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Breves considerações sobre o pensamento de

Maurice Merleau-Ponty

Vera Lúcia Belisário BARONI

Introdução
O propósito deste breve artigo é apresentar alguns aspectos do pensamento de
Merleau-Ponty, escritor e filósofo francês pertencente à corrente fenomenológica
existencialista, discutidos em sala de aula a partir da análise de suas obras.

O ser no mundo
Influenciado inicialmente pelo pensamento de HUSSERL e, posteriormente, pelo
de HEIDEGGER, o pensamento de Merleau-Ponty caracteriza-se por contrapôr-se ao
discurso da ciência e filosofia tradicionais, que consideram o corpo como um conjunto de
partes distintas entre si. Para Merleau-Ponty o corpo não pode ser compreendido
analisando-se as partes, é necessário considerá-lo como um todo, que é dotado de
movimento e sensibilidade.

“A animação do corpo não é a junção, uma contra a outra, de suas partes – nem, aliás,
a descida, no autômato, de um espírito vindo de outro lugar, o que ainda suporia que o
próprio corpo é sem interior e sem “si”. Um corpo humano aí está quando, entre vidente
e visível, entre tateante e tocado, entre um olho e outro, entre a mão e a mão, faz-se uma
espécie de recruzamento, quando se acende a centelha do senciente-sensível, quando
esse fogo que não mais cessará de arder pega, até que tal acidente do corpo desfaça
aquilo que nenhum acidente teria bastado para fazer...”. (MERLEAU-PONTY, 1963,
pag. 89)

A concepção de corpo de Merleau-Ponty, portanto, opõe-se à perspectiva


mecanicista tradicional e revela uma nova compreensão do corpo e do movimento
humano, fundamentada nas relações entre corpo e mente como uma unidade que se
estabelece através da percepção.
Segundo NOGUEIRA, em seus comentários em sala de aula, o conceito de
percepção como revelação do mundo, foi desenvolvido de forma especial pela
fenomenologia existencialista. HEIDEGGER, na qualidade de um dos mais destacados
personagens dessa escola, conceitua o homem como “ser-no-mundo”, e esse conceito vai
estar presente em toda a reflexão Merleau-Pontyana, sobre a questão da percepção como
revelação do mundo. Revelação no sentido de tirar o véu que cobre a realidade. Na
introdução de “Fenomenologia da Percepção”, Merleau-Ponty afirma que “a percepção
não é uma ciência do mundo, nem mesmo é um ato, uma tomada de posição deliberada,
mas é o fundo sobre o qual se destacam todos os atos e é pressuposto por eles. O mundo
não é um objeto cuja constituição possuo em meu íntimo, mas é o meio natural e o campo
de todos os meus pensamentos e de todas as minhas percepções explícitas. A verdade não
habita somente o “homem interior”, ou melhor, não há homem interior, o homem está
no mundo e é no mundo que ele se conhece”. Esse conceito de percepção quer mostrar
exatamente uma atividade que é própria da consciência humana, enquanto não é
simplesmente uma consciência do tipo cartesiana, fechada em si mesma, mas sim uma
consciência encarnada, ou seja, presente no mundo pelo corpo. Existimos como seres no
mundo através do corpo, não nos encontramos objetivamente no mundo como simples
“coisa”, nem como consciência encerrada na sua interioridade. O código cartesiano, o “eu
penso”, está encerrado na sua interioridade, e a perspectiva de Merleau-Ponty tenta
superar este fechamento. Nós nos realizamos no “para si”, no ato de sair de si e estar em
relação com os outros seres humanos. O “para si” indica exatamente esse movimento, nós
somos consciência e liberdade. Não há possibilidade de uma existência que não seja livre.
A liberdade é uma categoria filosófica fundamental, que abre a perspectiva da realização
humana no mundo da cultura, da civilização e das instituições.

“Se há uma verdadeira liberdade, só pode existir no percurso da vida, pela superação
da situação de partida e sem que deixemos, contudo, de ser o mesmo – eis o problema.
Duas coisas são certas a respeito da liberdade: que nunca somos determinados e que
não mudamos nunca, que, retrospectivamente, poderemos sempre encontrar em nosso
passado o prenúncio do que nos tornamos. Cabe-nos entender as duas coisas ao mesmo
tempo e como a liberdade irrompe em nós sem romper nossos elos com o mundo.”
(MERLEAU-PONTY, pg. 123)
Enquanto consciência, somos capazes de desvelar a realidade, de compreender o
mundo e de compreender a nós mesmos e, pelo trabalho, linguagem, técnica , ciência
assumimos a tarefa de transformar o mundo à nossa imagem e semelhança. Portanto, o
trabalho, no pensamento de Merleau-Ponty, assume o papel de instrumento da realização
humana, pois, segundo o filósofo, é sobre ele que se constrói a história da humanidade.

Bibliografia

Huisman, Denis. Dicionário dos Filósofos. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Merleau-Ponty, Maurice. Os Pensadores. Tradução de Marilena de Souza Chauí, Nelson


Alfredo Aguilar, Pedro de Souza Moraes. - 2. ed. – São Paulo: Abril Cultural, 1984.

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