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Comentar o comentário: José Gil sobre Eduardo Lourenço

Ruggero Dell’Orfanello

‹‹Eduardo Lourenço [...] não evolui, viaja››: é assim que deveriamos lembrar a atividade de
pensamento do filósofo e crítico, em todas as aceçõs e aspetos que ela em si encerra; o
pensamento de Eduardo Lourenço é “movimento infinito”. Se a força derivada dum
movimento devido ao pensar e refleter é por José Gil o que cria e define um pensamento
original – ‹‹que implica, em geral, a invenção de conceitos›› –, em oposição à reprodução
mecánica de conceitos preexistentes, em Lourenço e na sua lógica de reflexão existencial
releva-se uma ‹‹extrema mobilidade e vivacidade››. Primeiro, isto é: ele move-se
continuamente entre a dimensão mais restrita do Portugual e a sua “tragédia” e o universo
global e culturalmente largo da Europa, e é somente assim que Lourenço chega a ser um
dos ‹‹raros portugueses a possuírem uma ideia da situação (espiritual e existencial) de
Portugal no mundo de hoje››. Um movimento com certeza “típico” no seu próprio ser,
conceber e gerar, mas que se destaca da tradição, se assim podemos chamá-la, filósofica
da escolha entre raciocínio por “intuição” ou “dedução”, no momento em que Lourenço
usa conceitos na sua reflexão e marca-os com uma “aporia” perpétua e contínua. Mas não
só e não principalmente: trata-se sobretudo duma extrema mobilidade caraterizante o seu
pensamento que é por sua própria natureza um “aporético errar” desde o ponto de partida
a consciência do ser “trágico” da existência, isto é, ‹‹é da consciência da impossibilidade da
transparência (ou seja, a ausência duma justificação visível, racional e assegurada port uma
verdade exterior e transcendente para a nossa vida e o seu valor) que nasce a única
possibilidade de fazer alguma luz na opacidade fundamental da vida como experiência
aporética››. O que Lourenço realiza na sua obra é uma “contemporaneização” daquela que
é a existência percebida como metaproblematica e conceito do “questionante envolvido
até ao infinito na sua própria questão” por Hegel primeiro, e depois por outros filósofo,
nomeadamente Kierkagaard, Heidegger ou Gabriel Marcel: reelaborando estes que foram
as suas influências e pontos de partidas, o filósofo e crítico português formula esta lei
existencial disruptiva num contexto temporal como o da Europa e de Portugal dos anos 50
de acordo com a qual a existência trágica ‹‹impedia o repouso do espírito, transformando-
se em princípio crítico de todo o tipo de ortodoxias››. Aqui coloca-se a segunda aceção de
“movimento infinito” caraterístico do pensamento de Lourenço, assim que o desassossego
do pensador na sua atividade de reflexão é permanente, ‹‹onde qualquer quietude se
torna imediatamente suspeita de autocomplacência e esquecimento›› do que é o pensar
mesmo, dando origem à cisão trágica entre ‹‹o abismo sem nome da existência e tudo o
que dela podemos enunciar››. Chegar a uma solução face a estas questões é uma tarefa
que se gere percorrendo percursos “bifurcantes”, lutando com a linguagem, uma istância
já compromitida no processo do pensamento trágico, contra o paradoxo ontológico dum
silêncio do sentido que brota todo o sentido mesmo, e José Gil tenta definir quais são os
princípios que regem o pensamento de Lourenço enquanto ele “pensador trágico”: o
princípio da experiência trágica, o de movimento aporético e o de crítica da
inautenticidade ou do esquecimento do trágico. Já é bem consolidado como o “trágico” é
um elemento que não é deixável fora da análise do filósofo e da sua obra; paradigmática é
uma citação dum seu ensaio, O Canto do Signo, que nos fornece pilares fixados sobre
como intepretar e, sem dúvida, percorrer essas bifurcações que às vezes aparecem
incomprensíveis e desorientantes: ‹‹Toda a teoria crítica que não comporte como dado
essencial a consciência do caráter trágico do projeto crítica é uma alucinação inconsciente
do entendimento ou uma mistificação culturalista sem inocência››.

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