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RESUMO
De acordo com o economista e filósofo indiano Amartya Sen, as liberdades humanas são, ao
mesmo tempo, meios e fins para o desenvolvimento das nações. Uma das liberdades mais
importantes nesse sentido é a da participação popular na ação governamental, o que melhora
da efetividade dos programas e projetos públicos. Oferecendo uma nova perspectiva para a
literatura existente, e baseando-se na abordagem do desenvolvimento como liberdade, este
artigo apresenta um modelo teórico de governança pública, que poderá ser aplicado numa
política de redução da corrupção. Este modelo demonstra que a inserção da disciplina Ética e
Cidadania nas escolas e campanhas de conscientização , aliado ao compartilhamento de
conhecimentos e soluções com a sociedade tem potencial de mudar a cultura ética da nação. O
estudo conclui que, para combater a corrupção, é necessário passar do olhar jurídico para o
foco na mudança da cultura ética, começando pelo exemplo do governo.
RESUMEN
Según el economista y filósofo indio Amartya Sen, las libertades humanas son medios y fines
para el desarrollo de las naciones. Una de las libertades más importantes en este sentido es la
de la participación popular en la acción gubernamental, que mejora la eficacia de los
programas y proyectos públicos. Ofreciendo una nueva perspectiva para la literatura existente,
y basado en el enfoque del desarrollo como libertad, este artículo presenta un modelo teórico
de gobernanza pública, que se puede aplicar en una política de reducción de la corrupción.
Este modelo demuestra que la inserción de la disciplina ética y ciudadanía en las escuelas y
las campañas de concienciación, junto con el intercambio de conocimientos y soluciones con
la sociedad tiene el potencial de cambiar la cultura ética de la nación. El estudio concluye que,
para combatir la corrupción, es necesario pasar de la visión jurídica al enfoque en el cambio
de la cultura ética, empezando por el ejemplo del gobierno.
ABSTRACT
According to Indian economist and philosopher Amartya Sen, human freedoms are both
means and ends for the development of nations. One of the most important freedoms in this
sense is that of popular participation in government action, which improves the effectiveness
of public programs and projects. Offering a new perspective for existing literature, and based
on the approach to development as freedom, this article presents a theoretical model of public
governance, which can be applied in a policy of reducing corruption. This model
demonstrates that the insertion of the discipline Ethics and Citizenship in schools and
awareness campaigns, together with the sharing of knowledge and solutions with society has
the potential to change the ethical culture of the nation. The study concludes that, in order to
combat corruption, it is necessary to move from the legal view to the focus on the change of
ethical culture, starting with the example of the government.
INTRODUÇÃO
Este texto tem por objetivo apresentar um modelo teórico para elucidar as relações entre a
participação popular nas decisões governamentais, o controle social e o combate à corrupção.
Pretende-se que esse modelo, aqui apelidado de Modelo de Participação Popular e Controle
Social para a Redução da Corrupção (PCRC), sirva de ponto de partida para outros trabalhos,
de caráter aplicado e empírico, que desenhem políticas públicas para a prevenção e o combate
à corrupção no Brasil.
O framework teórico geral é dado pela abordagem do desenvolvimento como
liberdade, defendida pelo economista e filósofo indiano Amartya Sen. De acordo com ele, as
liberdades humanas são, ao mesmo tempo, meios e fins para o desenvolvimento das nações.
Uma das liberdades mais importantes nesse sentido é a da participação popular na ação
governamental, o que pode ser um instrumento de combate à corrupção e melhora da
efetividade dos programas e projetos públicos. A ideia geral é que as liberdades democráticas,
que incluem os arranjos institucionais de participação popular e transparência nos assuntos do
governo, funcionam como um mecanismo de incentivo para os governos combaterem a
corrupção, ao mesmo tempo que compartilha essa responsabilidade com a sociedade civil.
Ademais, a abordagem de Sen também provê elementos teóricos para se pensar o papel da
participação popular nos processos de reforma institucional e desenvolvimento. Todos esses
elementos são incorporados ao modelo PCRC.
Este artigo estrutura-se como segue. Além desta introdução e das conclusões, a seção 1
discute as relações teóricas entre o desenvolvimento como liberdade, educação e cidadania. A
seção 2 introduz a questão do combate à corrupção e a sua relação com o amadurecimento
democrático da sociedade, chegando à conclusão de que a efetividade daquele combate se
dará inter alia pelo provimento de capacitações ao povo – sobretudo educação – e pela
erradicação (ou manutenção em níveis mínimos) da corrupção dentro da máquina pública. A
seção 3 adentra ao tema da reforma da administração pública e da governança, defendendo o
modelo do Novo Serviço Público (NSP), Finalmente, a seção 4 expõe o modelo PCRC,
combinando os diversos elementos teóricos colhidos ao longo das seções anteriores.
analisar o caso latino-americano, mesmo quando soluções provisórias são encontradas para os
problemas econômicos, políticos e sociais, por meio de certas reformas institucionais (por
exemplo, as reformas da era Vargas no Brasil e as do regime pós-1964), essas soluções
“alimentam-se mais do mimetismo ideológico do que de autêntica criatividade política”
(Furtado, 2008, p. 122).
Portanto o desenvolvimento da cidadania no Brasil é mais uma questão de prática do
que de teoria; mais de arte do que de ciência. Acima de tudo, trata-se de um longo processo
histórico de empoderamento das massas, para o qual contribuem tanto as capacidades
“senianas” dos indivíduos – com destaque para suas liberdades instrumentais (econômicas,
sociais, políticas, transparência e seguridade) –, quanto os arranjos institucionais que
canalizam a vontade popular para a ação do poder público.
Este artigo defende que o desenvolvimento da cidadania, como um processo de
amadurecimento democrático popular coetâneo ao desenvolvimento das capacitações do povo
e à consolidação de mecanismos institucionais efetivos de governança, é uma condição
necessária mas não suficiente ao combate efetivo à corrupção endêmica que assola o país.
Antes, porém, de apresentar o modelo que procura estabelecer essas relações, é preciso passar
em revista à literatura sobre o assunto. Isto será feito na seção a seguir.
Persson, Rothstein e Teorell (2013) definem a corrupção como algo semelhante ao abuso de
cargo público para ganhos privados. A corrupção ocorre quando há um desvio dos deveres
formais de uma função ou emprego público com o propósito ou intenção de adquirir um
benefício privado (Nye, 1967).
A corrupção pode ser mais favorecida em países com graves deficiências institucionais
e indicadores pobres de governança porque fornece uma margem de manobra para permitir
passar por controles ineficientes (Leff, 1964; Huntington, 1968; Acemoglu e Verdier, 1998).
Por esse motivo é que a corrupção é mais prevalente onde estão presentes certas formas
institucionais como uma burocracia ineficiente e sistemas jurídicos e judiciais fracos (Hung
Mo, 2001).
Weyland (1998) e Geddes e Ribeiro (1992) sugerem que o nível de corrupção nos
países latino-americanos cresceu, apesar da tendência de aumento da democratização nas
últimas décadas. Nesta mesma linha, Davis et al. (2016) relatam que um exemplo de
incentivos gerados pela democratização é o aumento da utilização de política baseada na
mídia, que amplia os custos de campanha e relações públicas, gerando pressões para levantar
o dinheiro legal ou ilegalmente.
Klitgaard (1988) destaca que a corrupção é provável de ocorrer quando há um alto
grau de poder de monopólio com discrição e sem transparência. A junção da ineficiência
governamental com monopólio do conhecimento e do poder gera uma crise de governança
que, se não tratada, resulta em crise de governabilidade.
A amplitude do fenômeno da corrupção facilita a sua banalização na sociedade até um
ponto em que é considerada onipresente e, então, a população já não tem mais esperança de
ver os corruptos afastados de seus cargos e até mesmo presos. Além disso, a corrupção
regularmente é tanto mais difícil de explicar e tratar quanto mais estendida é. Com o tempo, a
corrupção costuma institucionalizar-se e configurar um fenômeno de tipo sistêmico que
requer uma compreensão em sua própria lógica relacional (Gault, Galicia & Lepore, 2015).
Por exemplo, Paul Collier (2000), Alina Mungiu-Pippidi (2006) e Rasma Karklins (2005)
argumentam que os riscos de falhas envolvidos nos esforços de combate à corrupção invocam
uma sensação de cinismo entre a população, fortalecendo ainda mais um sentimento coletivo
de se estar preso em uma espécie de armadilha da corrupção.
Rothstein e Uslaner (2005) ressaltam que a falha no combate a corrupção é devida à
má definição do problema. Segundo eles, em um contexto em que a corrupção é um
comportamento esperado, dispositivos e sistemas de controle e punição são em grande parte
ineficazes, uma vez que não haverá ninguém com incentivo real para denunciar os corruptos.
Os atores da parte superior do sistema agem segundo as expectativas racionais em relação às
ações de seus cúmplices. Esse diagnóstico converge com o de Bardhan (2005), segundo o
qual a corrupção é um fenômeno que quanto maior a sua frequência, há menos incentivos para
os outros agirem honestamente.
Gault, Galicia e Lepore (2015) afirmam que é necessário superar o olhar jurídico-policial e
levar as medidas anticorrupção da abordagem jurídica, de caráter individual e que geram uma
demanda e expectativa de punição quase imediata, para a transformação das instituições,
valores e cultura no longo prazo.
O’Donnell (2002) sustenta que as novas democracias latino-americanas são
caracterizadas pela não punição das ações presidenciais ilícitas. É uma espécie de democracia
delegada com um déficit de accountability horizontal (equilíbrios e controles mútuos entre
agências estatais).
Gault, Galicia e Lepore (2015) mostram que o sucesso nas medidas anticorrupção em
Cingapura, Hong Kong e, recentemente, na Indonésia foi causado pela prevalência que o
governo dá à ideia de interesse público. O foco no interesse público aumenta a accountability
vertical (controle da ação governamental pela sociedade) a qual impacta diretamente a
accountability horizontal.
Villoria, Van Ryzin e Lavena (2013) alertam para o fato de que a ênfase excessiva no
papel dos magistrados, na luta contra a corrupção, pode ter consequências inesperadas, como
o caso italiano mostra1. De acordo com Vanucci (2009) o caso italiano é um pessimismo
profundamente enraizado no que diz respeito à integridade das elites políticas e econômicas e
reforço da tolerância generalizada de práticas ilegais.
Segundo a OCDE (2010), os países com corrupção generalizada e que têm
implementado mecanismos de controle continuam a sofrer desse mal, juntamente com o
encarecimento relativo da máquina pública.
A literatura apresenta diversos efeitos da corrupção. Alguns pesquisadores
encontraram uma relação significativa entre os sentimentos dos servidores públicos sobre
política e ética interna e sua satisfação com o trabalho (Ferris & Kacmar 1992; Kacmar et al.,
1999; Witt, Andrews & Kacmar 2000). Outros encontram uma relação positiva entre a
confiança no governo e a satisfação do público com os serviços que recebem (Van de Walle &
Bouckaert, 2003; Van Ryzin et al., 2004; Vigoda-Gadot & Yuval, 2003; Welch, 2005).
Honlonkou (2003) descobriu que as economias dos países menos corruptos são as
menos inflacionárias. Em países onde o nível de educação é alto, corruptos tendem a se
1
Por conta de sua luta contra a máfia, o juiz Giovanni Falcone foi assassinado em maio de 1992.
DE ANGELIS, C. T., PINHEIRO, M. S. 131
v19 n15 - julho, 2023
RAU Revista de Administração Unimep ISSN 1679-5350
beneficiar menos da ignorância à procura de subornos. Seus estudos também mostram que a
redução da corrupção está associada a um melhor desenvolvimento global que se reflete em
um maior IDH (Honlonkou, 2003).
A corrupção também reduz a eficácia e eficiência dos serviços públicos (Rose-
Ackerman, 1999), inflaciona os custos de transação (Lambsdorff 2002, Wei 1997), gera
incentivos distorcidos (Ades e Di Tella 1997), e enfraquece o Estado de Direito (Tanzi, 1998).
Villoria, Van Ryzin e Lavena (2012) destacam que a corrupção também é motivo de
preocupação devido as suas amplas consequências sociais e políticas, especialmente na
medida em que ela pode levar os cidadãos a desconfiar de instituições governamentais, a
desconfiar uns dos outros e ser menos dispostos a seguir as regras e obedecer às leis.
Diante de tantos efeitos negativos, qual seria a melhor estratégia para combater a
corrupção?
Persson, Rothstein e Teorell (2013) mostram que as experiências de transições bem-sucedidas
de sistemas corruptos para menos corruptos, como os casos da Suécia, da Dinamarca, dos
Estados Unidos e, mais recentemente, Hong Kong e Cingapura mostram que um grande
empurrão político, econômico e das instituições sociais é realmente necessário. Sem qualquer
interesse político real, como no caso da maioria dos países com a corrupção desenfreada, as
reformas anticorrupção estão fadadas ao fracasso.
Para Persson, Rothstein e Teorell (2013) a solução mais efetiva para controlar a
corrupção é a mudança radical nas agências de accountability (maior poder, autonomia,
legitimidade, coordenação e amplitude) e nos mecanismos de controle social (participação
popular nas políticas públicas e controle das ações governamentais).
A partir desta revisão de literatura podemos concluir que: i) no combate à corrupção,
devemos passar do foco jurídico-policial para a educação da população com foco na ética ii) o
desenvolvimento de capacitações à população brasileira– sobretudo no campo educacional,
mas não somente – visa, entre outras coisas, a um exercício cada vez mais elevado da razão
pública, consistindo na discussão aberta, livre e em profundidade dos problemas nacionais e
suas possíveis soluções; o amadurecimento democrático e o fortalecimento da cidadania
andam de mãos dadas com as capacitações individuais e coletivas; iii) é importante um
“empurrão inicial” do governo, combatendo efetivamente a corrupção dentro da máquina
públicas. Para os mais pobres, o Estado é visto como grande pai protetor. Para as elites, ou o
Estado é o responsável por tudo ou é o canal para se garantir alcance dos interesses dos
diferentes grupos organizados (Almeida, 2007).
A Governança Compartilhada muda a situação atual de dependência da comunidade
com relação ao poder público para uma situação ideal de co-responsabilidade e cidadania no
desenvolvimento de ações para a melhoria das condições de vida da comunidade e de maior
efetividade das políticas públicas. Modesto (2002) destaca que a governança compartilhada é,
sobretudo, uma questão política, relacionada ao grau de desenvolvimento e efetivação da
democracia.
Para Paes de Paula (2007), quando analisamos a estrutura do aparelho do Estado pós-
Reforma Gerencial, constatamos uma clara concentração do poder no núcleo estratégico. O
governo optou pela centralização das decisões e tornou as câmaras setoriais um monopólio
das equipes ministeriais. Diniz (2000) corrobora com essa afirmativa e a relaciona com o
modelo gerencial, ao afirmar que o desenho institucional trazido pela doutrina da Nova
Gestão Pública (NGP) aumentou o isolamento dos decisores, estimulando práticas
personalistas e voluntaristas. Por sua vez, Paes de Paula (2007) ressalta que o modelo
gerencial é participativo apenas do discurso, mas centralizador no que se refere ao processo
decisório, organização das instituições políticas e construção de canais de participação
popular.
Pereira (1997), o próprio mentor e coordenador da reforma gerencial, admite que as
organizações sociais são excluídas dos poderes de decisão, ao afirmar que o papel das
chamadas “organizações sociais” para designar a forma de participação da sociedade civil nas
políticas públicas, instituída pela Constituição de 1988, se reduz à função e é claramente
excluído dos poderes de decisão, reservados ao chamado núcleo estratégico do Estado.
Ao contrário da retórica do modelo gerencial (Pereira, 1995), no modelo do Novo
Serviço Público (NSP) (Denhardt & Denhard, 2003), os cidadãos são chamados de parceiros
ou stakeholders (atores interessados), com os quais a esfera pública constrói modelos
horizontais de relacionamento e de coordenação.
Algumas funções públicas foram organizadas segundo critérios estabelecidos pela
burocracia e aperfeiçoados pelo modelo gerencial ao criar as carreiras de Estado. Foi criada a
carreira dos gestores públicos (Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental) –
uma carreira de altos administradores públicos, que obviamente fazia falta no Brasil, mas que
recebeu uma orientação rigorosamente burocrática, voltada para a crítica do passado
patrimonialista, ao invés de voltar-se para o futuro e para a modernidade de um mundo em
rápida mudança, que se globaliza e se torna mais competitivo a cada dia (Pereira, 2001).
Para os mentores do NSP, Denhardt e Denhardt (2003; 2007), valores como a
eficiência e a produtividade não devem ser perdidos, mas devem ser colocados no contexto
mais amplo da democracia, da comunidade e do interesse público.
O interesse público é melhor alcançado por servidores públicos e cidadãos
comprometidos em fazer contribuições significativas para a sociedade, e não por gestores que
atuam como se o dinheiro público fosse seu. Estes gestores deveriam compartilhar a
autoridade e reduzir o controle, atuando como líderes transformacionais em vez de chefes ou
gerentes.
Nós precisamos de um renovado sentido de comunidade e o governo pode
desempenhar um papel importante e fundamental nisso, facilitando e apoiando as conexões
entre os cidadãos e as suas comunidades e destas com o governo. Por isso, torna-se o eixo
pragmático da reforma administrativa a construção de instituições formais ou informais que
induzam os agentes a comportamentos cooperativos.
Primeiro porque deve ser um ambiente democrático e participativo onde os conflitos
éticos e problemas político-sociais da comunidade são desvelados, analisados e debatidos com
a intenção de transformação da realidade.
Esse ambiente é criado a partir da prática de gestão de conhecimento conhecida
como “Comunidades de prática – CdPs. Contudo, a discussão deve ser mediada por uma
prática de Inteligência Organizacional “Análise por experts” a fim de não causar
entendimento incompleto da situação ou uma avalanche de informações.
Oliveira e Villardi (2014) explicam que para estimular a formação de CdPs, há de
se considerar, conforme alerta Gherardi (2003), que as pessoas, as suas emoções e os
desejos influenciam diretamente as interações sociais e a maneira como percebem a si
mesmas e os grupos de trabalho. As pessoas, de acordo com a autora, são também
motivadas pela busca do conhecimento como um fim em si mesmo. Entretanto, Moura
(2009) aponta que as CdP raramente foram estudadas numa perspectiva crítica, embora
Lave e Wenger (1991) reconheçam a dimensão de poder envolvida nas CdPs, e Wenger
(2000) tenha recomendado não entender as CdP com visão romântica, pois “Elas são o
berço do espírito humano, mas também podem ser suas prisões” (Wenger, 2000, p. 230).
Ao se engajarem em contextos de aprendizagem, as pessoas dialogam, negociam
significados baseados em suas experiências profissionais e cotidianas, dinamizam seus
processos individuais de reflexão e contribuem com a reflexão dos demais. Assim, a
reflexividade, a aprendizagem e a competência social do grupo são coletivamente
ampliadas, podendo constituir-se em comunidades de prática (CdP) nas organizações
(Souza-Silva & Davel, 2007).
Três elementos caracterizam uma CdP: domínio, comunidade e prática: (a)
Domínio, uma CdP apresenta uma identidade definida por um conjunto compartilhado de
interesses, membros comprometidos que detêm uma competência compartilhada,
aprendem uns com os outros, se destacam e são valorizados por essa competência coletiva,
não são apenas um clube de amigos; (b) Comunidade, participar de uma Cdp envolve
participar e discutir de atividades conjuntas, ajuda recíproca e compartilhar informações
entre os membros devido a seu interesse no domínio que eles detêm. Para mantê-lo, nas
CdPs se constroem relacionamentos que lhes permitem aprender entre si, mesmo que não
trabalhem juntos diariamente; (c) Prática é característica de uma CdP porque nela seus
membros são praticantes e compartilham experiências, histórias, ferramentas, maneiras de
resolver problemas, ou seja, realizam uma prática compartilhada (Wenger, 2006).
A entrada de membros novos na comunidade se faz pelo seu engajamento
progressivo, envolvendo-se nas práticas coletivas pela sua ‘participação periférica
legitimada’ (PPL) que perpetua uma CdP pela qual os novatos aprendem e se socializam
até serem gradualmente reconhecidos como membros dessa comunidade (Gherardi et al.,
1998).
A adesão ao ambiente informal de interação social e o engajamento coletivo das
CdP são importantes para construir, transmitir conhecimento e promover uma
aprendizagem em grupo situada (ancorada) na prática (Gherardi et al., 1998).
Sugere-se que seja criada uma Comunidade de Prática para discutir as melhores
práticas nos temas de Ética e Cidadania e que seja nomeado um expert nesses assuntos
para entregar as propostas ao tomador de decisão.
Quadro
Segundo Andion (2012), as correntes que emergiram nas últimas décadas, como a
pluralista e a do NSP, vêm lançar novas bases de compreensão da administração pública e
reconfigurar a sua identidade enquanto campo científico, a partir do diálogo com outras
disciplinas das ciências sociais, como a ciência política, a sociologia política, a geografia e a
antropologia. Fazendo isso, elas trazem à tona novos pressupostos epistemológicos, teóricos e
metodológicos para o campo, promovendo o seu enriquecimento. Torna-se possível, assim,
pensar outros caminhos metateóricos promissores para além do funcionalismo (Vieira e
Caldas, 2006).
Tratando de questões mais práticas, o novo modelo disponibiliza plataformas
organizacionais para facilitar o alcance de objetivos públicos, tais como o envolvimento de
cidadãos na construção de políticas, fazendo uso de mecanismos de democracia deliberativa e
de redes de políticas públicas.
O modelo NSP por si só não resolve o problema de captação e de aplicação do
conhecimento coletivo. É preciso um plano integrado de práticas de Gestão do Conhecimento
– GC (organizam, transferem e criam conhecimento) com práticas de Inteligência
Organizacional - IO (analisam, interpretam e aplicam conhecimento).
Não obstante, as pessoas só irão realmente utilizar essas práticas após um processo de
humanização no setor público. Tal processo busca transformar servidores públicos alienados e
egoístas em pessoas capazes de pensar e de agir como um ser humano em um contexto global,
e não simplesmente como pertencente a um seleto grupo de dependentes da máquina pública
burocrática.
A autonomia, o domínio e o propósito, elementos que não são parte da cultura da
administração pública brasileira, são os que realmente motivam as pessoas, ao
proporcionarem significado em servir a população brasileira. O significado no trabalho é a
chave para o alinhamento entre as competências e os objetivos individuais com as
competências e os objetivos organizacionais.
A humanização é parte fundamental tanto do amadurecimento democrático que o
Brasil está passando neste momento. Esse amadurecimento pode ser acelerado a partir das
seguintes iniciativas:
suposições dos atores públicos, em especial, quando somado ao aprendizado com outros
países e culturas.
Aprofundemos mais a relação entre participação popular democrática e controle
social. Novamente, servimo-nos da abordagem do desenvolvimento como liberdade (Sen,
2000, p. 31-32). Essa abordagem enfatiza o papel indispensável da participação popular (livre,
racional e inclusiva) na escolha dos objetivos e processos do desenvolvimento de uma nação,
bem como na formação dos valores sociais. Isso é importante porque, principalmente no
mundo globalizado de hoje, o desenvolvimento econômico de uma comunidade pode se
chocar com suas tradições culturais e valores, inclusive com suas crenças religiosas e
costumes políticos. Em uma situação dessas, o povo deve ter o direito de escolher o que fazer
com suas tradições culturais, por meio de uma decisão coletiva, livre e racional. Um processo
de decisão em que todos os envolvidos tenham a mesma chance de participar, em igualdade
de condições, resultará ipso facto em uma decisão legítima do grupo envolvido no processo.
Para Sen (2000, p. 243-244), não se deve subestimar a extensão, a profundidade e o
caráter multifacetado das inter-relações culturais que se estabelecem, desde longa data, entre
os povos da Terra. De fato, é um mito supor que existam culturas autossuficientes, plenamente
autônomas e que, por isso, devam ser preservadas “puras”. Não se trata de negar a existência e
a importância das culturas nacionais, regionais ou locais, tampouco de negar que dominação
cultural possa ter aspectos nocivos às culturas “dominadas”. Trata-se de reconhecer a
importância das referidas influências interculturais, e isso como o resultado de uma
capacidade humana de gozar produtos culturais de diferentes povos, lugares e períodos.
Consequentemente, as pessoas de diferentes culturas têm a capacidade de compartilhar certos
valores e crenças. Segundo Sen, um desses valores é o da liberdade.
O princípio do respeito à liberdade humana, que rege o direito de livre escolha de um
povo em relação a suas tradições culturais, tem ao menos duas implicações importantes. Em
primeiro lugar, o apelo à tradição não justifica a supressão geral da liberdade de expressão,
tampouco a supressão dos direitos políticos e civis da população. Em segundo lugar, a
liberdade de participação nas decisões coletivas deve ser sempre assegurada, inclusive com o
fornecimento das condições básicas para isso – por exemplo, o fornecimento de informações,
conhecimentos e educação para o povo. Em termos gerais, na abordagem do desenvolvimento
perfis de aplicação (investimento) das instituições financeiras públicas e privadas. Isso gera
uma dificuldade de responsabilização (accountability) dos “chefões das finanças”, o que sem
dúvida contribuiu para a eclosão da crise econômico-financeira naqueles países.
As relações entre a participação popular, controle social e o combate à corrupção,
esboçadas intuitivamente nos parágrafos acima, ganham um caráter formal no modelo de
Participação Popular e Controle Social para Redução da Corrupção - PCRC. A figura 1 ilustra
os conceitos e relações do modelo.
O modelo PCRC demonstra que uma visão governamental mais holística de mundo, a
partir da colaboração interna e externa, gera uma nova consciência em relação à supremacia
do interesse público. O modelo é propagador de mudança a partir da responsabilidade social
corporativa, da troca de conhecimento e experiência, o que potencialmente é inteligência.
O modelo PCRC demonstra que uma visão governamental mais holística de mundo, a
partir da colaboração interna e externa, gera uma nova consciência em relação à supremacia
do interesse público. O modelo é propagador de mudança a partir da responsabilidade social
corporativa, da troca de conhecimento e experiência, o que potencialmente é inteligência.
CONCLUSÕES
Governar com a sociedade, ao invés de governar a sociedade, faz com que o próprio
beneficiário possa contribuir no desenvolvimento da estratégia, planejamento e gestão dos
diversos programas e projetos, melhorando a qualidade do gasto e da ação pública. A
participação do cidadão e o estabelecimento de parcerias ajudam na transformação da cultura
da desconfiança e do curto prazo em uma cultura de colaboração e de longo prazo.
O Estado precisa perceber que a participação e controle social consideram as questões
de poder e de interesses divergentes em qualquer projeto público. A partir deste entendimento,
o Estado deve se abrir para o conhecimento da sociedade para conseguir vencer a crise de
confiança e crise econômica, advindas da política de isolamento e manutenção do status quo.
O Estado não tem conhecimentos e recursos suficientes para resolver os problemas
contemporâneos e por isso precisa contar com a inteligência proveniente das sociedades
doméstica e de outras nações, mormente as mais desenvolvidas.
Conforme discutido neste artigo, a crise é uma oportunidade de rever crenças, valores,
suposições e comportamentos em busca de melhores resultados. O lado destrutivo do
funcionalismo gerou crises econômicas, sociais, morais e outras formas decorrentes da mãe de
todas as crises, que é a crise de percepção. O modelo PCRC mostra que a troca de
conhecimentos entre Estado e sociedade pode mudar o foco da ação governamental para a
supremacia do interesse público e a efetividade das políticas públicas, o que automaticamente
reduz a corrupção.
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