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Revista de Direito PARTICIPAÇÃO POPULAR NAS

Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS


Eficácia e implementação

Lara Vanessa Millon


Faculdade Anhanguera de Jundiaí RESUMO
lara.millon@unianhanguera.edu.br
O presente artigo estuda a possibilidade de participação popular na
elaboração e condução de políticas públicas municipais. A eficácia dos
mecanismos de participação popular e a gestão democrática das cidades são
temas conexos enfrentados no artigo de maneira atual e com a visão do
Direito Público. Trata-se de uma breve reflexão sobre o papel do cidadão no
município e a atuação do agente político municipal na implementação de
políticas públicas, buscando um ponto de equilíbrio entre esses dois lados da
sociedade. Todo o artigo está fundamentado no pressuposto de que a
participação popular é um instrumento eficaz a ser utilizado para buscar
melhorias nas políticas públicas municipais.

Palavras-Chave: participação popular; políticas públicas; agente político.

ABSTRACT

The present article studies the possibility of popular participation in the


elaboration and conduction of local public politics. The effectiveness of the
mechanisms of popular participation and the democratic management of the
cities are connected subjects faced in the article in current way and with the
vision it Public law. It is treated of an abbreviation reflection on the citizen’s
paper and the performance with district agent politician in the
implementation of public politics, searching a break-even point among those
two sides of the society. The whole article is based in the presupposition that
the popular participation is an effective instrument to be used in searching
for improvements in the local public politics.

Keywords: popular participation; public policy; political agent.

Anhanguera Educacional S.A.


Correspondência/Contato
Alameda Maria Tereza, 2000
Valinhos, São Paulo
CEP 13.278-181
rc.ipade@unianhanguera.edu.br
Coordenação
Instituto de Pesquisas Aplicadas e
Desenvolvimento Educacional - IPADE
Artigo Original
Recebido em: 30/10/2009
Avaliado em: 24/7/2010
Publicação: 11 de agosto de 2010
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60 Participação popular nas políticas públicas municipais: eficácia e implementação

1. INTRODUÇÃO

Atualmente ganham relevo no mundo jurídico as discussões acerca da participação


popular. Assunto delicado e quase que proibido até algumas décadas, na sociedade atual,
encarar a participação popular como parte integrante da democracia já se torna,
paulatinamente, algo natural.

Nesse contexto, o artigo aborda a importância da participação popular para a


efetivação de políticas públicas.

Sabidamente é no Município que as pessoas vivem, trabalham, criam seus filhos


e também enfrentam as dificuldades sociais. Transporte público deficitário, ensino público
municipal aquém das necessidades, saúde pública precária, déficit de habitação e muitos
outros problemas existem no âmbito municipal e fazem parte da rotina de grande parte
das populações municipais. Como melhorar os resultados das políticas públicas? Como
conferir maior eficiência na elaboração, condução e execução de políticas públicas?

Esse artigo parte do pressuposto de que a participação popular é de grande valia


para melhoria das políticas públicas. O modelo de gestão democrática das cidades deve
ser efetivamente implantado e instrumentos de participação popular devem ser utilizados
com freqüência, para o atingimento das finalidades públicas e a implementação de
políticas públicas eficazes.

2. DEMOCRACIA PARTICIPATIVA: HISTÓRICO E DESENVOLVIMENTO

Quando se trata do tema ‘Participação Popular’ a primeira idéia que nos deve vir à mente
é: democracia. Assim, iniciar um estudo, ainda que em breves linhas, sobre a participação
popular sem nada discorrer acerca da democracia seria, minimamente, inviável.

A democracia, com essa nomenclatura, já é antiga conhecida de todos, desde a


época da Grécia antiga em que caracterizava-se pela participação direta dos cidadãos nos
atos de governança. Naquela antiga democracia grega não havia representantes do povo,
mas sim uma atuação direta do povo, através de assembléia popular, na qual o próprio
povo era o responsável pelas decisões políticas das Cidades-Estados Gregas. Em outras
palavras, a democracia grega partia da idéia de que o povo – sem intermediários – deveria
governar para o povo. Bonavides (2006), que como a grande maioria dos doutrinadores,
define a existência de três modelos distintos de democracia, explica que essa democracia
antiga é a chama democracia direta. Nesse ponto, importante um pequeno parêntese,
para mencionar ainda as outras formas de democracia. Além da democracia direta, há a

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forma de democracia em que o povo apenas participa do contexto político através do


sufrágio, elegendo representantes. Nesse caso, o povo delega todo o poder de decisão
político aos representantes e, sendo assim, é chamada de democracia indireta
(BONAVIDES, 2006) ou representativa, se adotada a classificação de Manoel Gonçalves
Ferreira Filho (FERREIRA FILHO, 2006). Para ambos os autores, há ainda a democracia
semi-direta, na qual o povo além de eleger seus representantes também possui à
disposição mecanismos de interferência e de controle sob as decisões políticas, como é o
caso do referendo. Na democracia semidireta existe um equilíbrio entre o poder do
parlamentar e a vontade popular, já que a hegemonia parlamentar pode ser limitada pelo
povo, em determinadas situações (FERREIRA FILHO, 2006; BONAVIDES, 2006).

Retomando a evolução histórica, como bem afirma Dalmo de Abreu Dallari


(2009, p.157), “O Estado Democrático moderno nasceu das lutas contra o absolutismo”.
Realmente, não há que se duvidar, o atual modelo democrático é fruto dos avanços
advindos no período posterior às revoluções liberais do século XVIII. O resultado das
lutas liberais, que tinham como objetivo o fim do absolutismo e com ele o fim da ausência
de limites para a atuação estatal e da ausência de liberdades e garantias individuais, foi a
busca pelo Estado de Direito e, mais do que isso, pela democracia, como ideal para muitos
Estados.

Evidentemente não mais aquela democracia grega, que não seria sequer possível
de ser aplicada nos tempos atuais. A partir do século XVIII, com o Estado Democrático de
Direito, a relação de poder que justificava a atuação dos governantes foi modificada para
sempre: o poder deixou de ser incontestável, divino, absoluto ou herdado, para se tornar
um poder temporário, contestável e conferido pelo povo para ser utilizado sem benefício
do povo. Isso muda radicalmente toda a estrutura de poder dos Estados que adotaram a
democracia. Mas foi somente a partir do século XIX que o modelo democrático evoluiu
para se aproximar da forma de governo que conhecemos hoje, semidireta e com
instrumentos de participação do povo na atividade estatal.

Nesse tocante, assinala Perez (2004, p. 28) que “Desde então o governo
democrático vem sendo associado máxima quase enigmática de Lincoln do “governo do
povo, pelo povo e para o povo” e, mais especificamente aos princípios liberais de proteção
ao indivíduo e contra o abuso do poder estatal”.

A partir desse atual conceito de democracia muitos Estados passaram a incluir


em seus textos constitucionais instrumentos de intervenção popular na atividade estatal. E
foi exatamente isso o que aconteceu no Estado brasileiro.

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A Constituição Federal de 19881 adotou a democracia semidireta, com previsão


expressa da soberania popular, exercida através de iniciativa popular de lei, plebiscito e
referendo, além do sufrágio universal através do voto direto e secreto, deixando claro que
o Estado brasileiro não aceita a idéia de poder estatal ilimitado e sem mecanismos de
controle. Lucia Valle Figueiredo chega a afirmar que
[...] o Estado somente poderá ser democrático se e quando o povo exercer efetivamente o
poder por meio de seus representantes, ou, em algumas circunstâncias diretamente.
Além disso e, efetivamente sobremais disso, mister que direitos fundamentais constem
das cartas políticas e sejam cabalmente respeitados. (FIGUEIREDO, 2007, p. 319)

Por isso mesmo, além dos mecanismos previstos no mencionado artigo 14, que
caracterizam a soberania popular, temos em todo o texto constitucional outras formas de
intervenção do povo na atuação estatal e, mais do que isso, consagradas muitas delas,
como direitos fundamentais. É o caso, por exemplo, do direito à informação, previsto no
artigo 5º, inciso XXXIII2, que assegura a todos, o direito a receber informações
particulares, de interesse geral ou de interesse coletivo, de qualquer órgão público.

Instrumentos de democracia participativa também podem ser verificados, por


exemplo, nas seguintes previsões constitucionais:
Artigo 37, § 3º, CF: A Lei disciplinará as formas de participação do usuário na
administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I – as reclamações
relativas à prestação de serviços públicos em geral [...].
Artigo 206, CF: O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] VI –
gestão democrática do ensino público, na forma da lei. (BRASIL, 2009).

Essa intervenção e esse controle popular sobre a atividade estatal caracterizam a


democracia participativa, que vai além da simples representatividade e busca o
estreitamente das relações entre povo e Estado. Apenas a representação da vontade
popular não é suficiente às atuais necessidades sociais, aos anseios da população e,
inclusive, à própria atuação política do Estado, que a cada dia precisa se tornar mais
transparente e próxima do povo.

Marcos Augusto Perez, ao discorrer sobre o tema, acertadamente explica que:


O que empiricamente se constata é que, hoje, os institutos de democracia representativa
são acompanhados e, em alguns aspectos até mesmo substituídos por instrumentos
participativos ou de democracia semidireta.
A democracia participativa surge, portanto, em face dos problemas enfrentados pela
democracia representativa, para reforçar os controles sobre a atuação estatal.
Como o seu próprio nome, a democracia participativa baseia-se numa abertura do
Estado a uma participação popular maior do que admitida no sistema de democracia
puramente representativa. (PEREZ, 2004, p. 32)

1 Artigo 14 da Constituição Federal de 1988: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e

secreto, com valor igual a todos e, nos ternos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular”.
2 Artigo 5º, inciso XXXIII da Constituição Federal de 1988: ”todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de

seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral [...]”.

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Mariana Mencio (2007, p. 68) considera a democracia participativa como: “O


fenômeno de detenção de uma parcela de poder nas mãos dos indivíduos ou grupos com
o propósito de influir, conter e limitar o exercício do poder estatal [...]”.

Nessa linha de raciocínio é acertado afirmar que para a democracia participativa


acontecer no campo prático é indispensável a participação popular, considerado este
como um princípio norteador para as ações governamentais. (DALLARI, 2009)

Sendo assim, a democracia participativa, incontestavelmente adotada pela


Constituição Federal de 1988, desponta como meio eficaz de atuação estatal oferecendo
instrumentos para que o povo efetivamente possa atuar no cenário político. E,
conseqüentemente, obriga esse mesmo povo que quer cobrar a também agir. Com a
democracia participativa não incumbe ao povo simplesmente exercer o sufrágio ou
participar do processo legislativo - através do plebiscito e do referendo -, mas incumbe
também ao povo a tarefa de atuar na efetivação de direitos.

3. PARTICIPAÇÃO POPULAR NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A participação popular se caracteriza pela existência de instrumentos que permitam a


qualquer pessoa – ou cidadão, em alguns casos – influir, controlar ou fiscalizar a atividade
estatal, especialmente na atividade desenvolvida pela Administração Pública – que, aliás,
é o foco deste estudo – em âmbito federal, distrital, estadual e municipal (MEDAUAR,
2009; PEREZ, 2004).

Weverson Viegas, em artigo sobre a participação popular e a cidadania, afirma


que “a participação popular visa estabelecer parcerias entre Estado e sociedade civil, para
que, juntos, possam atingir o objetivo desejado por todos, que é a melhoria das condições
de vida de toda a população” (VIEGAS, 2002, p. 3).

Para fins desse estudo a participação popular será divida em dois grandes
grupos: o primeiro grupo será nomeado de ‘Instrumentos de Controle e Fiscalização’ e o
segundo grupo será chamado de ‘Instrumentos de Participação’.

No tocante às formas de controle e fiscalização, Maria Sylvia Zanella di Pietro


(2005) explica que:
A finalidade do controle é assegurar que a Administração atue em consonância com os
princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico, como os da legalidade,
moralidade, finalidade pública, publicidade, motivação, impessoalidade; (...)
Embora o controle seja atribuição estatal, o administrado participa dele à medida que
pode e deve provocar o procedimento de controle, não apenas na defesa de deus
interesses individuais, mas também na proteção do interesse coletivo. A Constituição
outorga ao particular determinados instrumentos de ação a serem utilizados com essa

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finalidade. É esse, provavelmente, o mais eficaz meio de controle da Administração


Pública: o controle popular. (DI PIETRO, 2005, p. 636)

Todavia a noção apresentada pela doutrinadora sobre controle popular é


contestada por alguns no tocante à possibilidade de defesa de interesses individuais. Para
muitos juristas, a defesa de interesses individuais não pode ser considerada controle
popular, mas apenas e simplesmente um mecanismo de defesa do particular contra
ilegalidades e abusos do Estado. (MEDAUAR, 2009; MENCIO, 2007; PEREZ, 2004).

Seguindo esse pressuposto de que as formas de controle popular não abrangem


os meios de defesa individuais, fazem parte desse grupo as medidas como o mandado de
segurança coletivo, a ação popular, o direito de petição, as denúncias em órgãos
corregedores e em ouvidorias e, no Estado de São Paulo, existem ainda os instrumentos
previstos pela Lei Estadual nº. 10.177/983, como o pedido de informações e a anulação de
ato administrativo.

Especialmente no tocante aos mecanismos de participação, a característica


fundamental é que permitem ao povo parcela de responsabilidade nas tomadas de
decisões estatais, como acontece nos casos de orçamento participativo, conselhos
deliberativos com representação popular, audiências públicas, entre outras formas
possíveis. Em tempo, cumpre esclarecer que para este trabalho, os conselhos e as
audiências públicas formam o pilar de sustentação de toda a fundamentação apresentada.

Vanderlei Siraque esclareceu com maestria a diferença entre o controle popular


(ou social, na sua terminologia) e a participação popular, ao pontuar que:
O controle social e a participação popular são irmãos siameses. Entretanto, o controle social é
distinto da participação popular. Esta ocorre no momento da tomada de decisões, antes ou
concomitante à elaboração do ato da Administração; é um poder político de elaboração
de normas jurídicas. O controle social pode concretizar-se em dois momentos: 1) análise
jurídica da norma estabelecida pela Administração Pública, como a relação de
compatibilidade com outras normas de hierarquia superior; 2) fiscalização da execução
ou aplicação dessas normas ao caso concreto. (SIROQUE, 2005, p. 112)

E o mesmo autor prossegue afirmando que: “a participação popular é a partilha de


poder político entre as autoridades constituídas e as pessoas estranhas ao ente estatal.”
(SIROQUE, 2005, p.112).

A partir dessa formulação exposta acima, Mariana Mencio conclui que:


[...] é justamente esse o sentido da democracia participativa, já explicado anteriormente,
que obriga o Estado a elaborar o seu Direito de forma negociada com os particulares
(individual ou coletivamente), constituindo, de forma compartilhada, a vontade estatal.
(MENCIO, 2007, p. 73).

3Trata-se da lei de processos administrativos na esfera estadual que permite diversas formas de controle da atuação estatal,
sem a necessidade de ingresso em juízo, sem pagamento de custas e, em muitas das situações previstas naquela lei, sem o
acompanhamento e atuação de advogado. Os procedimentos acontecem na Procuradoria Geral do Estado e têm prazos
curtos para seu trâmite e decisão.

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Importante citar ainda o pensamento de Antonio Carlos Flores de Moraes, que


chega a afirmar o seguinte: “A partir do momento em que opinião pública for o
fundamento da atuação dos governantes, a soberania popular será considerada princípio
básico de governo.” (MORAES, 2007, p. 168). Em que pese a restrição que se faz ao termo
‘opinião pública’, não é possível negar que é indispensável aos governantes municipais
conhecer as reais necessidades do povo antes da tomada das decisões.

Diante de tudo o que foi apresentado, fica claro que a participação popular é
princípio que se coaduna perfeitamente ao conceito e aos objetivos da democracia
participativa, sendo que a utilização desses mecanismos pelos particulares pode conduzir
a resultados sociais extremamente mais vantajosos ao interesse público e adequados à
realidade social.

4. PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO MUNICIPAL

Com o advento do Estatuto da Cidade, a participação popular, já consagrada como


princípio da democracia participativa, passa a ter expressa previsão legal e aplicabilidade
definida especialmente para a esfera dos Municípios, como previsto pelo artigo 2º da Lei
10.257/014. Mais do que isso, a participação popular passa a ser uma das diretrizes
obrigatórias para os Municípios, que devem instituir com eficiência e com eficácia a
participação popular no âmbito municipal. (MUKAI, 2008).

Para Weverson Viegas:


O campo mais propício para a efetiva participação popular é a gestão municipal.
Todavia poucos são os municípios que desenvolvem a participação no sentido da
radicalidade democrática, exercida concretamente através da participação popular na
administração pública.
A participação popular é um importante instrumento para o aprofundamento da
democracia que, a partir da descentralização, faz com que haja maior dinâmica na
participação, principalmente no âmbito local. (VIEGAS, 2002, p. 2, grifo meu).

Mariana Mencio coloca que: “o povo recebe a incumbência nesse processo de


repartir, partilhar, colaborar na atuação do administrador no exercício da função
administrativa” (MENCIO, 2007, p. 91). Em outras palavras, o Administrador Municipal,
para atuar democraticamente na gestão da cidade, precisará conhecer melhor a vontade
popular e a população precisará expressar suas necessidades.

Na verdade, importante que se frise, essa mudança de paradigma na atuação dos


governos municipais, exigindo esforços tanto do poder público quando da população

4 Art. 2º: “A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da

propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I-(...); II – gestão democrática por meio da participação da
população e de associações representativas dos vários seguimentos da comunidade na formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;(...)”

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para compreender e atuar sob um modelo de gestão democrática, apesar de ser lógica e
vir de encontro com a democracia participativa, pode ser lenta e bastante dolorosa, pois
tanto agentes políticos quanto população precisam ainda aprender a trabalhar em
conjunto e a unir esforços para o atingimento de finalidades públicas. A gestão
democrática das cidades é decorrência natural da própria Constituição Federal, que
privilegia a participação popular, mas mesmo assim encontra grandes entraves práticos
em sua aplicabilidade.

4.1. Audiência pública

Nas palavras de Mariana Mencio, audiência pública é


[...] um evento, mais precisamente uma sessão de discussão, aberta ao povo, promovida
pelo Poder Público, na qual os cidadãos exercerão o direito de manifestar suas opiniões
sobre certos planos e projetos de lei e a Administração Pública ou Poder Legislativo,
informarão e esclarecerão dúvidas sobre esses projetos para a população interessada,
que será atingida por determinada decisão administrativa ou edição de lei. (MENCIO,
2007, p. 113).

Em outras palavras, a audiência pública é um útil instrumento de informação,


esclarecimento e participação dos membros da sociedade local no contexto político.

A audiência pública, expressamente prevista no Estatuto da Cidade5, já faz parte


da realidade brasileira desde 1987 – portanto, antes da atual Constituição Federal – no
momento em que a Resolução número 09 do CONAMA a tornou condição obrigatória
para a aprovação do relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA), conforme explica
Viegas (2002, p. 4) e atualmente se releva um forte instrumento de gestão municipal, que
vem ganhando notoriedade e aplicabilidade em diversos municípios. No Estado de São
Paulo, acontecem audiências públicas, por exemplo, nos municípios de Campinas, Jundiaí
e na própria capital, São Paulo.

Normalmente a audiência pública é utilizada pelos poderes legislativos, em


oportunidade que antecede à votação de determinado projeto de lei. Apesar disso, a
audiência pública pode ser incorporada na gestão municipal também na atuação do poder
Executivo local, que pode consultar, instruir e ouvir, a comunidade municipal.

Relativamente ao seu exercício, Mariana Mencio entende que a audiência pública


”deve ser realizada toda vez que for necessário emitir normas jurídicas administrativas e
legislativas, aprovar projetos de grande importância ou impacto sobre o meio ambiente o
a comunidade ou ainda controlar serviços privatizados” (MENCIO, 2007, p. 116-117).

5 Lei nº. 10.257/01.

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Trata-se de excelente instrumento, que traz ganhos aos dois lados da sociedade:
administração pública e população, no momento em que possibilita a tomada de decisões
políticas com real conhecimento das necessidades sócias. A troca de informações
possibilitada pela audiência pública, aproximando administrados e administração
pública, revela a transparência da gestão pública e permite uma tomada de decisões mais
consciente, próxima da realidade social e condizente com os interesses públicos
(MENCIO, 2007).

Em que pese ainda não existir legislação específica disciplinando os


procedimentos para a realização da audiência pública, muitos municípios já começam a
adotar essa forma de participação popular em suas gestões, inclusive com previsões em
legislações municipais, além de constarem dos planos diretores.

4.2. Conselhos deliberativos

Inicialmente cumpre esclarecer que os conselhos são caracteristicamente órgãos


colegiados, que atuam na tomada de decisões da administração pública, especialmente
ligados ao Executivo, criados pelo Estado para o exercício de suas funções públicas, mas
que nem sempre guardam em sua composição membros representantes da sociedade, o
que é perfeitamente possível do ponto de vista legal, como bem explicado por Vanderlei
Siraque (SIRAQUE, 2005).

Entretanto, interessa a este estudo os conselhos nomeados de ‘deliberativos’ ou


‘de políticas públicas6’ (PEREZ, 2004; SIRAQUE, 2005), já que nesses conselhos,
especialmente, se identifica a participação popular e a obrigatoriedade de acatamento das
decisões pela autoridade pública. Existem conselhos meramente consultivos e cujas
decisões não vinculam a autoridade. Contudo a forma de conselho deliberativo e com
representação da sociedade é o que importa a este artigo.

Os conselhos deliberativos podem ser conceituados, nas palavras de Marcos


Augusto Perez como “órgãos colegiados, criados por lei mediante autorização legal, que
contam, necessariamente, com a participação de representantes da Administração e da
sociedade, com a missão de tomar decisões em assuntos cuja competência tenha sido
estendida” (PEREZ, 2004, p. 142).

6 Para Vanderlei Siraque os conselhos de políticas públicas podem também existir na modalidade meramente consultiva.

Mas aqui não será estudada essa modalidade, porquanto não guarda qualquer relação como tema proposto.

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Acerca dessa modalidade de conselhos, que abrange a participação popular,


cumpre transcrever aqui as considerações de Vanderlei Siraque:
Os conselhos de políticas públicas têm as seguintes características:
a) Criação por iniciativa do Estado.
b) Sua composição deve ser integrada por representantes do Poder Público e da
sociedade.
c) Sua finalidade principal é servir de instrumento para garantir a participação popular,
o controle social e a gestão democrática das políticas e dos serviços públicos, envolvendo
o planejamento e o acompanhamento da execução dessas políticas e serviços públicos.
(...) (SIRAQUE, 2005, p. 123).

Existem no Direito brasileiro, diversos Conselhos que abarcam a participação


popular e têm função deliberativa já em pleno funcionamento, como é o caso do Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher, o Conselho Nacional da Educação, o Conselho Nacional de Assistência Social
dentre outros. (PEREZ, 2004).

No tocante a implementação de conselhos municipais, o Ministério das Cidades,


orientação oficial publicada em seu site deixa clara a necessidade de participação popular
nos conselhos ao dizer que:
[...] os conselhos estaduais e municipais das cidades devem garantir a proporcionalidade
de 60% dos membros da sociedade civil e 40% do Poder Público, entretanto, tal
deliberação não se trata de uma imposição. Os segmentos devem seguir, se possível, os
mesmos componentes do Conselho em âmbito nacional (quais sejam: poder público,
entidades de movimentos populares, empresariais, de trabalhadores, entidades
profissionais, acadêmicas e de pesquisa e organizações não-governamentais), sendo que
a eleição das entidades integrantes de cada segmento ocorrerá de acordo com aquelas
existentes no município (CIDADES, 2009, p.1)

Vanderlei Siraque destaca ainda outra importância dos conselhos de políticas


públicas: a formação da cidadania e explica sua afirmação da seguinte maneira:
Os representantes da sociedade nos conselhos de políticas públicas raramente são técnicos e
não poderia ser diferente, uma vez que o objetivo dos conselhos é mesclar o saber
técnico com o saber popular, com os sentimentos da população, mas nada impede que os
conselheiros representantes da sociedade utilizem assistência técnica para melhor
exercerem suas funções.
O interessante é o caráter pedagógico desses conselhos na formação da cidadania, na
politização do povo, no aprendizado popular e na transformação do modo de ver dos
técnicos, até porque não existe técnica nem ciência desprovidas de ideologia política.
(SIRAQUE, 2005, p.127).

Por todo o exposto, evidentemente os conselhos representam uma grande


contribuição para a participação popular, tendo em vista que a população participará da
tomada de decisões políticas através daqueles representantes de seus interesses que fazem
parte dos conselhos.

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5. POLÍTICAS PÚBLICAS

No entender de Maria Paula Dallari Bucci, “as políticas públicas são instrumentos de ação
dos governos – government by policies que desenvolve e aprimora o government by Law.”
(BUCCI, 2006, p. 254).

Também é possível dizer que políticas públicas são mecanismos de efetivação de


direitos, pelos governantes, que o fazem na busca de melhor atender ao interesse público
ou no enfrentamento de um problema social. Toda política pública é constituídas por um
conjunto de ações e decisões que convergem para um único fim específico. Por exemplo:
uma política pública de melhoria do ensino fundamental municipal deverá abranger
ações e decisões para esse fim específico. As políticas públicas sempre terão essa
conotação de especialidade e, por isso mesmo, exigem planejamento estratégico,
seriedade em sua implementação e, acima de tudo, o maior conhecimento possível das
necessidades a serem supridas. Podem ainda, as políticas públicas abrangerem mais de
um segmento da sociedade na execução das suas atividades, como é o caso de uma
política municipal de segurança pública que conte com a participação e colaboração da
polícia civil, de associações de bairro, do conselho de infância e juventude e de secretarias
municipais envolvidas no planejamento da política pública.

Enfim, sempre que o poder executivo buscar um plano de atuação estruturado


em etapas, que inclui tomada de decisões políticas, com adequada percepção de
necessidades, voltado ao atendimento de interesse público, a satisfação de direitos ou a
solução de problemas sociais estamos diante de uma política pública. Ou ainda, como
caracteriza Bucci, “as políticas públicas devem ser vistas como processo ou conjunto de
processos que culmina na escolha racional e coletiva de prioridades, para a definição de
interesses públicos reconhecidos pelo direito” (BUCCI, 2006, p. 264).

No texto ‘Política Urbana com Efetiva Participação Popular’ desenvolvido pelo


Ministério das Cidades, resta muito bem explicada a importância da participação popular
na implementação de políticas públicas:
A participação da sociedade na formulação das políticas públicas rompe com uma
cultura de políticas fragmentadas, desarticuladas e excludentes que produziram cidades
desumanas, com famílias sem moradia; moradias sem endereço, saneamento e
segurança; comunidades desprovidas de serviços públicos e pessoas desprovidas de
cidadania. A base para a construção de uma política urbana, em parceria com a
sociedade, está no reconhecimento do atual governo de que a participação na elaboração
e execução das políticas é um direito dos cidadãos e de que o caminho para o
enfrentamento dos problemas está diretamente vinculado à articulação e à integração de
esforços e recursos nos três níveis de governo e com a população organizada.
(MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2006, p.11)

Relativamente à eficácia das políticas públicas é importante que se diga que nem
sempre os resultados atingidos são aqueles pretendidos, demonstrando assim, uma falha

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no planejamento e nas decisões tomadas ao longo do processo de elaboração e


implementação de determinada política pública. Por essa razão, quanto mais próxima da
realidade forem cada uma das decisões tomadas em um processo de política pública,
maior será a chance de resultado positivo. Verificação de prioridades e escolha dos meios
corretos para atingimento dessas prioridades fazem parte de uma escolha adequada e
consciente, essencial para a qualidade da política pública a ser implementada. (BUCCI,
2006).

As políticas públicas constituem, dessa maneira, a principal ferramenta de


atuação governamental no cumprimento de direitos e na solução de problemas sócias.
Todavia para o sucesso de uma política pública não bastam técnicos excelentes em
planejamento, pessoas envolvidas com o orçamento público e projetos arrojados e
inovadores. Para o sucesso de uma política pública é determinante o conhecimento da
realidade social e das prioridades de interesse público da sociedade.

6. CONCLUSÃO

De tal sorte que, depois de tudo o que foi exposto, a conclusão única que se chega é no
sentido de que para o melhor atingimento das finalidades públicas, indispensável a
participação popular na elaboração, formulação e acompanhamento de execução das
políticas públicas.

Nessa seara a participação popular se mostra de suma importância para o melhor


atingimento das finalidades públicas pelos governantes. Conhecer as necessidades,
expectativas e carências sociais será sempre a melhor forma de sustentar a tomada de uma
decisão política. Por meio das formas de participação popular acima expostas, quais
sejam, as audiências públicas e os conselhos de políticas públicas, as decisões políticas
ganham fundamento na realidade social e no verdadeiro interesse público. A gestão
democrática das cidades, com utilização constante dos mecanismos de participação
popular certamente conduzirá à políticas públicas mais eficazes. As audiências públicas e
os conselhos exercem, nesse tocante, relevante papel, como força útil no conhecimento da
realidade e na identificação das prioridades de interesse público.

Assim, não é demais afirmar e concluir que o resultado eficaz das políticas
públicas está diretamente relacionado com o grau de participação popular adotada na
gestão municipal. Quanto mais instrumentos de gestão democrática das cidades forem
utilizados, quanto maior for o campo de ação dos particulares na tomada de decisões

Revista de Direito • Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 • p. 59-71


Lara Vanessa Millon 71

políticas, mais chance existe dessas decisões serem adequadas e eficazes aos interesses
públicos reais e às verdadeiras necessidades sociais.

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