FCPA/Anti-Bribery Alert – Winter 2015, p. 314. <
https://www.hugheshubbard.com/index.php?p=actions/vmgHhrUtils/download/asset&id=619 Hughes Hubbard
& Reed LLP. FCPA/Anti-Bribery Alert – Winter 2015>. Acesso em: 24.04.2018.

Compliance
23

O primeiro DPA celebrado foi com Standard Bank em 30 de novembro de 201553 e o


segundo com uma empresa de pequeno ou médio porte (nome não divulgado) em 08 de
julho de 2016.54 Em 2017, assinou-se acordos com a Rolls-Royce55 e com a Tesco56.

2.6 Outras leis estrangeiras

2.6.1 Alemanha
O Código Penal alemão (Strafgesetzbuch) prevê crimes de corrupção ativa e passiva,
sendo, portanto, uma ofensa criminal oferecer, pagar ou aceitar suborno em transações
nacionais ou estrangeiras.57 O agente público que praticar o crime de corrupção passiva
poderá terá uma pena de seis meses a cinco anos de prisão, podendo este tempo ser
abrandado ou substituído por multa nos casos mais leves. Por outro lado, a pessoa que
praticar o crime de corrupção passiva responderá por uma pena de até três ou cinco anos
(depende da autoridade a quem ofereceu suborno) e pagamento de multa. O Código ainda
prevê duas outras espécies de corrupção passiva e ativa especial em relação à violação
pelo agente público de seus deveres oficiais.
O Código Penal alemão ainda prevê dois tipos penais de corrupção privada: (i)
oferecer ou pagar suborno nas relações comercias; e (ii) casos sérios de oferecimento ou
pagamento de suborno nas relações comerciais. As pessoas que praticarem tais atos
incorrerão em penas de até três anos ou multa. Além disso, o código prevê que a aplicação
de tais dispositivos a crimes cometidos fora da Alemanha.
Já a responsabilização das pessoas jurídicas está prevista no Administrative Offences
Act,58 que responsabiliza civilmente as sociedades empresárias por delitos de corrupção
em seu nome. Os sócios e a diretoria poderão ser responsabilizados por, intencional ou
negligentemente, não tomar medidas de supervisão necessárias que poderiam prevenir o
delito, sendo a multa máxima estipulada em 10 (dez) milhões de euros para cada delito.
A penalidade pode exceder tal quantia sem limites para que permita as autoridades
confiscarem os benefícios obtidos pelo delito de corrupção.
O rol de crimes de corrupção aumentou nos últimos dois anos. De acordo com a
antiga lei, subornar um empregado ou agente de uma empresa somente seria considerado
crime caso objetivasse a “compra” de vantagem concorrencial indevida. Atualmente,
qualquer ato que envolva a violação do dever do empregado pode ser considerado como
corrupção, desde que relacionada a aquisição de produtos ou serviços.59

53
Ver <https://www.sfo.gov.uk/2015/11/30/sfo-agrees-first-uk-dpa-with-standard-bank/>. Acesso em:
24.04.2018.
54
Ver <https://www.sfo.gov.uk/2016/07/08/sfo-secures-second-dpa/>. Acesso em: 24.04.2018.
55
Ver <https://www.sfo.gov.uk/cases/rolls-royce-plc/>. Acesso em: 10.06.2018.
56
Ver <https://www.sfo.gov.uk/2017/04/10/sfo-agrees-deferred-prosecution-agreement-with-tesco/>. Acesso
em: 10.06.2018.
57
Ver <http://www.business-anti-corruption.com/about/about-corruption/german-legislation.aspx>. Acesso
em: 24.04.2018.
58
Ver <http://www.gesetze-im-internet.de/englisch_owig/index.html>. Acesso em: 24.04.2018.
59
Hogan Lovells LLP. Global Bribery and Corruption Review – January 2016, p. 58.

Compliance
24

2.6.2 Argentina
No começo de março de 2017, a Argentina demonstrou preocupação quanto à
investigação da Odebrecht. Mesmo se quisesse, a Justiça argentina não podia multar, nem
chegar a um acordo com a Odebrecht, que confessou ter pago US$ 35 milhões em subornos
na Argentina, entre 2007 e 2014. A Odebrecht já chegou a acordos econômicos e de
cooperação com Panamá, Peru, Colômbia, República Dominicana e Equador, mas a
Argentina não podia nem multar a construtora brasileira. Sem uma lei que estabelecesse
um regime de penas às empresas que subornarem funcionários públicos, a ação da Justiça
era bem limitada. O código penal argentino só previa sanções por corrupção para pessoas
físicas. Para as empresas, nem sequer estavam previstas sanções administrativas.
O caso Odebrecht pressionou a Argentina por uma legislação contra a corrupção
empresarial. A iniciativa de alterar o código penal para penalizar empresas em casos de
corrupção, lavagem de dinheiro e outros ilícitos já era uma exigência da Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), à qual a Argentina quer se integrar.
A Argentina vem adotando medidas que deram certo no Brasil, como a chamada "lei
do arrependido", baseada na experiência brasileira com a "delação premiada". No ano de
2017, o país aprovou também a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, que é a
penalização das empresas envolvidas em casos de corrupção. A nova lei é crucial para o
combate à corrupção na Argentina, mas também beneficiará o Brasil porque as revelações
de uma empresa no país podem auxiliar nas investigações da Justiça brasileira.
No caso das pessoas físicas, a lei que permite a delação premiada individual é de
outubro passado. Tem poucos meses de existência. E, em boa parte, foi decidida pelo
exemplo do sucesso das delações premiadas da Lava Jato no Brasil.
As delações da Odebrecht no Brasil vão chegar à Argentina a partir de 1º de junho
de 2018, quando vence a cláusula de confidencialidade das delações premiadas no acordo
entre a Justiça brasileira e a empreiteira sobre atos de corrupção praticados pela empresa
no exterior. O fim desse sigilo pode impactar politicamente a Argentina, que estará em
plena campanha eleitoral para as eleições legislativas de outubro.60

2.6.3 China
A China anunciou planos para combater a corrupção e abuso de poder no setor de
imóveis, a fim de tentar facilitar o caminho para a migração em massa de milhões de
chineses em cidades do interior. Este plano anticorrupção é parte de um programa de
urbanização destinado a apoiar a reestruturação de sua economia. A corrupção era
generalizada na China, principalmente na administração do Estado, onde muitos agentes
públicos e seus dependentes se tornaram ricos por abuso de autoridade, frequentemente
com negócios em imóveis e propriedades do país. As regras estabelecidas definiram
condições para aplicação, alocação, uso e locação de habitação pública, bem como
subsídios e supervisão administrativa, fortalecendo as penas por fraude e uso ilegal de
habitação pública, especificando os departamentos responsáveis do governo, bem como
as condições que caracterizam abuso de poder, negligência do dever, suborno e fraude.
Desde o início de seu programa anticorrupção, mais de 50 agentes públicos de alto
escalão em postos ministeriais e milhares de agentes públicos de menor autoridade foram
investigados por corrupção e outras sérias violações disciplinares. De acordo com

60
Fonte: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2017-03/caso-odebrecht-pressionaargentina-
adotar-lei-contra-corrupcao>. Acesso em: 24.04.2018.

Compliance
25

relatórios, desde sua implementação, mais de 100.000 agentes públicos foram


investigados. A campanha obteve um efeito dramático: analistas estimaram que o PIB
chinês cairia até 2%, pois agentes públicos evitariam a compra de bens e imóveis luxuosos
para que não estimulasse investigações internas.
No âmbito internacional, a China conduziu da “Operação Caça a Raposa” (Operation
Fox Hunt), a qual teve início em 17 de novembro de 2014, realizada em 56 países. A China
prendeu 288 fugitivos suspeitos de terem realizados crimes econômicos. Com o objetivo
de prender mais fugitivos, o governo chinês ofereceu uma punição reduzida àqueles
suspeitos que se apresentasse até 01 de dezembro e de forma voluntária. Tal medida
resultou na prisão de 390 suspeitos. A habilidade chinesa em realizar a elaborada operação
internacional foi realçada por sua nova vontade de cooperar com autoridades estrangeiras
na luta contra a corrupção. Junto com outros 20 membros do Sudeste da Ásia e da Ásia
Oriental, a China e os EUA concordaram em aumentar os esforços para recuperação de
ativos, cooperação com extradição de oficiais corruptos e colocaram em prática uma rede
de transparência anticorrupção para se compartilhar inteligência sobre atos corruptos.
Um caso de destaque no esforço chinês de combate à corrupção foi o da farmacêutica
inglesa GlaxoSmithKline PLC (“GSK”). Em 19 de setembro de 2014, após um julgamento
secreto de um dia, a GSK foi considerada culpada pela prática de subornos de pessoas não
relacionadas ao governo na China e multada em 3 bilhões de yuans (aproximadamente
484 milhões de dólares). A multa foi a maior já imposta por um tribunal chinês.
O tribunal chinês também considerou Mark Reily, um cidadão do Reino Unido e ex-
Diretor da GSK China, culpado por organizar o esquema de corrupção que dependia de
centenas de agências de viagens, as quais direcionavam pagamentos ilícitos à doutores
chineses e oficiais da Saúde, com o objetivo de aumentar a venda de drogas produzidas
pela GSK. Reiley recebeu uma sentença de 3 anos de prisão e 4 anos de condicional seguida
de deportação imediata. Quatro outros executivos da GSK (todos chineses) foram presos
de 2 a 4 anos por sua participação no esquema.
No final de junho de 2013, os oficiais chineses invadiram a sede da GSK China. Reilly
escapou para o Reino Unido antes de voltar para cooperar com a investigação chinesa.
Nesse período, o departamento de vendas da GSK China foi acusado de ter utilizado mais
de 700 agências de viagens diferentes para pagar centenas de milhões de dólares em
subornos para doutores, hospitais e associações médicas chinesas. As agências de viagem
superfaturavam os valores pagos pela GSK China de reuniões e eventos, bem como
criavam faturas para conferências que não aconteciam. Dessa forma, os executivos da GSK
China, podiam ser reembolsados em dinheiro, facilitando a utilização deste para suborno.
Ademais, a porcentagem do dinheiro repassado pelas agências de viagem era tão lucrativa
que estas competiam pela chance de fazer parte do esquema, oferecendo propinas de
dinheiro, viagens e relações sexuais aos executivos da GSK China.
Após a sentença, a GSK publicou uma nota à imprensa dizendo que as atividades
ilegais realizadas pela GSK China foram uma clara quebra dos procedimentos
administrativos e de compliance da GSK. Acrescentou que, devido aos fatos ocorridos,
alterou seus procedimentos internos e postou uma nota de desculpa pública em seu site
afirmando que aceitava integralmente os fatos e evidências da investigação, inclusive os
vereditos pronunciados pela corte chinesa.

Compliance
26

Recentemente, a China sinalizou a seriedade e provável longevidade de seus esforços


através de declarações oficiais. A natureza de tal esforço seria dar às companhias operando
na China uma chance de reavaliar se estão propriamente alinhadas com questões de ética
e risco relacionados a compliance, dando cada vez maior aplicação de sua política
anticorrupção e suas potenciais consequências.
A China continua com a política de seu “Plano Anticorrupção em 5 Anos”. Suas
medidas anticorrupção são divididas entre uma lei que combate a competição desleal, que
proíbe atos comerciais de suborno tanto ativamente quando passivamente, e na Lei
Criminal chinesa, que se divide em “suborno oficial” (funcionário público) ou “suborno não
oficial” (funcionário de organização estatal, ou funcionário de empresa privada), proibindo
qualquer pessoa de receber ou fornecer dinheiro ou propriedade em troca de benefício.61
De acordo com um relatório entregue pelo mais alto legislador chinês Zhang Dejiang
em 2015, o país revisará a Lei sobre Supervisão Administrativa, assim como a Lei Eleitoral
para Assembleia Popular Nacional e Assembleias Populares Locais e a Lei Orgânica das
Assembleias Populares Locais e Governos Populares Locais.62
Em 17 de novembro de 2014, como parte de uma operação chamada “Operação Caça
a Raposa” realizada em 56 países, a China prendeu 288 fugitivos suspeitos de terem
realizados crimes econômicos. O governo chinês, em troca de uma punição reduzida,
ofereceu aos suspeitos de corrupção um prazo até 1 de dezembro para se entregarem,
obtendo em tal data, o comparecimento voluntário de 390 suspeitos.63
Entidades dos setores de telecomunicações e energia têm sido intensamente
investigadas pela Comissão Central de Inspeções Disciplinares (“CCDI”). Em novembro de
2015 o CCDI anunciou um novo programa anticorrupção cujo principal alvo será o mercado
financeiro, especialmente a agência reguladora do sistema financeiro nacional e os quatro
grandes bancos controlados pelo governo.64

2.6.4 França
Em dezembro de 2013, a França editou duas novas leis que introduziram mudanças
importantes e estruturais para o combate da corrupção na França. A primeira (n. 2013-
1115) foi a criação de uma nova Procuradoria especializada em crimes “de colarinho
branco”, com jurisdição sobre crimes financeiros e delitos relacionados a corrupção
(Procureur de la Republique Financier). A segunda, (n.2013-1117) procurou endereçar as
deficiências apontadas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
– OCDE na legislação francesa.
Em junho de 2016, os deputados franceses começaram a analisar reformas na lei
anticorrupção do país de forma a transformar as transações econômicas mais
transparentes. A emenda do Ministro Michel Sapin (apelidada de Sapin II), ainda em
discussão, prevê a criação de uma Convenção Judiciária de Interesse Público, onde o
magistrado poderá negociar sanções com a empresa acusada e impor um plano de
prevenção de corrupção futuro, permitindo a Justiça controlar os compromissos assumidos.

61
Hughes Hubbard & Reed LLP. FCPA/Anti-Bribery Alert – Winter 2015, p. 72. <
https://www.hugheshubbard.com/index.php?p=actions/vmgHhrUtils/download/asset&id=619 Hughes Hubbard
& Reed LLP. FCPA/Anti-Bribery Alert – Winter 2015>. Acesso em: 24.04.2018.
62
Hughes Hubbard & Reed LLP. FCPA/Anti-Bribery Alert – Winter 2015, p. 73. <
https://www.hugheshubbard.com/index.php?p=actions/vmgHhrUtils/download/asset&id=619 Hughes Hubbard
& Reed LLP. FCPA/Anti-Bribery Alert – Winter 2015>. Acesso em: 24.04.2018.
63
Ver <http://www.chinadaily.com.cn/china/Fox-hunt.html>. Acesso em: 24.04.2018.
64
Hogan Lovells LLP. Global Bribery and Corruption Review – January 2016, p. 34.

Compliance
27

Tal proposta também inclui uma série de ações, como a limitação das atividades do lobista,
aprovação prévia dos salários de dirigentes das empresas e a proteção dos autores de
denúncias de irregularidades.65
Em fevereiro de 2015 a Transparência Internacional reportou que a França estava
perdendo a luta contra a corrupção. Tendo isso em vista, o governo francês vem
demonstrando um grande interesse nos “procedimentos Americanos” de combate a crimes
do colarinho branco, como: acordos de leniência, multas de alto valor e calculadas com
base nos ganhos ilícitos, reorganizações corporativas obrigatórias e melhoria dos
procedimentos de controle e monitoramento interno.66

2.6.5 Itália
Após mais de dois anos estagnadas para ser votada, em 2015 a Itália aprovou sua
nova legislação anticorrupção, chamada de “Provisões para Prevenção e Supressão de
Corrupção e Ilegalidades na Administração Pública (Disposizioni per la prevenzione e la
repressione della corruzione e dell'illegalità nella pubblica amministrazione). Dentre outras
medidas, a nova lei (i) impossibilita pessoas que foram condenadas por corrupção, ou
qualquer crime sério, de concorrer a cargos públicos ou possuir acesso a certos setores
públicos; (ii) aumenta as sentenças para funcionários públicos condenados por abuso de
autoridade, ter pedido subornos ou atuado em tráfico de influência; (iii) aumenta a
penalidade para corrupção no setor privado, adicionando o crime de corrupção entre partes
privadas; (iv) requer um código de conduta para funcionários públicos; (v) requer que
governos locais e regionais instituam um plano anticorrupção e os renove anualmente,
assim como demonstrem seus orçamentos e o custo de funcionários públicos em seu
website (vi) requer garantia de anonimato para denunciantes. Ademais, também prevê a
criação de uma autoridade anticorrupção, assim como de outros órgãos relacionados.67
Tramita no parlamento italiano um projeto de lei sobre delações premiadas.
Atualmente a legislação italiana (Lei 165/01) estabelece que somente funcionários públicos
podem aderir a delações premiadas, que devem necessariamente implicar somente a
administração pública. A nova proposta incentiva a comunicação de atos de corrupção ao
permitir que empregados do setor privado façam delações premiadas.68

2.6.6 México
O sistema anticorrupção mexicano se baseava em sete leis aprovadas em 2015 que
previam sanções administrativas apenas para servidores públicos. Em julho de 2016,69 o
México aprovou reforma que altera 14 artigos constitucionais. Dentre eles, o que recebeu
maior atenção foi o qual todos os funcionários públicos devem divulgar seus impostos de
renda, assim como os contratantes públicos. Tais medidas versam sobre temas como
combate ao suborno, apropriação indébita, enriquecimento ilícito, abuso de autoridade e

65
SILLAMAN, B., WASOWICZ, J.D.; French Anti-Corruption Law Reform: A Paper Tiger Or A Paradigm Shift?
<http://fcpaprofessor.com/french-anti-corruption-law-reform-a-paper-tigeror-a-paradigm-shift/>. Acesso em:
24.04.2018.
66
Hogan Lovells LLP. Global Bribery and Corruption Review – January 2016, p. 49.
67
Ver <http://www.loc.gov/law/foreign-news/article/italy-anti-corruption-law-adopted/>. Acesso em:
24.04.2018.
68
Hogan Lovells LLP. Global Bribery and Corruption Review – January 2016, p. 60.
69
Ver <http://www.forbes.com/sites/themexicoinstitute/2016/07/18/mexico-wins-anti-corruptionreform-
approved/#230ccf6256e6>. Acesso em: 24.04.2018.

Compliance
28

obstrução da justiça. Dentre outras mudanças, importante destacar a criação de um órgão


independente especializado, chamado de Procuradoria Contra os Crimes de Corrupção.

2.6.7 Rússia
Uma nova lei russa (N. 273) editada em 201370 foi considerada um importante passo
do país rumo à conformidade. Seu artigo 13.3 requer que todas as sociedades empresárias
que atuam no país implementem programas de compliance com medidas específicas. Caso
a empresa falhe em implementá-las, tornar-se-á sujeita a multas elevadas a depender de
sua cooperação, uma vez que a Rússia não prevê um procedimento adequado legal de
defesa contra delitos de corrupção.
Dentre as especificações para um programa de compliance completo, prevê-se (i)
criação de um departamento e funcionários responsáveis por prevenir suborno e delitos
similares; (ii) desenvolvimento de mecanismos para cooperação com autoridades; (iii)
desenvolvimento e implantação de padrões e procedimentos de modo a garantir condutas
éticas nos negócios; (iv) adoção de um código de ética para todos os funcionários; (v)
estabelecimento de instrumentos para identificar, prevenir e resolver conflitos de
interesse; e (vi) prevenção da criação ou uso de documentos falsos. Outros dispositivos
da lei preveem que a sociedade empresária pode ser responsabilizada por qualquer delito
de corrupção em seu nome ou interesse simplesmente por não conseguir preveni-lo.71

2.7 Interação multijurisdictional


O Banco Mundial (World Bank Institute - “WBI”) publicou o “Fighthing Corruption
Through Collective Action – A Guide for Business”, definindo o que seria uma collective
action, ponto importante para entender a interação multijurisdicional no âmbito da
compliance, sendo “(...) um processo colaborativo e sustentado de cooperação entre partes
interessadas (...)”. Nesse sentido, seria a união de empresas com o objetivo de ter
integridade nos negócios, evitando que os negócios se tornem inviáveis por diferenças
éticas quanto à forma de trabalho no âmbito concorrencial.
Quanto à collective action, o WBI apresenta quatro tipos, dentre eles, destaca-se
Pactos de Integridade, o qual foi criado pela Transparência Internacional72 com o intuito
de garantir que contratos públicos sejam assinados sem a influência de atos corruptivos.
Sobre o regime de sanções do WBI, – incluído nos “Procedimentos de Sanções” do
WBI – este tem a habilidade de investigar e sancionar empresas e indivíduos pelas
chamadas “práticas sancionáveis” (fraude, corrupção, conluio, obstrução e/ou coerção)
cometidas durante aquisição ou implementação de um projeto financiado pelo WBI. A
jurisdição do WBI é baseada em contrato e os “Procedimentos de Sanções” focam
principalmente nos contratantes, subcontratantes e consultores e não se aplicam a agente
do governo ou do WBI que participaram de atividade ilegal, uma vez que tais casos são
lidados em um procedimento administrativo separado.

70
Ver <http://www.fcpablog.com/blog/2013/3/5/new-russia-law-goes-beyond-fcpa-bribery-act.html>. Acesso
em: 24.04.2018.
71
Ver <http://www.business-anti-corruption.com/about/about-corruption/russian-federal-anticorruption-
law.aspx>. Acesso em: 24.04.2018.
72
A Transparência Internacional é uma organização não governamental que tem como principal objetivo a luta
contra a corrupção. (Site: https://www.transparency.org/)

Compliance
29

Dependendo da gravidade da conduta, as sanções impostas vão de cartas de


reprimenda até exclusão por tempo indeterminado de qualquer projeto futuro financiado
pelo WBI. Nesse caso, a identidade da parte sancionada, assim como as sanções impostas
são divulgadas publicamente, causando significativo dano a sua reputação. O WBI vem
aumentando suas atividades sancionadoras dramaticamente nos últimos anos e hoje é de
longe o Banco de Desenvolvimento Multilateral mais ativo nesse quesito. O atual regime
de sanções do WBI é construído em volta de três áreas principais: (i) a Vice-Presidência
de Integridade; (ii) o Escritório de Suspenção e Exclusão; e (iii) a Diretoria de Sanções.
No mundo de hoje cada vez mais os indivíduos e as pessoas jurídicas estão sujeitos
às leis e sanções de diversas jurisdições. Os Estados Unidos têm, tradicionalmente, sido o
principal país com aplicação de suas leis em nível internacional, sujeitando as sociedades
e pessoas com nexo com os Estados Unidos às suas leis, ainda que estas pessoas e
sociedades estejam localizadas em outras jurisdições. No que se refere à aplicação de
sanções internacionais nos crimes de corrupção ocorridos em território brasileiro, a
Operação Lava Jato nos traz inúmeros exemplos de interação multijurisdicional
internacional, dentre eles, os funcionários da Petrobras envolvidos no escândalo estão
sendo processados pelo Department of Justice (“DOJ”) dos Estados Unidos.
A Lei 12.846/13 prevê a possibilidade de sua aplicação extraterritorial. O Brasil, tem
sido cenário para condutas que geraram aplicação de sanções em outras jurisdições.
Alguns dos casos do FCPA referem-se, entre outras, às condutas ocorridas no Brasil. E,
mais recentemente, no âmbito da Operação Lava Jato, tem-se observado a interação entre
as autoridades brasileiras e estrangeiras tanto no processo investigativo quanto no
processo sancionador.
A Petrobras, por exemplo, é investigada pela Securities and Exchanges Commission
(SEC),73 dos Estados Unidos, por conta de seu envolvimento na Lava Jato. No Brasil,
contudo, a Petrobras tem sido tratada como vítima das condutas investigadas na Lava Jato.
Essa é uma situação bastante peculiar em que a interação multijurisdicional, e a aplicação
de regras distintas pode levar a uma empresa ser considerada vítima em uma jurisdição
e, potencialmente, ter violado as leis de outra jurisdição.
A interação multijurisdicional no âmbito da Lava Jato (apenas como exemplo) é
também relevante para empresas que se encontram em situação distinta da Petrobras e
podem iminentemente ser consideradas como violadoras de lei tanto no Brasil quanto no
exterior. A essas empresas é dada a possibilidade, nas diversas jurisdições, de colaborar
com as autoridades e buscar acordos. Nos Estados Unidos a legislação e a prática permitem
que se celebrem os chamados Deferred Prosecution Agreement (DPA), em que as
autoridades se comprometem a não processar os signatários dos acordos, desde que eles
cumpram com algumas obrigações. Entre essas obrigações não se encontra, normalmente,
a obrigação de confessar uma prática ilegal. No Brasil, entre os requisitos dos Acordos de
Leniência, está a necessidade de se confessar a prática do ilícito, o que faz com que muitas
empresas relutem em aceitar a leniência.
Ainda, no que se refere à aplicação de penalidades provindas do exterior, a EMBRAER
também foi sancionada e multada pelo Brasil e pelos Estados Unidos:

73
A Securities and Exchange Commission seria a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, também
abreviada como SEC, consiste em uma agência federal responsável pela aplicação das leis referentes aos títulos
federais, bem como tem a responsabilidade de regular o setor de valores mobiliários.

Compliance
30

“A empresa fabricante de aeronaves Embraer fechou um acordo judicial de US$ 206


milhões com autoridades dos Estados Unidos e do Brasil, para encerrar um caso de
investigação de corrupção internacional de agentes da companhia na venda de aviões a
diversos países. (...)”.74
Outro ponto de relevância na interação multijurisdicional quanto ao Brasil está nas
operações de Fusões e Aquisições. Boa parte das legislações prevê a responsabilidade
sucessória por violações às leis anticorrupção. Como é preferível que uma empresa com
preocupações com compliance adquira um negócio em que ocorreram violações no passado
e adote medidas para evitar que ocorram no futuro, algumas jurisdições criam incentivos
para que isso aconteça, por vezes isentando de penalidades as empresas que adquirem
estes ativos.
No Brasil, não há, atualmente, a possibilidade de isenção total de penalidade e
companhias estrangeiras que comprem ativos no Brasil podem buscar proteção nas leis de
seus países de origem, mas no Brasil, ao menos até que se altere a lei, terão que optar
entre fazer uma autodenúncia, incorrendo em alguma penalidade, ou não buscar as
autoridades brasileiras e esperar pelo transcurso do período prescricional.
A interação multijurisidicional não é senão a busca por solução para os tratamentos
diversos, dispensados pelas leis de diversas jurisdições, para as mesmas situações. Por
conta da aplicação extraterritorial das leis anticorrupção, diversas jurisdições podem dar
tratamento diversos às diferentes situações e, por isso, os profissionais de compliance
devem sempre considerar a interação multijurisdicional na definição de suas estratégias.

2.8 Case cuidados em operação internacional


Uma sociedade empresária limitada britânica chamada XYZ contratou um
despachante aduaneiro ABC para auxiliá-la na liberação de um equipamento em Angola.
Quais as providências recomendáveis a serem tomadas por XYZ antes da contratação
de ABC? Qual o risco legal sob o UK Bribery Act nessa contratação?

2.9 Case Magyar Telekom – inspirado em fatos reais


Em outubro de 2014, um executivo da companhia Magyar Telekom, cidadão húngaro,
através de troca de e-mails, autoriza o pagamento de propina a funcionário público russo.
O pagamento foi de US$1.000.000.00, para que o funcionário público russo realizasse mais
rapidamente a concessão de uma licença operacional a que a Magyar Telekom já teria
direito por atender a todos os requisitos para concessão.
A Magyar Telekom não possui valores mobiliários negociados em nenhum lugar além
da Hungria. A atuação internacional da Magyar Telekom resume-se a um escritório de
representação em Londres e um representante comercial nomeado no Brasil. A Magyar
Telekom, além disso, possui alguns ativos no exterior: (i) seus servidores de e-mail ficam
nos Estados Unidos da América; (ii) a sociedade possui contas denominadas em libras na
Inglaterra e denominadas em euros na Áustria.
Em abril de 2013, o conselho de administração da Magyar Telekom havia aprovado
a contratação do escritório de advocacia Hughes, Hubbard & Reed LLP, com atuação
internacional na área de compliance, para a implementação de um programa de
compliance na empresa. A despeito da aprovação em abril de 2014, por restrições

74
Fonte: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/10/1825685-embraer-faz-acordo-de-us-206- milhoes-
para-encerrar-caso-de-propina.shtml>. Acesso em: 24.04.2018.

Compliance
31

orçamentárias, o Diretor Financeiro e o Diretor Jurídico da Magyar Telekom resolveram


deixar a contratação para o ano de 2015.

Pergunta-se:
1. Quais os delitos cometidos pela Magyar Telekom?
2. Quais os países que têm jurisdição sobre o pagamento de propina?
3. Quais as penalidades que podem ser aplicadas?
4. O pagamento é considerado um pagamento se fosse um “pagamento de facilitação”?
Em caso positivo, penalidades podem ser aplicadas?
5. O Diretor Financeiro e o Diretor Jurídico da Magyar Telekom podem ser responsabilizados
por não contratarem o escritório de advocacia para a implementação do programa de
compliance? Havia a obrigação de contratação?
6. A Magyar Telekom pretende participar de um projeto financiado pelo WBI. Qual o risco
para a Magyar Telekom?
7. A Magyar Telekom pode ser sancionada pelo WBI?
8. Caso a Magyar Telekom seja sancionada pelo WBI, ela pode participar de um projeto do
Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento?
9. Quais as opções para a Magyar Telekom evitar uma sanção pelo WBI?

2.10 Compliance no Brasil


A legislação brasileira a respeito do processo sancionador em matéria de compliance
é esparsa, uma vez que a competência para instauração e condução do processo é
pulverizada entre diversos órgãos de diversos entes da Federação.
O compliance entrou em voga com a edição da Lei 12.846/2013, que estabeleceu a
responsabilidade administrativa e civil das pessoas jurídicas por atos contra a
administração pública. A despeito da novidade da responsabilização das pessoas jurídicas,
o Brasil já possuía uma série de diplomas que versam sobre atos lesivos à administração
pública que são tratados na Lei 12.846/2013, e tratar de compliance sem o conhecimento
prévio desses diplomas resulta em ignorar parte fundamental da disciplina.
Os principais diplomas que versam sobre o tema de corrupção e de atos lesivos à
administração pública, além da Lei 12.846/2013 o seu decreto regulamentador, o Decreto
8.420/2015, são: (i) a Lei de Lavagem de Capitais; (ii) a Lei de Improbidade
Administrativa; (iii) a Lei de Licitações; (iv) o Código Penal; (v) normas emitidas pela CGU,
sobretudo a Portaria CGU 910/2015; e (vi) Tratados e Convenções Internacionais
introduzidos em nosso ordenamento por meio de decretos legislativos. Finalmente,
algumas legislações internacionais, como o FCPA e o UK Bribery Act, também têm
relevância no combate à corrupção em nível mundial, inclusive no Brasil.
A efetiva prática do compliance depende da observância desse sistema normativo
geral complexo, que pode ser chamado de Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção,
somado às peculiaridades e imposições normativas referentes à cada ramo de atividade.

2.10.1 Lei Anticorrupção brasileira e seus principais aspectos


A Lei 12.846/13, conhecida como Lei Anticorrupção, foi publicada em 01/08/2013.
Apesar de o Brasil, já então, contar com leis que coibiam a corrupção, tais quais
dispositivos no Código Penal, ainda faltava um elemento que punisse, efetivamente, as
pessoas jurídicas que participassem em tais ilícitos. Vale notar, contudo, que apesar de ser

Compliance
32

conhecida como Lei Anticorrupção, a Lei 12.846/2013 não trata apenas do combate à
corrupção, mas de atos lesivos à administração pública. Desse modo, talvez a melhor
nomenclatura seja Lei da Empresa Limpa. O artigo 5º elenca os atos ilícitos...

– prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público,


ou a terceira pessoa a ele relacionada;
– comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a
prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;
– comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou
dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
– dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes
públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos
órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
– no tocante a licitações e contratos...

a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o


caráter competitivo de procedimento licitatório público;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório;
c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem
de qualquer tipo;
d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;
e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação
pública ou celebrar contrato administrativo;
f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou
prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em
lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais;
ou
g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a
administração pública;

O advento de tal lei, portanto, objetivava imputar às pessoas jurídicas


responsabilidade por atos de corrupção, entre outros, praticados por seus representantes,
desde que sejam em benefício da empresa. Além disso, a edição da lei vai ao encontro dos
compromissos assumidos pelo Brasil a nível internacional, por exemplo na OCDE e na
Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção.
A citada responsabilização se dá nos âmbitos administrativos e cíveis, não obstando,
porém, a penal. No entanto, não há que se falar em responsabilidade penal da pessoa
jurídica, mas sim das pessoas físicas responsáveis pela empresa, tais quais os
administradores, controladores, dentre outros, pelos atos ilícitos cometidos, e na medida
de sua culpabilidade.
Ainda, é possível a responsabilização da empresa, sem que isso implique,
necessariamente, o reconhecimento de culpabilidade de seus dirigentes. Uma vez que a
responsabilização da pessoa jurídica pode se dar por responsabilidade objetiva, é possível
a responsabilização objetiva da empresa mesmo que não seja possível provar a
culpabilidade de seus diretores.
O sujeito ativo é, portanto, a empresa, não havendo ressalvas quanto ao modo pelo
qual se organiza, podendo, inclusive, ser estrangeira, desde que, de alguma forma, esteja

Compliance
33

ligada ao Brasil (por exemplo, com sucursal situada no Brasil). Apesar de a lei ter sido
omissa quanto a referências expressas a partidos políticos e organizações religiosas, é
possível argumentar que ambos também se submetem aos preceitos alavancados na lei
por se organizarem como pessoas jurídicas.
Destaca-se que, no mesmo sentido que o FCPA e ao contrário do UKBA, a legislação
brasileira não visa a aplicação no âmbito privado, mas sim nas relações com o poder
público. Muitos dos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção já se encontram discriminados
em outros normativos, tais quais a Lei de Improbidade, a Lei de Licitações, dentre outros.
Verifica-se, no artigo 5º, um rol de atos lesivos à administração pública, que implica
responsabilização das pessoas jurídicas.
As sanções previstas em caso de descumprimento são bastante severas. No âmbito
administrativo, podem ser elas:

- multa, cujos valores serão variáveis entre 0,1% a 20% do faturamento bruto do
último exercício – caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto
da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6 mil a R$ 60 milhões;
- publicação extraordinária da decisão condenatória: o que pode implicar danos à
imagem da empresa.

Já no âmbito judicial, são elas:

- perda de tudo aquilo que fora obtido por meio da prática delituosa;
- suspensão ou interdição parcial das atividades da empresa;
- dissolução compulsória da pessoa jurídica;
- proibição de receber benefícios do governo, tais quais subsídios, doações, empréstimos,
dentre outros.

A citada lei estabelece, também, os parâmetros para que seja firmado acordo de
leniência, bem como a competência do Ministério da Transparência (CGU) para celebrar
tais acordos. Constituem objetivos do acordo de leniência o fim das práticas delituosas,
bem como identificar todos os envolvidos. A celebração do acordo de leniência: isentará
da publicação extraordinária da decisão condenatória; isentará da proibição de receber
incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades
públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo
mínimo de 1 e máximo de 5 anos; reduzirá em até 2/3 o valor da multa aplicável.
Os requisitos para a celebração do acordo de leniência são:

– Auto denúncia (ser a primeira a se manifestar).


– Empresa cesse atividade delituosa.
– Colabore com as investigações.
– admitir sua participação na infração administrativa (Decreto 8.420/15).
– fornecer informações, documentos e elementos que comprovem a infração
administrativa (Decreto 8.420/15).

A existência de programas de integridade, bem como o incentivo à denúncia, à


aplicação do código de ética e conduta e de mecanismos de controle, de acordo com o que
fora instituído pelo Decreto 8.420/15, deve ser considerado na aplicação das penalidades

Compliance
34

aplicáveis. A legislação brasileira a respeito de programas de integridade está concentrada


na Lei 12.846/2013, no seu decreto regulamentador, o Decreto 8.420/2015, bem como
em normas emitidas pela CGU, sobretudo a portaria CGU 909/2015. Além deste resumo,
recomenda-se também a leitura dos referidos diplomas. Para aqueles que tiverem
interesse, sugere-se também a leitura da norma ISO 37001, a respeito de sistemas de
controle anticorrupção.

3. ASPECTOS GERAIS E PENAIS DA LEGISLAÇÃO


ANTICORRUPÇÃO E ANTISSUBORNO

3.1 Código Penal


O Código Penal tipifica atos cometidos contra a Administração Pública a fim de tutelar
a probidade administrativa. Os crimes funcionais estão compreendidos entre os artigos 312
a 327, sendo praticados, exclusivamente, por funcionários públicos, podendo ou não haver
a participação de terceiros. Se relacionam aos atos de improbidade administrativa, já que
as ações tipificadas importam em enriquecimento ilícito, dano ao erário ou violação aos
princípios preconizados pela administração pública.

Concussão
Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da
função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena - reclusão, de 2 a 8 anos, e multa.
Corrupção passiva
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda
que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou
aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 a 12 anos, e multa.
Corrupção privilegiada
§ 1º - A pena é aumentada de 1/3, se, em consequência da vantagem ou promessa,
o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo
dever funcional.
§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração
de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de 3 meses a 1 ano, ou multa.
Tráfico de Influência
Art. 332 - Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou
promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no
exercício da função:
Pena - reclusão, de 2 a 5 anos, e multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que
a vantagem é também destinada ao funcionário.
(CP, art. 332 e, se internacional, art. 337-C – atendendo a Convenção da OCDE)
Corrupção ativa (é para pessoas físicas, e não jurídicas)
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 a 12 anos, e multa.

Compliance
35

Parágrafo único - A pena é aumentada de 1/3, se, em razão da vantagem ou


promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever
funcional.
(CP, art. 333 e, se internacional, art. 337-B – atendendo a Convenção da OCDE)

No âmbito penal, o conceito de funcionário público é ampliado. De acordo com o


artigo 327, funcionário público é aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem
remuneração, cargo, emprego ou função pública.
É de se notar que a corrupção constitui exceção à teoria monista, uma vez que
existem dois crimes diferentes abarcados na mesma conduta. Havendo confluência entre
a ação do terceiro e do funcionário público, há os crimes de corrupção ativa e passiva.
No crime de corrupção passiva, previsto no artigo 317, o funcionário público solicita
ou recebe vantagem indevida, sendo o funcionário, portanto, o sujeito ativo. Ainda que a
solicitação não seja atendida, estará configurado o crime. Caso haja reflexos no exercício
profissional, por retardar ou deixar de praticar ato de ofício, verifica-se a corrupção
privilegiada (art. 317, par. 1º e 2º), exaurindo-se a conduta, o que gera aumento da pena.
A doutrina classifica a corrupção passiva entre própria, quando se comete o ato, pelo
qual se aufere vantagem, e imprópria, quando a atividade que realiza é legal. Há ainda, a
corrupção passiva antecedente, quando a entrega da referida vantagem ocorre em
momento anterior à ação ou omissão, e a subsequente, em que, ao contrário da
antecedente, o oferecimento da vantagem é posterior à ação.
Assim como em relação à Lei de Improbidade Administrativa, o conceito de vantagem
indevida relaciona-se aquilo que é pago e que não corresponde aos proventos.
Já no crime de corrupção ativa, o sujeito atuante é terceiro, que visa corromper
funcionário público. Do mesmo modo, o crime estará consumado no momento do
oferecimento da vantagem, quer seja esta aceita ou não. Deve-se atentar à existência da
forma privilegiada, que, assim como na corrupção passiva, diz respeito ao exaurimento da
conduta (no caso, o funcionário infringe dever funcional).
É válido mencionar que, apesar de não haver culpabilidade da pessoa jurídica, com
o advento da Lei 12.846/13, foi possível responsabilizar os dirigentes, administradores,
autores e coautores da pessoa jurídica envolvida na prática de corrupção ativa.

3.2 Combate à lavagem de Dinheiro


Com a internacionalização do crime organizado, especialmente do tráfico de drogas,
em meados da década de 1980, foi percebida a necessidade de mudar a forma de combater
a criminalidade: não bastava prender os criminosos, já que, em uma estrutura organizada,
eles eram rapidamente substituídos por outros na cadeia de comando da organização. Era,
portanto, necessário estrangular as fontes de recursos dessas organizações. Surge o
combate à lavagem de dinheiro. Como as autoridades não tinham como identificar esses
recursos, inicialmente foi necessário engajar os bancos nesse esforço. Posteriormente,
diversos outros setores e profissionais, denominados entidades ou setores obrigados,
foram sendo incluídos como parceiros do Estado nesta luta.
A terminologia adotada no Brasil é muito similar àquela utilizada em outros países,
onde se fala de blanqueo de capitales, money laundering, blanchiment d’argent,
geldwashing e riciclaggio di denaro sporco. A lei brasileira, entretanto, não menciona
exatamente as palavras “dinheiro” ou “capital”, optando por referir à lavagem de bens,
direitos ou valores o que confere maior abrangência ao conceito de lavagem.

Compliance
36

3.2.1 Modus operandi


O crime de lavagem de capitais consiste na conduta de quem oculta ou dissimula a
origem de bens, direitos ou valores provenientes de crime. Haverá lavagem de capitais,
ainda, na ocultação, localização, movimentação, propriedade ou origem desses valores ou
ainda na conduta de quem, sabendo serem tais valores produto de crime, os transforma
em ativos lícitos, os negocia, movimenta, guarda ou transfere, ou mesmo os utiliza na
atividade econômica ou financeira. Por fim, a lei também criminaliza como lavagem a
participação em grupo, associação ou escritório cuja atividade principal ou secundária é
dirigida para a prática desses crimes.
O processo de lavagem de capitais conhece três momentos distintos, também
chamados de “fases da lavagem”: o da ocultação, o da dissimulação (ou lavagem
propriamente dita) e o da transmutação dos valores ilícitos em lícitos.
A ocultação, também chamada de “fase de colocação” ou placement, corresponde às
ações dos criminosos que visam a afastar de si os valores ilicitamente obtidos, geralmente
aplicando-os em estabelecimentos que lidam com grande volume de dinheiro, sejam eles
empreendimentos tradicionais (restaurantes, hotéis, bares, bingos), ou mesmo instituições
financeiras (bancos, casas de câmbio, corretoras de ações). Quando utilizam instituições
financeiras – que sofrem constante fiscalização e cuja movimentação de valores acima de
determinado patamar é passível de comunicação às autoridades do Estado – os criminosos
realizam o fracionamento de depósitos em uma mesma conta, de modo a iludir os
instrumentos de controle.
A fase de dissimulação – também chamada de escurecimento, mascaração, layering,
empilage ou lavagem propriamente dita – corresponde ao acobertamento da operação de
colocação e à ruptura definitiva dos laços que unem o dinheiro ilícito aos seus titulares por
meio de diversas operações financeiras sucessivas, muitas vezes variadas, que se
superpõem, impedindo que se restabeleça o vínculo desde sua origem. Tais operações
geralmente envolvem instituições financeiras nacionais e internacionais, notadamente os
paraísos fiscais (assim chamados os Estados em que o sigilo das informações bancárias é
fortemente resguardado), revelando uma construção complexa e sofisticada. Com o
desenvolvimento dos meios de comunicação, essa fase tornou-se mais rápida e mais fácil
de ser implementada. Quanto maior o número de operações para acobertar a origem
criminosa do capital, maior será seu “grau de pureza”.
Por fim, temos a fase de integração (ou recycling), quando os ativos ilícitos, já com
sua origem criminosa encoberta, são transformados em valores aparentemente lícitos.
Essa transformação ocorre por meio da criação, aquisição ou investimento dos valores em
empresas lícitas de modo que os negócios apresentem resultados legítimos.

3.2.2 Bem jurídico


A preocupação da doutrina em identificar o bem jurídico protegido pela norma
incriminadora é função essencial para a análise da legitimidade e constitucionalidade da lei
penal. O que se percebe no crime de lavagem de capitais é a utilização do direito penal
para proteger bens jurídicos já tutelados por outras normas penais. Em outras palavras,
ao punir a transformação dos recursos ilícitos obtidos no tráfico de drogas em capital lícito,
reforça-se a punição daquela conduta.

Compliance
37

Outra corrente sustenta que o bem jurídico protegido pela lavagem de capitais é a
administração da justiça, porquanto a ocultação do produto do crime prejudicaria sua
recuperação, dificultando a ação do Judiciário.
Há ainda quem veja o bom funcionamento da ordem econômica e do sistema
financeiro nacional como os bens jurídicos lesados pela lavagem de capitais, na medida
em que a mistura de ativos lícitos e ilícitos prejudicaria o desempenho econômico nacional
(comprometendo a confiança do investidor e dificultando a captação no exterior).
Por fim, parte da doutrina considera que o branqueamento de capitais é crime
pluriofensivo (afeta diversos bens jurídicos).

3.2.3 Crime antecedente


A Lei 9.613/1998, que tipificou o crime de lavagem de dinheiro no Brasil, era alvo,
em sua redação original, de diversas críticas na doutrina, por conta dos absurdos jurídicos
causados na tentativa de criar uma situação de maior rigidez e severidade na perseguição
criminal da lavagem de dinheiro. Em 2012, porém, a Lei nº 12.683 trouxe uma série de
modificações, efetivamente mudando o tratamento penal em relação à lavagem no Brasil.
Em primeiro lugar, originalmente a lei estabelecia uma condição extremamente
interessante para a caracterização do tipo penal. Somente era considerada criminosa a
lavagem de bens, direitos ou valores obtidos mediante a prática de determinados delitos,
a saber: tráfico de drogas, terrorismo e seu financiamento, contrabando ou tráfico de
armas (inclusive munição e material destinado à sua produção), extorsão mediante
sequestro, contra a administração pública, de particular contra administração pública
estrangeira, contra o sistema financeiro nacional, e qualquer que fosse o crime praticado
por organização criminosa. A relação era taxativa, não podendo ser interpretada
extensivamente para incluir outros crimes.
A relação apresentava defeitos evidentes. Destacava-se a inexistência do “crime de
terrorismo” na legislação brasileira, bem como a ausência de definição legal do que seja
uma “organização criminosa”. A absoluta falta de razoabilidade na enumeração das
condutas previstas. Entre elas, destacam-se a inclusão do descaminho, mas não da
sonegação fiscal e da apropriação indébita de verba previdenciária, embora sejam todos
crimes tributários de contornos praticamente idênticos, bem como a inclusão de delitos
leves e infrações de menor potencial ofensivo (artigos 321, 324 e 326, todos do Estatuto
Repressivo, no rol dos crimes contra Administração Pública), mas não de crimes graves,
como o tráfico de pessoas e a falsificação de moeda.
A Lei nº 12.683/12 alterou esse tratamento, revogando os incisos que especificavam
crimes antecedentes para considerar que qualquer infração penal tipificada na legislação
brasileira pode constituir crime antecedente da lavagem de dinheiro.
O antigo art. 2º da Lei 9.613/1998 dispunha que “o processo e o julgamento do crime
de lavagem de dinheiro independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes”,
o que determinados autores chamam de “princípio da autonomia”. Trata-se, em nosso
sentir, de verdadeiro absurdo jurídico. Com efeito, se a existência da lavagem de dinheiro
depende da proveniência ilícita qualificada dos valores, como abdicar da efetiva
demonstração dessa origem ilícita? Além de prescindir do julgamento do crime
antecedente, a lei dizia ser dispensável o próprio processo penal, o que dava margem para
que determinado indivíduo pudesse, por exemplo, ser condenado pela lavagem de bens
oriundos do tráfico de drogas sem nunca ter sido de qualquer forma acusado de praticar
tráfico de drogas concorrido para sua prática ou auxiliado na sua execução.

Compliance
38

Embora atualmente ainda esteja escrito claramente que são independentes o


processo penal do crime antecedente e do crime de lavagem do dinheiro resultante, a
alteração do texto do art. 2º foi sutil, mas, na prática, apresenta marcante distinção em
relação à original: agora, fica a cargo do magistrado criminal em que está sendo
processado o crime “a decisão sobre unidade de processo e julgamento”.
Contudo, nem todas as alterações foram para melhor. A do art. 9º, em especial,
inquietava os advogados que se sentiam obrigados a prestar informações confidenciais de
seus clientes ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Esse órgão, em
resposta, editou a Resolução nº 24/2013, que endurece o cerco à lavagem, mas
expressamente desobriga advogados de prestar informações sobre operações envolvendo
seus clientes.
José Paulo Baltazar Junior conceitua a lavagem de capitais como um delito acessório,
parasitário ou derivado, assim como o crime de receptação. Por conseguinte, é inolvidável
que a imputação de lavagem de dinheiro só pode existir se houver conexão desta com o
crime antecedente – e mesmos os autores que festejam o “princípio da autonomia” não
divergem dessa constatação. Porém, há de se concluir que só há duas possibilidades de
afirmar essa conexão: 1) permitir que ela derive da “pura criação mental da acusação”; 2)
exigir que existam elementos mínimos de prova da materialidade e autoria e, nesse caso,
impõe-se a existência de uma ação penal. Ocorre que essas ambas possibilidades são
incompatíveis com a posição hoje majoritária na interpretação da legislação.

3.2.4 Consumação
A jurisprudência tem interpretado os tipos penais com o verbo “ocultar” como crimes
permanentes. Assim, o entendimento doutrinário majoritário defende o crime de lavagem
de dinheiro permanente. O tema, todavia, está jurisprudencialmente em aberto.
Se considerarmos que o bem jurídico protegido pela norma sobre lavagem de capitais
é a administração da Justiça, entendimento que parece ser mais acertado, os crimes de
lavagem teriam caráter instantâneo, ou seja, a consumação viria com o ato ocultação ou
dissimulação. A manutenção do bem oculto ou dissimulado é mera decorrência ou
desdobramento do ato inicial, ou seja, simples exaurimento. Os crimes de lavagem de
capitais seriam, nesse caso, crimes instantâneos de efeitos permanentes, no qual a
consumação cessa no instante do ato, mas seus efeitos perduram no tempo.
Para Pierpaolo Bottini, a lavagem se consuma imediatamente, no ato de
encobrimento inicial.75 Segundo o Autor, seria nesse momento que ocorreria a afetação da
Administração da Justiça. Ainda que haja o poder de interrupção da lavagem durante todo
o período de encobrimento, isso não torna o crime permanente. Fosse a capacidade de
restituição do status quo ante o elemento definidor dos crimes permanentes, delitos como
o furto teriam essa natureza, pois o autor pode a qualquer tempo devolver os bens e fazer
cessar a lesão patrimonial.
Assim, o crime de lavagem, na forma estabelecida no caput do artigo 1º da Lei n.º
9.613/98, após a alteração de 2012, é crime instantâneo, natureza que não se estende a
todas as outras modalidades típicas previstas na lei.

75
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. “Lavagem de dinheiro é crime permanente ou instantâneo?” Revista Consultor
Jurídico. Notícia publicada em 25/01/2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-out-23/direito-
defesa-lavagem-dinheiro-crime-permanente-ouinstantaneo>. Acesso em: 24.04.2018.

Compliance
39

Do ponto de vista político criminal, essa posição confere maior segurança jurídica. Se
entendêssemos a lavagem como um crime permanente, a nova lei teria aplicação imediata
sobre as ocultações em andamento. Assim, disposições como a ampliação do rol de
infrações antecedentes incidiriam sobre os atos iniciados antes da vigência da nova lei. A
ocultação de bens oriundos de crimes antes não arrolados na lista de precedentes, ainda
que ocorrida antes da vigência do novo texto legal, nessa hipótese, configuraria lavagem
de dinheiro se mantido o escamoteamento.
Imagine alguém que praticou crime tributário há anos, converteu o valor sonegado
em moeda estrangeira e depositou o capital em conta de empresa off shore antes da
vigência da nova lei. À época o ato não caracterizava lavagem de dinheiro, pois o delito
fiscal não integrava o rol de antecedentes. Se considerarmos o delito em discussão como
crime permanente, esse mascaramento, antes atípico, tornar-se-á lavagem em vigor da
Lei n.º 12.683/12, ainda que o agente não movimente mais a conta, não efetue qualquer
operação, e mesmo que o crime fiscal anterior esteja prescrito, pois a falta de punibilidade
do antecedente não afeta a lavagem com ele relacionada.
Por outro lado, a identificação do ato inicial de ocultação com a consumação
instantânea da lavagem não exonera totalmente os bens ocultos antes da vigência da nova
lei. Ainda que à época dos fatos a ocultação daqueles bens não constituísse lavagem, cada
nova movimentação destes mesmos bens com intuito de aprofundar a ocultação ou a
dissimulação será um novo ato típico, sobre o qual incidem as regras vigentes.
Cada conduta positiva de mascaramento afeta com mais intensidade a administração
da Justiça, pois distancia ainda mais os bens de sua origem e dificulta seu rastreamento.
A lesão à administração da Justiça se renova a cada transação, caracterizada sempre como
uma nova consumação que absorve a anterior pela identidade de valores/bens, e por se
situar na mesma linha de desdobramento. A cada nova consumação, como novo delito que
absorve o anterior, inicia-se novamente a contagem do prazo prescricional. Cada novo ato
está sujeito à lei vigente no momento de sua prática, ainda que mais dura que a anterior.76

3.3 Lei de Improbidade Administrativa


A lei de improbidade administrativa visa imputar responsabilidade nas esferas cível,
política e administrativa aos agentes públicos que, no exercício de suas funções, ajam de
modo a cometer atos ímprobos, que importem enriquecimento ilícito, causem prejuízo ao
erário ou atentem contra os princípios da administração pública.
É necessário que haja, na conduta do agente, elemento subjetivo (dolo ou culpa),
razão pela qual as pessoas jurídicas não figuram no polo ativo, sendo elas, portanto,
favorecidas pelo ato de improbidade, este praticado pelo agente público, com a coautoria
ou participação dos responsáveis pela pessoa jurídica. Os atos de improbidade
administrativa podem ser de quatro naturezas.
Os atos que importam enriquecimento ilícito estão dispostos no artigo 9º, e são tidos
como os mais graves. É necessário que o agente deliberadamente atue com o intuito de
auferir para si vantagem indevida, de caráter patrimonial, não sendo obrigatório que, em
decorrência, seja gerada perda ao Erário, e que haja relação de causalidade entre o
exercício do cargo público e o recebimento da vantagem indevida que acarrete o dito

76
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. “Lavagem de dinheiro é crime permanente ou instantâneo?” Revista Consultor
Jurídico. Notícia publicada em 25/01/2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-out-23/direito-
defesa-lavagem-dinheiro-crime-permanente-ouinstantaneo>. Acesso em: 24.04.2018.

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enriquecimento. O artigo prevê várias condutas que podem ser classificadas como
geradoras de enriquecimento ilícito, dentre as quais destaca-se:

- Recebimento de vantagem indevida: Apesar de não haver uma definição precisa


acerca do que seria vantagem indevida, entende-se que seja toda aquela que o servidor
não tem direito a receber (portanto, aquilo que excede seus rendimentos).
- Percebimento de vantagem para superfaturar.
- Percebimento de vantagem para subfaturar.
- Uso em obra ou serviço particular de instrumentos ou pessoal de entidades públicas.
- Recebimento de vantagem para tolerar práticas criminosas – os agentes, nesse
caso, devem ser responsáveis por coibir as práticas ilícitas.
- Recebimento de vantagem para realizar declaração falsa – faz-se necessário que o
agente tenha competência para emitir a declaração.
- Enriquecimento sem causa lícita.
- Exercício de outras atividades profissionais que conflitem com o cargo ocupado.
-Intermediar a liberação ou aplicação de verba pública.
- Receber vantagem para prevaricar.
- Incorporar bens ou valores públicos.
- Utilizar, em proveito próprio, bens públicos.

Os atos que causam prejuízo ao Erário são aqueles que acarretam danos de natureza
financeira. Para caracterizá-los, é importante que não haja vantagem patrimonial para o
agente, caso contrário tratar-se-ia de uma hipótese de enriquecimento ilícito. Dentre as
condutas previstas como danosas ao Erário, pode-se ressaltar:

- Facilitar realização de negócios por preços superfaturados ou subfaturado: há que


se verificar os preços praticados no mercado para que se chegue a tais conclusões.
- Realizar operação financeira sem observar as normas legais e regulamentares.
- Aceitar garantia insuficiente ou inidôneas.
- Conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades
legais ou regulamentares aplicáveis à espécie.
- Frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente: a licitação
deve preservar sua finalidade competitiva, bem como refletir os princípios de publicidade,
impessoalidade e isonomia que pautam a Administração. Assim sendo, atuando o agente
de modo a afastar a sua ampla observância, frustra o procedimento licitatório. Válido notar
que a própria lei prevê casos em que não se faz necessário realizar a licitação. Nesses
casos, evidentemente, não se trata de frustrar a licitação, uma vez que conta com amparo
legal.

- Permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro enriqueça ilicitamente.

Os atos decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou


tributário, conforme incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016.
E os Atos que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública. Este dispositivo
é aplicado nos casos em que, da ação do agente, não decorra enriquecimento ilícito ou
dano ao erário, contudo, implica violação à preceitos da administração pública, como no
caso de desvios de finalidade, ausência de publicidade, etc.

Compliance
41

As penalidades previstas na Lei de Improbidade Administrativa não obstam a


aplicação das sanções nos âmbitos penais, cíveis e administrativos. Válido observar que
nenhuma das penalidades possui natureza penal. São elas:

- perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio.


- ressarcimento integral do dano.
- perda da função pública.
- suspensão dos direitos políticos: aplicável somente aos agentes públicos.
- pagamento de multa civil.
- proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos
fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica
da qual seja sócio majoritário. Observa-se que a sanção se estende, inclusive, à pessoa do
sócio majoritário.

Esta última sanção, em muitos casos, pode inviabilizar a existência da empresa, pois
implica a vedação de realizar contratos com o poder público e de receber incentivos fiscais,
tais quais o recebimento de subsídios.

Conduta e Enriquecimento Prejuízo ao Benefício Afronta a


outras penas ilícito erário financeiro ou princípios (art.
(art. 9º) (art. 10) tributário 11)
(art. 10-A)
LC157/16

Conduta Dolosa Dolosa e Dolosa Dolosa


culposa

Suspensão de De 8 a 10 anos De 5 a 8 anos De 5 a 8 anos De 3 a 5 anos


direitos
políticos

Multa De até 3 x o De até 2 x o De até 3 x o valor De até 100 x o


valor da valor da do benefício valor da
vantagem lesão remuneração
recebida do agente

Proibição de Por 10 anos Por 5 anos Não há Por 3 anos


contratar
com o Poder
Público

3.4 Lei de Licitações (Lei 8.666/93)


A Lei de 8.666/93 foi criada para atender à previsão do art. 37, XXI, da CRFB/88.
Esta norma constitucional impõe que a Administração Pública se utilize, como princípio e
regra geral, do instituto da licitação para selecionar com quem deverá contratar para a
realização de obras, serviços, compras e alienações. Além disso, por ser uma lei de normas
gerais, deverá ser observada pelos órgãos subordinados e entidades vinculadas de

Compliance
42

qualquer dos Poderes constituídos dos entes públicos políticos integrantes da Federação.
Cabe salientar que a Lei 8.666/93 dispõe não apenas sobre os contratos administrativos,
stricto sensu, mas sim de todos os contratos celebráveis pela Administração Pública.
No que tange ao enquadramento da Lei de Licitações como norma anticorrupção,
devemos destacar o art. 87, o qual dispõe sobre as sanções administrativas postas à
consideração da autoridade administrativa. Tal artigo traz um rol exaustivo das sanções
aplicáveis, quais sejam, advertência, multa, suspensão por até dois anos do direito de
participar de licitações e de contratar com a Administração, e declaração de inidoneidade.
No entanto, há uma lacuna na lei, visto que ela não especifica qual sanção
corresponderá a qual tipo de infração. Dessa forma, segundo Pereira Júnior, “abre-se para
a Administração espaço discricionário para dosar a penalidade apropriada, desde que, em
qualquer caso, se cumpra o devido processo legal, nele incluído o direito à defesa”.77
Embora exista discricionariedade dada pelo legislador ao administrador, os atos deste
deverão obedecer aos princípios da legalidade, especificação, personalismo da sanção,
culpabilidade e, principalmente, da proporcionalidade.
A advertência é aplicada quando a sanção é de menor gravidade, ou seja, nos casos
de conduta de inexecução parcial de deveres de diminuta monta. O objetivo deste tipo de
sanção é prevenir a inviabilização da execução do contrato, fazendo com que a
Administração Pública tenha um meio de repreender a outra parte pela sua falta sem
precisar rescindir o contrato.
A multa, prevista no art. 86 da Lei 8.666/93, poderá ser cumulada com os outros
três tipos de sanções previstos, possuindo, portanto, caráter secundário. No entanto, nos
casos de demora injustificada na execução da prestação contratual, será a pena principal
substituível por outra somente em presença de agravantes. O autor Pereira Júnior,
entretanto, afirma que há uma diferença entre a multa prevista nos artigos 86 e 87 da Lei
de Licitações. No primeiro caso, a multa será aplicada quando “a obrigação, embora não
cumprida, ainda pode vir a sê-lo proveitosamente para o credor” enquanto no segundo,
será aplicada “quando a obrigação não foi cumprida, nem poderá mais vir a sê-lo com
proveito para o credor, tornando-se definitivo o descumprimento”. Por fim, Justen Filho
afirma que a aplicação da multa como sanção deverá estar prevista no edital e sua ausência
em tal instrumento inviabilizaria sua exigência.
A suspensão temporária, por sua vez, possui prazo máximo de dois anos, devendo
este prazo ser ponderado com base na gravidade da infração e dos prejuízos ao interesse
do serviço. Para que seja aplicada, deve restar comprovada a culpa do contratado em
inviabilizar a execução do contrato. Dessa forma, é dupla a consequência da suspensão,
visto que impede o apenado de participar de licitações e de contratar com a Administração
pelo prazo que for estipulado, o que significa que tampouco poderá ser adjudicatário direto,
se dispensável ou inexigível a licitação.
A declaração de inidoneidade é considerada a mais severa das sanções, uma vez que
o contratado, caso haja com dolo, ficará proibido de participar de licitações públicas por
prazo indeterminado, ou seja, até que os motivos que fundamentaram a declaração de
inidoneidade sejam cessados e este seja considerado reabilitado.
Justen Filho afirma, por outro lado, que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inc.
XLVII, a proibição de penas de caráter perpétuo. Dessa forma, determina-se que a
“reabilitação” do sujeito declarado inidôneo poderá ser concedida apenas após decorrido

77
PEREIRA JUNIOR, Jessé atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. Torres. Comentários à lei de licitações e
contratações da Administração Pública. 8. ed. rev.

Compliance
43

prazo de dois anos da aplicação da sanção e mediante ressarcimento pelo interessado dos
prejuízos derivados de sua conduta. Todavia, para o autor, o requisito do ressarcimento
dos prejuízos não possui caráter obrigatório para o deferimento da reabilitação.
Embora as sanções de suspensão e declaração e inidoneidade possam ser
confundidas, existem algumas diferenças entre elas. Enquanto a suspensão deverá ser
aplicada pela autoridade indicada pela gestão do órgão contratante, a declaração de
inidoneidade será aplicada pelas autoridades indicadas por lei, as quais, via de regra, são
aquelas investidas na hierarquia superior do órgão ou entidade.
Por fim, o art. 88 da Lei 8.666/93 estabelece outros motivos para a declaração de
inidoneidade e da suspensão do direito de licitar não relacionados à inexecução do contrato.
Dessa forma, as pessoas físicas ou jurídicas, independentemente da execução ou não do
contrato administrativo, poderão ter suspensos seu direito de licitar ou contratar, bem
como serem declarados inidôneos quando praticar ato ilícito decorrente de uma conduta
dolosa. As hipóteses para tal sanção estão previstas nos incisos do art. 88, quais sejam:
condenação por fraude fiscal relativamente a tributo de qualquer competência, prática de
ilícitos com o consciente propósito de frustrar a licitação e prática de ilicitudes em sua
atividade empresarial ou profissional que inabilite a pessoa física ou jurídica de gozar da
presunção de inidoneidade.
Para tanto, a aplicação das sanções deve ser precedida do devido processo legal,
garantindo-se a ampla defesa e o contraditório.

3.5 O Processo Administrativo Sancionador


O estudo do processo administrativo sancionador na Lei Anticorrupção (Lei
12.846/13) não é dotado de linearidade. Isso porque, nos termos do art. 8º da Lei
Anticorrupção, cada ente federativo restou incumbido de promover a regulamentação da
Lei em sua esfera de competência, ficando a União com a competência acrescida
relativamente aos atos lesivos praticados contra administrações públicas estrangeiras (art.
9º). Por esse motivo, não é possível fazer um estudo único do processo sancionador
anticorrupção, quando a União, os Estados e os Municípios quando regulamentaram a Lei,
o fizeram cada um de uma forma diferente. Dessa forma, o estudo do processo sancionador
anticorrupção deve ser feito por meio do estudo do direito administrativo sancionador.
O objeto de estudo será direcionado para o rito do processo administrativo de
responsabilização prescrito no Decreto 8.420/15 e válido para atos lesivos praticados
contra a União e governos estrangeiros, embora as legislações estaduais tragam também
peculiaridades para a esfera normativa estadual. Seguindo a estrutura da regulamentação
federal, esta seção abordará o rito processual; as sanções; e questões adicionais.

3.5.1 Princípios norteadores do processo administrativo sancionador


Devido processo legal
O princípio do devido processo legal está previsto no art. 5º, inciso LIV, da
Constituição Federal. O princípio é a garantia inerente ao Estado Democrático de Direito
de que ninguém será sancionado sem que lhe seja assegurado, sem que tenha sido
observado o rito processual previsto na legislação.

Compliance
44

Princípios da ampla defesa e do contraditório


Partícipe do corolário do devido processo legal, o princípio da ampla defesa e do
contraditório está previsto como garantia fundamental no art. art. 5º, inciso LV, da CF/88.
Na legislação infraconstitucional, o art. 2º, caput, e parágrafo único, X, da Lei nº 9.784/99,
facultam ao acusado/indiciado, durante todo o processo, a efetiva participação no
apuratório, possibilitando-lhe a utilização de todos os meios de defesa admitidos pelo
ordenamento jurídico para permitir provar fatos modificativos, extintivos ou impeditivos
em face da pretensão que lhe é deduzida. Por sua vez, o contraditório é exercido em
respeito à dialética do processo, afastando a surpresa e garantindo ampla possibilidade de
manifestação sobre os elementos de convicção dos autos.
A ampla defesa, em sede de processo administrativo, deve ser adotada em todos
os procedimentos que possam ensejar aplicação de qualquer tipo de penalidade ao
investigado. O art. 156, a Lei nº 8.112/90 exemplifica formas de exercício da ampla defesa
nos processos administrativos, garantindo “(...) ao servidor o direito de acompanhar o
processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas,
produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial”.

Princípio do informalismo moderado


O princípio do informalismo moderado ou formalismo moderado, determina que o
processo administrativo sancionador não deve ser rigoroso com relação às formas legais,
mas que essa dispensa não pode ser fundamento para prejudicar a essência dos
processuais. Odete Medauar78 explica que o princípio se traduz na exigência de
interpretação flexível e razoável quanto a formas, para evitar que estas sejam vistas como
um fim em si mesmas, desligadas das verdadeiras finalidades do processo. O art. 22 da
Lei nº 9.784/99 prevê esse princípio: Art. 22. Os atos do processo administrativo não
dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir.
A finalidade do princípio do informalismo moderado é permitir que se chegue de
uma maneira mais próxima à verdade real, uma vez que por vezes a rigidez formal do
processo pode vir a impossibilitar a produzir uma determinada prova importante, dada a
possibilidade de preclusão, por exemplo. Em tempo algum a flexibilização do procedimento
pode servir de fundamento para a produção de prova considerada ilícita pela legislação.

Princípio da verdade real


O princípio da verdade real ou verdade material é aquele que expressa a pura
finalidade do processo, qual seja a reconstrução dos fatos ocorridos para que as conclusões
sobre a subsunção da norma legal sejam feitas de forma mais fiel e precisa. A verdade
material se contrapõe à verdade formal, que é a verdade processual, ou seja, a verdade
que se conseguiu provar nos autos e não o que de fato aconteceu.
Em termos práticos, a busca da verdade real legitima a ação da Administração
inclusive para agir de ofício de modo a obter todos os elementos importantes para a correta
reconstrução da realidade fática. A ação de ofício pode ser dar tanto em benefício do
processado, quanto em sem malefício.

78
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, 13ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2009,
p. 176

Compliance
45

Princípio da presunção de inocência


O princípio da presunção de inocência, insculpido no art. 5°, inciso LVII, da CF/88
prevê que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória. Embora a dicção legal se refira à sentença penal, o princípio da presunção
de inocência se aplica também a todos os processos que tenham caráter sancionador.
Ainda que não seja possível considerar o processado como culpado antes do trânsito
em julgado da decisão sancionadora, é possível que a Administração imponha medidas
cautelares como forma de preservar provas ou ainda os interesses da Administração. O
art. 147 da Lei nº 8.112/90 prevê o afastamento temporário do servidor processado como
medida cautelar cabível.

Princípio da motivação
A motivação é instrumento de garantia do processo sancionador. A motivação é a
expressão da vontade da Administração ao emanar um ato administrativo. A falta de
motivação do ato administrativo é, por conseguinte, a caracterização do arbítrio e
autoritarismos estatal, que exige a subordinação de seus súditos sem lhes explicar as
razões para tanto.
O ato administrativo é considerado motivado quando indicam os fatos e os
fundamentos jurídicos que o justificam. Segundo o art. 50 da Lei nº 9.784/99, a motivação
é: mandatória para os atos administrativos que:

I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;


II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V - decidam recursos administrativos;
VI - decorram de reexame de ofício;
VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de
pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato
administrativo.

3.6 O rito do PAR federal (Decreto 8.420/15)

3.6.1 Competência
Nos termos do art. 3º, a competência para a instauração e para o julgamento do PAR
é da autoridade máxima da entidade em face da qual foi praticado o ato lesivo, ou, em
caso de órgão da administração direta, do seu Ministro de Estado. Isso quer dizer que
dentro da estrutura da União, o juiz natural do processo será o Presidente da Autarquia,
Fundação ou empresa pública (na administração indireta) ou o Ministro de Estado vinculado
à pasta onde foi identificada a prática de ato lesivo. Contudo, o mesmo artigo, em seu
parágrafo único, permite a delegação de competência, mas não a subdelegação.
A autoridade máxima poderá agir de ofício ou mediante provocação de terceiros. A
atuação de ofício de funcionários públicos para a instauração de processos sancionadores

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é imposição legal (art.143 da Lei 8.112/9079), sendo certo que a nenhum funcionário pode
se escusar de tomar qualquer providência, ainda que não seja a autoridade competente.

3.6.2 Competência do Ministro da Transparência (CGU)


A atuação do Ministro da Transparência (CGU) está justificada pela existência de
competência concorrente a do órgão. O Ministro da Transparência poderá ainda avocar
para si para exame de sua regularidade, para corrigir-lhes o andamento, inclusive
promovendo a aplicação da penalidade administrativa cabível.
Poderá ainda o Ministro da Transparência exercer suas prerrogativas quando
caracterização de omissão da autoridade originariamente competente; inexistir condições
objetivas para a realização do PAR no órgão ou entidade de origem; a complexidade,
repercussão e relevância da matéria exigirem; o valor dos contratos mantidos pela pessoa
jurídica com o órgão ou entidade atingida for relevante; ou quando a apuração envolver
atos e fatos relacionados a mais de um órgão ou entidade da administração pública federal.
Quando ao ato lesivo for praticado contra administração pública estrangeira, a
competência do Ministro da Transparência será originária.

3.6.3 Sindicância, PAR ou arquivamento


Embora a legislação permita que a administração pública abra, de ofício, processo
administrativo sancionador contra possíveis perpetradores de irregularidades, é certo que
o processo administrativo não pode ser instaurado sem as necessárias formalidades e
garantias legais. Por esse motivo, ao tomar conhecimento de uma possível irregularidade,
a autoridade máxima ou seu delegatário poderá adotar três providências iniciais.
A primeira é instaurar uma investigação preliminar pelo prazo de 60 dias,
prorrogáveis por igual período, que consiste na instituição de uma comissão composta de
dois ou mais servidores efetivos, para em caráter sigiloso apurar as informações que foram
recebidas. Esse procedimento de averiguar preliminarmente os fatos previamente à
instauração de um processo é prática comum da administração pública, especialmente em
casos que envolvam aspectos disciplinares de funcionários (Portaria CGU nº 335/06).
A conclusão da averiguação preliminar não permite a imposição de penalidade, já
que nesse procedimento não há a formalização de uma acusação, logo inexiste exercício
do direito de defesa, mas sim permite que haja base fática para a formulação de uma
acusação em um PAR. Portanto, o relatório final da averiguação deverá ser circunstanciado
e conclusivo acerca da existência de indícios de autoria e materialidade de atos lesivos à
administração pública, para fundamentar decisão sobre a instauração do PAR.
Tanto na averiguação, quando na condução do PAR, o Decreto federal exige que a
composição seja feita por servidores estáveis, ou seja, servidores que não estejam em
estágio probatório. A exigência de estabilidade tem por finalidade garantir a independência
dos responsáveis pela condução dos procedimentos.
A segunda providência é, diante de elementos suficientes, a autoridade competente
poderá determinar, em despacho fundamentado, a instauração do PAR. No ato de
instauração também será designada comissão composta por dois ou mais servidores, que

79
Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua
apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla
defesa.

Compliance
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avaliará os fatos e circunstâncias conhecidas e intimará a pessoa jurídica para apresentar


defesa escrita em até 30 dias e indicar provas.
O Decreto não especifica de que forma será formalizado o termo de acusação contra
a empresa. Usualmente, os processos sancionadores no âmbito da administração pública
têm seu termo formalizado por meio de uma portaria de instauração, o que equivaleria a
uma denúncia. Embora o STJ80 tenha precedente no sentido de que a Portaria de
Instauração não deva ter uma descrição muito detalhada, no caso dos processos
disciplinares de servidores públicos, o mesmo raciocínio não deve se aplicar ao nosso caso.
Para os servidores públicos, há ainda a fase de indiciamento, quando o servidor
receberá um termo de acusação mais detalhado. Como essa fase de indiciamento não se
aplica ao procedimento previsto no Decreto, há de se exigir maior robustez na narrativa
acusatória da Portaria, sob pena de nulidade da instauração do PAR.
A regulamentação não é clara o sentido de dizer se a defesa deverá ser formulada
contra o despacho fundamentado da autoridade competente e, em sendo, se a comissão
ao avaliar os fatos e circunstâncias teria poderes para alterar ato de autoridade superiora.
A falta de clareza quanto aos termos de acusação e aos poderes da comissão poderão
ensejar hipótese de cerceamento de defesa, cabendo ser analisado caso a caso.
A terceira providência que pode ser adotada é o arquivamento da matéria, ou seja,
as informações recebidas não permitem minimamente iniciar e dar curso a uma
investigação preliminar, quer que manifesta atipicidade da conduta, quer pela falta de
clareza, por exemplo.

3.6.4 Defesa e produção probatória


Intimada da existência do PAR, a pessoa jurídica poderá exercer o seu direito de
defesa no prazo de 30 dias. Pode ser objeto da defesa toda e qualquer questão, inclusive
quanto às preliminares processuais, como vícios na formação da comissão e do PAR, além
de questões de mérito. Uma das matérias que pode ser suscitada na defesa é a informação
quanto à existência de um programa de integridade. Nesse caso, a comissão deverá
promover a avaliação do programa, conforme os critérios previstos no Capítulo IV do
Decreto, para fins exclusivos de dosimetria da pena.
Embora seja de boa prática juntar na peça de defesa todos os documentos relevantes
para a defesa, é possível requerer prazo para juntada desses documentos ou de outros
que não estejam na posse da empresa, ficando o requerimento sujeito ao deferimento pela
comissão. Pode ocorrer a necessidade de produção de provas que demandem diligências,
nesse caso a comissão também deliberará sobre a pertinência da diligência requerida.
De qualquer maneira, tanto os pedidos de produção de provas, quanto as decisões
que os indefere deverão ser fundamentados, sendo certo que a comissão somente poderá
indeferir a produção das provas que entender por ilícitas, impertinentes, desnecessárias,
protelatórias ou intempestivas. Provas ilícitas são produzidas em violação à lei e tem uso,
mesmo em processo administrativo, vedado pela Constituição Federal (art. 5º, LVI da
CF/88). Provas impertinentes são aquelas que não guardam relação com o mérito do
processo e que sua produção em nada acrescenta no esclarecimento dos fatos. As provas

80
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. ATO DE DEMISSÃO IMINENTE E ATUAL. JUSTO
RECEIO EVIDENCIADO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM RECONHECIDA. PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR. INEXISTÊNCIA DE AFROTNA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.
(...)

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desnecessárias somente poderão reafirmar fatos que já estão suficientemente provados.


Já as provas protelatórias são aquelas cuja produção irá retardar injustificadamente o curso
do processo e pouco ou nada acrescentarão ao esclarecimento dos fatos. Enquanto a
intempestiva é aquela requerida fora do prazo para entrega da defesa.

3.6.5 Alegações finais


A empresa poderá apresentar alegações finais no prazo de 10 dias, a contar da
intimação da juntada das provas nos autos, ou seja, a empresa somente será instada a se
manifestar sobre as provas produzidas no PAR em suas alegações finais ou caso o
requerimento de provas seja apenas para concessão de prazo para juntada de documentos,
as alegações finais serão apresentadas no mesmo prazo para a juntada.

3.6.6 Princípios informadores do PAR positivados no Decreto


Sem prejuízo dos demais princípios informadores dos processos sancionadores, o
Decreto previu expressamente os seguintes:
Independência – a comissão embora agindo por delegação da autoridade máxima não
está subordinada a esta ou a qualquer outra autoridade. Embora a independência da
comissão seja esperada, na prática essa independência é mitigada, na medida em que aos
membros não é garantida a inamovibilidade, ou seja, os membros da comissão podem ser
trocados sem qualquer justificativa pela autoridade máxima.
Imparcialidade – embora a comissão seja formada por servidores lotados no órgão,
empresa ou fundação em que ocorreu o ato lesivo objeto do PAR, seus membros não podem
levar em consideração aspectos pessoais ou políticos, devendo ser a decisão fundamentada
na prova dos autos.
Sigilo – os PAR poderão ser sigilosos sempre que necessário à elucidação dos fatos,
preservação da imagem dos envolvidos, ou quando exigido pelo interesse da administração
pública.
Ampla defesa e contraditório – garantia constitucional prevista no art. 5º, LV da
CF/88)

3.6.7 Intimações
As intimações poderão ser feitas por meio eletrônico, via postal ou qualquer outro
meio que assegure a certeza de ciência da pessoa jurídica acusada.
O Decreto não esclarece como poderá ser feita a intimação por meio eletrônico e nem
mesmo a Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da administração
pública federal, no seu art. 26 (Capítulo IX – da comunicação dos atos) prevê como meio
de intimação a via eletrônica.
Ao que parece, a previsão de intimação de forma eletrônica se mostra nitidamente
ilegal, uma vez que não pode a administração exorbitar a Lei em seu poder
regulamentador.
A via postal é um dos meios mais comuns de intimação, sendo ainda admitidos outros
meios não nominados como a intimação em mãos ou qualquer outro meio que garanta a
certeza de ciência por parte da pessoa jurídica acusada.
Caso não seja possível intimar a empresa pelos meios acima, será feita intimação
pela via editalícia publicada na imprensa oficial e em jornal de grande circulação no Estado
da Federação em que a pessoa jurídica tenha sede. Além disso órgão ou entidade

Compliance
49

responsável pelo PAR irá publicar o edital e seu sítio eletrônico, iniciando-se o prazo a
partir da publicação do último edital.
Se a pessoa jurídica não possuir sede, filial ou representação no País e sendo
desconhecida sua representação no exterior, frustrada a intimação pelas vias ordinárias,
será feita intimação pela via editalícia, mas limitada a publicação na imprensa oficial e no
sítio eletrônico do órgão ou entidade responsável pelo PAR, iniciando-se o prazo a partir
da publicação do último edital.

3.6.8 Prazos e contagem


A fórmula para contagem dos prazos é aquela prevista no Capítulo XVI da Lei
9784/99, que prevê no seu art. 66 que os prazos começam a correr a partir da data da
cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do
vencimento (dias corridos).
Se o último dia do prazo cair em dia em que não houver expediente ou este for
encerrado antes da hora normal, o mesmo será prorrogado para o primeiro dia útil
seguinte. Os prazos processuais não se suspendem, salvo por motivos de força maior,
devidamente comprovados.
O PAR deverá ser concluído no prazo de 180 dias, admitida prorrogação mediante
solicitação do presidente da comissão à autoridade instauradora que decidirá de forma
fundamentada. O prazo de conclusão será contado a partir da publicação do ato de
instauração do PAR.

3.6.9 Poderes instrutórios da comissão


Embora inexistente um órgão acusador no processo administrativo sancionador, a
comissão promove um processo de natureza inquisitória, ou seja, a atuação da comissão
está pautada na busca pelos esclarecimentos dos fatos que são objeto do processo. Para
atingir sua finalidade, a comissão é dotada de certos poderes instrutórios, como:

i) propor à autoridade instauradora a suspensão cautelar dos efeitos do ato ou do


processo objeto da investigação;

Ainda que a comissão não goze do poder cautelar, identificando lesão ou ameaça de
lesão decorrente da manutenção do ato ou processo que é objeto de investigação no PAR,
poderá representar à autoridade instauradora pela suspensão.
A autoridade instauradora tem a competência para suspender o ato ou processo por
se tratar da autoridade máxima do órgão de onde provém o ato ou processo em questão.

ii) solicitar a atuação de especialistas com notório conhecimento, de órgãos e


entidades públicos ou de outras organizações, para auxiliar na análise da matéria sob
exame;

A exigência de que a comissão seja formada por servidores estáveis do órgão gera
um problema de conhecimento técnico. Os órgãos da administração são compostos por
pessoas com conhecimentos específicos na matéria de atuação finalística, a exemplo de
um Ministério.

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50

Aspectos de complexidade jurídica ou especificidade de matérias que fogem ao


conhecimento dos servidores do órgão podem impactar na análise final do PAR.
Por esse motivo, a comissão pode requerer que especialistas externos atuem
fornecendo informações e esclarecimentos técnicos para o processo.
É importante destacar que os especialistas não precisam ser peritos, muito embora
seja desejável que esses especialistas tenham o mesmo nível de isenção e imparcialidade
que é importa aos auxiliares da justiça pela lei processual vigente.

iii) solicitar ao órgão de representação judicial ou equivalente dos órgãos ou


entidades lesadas, que requeiram as medidas necessárias para a investigação e o
processamento das infrações, inclusive de busca e apreensão, no País ou no exterior.

Essa é uma providência das mais importantes no que pertine à produção probatória
pela comissão. É importante lembrar que a comissão não possui poderes de polícia ou de
autoridade jurisdicional, de maneira que não detém de meios coercitivos para
implementação de seus atos. O órgão de representação judicial são as procuradorias como
a Procuradoria Federal e Advocacia Geral da União. Mediante solicitação fundamentada
pela comissão, o órgão de representação poderá requerer medidas judiciais para a
obtenção de provas relevantes para o processo.
Os pedidos de busca e apreensão no exterior serão processados conforme as
disposições do “Título II - Dos limites da jurisdição nacional e da cooperação internacional”,
“Capítulo II - Da cooperação internacional”, do Código de Processo Civil.

3.6.10 Relatório final, julgamento e comunicações externas


Terminada a instrução processual, apresentadas as alegações finais, a comissão fará
um relatório final a respeito de todo o apurado e concluirá sobre a existência ou não de
responsabilidade da pessoa jurídica e sugerirá, de forma motivada as sanções a serem
aplicadas, a dosimetria da multa ou o arquivamento do processo. O relatório final do PAR
será encaminhado à autoridade competente para julgamento, o qual será precedido de
manifestação jurídica, elaborada pelo órgão de assistência jurídica competente.
O relatório final não tem natureza de decisão ou voto e sim de elemento informativo
para a decisão da autoridade competente que poderá discordar da conclusão
fundamentando sua decisão nas provas produzidas no PAR. Se a autoridade competente
ao analisar o relatório entender pela existência de eventuais ilícitos a serem apurados em
outras instâncias, o relatório da comissão poderá ser encaminhado:

i) ao Ministério Público;
ii) à Advocacia-Geral da União e seus órgãos vinculados, no caso de órgãos da
administração pública direta, autarquias e fundações públicas federais; ou ao órgão
de representação judicial ou equivalente.

3.6.11 A publicação da decisão


A decisão administrativa proferida pela autoridade julgadora ao final do PAR será
publicada no Diário Oficial da União e no sítio eletrônico do órgão ou entidade público
responsável pela instauração do PAR. A publicação da decisão sancionadora não se
confunde com a sanção da publicação extraordinária.

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3.6.12 Recurso de reconsideração


Contra a decisão da autoridade administrativa cabe somente pedido de
reconsideração com efeito suspensivo no prazo de 10 dias, contados da data da publicação
da decisão. O pedido de reconsideração somente poderá ser manejado pela pessoa jurídica
punida, não havendo previsão de recurso de reconsideração pela comissão ou qualquer
outra pessoa que se mostrar inconformada com a decisão.
A previsão de recurso de reconsideração como único recurso cabível é um retrocesso
processual. Não há motivo para não haver previsão de recurso hierárquico para uma
instância superior, dando efetividade ao princípio do duplo grau de jurisdição.
A limitação da revisão das decisões pela autoridade máxima de cada órgão tem como
efeito orgânico o estabelecimento de diversas jurisdições independentes dentro da
administração pública federal, ou seja, cada Ministério terá a palavra final na interpretação.

3.6.13 Trânsito em julgado e execução da decisão sancionadora


Transitada em julgado a decisão sancionadora, a pessoa jurídica terá o prazo de 30
dias para dar cumprimento às penalidades. O Decreto não prevê qualquer tipo de
negociação ou estabelecimento de métodos para cumprimento da penalidade. O
estabelecimento de prazo de 30 dias corridos para pagamento de multas pesadíssimas é
irrazoável, na medida em que, a depender da saúde financeira da pessoa jurídica, será
inviável levantar o valor para pagamento integral sanção econômica.

3.6.14 Penalidades
As sanções administrativas podem ser de multa, publicação extraordinária da decisão
administrativa sancionadora ou ainda sanções administrativas que tenham como efeito
restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a administração
pública, se o ato lesivo estiver também tipificado na Lei 8.666/93.

3.6.15 Os encaminhamentos judiciais


Com a conclusão do relatório pela condenação da pessoa jurídica pela prática de ato
lesivo, alguns encaminhamentos judiciais poderão ser determinados no relatório ou pela
autoridade máxima:

(a) cobrança judicial da multa no Brasil ou exterior;


(b) a promoção da publicação extraordinária no Brasil ou exterior;
(c) a persecução das sanções referidas nos incisos I a IV do caput do art. 19 da Lei
no 12.846, de 2013;
(d) a reparação integral dos danos e prejuízos;

3.7 Desconsideração da personalidade jurídica


A desconsideração da personalidade jurídica é aplicada no âmbito do PAR. Adota a
teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada
com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos

Compliance
52

previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os
efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com
poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.

3.8 Sistema CGU-PJ: CNEP e CEIS


O Sistema CGU-PJ consolida os dados sobre o andamento PARs federais de entes
privados, estando integrado com o CNEP e com o CEIS. Os dados sobre as sanções
cadastradas no CGU-PJ são automaticamente inseridos nos respectivos cadastros.
O Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP) é banco de informações
mantido pela CGU que tem como objetivo consolidar a relação das empresas que sofreram
qualquer das punições previstas na Lei Anticorrupção.
A Lei de Licitações também tem Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e
Suspensas (CEIS), que tem como objetivo consolidar a relação das empresas e pessoas
físicas que sofreram sanções das quais decorra como efeito restrição ao direito de participar
em licitações ou de celebrar contratos com a Administração Pública.
A CGU desenvolveu ainda o Sistema Integrado de Registro do CEIS/CNEP (SIRCAD),
para publicar, no Portal da Transparência, os dados do CNEP e do CEIS, atendendo as
determinações da Lei Anticorrupção. O acesso ao SIRCAD é feito de forma restrita pelos
entes públicos para que seja preservada a fidedignidade dos dados registrados. Todos os
entes públicos podem solicitar seu pré-cadastro no Sistema pela internet e é necessário
que possuam certificação digital (e-CNPJ).

3.9 Acordos de Leniência e Delação Premiada

3.9.1 Delação premiada


Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que o direito penal brasileiro já previa situações
legais em que o indivíduo poderia se beneficiar da redução, ou isenção total da pena,
quando confessasse o delito ou evitasse o resultado. Nesse sentido, são a atenuante
genérica do artigo 65, III, b; o arrependimento eficaz do artigo 15 e o arrependimento
posterior do artigo 16 – todos previstos pelo Código Penal.
Para alcançar seus efeitos, a delação demanda a criação de um procedimento
específico, sendo indispensável a necessidade de formalização. Caberá ao colaborador
confessar e delatar os demais membros, identificando-os; revelar a estrutura da
organização e a divisão de tarefas. É indiferente se a delação é voluntária ou espontânea,
afastando sua credibilidade apenas quando comprovada a coação pelo agente público.
Como resultados esperados, estão: recuperação total ou parcial do produto do crime e a
localização da vítima (em caso de sequestro), além do desmantelamento da organização
criminosa. Após a anuência quanto ao conteúdo do acordo, o Ministério Público ou a
autoridade policial encaminham os autos da delação premiada para homologação pelo juiz.
O juiz não participa das negociações e pode concordar (homologar) ou não seu
conteúdo, caso entenda violado algum preceito legal/constitucional. Se o juiz concordar, o
colaborador é chamado a prestar declarações, abrindo mão do direito ao silêncio e de não
produzir prova contra si mesmo. Ou seja, somente após homologado o acordo é que o
colaborador presta suas declarações, ficando à disposição das autoridades públicas. Por
consequência, pode ser chamado quantas vezes forem necessárias.

Compliance
53

As declarações deverão ser mantidas em sigilo total, com a presença obrigatória do


advogado em todos os atos. É uma causa especial de diminuição de pena, sendo possível,
assim, que a fixação da reprimenda fique abaixo do mínimo legal. Não há regulamentação
legal em caso de descumprimento, mas as partes podem desistir do acordo a qualquer
momento e, nessa hipótese, as declarações não deverão constar dos autos. Se houver
desistência do acordo depois das declarações, as provas não poderão ser utilizadas.
Quanto ao valor probatório das declarações do delator, em primeiro lugar, a própria
Lei 12.850 prevê, no art. 4º, parágrafo 16, que “nenhuma sentença condenatória será
proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”. Tal previsão
está de acordo com o princípio da presunção de inocência, pois a condenação não pode se
basear em uma única versão dos fatos. A jurisprudência, por seu turno, atribui valor
probatório à delação apenas quando, além do delator indicar seus cúmplices, assumir sua
própria culpa. Caso contrário, poderia gerar suspeitas quanto à veracidade das informações
prestadas. Essa lógica é defendida desde Malatesta:81

“Sempre que, repetimos, a acusação em sentido genérico do cúmplice se apresente


como desagravo do acusado acusador, a suspeita na veracidade deste é legítima. Disto
deriva que esta suspeita se tornará imensa quando prometida a impunidade pela revelação
dos cúmplices. O impulso para mentir é tão forte que a lógica se opõe a fazer menção de
tal chamada de cúmplice, cujo preço é a impunidade do delator”.

De acordo com Badaró, que toma por base a legislação italiana, caberá ao juízo o
exame dos elementos subjetivos do delator, considerando sua personalidade, seu passado,
as razões que o levaram a confessar/delatar, a ausência de inimizade com o delatado,
entre outros. Já no exame dos elementos objetivos, do conteúdo da delação, deve ser
observada a firmeza, a coerência, e a especificidade lógica da delação.82 Deve ser levada
em conta a narrativa rica em particularidades e especificidades, permitindo seu controle
através de fatos objetivamente verificáveis, sob pena de se transformar em mera
confirmação genérica, sem agregar valor à persecução penal.
Além disso, a declaração não pode se utilizar de palavras ou expressões ambíguas,
suscetíveis de significados diversos. Badaró ressalta, ainda, não bastar como prova à
condenação a existência de duas ou mais delações no mesmo sentido, sem outra prova a
corroborar seu conteúdo (delação cruzada), por serem elementos com valor probatório
menor que um testemunho, por exemplo. Nesses casos, afirma o autor, a hipótese deveria
ser de absolvição, para não se correr o risco de condenação de um inocente. Por isso,
caberá ao magistrado indicar o elemento de prova que se soma ao teor da delação,
confirmando-a, ou estará violando o art. 4º, parágrafo 16, da Lei nº 12.850.
Quanto à extinção da punibilidade, com o advento das Leis 9.613/98 e 9.807/99, foi
possibilitado ao juiz aplicar a delação como causa de extinção de punibilidade do agente,
reconhecendo que o acusado merece a concessão do perdão judicial.
O princípio da individualização da pena está previsto no inciso XLVI do artigo 5º da
Constituição Federal, função atribuída ao juiz para eleger a pena dentre as possíveis,
mensurá-la dentro dos limites e presidir o processo executório da pena que vier a ser
concretizada. Nas hipóteses de delação premiada os critérios analisados pelo juiz para a

81
MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. [s.l.]: Conan, 1995. v. 2, p. 208-
209.
82
BADARÓ, Gustavo. O valor probatório da delação premiada: sobre o § 16 do art. 4º da Lei 1.2850/2013.

Compliance
54

concessão do prêmio levam em conta o mérito, quanto maior e mais vigoroso os efeitos
da colaboração do agente, torna-se menor a censurabilidade de sua conduta.
Não há definição legal quanto ao momento processual adequado para sua utilização.
É possível a delação mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória, mas
nesse caso há divergências quanto ao meio processual adequado: revisão criminal ou
simples petição dirigida ao juiz da vara de execuções criminais.
Além disso, a lei que regulamenta a delação premiada assume contornos de norma
penal mais favorável e, portanto, de aplicação retroativa, atingindo, inclusive, os crimes
cometidos antes da sua vigência.83
Há a seguinte evolução da "cooperação premiada unilateral", prevista nas várias leis
anteriores às Leis 9.613/98 e 12.850/13 como hipótese de diminuição da pena, até o
"acordo de cooperação premiada": Lei 7.492/86 – art. 25, § 2º; Lei 8.072/90 – art. 8º,
parágrafo único; Lei 8.137/90 – art. 16, parágrafo único; Lei 9.034/95 – art. 6º; Código
Penal – art. 159, § 4º; Lei 9.613/98 – art. 1º, § 5º; Lei 9.807/98 – arts. 13 e 14; Lei
10.409/02 – art. 32, §§ 2º e 3º (revogada); Lei 11.343/06 – art. 33, § 4º; e, Lei 12.850/13
– arts. 4º a 6º.

3.9.2 Acordo de leniência


É um acordo administrativo, também sem a presença do juiz, que permite ao infrator
participar da investigação, com o fim de prevenir ou reparar dano de interesse coletivo.
No Brasil, o Programa de Leniência da Secretaria de Desenvolvimento Econômico é
uma das inovações na área do direito da livre concorrência. Previsto no artigo 35-B da Lei
8.884/94, acrescentado pela Lei 10.149/00, consiste na possibilidade de acordo entre a
Secretaria (em nome da União) e a pessoa física ou jurídica, envolvida na prática da
infração, à ordem econômica que confessar o ilícito e apresentar provas suficientes para a
condenação dos envolvidos na suposta infração. Em contrapartida, o agente tem os
seguintes benefícios: extinção da ação punitiva da administração pública, ou redução de
1/3 a 2/3 da penalidade.
A questão que mais tem gerado controvérsia é a referente ao impacto do Acordo de
Leniência na ação penal, pois esse instituto foi transplantado para o ordenamento brasileiro
sem as devidas adaptações. Aqui, a formação de cartéis é classificada não somente como
ilícito administrativo, mas também penal, sujeitos à ação pública incondicionada.
Para o colaborador, a leniência gera a obrigação de cooperar com a investigação e
com a instrução do processo licitatório por sua conta e risco. Benefícios na redução das
sanções ou mesmo na sua extinção. Os benefícios podem se estender para a esfera penal.
Para o Estado, a leniência implica obrigação de reduzir as sanções que seriam
aplicadas ao infrator confesso, caso houvesse cooperação.
Polêmica entre Ministério Público e CADE: embora haja menção expressa na Lei
10.149/00 sobre a extinção da punibilidade, a suspensão do curso do prazo prescricional
e o impedimento do oferecimento da denúncia, não há uma uniformidade de entendimento
entre aqueles agentes públicos com relação aos seus efeitos.
Caso a infração noticiada constitua crime de ação penal pública, a SDE deverá
consultar o Ministério Público acerca da possibilidade de enquadramento nos regimes de
delação previstos na legislação penal. O ideal nessas situações seria uma atuação conjunta
entre Ministério Público e CADE, caso contrário o denunciante apenas tem a certeza do

83 Nesse sentido, HC 40.633, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T, j. 01.09.2005.

Compliance
55

perdão na esfera administrativa do CADE, mas não tem a garantia da extinção da


punibilidade na esfera penal.
Em decorrência desses efeitos práticos, surgiram três posições a respeito da
aplicabilidade do acordo de Leniência: a) o acordo de leniência com a SDE (Secretaria de
Desenvolvimento Econômico), na esfera administrativa, impede que o Ministério Público
ingresse com a ação criminal; b) inaplicabilidade das regras do Acordo de Leniência na
esfera penal com fundamento no Princípio da Indisponibilidade da Ação Penal Pública; c)
imprescindibilidade do consentimento do Ministério Público para a realização do Acordo e
para decretação da extinção da punibilidade.
Embora não seja expressa a respeito da extinção da punibilidade, a concordância do
Ministério Público para o Acordo de Leniência dá o necessário suporte a sua aplicação. Os
crimes contra a ordem econômica são de ação pública incondicionada e somente o
Ministério Público, como titular da ação penal, poderia dispor ou restringir a sua aplicação
a partir de critérios de conveniência e oportunidade. Seria o uso do princípio da
oportunidade e, por analogia, da plea bargain dos EUA.

3.9.3 Lei 9.613/98 – Lei de Lavagem de Capitais


A delação premiada, chamada por essa lei de colaboração espontânea, encontra-se
prevista no § 5o de seu artigo 1º:

“A pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida em regime


aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se
o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando
esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à
localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime”.

3.9.4 Lei 12.850/13


De acordo com Afrânio Silva Jardim, em artigo intitulado “Poder Judiciário não deve
ser refém de acordos de delação premiada do MP”, publicado no site Consultor Jurídico em
18 de outubro de 2015, essa lei permitiria a mitigação do princípio da obrigatoriedade da
ação penal pública e a negociação sobre a própria aplicação da lei penal no caso concreto,
realizando ainda os seguintes apontamentos:
- As regras do Direito Penal e da Lei de Execução Penal não deveriam ser objeto de
negociação entre um membro do Ministério Público e um integrante de uma organização
criminosa, nem podem deixar o magistrado refém dessa negociação, alcançando as
conclusões a seguir expostas.
- No artigo 4°, parágrafo 4°, teria sido permitido ao Ministério Público deixar de
oferecer denúncia em face de um indiciado colaborador, que não seja o chefe da
organização e que seja o primeiro a fazer o acordo.
- Nessa hipótese, o Ministério Público deve requerer o arquivamento do inquérito
policial ou de qualquer outro procedimento investigatório, apenas em relação ao indiciado
colaborador, aplicando-se a regra do art. 28 do Código de Processo Penal e permitindo o
controle judicial.
- O acordo de cooperação premiada tem a natureza de negócio jurídico processual e
não deveria especificar qual dos quatro prêmios o juiz teria de aplicar na sua futura
sentença condenatória, assegurando ao magistrado a aplicação do preceito constitucional
da individualização da pena. Por outro lado, caso não concordem com o prêmio aplicado

Compliance
56

pelo juiz, o Ministério Público e/ou réu poderiam apelar, levando o tema à análise pelo
duplo grau de jurisdição.
- O magistrado não pode deixar de homologar o acordo de cooperação, salvo se
verificadas ilegalidades de aspecto formal, ficando vinculado a este ato jurídico perfeito.
- É dificultado ao juiz aplicar a pena que mais se aproxime de sua convicção, já que
está vinculado pelo acordo das partes, simplesmente entregando a prestação jurisdicional
exigida por um órgão do Ministério Público e um membro da organização criminosa.
- Não podendo o juiz deixar de homologar o acordo em razão de avaliação de seu
mérito, poderia ser aberto espaço para que um membro do Ministério Público obrigasse o
órgão jurisdicional a conceder um perdão a quem, dentro de uma organização criminosa,
praticou crimes gravíssimos.
- A regra do parágrafo 8° do artigo 4° não autoriza o juiz a participar da negociação
sobre os prêmios, pois isto está expressamente vedado pelo parágrafo 6°. Caso contrário,
o magistrado estaria antecipando a sua pena ainda na fase do inquérito. Na verdade, o
dispositivo legal apenas permite ao magistrado podar regras contratuais inconstitucionais
ou ilegais.
- A decisão de homologação do acordo de cooperação premiada tem a natureza de
jurisdição voluntária, vale dizer, trata-se de uma decisão judicial (não jurisdicional) que a
lei exige para a concretização e eficácia de um determinado negócio jurídico. Assim, a
retratação prevista no parágrafo 10° do sempre referido artigo 4° somente terá eficácia se
manifestada antes da homologação. O desfazimento do acordo homologado dependerá
sempre de uma decisão judicial desconstitutiva.
- O acordo de cooperação premiada é um negócio jurídico de Direito Público,
dependendo a sua existência jurídica da manifestação estatal (do juiz). Para a estabilidade
da relação processual penal não se admite o distrato por ambas as partes. Havendo
inadimplemento em relação aos deveres assumidos (o réu opta para, em juízo, ficar em
silêncio ou mentir sobre a atuação dos outros membros da organização criminosa), perderá
o direito ao "prêmio" avençado e a prova produzida será valorada livremente pelo
magistrado, sendo tudo decidido na sentença final, impugnável pelo recurso de apelação.
- A regra do parágrafo 2° do artigo 4° parece admitir o acordo de cooperação
premiada sem a previsão do perdão judicial, mas usando a técnica da interpretação.
Conforme a constituição, permite-se ao magistrado, desde que haja postulação neste
sentido, a concessão de perdão judicial ao réu (na sentença final), mesmo que não exista
o acordo de cooperação, mas a cooperação tenha se efetivado por “delação unilateral” do
réu, conforme ocorre nas diversas leis anteriores à Lei 12.850/2013.
- A regra do parágrafo 2° do artigo 4° desta lei específica prevê “requerimento”, que
pode não ser deferido pelo juiz, demonstrando que a outorga do “prêmio” não pressupõe
a existência do acordo de colaboração.
- O Ministério Público é o titular do direito de ação penal pública, motivo pelo qual o
Delegado de Polícia não pode, isoladamente, fazer o acordo de cooperação premiada com
o indiciado, dispondo do exercício da ação ou do próprio direito penal material.
- Após a sentença penal recorrível, o acordo de cooperação premiada deve ser
homologado pelo desembargador relator competente para julgar o recurso de apelação.
- A violação do compromisso de dizer a verdade não sujeita o indiciado ou réu ao
crime de falso testemunho, por não reunir as características de testemunha, mas o sujeita
às consequências do inadimplemento do acordo, perdendo o direito ao “prêmio” e
mantendo eficaz toda a prova colhida anteriormente em razão de sua colaboração.

Compliance
57

3.10 Compliance fiscal


O sistema tributário brasileiro é notadamente complexo, por esta razão muitas
empresas estão optando pelo compliance. Além do fato de terem que arcar com elevada
carga tributária, as instituições ainda precisam lidar com os altos custos que envolvem a
apuração dos tributos. Somado a isto estão as possíveis multas fiscais das quais podem
incorrer devido aos erros na hora da apresentação das inúmeras informações ao Fisco.
Se compliance significa agir de acordo com a regra, norma ou comando,
naturalmente compliance fiscal (também chamado de compliance tributário) significa agir
de acordo com os diplomas, leis, normas, diretrizes, regulamentos internos e externos, e
a legislação específica da atividade desempenhada, na busca por neutralizar riscos de
natureza tributária. Em linhas gerais é a atividade que permite verificar se as transações
da empresa estão sendo feitas de acordo com as leis, fazendo com que as obrigações
tributárias sejam entregues em conformidade com estas, de modo a evitar penalidades.
Trata-se de um trabalho de revisão e/ou checagem das informações a serem entregues ao
Fisco para assegurar que estejam em conformidade com a legislação, bem como para
identificar a existência de erros ou inconsistências que possam vir a gerar multas.
Tomem-se como exemplo o pagamento de tributos e a entrega de obrigações
acessórias – todos estes são deveres tributários aparentemente simples - no entanto, a
quimera que é a legislação geral tributária atual, somada a todo o corpo normativo
aplicável a cada atividade ou tipo de operação realizada por determinada empresa, faz com
que seja necessário um apoio técnico trabalhando com vistas a evitar falhas durante a
realização destas atividades. O trabalho de Compliance Fiscal entra na organização e
adequação das necessidades da empresa ao regramento tributário aplicável.
A necessidade do trabalho de Compliance Fiscal atinge desde os pequenos
empreendimentos até os big players do mercado. A contratação de profissionais
especializados e a instituição de sistemas adequados para acompanhar as mudanças
tributárias e as alterações legais faz-se mister para uma condução fiscal adequada e eficaz
no âmbito empresarial. Observem-se alguns exemplos de atividades desenvolvidas pela
atividade de Compliance fiscal:

• Controle das obrigações principais e acessórias a serem entregues com respectivas


datas;
• Guarda de arquivamentos digitais. (Arquivos, XMLs, etc.);
• Fácil acesso de todas as obrigações exigidas pelo FISCO já entregues;
• Monitoramento de CNDs;84
• Auditoria e cruzamentos das escriturações diária e Mensal;
• Identificação de Nota Fiscal com crédito indevido;
• Assegurar a utilização de CFOP de forma correta;85
• Registro de tomada de crédito em Nota Fiscal, quando houver;
• Indicação correta de NCM;86
• Identificação correta da alíquota de ICMS a ser aplicada;

84
Certidão Negativa de Débitos.
85
Código Fiscal de Operações e de Prestações.
86
Nomenclatura Comum do Mercosul.

Compliance
58

Utilizar o compliance fiscal permite que a empresa adote as melhores práticas e


ferramentas no auxílio e na execução de tarefas, garantindo menor risco e exposição desta
ao Fisco. A título exemplificativo, um problema que muitas empresas vêm enfrentando é a
consequência da implementação dos sistemas informatizados da Receita. Esse processo de
modernização da informação permite ao Fisco receber informações quase que em tempo
real. O novo processo de inovação agiliza a entrega de obrigações, além da rápida emissão
de documentos fiscais, como por exemplo a emissão de NF-e-, CF-e-SAT, NFC-e etc.; ou
seja, a Receita tem acesso a um cruzamento de informações quase que instantâneo, o que
leva a detecção rápida de erros do contribuinte, o que por muitas vezes tem como resultado
o lançamento de multas, dentre outras penalidades.
Evitar a inserção de dados imprecisos ou errôneos no sistema fiscal informatizado é
vital para o bom funcionamento contábil e fiscal, tanto no aspecto econômico (evita a
geração de custo com penalidades, etc.) quanto no sentido de segurança tributária/fiscal
(de estar em conformidade com os ditames da legislação e com os sistemas de
instrumentalização tributária).

3.10.1 Planejamento Tributário


Considerada a esmagadora carga tributária a ser suportada pelas empresas no Brasil,
é possível enxergar que o planejamento tributário passou de estratégia de redução do
montante pago a título de tributos para uma questão de sobrevivência empresarial. Essa
possibilidade de economia fiscal (de pagar menos tributos), é permitida pelo ordenamento
jurídico com base na “autonomia da vontade” e na liberdade individual de planejar a vida
financeira. Grosso modo, durante a fase de planejamento tributário, o contribuinte escolhe
entre realizar ou não o fato gerador de um tributo, faz a chamada economia de opção.
Em contrapartida, considerando que nenhum direito é absoluto, o ordenamento
jurídico impõe certos limites a essas autonomia e liberdade - o que se justifica pela
necessidade estatal de que cada um contribua para as despesas públicas. Assim, bem
define o planejamento tributário o ilustre James Marins:87
A análise do conjunto de atividades atuais ou dos projetos de atividades econômico-
financeiras do contribuinte (pessoa física ou jurídica), em relação ao seu conjunto de
obrigações fiscais com escopo de organizar suas finanças, seus bens, negócios, rendas e
demais atividades com repercussões tributárias, de modo que venha a sofrer o menor ônus
fiscal possível.
Essa definição bastante acertada demonstra exatamente a baliza necessária para que
um planejamento seja considerado lícito e aceito dentro do ordenamento jurídico. Não
basta que este, o planejamento, se funda somente na economia fiscal, para ser aceitável
a manobra tributária deve guardar relação com a atividade negocial da empresa, ou seja,
tem que fazer sentido – não pode ser somente a economia pela economia. Essa baliza leva
à estruturação dos conceitos de elisão e evasão fiscal, senão vejamos o que diz Marcus
Abraham sobre o tema:88
De fato, o Planejamento Tributário pode se dar através da adoção de variadas formas,
maneiras e configurações, utilizando-se do sistema tributário nacional ou internacional,
segundo as necessidades, os interesses e as condições do contribuinte, seja ele uma
pessoa física, tanto uma pessoa jurídica. Conforme o seu desenho e posterior resultado,

87
MARINS, James. Elisão Tributária e sua Regulação. São Paulo: Ed. Dialética. 2002, p. 32.
88
GOMES, Marcus Lívio & ANTONELLI, Leonardo Pietro (coord.). Curso de Direito Tributário Brasileiro. Vol. 3. 2ª
Ed. Especial – São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 500.

Compliance
59

ganhará uma denominação: evasão fiscal ilícita ou; elisão fiscal lícita. Nos extremos temos
de um lado os atos ilegais e do outro os plenamente lícitos, enquanto que no meio temos
uma área controvertida e que ora será analisada, debatida e testada, a fim de efetivamente
configurá-la de maneira correta.

3.10.2 Evasão e Elisão fiscal


Numa visão geral, a evasão (ilícita) ocorre quando o contribuinte realiza o fato
gerador e, por meio de expediente ilícito, tal como a fraude, simulação ou sonegação, se
furta ao pagamento do tributo. A elisão ocorre quando o contribuinte evita a prática do
fato gerador, todavia realiza um fato econômico diverso que produz os mesmos efeitos
jurídicos, mas que não gera ou diminui a tributação. A doutrina atual faz uma divisão entre
elisão lícita e elisão ilícita (abusiva). Também nos dizeres de Marcus Abraham:89
Não se pode confundir o verdadeiro planejamento fiscal ou economia fiscal,
amplamente denominado de elisão fiscal lícita, de acordo com as normas expressas na
legislação, assim também de acordo com os valores da sociedade e do próprio
ordenamento jurídico, enquanto sistema axiológico, da hoje tão combatida elisão fiscal
ilícita, que na sua implementação abusa-se das formas e dos meios, na maioria das vezes
manipulados e artificiais, para atingir seus fins, nem sempre ortodoxos, acarretando
diversas consequências maléficas à economia e ao ordenamento jurídico, especialmente
pela redução das receitas públicas e a consequente ampliação do ônus tributário sobre os
demais contribuintes, frustrando os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e
do dever fundamental de pagar tributos, violando os valores sociais, de solidariedade e do
interesse público, sem mencionar os aspectos concorrenciais negativos dali decorrentes
(pela violação a isonomia) [...].

3.10.3 Teoria do Abuso de Direito


Esta teoria, utilizada pela Administração, doutrina e jurisprudência, carrega uma
carga altamente subjetiva, uma vez que permite o Fisco considerar abusivo/ilícito o
planejamento com base no uso imoral do direito. Mas então, o que é considerado imoral
neste contexto? É quando o contribuinte se vale de uma forma jurídica lícita, mas não
atende com esta a finalidade almejada pelo legislador.
De acordo com o que leciona Ricardo Lodi,90 são requisitos do abuso de direito:
São requisitos do abuso de direito: o exercício de um direito subjetivo, a partir
de um dispositivo previsto estritamente no direito objetivo; o caráter antijurídico
desse exercício, revelado pela intenção de causar um dano ou pela inadequação
aos fins almejados pelo legislador; e o dano causado a direito de terceiro.
De acordo com Picazo Díez,91 o abuso de direito representa um limite implícito à
autonomia privada, consistente na inadmissibilidade do exercício desta sempre que o seu
resultado não seja amparado pelo ordenamento jurídico.

89
GOMES, Marcus Lívio & ANTONELLI, Leonardo Pietro (coord.). Curso de Direito Tributário Brasileiro. Vol. 3. 2ª
Ed. Especial – São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 503.
90
RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 145.
91
DÍEZ, Picazo. 1999 apud RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2003.

Compliance
60

No direito tributário, a teoria do abuso de direito passa a incidir a partir do momento


em que o contribuinte lança mão de um negócio jurídico, formalmente lícito, não visando,
porém, a adequar-se aos efeitos deste, mas tão somente, ou fundamentalmente, à
economia do imposto.
Como observa Ernest Höhn,92 o abuso de direito não ocorre no âmbito do direito
tributário, mas no do próprio direito privado, na medida em que o contribuinte, utilizando-
se de um negócio jurídico admitido por lei, não atende às finalidades almejadas pelo
legislador civil, mas outras, que constituem objeto da hipótese de incidência tributária.
(grifos nossos).
Desta feita, o abuso de direito, na caracterização da elisão abusiva, ocorre quando o
contribuinte usa ato jurídico lícito diverso do que normalmente usaria em seu negócio, cuja
forma escolhida não se adequa à finalidade da norma que o ampara, ou à vontade e aos
efeitos dos atos praticados pelo contribuinte, fazendo-o tão somente como a motivação da
economia de tributo. São vários os mecanismos pelos quais se caracteriza o abuso de
direito: a fraude a lei; abuso de forma, abuso da personalidade jurídica das empresas; e o
descompasso entre a forma jurídica e a intenção econômica. Caracterizado o abuso de
direito, o Fisco pode desconsiderar o ato jurídico praticado.
Na fraude a lei o contribuinte mascara sua conduta não por esta ser antijurídica,
mas porque esta gera pagamento de tributo. É o caso, por exemplo de empresa que,
buscando tão somente se valer de benefício tributário que abrange apenas pequenas e
médias empresas, se utiliza de cisões e constituição de novas empresas menores, para
obter vantagem fiscal.
No caso do abuso de forma, o Fisco pode desconsiderar os atos/negócios jurídicos
quando esta for atípica ao fato econômico desejado. Ressalte-se que, além de atípica, a
forma ainda deve ser abusiva, ou seja, que não haja motivo relevante, além da economia
tributária, para a escolha daquela modalidade negocial.
No abuso da personalidade jurídica da empresa, aplica-se a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, consagrada pelo art. 135, CTN que estabelece
a responsabilização pessoal dos sócios, administradores, dentre outros. Tomemos a
exemplo o julgado abaixo:
Civil e Processual Civil. Agravo de instrumento. Processo de execução.
Desconsideração da personalidade jurídica. Empresa que fornece endereço errado da
sede perante a junta comercial. Local desocupado e fechado. Alteração contratual que
exime os sócios anteriores de responsabilidades jurídicas e tributárias. Presunção de
dissolução irregular. Responsabilização dos sócios pelas dívidas da empresa.
Cabimento. Precedentes do STJ. Decisão reformada. 1 - Havendo evidências de fraude ou
exercício abusivo de direito por parte de empresa devedora, mormente, se a sociedade
não tem bens em seu nome e fornece endereço de sua sede que se encontra fechado e
desocupado, retardando imotivadamente o cumprimento da obrigação, imperioso
reconhecer o uso abusivo da personalidade jurídica. 2 – Os sócios devem ser alcançados
pela desconsideração da personalidade jurídica, quando se tratar de sociedade por quotas
de responsabilidade limitada, albergando a medida a todos os sócios signatários de
alteração contratual que os eximiu de qualquer responsabilidade jurídica e tributária. A
alteração contratual aliada à condição da empresa de que sua sede encontra-se fechada e
desocupada, conduzem para a conclusão de que houve o encerramento irregular das

92
HÖHN, Ernest. 1984 apud RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2003.

Compliance
61

atividades da pessoa jurídica, sem providenciar a competente baixa no registro de


comércio, o que autoriza a aplicação da "disregard doctrine" prevista no artigo 50 do código
civil. Agravo de instrumento parcialmente provido. Maioria.
(TJ-DF - AI: 184273020108070000 DF 0018427-30.2010.807.0000, relator: Romeu
Gonzaga Neiva, Data de Julgamento: 23/02/2011, 5ª turma cível, data de publicação:
04/03/2011, DJ-e pág. 241) (grifo nosso)
Haverá descompasso entre a forma jurídica e a intenção econômica (vício
negocial) quando houver ausência de propósito negocial. Para identificação destas
hipóteses, faz-se mister observar a teoria da interpretação econômica.
De acordo com esta teoria, surgida na Alemanha em 1919, fica caracterizada a elisão
abusa quando o contribuinte, buscando obter vantagem negocial, busca obter a economia
fiscal. A teoria informa da necessidade de um propósito negocial que justifique as
operações empresariais. O propósito negocial, substrato econômico, ou ainda business
purpose é um motivo econômico adicional que justifica a operação, é o que permite que
se afira a real necessidade/vontade de conduzir os negócios de determinada maneira, e
não somente em razão da redução da carga tributária.93 Esta teoria é adotada no Brasil,
em conjunto com a do abuso de direito.

3.10.4 Cláusula geral antielisiva


Há muito o Brasil já vinha introduzindo normas antielisivas em alguns diplomas
esparsos. Todavia, com a Lei Complementar nº 104/2001, foi introduzido o parágrafo único
do art. 116 do CTN que consagrou a norma geral antielisiva, com base na teoria do abuso
de direito, combatendo o abuso em todas as suas formas, fraude a lei; abuso de forma,
abuso da personalidade jurídica das empresas; e o descompasso entre a forma jurídica e
a intenção econômica.
Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador
e existentes os seus efeitos:

[...] Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos


ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do
fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação
tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (grifo
nosso).

Pela leitura do dispositivo é de se notar que foi dado ao Fisco o poder de


desconsiderar um ato jurídico que tenha por finalidade a dissimulação, tornando tais atos
ou negócios jurídicos como inexistentes.
Com o surgimento desta norma, muito se discutiu e se discute até os dias atuais
sobre a constitucionalidade, como bem explica Leonardo Santiago:94
Doutrinariamente, não há consenso acerca da constitucionalidade do dispositivo em
voga, embora a posição que entendemos de acordo com os fundamentos expostos ao longo
do presente trabalho acerte pela constitucionalidade do dispositivo. Enquanto alguns

93
Nesse sentido, TRF-4 - AC: 50172805320154047200 SC 5017280-53.2015.404.7200, Relator: RÔMULO
PIZZOLATTI, Data de Julgamento: 18/10/2016, SEGUNDA TURMA.
94
SANTIAGO, Leonardo Ayres. Artigo 116, parágrafo único, CTN: Norma antielisiva genérica? Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_ id=2697>. Acesso em:
24.04.2018.

Compliance
62

doutrinadores defendem a impossibilidade da adoção de tal mandamento diante da


presença de cláusula antielisiva genérica e do primado da segurança jurídica, princípio
consagrado pela Constituição de 1988, que tem como corolários os princípios da legalidade
e da tipicidade, outros doutrinadores, como o prof.° Marco Aurélio Greco,95 defendem a
alteração em tela, desde que respeitados os limites constitucionais ao poder de tributar,
com vistas a consagração de norma de combate ao planejamento tributário ardiloso e sem
escrúpulos, instituto usado para pagar menos tributos, que diminui a arrecadação estatal
e onera os outros contribuintes na mesma situação.

Há de se notar que esta questão ainda não é pacífica na doutrina, no entanto, a


aplicação da norma geral, em conjunto com a teoria do abuso de direito e da interpretação
econômica, se mantém na jurisprudência atual.
Por todo exposto nestes tópicos, note-se que a adequação do planejamento tributário
às teorias e normas antielisivas influencia profundamente no trabalho de compliance. São
assuntos de observação obrigatória, uma vez que interfere diretamente na estrutura
empresarial como um todo – desde a decisão do modo de constituição de uma empresa à
menor operação realizada pela entidade. O trabalho de planejamento neste cenário é
fundamental, vez que antevê a fiscalização administrativa e permite uma adequação mais
acertada às normas vigentes, contribuindo para um compliance eficaz.

3.10.5 SPED - Sistema Público de Escrituração Digital


O SPED (Sistema Público de Escrituração Digital) é uma ferramenta instituída em
2007 pelo Decreto nº Decreto nº 6.022. De acordo com a Receita Federal:96
O Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) faz parte do Programa de Aceleração
do Crescimento do Governo Federal (PAC 2007-2010) e constitui-se em mais um avanço
na informatização da relação entre o fisco e os contribuintes.
De modo geral, consiste na modernização da sistemática atual do
cumprimento das obrigações acessórias, transmitidas pelos contribuintes às
administrações tributárias e aos órgãos fiscalizadores, utilizando-se da certificação
digital para fins de assinatura dos documentos eletrônicos, garantindo assim a validade
jurídica dos mesmos apenas na sua forma digital. (grifos nossos)
É uma iniciativa que integra as três esferas de governo e os contribuintes, vez que
reúne os Fiscos federal, estadual, municipal e distrital, já que todos estes fazem parte do
rol de usuários do sistema, de acordo com o que disciplina o art. 3º do Decreto.
O SPED compreende outros sete subprojetos, quais sejam: a Escrituração Contábil
Digital – ECD; Escrituração Fiscal Digital – EFD; Nota Fiscal Eletrônica – NF-e; Nota Fiscal
de Serviços Eletrônica – NFS-e; Conhecimento de Transporte Eletrônico – CT-e; E-Lalur; e
a Central de Balanços, todos relacionados ao controle contábil e fiscal.
De acordo com o que prescreve o art. 2º do Decreto, trata-se de:

95
Apud Greco, Marco Aurélio, artigo denominado “A constitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do CTN”,
Apud Rocha, Valdir de Oliveira (Coord.), Planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética,
2000. p. 194.
96
Receita Federal do Brasil. SPED - Sistema Público de Escrituração Digital. Disponível em:
<http://sped.rfb.gov.br/pagina/show/964>. Acesso em: 24.04.2018.

Compliance
63

Instrumento que unifica as atividades de recepção, validação, armazenamento e


autenticação de livros e documentos que integram a escrituração contábil e fiscal dos
empresários e das pessoas jurídicas, inclusive imunes ou isentas, mediante fluxo único,
computadorizado, de informações.
Leia-se: as informações, antes prestadas aos Fiscos e às juntas comerciais pelo
contribuinte por meio de livros impressos, agora devem ser prestadas no formato
eletrônico e de acordo com o layout estabelecido pela legislação. Ademais, ressalte-se que
os documentos deverão ser submetidos no sistema de forma eletrônica, contando com
assinatura com certificação digital no padrão ICP-Brasil. Observe-se que o contribuinte é
o responsável legal pela guarda dos arquivos digitais que conterão as escriturações.
Pelo exposto, conclui-se que o SPED reúne eletronicamente o que se fazia antes na
escrituração contábil interna de uma empresa. O que ocorre de mais inovador aqui é que
se permite uma inteiração direta com o Fisco e em tempo quase real. É um sistema baseado
na transparência, o Fisco fica em monitoramento constante das atividades da empresa.
Em 2017, entrou em vigor o Sped 2.0, com o objetivo de conferir maior simplificação e
integração ao sistema, trazendo: novo modelo de NFS-e; simplificação tributária; e,
entrada em vigor do EFD-Reinf (mai/18) e do eSocial, conforme cronograma.
O grande risco de toda essa exposição contábil e fiscal perante os Fiscos é a inserção
de informações errôneas ou inexatas no sistema, o que pode imediatamente levar à
imposição de sanções e multas às empresas. Desta feita, por se tratar de uma ferramenta
nova e cheia de especificidades, com legislação e regulamentos específicos e com formatos
e prazos próprios de apresentação de documentos, fazem-se extremamente necessárias
as atividades de compliance e planejamento tributário, de modo a trabalhar em conjunto
para identificar soluções antecipadas no cumprimento das obrigações acessórias, face
às exigências da administração tributária.

3.10.6 Responsabilidade tributária


A relação jurídica tributária é integrada por dois polos: o ativo e o passivo. O sujeito
ativo, como já visto, é o Estado (ou por ente a que a legislação atribua condição de sujeito
ativo). Já o sujeito passivo pode existir na figura do contribuinte ou responsável, pelo que
se extrai dos artigos 121, 122 e 128 do CTN:
Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento
de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua
o respectivo fato gerador;
II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação
decorra de disposição expressa de lei.
Art. 122. Sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações
que constituam o seu objeto.
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo
expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada
ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte
ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida
obrigação. (grifos nossos)

Compliance
64

Note-se que o contribuinte é aquele que pratica/incorre no fato gerador (sujeito


passivo direito). Já o responsável (sujeito passivo indireto), apesar de não se revestir na
mesma condição do contribuinte, guarda relação indireta com o fato gerador e, por isso,
tem obrigação imputada decorrente de disposição em lei. Frise-se: em lei. Não se trata de
responsabilidade atribuída em convenções particulares, pois estas, via de regra, não
podem ser opostas à Fazenda Pública.97 Nas palavras de Claudio Carneiro:98

A responsabilidade tributária pode ser dar por:


a. Por substituição
»» progressiva
»» regressiva
b. Por transferência
O CTN elenca três situações de responsabilidade por transferência:
»» por imputação legal ou de terceiros – arts. 134 e 135
»» por infrações – arts. 136 a 138
»» por sucessão – arts. 129 a 133
»» por ato inter vivos (arts. 130 e 131, I);
»» por mortis causa (art. 131, II e III);
»» empresarial (arts. 132 e 133).

Trazendo o foco mais voltado para o compliance, cumpre observar em mais detalhe
a responsabilidade por imputação legal ou de terceiros e por infrações.

Responsabilidade subsidiária por omissão específica (art. 134, CTN)


Art. 134, CTN - Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da
obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que
intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;
II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;
III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo
concordatário;
VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos
sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;
VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às
de caráter moratório.

97
A exemplo, se um locador convenciona com um locatário que este pagará o IPTU há aqui uma obrigação entre
particulares que não pode ser oposta ao Fisco. O Fisco enxerga o locador (dono do imóvel) como devedor, pois é
ele que integra a relação jurídica tributária, não o locatário. Art. 123, CTN: Salvo disposições de lei em contrário,
as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à
Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.
98
CARNEIRO, Claudio. Curso de Direito Tributário e Financeiro. 6ª ed. São Paulo: Saraiva. 2016, p. 561.

Compliance
65

Entre as pessoas elencadas no art. 134, CTN há responsabilidade subsidiária, pois


tem como fundamento a culpa in vigilando. Nesta modalidade, a obrigação nasce para o
contribuinte e, após a ocorrência do fato gerador, a lei imputa a responsabilidade a terceiro.

São três os pressupostos para essa responsabilidade:


a) Que o contribuinte não possa cumprir a obrigação;
b) Que o terceiro tenha participado do fato gerador do tributo ou tenha se omitido
indevidamente a este;
c) Uma relação entre a obrigação tributária e um comportamento daquele a quem a
lei atribui a responsabilidade.

Responsabilidade Pessoal (art. 135, CTN)


Art. 135, CTN - São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a
obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração
de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;


II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito
privado.

Nesta modalidade a responsabilidade é solidária e pessoal. O agente aqui será


responsabilizado pessoalmente quando for detectada infração à lei, ao contrato social ou
estatuto da empresa; ou quando agir com excesso de poder. Ressalte-se que há discussão
na doutrina sobre se a responsabilidade dos agentes do rol acima seria exclusiva ou não
e, portanto, se exclusiva, deixaria de ser solidária. Há quem sustente a solidariedade
através da digressão feita do art. 124, CTN.99 Há ainda corrente que insiste que a
responsabilidade aqui seria subsidiária.
Nos parece que este não é o caminho, pois se o legislador quisesse excluir a
responsabilidade do contribuinte o teria expresso na norma, o que não foi o caso.
Corroborando com este entendimento, assim leciona Hugo Machado de Brito:100
[...] a responsabilidade do contribuinte decorre de sua condição de sujeito passivo
direto da relação obrigacional tributária. Independe de disposição legal que expressamente
a estabeleça. Assim, em se tratando de responsabilidade inerente à própria condição de
contribuinte, não é razoável admitir-se que desapareça sem que a lei o diga
expressamente.
Mas o que gera responsabilidade pessoal? Observe-se que todo o rol do art. 135, CTN
leva a ideia de que os agentes ocupam cargos de administração – logo, os passíveis de
responsabilização pessoal são aqueles que dirigem/administram a empresa. Sendo assim,
para que haja responsabilização pessoal, qualquer dessas pessoas precisa agir com
excesso de poder ou em flagrante infração à lei, contrato social ou estatutos em
situação de que resulte débito tributário. Não existe um rol exaustivo sobre o que
acarretaria a responsabilidade pessoal aos legitimados do rol do art. 135. Ressalte-se nesta

99
Art. 124. São solidariamente obrigadas: I - as pessoas que tenham interesse comum na situação
que constitua o fato gerador da obrigação principal; II - as pessoas expressamente designadas por
lei.
100
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. pp. 169.

Compliance
66

oportunidade que o simples não recolhimento de tributos não acarreta responsabilidade


pessoal do sócio-gerente (Súmula 430, STJ).101
De outra sorte, os tribunais têm julgado no sentido de admitir a responsabilidade dos
gerentes nos casos de crimes tributários (a exemplo temos o a retenção ou não repasse
de imposto de renda e de contribuição previdência); distribuição de lucros com tributos em
aberto (de acordo com a Lei 4.357/64, em seu art. 32); e em caso de dissolução irregular
de sociedade (de acordo com o entendimento da Súmula 435, STJ).

Responsabilidade por Infrações (art. 136, CTN)


Art. 136, CTN - Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações
da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da
efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.
Esse tipo de responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de dolo ou culpa
(independe da intenção do agente). Vale ressaltar que as infrações aqui são aquelas de
natureza tributária e não as de natureza penal, isto é, trata-se de multa moratória e multa
isolada. A exemplo, pense na situação em que o empregador retém a contribuição
previdenciária do empregado na fonte, mas não repassa aos cofres públicos. Nesta
hipótese, o infrator fica sujeito a uma sanção administrativa tributária (multa) e também
a uma sanção penal (crime de apropriação indébita). Estamos aqui tratando da
responsabilidade somente na esfera tributária, a penal fica restrita a outro tipo de análise.
Observe-se que a responsabilidade por infrações poderá ser pessoal nas hipóteses
elencadas no art. 137. Ressalte-se, ainda, que esse tipo de responsabilidade poderá ser
afastada pela figura da denúncia espontânea, de acordo com o que prevê o art. 138:
Art. 138, CTN - A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração,
acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do
depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do
tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início
de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a
infração.
Sobre este assunto vale destacar que, de acordo com o entendimento do STJ,102 a
denúncia espontânea não exclui a multa isolada, apenas a multa punitiva, desde que pagos
juros e correção monetária. De acordo com o mesmo órgão, o parcelamento também não
caracterizada denúncia espontânea. Não se aplica ainda o benefício da denúncia
espontânea aos tributos sujeito a lançamento por homologação, regularmente declarados,
mas pagos a destempo (Súmula 360, STJ).
No entanto, quando contribuinte retifica declaração errônea a menor e paga
integralmente o tributo, pode se valer do benefício da denúncia espontânea.103

101
Inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do
sócio-gerente.
102
BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Segunda Turma. REsp nº. 246.457-RS. Rel. Min. Nancy Andrighi. j.
06.04.00. DJ 08.05.00; e BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Segunda Turma. REsp nº. 246.723-RS. Rel. Min.
Nancy Andrighi. j. 06.04.00. DJ 29.05.00.
103
Súmula 436, STJ. Ver, também: BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Primeira Seção. REsp 1.149.022 – SP.
Rel. Min. Luiz Fux. DJe 24.06.2010.

Compliance
67

3.11 Case Compliance Fiscal


Empresa do ramo de fabricação de sucos industrializados deseja iniciar sua produção
e venda no Brasil. Aconselhados por um dito consultor de compliance, seus executivos
decidem abrir cinco empresas inscritas no Simples Nacional, tão somente para aproveitar
as vantagens tributárias do sistema. Pergunta-se: O Fisco aceitaria este planejamento
tributário? Se você fosse o compliance officer da empresa, qual seria a sua sugestão para
que os negócios da empresa se enquadrassem da melhor forma no sistema tributário
brasileiro?

3.12 Compliance regulatório


O ambiente regulatório no Brasil tem passando por um processo de aprimoramento
e de aumento de exigências em decorrência da dinâmica e da complexidade nos negócios.
Desta feita, emerge a necessidade de estruturar a gestão de compliance regulatório para
monitorar e mitigar seus principais riscos.
O Compliance Regulatório atua na observação dos controles internos e externos da
empresa, em consonância com as políticas e diretrizes determinadas para cada tipo de
negócio. Busca assegurar que a empresa esteja cumprindo à risca todas as imposições dos
órgãos de regulamentação, dentro de todos os padrões exigidos a seu seguimento.

3.13 Compliance de contratos


O risco a ser gerido é o de descumprimento de obrigações contratuais, que nem
sempre é deliberado, mas decorrente da complexidade do ambiente; e, também,
decorrente de terceiros com contratos complexos sem clareza nas exigências e
responsabilidades. É preciso gerenciar riscos relacionados aos terceiros para controlar
custos/receitas, mas com a necessidade de adequar os processos às circunstâncias.
Envolve ainda a análise de riscos decorrentes de licenciamentos – compliance de
royalties, a revisão de licenças de software e Gerenciamento de Ativos de Software
(Software Asset Management - SAM), auditorias de propriedade intelectual (direito
autoral + propriedade industrial), identificar, prevenir e gerir riscos relacionados aos
envolvidos, como agências de publicidade, revendedores, distribuidores, representantes
comerciais etc., compliance do Recebimento de Allowances.
A SOx Seção 404 trata sobre o tema, prevendo regras para a avaliação de gestão de
controles internos (“management assessment of internal controls”), em que trata da
avaliação da gestão de controles e procedimentos internos para emissão de relatórios
financeiros, tendo que constar nos relatórios anuais, um relatório sobre controles internos
existentes para preparação e divulgação das demonstrações financeira, atestando a
responsabilidade da administração pelo estabelecimento e a manutenção de uma
estrutura adequada de controles e procedimentos internos para a emissão de
relatórios financeiros; e, contendo uma avaliação da efetividade dos controles e
procedimentos internos no final do exercício social mais recente da companhia.
A firma de auditoria independente deve avaliar e atestar o relatório sobre controles
internos emitido pela administração da companhia.

Compliance
68

Compliance
69

4. POLÍTICAS E SISTEMAS DE COMPLIANCE

4.1 Contextualização
A nova realidade exige que as empresas passem a observar de forma cuidadosa os
riscos de suborno e corrupção nos negócios. Por não ser fácil a elaboração de programas
antissuborno e anticorrupção, a Organization for Standardization (ISO) criou regras para
auxiliar as empresas neste mister, inclusive, também sobre programas de compliance, o
que resultou na elaboração da ISO 19600 – Sistemas de Gestão de Compliance e da ISO
37001 –Sistemas de Gestão Antissuborno.
Estas normas especificam uma série de medidas e controles de Compliance e antissuborno
necessários - razoáveis e proporcionais à organização e seus riscos - e também fornece
orientação prática sobre como implementar e manter os sistemas de gestão nestas disciplinas.
A ideia é que com estas regras haja a redução dos riscos corporativos e custos
relacionados ao suborno, à fraude e à corrupção, permitindo que as empresas obtenham
certificação de organismo acreditado de que seus sistemas de gestão de compliance e
antissuborno atendem aos critérios normativos.
Os padrões normativos baseiam-se na orientação de várias organizações, como a Câmara
de Comércio Internacional - CCI, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
- OCDE, a Transparência Internacional e vários governos, que representam um consenso global
sobre as principais práticas antissuborno e modelos de compliance.
Embora não resolvam por si só a situação, a adoção destas normas indica que a empresa
está tomando as medidas cabíveis, dentro de padrões razoáveis e proporcionais, o que pode ser
considerado, inclusive, para a quebra da responsabilidade objetiva da empresa.

4.2 ISO 19600 – Sistemas de Gestão de Compliance


Publicada em dezembro de 2014, a ISO 19600 tem por finalidade servir de padrão
internacional e referência global para programas de gerenciamento de conformidade. A
ISO 19600 tem uma abordagem mais ampla sobre Sistema de Gestão de Compliance, onde o
tema de suborno está incluído. Destina-se a auxiliar as empresas a melhorar e expandir a
abordagem existente para gerenciamento da conformidade, e pode ser aplicada como um
‘plug-in’ adaptável ao Sistema de Gestão da empresa, e assim gerir as questões de
compliance.
A norma ISO 19600:2014 foi desenvolvida como uma diretriz para empresas, e não
como um sistema de gestão certificável que possa ser exigida como requisito de clientes,
como são outras normas, tais como a ABNT NBR ISO 14001 (Gestão Ambiental) ou a
OHSAS 18001 (Saúde Ocupacional e Gestão da Segurança).
A norma ISO 19600:2014 é baseada nos princípios da boa governança, da
proporcionalidade, da transparência e da sustentabilidade. As empresas poderão adotar
esta normativa como orientação independente, ou ainda combiná-la com outros padrões
ou programas de gestão já existentes ou implementados pela empresa – como, por
exemplo, a Norma ABNT NBR ISO 9001:2015 de Gestão da Qualidade.
Baseia-se no modelo PDCA (Plan – Do – Check – Act) para a construção de uma
estrutura de controle e melhoria contínua de processos:

Compliance
70

PLAN: Identificar as obrigações de conformidade que forem consideradas ou mapeadas


como riscos, a fim de promover uma estratégia e definir as medidas para enfrentá-los.

DO: Definir e implementar mecanismos de acompanhamento.

CHECK: Avaliar se os controles implementados estão em conformidade com o Programa


estabelecido.

ACT: Baseado nos resultados obtidos, o programa deverá ser continuamente aperfeiçoado,
e os casos de Não-Conformidade devem ser gerenciados.

Os potenciais benefícios na implementação da Norma ISO 19600:2014 são:

- Abordagem simplificada e conhecida para as empresas que possuam outros


Sistemas de Gestão ISO implementados;
- Incorporação de elementos críticos de outros padrões, aceitos de forma flexível;
- Oportunidade da criação de uma nova maneira de “olhar” para o seu negócio;
- Demonstração, aos órgãos reguladores, do alinhamento da empresa com outras
normas legais, governamentais e globais de compliance;
- Orientações customizáveis para o beneficiamento e a inclusão de todos os tipos e
tamanhos de empresas, com uma abordagem baseada no risco (obrigações de
Compliance), para a elaboração e implementação de controles internos;
- Adaptação de uma cultura organizacional, voltada para que o cumprimento das
normas aqui apresentadas se torne uma regra geral, aplicada a todos da empresa.

4.3 ISO 37001 –Sistemas de Gestão Antissuborno


A ISO 37001 é aplicável apenas para o suborno e aborda como “estabelecer, implementar,
manter, rever e melhorar um sistema de gestão antissuborno”, seja como uma iniciativa
independente ou como parte de um programa mais amplo de conformidade anticorrupção,
definindo requisitos e fornecendo orientação para um sistema de gestão projetado para ajudar
uma organização a prevenir, detectar e responder ao suborno e cumprir as leis antissuborno e
os compromissos voluntários aplicáveis às suas atividades.
Usando uma série de medidas e controles relacionados, incluindo orientação de apoio, o
sistema de gestão antissuborno especifica os requisitos para:

• Uma política e procedimentos antissuborno


• Liderança, comprometimento e responsabilidade da alta direção
• Supervisão por um gestor de conformidade ou função de compliance
• Treinamento antissuborno
• Avaliações de risco e due diligence em projetos e parceiros de negócios
• Controles financeiros, de compras, comerciais e contratuais
• Relatórios, monitoramento, investigação e revisão
• Ação corretiva e melhoria contínua

A ISO 37001 não trata especificamente de fraudes, cartéis e outras infrações de defesa da
concorrência, lavagem de dinheiro ou outras atividades relacionadas a práticas de corrupção,

Compliance
71

embora uma organização possa optar por ampliar o escopo do sistema de gestão para incluir
tais atividades. A ISO 37001:2017 aborda o suborno em diferentes âmbitos:

- Suborno nos setores público, privado e sem fins lucrativos;


- Suborno pela organização;
- Suborno pelo pessoal da organização, agindo em nome da organização ou em seu
benefício;
- Suborno por parte dos parceiros de negócios da organização, agindo em nome da
organização ou em seu benefício;
- Suborno da organização;
- Suborno do pessoal da organização em relação às atividades da organização;
- Suborno dos associados de negócios da organização em relação às atividades da
organização;
- Suborno direto e indireto (por exemplo, um suborno oferecido ou aceito por ou por um
terceiro).

A ISO 37001 não exclui a necessidade de uma avaliação de riscos e de um programa de


integridade ou compliance, pois não isenta à organização dos riscos do negócio decorrentes de
práticas de suborno e corrupção.

4.4 A figura do Compliance Officer (CCO)


A presença do compliance officer (CCO - Chief Compliance Officer) tem sido mais
expressiva nas empresas desde a promulgação da Lei de Anticorrupção do Brasil, em
agosto de 2013. Essa medida reflete o crescimento da preocupação das empresas em se
manter em ordem com as obrigações tributárias.
O compliance officer é o executivo responsável pela supervisão e gerenciamento do
compliance dentro da empresa. Esse agente geralmente é um advogado e fica subordinado
ao CEO ou responde diretamente ao Conselho Administrativo. A missão do CCO é garantir
um compliance efetivo, orquestrar e direcionar as atividades de compliance de maneira
objetiva. Uma das atribuições, por exemplo, é a instituição de um programa de compliance
e acompanhamento da implantação em nos processos da empresa, com vistas a garantir
que todos os detalhes sejam de fato observados. Ou seja, seu papel é assegurar que os
procedimentos estejam de acordo com osregulamentos internos e a legislação aplicável.
Ainda não há regulação expressa sobre o tipo de reponsabilidade aplicável ao
compliance officer. Muito se especula sobre a responsabilidade penal após a edição do
Decreto 8.420/15, que regulamentou a Lei Anticorrupção. Todavia, no que tange a
responsabilidade tributária, por enquanto a lei não fez previsão pormenorizada a ser
aplicável ao compliance officer. Desta feita, nos parece que devem ser aplicadas as regras
gerais de responsabilização – se o CCO exerce atividade de gerência/administração, este
deve se enquadrar nas previsões dos artigos 134 a 138 do CTN.
Por oportuno, destaque-se que o mencionado Decreto institui ainda a o “programa
de integridade”, que consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de
mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes

Compliance
72

com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados
contra a administração pública, nacional ou estrangeira.104
Esse programa tem claramente direta relação com o compliance officer, pois ao CCO
também é imputada a responsabilidade por coordenar a implementação das políticas de
integridade da companhia e fiscalizar o efetivo cumprimento por parte dos demais
funcionários, bem como a adoção de políticas mitigadoras de riscos, não apenas para a
empresa e seus gestores, mas para a própria Administração Pública em face da empresa.
Por conseguinte, deve ser observado pelos CCO, como bem observa informativa da CGU:105

Programa de integridade (compliance)

A partir do decreto, ficam estabelecidos os mecanismos e procedimentos de


integridade, auditoria, aplicação de códigos de ética e conduta e incentivos de denúncia de
irregularidades que devem ser adotados pela empresa e monitorados pela CGU. Segundo
o documento, o programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de
acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual
por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido programa.
(grifo nosso)

4.5 DSC 10.000


As Diretrizes para o Sistema de Compliance, edição de 2015, foram criadas pela
Empresa Brasileira Acreditadora de Norma de Compliance – EBANC –, com os objetivos de
ser a referência para avaliação de sistemas de compliance no Brasil, ser aplicável a
qualquer tipo de organização e permitir a adoção customizada de práticas adequadas ao
perfil da organização, em consonância com a nova lei anticorrupção.
Define diversos requisitos, dentro dos seguintes pontos: Gerais; Legais;
Documentação (Controle de procedimentos e do código de conduta e Controle dos
registros); Responsabilidade da direção (Comprometimento da alta direção, indicando
representante); Canais de acesso; Processos e controle; Gestão de risco; Comunicação e
treinamento; Processos e situações que representem riscos; Interfaces internas;
Investigação e medidas disciplinares; e, Melhoria contínua (Satisfação do cliente interno,
Auditoria interna e monitoramento e Ação corretiva).

4.6 Pró-Ética
Representa a conjugação de esforços entre os setores público e privado para
promover no país um ambiente corporativo mais íntegro, ético e transparente, tendo por
objetivo fomentar a adoção voluntária de medidas de integridade pelas empresas, por meio
do reconhecimento público daquelas que, independentemente do porte e do ramo de
atuação, mostram-se comprometidas em implementar medidas voltadas para a prevenção,
detecção e remediação de atos de corrupção e fraude.
Haverá inscrições no segundo semestre de 2018. Em 2017, houve 375 empresas
inscritas, mas apenas 23 foram aprovadas e reconhecidas como Empresa Pró-Ética 2017.

104
Art. 41, do Decreto 8.420/2015.
105
CGU Brasil. Lei Anticorrupção: entenda os cinco pontos do decreto. Disponível em:
<http://www.cgu.gov.br/noticias/2015/04/lei-anticorrupcao-entenda-os-cinco-pontos-do-decreto>. Acesso em:
24.04.2018.

Compliance
73

5. SISTEMA DE GESTÃO DE COMPLIANCE

5.1 Noções basilares sobre governança


A governança corporativa é sistema normativo e estrutural estabelecido pelos
acionistas para a determinação de decisões sobre alocação de recursos, sendo crucial para
as sociedades empresárias no atual estágio do mercado econômico. Por meio da
governança, as organizações estabelecem conjunto de mecanismos econômicos e legais
com o objetivo de proteger os seus interesses.
A estrutura das operações de empresas e instituições é um complexo sistema
organizacional, que engloba aspectos diretivos, de controle, de monitoramento e de
incentivos nas relações internas e externas com seus processos de gestão, trazendo a
necessidade evolutiva de governança.
A governança apresenta as boas práticas a serem adotadas pela corporação, de modo
a aumentar o seu valor, facilitando o acesso ao capital e garantindo a sua continuidade.
São diversos os conceitos para governança corporativa.
O IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa em seu código de melhores
práticas apresenta a seguinte definição:
Governança Corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações
são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios,
conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes
interessadas (2015).106
Merece registro pela abordagem específica do setor a definição apontada pela CVM –
Comissão de Valores Mobiliários em sua cartilha de recomendações:
Governança corporativa é o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o
desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como
investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital. A análise das práticas
de governança corporativa aplicada ao mercado de capitais envolve, principalmente:
transparência, equidade de tratamento dos acionistas e prestação de contas (2002).107
A governança corporativa está cercada por questões, que formam um conjunto de
diversidades composto por pelo menos dez tópicos:

1. Dimensões das empresas;


2. Estruturas de propriedades;
3. Fontes de financiamento predominantes – interna ou externa; 4. Tipologia dos
conflitos de agência e harmonização dos interesses em jogo;
5. Tipologia das empresas quanto ao regime legal;
6. Tipologia das empresas quanto à origem dos grupos controladores;
7. Ascendência das empresas, que se modifica por fusões e aquisições;
8. Abrangência geográfica de atuação das empresas;
9. Traços culturais das nações em que as empresas operam; e,

106
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Governança – Governança Corporativa – Origem da
Governança – Principais Modelos. Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/index.php/governanca/origens-da-
governanca/principais-modelos>. Acesso em: 24.04.2018.
107
Comissão de Valores Mobiliários. Recomendações da CVM sobre governança corporativa. 2002. Disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/export /sites/cvm/decisoes/anexos/0001/3935.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2017.

Compliance
74

10. Instituições legais e marcos regulatórios estabelecidos.108

Para Oliveira et al., as práticas do componente “gestão da ética e integridade”


fundamentam-se, sobretudo, no exemplo da alta administração, no estabelecimento de
códigos, estrutura, comunicação, treinamento, sanções e monitoramento.109
Prestigiar a integridade dos servidores e promover o comportamento ético da alta
administração são medidas abstratas, ao passo que estabelecer um código e comissão de
ética são medidas concretas. As práticas desse componente previnem as fraudes, levando
os envolvidos com a organização a nem considerarem a hipótese de cometê-las.
Uma política de integridade requer uma combinação de repressão e prevenção. Se
por um lado a organização adota medidas quando um servidor age inapropriadamente
(repressão), por outro deve fazer tudo para que não ocorra desvios capazes de induzir
seus servidores a agirem dessa forma (prevenção).
A prioridade deve ser na prevenção, não só pela efetividade, mas também porque na
contabilidade geral o custo do investimento é comumente menor do que o custo de
reparação de danos acarretados por comportamento impróprio - Brasil (TCU, 2017). Ainda
de acordo com o Tribunal de Contas da União, torna-se desafiador para as organizações o
estabelecimento e obediência aos seus próprios padrões éticos e de integridade.
Situações antiéticas surgem a todo instante e em todos os níveis hierárquicos,
sondando por espaço em meio à conduta íntegra. Requer-se muita disciplina para,
constantemente, comportar-se em conformidade com os padrões éticos e de integridade
instituídos. O comportamento ético e íntegro constitui a garantia de que a organização
não se afaste de seus propósitos públicos. Decorrente disso a importância da promoção
contínua da cultura ética e da integridade.
Furtado refere que toda essa promoção da cultura ética e de integridade deve ser
constantemente monitorada, objetivando analisar a sua efetividade e adotar medidas
corretivas caso necessário.110
Um programa de integridade eficaz deve partir da decisão de empenho da alta
direção, ou seja, o “tom que guia a companhia” vem do seu Presidente, Diretores,
Administradores, Gestores, Gerentes, Coordenadores. O exemplo deve vir dos que
estiverem no comando, evidenciando o engajamento com o comportamento ético e
íntegro. Giovanini refere que o comprometimento da alta direção foi elencado como o
primeiro dos cinco pilares de um programa de compliance, tendo em vista que “o apoio da
alta direção da empresa é condição indispensável e permanente para o fomento a uma
cultura ética e de respeito às leis e para a aplicação efetiva do Programa”.111
Os conselhos de administração, bem como sua participação na alta administração da
firma, têm recebido considerável atenção nos últimos anos, uma evidência de sua
relevância nas comunidades acadêmica e de negócios. Em que pese, ainda não parece
existir uma convergência plena com respeito aos papeis que devem ser cumpridos pelos
conselhos de administração, o que vem sendo discutido pela comunidade internacional nas
últimas três décadas. Essa questão tem sido agravada com o crescente ativismo dos
investidores institucionais, impactando de forma considerável as estruturas e práticas de
governança corporativa adotadas pelas empresas.

108
ROSSETI, José Paschoal; ANDRADE, Adriana. Governança Corporativa – Fundamentos, Desenvolvimento e
Tendências. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
109
OLIVEIRA, A.F. et al. Auditoria interna e controle governamental. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2011.
110
FURTADO, L.R. As raízes da corrupção no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2015.
111
GIOVANINI, W. Compliance – A excelência na prática. 1 ed. São Paulo. 2014.

Compliance
75

Investidores institucionais, especialmente em fundos de pensão, têm utilizado sua


significativa participação na estrutura de propriedade das empresas para influenciar a
forma com a qual os conselhos de administração são formados. Uma das consequências é
a demanda por maior independência dos conselhos de administração, não somente
econômica, mas também socialmente. Adicionalmente, podem ser encontradas diferentes
orientações teóricas para a natureza e o funcionamento do conselho de administração, as
quais podem ser ponto de partida para acadêmicos e práticos nos esforços de adequação
dos conselhos de administração.
A Teoria da Agência, proposta por Michael Jensen e William Meckling, em seu artigo
intitulado Theory of the firm: managerial behavior, agency costs and ownership structure,
publicado em 1976, no Journal of Financial Economics, por exemplo, assume o conselho
de administração como elemento central do mecanismo de monitoração da atuação dos
executivos da firma. Para outros pesquisadores da área de finanças, um membro do
conselho de administração deve desempenhar o papel de representar a empresa à qual
estiver ligado, em um contexto de interdependência da firma em relação às outras
componentes do meio corporativo, como forma de reduzir as dificuldades de acesso a
recursos críticos ao êxito da companhia.
Assim, para os teóricos defensores dessa linha de pensamento, esforços envidados
para constituir conselhos inteiramente independentes podem prejudicar o desempenho
corporativo. A literatura disponível sobre o conselho de administração oferece pouco
consenso acerca de sua configuração e de seu papel na governança corporativa. Isto é, o
baixo consenso pode ser resultado da multiplicidade de papéis que podem ser
desempenhados pelos conselhos de administração. Claramente, a proposição de múltiplos,
por vezes contraditórios, papeis do conselho de administração é suportada em função da
escolha de uma ou outra perspectiva teórica.

5.2 Características e pilares


As práticas de governança buscam a transformação de princípios em atitudes reais.
Importante que, para a efetivação da governança, os princípios sejam internalizados no
amago dos trabalhadores e da organização como um todo. Caso não haja a transcendência
dessas regras de governança, há grande risco de sua inefetividade, pois não serão
adotadas no quotidiano negocial, gerando instabilidade e, até mesmo, como no caso da
Petrobrás, ingerência sobre o patrimônio da organização. Deve haver participação,
transparência nas demonstrações, responsabilidade, respeito aos sócios minoritários etc.

Transparência -
A transparência exige mais do que a obrigação de informar, deve englobar a
disponibilização de informações que sejam de interesse dos shareholders, indo muito além
de tão somente cumprir as determinações legais. A adequada transparência resulta em um
clima de confiança, tanto internamente quanto nas relações da empresa com terceiros.
Não deve restringir-se ao desempenho econômico, contemplando também os demais
fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação gerencial e conduzem à criação de valor.

Equidade
A equidade caracteriza-se pelo tratamento justo de todos os sócios e demais partes
interessadas (stakeholders). Atitudes ou políticas discriminatórias, sob qualquer pretexto,
são totalmente inaceitáveis.

Compliance
76

Prestação de contas
A prestação de contas – accountability – significa que os agentes de governança
devem prestar contas de sua atuação, assumindo integralmente as consequências de seus
atos e omissões.

Responsabilidade corporativa
A responsabilidade corporativa significa que os agentes de Governança devem zelar
pela sustentabilidade das organizações, visando à sua longevidade, incorporando
considerações de ordem social e ambiental na definição dos negócios e operações.
Segundo o IBGC, a responsabilidade corporativa é uma visão mais ampla da
estratégia empresarial, contemplando todos os relacionamentos com a comunidade em
que atua. A função social da empresa deve incluir:

- a criação de riquezas e de oportunidades de emprego;


- a qualificação e a diversidade da força de trabalho;
- o estímulo ao desenvolvimento científico por intermédio de tecnologia;
- a melhora da qualidade de vida por meio de ações educativas, culturais,
assistenciais e de defesa do meio ambiente.

Segundo a Controladoria Geral da União, há cinco pilares interdependentes nos


programas de integridade.112
O primeiro é o comprometimento e apoio da alta direção. O apoio da alta direção da
empresa é condição imperativa e constante para fomentar uma cultura ética e de respeito
às leis e para a aplicação efetiva do Programa de Integridade. O comprometimento da alta
direção da empresa com a integridade nas relações público -privadas e, por conseguinte,
com o Programa de Integridade, é o fundamento para a criação de uma cultura
organizacional na qual funcionários e terceiros – entendendo-se por terceiros aqueles que
podem agir no interesse ou em benefício da pessoa jurídica, gerando a responsabilização
no âmbito da Lei nº 12.846/2013, tais como fornecedores, prestadores de serviço, agentes
intermediários e associados – efetivamente prezem por uma conduta ética. Possui pouco
ou nenhum valor prático um Programa que não seja amparado pela alta direção. Níveis
hierárquicos mais elevados da empresa, ocupantes de cargos com alto poder de decisão
em nível estratégico e, até mesmo, o conselho de administração, se houver. A ausência de
compromisso da alta direção decorre no descompromisso dos demais funcionários, fazendo
com que o Programa de Integridade exista apenas no papel.
O segundo é a instância responsável pelo programa de integridade. Segundo
Fonseca, qualquer que seja a instância responsável, ela deve ser dotada de autonomia,
independência, imparcialidade, recursos materiais, humanos e financeiros para o pleno
funcionamento, com possibilidade de acesso direto, quando necessário, ao mais alto corpo
decisório da empresa.113 Para assegurar que essa instância traga as condições para colocar

112 CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO (CGU). Programa de integridade. Diretrizes para Empresas
Privadas. Brasília, 2015.
113
FONSECA, L. P. Programa de Integridade para as empresas. Disponível em
<http://fonsecasantosadvogados.com/site/caso/id/16/titulo/Programa-de-Integridade-para-empresas> Acesso
em 03 mar 2017.

Compliance
77

o Programa em prática, é importante a alocação de recursos financeiros, materiais e


humanos apropriados.
O terceiro é a análise de perfil e riscos. A empresa deve conhecer seus processos e
sua estrutura organizacional, identificar sua área de atuação e principais parceiros de
negócio, seu nível de interação com o setor público – nacional ou estrangeiro – e, por
conseguinte, avaliar os riscos para o cometimento dos atos lesivos da Lei nº 12.846/2013.
Além de analisar o perfil da empresa, a estrutura de um Programa de Integridade depende
igualmente de uma avaliação de riscos que considere as características dos mercados onde
a empresa atua (cultura local, nível de regulação estatal, histórico de corrupção). Tal
avaliação deve levar em conta, sobretudo, a possibilidade de ocorrência de fraudes e
corrupção, inclusive relacionadas a licitações e contratos, e o impacto desses atos lesivos
nas operações da empresa. Baseando-se nos riscos identificados, serão desenvolvidas as
regras, políticas e procedimentos para prevenir, detectar e remediar a ocorrência dos atos
indesejados.
O quarto é a estruturação das regras e instrumentos. Com base no conhecimento do
perfil e riscos da empresa, deve-se organizar ou atualizar o código de ética ou de conduta
e as regras, políticas e procedimentos de prevenção de irregularidades; desenvolver
mecanismos de detecção ou reportes de irregularidades (alertas ou red flags; canais de
denúncia; mecanismos de proteção ao denunciante); definir medidas disciplinares para
casos de violação e medidas de remediação. Para uma ampla e efetiva divulgação do
Programa de Integridade, deve-se igualmente elaborar plano de comunicação e
treinamento com estratégias exclusivas para os diversos públicos da empresa.
O quinto são as estratégias de monitoramento contínuo. É necessário definir
procedimentos de verificação da aplicabilidade do Programa de Integridade ao modo de
operação da empresa e criar mecanismos para que as deficiências encontradas em
qualquer área possam realimentar continuamente seu aperfeiçoamento e atualização. É
preciso garantir também que o Programa de Integridade seja parte da rotina da empresa
e que atue de maneira integrada com outras áreas correlacionadas, tais como recursos
humanos, departamento jurídico, auditoria interna e departamento contábil-financeiro.
Segundo a CGU, a empresa deve elaborar um plano de monitoramento para verificar a
efetiva implementação do Programa de Integridade e possibilitar a identificação de pontos
falhos que possam ensejar correções e aprimoramentos. Um monitoramento contínuo do
Programa também permite que a empresa responda tempestivamente a quaisquer riscos
novos que tenham surgido.114
Não se pode negar que as punições e requisições estabelecidas na Lei Anticorrupção
fizeram emergir importantes reflexões acerca do desempenho das empresas no combate
à corrupção. Contudo, mais do que impedir possíveis penalidades, as empresas devem
perceber que investir em integridade beneficia o próprio negócio, independentemente de
qualquer tipo de responsabilização. Cada vez mais o mercado valoriza empresas que tem
compromisso com a integridade, que apresentam uma vantagem competitiva em confronto
com os concorrentes e critérios diferenciais na aquisição de investimentos, créditos ou
financiamentos. Pensar em um ambiente de negócios íntegro permite evoluir para um
mercado em que características éticas das empresas se tornam um diferencial.

114
CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO (CGU). Programa de integridade. Diretrizes para Empresas
Privadas. Brasília, 2015.

Compliance
78

5.3 Boas práticas de governança


A versão mais recente do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa
data de 2015, ano de sua 5ª edição. Atualmente, diversas propostas de avaliação da
qualidade da governança de uma empresa podem ser encontradas.
As boas práticas passam pelo tratamento da propriedade, do Conselho de
Administração, da gestão, da Auditoria independente, do Conselho Fiscal e da conduta e
conflito de interesses, com enfoque em reduzir o problema de agência.
Podemos citar como exemplos de tentativas os diferentes níveis de governança em
que as empresas listadas na BM&FBovespa estão alocadas. Diariamente, a Bolsa publica
um Boletim detalhado dos negócios realizados, e lá está a classificação das empresas.
Outro exemplo é o trabalho de algumas agências de rating na classificação de risco de
governança, tal como faz a S&P e a Austin Rating.
Outros exemplos são a regra de uma ação representa um voto; acordo de sócios e
voto dos conselheiros de administração; regras claras e objetivas de votação, facilitando a
representação de acionistas por procuração; e, direito de venda conjunta (tag along) na
transferência de controle.
A OCDE propôs seis princípios fundamentais de governança. Vejamos uma
apresentação resumida de cada um deles.
A garantia da base para um enquadramento eficaz da governança
corporativa. Promover mercados transparentes e eficazes, estar em conformidade com o
Estado de Direito e articular, claramente, a divisão de responsabilidades entre as diferentes
autoridades de supervisão, regulação e execução das leis.
Os direitos dos acionistas e as funções fundamentais de seu exercício.
Proteger e facilitar o exercício dos direitos dos acionistas.
O tratamento equitativo dos acionistas. Assegurar o tratamento equitativo de
todos os acionistas, incluindo minoritários e estrangeiros. Todos devem ter a oportunidade
de obter reparação efetiva por violação de seus direitos.
O papel dos outros sujeitos com interesses relevantes na governança
corporativa. Reconhecer os direitos de outras partes interessadas (stakeholders) que
estejam previstos em lei ou em acordos mútuos, e encorajar uma cooperação ativa entre
as empresas e as partes interessadas visando à criação de riqueza, emprego e
sustentabilidade financeira.
Divulgação de informação e transparência. Garantir a divulgação rápida e
objetiva de todas as informações relevantes relacionadas à empresa, em especial a
situação financeira, o desempenho, a gestão, as participações acionárias e as práticas de
governança corporativa.
Responsabilidades do board. Assegurar a gestão estratégica, o acompanhamento
e a fiscalização eficazes da gestão pelo conselho e sua responsabilização perante a empresa
e seus acionistas.

Compliance
79

5.4 Confiança
O principal objetivo da governança é garantir a confiança do mercado na corporação,
assegurando os “stakeholders” envolvidos. Com o aumento da credibilidade do mercado,
facilita-se o crédito e os negócios da empresa. Além disso, afasta abuso de poder dos
sócios majoritários, fraudes e erros estratégicos.
Evidências da contribuição das práticas de governança corporativa para o valor das
empresas não são raras. Vejamos, no gráfico a seguir, o comportamento dos preços das
ações das maiores empresas brasileiras em comparação aos índices de mercado brasileiro
e norte-americano.

Evolução dos preços das ações da Petrobras, da Ambev, e da Souza Cruz (base
100, comparativamente ao benchmark 2001-2015)

Fonte: Elaborado pelo autor com base em dados da Bloomberg (2015).


Nota: A figura apresenta, comparativamente (base 100, preços em US$), a evolução dos
preços das ações mais líquidas de Petrobras (PETR4), Ambev (ABEV3) e Souza Cruz
(CRUZ3) mediante os benchmarks brasileiro e norte-americano (jun. 2001 a out. 2015).
Na imagem, IGC significa índice de governança corporativa.

Observando atentamente, percebemos que existem motivos para considerar que


empresas com problemas de governança tendem a refletir tais problemas no

Compliance
80

comportamento dos preços de suas ações no mercado. A Petrobras tem enfrentado um


conjunto de problemas dessa natureza, que incluem:

- mau funcionamento dos controles internos;


- suposto déficit de atuação do conselho de administração;
-atrasos na comunicação com o mercado por meio da publicação de suas
demonstrações financeiras.

O gráfico também apresenta a evolução dos preços de três das ações de maior
liquidez na BM&FBovespa, assim como os indicadores de mercado para o Brasil (Ibovespa
e IGC) e Estados Unidos (S&P500). Podemos observar que o índice de governança
corporativa (IGC) alcança, sistematicamente, performance superior ao Ibovespa.

5.5 Lei Sabanes-Oxley – SOx


A Lei Sarbanes-Oxley, também conhecida como SOx, foi sancionada em julho de
2002 como uma resposta aos escândalos contábeis das companhias Enron e WorldCom,
ocorridos nos Estados Unidos, em 2001. Essa legislação impõe padrões rígidos de
governança corporativa, principalmente no que diz respeito à transparência de
informações, ao controle e ao monitoramento dos procedimentos e sistemas, e à
responsabilidade dos administradores.
A SOx abrange empresas abertas com sede nos Estados Unidos, e, também,
empresas estrangeiras que tenham valores mobiliários negociados nos Estados Unidos (por
exemplo, ADRs). A SOx é bastante extensa: contém 11 títulos e 1107 seções, que vão
desde responsabilidades adicionais para comitês de auditoria a penalidades criminais mais
rígidas para crimes de colarinho branco.
Vejamos, no quadro a seguir, algumas das responsabilidades e penalidades mais
relevantes: 301, 302, 303, 404, 406 e 409.
As seções 301 a 308 compõem o título III da SOx (corporate responsibility), que
trata da responsabilidade corporativa. A seção 301 (public company audit committees)
refere-se à implementação de comitê de auditoria que deve ser diretamente responsável
pela indicação, remuneração e supervisão do trabalho dos auditores independentes.
O comitê de auditoria deve estabelecer procedimentos para o recebimento, a
retenção e a análise de reclamações feitas por funcionários da empresa ou terceiros sobre
assuntos de contabilidade, controles contábeis internos e auditoria. É necessário garantir
a confidencialidade e o anonimato das denúncias feitas por funcionários sobre questões
contábeis e de auditoria. O comitê de auditoria deve ter autoridade para contratar
consultores independentes necessários ao cumprimento de suas atribuições. Além disso, a
empresa deve prover esse comitê com um orçamento apropriado.
A seção 302 (corporate responsibility for financial reports) refere-se à certificação
dos relatórios trimestrais ou anuais contendo as demonstrações financeiras por parte dos
administradores. Os diretores presidente e financeiro devem-se certificar de que:

- reviram os relatórios;
- os relatórios não contêm informações falsas ou omissão de qualquer fato relevante;
- as demonstrações financeiras representam, em todos os aspectos materiais, a
posição financeira e os resultados das operações da companhia;

Compliance
81

- são responsáveis pela implementação, estrutura e manutenção dos controles


internos da companhia bem como por avaliá-los e reportar suas conclusões sobre a
efetividade dos mesmos nos últimos 90 dias antes da divulgação do relatório;
- informaram aos auditores e ao comitê de auditoria as deficiências significativas e
fraquezas materiais nos controles internos assim como qualquer fraude envolvendo
pessoas com função relevante;
- indicaram no relatório se houve alterações significativas nos controles internos ou
em outros fatores que os afetam após a data em que fizeram sua avaliação bem
como as ações corretivas relacionadas a deficiências significativas e fraquezas
materiais.

A seção 303 (improper influence on conduct of audits) refere-se à influência


imprópria nos trabalhos da auditoria independente. Nenhum conselheiro ou executivo da
empresa, ou qualquer pessoa agindo sob sua ordem, deve agir para influenciar
fradulentamente, coagir, manipular ou enganar os auditores independentes visando que
os demonstrativos financeiros da companhia contenham erros materiais.
As seções 401 a 409 compõem o título IV da SOX (enhanced financial disclosures),
que trata do aumento da transparência das informações financeiras.
A seção 404 (management assessment of internal controls) trata da avaliação anual
dos controles e procedimentos internos para a emissão de relatórios financeiros. Além
disso, obriga as empresas a incluir, em seus relatórios anuais, um relatório sobre controles
internos existentes para a preparação e divulgação das demonstrações financeiras. Esse
relatório, emitido pela administração (diretor presidente e financeiro), deve:

- atestar a responsabilidade da administração pelo estabelecimento e a manutenção


de uma estrutura adequada de controles e procedimentos internos para a emissão
de relatórios financeiros;
- conter uma avaliação da efetividade dos controles e procedimentos internos no final
do exercício social mais recente da companhia. A firma de auditoria independente
deve avaliar e atestar o relatório sobre controles internos emitido pela administração
da companhia.

A seção 406 (code of ethics for senior financial officers) trata do código de ética para
diretores financeiros seniores que as empresas devem possuir e divulgar. Além disso,
também devem divulgar:

- em seus relatórios periódicos, se o código de ética foi adotado para seus diretores
financeiros seniores (devendo justificar quando negativo);
- no formulário 8-K ou pela internet, qualquer alteração ou waiver do código de ética
para os diretores financeiros seniores da empresa.

A seção 409 (real time issuer disclosures) trata da divulgação em tempo real de toda
mudança expressiva nas condições financeiras ou operacionais. Para a proteção dos
investidores e do interesse público, a empresa deve divulgar, de forma rápida e atualizada,
informações relativas a mudanças significativas, incluindo tendências e informações
qualitativas.

Compliance
82

5.6 Os pilares da governança no novo contexto regulatório


Há aumento do número de “frentes” que começaram a trabalhar com governança
corporativa. Há um novo cenário regulatório, marcado por um novo arcabouço regulatório:
Poderes legislativo e executivo: Lei anticorrupção; Decreto anticorrupção; Lei das
Sociedades Anônimas; Lei de Responsabilidade de Estatais; Decretos regulamentadores da
Lei de Responsabilidade de Estatais (utilizar apenas o exemplo da União e avaliar falar
sobre os decretos de alguns estados mais representativos); Lei 13.506/2017; Guias para
Programas de Integridade do Ministério da Transparência e da CGU; Resoluções da CGPAR.
Programas de adoção voluntária: Código de Princípios e Deveres dos Investidores
Institucionais – Stewardship Code; Código de Autorregulação em Governança de
Investimentos da ABRAPP; Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias
Abertas; Publicações do IBGC sobre Governança para Sociedades de Economia Mista.
Autorregulação: Programa Destaque em Governança de Estatais; Revisão do
Regulamento do Novo Mercado.
Evolução da regulamentação já existente: Aprimoramentos nas instruções da
CVM: alterações da ICVM 480 e criação do Informe de Governança Corporativa; 5ª Edição
do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa.

Desse novo cenário, novos pilares vão sendo constituídos, como:

Medidas de transparência
- Carta anual de governança (estatais)
Medidas relacionadas à administração
- Indicação de membros de conselhos de administração e diretoria.
- Avaliação de membros de conselhos de administração e diretoria.
Fiscalização e controles
- Funções de auditoria interna, controles internos, gerenciamento de riscos e
compliance.
- Comitês de auditoria.
- Código de conduta ou ética.
- Canais de denúncias.
- Conflito de interesses.
- Transações com partes relacionadas.

5.7 Fases da preparação de um programa de compliance


A preparação e implementação de um programa de compliance em uma empresa
deve ser sempre precedida de uma fase preliminar de avaliação de riscos. Nenhum
programa de compliance é eficiente se ele não endereçar os riscos a que uma empresa
está sujeita. Não faria sentido implementar um programa sem antes endereçar os riscos.
Uma vez que os riscos são avaliados, passa-se à preparação da documentação
relevante para endereçar os riscos identificados, considerando-se as peculiaridades da
empresa que adota o programa de compliance. De fato, os programas de compliance
devem ser preparados conforme as peculiaridades de cada empresa e aquilo que se aplica
a uma empresa não necessariamente vai funcionar ou ser aplicável a outra.
Um programa de compliance é composto de uma série de documentos, contando
necessariamente com um código de conduta, além de diversas normas específicas. Não

Compliance
83

existe um documento chamado “programa de compliance”, ou “programa de integridade”,


embora possa-se adotar um documento que sistematize o programa em diversas notas.
Finalizada a preparação da documentação – ou de parte dela, caso a empresa decida
fazer a adoção da documentação por partes – procede-se à adoção dos documentos
segundo a norma societária aplicável à empresa: adoção por conselho de administração,
adoção por sócios, criação de um comitê de compliance com autoridade delegada para
adotar o programa de integridade. Os modelos variam de acordo com a complexidade de
cada empresa.
Nessa fase, cria-se também uma estrutura dentro da empresa com responsabilidade
pela implementação e monitoramento do programa de compliance. Essa estrutura vai
variar de empresa para empresa. Em algumas empresas cria-se um comitê de compliance,
ao passo que em outras as responsabilidades ficam sob um executivo de conformidade.
De qualquer modo, é importante que se estabeleça quem terá a responsabilidade pelo
programa de integridade.
Terminada a adoção dos documentos, procede-se à fase de divulgação do programa
de integridade com uma campanha de endomarketing, além de treinamento. O alcance e
a dimensão da campanha de endomarketing vão variar de empresa para empresa, mas
para que um programa seja efetivo, o que não se pode prescindir é o treinamento.
Realizado o treinamento, pode-se dizer que a empresa já tenha um programa de
integridade em funcionamento. Entretanto, programas de integridade devem ser dinâmicos
e estar sempre sendo atualizados para serem eficientes. Deste modo, é importante
constantemente avaliar o funcionamento do programa. Assim, a última fase de
implementação de um programa de integridade seria a sua avaliação, que deve ocorrer
periodicamente, mas também ser realizada constantemente.

Ter um programa de integridade efetivo tem suas vantagens. A primeira delas é que
um programa de integridade efetivo funciona como mecanismo de gestão e controle,
aumentando a eficiência da empresa. Além disso, um programa de integridade efetivo
assegura que as empresas mantenham padrões éticos de conduta, que hoje em dia fazem
parte das missões institucionais de quase todas as empresas. De fato, hoje em dia, ter
uma preocupação com a ética corporativa torna-se também uma vantagem no mercado.
Finalmente, uma das vantagens de um programa de integridade efetivo – embora
esse deva ser talvez a última das razões pelas quais uma empresa deve adotar um
programa de integridade – é o atendimento às exigências legais, como a exigência do UK
Bribery Act de que as empresas tenham mecanismos adequados para evitar a corrupção,
bem como a possibilidade de redução de multas, conforme estabelecido na Lei
12.846/2013 e no Decreto 8.420/2015.

Compliance
84

5.8 Pilares e estrutura


É recomendável que agentes econômicos que pretendam construir ou reforçar seu
programa de compliance concorrencial tenham em consideração: (i) a suficiência do
orçamento destinado para a estruturação e a manutenção do programa; (ii) a relação entre
o número de funcionários total ou parcialmente dedicados ao compliance, o porte da
sociedade empresária e os riscos concorrenciais a ela associados; (iii) a alocação dos
funcionários envolvidos no compliance, possibilitando-os uma atuação independente e
capaz de impactar as decisões estratégicas da sociedade; e (iv) se há investimentos
razoáveis para a contratação e formação dos funcionários responsáveis pelo programa.115
Após a constatação destes aspectos, embora não haja um formato padrão a ser
imposto aos programas de compliance concorrencial, sendo possível moldá-los de acordo
com as necessidades e peculiaridades dos agentes econômicos, há elementos considerados
essenciais à construção de um programa dotado de eficácia e efetividade no ambiente
corporativo que devem ser observados.

5.9 Elementos de um programa de compliance conforme Decreto


8.420
O Decreto 8.420/2015 estabeleceu em seu artigo 42 os 16 itens que são considerados
pela administração pública federal brasileira na avaliação de programas de integridade.
Embora a disposição do Decreto 8.420/2015 tenha sido estabelecida com vistas a criar
parâmetros para a avaliação de programas de integridade quando da imposição de
penalidades, os 16 elementos vão ao encontro da prática internacional e servem de
parâmetro para empresas que estão aditando seus programas de integridade.
Vale notar que micro e pequenas empresas são isentas de alguns desses elementos,
conforme notado abaixo.
Os elementos são:
I – Comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os
conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa
Trata-se de elemento exigido pela boa prática internacional. O comprometimento
com o compliance deve partir do topo da organização. Daí a expressão inglesa “tone at the
top”. Entende-se que os administradores mais seniores são responsáveis pela criação de
uma cultura de compliance nas empresas pelo seu exemplo. Seu comprometimento, seja
pela adoção de condutas de acordo com as normas da empresa, seja através de
comunicações (é muito comum que o presidente de empresas mande mensagens
corporativas relacionadas a compliance), é fundamental para o sucesso de um programa
de integridade. Agora, essa boa prática foi erigida à condição de elemento determinante
da eficácia de um programa.
Para determinar se há o comprometimento da alta direção, verifica-se, entre outros
fatores, (i) a frequência de episódios de descumprimento pela alta administração; (ii) a
postura da alta administração com relação a compliance; e, (iii) comunicações.
O tone at the top tem sido criticado atualmente quando ele é limitado à comunicação,
mas não se reflete em ações reais nem cria uma cultura de compliance na organização.
Atualmente, além do tone at the top, busca-se o mood in the middle, ou seja, que a cultura

115BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Guia para Programas de


Compliance. Brasília, 2016, p. 18. Disponível em: <www.cade.gov.br>. Acesso em: 30 ago. 2016.

Compliance
85

de compliance seja realmente parte do dia a dia da organização. O texto do Decreto


8.420/2015, contudo, parece limitar-se à alta administração e aos aspectos de
comunicação. Como ainda não houve aplicação pela CGU, é possível que se interprete o
fator a uma verdadeira criação de cultura, como manda a boa prática de compliance.
II – Padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de
integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores,
independentemente de cargo ou função exercidos
Esse elemento estabelecido pelo Decreto 8.420/2015 tem por objetivo assegurar que
não serão criadas exceções ao programa de integridade, de modo a permitir que alguns
colaboradores não precisem cumprir com os requisitos do programa.
Um programa efetivo, de fato, exige que seja aplicável a todos os colaboradores da
sociedade. Se existem exceções ao programa de compliance não se pode alegar que ele
efetivamente diminui os riscos de violação de normas anticorrupção, pois sempre seria
possível buscar a violação através das exceções.
A prática de excetuar da aplicação do programa de integridade da alta administração
é tanto contrária ao princípio do tone at the top previsto no art. 42, I, do Decreto
8.420/2015 quanto à boa prática internacional e esta disposição vem justamente para
normatizar a prática.
Evidentemente que devem existir regras diferentes aplicadas aos diferentes
colaboradores das sociedades. Uma política de alçadas, por exemplo, fará a distinção entre
colaboradores comuns, gerentes, diretores e conselheiros. As distinções, contudo, fazem
parte de um programa de integridade. O que não pode existir é a criação de uma categoria
de colaboradores aos quais não se aplica o programa de integridade.
III – Padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade
estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores
de serviço, agentes intermediários e associados
Esse é um dos elementos que não se aplicam à micro e pequenas empresas. Trata-
se da exigência de que os padrões de integridade aplicáveis à sociedade sejam também
aplicados aos terceiros com os quais a sociedade se relaciona.
De fato, um dos maiores riscos de integridade aos quais as empresas estão sujeitas
é justamente a atuação de terceiros. Ao se exigir que os padrões de integridade sejam
aplicáveis aos terceiros, tenta-se mitigar esse risco.
O padrão é normalmente implementado por meio do estabelecimento de uma
cláusula de compliance na contratação de terceiros. Nestas cláusulas, estabelece-se que
os terceiros adiram a todos os padrões de conduta, código de ética e integridade aplicáveis
à sociedade.
Não é necessário, contudo, que os terceiros concordem em aderir aos documentos
da sociedade, sendo suficiente, e em atendimento ao artigo 42, XIII, do Decreto
8.420/2015, que se verifique se os padrões de integridade do terceiro são compatíveis. É
importante que os terceiros também se pautem por padrões de integridade que sejam pelo
menos tão rígidos quanto os da sociedade, mas não há necessidade de que os terceiros
adotem os mesmos padrões da sociedade.
Após a verificação realizada nos termos do artigo 42, XIII, do Decreto 8.420/2015,
deve-se determinar a necessidade, ou não, de que se determine a adoção pelos terceiros
dos programas da sociedade. Muitas vezes, essa exigência acontece independente de
verificação, de modo a otimizar tempo e recursos, mas nos termos do Decreto 8.420/2015
é suficiente que ela seja imposta apenas se necessário.

Compliance
86

IV – Treinamentos periódicos sobre o programa de integridade


O Decreto 8.420/2015 estabelece a necessidade de treinamentos periódicos de
integridade. Não se estabelece os períodos de treinamento, nem se estabelece que os
períodos sejam os mesmos aplicáveis a todos os colaboradores. Circunstâncias várias
podem levar as sociedades a adotar diferentes soluções para os treinamentos, contudo o
Decreto 8.420/2015 exige que o treinamento de integridade ocorra de tempos em tempos
e não apenas na criação do programa de integridade.
A prática recorrente nas empresas é de que o treinamento ocorra a cada 12 meses,
mas pode-se adotar prazos diferentes, desde que justificáveis.
V – Análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao
programa de integridade
Esse é um dos elementos que também não se aplicam à micro e pequenas empresas.
Trata-se da prática de, periodicamente, reavaliar os riscos a que estão sujeitas às
sociedades para fazer os ajustes necessários ao programa de integridade.
O Decreto 8.420/2015 não estabelece os períodos para a reavaliação e circunstâncias
várias podem levar as sociedades a adotar diferentes soluções. Trata-se de procedimento
que demanda tempo e recursos e as sociedades devem refazê-lo de modo a atender aos
requisitos legais e ao mesmo tempo não despender recursos desnecessariamente.
Salvo mudanças estratégicas na condução das atividades da sociedade, ou mudanças
conjunturais, os riscos de integridade a que uma sociedade está sujeita não devem variar
muito de um ano para o outro, de modo que – diferente do período para treinamento –
reavaliações anuais podem ser demasiadas. Contudo, os períodos para reavaliação devem
ser curtos o suficiente para não permitir que uma alteração relevante de riscos passe
despercebida.
VI – Registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as
transações da pessoa jurídica
Assim como no caso abaixo, esse elemento é uma tentativa do Decreto 8.420/2015
de incorporar aos processos de integridade brasileiros as disposições contábeis do FCPA.
Essa disposição já era uma boa prática internacional, apenas não havia disposição análoga
para fins de integridade no Brasil. A sua adoção como um elemento de efetividade do
programa de integridade alinha a prática internacional à exigência do regulador brasileiro.
VII – Controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade
de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica
Assim como no caso do art. 42, VI do Decreto 8.420/2015, trata-se de uma tentativa
de se incorporar aos processos de integridade brasileiros as disposições contábeis do FCPA.
Essa disposição já era uma boa prática internacional, apenas não havia disposição análoga
para fins de integridade no Brasil. A sua adoção como um elemento de efetividade do
programa de integridade alinha a prática internacional à exigência do regulador brasileiro.
As sociedades devem estabelecer controles efetivos para evitar que a contabilização
ocorra de modo irregular. Isso é relevante, sobretudo na contabilização de despesas com
prestação de serviços, que é um dos pontos de maior risco de integridade.
VIII – Procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito
de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em
qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal
como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de
autorizações, licenças, permissões e certidões

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Esse elemento dos programas de integridade é bastante típico do Brasil, enquanto é


altamente comum que os programas de integridade estrangeiros tratem de normas
referentes à execução de contratos administrativos e mesmo de participação em licitações.
Isso ocorre em razão de a Lei 12.846/2013 não ser uma lei anticorrupção, apesar de ter
ficado assim conhecida. Trata-se de uma lei sobre atos lesivos à administração pública, aí
incluídos também a performance contratual e a negociação de aditivos.
Para atender essa disposição, as sociedades devem ter procedimentos específicos
para lidar com a administração pública. E esses procedimentos devem endereçar, em
detalhes, tanto a participação em licitações quanto a renegociação de contratos e a sua
performance.
Evidentemente que sociedades que não tenham interação comercial com a
administração pública, ou seja, um risco menor identificado de violação dessas disposições
legais, não precisam de procedimentos tão detalhados quanto empresas que atuem
diretamente com a administração pública. Programas eficientes devem atender aos riscos
identificados. Assim, por exemplo, uma construtora de obras públicas vai precisar ter esses
procedimentos em um nível de detalhe muito maior que, por exemplo, uma empresa de
software que não vende produtos para a administração pública.
IX – Independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável
pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento
Esse é um dos elementos que não se aplicam a micro e pequenas empresas. Trata-
se da exigência de que as sociedades tenham estruturas de compliance independentes e
com autoridade. Embora seja uma boa prática e evite discussões sobre quais as funções
que um determinado indivíduo possa estar exercendo em um determinado momento, não
há a exigência legal de que o gestor de compliance não exerça outras funções. Comumente
o gestor de compliance acumula a função de diretor jurídico. Não há vedação legal para
isso – salvo em caso de instituição financeira.
O que se exige para que o programa de compliance seja efetivo, é que o gestor de
compliance – e mais do que o gestor, a estrutura de compliance – tenha independência,
recursos e autoridade para implementar o programa de integridade. Não é eficiente um
programa de integridade em que o gestor de compliance é subordinado àqueles a quem
deveria fiscalizar.
A dispensa da exigência para micro e pequenas empresas é justificável. A criação de
uma estrutura de integridade exige recursos que podem não estar disponíveis em
sociedades de menor porte. Assim, micro e pequenas empresas podem ter um programa
de integridade, ainda que não tenham uma estrutura independente de integridade.
X – Canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente
divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de
denunciantes de boa-fé
Esse é outro dos elementos que não se aplicam a micro e pequenas empresas.
A existência de um canal de denúncias está de acordo com as boas práticas. Para
que um programa seja efetivo, não é suficiente que haja o treinamento e a comunicação
das normas, é necessário fiscalizar. Reconhece-se que a eficiência da fiscalização seja
limitada se ela ficar adstrita à estrutura de compliance – o gestor de integridade e sua
equipe – e valoriza-se a participação de todos os colaboradores. Assim sendo, é praxe que
se crie mecanismos para permitir denúncias e facilitar a fiscalização e a averiguação de
irregularidades.

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Embora não haja disposição expressa no regulamento, os canais de denúncia


normalmente empregados são (i) uma linha de comunicação telefônica; e, (ii) uma linha
de comunicação por e-mail. A linha telefônica e o e-mail são, por vezes, administrados por
terceiros, que não integram a sociedade e por vezes são administradas internamente.
Embora seja praxe, não existe exigência de que as denúncias sejam anônimas. Se
denúncias anônimas podem dar mais tranquilidade aos colaboradores de que eles não
sofrerão retaliação, elas podem dificultar a investigação, por não se permitir verificar dados
com os denunciantes ou mesmo identificar a unidade em que ocorre a denúncia. Algumas
empresas preferem, por isso, não permitir denúncias anônimas.
Caso as denúncias não sejam anônimas, ou caso sejam, mas se descubra a
identidade do denunciante, as empresas sim devem assegurar a que os denunciantes de
boa-fé não sofram nenhuma retaliação.
A isenção das pequenas e microempresas de possuírem um canal de denúncias
justifica-se por serem organizações de menor porte e menor recursos, não se fazendo
necessário ou efetivo um canal de denúncias por haver uma quantidade limitada de
colaboradores. Além do mais, a manutenção de um canal de denúncias gera custos que
podem ser excessivos para micro e pequenas empresas.
XI – Medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade
Esse elemento do programa de integridade é o que lhe dá real efetividade. Em
havendo violações, as sociedades devem aplicar sanções. Caso contrário, não há
efetividade e o programa tem valor apenas aspiracional.
Na aplicação de sanções, é importante também observar que elas tenham alguma
consistência, não sendo mais brandas para níveis hierárquicos superiores. Ou, aplica-se
sanções de mesma natureza e gravidade a todos os níveis hierárquicos ou aplica-se
sanções mais duras àqueles níveis hierárquicos superiores, pois os níveis hierárquicos
superiores deveriam servir de exemplo da cultura de compliance na companhia.
XII – Procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades
ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados
A real efetividade de um programa de integridade está além de comunicar as normas
e aplicar sanções no caso de descumprimento, mas na possibilidade de evitar o
descumprimento ou interromper o descumprimento e permitir a tempestiva reparação dos
danos gerados.
Deve a estrutura de compliance das sociedades ter independência e autonomia para
agir, nos termos do art. 42, IX do Decreto 8.420/2015 e a autonomia se reveste
justamente da autoridade para interromper a irregularidade e remediar danos.
A verificação se uma sociedade atende esse requisito ou não, se dá tanto pela análise
de procedimentos quanto pela efetiva verificação de ocorrências em que a estrutura de
compliance interrompeu violações e remediou danos.
XIII – Diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso,
supervisão de terceiros, tais como fornecedores, prestadores de serviço, agentes
intermediários e associados
Esse é outro elemento que não se aplica a micro e pequenas empresas.
Trata-se da obrigação de que as sociedades façam diligências de verificação, ou due
diligences, na sua interação com terceiros. Essa exigência está de acordo com a boa prática
internacional. Internacionalmente já se procedia à due diligence de terceiros mesmo antes
da Lei 12.846/2013 pois reconhece-se que existe um risco aumentado na interação com
terceiros. Uma vez que os terceiros estão fora da organização é mais fácil que ocorram

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violações sem que sejam detectadas pela sociedade. A due diligence de terceiros visa
justamente a verificar se os terceiros têm procedimentos de controle adequados, bem
como verificar a aderência às normas de integridade.
Com o advento da Lei 12.846/2013, a due diligence de terceiros é ainda mais
relevante, por conta das disposições de responsabilidade objetiva. Como a atuação de um
terceiro pode gerar responsabilidade para a sociedade, ainda que a sociedade tome todas
as precauções para evitar a violação e nem tenha conhecimento dela, verificar se os
terceiros com os quais se interage têm mecanismos apropriados de controle é fundamental
como estratégia de gestão de risco.
Micro e pequenas empresas podem ter um programa de integridade considerado
efetivo, mesmo sem atender a esse requisito. Contudo, se não tiverem um mecanismo de
verificação de integridade, correrão um risco de que terceiros violem disposições legais,
em seu nome ou benefício, gerando sua responsabilização. A despeito de não ser uma
exigência, é altamente recomendável a verificação de terceiros, mesmo para micro e
pequenas empresas.
Vale notar que a exigência legal não é de que as diligências sejam amplas e aplicáveis
em todos os casos. O Decreto 8.420/2015 fala em diligências “apropriadas”, o que significa
que as diligências devem endereçar os riscos identificados para cada contratação. A
contratação de um agente para relacionamento com a administração pública, por exemplo,
apresenta muito mais risco que um fornecedor de materiais. As diligências, portanto,
podem ser diferenciadas.
XIV – Verificação durante os processos de fusões, aquisições e
reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da
existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas
Trata-se da exigência de que sempre que houver um procedimento de fusão e
aquisição ou reestruturação societária se proceda a uma due diligence de compliance para
verificar (i) se houve algum cometimento de irregularidade no passado; e, (ii) a existência
de vulnerabilidades.
A existência de procedimentos de due diligence em fusões e aquisições é lugar
comum. Normalmente o foco está na ocorrência de irregularidades para que se determine
se há alguma potencial exposição dos ativos adquiridos ou incorporados ao patrimônio da
nova sociedade. Numa due diligence de integridade verifica-se tanto a existência de
alguma irregularidade no passado, quanto à existência de vulnerabilidades.
O relatório de due diligence de integridade deve, portanto, apresentar esses dois
elementos e apresentar recomendações para mitigar riscos. Muitas dessas recomendações
exigem medidas de ajustes aos procedimentos de integridade das sociedades. Por essa
razão, é recomendável que os relatórios de integridade sejam separados dos demais
relatórios e sejam emitidos na forma de comunicação confidencial entre advogados e
clientes, pois os clientes podem querer debater com os advogados como melhor endereçar
as vulnerabilidades encontradas e é conveniente que o documento tenha a proteção devida
às comunicações entre advogados e clientes.
Esse é outro dos elementos que não se aplicam a micro e pequenas empresas. A
justificativa seria de que micro e pequenas empresas não teriam recursos para despender
com esse tipo de atividades, ou que dificilmente realizariam esse tipo de atividade. Assim
como no caso de diligências com terceiros, as micro e pequenas empresas que
prescindirem desses procedimentos não terão programas de integridade declarados
ineficazes, mas estarão expostas a risco considerável.

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XV – Monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu


aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos
previstos no art. 5o da Lei no 12.846, de 2013
Esse é o último dos elementos que não se aplicam a micro e pequenas empresas. A
justificativa seria de que as micro e pequenas empresas não teriam estrutura e recursos
para o monitoramento. De fato, o monitoramento formal demanda recursos e estrutura e
exigi-lo de micro e pequenas empresas poderia ser excessivo. Entretanto, um
monitoramento informal é recomendável.
O monitoramento consiste na constante verificação se o programa de integridade
está sendo aplicado corretamente e se está tendo efetividade, de modo a que sejam
adotados ajustes e alterações, conforme a necessidade.
Não há método único para o monitoramento, mas constantemente utiliza-se de
ferramentas de software e testes de transações. Esses recursos demandam tempo e
investimento, algumas vezes com pessoal dedicado, e é a razão pela qual não se exige de
micro e pequenas empresas.
XVI – Transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e
partidos políticos
O último dos elementos do programa de integridade perdeu um pouco a sua
relevância para o Brasil, uma vez que atualmente não são mais permitidas doações de
pessoas jurídicas para candidatos e partidos políticos. Quando o Decreto 8.420/2015 foi
editado, as doações eram permitidas e o que o decreto visava a buscar era justamente
que se adotasse mecanismos para garantir que as doações políticas que vissem a ser feitas
pelas sociedades fossem de acordo com a legislação vigente e transparentes.
A disposição do decreto endereça algo que ficou substanciado na tese de acusação
do Ministério Público, no escândalo da Lava Jato, de que muitas doações de campanha
realizadas de acordo com as disposições legais eram, na verdade, pagamentos de propina
– ou vantagem indevida. Igualmente, outra tese do Ministério Público é de que boa parte
dos pagamentos de propina destinavam-se à contabilidade não oficial de campanhas, o
conhecido “Caixa 2”. Essa disposição visa justamente a coibir tal prática.
Com a proibição de doações políticas no Brasil, a disposição ainda é relevante no
sentido de que os programas de integridade devem claramente estabelecer que as
sociedades não realizam doações políticas no Brasil. Para as empresas que atuam no
exterior, em jurisdições onde doações são permitidas, o programa de integridade deve
estabelecer critérios de transparência para essas doações.

5.10 Documentos principais de um programa de compliance


Embora não exista modelo aplicável a todos os programas de integridade, os
programas sempre contam com um Código de Ética e de Conduta. Esse documento contém
normas gerais que refletem os valores éticos e de conduta das sociedades. As disposições
dele, contudo, são bastante genéricas e precisam ser detalhadas através de políticas
específicas. Os Códigos de Ética e de Conduta são documentos amplamente publicizados
em um programa de integridade, sendo muitas vezes disponibilizados em sites de internet,
entregues a todos os colaboradores quando da sua admissão na sociedade e anexados a
contratos. De fato, parte da efetividade de um programa de compliance consiste nos
Códigos de Ética e Conduta serem conhecidos por todos os colaboradores.
As políticas, por sua vez, são mais restritas. Por terem aplicação mais prática, seu
conhecimento muitas vezes, fica limitado àqueles a quem cabe a sua aplicação. As políticas

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podem ser várias, uma vez que não existe modelo padrão de programa de integridade,
mas dividem-se, normalmente em (i) políticas e normas de natureza contábil, (ii) políticas
e normas de relacionamento com terceiros; (iii) políticas e normas de relacionamento com
a administração pública; e, (iv) políticas internas.
As políticas internas versam sobre conflitos de interesse, normas de relevância
trabalhista – como uma política contra assédio –, assim como normas a respeito do
programa de integridade, tais quais normas a respeito de treinamento, de canal de
denúncias, do funcionamento da estrutura de integridade, como o comitê de ética etc.
As políticas de relacionamento com a administração pública devem endereçar a
vedação a vantagens indevidas a agentes públicos, bem como a participação das
sociedades em procedimentos licitatórios. Com a Lei 12.846/2013 estabeleceu-se uma
série de ilícitos que não eram, na praxe internacional, antes da Lei 12.846/2013 tratados
juntamente com o compliance anticorrupção. Esses ilícitos têm relação com (i)
procedimentos licitatórios e contratos públicos; e (ii) procedimentos de investigação por
parte das autoridades. Assim sendo, hoje em dia as políticas de relacionamento com a
administração pública devem tratar também desses ilícitos inseridos pela Lei 12.846/2013
no âmbito da integridade corporativa.
É praxe que essas políticas estabeleçam procedimentos específicos para lidar com a
administração pública, como exigir a presença de pelo menos dois colaboradores no
contato, exigir o registro das tratativas, vedar o oferecimento de qualquer vantagem
indevida, bem como estabelecer regras claras daquilo que é ou não permitido em termos
de presentes, brindes e hospitalidade.
Para estabelecer as regras daquilo que é ou não permitido em termos de presentes,
brindes e hospitalidade, normalmente cria-se uma política específica, que é a política de
brindes, hospitalidade e entretenimento. Essa política, muitas vezes, trata do oferecimento
de brindes, hospitalidade e entretenimento tanto para agentes públicos quanto para
agentes privados, com regras distintas para cada um. Com as legislações proibindo ou
limitando brindes, entretenimento ou hospitalidade tanto para agentes públicos quanto
privados, as sociedades têm deixado cada vez menos ao bom senso de seus colaboradores
a determinação daquilo que é adequado, e tem criado procedimentos específicos para
esses temas.
O relacionamento com partidos políticos e candidatos é, muitas vezes, tratado dentro
da política de relacionamento com a administração pública e por vezes de maneira
separada. O relacionamento com terceiros – que não a administração pública, que
normalmente é tratada em separado – é alvo de outras políticas além de uma política de
brindes e entretenimento. De fato, como um dos maiores riscos de compliance está
justamente na contratação de terceiros, sobretudo prestadores de serviço, a criação de
políticas robustas de contratação, due diligence e monitoramento de terceiros é uma
exigência de mitigação de risco, e as políticas de relacionamento com terceiros
normalmente têm regras específicas sobre a contratação de terceiros, bem como as
normas de brindes e entretenimento.
Finalmente, as políticas de natureza contábil visam a assegurar que a sociedade vai
ter um controle correto de sua contabilidade e que vai refletir adequadamente as
transações incorridas.

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