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Teontologia Básica

João Alves dos Santos

Aula 1: Introdução
Conhecer a Deus é o maior privilégio que o homem pode ter. Sem esse conhecimento,
qualquer outro fica comprometido, pois é a partir de Deus que todas as coisas podem ser
conhecidas e avaliadas corretamente. Até o conhecimento de nós mesmos depende do
conhecimento que temos de Deus. Mas podemos conhecer a Deus? Esta pergunta tem
recebido diferentes respostas. Antes dela, porém, uma outra é feita: existe um Deus para
ser conhecido?

A Bíblia não tenta provar a existência de Deus. Parte do pressuposto de que ele existe:
“No princípio criou Deus”, dizem as primeiras palavras da revelação escrita. Tentar
provar que ele existe seria algo absurdo para Deus. Inadmissível em todos os sentidos.
Seria o mesmo que um pai tentar provar para o seu filho que ele existe, ou pior do que
isto. Um pai ainda pode ter que provar para o seu filho que ele, e não outro, é o seu pai,
mas Deus não precisa disto. Ele é a fonte e o criador de toda sorte de vida. Deus
qualifica como insensatez o duvidar da sua existência. Só o insensato (néscio) pode
dizer no seu coração que “não há Deus” (Sl 53.1). Insensatez é pior do que
irracionalidade. Até o “boi conhece o seu possuidor, e o jumento, o dono da sua
manjedoura” (Is 1.3). Os irracionais, ainda que não de forma consciente, conhecem os
que cuidam deles e os sustentam. De um ser racional espera-se muito mais.

Contudo, por causa da ruptura que o pecado causou entre a criatura e o criador, o
homem perdeu essa capacidade natural de conhecer a Deus. Tornou-se insensato. Deus
precisa revelar-se, dar-se a conhecer. É o pai que vem dizer ao filho que foi ele quem o
fez. E para que o filho possa conhecê-lo, é preciso que creia na revelação do pai – “é
necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe” (Hb 11.6).

Mas voltemos à pergunta inicial: podemos conhecer a Deus? Sim, é a resposta. Este é
um dos três pressupostos básicos da Teologia: Deus existe, Deus pode ser conhecido e
Deus tem se revelado. Esses pressupostos são interdependentes. Deus não poderia ser
conhecido se não existisse e não teria se revelado se não pudesse ser conhecido.

Mas todo homem conhece a Deus? Quando consultamos a Bíblia, encontramos duas
respostas a essa pergunta: sim e não. Há um sentido em que todos conhecem a Deus,
mesmo o homem natural, não regenerado. Paulo diz que “a ira de Deus se revela do céu
contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça;
porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes
manifestou.Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como
também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do
mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por
isso, indesculpáveis; porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como
Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios,
obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se
loucos” (Rm 1.18-22). É assim que Paulo descreve as consequências do pecado sobre a
razão humana e sua capacidade de conhecer a Deus. Todos conhecem-no, mas não de
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modo suficiente para reconhecê-lo e adorá-lo. Têm as evidências, os fatos, mas não
sabem trabalhar com eles, tirar deles as conclusões corretas. Precisam de uma nova
revelação e de uma nova visão. Essa nova revelação é a das Escrituras e a nova visão é a
da regeneração espiritual. É por esta razão que a Bíblia também diz que os ímpios não
conhecem a Deus: “mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem
de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis. Por isso, Deus
entregou tais homens à imundícia, pelas concupiscências de seu próprio coração, para
desonrarem o seu corpo entre si; pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira,
adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente (Rm
1.23-25). Paulo diz que os gentios “não conhecem a Deus” (1Ts 4.5). Ele se refere a
este conhecimento espiritual que só o crente possui.

Para se conhecer a Deus, portanto, é preciso, antes de tudo, fé. Fé nos pressupostos
desse conhecimento: que Deus existe, que ele pode ser conhecido e que ele se revelou.
Pode-se argumentar que isto é raciocinar em círculos. Chamamos a isto de raciocínio
dependente ou pressuposicional. Dependemos de Deus, antes de tudo, para raciocinar, e
da autoridade da sua revelação. Não cremos porque conhecemos, mas conhecemos
porque cremos. É a supremacia da fé sobre a razão, ainda que não contra ela. É o que a
Bíblia chama de “levar cativo todo entendimento à obediência de Cristo”-: “Porque as
armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir
fortalezas, anulando nós sofismas e toda altivez que se levante contra o conhecimento
de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2Co 10.4-5).

Mesmo conhecendo verdadeiramente a Deus, com os olhos desvendados pelo Espírito


e através da revelação da sua palavra, ainda devemos reconhecer que não podemos
compreender tudo. Nem todo conhecimento foi revelado, nem poderia ser, e mesmo do
que foi revelado nem tudo pode ser compreendido. Teríamos que ser divinos para
compreender o divino. Teríamos que ter a mesma natureza de Deus para compreendê-lo
de modo pleno. Não temos as explicações racionais para toda a revelação. Mas não
precisamos compreender tudo. Deus não exige que compreendamos tudo, mas que
conheçamos e creiamos. A bem-aventurança de Apocalipse (1.3) é para aqueles que
leem, ouvem e guardam as palavras da profecia, não para os que compreendem. Não se
exige que compreendamos a revelação de apocalipse (o que não seria fácil mesmo), mas
que a conheçamos e a guardemos. A criança não precisa compreender as razões do pai:
precisa apenas crer que elas são boas, justas e para o seu bem, porque o seu pai a ama. E
isto é o que ela normalmente faz. Somos crianças em assuntos espirituais. Jesus disse
que quem não se converter e não se fizer como criança não pode entrar no reino dos
céus (Mt 18.3). Essa capacidade de confiança plena o homem perdeu quando deu
ouvidos à tentação da serpente e quis conhecer mais do que precisava ou podia (Gn 3.5).
Desde então, nem mesmo a revelação natural (geral) que o cerca ele pode compreender,
sem o auxílio divino, quanto mais ao próprio Deus. Anda tateando como cego, ainda
que Deus não esteja longe dele, como afirma Paulo (At 17.27).

É com esses pressupostos, e com a humildade de quem sabe que precisa confiar na
palavra do Pai que, como filhos, nos assentaremos a seus pés nestas aulas, para aprender
dele e sobre ele. Que o próprio Deus nos conduza no conhecimento de si mesmo!

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