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GUARULHOS
2019
GUARULHOS
2019
Introdução
Paulo Arantes no ultimo capitulo de seu livro “O Novo Tempo do Mundo” vai analisar
o motor que moveu o maior protesto de massas da história recente brasileira, assim
como a nova forma de fazer política que esse movimento apresenta, materializando
a rejeição de métodos tradicionais da esquerda e uma ruptura com o processo de
institucionalização das lutas populares que triunfou no ano de 2002 com o início do
ciclo petista.
Pautando a tarifa zero se visualiza uma cidade fora dos limites do capital, sendo
assim o ato de pular a catraca uma representação desse horizonte que anseia uma
cidade que viabilize a livre circulação por ela. Os princípios e estratégias do MPL
disponibilizados no site do movimento deixam claro:
[...] a luta pela Tarifa Zero não tem um fim em si mesma. Ela é o instrumento
inicial de debate sobre a transformação da atual concepção de transporte
coletivo urbano, rechaçando a concepção mercadológica de transporte e
abrindo a luta por um transporte público, gratuito e de qualidade, como
direito para o conjunto da sociedade; por um transporte coletivo fora da
iniciativa privada, sob controle público (dos trabalhadores e usuários).
No entanto, Arantes alerta para o fato de que a gratuidade do transporte por si só,
na verdade não representa ameaça ao capitalismo uma vez que é vista com bons
olhos até por membros do setor financeiro como o BNDES. A real ameaça aos
domínios do capital está na mudança das relações de poder dentro dessa ordem. O
processo reivindicativo em torno dessa demanda é que abre margem pra uma real
transformação no modus operandi da atual cidade. A apropriação dos espaços
públicos pela população marginalizada abre a possibilidade de reconfigurar o espaço
e as relações de poder contidas nestes.
“Assim, um ano de revolução deu ao proletariado russo essa “educação” que trinta anos de
lutas parlamentares e sindicais não podem artificialmente dar ao proletariado alemão.”
(LOREIRO, 2018: 94)
Abordando a forma greve de massas da luta proletária, Rosa reconhece esta como
emergência de uma necessidade concreta e histórica. Nesse sentido, o elemento
espontâneo da luta de massas é valorizado uma vez que essa luta é despertada por
uma imensa gama de motivações que não podem ser calculadas e para se
transformar em um movimento de massas efetivo e verdadeiramente popular, deve
aglutinar grandes parcelas do proletariado. Seguindo essa abordagem e
relacionando com as Jornadas de Junho, constatamos um movimento
autoconvocado e que se proclama independente de partidos, se colocando
frontalmente contra os métodos praticados pela esquerda convencional. Inaugura
assim essa nova cara da política, caracterizada pelo autonomismo. Assim como
Rosa descreve, ainda que as manifestações de junho tenham sido protagonizadas,
sobretudo por grupos apartidários estes demonstraram naquele momento a
potencialidade radical que estes grupos “não organizados” detêm e traz à tona uma
nova forma da luta na cidade, a da ação direta.
Ainda assim, é evidente que Junho deixou um legado extremamente importante para
a juventude e toda classe trabalhadora. Sobretudo jovens, tiveram seu primeiro
contato com uma movimentação política nesse cenário emblemático da história do
Brasil. Por certo, acreditamos poder dizer seguindo a formulação de Rosa, que
Junho levou consciência política a uma parcela significativa da população, que após
esse episódio passou a se organizar em inúmeros coletivos, organizações políticas,
comitês de bairro, etc. Já é corrente também a leitura da onda de ocupações
secundaristas em São Paulo, que vamos discorrer mais a frente, como um reflexo
direto das Jornadas.
Esse processo de segregação ainda fica claro no Brasil com as remoções forçadas
no Rio de Janeiro durante a preparação para os megaeventos – Copa em 2014 e
Olímpiadas em 2016. Os episódios de remoções neste período mostra a batalha
ainda atual de milhares de trabalhadores que habitam em assentamento não
regularizados. Essa, dentro outras atrocidades cometidas em nome dos
megaeventos foram rechaçados e o ano de 2014 é marcado também por inúmeros
confrontos com a policia de manifestações que exigiram “padrão fifa” para saúde,
educação, transporte etc.
Com todo esse parâmetro apresentado com base nessas inúmeras formulações,
pode ser verificar que para as Jornadas de Junho, o aumento da tarifa foi a centelha
para um marcante revolta popular, mas que representa somente “a ponta do
iceberg”, afinal “não é só pelos 20 centavos”. Marca, portanto, o ápice do
esgotamento de uma politica de pacificação, marcada pela violência policial contra a
população periférica, do descontentamento com uma participação cidadã sem poder
(controlada), com as remoções forçadas e demais manifestações sobre a lógica do
capital sobre o direito a cidade. Insurge então a vontade politica de transformar os
moldes impostos pelas classes dominante por meio de ações na contramão. O
movimento tem sua vitória atingindo sua meta a curto prazo (a revogação da tarifa),
no entanto, sem deixar de preservar a bandeira da desmercantilização da vida. A
nova forma politica que se apresenta deixa seus rastros nas inúmeras lutas que
vieram a seguir.
As ocupações, assim como Junho, são caracterizadas por seu caráter autônomo e
horizontal, sendo arquitetada toda uma estrutura organizativa que viabilizasse a
participação de todos nos rumos do movimento. Os documentários “Acabou a Paz” e
“Lute como uma menina” mostram bem como se deu a organização estudantil. Em
cada escola os ocupantes se organizam por comissões (limpeza, comunicação,
cozinha, formações) onde todos deveriam cooperar para a manutenção da mesma.
Já a linha politica dos estudantes em luta era definida por meio das assembleias que
ocorriam diariamente em cada ocupação. Para evitar o isolamento e potencializar
suas ações, os secundaristas logo construíram um Comando de Ocupações que
reunia representantes de todas as escolas ocupadas em reuniões semanais.
A ocupação do espaço escolar foi para muitos a construção de uma outra forma de
viver aquele ambiente, produzindo reconhecimento e pertencimento coletivo nos
termo de Lefebvre. E no que diz respeito ao caráter pedagógico da luta, como
abordado por Rosa Luxemburgo, os estudantes secundaristas se inseriram desde
muito cedo na escola viva da luta, se forjando desde já para as lutas que se seguem.
Muitos desses estudantes hoje se organizam em diversos coletivos e organizações,
inclusive dentro do MPL.
Assim como 2013, as ocupações secundaristas são lidas dentro do que Paulo
Arantes denomina de encurtamento do horizonte de expectativas. Ivan Ferreira, da
Auditoria Cidadã da Dívida Pública SP, no documentário “Acabou a Paz” reforça
essa ideia:
Os atos de rua eram uma tática que se mostrou ser uma ferramenta de luta
eficiente em junho de 2013, na revolta contra o aumento da tarifa, e nós,
secundaristas, acreditávamos que seria igualmente efetiva para derrubar o
projeto autoritário do Estado de reorganização. Após ficar outubro inteiro
fazendo dois atos por semana e não recebendo nenhuma atenção por parte
do governo e da mídia, vimos que deveríamos mudar de tática. Naquele
momento deixamos de ocupar as ruas e decidimos ocupar aquilo que já
deveria ser nosso: as escolas.
ARANTES, Paulo. Depois de Junho a paz será total. In: ARANTES, P. O novo tempo do
mundo. São Paulo: Boitempo, 2014.
LUXEMBURGO, Rosa. Greve de massas, partido e sindicatos. In: LOUREIRO, Isabel (org.).
Rosa Luxemburgo e o protagonismo das lutas de massas. São Paulo: Expressão Popular,
2018, p. 77-100.
PRONZATO, Carlos. Acabou a paz, isto aqui vai virar o Chile. 2016. (1:00m06s). Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=LK9Ri2prfNw>. Acesso em 06 jul.
COLOMBINI, Flávio; ALONSO, Beatriz. Lute como uma menina. 2016. (1:16m17s).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8OCUMGHm2oA>. Acesso em 06 jul.
2019.