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Em Sergipe, é mais comumente utilizada a sigla CONSEG para os Conselhos Comunitários
de Segurança, inclusive pela FECONSEG-SE (Federação dos Conselhos Comunitários de
Segurança de Sergipe). Porém, é possível encontrar em alguns Conselhos no estado a sigla
CONSEC (Conselho de Segurança Comunitário). Aqui se optou pela primeira forma.
polícia e à própria comunidade. Observou-se que nessas reuniões, os
representantes do policiamento comunitário são convidados, mas na maioria
dos casos não comparecem.
Os CONSEG’S também organizam extraordinariamente assembleias
com a comunidade e a polícia. Essas assembleias são o único lócus de
interação mais amplo entre a polícia e a comunidade, onde podem fazer um
balanço da segurança no bairro e elaborar estratégias direcionadas à realidade
local. O problema é que as assembleias ocorrem num intervalo de tempo muito
grande entre uma e outra e a parcela de pessoas presentes é pouco
significativa em relação ao total de moradores.
Há cerca de cinco anos as arrecadações dos Conselhos Comunitários
de Segurança serviam diretamente como fonte de financiamento do
policiamento nas comunidades, gerando muitos conflitos pelas relações
clientelistas que delas se valiam: quem contribuía mais, cobrava mais
policiamento. Houve caso até em que determinado Presidente de Conselho
ficava com a chave da viatura policial porque era o CONSEG quem custeava o
combustível. Houve também noutra localidade a compra de armas e coletes
com dinheiro arrecadado dos sócios do Conselho (PASSOS, 2005). No
entanto, com o aumento dos investimentos do Governo Estadual nos últimos
anos, exemplos como estes se tornaram cada vez mais raros.
Sobre a representatividade que os CONSEG’s expressam, o que se vê é
pouca representação da diversidade da comunidade (nos bairros América,
Grageru e Luzia, por exemplo, a maioria faz parte de grupos da Igreja Católica
dessas localidades) e há pouca rotatividade na participação dos membros (em
geral, como o interesse da comunidade em participar é baixo, forma-se apenas
uma chapa comum que se candidata à eleição. Numa nova eleição, mantêm-se
praticamente os mesmos membros, mas alternam-se as funções).
O desinteresse da comunidade em participar atinge também
internamente o Conselho. Mesmo tendo sido eleitos, alguns membros quase
não se comprometem e os demais acabam assumindo responsabilidades de
forma dobrada.
Assim como outros programas de policiamento comunitário, a Polícia
Cidadã em Sergipe tem dificuldades para motivar e manter a participação
comunitária. Geralmente, o interesse em se envolver nas questões de
segurança do bairro só surge quando as pessoas tornam-se vítimas da
violência.
Embora a baixa participação social no policiamento comunitário seja um
problema que atinge todas as áreas onde está implantado na cidade, em geral,
nos bairros de população mais elitizada a participação é menor que nos bairros
mais populares. Nos bairros periféricos, onde a vida social é relativamente
intensa nas ruas, a segurança é mantida pelo engajamento (“olhos sobre a
rua”), enquanto nos de classe média é pelo isolamento que se busca estar
seguro. Por isso mesmo, nos bairros elitizados o principal tipo de habitação são
os “enclaves fortificados”: espaços privatizados, fechados e monitorados para
residência, consumo, lazer e trabalho, cuja principal justificação é o medo da
violência. Incluem-se condomínios fechados, shoppings centers, conjuntos de
escritório etc. (CALDEIRA, 2000).
No fundo, o que os moradores das “comunidades cercadas” querem é
manter distância da “confusa intimidade” da vida comum da cidade e para isso
estão dispostos a pagar caro para terem “o direito de manter-se à distância e
viver livre dos intrusos” (BAUMAN, 2003, p.52). Contudo, a preocupação de um
enorme número de pessoas com a história de suas próprias vidas e com suas
emoções pessoais tem se mostrado mais uma “armadilha” do que uma
“libertação”, pois a vulgarização da “busca romântica” da personalidade e de
autorrealização traz à sociedade um custo muito elevado, qual seja: “a erosão
da vida pública”. Uma das características da vida pública moderna é
justamente o fato de que o espaço público urbano passa a destinar-se à
passagem e ao movimento e não mais à permanência. Com esse destino, esse
espaço fica desprovido de sentido e torna-se um “espaço público morto”
(SENNETT, 1998).
Diante das dificuldades de participação social, na tentativa de atrair mais
pessoas para as reuniões e o engajamento, alguns Conselhos criaram
informativos ou jornais que são distribuídos na comunidade. É o caso do “Bota
a boca no trombone, Zé!”, jornal mensal criado pelo CONSEC/ZE (Conselho
Comunitário de Segurança da Zona de Expansão)4. O jornal traz reportagens
sobre as reivindicações da comunidade com relação à segurança, as
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Zé é uma referência à abreviatura da Zona de Expansão- ZE.
atividades da SSP, as ações do Conselho, telefones de utilidade pública
(Disque Denúncia, por exemplo), dentre outros. Na semana que antecede
assembleias ou encontros com a polícia é comum também a divulgação desses
eventos através de panfletagem nas casas e carros de propaganda que
circulam pelos bairros em horários estratégicos.
A fim de dar visibilidade a sua atuação, todos os anos os CONSEG’s
participam do desfile oficial da cidade divulgando o policiamento comunitário,
no dia 7 de setembro, data em que se comemora a Independência do Brasil.
A mídia é outro recurso utilizado pelos CONSEG’s para expressar suas
demandas e pressionar as autoridades públicas a solucionar os problemas de
segurança e investir no policiamento comunitário.
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Trata-se da comunidade provedora, isto é, aquela comunidade que busca resolver seus
problemas proporcionando os meios materiais necessários para que o Estado garanta a
segurança, mas tende a exigir privilégios quanto à segurança, comprometendo o princípio
universalizante do serviço de segurança pública (RODRIGUES, 2009). Sobre outros tipos de
comunidade, conferir o Capítulo 5 da tese.
As dificuldades de interação entre polícia e comunidade refletem-se
ainda no relacionamento dos Conselheiros com os gestores comunitários -
especialmente com o Comando Geral da PMSE - e com a Secretaria de
Segurança Pública. Dependendo da visão que essas autoridades tenham a
respeito do policiamento comunitário, esse relacionamento melhora ou piora.
Atualmente, os conselheiros afirmam que o diálogo com os gestores da
segurança pública está melhor, mas o apoio ao policiamento comunitário ainda
é muito superficial.
Vê-se, portanto, que as resistências da própria polícia ao modelo
comunitário de policiamento ainda são muito fortes. Mas o que justificaria tanta
oposição? Certamente, um dos motivos é o controle social sobre a atividade
policial. O contato estreito entre policial e comunidade tem sido defendido como
instrumento de controle relevante segundo alguns argumentos, dentre eles, o
de que a perda do anonimato torna o policial mais responsável por suas ações
e ajuda o seu supervisor na obtenção de informações sobre a atuação policial
na localidade.
Essas resistências estão relacionadas também ao fato desse tipo de
policiamento pretender uma perspectiva mais preventiva em relação ao crime e
a violência e uma postura mais respeitadora dos direitos da pessoa humana.
Isso tem gerado alguns discursos, dentro e fora da corporação, de que a polícia
comunitária seria uma “polícia fraca” por ser menos repressora e mais aberta
ao diálogo com o público. Segundo o Coordenador Estadual de Polícia
Comunitária, os policiais resistentes a essa filosofia, criaram o mito no qual a
Polícia Cidadã é “a polícia que não prende” ou “a polícia que entrega flores ao
bandido”. Algumas pessoas, policiais ou não, podem preferir e reivindicar
modos mais tradicionais de policiamento, em parte por estarem acostumados
com isso, ou por pensarem que o policiamento comunitário pode estar
interferindo no padrão das capacidades de combater o crime (SKOLNICK e
BAYLEY, 2002).
Considerações Finais
O policiamento comunitário tem tido relevante destaque em debates no
mundo inteiro a respeito dos problemas de segurança pública. Mas é verdade
também que muitas análises têm questionado o seu potencial, afirmando que
ele não tem surtido o efeito que todos esperavam. Portanto, não há consenso
quanto aos seus efeitos nem resultados unívocos que demonstrem seu
sucesso ou o fracasso. Por outro lado, já se pode ver um efeito positivo no que
diz respeito à melhora das relações entre a polícia e a população. Uma forte
potencialidade do policiamento comunitário é que ela tece relações sociais e
motiva a população a sair do individualismo que mata a vida pública,
demonstrando uma inegável capacidade de mudança e despertando, assim,
um interesse maior.
O policiamento de orientação comunitária toma como elemento
fundamental a resolução de problemas de segurança a partir da prevenção
comunitária do crime e da violência, reconhecendo que a segurança não é
alçada exclusiva da polícia.
Com efeito, o policiamento comunitário insere-se numa “estratégia de
responsabilização” adotada pelas agências estatais visando redistribuir com
atores do setor privado e da comunidade a tarefa de controlar o crime. Nesse
sentido, está sempre presente o risco de que a comunidade seja vista como
mero meio para se chegar ao controle do crime (GARLAND, 2008). Por outro
lado, também a comunidade pode tentar manipular a polícia exercendo, por
exemplo, pressões sociais indevidas e cobrando privilégios para aqueles que
colaboram materialmente para a operacionalização da polícia na área onde
vivem.
Como se vê, faz-se necessário uma compreensão mais aprofundada dos
papéis da polícia e da comunidade correspondentes à especificidade e às
atribuições que cada uma assume na própria sociedade. Com efeito, a
instituição policial “deve ter autonomia para realizar julgamentos e conciliar as
expectativas sociais às prioridades, aos recursos disponíveis e às restrições
legais de sua autoridade” (DIAS NETO, 2000, p.72), não devendo servir a
interesses puramente privados de grupos, associações ou conselhos de
segurança. Entretanto, isso não pode servir como desculpa da instituição para
barrar as interferências possíveis e legítimas da comunidade no
desenvolvimento do policiamento comunitário.
De modo geral, os desafios da parceria polícia-comunidade estão
ligados a problemas estruturais e políticos que têm sido historicamente
obstáculos à consolidação de um modelo de gestão participativa ativa da
segurança pública no Brasil, dentre os quais se podem destacar: um padrão
tradicional de atuação policial marcado pelo uso da força e dinâmica voltada
para reação ao crime; o perfil dos gestores das políticas de segurança pública,
fazendo com que a eficiência dos processos participativos dependa da posição,
favorável ou refratária, das autoridades administrativas; e o fato de que as
polícias são organizações fortemente hierarquizadas e pouco abertas ao
debate (RATTON et. al., 2008).
Ainda é forte nas forças policiais brasileiras a concepção de que
segurança pública é “coisa de polícia” e que nesse assunto o “civil” não pode
ajudar, pois não foi preparado para isso. A permanência dessa visão afasta a
comunidade e impede o fomento de qualquer iniciativa que envolva ações
integradas de diminuição da violência: “quando a segurança pública é encarada
por meio de referência exclusiva ao trabalho policial, dificilmente a participação
popular pode figurar como sinônimo de eficiência para a redução do crime e da
violência” (RATTON et. al., 2008, p.125).
Através da pesquisa percebeu-se também a resistência dos gestores
públicos, inclusive da cúpula dos órgãos de segurança pública do Estado, em
relação ao policiamento comunitário e a participação da população nessa
política, ficando evidente a falta de apoio logístico e político a esse tipo de
policiamento.
Sobre a resistência dos policiais em relação ao policiamento comunitário
em Aracaju, a pesquisa mostrou que, além da possibilidade de controle social,
essa resistência baseia-se também na concepção de que esse policiamento
seria mais “fraco” por inspirar-se numa perspectiva mais preventiva e
respeitadora dos direitos do cidadão.
Piorando a situação, vê-se que a população também resiste bastante em
participar das ações que envolvem o policiamento comunitário.
A participação social na segurança pública através de conselhos, fóruns,
conferências, dentre outros, reflete a importância que tem sido conferida ao
papel da sociedade civil na gestão pública, contudo, ela tem sido um grande
desafio. A parcela da população que se envolve é muito pequena. Por isso
mesmo, as queixas dos conselheiros sobre a falta de apoio da comunidade são
constantes.
Uma das explicações para a baixa participação é a falta de confiança da
população na polícia e no seu trabalho. Outro fator é o desinteresse para com
as questões públicas; o que não é exclusivo ao policiamento comunitário.
Referências Bibliográficas
AGUIAR, Roberto. É possível construir uma segurança pública sem violência?.
In: OLIVEIRA, Dijaci David de; SANTOS, Sales Augusto dos; SILVA, Valéria
Getulio de Brito e (orgs.). Violência policial: tolerância zero? Goiânia: UFG;
Brasília: MNDH, 2001.