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LIVIA PAOLA GORRESIO

SENTIMENTO DA COR

SÃO PAULO
2021
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

SENTIMENTO DA COR

Tese apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Artes Visuais da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do Titulo de Doutora em Artes Visuais, sob
a orientação do Prof. Dr. Hugo Fernando
Salinas Fortes Júnior.

LIVIA PAOLA GORRESIO

SÃO PAULO
2021
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho,
por qualquer meio convencional ou eletrônico,
para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
Dados inseridos pelo(a) autor(a)

Gorresio, Livia Paola


Sentimento da Cor / Livia Paola Gorresio ; orientador,
Hugo Fernando Salinas Fortes Júnior. -- São Paulo, 2021.
166 p.: il.

Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Artes


Visuais - Escola de Comunicações e Artes / Universidade de
São Paulo.
Bibliografia
Versão corrigida

1. Cor 2. Percepção 3. Símbolo 4. Pintura I. Salinas
Fortes Júnior, Hugo Fernando II. Título.
CDD 21.ed. - 700

Elaborado por Alessandra Vieira Canholi Maldonado - CRB-8/6194

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BANCA EXAMINADORA

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Para os meus anjos,
Zilda e Riccardo Gorresio.
E para os grandes artistas,
Alba e Armando Gorresio.
AGRADECIMENTOS Aos artistas, curadores e pensadores Carlito Contini, Rodolpho
Parigi, Caetano de Almeida, Sandra Cinto, Eduardo Sabeta,
Baixo Ribeiro, Mariana Pabts Martins, Paulo Nimer Pjota,
Ao meu orientador Prof. Dr. Hugo Fortes, pela clareza do Jarbas Horta, Emmanuelle Grossi, Carla Chaim, Thais Rivitti,
pensamento, caráter, cuidado, trocas, por sua orientação Tania Rivitti, Newton Campos, Tais Cabral, Raquel Magalhães,
atenciosa e interesse verdadeiro. Fabíola Tasca, Alisson Damasceno, Junia Penna, Mariana Hauck
e Fernando Motta pelos ricos momentos e trocas.
À toda equipe do Pivô Pesquisa e ao a.area, principalmente à
Fernanda Brenner, Marcela Vieira, Livia Benedetti e ao Tiago Aos meus queridos amigos Angela Martins, Henrique Martins
Mesquita por todo o incentivo. e Tatiana Modenesi por me acompanharem sempre de perto,
animados e cuidadosos.
Ao Prof. Dr. Marco Giannotti, por me introduzir aos pensamentos
e estudos sobre a cor. À designer Mariana Julião por todo o talento e doçura.
Ao fotografo Everton Ballardin pela amizade e imagens sempre
Ao Prof. Dr. Geraldo de Souza Dias, pelas primeiras orientações perfeitas.
e direcionamentos, pelas conversas e encorajamento.
À Karina de Andrade, secretária do departamento de pós-
Ao Prof. Dr. Marcos Moraes pela amizade, sabedoria, mente graduação em Artes Visuais, por toda a ajuda, atenção e
criteriosa e por toda ajuda sempre disponível e amável. simpatia.

Aos professores da Escola de Comunicações e Artes, Prof. Aos meus amigos e familiares que sempre me dão força e alegria
Dr. Tadeu Chiarelli, Prof. Dr. Sonia Salzstein, Prof. Dr. Kaira para continuar.
Cabañas, Prof. Dr. Mario Henrique Simão D’Agostino, Prof. Dr.
Lucia Koch. À todas as flores que encontrei no caminho, resgatando a minha
fé no mundo todos os dias.

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RESUMO

Esta pesquisa busca investigar a percepção das cores no âmbito


visual, mas sobretudo, no campo simbólico, tendo como
intenção reunir estas duas perspectivas do pensamento sobre a
cor dentro do campo das artes visuais.

Na tentativa de unir estes dois extremos, primeiramente fiz um


levantamento histórico, salientando os sentidos dados à cor azul
ao longo do tempo, podendo assim situar as minhas criações
produzidas com esta cor. Posteriormente, reflito por meio de
aproximações sobre as minhas obras e as de outros artistas cuja
a cor, é o fundamento da obra, contextualizando assim, a minha
produção.

Saliento nesta tese a compreensão da cor não só como


um estímulo visual, ou seja, pura visualidade, mas
preponderantemente, como característica psicológica que
se revela através dos símbolos e estados emocionais. Sendo o
carácter psicológico da cor, o simbólico, a questão que vem se
colocando cada vez mais presente na minha produção.

Palavras chave: Cor, Percepção, Pintura, Símbolo.

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ABSTRACT

This research seeks to investigate the perception of colors in


the visual sphere, but above all, in the symbolic field, with the
intention of bringing together these two perspectives of thought
about color within the field of visual arts.

In an attempt to unite these two extremes, I first made a historical


survey, highlighting the meanings given to the color blue over
time, thus being able to situate my creations produced with this
color. Later, I reflect through approximations about my works
and those of other artists whose color is the foundation of the
work, hereby contextualizing my production.

I emphasize in this thesis the understanding of color not only as


a visual stimulus, that is, pure visuality, but also predominantly,
as a psychological characteristic that is revealed through symbols
and emotional states. Being the psychological character of color,
the symbolic, the question that has been becoming more and
more present in my production.

Keywords: Color, Perception, Painting, Simbolic.

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SUMÁRIO
Apresentação 21

Cor, luz e sombra 23

LIVRO AZUL 31

Introdução 33

Capítulo 1. Eterno Infinito 35

Capítulo 2. Minhas obras azuis 37

Capítulo 3. Uma história sobre o azul 59

LIVRO COLORIDO 97

Introdução 99

Capítulo 1. Minhas obras coloridas 101

Capítulo 2. Sentimentos da Cor 137

Considerações Finais 155

Referência Bibliográfica 159


APRESENTAÇÃO Vale ressaltar que minha produção não se restringe apenas ao
azul, mas sim a todas as cores. No entanto foi o azul que me
Foi pelo interesse sobre percepção das cores que a minha trouxe até aqui, foi ele que conduziu. Sendo assim, busquei me
produção teve início, em 2008. Pois, ao mesmo tempo que esta aprofundar sobre a compreensão da natureza da cor azul em
pesquisa me alimentava e estimulava a produzir, ela também seus aspectos mais profundos, como o seu simbolismo e sua
me conduzia a reflexão sobre como a minha produção poderia atuação em nós. Desta forma, elaboro esta pesquisa, para a partir
ser inserida dentro do campo das artes visuais. dela poder responder, através de evidências e conhecimentos
fundamentados, aquilo que antes apenas pressentia.
As concepções que direcionam a realização desta tese são a
continuação da pesquisa de mestrado feita no Chelsea College Iniciei então, primeiramente o Livro Azul, uma pesquisa
of Arts and Design, em Londres, concluída em 2010, sobre a histórica sobre o azul dentro da história da arte ocidental, fa-
percepção das cores baseada nas teorias cromáticas de Michel zendo um levantamento dos sentidos dados a esta cor por vários
Chevreul e Charles Henry. Porém, no decorrer do tempo novos artistas das mais variadas épocas, desde da Antiguidade até os
questionamentos se colocaram presentes com relação às cores, tempos atuais. Este levantamento histórico serve de evidência
uma vez que elas foram se revelando como uma espécie de para compreendermos a natureza das cores, isto é, assim como
linguagem, ainda muito misteriosa para mim, dirigindo a minha Goethe demonstrou, que as cores são um Urphanömen, uma na-
produção. tureza latente, a essência natural que há por debaixo de cada fe-
nômeno. Neste livro estão as minhas obras azuis acompanhadas
Sendo assim, esta tese surge da vontade de compreender a de uma reflexão textual sobre cada uma delas.
natureza das cores, as quais para mim são muito mais que
substâncias químicas ou frações da luz. Nesta busca pela Ao finalizar este primeiro livro, percebi que ainda existia outro
compreensão sobre a natureza das cores, ou seja, sua essência, elemento fundamental para ser analisado, as minhas obras co-
a teoria que mais ecoou em mim foi a “Doutrina das Cores” loridas. Desta forma, surge a segunda parte desta tese, chama-
de Johann von Goethe. Foi ela determinante para que eu da Livro Colorido. Nele encontramos a reflexão textual sobre as
privilegiasse a cor azul na minha pesquisa. Para Goethe o azul é minhas obras coloridas pontuando paralelos entre referências
a cor originária, aquela que uma vez unida ao amarelo, formam teóricas e produções artísticas de outros artistas, com o intuito
juntas todo o círculo cromático. Por isso a existência do primeiro de contextualizar a minha produção dentro do campo das artes
texto de abertura chamado Cor, Luz e Sombra. visuais.

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para o fogo as cores solares e douradas, para a terra também
COR, LUZ E SOMBRA os brancos. No item 793b, Aristóteles aponta um novo elemento
quanto à classificação das cores. A cor nunca é vista como ela é,
A relação entre cor, luz e sombra sempre foi um assunto muito ela sempre é uma mistura, e, se não misturadas entre elas, são
presente nos debates sobre a cor durante séculos. Contudo, no mesmo assim, uma mistura dos raios de luz com aqueles das
século XVIII, assim chamado século da luz, por excelência, a sombras, sempre se apresentando diferentemente daquilo que
cor ganhou uma outra compreensão. Neste século a cor passa, realmente são. (ARISTOTELES, 1955, p.17; Trecho parcialmente
sob a perspectiva da ótica, a ser abordada em relação unitária traduzido para o português.)
à luz. Esta mudança importante na Europa é decorrente da
publicação de “Óptica” (1704) de Sir Isaac Newton. (Newton, I. Ao apresentar, em diferentes contextos, vários sistemas sobre
1996) as cores puras, Aristóteles mostra ter ideias divergentes,
confundindo, assim, seus leitores. Contudo, suas considerações
A título de contextualização apenas, a cor, até então, era sobre a luz que surgem no livro “Do sentido e dos Sensíveis”, foi
compreendida sob a perspectiva medieval aristotélica. A a teoria sobre a luz mais revista até o século XVIII, segundo
concepção da cor de Aristóteles era a visão dominante durante Luís Miguel Bernardo, em “História da Luz e das Cores”, sendo
toda Idade Média até o século XVIII. considerada “a única explicação verdadeiramente credível”
(BERNARDO, 2009, p.48).
Podemos encontrar referências sobre a cor em várias obras
de Aristóteles, em “De Anima”, “Parva Naturalia”, “Coloribus Durante o século XVII, no entanto, podemos ver as primeiras
e Metereologia”. Em seu tratado “Do sentido e dos Sensíveis”, em mudanças no entendimento da cor. O matemático Johannes
“Parva Naturalia”, Aristóteles coloca que as cores surgem da Kepler argumenta, em 1604, que a diferença entre as cores
mistura da luz e da escuridão. As cores dependem da proporção aparentes e a cores verdadeiras são infundadas, e que todas
destes dois polos extremos. De acordo com essa concepção, as cores, exceto o branco e o preto são transparentes. Já
as cores são proporções simples, tal qual harmonias musicais. Descartes em sua obra “Dióptrica” (1637), defende que as cores
(ARISTÓTELES, 2012, p.48-49) não dependem da interação entre o preto e o branco, mas de
vários níveis de interação de refração da luz e que elas, inclusive
No seu texto “Coloribus”, Aristóteles relaciona as cores com estariam relacionadas diretamente à luz. (KOBAYASHI, M.1996)
os quatro elementos da natureza, para o ar as cores brancas,

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Bartholin escreve em “Specimen Philosophiae Naturalis” (1703),
que as cores eram igualmente reais, e que o preto e o branco Este tema foi escolhido pois, foi de suma importância para
não eram cores, uma vez que não surgiam da refração da luz, mim durante o meu percurso como artista, uma vez que a
que é para ele a causa da cor e, que as cores primárias eram o compreensão das cores sob o ponto de vista romântico, ou seja,
vermelho, amarelo e o azul. Sendo esta teoria uma das que mais qualitativo, me ajudou a formular os conceitos que estão hoje
irá influenciar Newton. (GAGE, 1999, p.153) presentes no meu processo de criação.
________________________________________________________________
Neste sentido podemos ver o problema que a época das luzes
deixou para o nosso entendimento da cor, retórica que impera
até hoje quando afirmamos que: cor é luz. Afirmação duvidosa
a qual precisa ser revista e argumentada, para que haja uma No ano 1704, uma nova abordagem em relação à cor e à luz é
compreensão ampliada do assunto. Sobretudo porque é de apresentada ao mundo. Chamada Óptica (1704), uma pesquisa
suma importância entendermos que as cores possuem uma polêmica do inglês Isaac Newton é publicada. Nela, Newton
qualidade essencial para além de sua aparência. refere-se à luz e à cor dentro do escopo objetivo e quantitativo
das ciências naturais, utilizando aparatos construídos para a
Desta forma, neste texto pretendo revisitar esta importante investigação da cor, como o prisma.
informação sobre a cor dentro do pensamento ocidental que
revela a relação da cor com a sombra. Portanto, dando ênfase à Em 1666, Newton já havia iniciado seus experimentos com
escuridão, que em outras palavras, refere-se ao mundo invisível, a refração da luz. Com a ajuda do prisma, ele conclui que
ou ainda, a tudo aquilo que foge das questões materialistas e os diferentes tipos de refração da luz não poderiam ser
quantitativas. modificados por outras refrações, nem mesmo por reflexões,
exceto pela mistura com outros raios emitidos por outros
Sendo assim, analisarei adiante os dois autores que fundam esta prismas paralelamente. Newton, encontra uma constante em
discussão entre a luz e sombra na constituição da cor. Enquanto seus experimentos com o prisma, percebe que o feixe de luz se
Isaac Newton se aprofunda em sua teoria da cor voltado para dividia sempre em sete cores: vermelho, laranja, amarelo, verde,
os aspectos mecanicista, matemático e quantitativo, Johann azul, índigo e violeta-purpura. Para Newton, todas as cores
von Goethe, por outro lado, irá voltar sua análise sobre as cores que surgiam da refração da luz eram primárias, homogêneas e
considerando os aspectos naturais, subjetivos e qualitativos. simples.

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Newton posteriormente nota que estes sete raios quando No entanto, em seu experimento com o prisma, Newton para
misturados em uma certa proporção e colocados em determinar as partes constituintes do espectro cromático pede
movimento se tornam mais claros, quase desaparecendo da ao seu serviçal “cujos olhos eram mais apurados que os dele”,
visão. Surge o Disco de Newton, também conhecido como “Disco para julgar a experiência com o prisma (SHAPIRO, Alan.1984).
de Desaparecimento da Cor”.
Tal experimento é considerado hoje uma história de ficção,
uma vez que a análise do objeto observado era independente do
observador, haja vista que mesmo tendo chamado seu auxiliar
para analisar o experimento, não se deu conta da importância
do observador na experiência. Contudo, a obra de Newton
é inaugural, pois sem mesmo considerar a questão sobre o
subjetivo em suas experiências e analises, provoca o inicio de
uma série de discussões sobre este mesmo tema.

Newton só estava interessado em fazer uma análise das leis


quantitativas, apesar de ter questionado sobre as cores presentes
nos sonhos, ou sobre aquelas enxergadas por homens cujos
olhos viam as cores diferentes daquelas que se apresentavam
a sua frente (daltônicos) ou, até mesmo, as cores vistas pelos
loucos, uma vez que enxergavam cores no mundo, as quais não
estavam lá (alucinações).

A maior contribuição para este estudo sobre a percepção das


Círculo de Newton. As sete cores em movimento se sobrepõem, cores, a qual enfatiza o subjetivo, seria a “Doutrina das Cores”
passando a vê-las em tom esbranquiçado. Fonte: Página Projeto IDIS, (1810) de Johann Von Goethe. Goethe seria um dos fundadores
Faculdade de Arquitetura e Design de Buenos Aires1. do movimento romântico, que surgia em oposição a visão
1. Disponível em: <https://proyectoidis.org/propuesta/>. Acesso em: 10 out. mecanicista e materialista da realidade.
2020.
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Sabemos que a tônica diferencial da visão da realidade no e o renascimento das cores. Os fenômenos eram verificados sob
romantismo em relação à visão mecanicista é que o real é a luz do dia e noite, na natureza.
pensado como um organismo compreendido como um todo
pré-existente a suas partes, dotado de inteligência, sentido e Enquanto a ciência natural não mostra interesse a respeito da
movimentos próprios. Diferentemente da visão mecanicista escuridão, no quesito da cor, considerando a escuridão um mero
que vê a realidade como uma ordem matemática e fragmentada, espaço com ausência de luz, na visão romântica a escuridão
uma mecânica animada por um espírito de outra ordem. é incluída no processo para o surgimento da cor. A cor é
resultante do encontro da luz com a escuridão. Diferentemente
Para Goethe, inaugurador do pensamento romântico, a de Newton, que divide em sete cores o feixe de luz, Goethe, por
realidade compreendida como Natureza não é considerada em outro lado, defenderá que é durante a interação das polaridades
seus aspectos fragmentários, “mas como coisa atuante e vivente, dos dois tons extremos, a ver, o amarelo (luz) e o azul (escuridão),
procurando apresentá-la como uma totalidade que se esforça que surgem todas as cores. Para Goethe, por fim, as cores são
por evidenciar-se por suas partes”. (GOETHE, J. 1997, p.8) . Diz resultado das infinitas variações de interação entre elas mesmas.
Goethe em Natura (1780):
Em seu círculo cromático Goethe descreve que o azul seria a
“Natureza! Estamos cercados e envoltos por ela – escuridão clareada e o amarelo a luz escurecida, uma vez que
incapazes de afastar-nos dela e também incapazes as cores surgem da relação que possuem com as sombras. Em
de aprofundar-nos nela. Sem pedir e prevenir, ela sua Doutrina das Cores (1810), no capítulo VI. Sombras, define
nos acolhe no circuito de sua dança e nos arrasta então ser a própria cor algo sombreado e, sobretudo, um eterno
até ficarmos cansados e cairmos em seus braços”. encontro da interação entre forças opostas:
(GOETHE apud STEINER, 2007, p.5).
[65] Durante o pôr do sol, coloque uma vela fraca
Portanto, Goethe estava convencido de que a cor era um fenômeno acesa sobre um papel branco e, entre ela e a luz do
vivente, ou seja, era a própria natureza em atividade. Enquanto sol poente, um lápis em pé, de modo que a sombra
Newton se concentrou em encontrar uma definição teorética da que a vela projeta possa ser clareada, mas não
cor, Goethe explorou as cores como processos dinâmicos vivos. anulada, pela fraca luz do dia, e a sombra aparecerá
Em todos os lugares, em prismas, em fenômenos celestes, na com o mais belo azul.
natureza, ele reconheceu o nascimento, as combinações, a morte [66] Que essa cor seja azul, logo se percebe.

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Mas somente se prestarmos atenção é que nos É por meio deste processo de relacionamento entre as
convenceremos de que o papel branco atua como polaridades cromáticas puras, o amarelo e o azul, surge
uma superfície amarelo-avermelhada, sem a qual (steigerung) uma terceira cor, primária, porém, não pura, o
não haveria aquele azul complementar no olho. púrpura (magenta) e o verde, nas duas extremidades. O círculo
[69] Uma importante consideração à qual voltaremos cromático de Goethe é uma espécie de indicativo das interações
com frequência deve ser feita aqui. A própria cor entre as duas cores puras intensificadas, o azul (ao violeta) e
é um sombreado (σκιερον). Por isso, Kircher está o amarelo (ao laranja), sendo as duas sintetizadas, o púrpura
coberto de razão ao chamá‑la de lumen opacatum. Na (magenta), acima e, o verde, abaixo.
medida em que é semelhante à sombra, a cor, tão
logo haja motivo, a ela se une, aparecendo nela e por
meio dela. Nas sombras coloridas, devemos aludir a
um fenômeno cuja dedução e desenvolvimento só
poderão ser empreendidos mais tarde.

Neste sentindo, podemos entender que uma luz obscurecida


excita o amarelo no olho, enquanto a escuridão, quando
clareada, produz o azul. As diferentes proporções de luz e
sombra distinguem uma cor da outra. O azul é a cor mais
negativa porque contém mais sombra, enquanto que o amarelo
é a mais positiva, já que é a cor mais próxima da luz.

Portanto a interação entre o azul (escuridão) e o amarelo (luz),


tomam o lugar fundamental para o surgimento de todas as cores
do espectro. A partir desta união, consequentemente, surge o Círculo simétrico das cores associadas às qualidades simbólicas, 1809.
processo de intensificação das cores – Steigerung, palavra alemã Johann von Goethe. Fonte: Página Tate Museum2.
que ganha tradução em inglês: to make arise, em português:
fazer surgir, para o português é traduzida como “intensificação”.
2. Disponível em: <https://www.tate.org.uk/art/artists/joseph-mallord-william-
(Goethe, 2013, p. 149) -turner-558/how-spin-colour-wheel-turner-malevich-and-more>. Acesso em:
19 out. 2020.
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Em seu círculo, Goethe além de estabelecer relações entre as [174] Denominaremos básico e primordial aquele
cores opostas, passa a indicar as possibilidades de combinação importante fenômeno já antes discutido de modo
entre elas, apontando desta forma, o processo para o surgimento genérico, e que aqui nos seja permitido expor o que
de todas as cores intermediárias. sabemos a seu respeito.
[175] Os casos que constatamos na experiência são,
Dentro deste círculo cromático acima, podemos ler algumas em sua maioria, aqueles que, com alguma atenção,
palavras que se referem à moral, correlacionando às cores. No podem ser compreendidos sob rubricas empíricas,
círculo externo, na área vermelho lemos a palavra: Razão, na gerais. Estas, por sua vez, estão subordinadas a
área amarela: Inteligência, na área verde azulada: Sensualidade rubricas científicas, que remetem a algo mais
e Sentidos e na área roxa: Fantasia. Na parte interna do círculo, amplo, na medida em que se conhecem mais de
lemos para o púrpura: belo, vermelho: nobre, amarelo: bom, perto certas condições imprescindíveis àquilo que
verde: útil, azul claro: vulgar ou comum e para o azul escuro: se manifesta. A partir daí, tudo se submete às leis e
supérfluo. Para Goethe as cores possuíam um juízo moral, elas regras superiores, que, no entanto, não se revelam
poderiam ser relacionadas ainda com as quatro qualidades do por meio de palavras e hipóteses, mas por meio
homem: colérico, fleumático, sanguíneo e melancólico. de fenômenos, nem se revelam ao entendimento,
mas à intuição. Nós os denominamos fenômenos
Enquanto Newton se preocupou com a matemática da óptica primordiais, pois nada no mundo fenomênico lhes
sem analisar a subjetividade do observador, Goethe, refere-se é superior, ao contrário, partindo deles é possível
à visão como um fenômeno que é fruto do encontro do mundo descer gradualmente até o caso mais comuns da
interior (subjetividade) e do exterior (objetividade). Goethe experiência cotidiana, invertendo, assim, a via
propõe à leitura que a apreensão das cores só é possível porque ascendente feita até agora. O fenômeno primordial
tanto o observador quanto a cor são da mesma natureza. é, pois, tal qual o apresentamos. Por um lado, vemos
(GOETHE, 2013, p.41) a luz, o claro; por outro, a escuridão, a sombra.
A turvação se intercala entre eles, e as cores se
Para Goethe as cores eram, como ele denominou um desenvolvem a partir desses opostos com a ajuda
Urphanömen, o fenômeno primordial, aquilo que surge antes de sua mediação, como que num antagonismo cuja
(ur) os fenômenos (phanömem). Segundo Goethe: alternância remete imediatamente a algo comum.
(GOETHE, 2013; p.116-117)

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O fenômeno primordial é a condição de possibilidade dos utilizadas para os mais altos fins estéticos.
fenômenos da natureza. No campo do conhecimento o [759] As pessoas em geral sentem grande prazer com
fenômeno primordial é a relação unitária entre sujeito e objeto. a cor. O olho necessita dela tanto quanto da luz. Vale
Por isso, o sujeito só reconhece a cor porque é parte dela. lembrar o rejuvenescimento que se sente, num dia
nublado, ao ver o sol iluminar uma parte isolada
Sob a visão de Goethe, a cor em si, o fenômeno e, a cor que da paisagem, tornando as cores visíveis. As virtudes
percebemos, é a mesma coisa. Existe nesta visão de Goethe, a terapêuticas atribuídas às pedras preciosas coloridas
teoria do conhecimento romântica, a inextricável unidade entre podem ter surgido do sentimento profundo desse
objeto e o sujeito. prazer indescritível. (GOETHE, 2013; p.139)

No capítulo chamado Efeito Sensível-Moral da Cor, Goethe nos Vemos em Goethe que a natureza nos ensina que cores distintas
apresenta a relação entre o fenômeno e o efeito da cor em nós: proporcionam estados de ânimos específicos. A cor é capaz
de nos afetar pois nos identificamos ao vê-la, reconhecemos a
[758] Já que ocupa um lugar tão elevado na série de nossa própria natureza nelas.
fenômenos naturais originários, preenchendo com
uma diversidade bem definida o círculo simples que Neste sentido, Goethe foi capaz de criar uma distinção entre o
lhe foi designado, não devemos nos surpreender simbolismo e alegoria da cor. Enquanto o simbolismo coincide
ao percebermos que a cor, em suas manifestações inteiramente com a natureza da cor, a sua essência, na alegoria
mais gerais e elementares na superfície de um o significado deve ser previamente comunicado antes mesmo
material, sem nenhuma relação com a qualidade do observador saber o que ela deve significar” (Goethe, 2013. pg.
ou forma dele, produz sobre o sentido que lhe é 916-7). Para Goethe o vermelho, por exemplo, tem a capacidade
mais adequado, a visão, e, por meio deste, sobre a de exaltar os desejos humanos, independentemente do intuito
alma, um efeito que, isoladamente, é específico e, de seu uso.
em combinação, é em parte harmônico, em parte
característico, mas também desarmônico, embora É preciso salientar a esta altura, como o estudo da cor por
sempre definido e significativo, que se vincula estes dois pensadores revela diferentes visões de mundo. Uma
imediatamente à moralidade. É por isso que as cores, iluminista, Newton, e a outra Romântica, Goethe.
consideradas como um elemento da arte, podem ser

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Goethe promoveu através do estudo das cores uma nova visão Goethe nos faz compreender a expressão particular do
de mundo, colocando em questão a teoria óptica de Newton, Universo através da linguagem da Natureza. Sua teoria celebra
abrindo-se para um entendimento sobre percepção das cores, a consciência sensível, ela o explora, no entanto, considerando
operação complexa que tocou os confins da física, da fisiologia e a existência uma verdade original que se revela através dos
da psicologia. Goethe provou o irrealismo da teoria newtoniana fenômenos.
que excluía todo o obscuro do mundo e suas sombras, forçando
coincidir o campo visual com sua compreensão mental físico- Por isso, é preciso ter em nota o problema que ocorre ao
matemática. retirarmos a sombra, o polo negativo como parte constituinte da
cor. Estaríamos desta forma extirpando parte de sua natureza,
Quando Goethe atacou resolutamente a teoria newtoniana, seria como uma árvore sem raiz.
pondo em questão a despótica visão iluminista de mundo,
sustentou uma polêmica que durou a sua vida inteira, traduzida Assim sendo, já que a cor é um símbolo vivo, é conclusivo
em experiências minuciosas e pacientes na natureza. Sendo perceber que ela atua em nós, alterando os estados da alma.
assim, Goethe considera em suas observações a questão do As cores são espelhos de nós mesmos. Por isso, a relação que
obscuro, o oculto na natureza. (GUSDORF, 1993) possuímos com a cor é em si mesma o próprio processo de
integração do homem no mundo.
Goethe, como o pensador que inaugura o movimento romântico,
não poderia ter deixado de lado a questão da escuridão, ou Em minha obra, meu intuito é utilizar as cores para reafirmar
seja do obscuro, na constituição da cor. A questão do obscuro esta conexão, evidenciando a verdade originária, oferecendo
perpassa todas as áreas do pensamento romântico. Daí a ao espectador um momento de harmonia e pertencimento em
relevância da pesquisa sobre o azul, o polo negativo. relação ao mundo, o retorno à casa, seu lar. Reconheço, portanto,
essa vinculação ao pensamento romântico em meu trabalho,
Segundo Goethe, como já falamos, a cor nasce do encontro como veremos a seguir.
entre a luz e escuridão. Os românticos consideram os dois polos
para o surgimento da cor, o negativo e o positivo. A Doutrina das
Cores remonta à lei geral das polaridades, a qual está fundada
toda a lei natural.

30
LIVRO AZUL
INTRODUÇÃO a qual me conduziram até aqui. Elas foram feitas com inúmeros
tons de azul, os quais abrangem todo um espectro de tons, como
Foi buscando melhor compreender os sentidos atribuídos à cor os cyans, cobaltos, índigos e violáceos.
azul que dei início à pesquisa desta tese de doutorado, uma vez
que a cor azul se tornara muito presente em minha produção No segundo capítulo, apresento as minhas outras obras azuis com
desde 2008, desde a minha obra inaugural chamada Flux. Assim uma reflexão textual sobre cada uma delas. Ao final, no terceiro
surgiu o meu questionamento: Qual seria o sentindo, ou os capítulo, apresento a minha pesquisa histórica sobre o azul dentro
sentidos dos azuis em minhas obras? das artes visuais. Apontando primeiramente algumas obras feitas
com a cor azul na antiguidade até o séc. XX, as quais servem de
Sendo assim, diante da necessidade de entender a cor azul em fundamento para compreendermos os significados da cor azul.
seus aspectos mais profundos, como o seu simbolismo, elaboro Posteriormente, privilegiei com análises mais profundas, as obras
esta pesquisa, para a partir dela poder responder, através de azuis dos artistas Pablo Picasso, Yves Klein, Wassily Kandisky
evidências e conhecimentos fundamentados, aquilo que antes e Anish Kapoor. Estes artistas foram escolhidos pois suas obras
havia sido apenas pressentido. Iniciei então, primeiramente, uma azuis apresentam semelhança de sentido em relação às minhas
pesquisa histórica sobre o azul dentro da história da arte ocidental, obras, como também se configuram nas artes visuais, como figuras
fazendo um levantamento dos sentidos dados a esta cor. fundamentais para o entendimento dos sentidos da cor azul. Ao
final, me ative a refletir sobre as obras azuis feitas recentemente
Neste Livro Azul, primeiramente encontramos as imagens das pelas artistas brasileiras Amélia Toledo, Sandra Cinto e Adriana
série feitas em lápis de cor, grafite e aquarela, ambas durante o Varejão, obras cujos significados do azul retomam as minhas
ano de 2015, chamadas “minhas flores azuis” e “uma série sem título”, reflexões feitas até então, porém agora no contexto brasileiro.

33
CAPÍTULO 1.

ETERNO INFINITO

35
MINHAS FLORES AZUIS
(2015)

Estes desenhos nascem da observação de naturezas mortas,


flores e galhos secos colhidos durante a época de outono, na
cidade de São Paulo. A falta do colorido aponta a morte que
ocorreu. Enxergo todas cinzas, quase num azulado indescritível.

Desenho elas em grafite e lápis de cor azul.

Há falta. Para onde foi a cor?

37
Livia Paola Gorresio
Minha flor azul
2015
Lápis de cor azul sobre papel 70 x 50 cm

38
Livia Paola Gorresio
Minha flor azul em preto e branco
2015
Lápis grafite sobre papel 70 x 50 cm

39
Livia Paola Gorresio
Arranjos ao acaso
2015
Lápis grafite sobre papel 70 x 50 cm

40
Livia Paola Gorresio
Arranjos ao acaso
2015
Lápis grafite sobre papel 50 x 35 cm

41
Livia Paola Gorresio Arranjos ao acaso 2015 lápis grafite sobre papel 35 x 50 cm

42
UMA SÉRIE SEM TÍTULO
(2015)

43
Livia Paola Gorresio SEM TÍTULO 2015 Aquarela sobre papel 70 x 104 cm

44
Livia Paola Gorresio SEM TÍTULO 2015 Aquarela sobre papel 70 x 104 cm

45
Livia Paola Gorresio SEM TÍTULO 2015 Aquarela sobre papel 70 x 104 cm

46
Livia Paola Gorresio
SEM TÍTULO
2015
Aquarela sobre papel 104 x 70 cm

47
Livia Paola Gorresio
SEM TÍTULO
2015
Aquarela sobre papel 104 x 70 cm

48
CAPÍTULO 2.

MINHAS OBRAS AZUIS

49
{FLUX, 2008}

O primeiro questionamento que surgiu em meu processo de


produção em artes visuais foi questão da criação, do impulso
criativo. Neste sentido, nenhuma outra cor, se não o azul,
poderia expressar isto de maneira tão poderosa. Uma vez que a
cor azul, como demonstrado durante a pesquisa histórica desta
cor, é símbolo do espaço vazio como potencial, de onde tudo
surge.

Foi na “Doutrina das Cores”, de Johann von Goethe que pude


encontrar a melhor resposta para esta questão do azul como
potência. Sob a perspectiva romântica de Goethe, a cor azul é
a cor que mais se aproxima da escuridão. Enquanto o amarelo
é a luz branca escurecida, o azul é a escuridão clareada. Juntas,
o azul com o amarelo, surgem todas as cores. (GOETHE, 2013;
p.206).

Livia Paola Gorresio A partir deste conhecimento pude fundamentar a minha
Flux, 2008 questão sobre a potência criativa. A obra Flux foi uma das
163x152 cm minhas primeira obras. Ela é a expressão do puro impulso
Colagem: papel kraft e tinta acrílica sobre tela criativo, a energia vital em latência – a origem.

51
{FLUX CUBE, 2009}

Posteriormente, a questão sobre a obra Flux ganha outra


dimensão com o Flux Cube. O quadro excede o seu limite
bidimensional passando a fazer parte do mundo tridimensional.
A pintura se expande tornando-se material e real, ela não é
mais uma imagem para aquele que a observa, ela pode ser
experienciada.

Flux Cube é uma obra aberta, capaz de ser rearranjada


infinitamente por outros. Passo aqui a potência do fluxo para
outras pessoas, qualquer um que queira experienciar a potência
Livia Paola Gorresio criativa. Segundo Jean Chevalier, o cubo representa “a totalidade
Flux Cube, 2009 terrestre e celeste, o finito e o infinito” (Chevalier, J. Dictionnaire
3 x 3 x 3 cm des Symboles. Paris: Éditions Jupter, 1982; p. 228.).
Escultura interativa / colagem: papel kraft e tinta acrílica sobre tela

52
{A BALANÇA PP. 6, 2013}

Durante a interação com a obra chamada balança pp.6. a


compreensão das estruturas ganha outros caminhos.

Enquanto o cubo é estrutura rígida e imóvel, a balança, no


entanto, quando deixada sozinha, passa a se movimentar, na
busca de pesar a si mesma até alcançar o equilíbrio.

Sendo assim, nesta obra azul faço uma reflexão sobre os pesos
que constituem a nossa própria estrutura, o homem que pondera
seus fluxos e “cargas” em busca do equilíbrio e harmonia interior.
A balança é conhecida como o símbolo da justiça, da medida,
da prudência e do equilíbrio, já que sua função corresponde
precisamente em pesar os atos. O azul da balança sugere ao
espectador/participante à voltar-se para dentro, ao seu mundo
interior, através de uma atividade meditativa.
Livia Paola Gorresio
Balança. pp.6, 2013
15 x 60 x 4 cm
Escultura interativa / aço inox e madeira pintada com tinta acrílica

53
{PHYSIS, 2013}

“Physis kryptesthai phileî”


A Natureza (a verdadeira constituição das coisas)
gosta de ocultar-se.
Heráclito
(KIRK, 1994, fr.123 Temístio)

A obra Physis, cujo nome me ocorreu intuitivamente, significa


Natureza, ela possui o N maiúsculo, pois remete à concepção
de natureza como divina. Este conceito de Natureza pode ser
encontrado no Romantismo alemão, que segundo George
Gusdorf é um movimento cujo intuito é restaurar a primitiva
aliança do homem com a Natureza.

Physis foi representada por um portal, feito de cor azul em três


tons. O portal se forma ao delinear os limites do papel, deixando
o núcleo central em branco, um convite à travessia. Para onde
este portal nos leva?

Ao pesquisar o simbolismo do portal, pude entender que ele


evoca a ideia de transcendência, a possiblidade de elevação
Livia Paola Gorresio
da consciência. O portal é convite de passagem para o além,
Physis, 2013
simboliza o processo de iniciação aos mistérios. (RONNENBERG,
32 x 24 cm
Ami. The Book of Simbols: Reflections on archetypal images. London:
Lápis de cor azul sobre papel
Taschen, 2013; p. 558).

54
{FLOR AZUL, 2015}

A flor azul aparece na minha obra como uma espécie de


revelação, em 2015, e é a partir dela que iniciou toda esta
pesquisa cujo intuito foi compreender o sentido da cor azul.
A flor apresenta-se a nós como símbolo da sensibilidade, da
natureza infinita, dos sentimentos e da ordem oculta e perfeita
da natureza. Por isso, simboliza a sua força superior, capaz de
transformar e reger a vida.

A imagem da flor, em sua beleza e pureza, representa o


surgimento de uma nova consciência. É nesta vereda que a
minha proposta de arte passou a se dar, uma vez que proponho
em minhas obras, através do uso das cores, o caminho do
despertar de uma consciência sensível.

Neste sentindo vale lembrar as palavras de Novalis. O poeta


romântico que abre o nosso caminho para a sensibilidade
através da experiência com os nossos sentidos durante a busca
de uma flor azul:

(...) Não são os tesouros que fizeram despertar uma


ânsia, pois bem longe me encontro de toda a cobiça,
mas possuo a nostalgia de poder ver a flor azul. Isto
não cessa de acompanhar minha imaginação, nem
Livia Paola Gorresio outra poesia ou pensamento se não ela. Nunca havia
Minha flor azul, 2015 experienciado tais sensações: parece como se até o
Lápis de cor azul sobre papel momento estivesse dormente ou como se, através dos

55
sonhos, fui transportado para outro mundo; pois no
mundo que vivo, até agora: Quem já se preocupou
com as flores? Eu nunca ouvi falar de uma paixão
tão estranha por uma flor (...). (NOVALIS, Georg.
Enrique de Ofterdingen. Trad: German Bleiberg.
Buenos Aires: Editora Austral,1951; p.8)

O objetivo das minhas obras a partir deste momento passa


cada vez mais a considerar o outro, não apenas no sentido de
interação apenas, uma experiência comum, mas no sentido
de transformação do outro. A cor como caminho para a
sensibilização do ser, um encontro harmônico e liberdade. A
flor surge na primavera e com ela há uma chance para o novo.
Não existe nenhum outro sinal tão forte de renovação no
mundo, de despertar e renascimento como o da flor. As flores
são incorporadas em rituais de sacramento por todo o mundo,
ela é emblema do amor, de Eros, da beleza, fertilidade, perfeição
e pureza, contentamento e ressureição.
Livia Paola Gorresio
Visualmente encontradas diante dos nossos olhos sob a luz Jardim Amargo, 2016
do dia, porém, enraizadas na escuridão do mundo invisível, Colagem: pigmento, resina e papel sobre tela
embaixo da terra. A flor simboliza a ponte entre o mundo
visível e o invisível, pois vive no campo latente em potencial
da fecundidade. (RONNENBERG, Ami. The Book of Simbols: {JARDIM AMARGO, 2016}
Reflections on archetypal images. London: Taschen, 2013; p. 150).
Jardim Amargo é um jardim feito de flores azuis, o jardim
A flor é uma espécie de revelação destes mundos inferiores e
amargo da morte.
obscuros tão preciosos, que permanecem não revelados até
A perda, a tristeza, o fim.
certo momento.

56
{COBALTO, 2015}

Este universo obscuro, porém, de onde tudo provém, é


representado na obra Cobalto. Feita de um azul claro e vívido
que remete à imensidão, o infinito durante um lindo dia, o
espaço azul do céu em todo seu esplendor.

Livia Paola Gorresio


Cobalto, 2015
Papel kraft pintado com tinta acrílica e colado sobre tela pintada com
tinta óleo e acrílica

57
{SEMENTE, 2018}

Semente tem como proposta refletir sobre o azul como força


originária e originante, dentro da doutrina romântica que
defende ser o azul a cor símbolo do vazio em potencial de onde
tudo surge e retorna eternamente. A cor azul, a mãe, o interior
infinito, o cosmos, o grandioso mistério da vida, fluxo eterno da
natureza.

Livia Paola Gorresio


Semente, 2018
160 x 130 cm
colagem: papel kraft e tinta acrílica sobre tela

58
CAPÍTULO 3.

UMA HISTÓRIA SOBRE O AZUL

59
direto da percepção. Por outro lado, o hábito de compreender
uma cor, na Antiguidade, estava intrinsecamente relacionado
CAPÍTULO 3
à atuação da luz (GAGE, 1999; p.212). Esta característica,
dentre claros e escuros é a que mais interessava aos gregos
UMA HISTÓRIA SOBRE O AZUL antigos, podendo ser encontrada nas teorias da cor formuladas
ali. Desde os primeiros pensamentos encontrados nos
documentos escritos pelo filósofo pré-socrático Alcmeão de
Crotona, a ideia da antítese entre o preto e o branco, ou seja,
entre a luz e a escuridão, sempre estiveram em destaque, o
3.I. ANTECEDENTES que nos afasta ainda mais da atual compreensão sobre a cor.

Por outro lado, é preciso também, colocar em evidência a


A LINGUAGEM DA COR investigação sobre o fenômeno grego a respeito da cegueira para
o azul ou, da insensibilidade para perceber a diferença entre o
É interessante notar que as cores na Antiguidade caminhavam azul e o amarelo (GROSSMANN, 1988). O pesquisador inglês W.
juntas na pintura e na escultura. A policromia encontrada nos E. Gladstone em sua pesquisa, chamada Percepções e usos da cor
frisos do Parthenon é prova disso (GAGE, 1999). Ali encontramos feitos por Homero, conclui que o sistema das cores consistia nas
um intenso azul, como também uma grande quantidade de relações entre luz e escuridão e que o órgão responsável pela
vermelhos e amarelos (JENKINS; MIDDLETON, 1988). Porém leitura das cores, não teria se desenvolvido muito até a época
a referência que possuíamos frente às cores hoje, não são as de Aristóteles. Curioso é notar que, no entanto, as cores azuis
mesmas de outrora, sendo assim para entender qual seria o e amarelas, juntamente com as outras, eram frequentemente
lugar do azul daquela época é preciso delinear alguns pontos usadas desde as primeiras pinturas gregas, sendo assim, a teoria
importantes. de Gladstone acabou sendo contestada pelas escolas posteriores
que se preocuparam em esclarecer o uso dessas cores nos
O primeiro entre eles é o problema na filologia1, uma vez que a artefatos coloridos. (GLADSTONE, 1858)
linguagem cromática não pode ser interpretada como um índice

1. Filologia é o estudo da linguagem em fontes históricas escritas, incluindo


literatura, história e linguística.
61
e kyaneos. O termo kyaneos designava uma cor escura, o azul
escuro, mas também o violeta, o negro e o marrom, sendo assim,
pode se dizer que esta palavra refletia mais o “qualidade” da
cor do que uma indicação de sua coloração. Quanto a glaukos,
termo que existia desde a época arcaica e, do qual Homero
faz um grande uso, servia para exprimir tanto o verde, como
o cinza ou o azul e, às vezes, também o amarelo e o marrom.
Na verdade, este último termo traduzia a ideia de palidez ou
de fraca concentração da cor, mais do que de uma coloração
categoricamente definida e forte. Por isso, foi muito empregado
para nomear também a cor da água, assim como a dos olhos,
O mergulhador saltando no mar da Eternidade. Túmulo do
das folhas ou do mel. Inversamente, para qualificar a cor
Mergulhador é um monumento arqueológico construído por volta
manifestamente azul de certos objetos, vegetais ou minerais, os
de 470 a.C.. O sítio foi encontrado pelo arqueólogo italiano Mario
Napoli, em 3 de junho de 1968, durante a escavação de uma pequena
autores gregos empregavam, às vezes, os termos de cores que
necrópole a cerca de 1,5 km de Poseidona. Fonte: Página Organização não se inscrevem no léxico dos azuis. Para tomar como exemplo
Museológica de Paestum2. das flores, a íris, a vinca e o mirtilo podiam ser classificadas
de vermelhos (erythros), verdes (prasos) ou negros (melas)
Porém ao observarmos Homero, voltamos a refletir, pois dentre (PASTOUREAU, 2000; p. 13-20).
seiscentos adjetivos que foram utilizados para qualificar os ele-
mentos naturais da paisagem na Ilíada e na Odisseia, os termos É interessante notar que na época homérica, jamais
que se referem à luminosidade e, não às cores diretamente, são encontraram qualificados os azuis do céu e nem aqueles do
extremamente numerosos. mar. Muito pode ser pelo fato das cores do mar e do céu não
estarem inscritas apenas em gamas de azul, mas num espectro
No grego, onde o léxico das cores se colocou durante cromático muito maior.
muitos séculos antes de se estabilizar, as duas palavras mais
frequentemente empregadas para designar o azul foram glaukos A partir daí se colocou a questão, no final do século XIX e no
início do século XX, sobre se os gregos viam o azul como nós
2. Disponível em:<http://www.paestum.org.uk/museum/classical/> Acesso em: o vemos hoje. Estas teorias também confundem o fenômeno
19 out. 2020.
62
da visão, fundamentado em grande parte pela biologia, como ou, muitas vezes, algo excêntrico, sobretudo na República e no
aquele da percepção, comprovado, em grande parte, pela começo do Império, sendo uma cor também utilizada como
cultura. Além disso, esquecem-se e ignoram o ponto, às vezes, sinal de luto. O azul para os Romanos, tratava-se de uma cor
mais importante a ser considerado, que existe em toda época, vista como algo sem graça quando apresentada clara, ou
em toda sociedade e em todo indivíduo, ou seja, a diferença inquietante quando escura; e, neste último tom escuro e frio,
entre a cor “real”, a cor percebida e a cor nomeada. frequentemente associava-se à morte e aos enfermos. Quanto a
ter os olhos azuis, era quase uma desgraça física. Na mulher era
Essa mesma dificuldade em nomear o azul se encontra também a marca de uma natureza pouco virtuosa; no homem, um traço
no latim clássico e, mais tarde, no latim medieval. Naquele bárbaro ou ridículo (PASTOUREAU, 2000).
momento, existia uma grande quantidade de termos: caeruleus,
caesius, glaucus, cyaneus, lividus, venetus, aerius e, ferreus, todos Mais tarde, duas palavras favorecerão a introdução de novos
polissêmicos, cromaticamente imprecisos e de emprego léxicos para designar azul; uma, vinda das línguas germânicas,
discordantes. “blavus” e a outra árabe, “azureus”. Palavras que terminaram
por tomar frente sobre as outras, impondo-se sobre as línguas
Do mais raro entre eles, o caeruleus, que etimologicamente romanas. Assim, em francês, como no resto dos povos vizinhos,
evoca a cor da cera (cire), que fica entre o branco, o marrom e o em italiano e espanhol, as duas palavras correntes para designar
amarelo, podendo vir a designar também, por outro lado, certas a cor azul foram herdadas do alemão e do árabe: “bleu” – blau e
nuances de verde e de preto, para depois chegar até as gamas “azur” – lazaward. (PASTOUREAU, 2000; p. 26).
dos azuis. Ou seja, é justamente o caso em que o termo se torna
tão genérico que passa a designar outras cores além do azul. Uma outra palavra que suscita controvérsias é a palavra Tekhélet.
Muito presente na Bíblia hebraica, palavra que para alguns
Essa imprecisão e instabilidade do léxico dos azuis é reflexo tradutores, filólogos e exegetas foi compreendida como uma
do pouco interesse que os autores romanos e, em seguida no forma de expressão para denominar a cor azul. Por outro lado,
começo da Idade Média cristã, davam a essa cor. Os romanos outros mais prudentes, compreenderam-na como uma forma
não eram “cegos para azul”, assim como foram considerados de denominar um material corante de origem animal extraído
os gregos e como acreditaram alguns eruditos do século XIX, do mar, o Murex. Estes moluscos oferecem tons que transitam
mas eles eram indiferentes, ou pior, hostis a esta cor. De fato, em do vermelho ao preto, passando por todas as gamas de azuis até
Roma, vestir-se de azul era, em geral, um ato de desvalorização chegar à púrpura, sem mesmo excluir certos reflexos ou tons,

63
inscrevendo-se naqueles dos amarelos e dos verdes. Sendo
assim, sabe-se hoje que associar a cor originada do Murex à cor
azul, é filologicamente errado (PASTOUREAU, 2000).

Basílica de San Vitale. Ravenna, Século 6 DC. Fonte: Página


UNESCO4.

O verdadeiro tingimento duplo de púrpura tinha grande


valor, assim como o ouro e, mais para frente o lápis-lazúli.
Primeiro, porque eram muito difíceis de serem encontrados,
como também, muito raros. Os Fenícios eram os únicos que
Murex Bolinus Brandaris. Fonte: Página Organização I Naturalist3.
sabiam produzir, guardando em segredo os processos de sua
manufatura por muitos séculos (JENSEN, 1963).
As palavras para nomear o pigmento ou corante criados não
estavam separados da substância de que eram feitas, o que
A cor que mais se aproxima de um tingimento com o Murex, que
demonstra a necessidade de utilizar o nome do material ou
se tem registro na história, pode ser encontrada nos mosaicos da
coisa para descrever a sua aparência (GAGE, 1999).
Basílica de San Vitale, em Ravenna. Nestes mosaicos, o manto
imperial de Theodora pode ser comparado ao resultado em

3. Disponivel em: <https://www.inaturalist.org/taxa/59285-Bolinus-brandaris>. 4. Disponível em: <https://whc.unesco.org/en/documents/111578>. Acesso


Acesso em: 10 out. 2020. em: 19 out. 2020.
64
tingimento feito com o molusco, um manto imperial de cor
púrpura, mas novamente, é preciso considerar a reinterpretação
desta cor agora para as pastilhas.

Podemos notar assim que o azul na Antiguidade é uma cor


incompreensível, ou ao menos inominável, variando em tons
entre amarelos, verdes, vermelhos, púrpuras e pretos. Fatos
que deixam para nós ainda mais dúvidas quanto à percepção,
atividade e existência desta cor, durante esta época da história.

PIGMENTO NATURAL: VEGETAL

Para conduzir o estudo sobre o azul, foram considerados os


Arbusto da Isatis Tinctoria. Fonte: Página Le Musée du Pastel 5.
pigmentos e corantes naturais responsáveis por inserir a cor na
vida cotidiana, seja nas vestimentas, seja na arte. O primeiro e
O nome comum Pastel deriva do termo latino do corante, as
principal pigmento corante utilizado na Antiguidade foi a Isatis
folhas da Isatis Tinctoria são esmagadas por moendas, movidas
tinctoria L. (1753), denominada muitas vezes de índigo, uma
por força animal, até obter uma pasta azul que, depois de
espécie de planta com flor da família Brassicaceae, conhecida
muita trabalhada e seca, ganha a forma de um bloco compacto.
pelo nome de Pastel ou Guede.
Este aspecto final confundiu muitas pessoas durante tempos,
chegando a ser considerada um mineral por longos períodos.
A tintura com este corante é conhecida desde o neolítico nas
Segundo o físico, farmacêutico e botânico grego, Pedanius
regiões onde o arbusto cresce. Esta planta, uma herbácea bienal
Dioscorides muitos a igualaram a uma pedra semipreciosa,
originária do sudoeste e centro da Ásia, da África e do Oriente-
vizinha do lápis-lazúli. Essa errônea crença da natureza mineral
Médio, ao longo do tempo foi trazida para as regiões temperadas
do índigo perdurou na Europa até o século XVI (PASTOUREAU,
da Europa, sendo utilizada como planta tintureira e medicinal.
2000).

5. Disponível em: <https://web.archive.org/web/20161117130930/http://www.


terredepastel.com/le-museum/>. Acesso em: 10 out. 2020.
65
Isatis tinctoria em bloco. Fonte: Página Le Musée du Pastel6. Florescência da Indigofera Tinctoria L. Fonte: Revista Jardins7.

Durante a Idade Média e a Renascença, a Isatis tinctoria foi O azul da planta tropical, Indigofera Tinctoria L. , dá aos tecidos
intensamente comercializada, mas a partir do comércio de seda, lã e algodão uma tintura profunda e sólida, além de
crescente com as Índias e as Américas, um outro tipo de azul penetrar mais facilmente na fibra dos tecidos. Frequentemente,
passou a ser produzido a partir da espécie tropical chamada mergulha-se o tecido dentro do recipiente cheio de corante e
Indigofera tinctoria. Esta última produz um azul semelhante, depois o expõe ao ar livre, o suficiente para a cor fixar no tecido.
porém mais concentrado e forte, denominado anil. Se o tom ficar claro, repete-se a operação muitas vezes até atin-
gir o tom de azul desejado, cada vez mais escuro.
A introdução do azul anil derivado da planta tropical foi
subsequente ao desenvolvimento das técnicas de síntese química No entanto, é importante ressaltar que no Brasil e no mundo,
das anilinas e de outros corantes sintéticos, ocasionando o fim mais precisamente nestes últimos 10 anos, começam a ressurgir
quase total desta cultura e, por fim o abandono dos engenhos atividades e intenções de fazer renascer o uso tintureiro do Gue-
que produziam esta tinta. de da Isatis tinctoria como também do Índigo tropical, o anil, da
Indigofera tinctoria.

6. Disponível em: <https://web.archive.org/web/20161117130930/http://www. 7. Disponível em: <https://revistajardins.pt/azul-indigo-um-corante-origem-ve-


terredepastel.com/le-museum/>. Acesso em: 10 out. 2020. getal/>. Acesso em: 10 out. 2020.
66
Na Alemanha, há um movimento na moda, por exemplo, de
proteger o tecido da lã e isto só é possível se não houver o uso
dos produtos químicos sintéticos que danificam os fios ao longo
do tempo. No Reino Unido, a produção também tem crescido,
visando a fabricação de tintas para impressão, uma vez que ela é
biodegradável e não poluente (THORPE E INGOLD, 1923; p. 23).

PIGMENTO NATURAL: MINERAL


Lápis-lazúli. Fonte: Wolfstone8.
Sobre as pedras preciosas, a Bíblia, por exemplo, fala mais
do que sobre as tinturas, mas como vimos, temos delicados O lápis-lazúli vem do Oriente. É uma pedra muito dura, hoje
problemas de tradução e interpretação (PASTOUREAU, 2000; considerada “semipreciosa”, em seu estado natural, apresenta
p.21). A safira, notadamente a pedra mais frequentemente um azul profundo, com veios brancos ligeiramente dourados. As
mencionada pelos livros bíblicos, como em Êxodos 28,18; 39,11, principais jazidas de lápis-lazúli encontravam-se na Sibéria, na
não corresponde nem sempre à safira que conhecemos, pois se China, no Tibet, no Irã e no Afeganistão, sendo os dois últimos
confunde muito com o Lápis-lazúli. (TRIPLETT, 2008, p. 163- países os principais fornecedores da pedra ao Ocidente Antigo
180) e Medieval.

É também assim para os gregos e romanos, e toda a Idade Média. Esta pedra sempre foi muito cara, não somente porque era difícil
As duas pedras, geralmente consideradas de igual preciosidade, de ser encontrada e vinha de longe, mas também porque sua
são bem conhecidas e comumente confundidas pela maior transformação em pigmento demandava um longo trabalho.
parte dos enciclopedistas e dos lapidadores. Os termos que Além disso, as operações de torná-la uma pasta, permitindo
ora designavam uma, ora designam a outra (azurium, lazuriam, transformar o mineral em pigmento utilizável para as pinturas,
lapis-azuli, lápis-scythium, sapphirum). Ambas são utilizadas nos são lentas e complexas. O lápis-lazúli contém um grande número
ornamentos e nas artes suntuosas, mas só o lápis-lazúli fornece de impurezas, portanto, era necessário eliminá-las e purificá-lo.
o pigmento dos pintores.
8. Disponível em: <https://wolfstone.fr/lapis-lazuli/>. Acesso em: 10 out. 2020.
67
Os gregos e os romanos não faziam este procedimento com Menos cara era a azurita, o pigmento azul mais utilizado na
destreza. Frequentemente se contentavam em apenas torná- Antiguidade Clássica e no mundo Medieval. Um mineral
la uma pasta em seu todo. Contudo, os artistas medievais composto de carbonato básico de cobre. Sua estabilidade é
encontraram posteriormente novos procedimentos à base de menor que a do lápis-lazúli, pois facilmente pode se transformar
cera e alvejante para livrar o lápis-lazúli de suas impurezas em verde ou preto, sobretudo quando mal preparada, seus azuis
(PASTOUREAU, 2000; p.22 apud VON ROSEN,1998). Mas, ficam ainda menos belos. Era também difícil de triturar e abrir,
enquanto o pigmento do lápis-lazúli produz tons azuis de resultando em uma pintura granulosa e espessa.
grande variedade e de bela intensidade e apresenta-se altamente
estável diante da luz, seu poder de cobertura é fraco. Os povos antigos sabiam igualmente fabricar pigmentos azuis
artificiais à base de limalha de cobre misturada com areia e
potássio. Os egípcios, notadamente, produziram esplêndidos
tons de azul e de azul-verdeado a partir dos silicatos de cobre.
É comum encontrar sobre os pequenos mobiliários funerários,
a cor azul nas estatuetas e figuras, as quais são frequentemente
revestidas por uma espécie de película que lhes dá um aspecto
vítreo precioso.

Simbolicamente para os egípcios, assim como para os povos


do Médio Oriente e Próximo, o azul era uma cor benéfica
que afastava as forças do mal. Sabe-se que no Egito Antigo os
mortos, em seus túmulos e caixões, eram envoltos com a cor
azul e dourado e, suas vestes e máscaras eram pintadas destas
cores para os ritos de passagem.

Azurita. Fonte: Wikipédia, imagem de Shilu Copper Mine, Guangdong,


China9.

9. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Azurita - /media/Fichei-


ro:Azurite_from_China.jpg>. Acesso em: 10 out. 2020.
68
O NASCIMENTO DAS CORES LITÚRGICAS nova teologia da luz. Contudo, salientamos, desde já, que essa
mudança gerou violentas controvérsias, retomadas, muitas
No simbolismo e na sensibilidade da alta Idade Média ocidental, vezes, durante grande parte da Idade Média, e mesmo além,
o azul permanece uma cor pouco valorizada, tal como na Roma dividindo os homens da Igreja ao propósito da cor e de seu
Antiga. Ao menos não é considerada importante, tal como lugar nos templos e nos cultos. Para a teologia medieval, a luz
as três cores que organizam ainda os códigos da vida social e é somente uma parte do mundo sensível que é visível e, ao
religiosa: o branco, o preto e o vermelho. O azul é considerado mesmo tempo imaterial. É “a visibilidade do inefável” – Santo
menos ainda que o verde. Agostinho. (PASTOUREAU, 2000; p.35). Daí uma questão: A cor,
se ela é luz, é ela também imaterial? Ou ela é apenas matéria,
O azul não é nada, ou pouca coisa, é apenas a cor do céu, mas simples invólucro vestindo os objetos? Para a Igreja o assunto é
que para muitos autores e artistas seria mais frequentemente importante.
retratado com o branco, o vermelho ou o dourado. Essa
pobreza simbólica não impede o azul de estar presente na vida Se a cor é luz, ela participa do divino por sua natureza. Sendo
cotidiana. No entanto, não era visto jamais dentro das cortes, era assim, cor e luz são indissolúveis. Mas se, ao contrário, a cor é uma
uma cor desprezada pelos grandes homens, usada apenas pelos substância material, um simples embrulho, ela não é emanação
campesinos permanecendo assim até o século XII. Na igreja, da divindade, mas um artifício fútil acrescentado pelo homem à
durante mais de um milênio, isto é, até os vitrais de fundo azul Criação. Por isso, seria necessário rejeitá-la, combatê-la, bani-la
da primeira metade do século XII, o azul permaneceu uma cor do templo, pois ela é imoral e nociva, sendo um obstáculo aos
rara. transitus que devem conduzir o homem a Deus.

TEOLOGIA DA LUZ Estas questões são debatidas entre os séculos VII-IX, período no
qual os teólogos possuem um papel concreto na vida cotidiana,
O azul cumprirá com o papel de luz divina alguns decênios refletindo sobre o culto e sobre a criação artística. Sendo assim,
mais tarde nos vitrais do século XII. Um azul claro e luminoso, as respostas que são obtidas destes debates determinaram o
praticamente inalterável, que não fará mais par com o verde, lugar da cor no comportamento do bom cristão, nos lugares
como era o caso sempre nas pinturas da alta Idade Média, mas que eles frequentavam, nas imagens que eles contemplavam,
com o vermelho. nas vestimentas que usavam e nos objetos que manipulavam.
Esse lugar entre o azul e o fundo das imagens se ligará à uma Condicionando assim, também e, sobretudo, o lugar e o papel

69
da cor na Igreja e nas práticas artísticas. Para ele, como para os grandes abades de Cluny dos séculos
precedentes, nada será suficientemente belo para a casa de Deus.
Desta forma, enquanto o prelado cromófilo, os amates da cor, Todas as técnicas, suportes, pinturas, vitrais, esmaltes, tecidos,
irão assimilar a ideia de cor e luz, o prelado cromofóbio, fóbicos pedrarias, ourivesaria, foram solicitadas para fazer da basílica
da cor, só verão nas cores a matéria e o pecado. Numerosos são um templo da cor, pois luz, beleza e riqueza são consideradas
os que, como Claude, bispo de Turin no começo do século IX, por Suger, meios necessários para venerar a Deus, exprimindo-
e depois São Bernardo, no século XII, pensam que a cor não se, primeiramente, através da cor azul (VERDIER, 1975; p.703 &
é luz, mas sim, é matéria. Portanto, qualquer coisa vil, inútil CROSBY, 1981).
e desprezível. Até o século XII, essas controvérsias nascidas
no início da época carolíngia durante a querela das imagens,
serão retomadas periodicamente em primeiro plano, opondo os
prelados cromófilos aos prelados cromofóbios.

Este assunto é importante pois nos dá base para compreender


a questão da cor em seu mais amplo aspecto, desde a
superficialidade até a espiritualidade, e sobretudo a presença
da cor no espaço e nas obras de arte.

O mais célebre entre os cromófilos é o Abade Suger que, entre


1130 e 1140, rebatizou a Abadia de Saint-Denis, oferecendo à cor
azul um lugar considerável. Sua concepção para a utilização da
cor azul aparece muitas vezes em seus escritos, notadamente
em De Consacratione: matereria saphirorum (SUGER, 1867). Ali
encontramos um trecho que Suger descreve seu sonho em cons-
Catedral de Saint-Denis. Paris. Fonte: Página Archdaily Brasil10.
truir uma igreja com pedras preciosas, semelhante àquela da Je-
rusalém celeste vista por Isaías e São João, uma igreja repleta
de safiras azuis, apara ele, a mais bela das pedras. (TRIPLETT,
2008) 10. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/802578/classicos-da-ar-
quitetura-basilica-de-saint-denis-abbot-suger>. Acesso em: 10 out. 2020.
70
Doravante, o azul ganha um lugar importante, um papel menos triste e escuro; vai se tornando uma cor aberta e luminosa.
essencial pois, como o ouro, passa a ser considerado luz divina Os mestres dos vitrais e os iluminadores se esforçaram por
e celestial, sobre a qual se inscreve tudo o que é criado. O azul colocar em acordo esse novo azul de Maria com uma concepção
passa a suscitar o Sagrado, a única cor capaz de permitir a luz de nova da luz que os prelados batizaram da herança recebida de
Deus entrar na igreja (GAGE, 1999; p. 69). seus antecessores teólogos.

O mais belo exemplo é, talvez, a Santa Capela de Paris, concebida


e construída no meio do século XII, dentro do período gótico.
Nela há sempre, entre o azul e o vermelho dos vitrais, uma
associação conferindo ao espaço interior das igrejas um aspecto
violáceo luminoso.

VESTES DE MARIA

Foi necessário esperar o século XII para que na pintura ocidental


a Virgem Maria fosse prioritariamente associada à cor azul.
Primeiramente a ideia que domina o azul de Maria está associada
à aflição, ao luto, pois a imagem da Virgem traz consigo a ideia
da perda de seu Filho. Essa percepção já era presente na arte
paleocristã, quando, na Roma imperial, trajava-se vestimentas
pretas ou escuras nas ocasiões funerárias de parentes e amigos
(ANDRÉ, VOIR J., 1949; p.72).

Todavia, na primeira metade do século XII, essa paleta foi se


reduzindo, e o azul, por fim, tendeu a tomar sozinho este papel,
atribuindo qualidade à Maria e ao luto. Por outro lado, durante
Giotto di Bondone, Afrescos na Cappela dell’Árena, Pádua, 1303-
os séculos depois, o azul vai clareando, tornando-se mais leve, 05. (acima) Ressurreição e Non me tangere. (abaixo) Ascensão. Fonte:

71
ZUFFI, S. 2012.
O extraordinário desenvolvimento do culto a Maria assegurou 3.II. RECONFIGURAÇÕES
a promoção desse novo azul e o estendeu a todos os domínios
da criação artística religiosa. Outro exemplo para análise, é a
pintura feita por Giotto de Bondone, entre 1302 e 1305-6, em O AZUL NO COTIDIANO
uma pequena capela chamada Capela Scrovegni em Pádua, na
Itália Sententrional. Os afrescos foram inspirados na vida da A partir do século XII, o azul deixa de ser a cor de importância
Virgem e de Cristo.11 Na maioria deles Maria foi pintada com seu menor ou de um pobre renome no Ocidente como foi durante
manto em rosa, símbolo da alegria e do amor, em outros, suas a Antiguidade Romana. Ao contrário, o azul, aos poucos, vai se
vestes se apresentam em azul, por exemplo nos quadros onde tornando a cor da moda, aristocrática, e até mesmo a cor mais
existe o luto e a separação. Em mil anos, nada igual fora feito. bela, segundo alguns autores. Em algumas dezenas de anos
Giotto redescobre a arte de criar ilusão e profundidade numa seu status muda, o valor econômico aumenta, sua moda nas
superfície plana, transformando a noção de pintura. Tal como vestimentas se acentua, seu lugar nas criações artísticas se faz
se a história sagrada estivesse acontecendo diante dos olhos12. invasivo. A espantosa e súbita promoção passa a ser testemunha
de uma reorganização total da hierarquia das cores nos códigos
sociais, nos sistemas de pensamento. Essa nova ordem das cores,
em que as primícias se fazem sentir desde o fim do século XI,
11. Uma restauração foi realizada em 2001 pelo Instituto Centrale del Re-
stauro de Roma, sob a direção do historiador da arte e restaurador Giuseppe não diz respeito somente à cor azul, e sim à todas as cores, mas
Basile. Segundo o pesquisador, o conjunto de pinturas trata de “um exemplo a sorte reservada ao azul é notável. (PASTOUREAU, 2000; p.50).
muito raro de pintura mural em que foram usadas quase todas as técnicas en-
tão conhecidas: o a fresco, à tempera, como também técnica a secco e à óleo,
as quais foram redescobertas por Giotto depois de séculos de esquecimento, Na Holanda do século XVII, após a Guerra dos Dezoito Anos,
o antigo estuque romano que era utilizado para pintar o aspecto de mármo-
re”. Disponível em: <www.giuseppebasile.org/restauri/la-cappella-degli-scro- período marcado pelas lutas por sua independência, nasce a
vegni/8-la-cappella-degli-scrovegni-i-caratteri-della-realizzazione-pittorica>. República Holandesa. Uma sociedade próspera, cujo período
Acesso em: 9 jan. 2018.
de estabilidade crescimento é chamado de Idade de Ouro,
12. Giotto preferiu seguir os conselhos dos frades pregadores que exortavam caracterizado pelo avanço na ciência e nas artes, num nível
os fiéis a visualizar mentalmente, quando liam a Bíblia e as lendas dos Santos,
como teria sido a cena da fuga para o Egito da família de um carpinteiro ou muito superior em relação à toda Europa. (GOMBRICH, 1999;
a do Senhor sendo pregado na cruz. Giotto não descansou enquanto não p.413)
reformulou tudo isso em seu pensamento: como se portaria um homem, como
agiria, como se impressionaria, se participasse de tais eventos (GOMBRICH,
1999, p.201-205).
72
A súbita quebra com os padrões monarquistas e a cultura Sua conversão ao catolicismo transformou não só sua vida
protestante deixou os holandeses sem opção se não aquela familiar como sua pintura, desde o inicio da sua carreira,
de se reinventarem completamente. A pintura religiosa entra sendo comissionado frequentemente a pintar imagens de
em declínio e novas formas de arte surgem. Os artistas do sul veneração. Nesta pintura ao lado, chamada A Leiteira, podemos
demonstraram-se em destaque em relação as cidades ao norte. compreender a dimensão religiosa que ela possui através da
A arte Flamenca, própria da região dos Flanders, atual região presença das cores azuis e dourados, iluminadas por uma
norte da Bélgica, é comumente relacionada à arte Barroca, porém claridade misteriosa que adentra pela janela.
esta não possui em sua essência a idealização esplendorosa do
amor como no Barroco, mas sim, a sobriedade da vida cotidiana Segundo o historiador de costumes Marieke de Winkel, os
dentro de uma perspectiva vista realista, própria dos valores aventais utilizados pelas trabalhadoras eram comumente
calvinistas. Para o protestante, sobretudo o calvinista, cumprir tingidos com pigmentos vegetais, a Guede extraída da Isatis
em vida a sua vocação divina é estar voltado ao trabalho e à vida Tinctoria, como vimos no primeiro capítulo, até atingirem
asséptica do cotidiano, sendo um dever religioso vedar qualquer um azul escuro. Uma vez que o azul seria o único tingimento
tipo de usura. (SCHNEIDER, N., 2010). disponível na região para preparar um uniforme capaz de
esconder as manchas produzidas durante o trabalho. (WINKEL,
As autoridades frequentemente toleravam os católicos na 2006; p.46).
região, sob a condição que praticassem suas reuniões dentro
de suas casas ou em pequenas capelas. Mas, mesmo com a Estas roupas azuis foram pintadas pelo artista com o pigmento
reforma protestante, um terço da população continuou sendo azul ultramar, feito de lápis-lazúli13, o mesmo utilizado igrejas
católica. Johannes Vermeer, artista holandês, embora tenha católicas até então, utilizados para designar o sagrado, nas
sido batizado na igreja protestante converteu-se ao catolicismo, pinturas dos céus e nas vestes de Maria e do menino Jesus.
provavelmente antes do seu casamento em 1653. Assim como Vemos aqui a transposição dos valores e sentidos da cor. Temos
muitos outros artista da época, Vermeer desenvolveu novas nesta pintura a imagem da serviçal vestida com azul junto ao
formas de expressão no campo da pintura devocional, pois amarelo-dourado apresenta-se como uma releitura das pinturas
enquanto os calvinistas enfatizavam as palavras e os textos sagradas, transpondo agora o plano celestial para o cotidiano.
bíblicos, os católicos acreditavam no poder das imagens para
conduzir a meditação, como caminho para o entendimento das
mensagens religiosas. (Harrington, 2021). 13. Pigmento muito provavelmente, comprado pelo seu patrocinador devido
ao preço dele. (WHEELOCK e BROOS, 1995; p.87).
73
O CARO AZUL

A promoção do azul nos séculos XII e XIII não se exprimiu


somente na arte e nas imagens. Ela tocou todos os domínios
da vida social, agindo profundamente na sensibilidade,
abrangendo consequências econômicas importantes. É o caso
dos brasões, que aparecem por toda a Europa ocidental durante
o século XII, por onde sua difusão foi rápida, tanto no plano
geográfico como no social.

No século XVIII, a onda das novas nuances do azul, tanto


na tintura quanto na pintura, contribuiu para torná-la,
definitivamente, a cor preferida por toda a Europa, mas
especialmente na Alemanha, Inglaterra e França. Nestes
três países, desde os anos 1740, a moda fez do azul uma
das três cores mais usadas, junto com o cinza e o preto,
notadamente nas cortes e nas primeiras cidades. Um fato
revelador dessa nova paixão, está ligado, em partes, à liberdade
enfim dada aos tintureiros para utilizar livremente o azul.

Era raro que nas classes superiores da sociedade se usassem


vestimentas azuis celeste e azul claro, pois estes eram trajes
dos camponeses, tingidos artesanalmente com a Guede de
qualidade medíocre, penetrando mal nas fibras dos tecidos e se
descolorindo facilmente com os alvejantes e a exposição ao sol,
tornando o azul inicialmente intenso ao longo do tempo num
Johannes Vermeer. A Leiteira, 1660. Fonte: Página Rijksmuseum14.
azul claro, certamente, mais acinzentado. (PELLEGRIN, 1992;
14. Disponível em: <https://www.rijksmuseum.nl/en/rijksstudio/artists/johan- p.39)
nes-vermeer/objects - /SK-A-2344,0>. Acesso em 10 out. 2020.
74
Na corte, o azul se coloca progressivamente em moda, em tons Essa moda rompe com os preceitos e ordens anteriores, sendo
claros, às vezes, muito claros, os quais foram primeiramente muito bem-sucedida e confirmada, uma vez que pode ser
utilizados nas vestes das mulheres e depois nas dos homens. Essa verificado o acréscimo do léxico dos azuis nas diversas línguas,
moda se estende ao conjunto da nobreza e às classes burguesas. na medida em que ele se diversifica consideravelmente, como
Ela se instala duramente em certos países (Alemanha, Suécia), mostra nos dicionários, nas enciclopédias e nos manuais de
onde o seu uso se prolonga até os primeiros anos do século XIX. tinturaria. (JAOUL e PINAULT, 1982; p.135-141)

Outro exemplo mais notável é o célebre hábito azul e amarelo de


Werther, que Goethe descreve no romance epistolar chamado
Os Sofrimentos do Jovem Werther, publicado em Leipzig, em 1774:
“(...)Eu de fraque azul, com um gilet e culotes amarelos(...)”.
(GOETHE, 2001; p.26)

O extraordinário sucesso do romance seguiu e lançou em toda


Europa a moda do azul. Até o ano 1780, numerosas pessoas
jovens imitaram o herói amoroso e desesperado, e vestiram um
fraque ou vestido azul, junto com um gilet ou culotes amarelos.
Goethe dota seu herói de uma veste azul porque esta era a cor
da moda na Alemanha ao longo dos anos 1770, mas o sucesso de
seu livro reforçou essa moda, estendendo-se para toda a Europa,
contribuindo para a expansão além do mundo do vestuário,
chegando às artes, como a pintura, a gravura e a porcelana.

As relações entre Goethe e a cor azul não se limitaram aos


Jean Auguste Dominique Ingres, Joséphine-Éléonore-Marie- Sofrimentos do Jovem Werther. Não somente o azul aparece nos
Pauline de Galard de Brassac de Béarn Princesa de Broglie, 1851– poemas da juventude, como nos de todos seus contemporâneos,
53. Fonte: Página Met Museum15. Goethe sobretudo faz do azul uma das cores mais importantes
15. Disponível em: <https://www.metmuseum.org/pt/art/collection/sear-
dentro de suas teorias sobre a cor, junto ao amarelo, sendo essas
ch/459106>. Acesso em: 10 out. 2020. as duas únicas cores puras de todo o espectro cromático.
75
O AZUL ROMÂNTICO

A sensibilidade romântica trouxe à simbologia das cores uma


atenção particular. Antes da primeira geração romântica as
conotações ao colorido não eram totalmente ausentes dentro da
criação literária, mas foram raras. Sendo assim, a partir de 1780
é que elas crescem. E entre as cores colocadas em cena pelos
escritores e poetas, uma é mais importante que todas as outras
pela extensão de suas gamas e do conjunto de suas virtudes: o
azul.

Dentre os artistas românticos temos em destaque o inglês


William Blake, artista, escritor e poeta, o qual utilizou os
tons de azul como pano de fundo, para aludir o mundo dos
sonhos, dos céus e da imaginação. Blake teve uma relação William Blake. Isaac Newton, 1805. Fonte: Página da Tate Museum17.
complexa com a filosofia iluminista, pois acreditava que os
fundamentos da existência humana caminhavam em direção Esta obra chamada Isaac Newton é uma monotipia feita por
oposta ao racionalismo e ao empirismo estabelecido por Isaac William Blake, completa em 1795, mas refeita em 1805. Faz
Newton. (GALVIN, 2004; p.54). Segundo seus valores religiosos, parte das 12 grandes gravuras em cor criadas entre o referido
acreditava ser o Iluminismo um caminho cruel, feito por tiranos período, incluída na série sobre imagens bíblicas chamada
que dizimavam a ideia de Paraíso e Harmonia no interior do Nebuchadnezzar.
homem16.
Nesta obra Isaac Newton é mostrado nu, envolto por um azul
extremamente escuro, debruçado sobre suas teorias, sentando
numa alga colorida, aparentemente, numa cena perto ou dentro
16. I turn my eyes to the Schools & Universities of Europe / And there behold
the Loom of Locke whose Woof rages dire / Washed by the Water-wheels do mar. Sua atenção está voltada para seus desenhos e diagramas,
of Newton: black the cloth / In heavy wreaths folds over every Nation; cruel
Works / Of many Wheels I view, wheel without wheel, with cogs tyrannic /
Moving by compulsion each other, not as those in Eden, which, / Wheel within 17. Disponível em: <https://www.tate.org.uk/art/artworks/blake-newton-
Wheel in freedom revolve in harmony & peace. (GALVIN, 2004; p.15-16) -n05058>. Acesso em: 10 out. 2020.
76
deixando todas as cores para trás18. Nesta obra a oposição de Tieck, seu amigo mais próximo. Este romance conta a
William Blake frente ao Iluminismo é demonstrada na parte estória de um trovador da Idade Média que parte em
inversa da gravura, na qual se encontra escrito: “O homem que busca de uma pequena flor azul vista nos sonhos, flor que
vê o infinito em tudo aquilo que existe a sua volta, consegue ver encarna a poesia pura e a vida imaginada. O sucesso dessa
Deus. Aquele que apenas vê seus axiomas, consegue apenas ver pequena flor foi considerável, tornando-se a figura simbólica
a si mesmo”19. O infinito é representado por um azul escuro que do romantismo alemão (PASTOUREAU, 2000; p.120).
o envolve nesta cena, um azul profundo e misterioso que parece
não ter fim, o qual Isaac Newton ignora nesta cena. Novalis abriu o campo para a literatura da imaginação, voltando
sua obra para assuntos sobre o desconhecido e encantamento
Para William Blake, as teorias científicas e racionais de Newton para com a Natureza. Em sua obra Heinrich von Ofterdingen,
eram ofensivas, pois reduziam o homem à esterilidade, à Novalis conta sobre a incessante procura por uma flor azul, que
cegueira e às atividades mecanizadas. Esta obra é claramente no decorrer do livro se apresenta de forma abstrata através de
uma crítica, representa como Newton deixava para trás todo o narrações sobre seus sonhos e visões, as quais vão ao longo do
colorido da natureza, enfatizando ao invés disso, o repressivo livro tornando-se cada vez mais densas e imprecisas, até a morte
espírito da razão, simbolizado através da presença de uma prematura do autor, deixando assim o livro inacabado. Esta
ferramenta que é emblema do materialismo, o compasso. O obra é de suma importância para compreendermos a noção
azul aqui traz o sentido do oculto, o inconsciente, as emoções, os romântica do azul, uma vez que ela inaugura uma nova visão
sentimentos, o lado invisível do homem, ignorados por Newton sobre o homem em relação aos sonhos, à morte, como também
(BURWICK, 1986; p.8). à natureza humana e ao inconsciente. Segundo Novalis:

O romantismo devotou um culto à cor azul, especialmente o (...). Não são os tesouros que fizeram despertar uma ânsia,
pois bem longe me encontro de toda a cobiça, mas possuo a
romantismo alemão. Sobre este terreno, o texto emblemático,
nostalgia de poder ver a flor azul. Isto não cessa de acompanhar
senão fundador, é o romance inacabado de Novalis, Heinrich minha imaginação, nem outra poesia ou pensamento se não
von Ofterdingen, publicado postumamente, em 1820, por Ludwig ela. Nunca havia experienciado tais sensações: parece como
se até o momento estivesse dormente ou como se, através dos
sonhos, fui transportado para outro mundo; pois no mundo
18. Isaac Newton. Display caption. Disponível em: <https://www.tate.org.uk/ que vivo, até agora: Quem já se preocupou com as flores? Eu
art/artworks/blake-newton-n05058. Acesso em: 10 junho. 2019. nunca ouvi falar de uma paixão tão estranha por uma flor.
(...) Gostaria de estar louco, pois a vi com muita nitidez, e
19. Trecho encontrado dentro de uma série de Aforismos filosóficos escrito
por William Blake, em 1788, que acompanham as gravuras. desde então tudo resulta mais familiar. Pois eu ouvi falar que
77
em tempos remotos que os animais, as árvores e as rochas ocultas por camadas de simbolismo. (WOLF. N, 2003)
falavam com os homens. E esta é a minha sensação, é como
se todos quisessem falar comigo, agora mesmo. E como se
pudesse adivinhar que querem me dizer. Deve haver muitas
palavras que eu desconheço; se soubesse de todas, é certo que
compreenderia melhor o que querem me dizer. Antes gostava
de dançar agora prefiro a música (...). (NOVALIS, 1951; p.8)

As figuras místicas e os gênios brilhantes foram os heróis do


Romantismo. Jovens com expressões de entusiasmo ou com
olhos sonhadores. Os artistas que morriam ainda jovens na
consciência melancólica do seu isolamento social povoavam as
galerias de retratos por volta de 1800: o poeta inglês Lord Byron,
o menino prodígio da música Mendelssohn e os jovens pintores
Géricault e Caspar David Friedrich.

Talvez uma das mais belas elucidações do homem


experienciando a imensidão sublime, força da própria
interioridade desenvolvida a partir do contato com a Natureza,
pode ser encontrada nas obras de Caspar Friedrich. Para ele, um
pintor que não tivesse um mundo interior não deveria pintar.
(WOLF. N, 2003, p. 73)

Na obra O Viajante sobre o Mar de Névoa, as zonas de cores


azuis se distribuem em camadas horizontais até o céu, em tons
cinzentos elas circundam o corpo do viajante colocando-o como
parte integrante de toda a atmosfera circundante. As nuvens
Gaspar Friedrich. O Viajante sobre o Mar de Névoa, 1818. Fonte:
para o artista não deveriam ser compreendidas como índices
WOLF, N. 2013, p. 58.
da Meteorologia, faculdade do conhecimento que era naquele
momento desenvolvida pelos holandeses, mas como formas
78
Friedrich se coloca a observar o mundo para além das névoas Nos aproximamos do século XX, o azul também passa a
azuis que vivem nos picos da montanha, se atendo a considerá- aparecer como força expressiva no trabalho de diversos artistas.
las como reinos etéreos, plenos de quintessência20. Aqui vemos É bastante conhecida, por exemplo, a fase azul do artista
o azul como um espaço infinito, que uma vez experienciado espanhol Pablo Picasso. O período azul de Picasso foi produzido
pelo viajante, o conduz à uma participação mística com Deus. durante os anos de 1901 e 1904, entre a Espanha e a capital
Aqui o azul ganha pela primeira vez a cor do elemento etéreo, francesa, Paris. Neste momento Picasso se distancia dos ricos
considerado na Antiguidade clássica por Aristóteles o elemento coloridos de sua fase pré-fauvista e expressionista e mergulha
mais perfeito de todos os elementos e aquele que ganha a forma num azul profundo, que unido aos verdes e vermelhos escuros
mais perfeita, a do círculo – símbolo da totalidade. e frios, passam juntos a expressar um período de depressão
devido aos incidentes trágicos de sua vida (BLUNT E POOL,
1962; p.10-15).
3.III. SÉCULO XX
Esta fase se inicia após o suicídio de seu amigo, artista e
PABLO PICASSO (1881-1973) companheiro, Carles Casagemas, ocorrido em 17 de janeiro de
1901, em Paris. O suicídio de Casagemas, por sua vez, transforma
“A verdade é que não tive a intenção de pintar símbolos, a maneira de Picasso enxergar a vida e a si mesmo, ocasionando
simplesmente pintava as imagens que surgiam diante dos uma grande transformação em sua obra.
meus olhos. Deixo para os outros a missão de encontrar
os significados ocultos que estão nas obras. Para mim um Na imagem a seguir, podemos ver o quadro chamado A Morte de
quadro deve falar por si só. ” Casagemas, 1901. Nesta obra verificamos ainda os traços de sua
Pablo Picasso fase anterior expressionista, formada por camadas espessas de
tinta, mas que, no entanto, já se apresentava em uma atmosfera
gélida com a presença de azuis frios, levemente iluminados
20. Tal pensamento, está vinculado à noção do mundo aristotélico que é for-
mado por duas regiões distintas. A primeira região é formada pelos quatro
por pontos amarelos, num fundo em vermelho escuro,
elementos de Empédocles, ordenados respectivamente de acordo com o peso representando justamente o aspecto sombrio da morte de seu
que cada um deles possui, fogo, terra, ar e água. A segunda região é forma-
da por um quinto elemento, ou quinta-essência – o éter. Este elemento é
amigo. A partir deste momento, o azul passa a ser frequente
responsável por tudo o que existe no céu, incluindo os planetas e as estrelas. em suas obras, representando a falta de calor e de desamparo,
A região celeste seria então a mais perfeita, composta de um elemento perfei-
to, devendo assim possuir a forma do mais perfeito dos sólidos: a esfera, cujo
sentimentos que tomam sua vida neste período e fundam um
movimento é circular e eterno. (CAMPOS, A; RICARDO, E, 2014.) novo olhar sobre o azul.
79
A ideia em burlar a hierarquia e os valores da sociedade fica
evidente aqui, onde através do azul Picasso une em uma cena,
sob o tema religioso, o sepulcro e a confissão com a imagem das
prostitutas e do cavalo no céu (LEIGHTEN, 1989; p. 6-10). Os tons
em azul conseguem expressar este ambiente celeste, que unido
aos tons cinzentos são capazes de adensar o drama da vida e da
religião, o pecado, a culpa, o medo e a salvação.

Diante da sua depressão, Picasso faz seu auto-retrato em azul


ainda no mesmo ano de 1901, quando depois da morte de seu
amigo, se instala no mesmo estúdio que era dele em Paris. Neste
momento Picasso passa a escrever sobre as noites de Paris re-
lembrando a sua alegria junto ao amigo.

Pablo Picasso. A Morte de Casagemas, 1901. Fonte: Página Artsy21. Nesta obra abaixo, podemos ver Picasso em seu autorretrato
com um semblante envelhecido, onde sua pele clara e seus lá-
Seus gélidos azuis, não só retratariam a qualidade fria da tristeza bios vermelhos confirmam o olhar exausto. A roupa, por sua
como também o carácter sombrio da perda, apontando para os vez, é retratada em tons de azul índigo, os quais adensam o senti-
seus próprios medos e dúvidas perante os destinos da vida. mento de tristeza e solidão e assombram ainda mais a atmosfera
vazia e silenciosa do seu recinto. Outra importante informação
Outra obra muito importante desta fase é a obra chamada para nós seria a que Picasso teria o hábito de pintar suas telas à
Anunciação, 1901. Esta pintura que foi denominada por seus noite, sob a luz cândida da lâmpada de parafina, oferecendo as
amigos mais próximos como “O Enterro de Casagemas”. Nela obras um tom ainda mais dramático na maneira de pintar seus
podemos ver o sepulcro de seu amigo na extremidade abaixo azuis (BERNARDI, 2018).
do quadro, e acima, no alto do céu, algumas mulheres nuas,
crianças e mães se colocam envoltas por um cavalo branco.

21. Disponível em: <https://www.artsy.net/article/artsy-editorial-emotional-


turmoil-picassos-blue-period>. Acesso em: 10 out. 2020.
80
Pablo Picasso. Auto-retrato, 1901. Fonte: Fonte: Página Artsy23.

Ainda em 1901, durante o outono, Picasso visita um hospital, que


ao mesmo tempo funcionava como uma prisão de mulheres em
Saint-Lazare. Ali o artista presencia a tristeza da mulher, vendo
prostitutas presas, muitas vezes encarceradas com seus filhos
e mulheres gravemente doentes24. A partir desta ocorrência,
Picasso se vê num momento de profundo desespero diante da
vida. As imagens do desamparo humano tomam o lugar das suas
telas, tornando sua arte um meio para comunicar e comover a
dor do mundo, trazendo à tona os mais puros sentimentos de
Pablo Picasso. Anunciação (O Enterro de Casagemas), 1901. compaixão. E tudo sempre muito azul em tons gélidos e escuros.
Fonte: Página Warburg22.
23. Disponível em: <https://www.artsy.net/article/artsy-editorial-emotional-
turmoil-picassos-blue-period>. Acesso em: 10 out. 2020.
22. Disponível em: <http://warburg.chaa-unicamp.com.br/img/obras/1-46.jpg>.
Acesso em: 10 out. 2020. 24. RICHARDSON, 1991: 218-224.
81
Anos depois Picasso passaria a desdenhar suas obras dizendo
que sua época azul “não eram nada mais do que sentimentos”26.
No entanto, todo o sentimento traduzido nestas formas azuis
incorpora a transformação profunda que ocorre em sua maneira
de expressar sua arte e ver a vida. Sentimento esse, originário de
uma série de reflexões sobre a metafísica que envolveu a morte
como a sua percepção da matéria para além das noções de
realidade compreendidas até então e posteriormente reveladas
no seu período cubista.

Sob essa perspectiva a cor azul poderia ser vista como a cor que
melhor representaria o desconhecido, o enigmático e o mistério.
Essa obra é o ponto culminante na expressividade dos azuis e
seus conceitos. Neste sentido seria a cor azul, a cor que melhor
representaria a morte, como também a ascensão? Expressando,
como uma metáfora, a estrada da vida como um grande mistério
a ser percorrido?

Como pude observar em suas obras deste período, acredito que


a cor azul na obra de Picasso abarca o sentimento do luto, os
valores morais e religiosos, como também o ocultismo. Esta
cor por ter uma herança hierárquica religiosa da igreja, cuja
qualidade é fria, traduz o luto e a tristeza, mas, ao mesmo tempo,
carrega nela mesma a qualidade para o despertar da compaixão
Pablo Picasso. Mãe e Filho, 1902. Fonte: Página Warburg25.
frente ao sofrimento humano. Por outro lado, o azul na obra
de Picasso, também nos remete a incerteza da vida, expressa
através dos conhecimentos místicos das cartas e dos sábios, as
25. Disponível em: <http://warburg.chaa-unicamp.com.br/img/obras/8-45.jpg>.
Acesso em 10 out. 2020. 26. RICHARDSON, 1991: 218-224.
82
quais revelam a duplicidade que há em tudo o que está ainda e os mitos. Embora Kandisky fosse um moscovita de coração,
em aberto na vida. ele teve sua formação também dentro da cultura alemã.

O período azul de Picasso, é acima de tudo, um chamado para Kandisky foi um grande leitor de Johann von Goethe, como
observarmos novamente o humano sob outra perspectiva, à também de Emannuel Kant. Tais conhecimentos tornaram-se
medida que o artista une os conhecimentos religiosos e místicos parte de sua vida, porém à medida que Kandinsky vivenciava o
com os políticos e sociais. Dentre as palavras utilizadas por desmoronamento dos valores humanos do mundo em guerra,
Picasso para descrever seu período azul, diz o artista: “o que sua necessidade em buscar outras filosofias não fundamentadas
importa é somente o amor”. A partir desta frase, podemos no idealismo kantiano, o aproximou mais dos conhecimentos
compreender sua forma de expressar os sentimentos através românticos, como também, do ocultismo e do misticismo, como
do azul, para daí rever os nossos valores e credos, assim como da doutrina teosófica.
sentir a dor e o sofrimento humano de maneira mais urgente.
(RICHARDSON, 1991; pág. 218-224) O sentimento da mudança dos tempos, bem como da convicção
de que a humanidade necessitava de uma introspecção espiritual,
levou Kandisky a unir as questões religiosas e ocultistas com
WASSILY KANDISKY (1866-1944) a arte, fundamentando sua obra partir dos conhecimentos
espirituais. Como disse Kandisky: “Quando a religião, a ciência
“A cor exerce uma influência direta sobre o espírito. A e a moral (esta última pela mão rude de Nietzsche) são abaladas,
cor é a tecla. O olho é o martelo. O espírito é o piano com e quando os apoios exteriores começam a ruir, o homem desvia
inúmeras cordas. O artista é a mão que oportunamente seu olhar das contingências exteriores e dirige-o para si mesmo”.
faz vibrar o espírito do homem segundo o seu capricho, (KANDISKY, W. 1996, p. 10).
através desta ou daquela tecla”
Wassily Kandisky A Teosofia, por sua vez, seria um amálgama de variadas vertentes
filosóficas decorrentes de diferentes religiões, cujo objetivo é criar
pontes entre os credos da igreja com os progressos científicos,
Para Wassily Kandisky, Moscou, a sua cidade natal, seria uma integrando a própria ciência com as ideias já estabelecidas
de suas principais fontes de inspiração, desde o contato com a pela religião, pela filosofia e pela arte. A Sociedade Teosófica,
interioridade até o calor familiar, como a paixão pela cor, música foi fundada no final do século XIX, por volta 1875, pela russa

83
Madame Helena Petrovna Blavatsky. (BLAVATSKY, H.P. 1980). para o azul. (...) Esse tom torna-se mais material ou
Os primeiros traços deste interesse voltado ao espiritualismo mais imaterial. O quente tende a aproximar-se do
dentro da obra de Kandinsky se mostram muito cedo, como espectador, ao passo que, o frio se distancia (…).
vemos em sua fase simbólica e, mais tarde, a correlação entre as (KANDISKY, W. 1996, p. 88, 89).
vibrações da cor e do som, relacionando ambas com as formas
geométricas. Para Kandisky, a qualidade das forças de uma cor, ou seja,
a sua vibração, estaria principalmente relacionada às suas
De acordo com a Teosofia, Kandisky acreditava-se que as qualidades de quente ou frio, sendo este primeiro aspecto de
cores eram capazes de afetar o observador, transformando-o suma importância para a concepção de sua, então chamada,
profundamente – “o olho sente a cor”, dizia Kandisky. Em suas Primeira Esquemática. Esta tinha como estrutura fundamental a
palavras: “o olho experimenta suas propriedades, e é fascinado polaridade amarelo (calor) e azul (frio).
por sua beleza. Através da cor o homem pode ser estimulado ou
acalmado”. (KANDISKY, W. 1996, p. 80). Mais para frente, no seu segundo esquema, Kandisky atribuiu
valor na diferença entre o branco e o preto, chamando este
Para Kandisky, quanto mais cultivado era o espírito do homem, esquema de Segundo Grande Contraste. Neste, Kandisky analisa
mais a cor exerciria forças nele, sendo assim, mais profunda a tendência que as cores possuem em relação ao claro (amarelo)
seria a emoção que a cor provocaria na alma. e o escuro (azul).

Para uma melhor compreensão sobre as forças vibracionais Vejamos como exemplo a imagem a abaixo.
que existem nas cores, é necessário demonstrar como ele as
reduziu num esquema simples, dividindo-as primeiramente,
entre quentes e frias. Esquema este que ele chamou de Primeiro
Grande Contraste:

(…) 1º- o calor e a frieza do tom colorido e, 2º- a


claridade ou obscuridade desse tom. Cumpre
entender por calor e frieza de uma cor esta de acordo
com a sua tendência que possui para o amarelo ou

84
Tanto na relação de calor e frio, como de claro e escuro, Kandisky estimulada, acreditando que se deixássemos o azul agir sobre
coloca a questão da cor em relação aos movimento de expansão a alma, o homem seria atraído para o infinito, o infinito dentro
e retração. Para ele a cor é vibração, força – uma energia. Sendo a de si mesmo. Para ele: “o azul seria a cor mais espiritual, ela
polaridade essencial, amarelo e azul, o fundamento antagónico é a cor do céu tal como se nos apresenta desde o instante em
essencial traduzido nos movimentos excêntrico e concêntrico, que ouvimos a palavra céu”. (KANDISKY, W. 1996, p. 88). Para
respectivamente. o artista, este despertar do homem em relação à cor permitiria
à humanidade se transformar e evoluir. Tanto no livro “Do
Ao fixarmos o olhar no triângulo amarelo, vemos esta cor Espiritual na Arte”, quanto na publicação do seu almanaque “O
expandindo, o amarelo irradia, emite calor, avançando o espaço Cavaleiro Azul” encontramos este propósito delineado.
circundante. O amarelo atinge aquele que o observa, por isso que
para Kandisky, essa cor estaria associada à forma do triângulo
ou pontiaguda. Enquanto que ao observarmos o círculo azul,
notamos que ele se contraí, pois é uma cor fria. À medida que o
azul se distancia do observador, Kandisky conclui que esta cor
estaria relacionada ao formato circunscrito, num movimento
dirigido para o seu próprio centro.

Foi a partir do princípio do movimento da cor que Kandisky


desenvolveu sua teoria e plástica, fundamentadas no
conhecimento espiritual teosófico, o qual defendia que à medida
em que deixássemos as cores agirem sobre nós, poderíamos nos
transformar. O amarelo para Kandisky tem a propriedade de
excitação, está associada à matéria, à razão, para ele, ela é uma
cor “terrestre e material”. Já o azul seria a cor “celeste”, a cor Wassily Kandisky. Capa do almanaque do Cavaleiro Azul. (Blaue
imaterial, aquela que apazigua e acalma à medida em que nos Ritter), 1912. Fonte: Página Artsy27.
aprofundamos em sua infinitude. (DÜTCHING, H. 2000)

27. Disponível em: <http://www.artnet.com/artists/wassily-kandinsky/holzs-


Para Kandisky esta ação da cor no homem era para ser chnitt-für-den-almanach-der-blaue-reiter-vZVcHIwWmvxQT9JSEgCpEQ2>.
Acesso em: 10 out. 2020.
85
Sendo assim, dentro deste contexto antipositivista, em dezembro
de 1911, foi inaugurada a primeira exposição da redação do
Cavaleiro Azul (Der Blaue Reiter), junto com seus amigos Franz
Marc, August Macke, Gabriele Münter, Henri Rousseau, entre
outros. A exposição deste grupo de artistas tinha como principal
intuito apresentar uma nova arte espiritual.

O almanaque teria o tema principal o Cavaleiro Azul. Este tema


já era muito presente na obra de Kandisky, cujas imagens
remetiam à São Jorge. Uma história mítica e religiosa sobre um
príncipe cavaleiro cuja missão é combater o dragão. Segundo
Kandisky, este conto estaria instrisicamente ligado ao desafio
do homem de hoje em fortificar o seu espírito e combater a
visão materialista do mundo. O azul por sua vez seria parte
do processo, uma vez que possuía em sua natureza a força
espiritual, imaterial e celeste. (DÜCHTING, H. 2000: 42)
Wassily Kandinsky, O Cavaleiro Azul, 1903. Fonte: Página Sothebys28.

O intuito de Kandisky através de suas obras do período do


Além disso, para Kandisky, o artista deveria trabalhar a si
Cavaleiro Azul era conduzir o observador na busca do sentido
mesmo, aprofundar-se, cultivar sua alma e enriquecê-la. Para
mais profundo no interior das imagens, deixando que estas
o artista o azul representa essa busca interior, esse estado de
atuassem no observador, conduzindo-o para além de uma
meditação para consigo mesmo. Em suas palavras: “É por meio
materialidade reconhecível. Vemos então, o mundo da fantasia,
da intuição e do som de sua voz interior que o artista encontra a
da música e dos mitos como tema central em suas obras,
sua missão, a voz interior da alma revela-lhe qual é a forma que
utilizadas no desejo de mostrar ao homem esses universos mais
convém e onde deve procurá-la”. (KANDISKY, W. 1996, p. 128).
sutís, e afastá-lo do materialismo.

28. Disponível em: <https://www.sothebys.com/en/art-movements/der-blaue-


reiter>. Acesso em: 11 out. 2020.
86
Na obra de Kandisky, vemos a cor se despreender da matéria e uma poética cromática singular. Suas referências são inúmeras.
da forma tornando-se imaterial, um timbre –– uma vibração. A Em suas palavras:
cor passa, então, a viver no espaço independente da forma a que
ela está agregada, tornado-se abstrata e, portanto, autônoma. “Delacroix, por exemplo, o campeão das cores, cujo
Podemos dizer assim que inaugura a arte abstrata. trabalho mora na pintura lírica. Ingres, o campeão
da arte acadêmica, quem perseguiu a pesquisa da
linha até suas últimas consequências. O que, em
YVES KLEIN (1928-1962) contraposição, me conduziu a levantar a questão
                            sobre a crise da forma. A beleza e a grandiosidade
A partir de Kandinsky a cor tomará um novo lugar na arte. dramática de Malevich e o insolúvel problema de
A cor ganha autonomia, passando ela mesma a ser o assunto organização do espaço de Mondrian. E, finalmente,
fundamental da obra de arte. e acima de tudo, a descoberta tão chocante dos
afrescos da Basílica de São Francisco de Assis.
Na obra de Yves Klein, vemos a cor se apresentar de forma pura Inescrupulosos monocromos, uniformes e azuis,
através do pigmento em pó. Em sua obra, a cor se desprende da os quais podem ser atribuídos a Giotto, ou a um
forma e alcança o espaço, tornando-se ela mesma a experiência de seus aprendizes, possivelmente seguidores de
essencial para a compreensão da obra. Cimabue, ou aos estudantes da Escola de Siena,
onde o azul a que me refiro  é simplesmente igual,
Ainda adolescente Yves Klein (1928-1962) disse “ter assinado seu possuindo a mesma qualidade e característica dos
nome no lado debaixo do céu durante uma fantástica jornada azuis dos céus de Giotto. Todos os quais podem
realístico-imaginária, enquanto criava uma espécie de ódio ser vistos nesta mesma basílica, admirados do
pelos pássaros pretos que sobrevoavam seus olhos, poluindo chão. Provavelmente Giotto tinha em sua mente a
sua visão do puro azul do céu sem nuvens” (COTRIM, C.; intenção figurativa de mostrar um límpido céu azul
FERREIRA, G. 2006, p.63). sem nuvens, drasticamente monocromático”29.      

Para ele, o pintor do futuro seria um colorista nunca antes


visto. O seu interesse a respeito das questões relacionadas à 29. Yves Klein. Conférence à la Sorbonne, 3 jun.1959. Paris, France: Centro
Nacional de arte e Cultura, 1959. 12 x 12”. 2 LP de vinyl. Edição numerada de
imaterialidade e aos processos ritualísticos, conduziu o artista a 500 cópias. Disponível em: <www.artep.net/kam/yves.wav. Acesso em: 28. dez,
2018.
87
Neste sentido, Klein perseguiria em sua obra a questão do vazio
e do imaterial, o corpo para além da matéria, o universo dos
sentidos e da sensibilidade.

Podemos ver isto na força intrínseca dos monocromos de seu


período azul. Mais de 200 monocromos azuis foram produzidos
por Klein, os quais eram para ele como “espaços puros
impregnados de valores imateriais”. Espaços estes que para ele
se encontravam num lugar muito além daquilo que podemos
ver ou tocar. Foi em seu ateliê, depois da retirada de quase
todas as suas obras anteriores que ele sentiu “o grande vazio”,
ali ele iniciou a criação dos seus monocromos – “ali o vazio azul
floresceu” (COTRIM, C.; FERREIRA, G. 2006, p.63).

Posteriormente, os monocromos azuis estabeleceram


uma estreita relação com a música, como na obra
Anthropométrie de L’Époque Bleue, feita às 10 horas do dia 9
de março de 1960 na Galeria de Arte Contemporânea
Internacional Maurice Arquian, em Paris. Foi uma
elaborada performance com a presença de modelos, para
ele consideradas como “pincéis vivos”. As modelos banhavam
seus corpos em tinta azul e marcavam suas formas sobre telas Yves Klein. Antropometria: Princesa Helena, 9 de Março, 1960.

brancas, enquanto um grupo de músicos30 junto com alguns Fonte: Página Yves Klein32.

cantores, tocavam a Sinfonia Silenciosa - Monotônica31.


O silêncio assim como o azul, para Yves Klein, remete à questão
do infinito, o espaço sem fim. O universo escuro e silencioso
30. Os instrumentos tocados pelos músicos eram violinos, violoncelos,
contrabaixos, saxofones e flautas.

31. KLEIN, Yves. Manifesto do Hotel Chelsea. Nova York, 1961. Para ouvir: 32. Disponível em: <http://www.yvesklein.com/en/oeuvres/view/1/anthropo-
www.artep.net/kam/yves.wav.Acesso em: 13. abril, 2017. metries/947/princesse-helena/?of=23>. Acesso em 14 out. 2020.
88
das esferas, assim como o silêncio infinito e obscuro do nosso
interior excedem os limites do corpo. Seguno Klein, o silêncio é
o momento mais importante em sua obra monotônica, uma vez
que é para ele o verdadeiro momento de felicidade.

O azul, portanto para Yves Klein pode muito bem ser


compreedido neste sentido em relação ao imaterial e ao abstrato.
Em sua obra chamada espaço pictórico sensível como Klein
os chamou, o homem que vivencia o azul , segundo o pintor,
“ele é banhado por esta sensibilidade, esta energia espiritual
imaterial, sendo capaz de se misturar neste todo imenso, sem
fim” (RESTANY, P., 1982).

Klein cria as esculturas aéreas, nas quais seu principal


desejo era expressar a ideia de leveza flutuante, através da
qual conheceríamos a força de atração que nos direcionaria ao
reino superior, lugar onde as forças terrestres seriam superadas e
onde seria possível “levitar em total liberdade física e espiritual”.
(RESTANY, P., 1982).

Durante a produção em seu estúdio, Klein sempre utilizava


esponjas, as quais evidentemente se tornaram azuis. Para ele
a esponja tinha a extraordinária capacidade de absorver e se
tornar impregnada com qualquer coisa que fosse fluida33 .

Yves Klein. Acorde Azul (RE 10), 1960. Fonte: Página Yves Klein34.
33. Yves Klein. Conférence à la Sorbonne, 3 jun.1959. Paris, France: Centro
Nacional de arte e Cultura, 1959. 12 x 12”. 2 LP de vinyl. Edição numerada
de 500 cópias. Disponível em: <www.artep.net/kam/yves.wav. Acesso: 28. dez, 34. Disponível em: <http://www.yvesklein.com/en/oeuvres/view/13/sponge-
2018. reliefs/789/l-accord-bleu-blue-chord/?of=2>. Acesso em: 14 out, 2020.
89
Em seus monocromos Klein também procurou investigar Ao nível simbólico da cor, podemos ver a questão da
o material utilizado, assim como o efeito visual dele. O desmaterialização em toda obra de Klein na utilização da tríade
artista notou que o pigmento em pó, quando associado ao veículo cromática: azul, rosa e dourado. Esta cromática se revela até o
e aplicado sobre a tela, perdia sua luminosidade e irradiação final de sua obra, para finalmente serem colocadas dentro de
original. E isso o levou a formular uma mistura de componentes um poderoso contexto místico no santuário de Santa Rita de
que permitisse reproduzir fielmente a intensidade luminosa que Cascia, localizado no alto das colinas da região de Úmbria. A
a cor possuía em seu estado inicial, assim como um pigmento obra seria uma expressão votiva, chamada Ex-voto, por onde
puro. Com a colaboração de um químico, Klein desenvolveu uma Klein pediu por sua proteção, como também de suas obras de
solução semelhante ao azul ultramar, uma tinta extremamente arte, mas por onde também agradeceu pelas forças superiores
saturada, composta pelo elemento químico do éter e derivados dadas a ele em vida, antes de morrer.
do petróleo.

O IKB, azul inventado e registrado, teve como objetivo


transmitir todo o pensamento contido nos chamados estados
pictóricos imateriais, através dos quais Klein dizia ser capaz de
manipular as forças do vazio, podendo se igualar a um processo
de transmutação.

Este processo, que muito se assemelha ao processo alquímico de


transmutação da matéria, ganha ainda outro lugar, à medida que
somente o alquimista mais evoluído poderia alcançar o ouro.
No entanto, durante este processo de transformação da matéria,
teríamos que levar em consideração a transmutação do próprio
alquimista, uma vez que não era apenas sua astúcia mecânica
que geraria esta pedra cara, mais seu âmago e sua essência mais Yves Klein. Ex-votos dedicado a Santa Rita de Cássia, 1961.
profunda e evoluída. O ouro só poderia ser alcançado quando o Fonte: Página Yves Klein35.
alquimista em si mesmo alcançasse a mesma qualidade.
35. Disponível em: <http://www.yvesklein.com/en/oeuvres/view/13/sponge-
reliefs/789/l-accord-bleu-blue-chord/?of=2>. Acesso em 14 out. 2020.
90
Trata-se de uma pequena caixa de vidro, dividida em três Para entender os aspectos e sentidos dados aos azuis na obra de
nichos, contendo pigmento azul IKB e rosa e, folhas de ouro, Anish Kapoor, precisamos rever a importância da batalha entre
contando com mais três pequenas barras de ouro incrustadas a luz e a escuridão em sua obra, tão como a presença do mito de
na parte inferior36. O santuário foi um dos últimos lugares criação, a questão do Self e a força da herança histórica da arte.
visitados pelo artista antes de sua prematura morte em 1962. As
cores escolhidas lembram as cores dos vitrais das igrejas góticas Filho de pai indiano e mãe judia de origem inglesa, Kapoor
do século XII em que os azuis em conjunto com os vermelhos e desenvolve suas obras criando paralelos entre a mitologia antiga,
amarelos, formam um aspecto violáceo no ambiente iluminado a psicologia moderna e a arte, aproximando-se destes conceitos
pela luz. Yves Klein explorou as relações entre os processos através de uma prática de trabalho altamente tecnológica,
ritualísticos com o uso dos materiais e das cores, retomando na unindo o homem contemporâneo ao antigo.
arte moderna o lugar para questões sobre o espiritual37.
A arte para Kapoor opera como um mistério. A arte é para ele
uma espécie diferente de luz, a qual ilumina tudo aquilo que
ANISH KAPOOR (1954*) não pode ser visto, pois elucida o mundo invisível, fazendo
submergir tudo aquilo que está oculto. Para ele, produzir arte
é se envolver com a mitologia, uma vez que ela vive no reino
“A única razão em produzir arte é relacioná-la com a luminoso, mitológico e sublime. Em suas obras, Kapoor não
Mitologia”. faz referência apenas à cor azul, mas, também à multiplicidade
Anish Kapoor cromática, junto ao vermelho e o amarelo. Contudo, a cor azul
ganha um lugar especial em suas obras, o lugar simbólico da
força criadora e da morte.

36.  Trata-se de uma expressão moderna que fala da relação entre o frágil Entre os anos de 1980 e 1990 Kapoor produziu um corpo de
mundo dos homens e o inexorável mundo dos deuses. É uma relação cujo
modelo estrutural se mantém semelhante em diferentes matrizes religiosas, desenhos com referências extremamente simbólicas. Imagens
desde a Antiguidade. de cavernas, montanhas, orifícios, relevos e formatos que
37. Sendo o azul, rosa e dourado as cores utilizadas por Yves Klein durante toda lembram os órgãos sexuais masculinos e femininos. Nesta obra
a sua vida. Para Yves Klein o ouro principalmente é símbolo da espiritualidade, chamada Céu (1986), Kapoor delineia o formato de uma vúlva
comum a todas as épocas e todas as culturas. YVES, K. Le dépassement de la
problématique de l’art et autres écrits. ENSBA, Beaux-Arts de Paris, 2003, p. em azul no alto do monte, o que nos faz refletir sobre o símbolo
243.
91
da montanha, da mulher e do céu, todas as imagens interligadas “Uma das coisas que estou sempre procurando
pelo mesmo sentido simbólico do azul, presente na imagem da é ver para onde os desenhos vão, se eles se abrem
virgem, nos céus e nas montanhas. mais para uma linguagem, ou a reinterpretam, ou
ainda, se a redescobrem. Eu infelizmente ainda não
vejo a resposta, pois acredito que estes desenhos
abandonaram o lugar de significado-cognitivo
direto. Mas acredito que este lugar nebuloso
do desconhecido é bom”. (Texto parcialmente
traduzido; COENEGRACHTS, 2005; p.184.)

O nebuloso em seu proceso criativo é bem vindo, Kapoor


acredita que seus desenhos refletem sobre este processo de
criação, que surge de um núcleo obscuro expandindo o espaço
circundante de maneira imprecisa e indireta.

Podemos ver que em volta do núcleo extremamente preto existe


um campo azulado que vai se expandindo, como uma espécie
aura, até a extremidade clara de todo o papel. Existe um aspecto
que confere uma relação entre o mito de criação que define
Anish Kapoor. Céu, 1988. Fonte: Página Anish Kapoor38. que a escuridão existia antes da luz, e que tudo o que existe é
decorrência dela: a escuridão clama pela luz e tudo se faz39.

Para Kapoor a relação frente ao desconhecido é animadora


e, nada mais é que a nossa própria relação com o lado oculto
presente também no processo de criação de uma obra de arte.
39. Não é por acaso que na Teogonia de Hesíodo, Caos gera sozinho as trevas
Segundo Kapoor: profundas, Érebo (o crepúsculo) e Nix (a noite), enquanto de Nix nasceu a luz
radiante, Éter e Hemera, as forças da claridade. A matéria informa, confusa e
opaca, o Caos, gera primeiramente as trevas. É que para Hesíoso o cosmo se
38. Disponível em: <http://anishkapoor.com/4632/sky>. Acesso em: 14 out. desenvolve ciclicamente, de baixo para cima, passando das trevas à luz.
2020. (BRANDÃO, 1992)
92
Existe uma preocupação alquímica neste desenho, enquanto
a luz carrega consigo o sentido de medida, de espaço e tempo,
tudo aquilo que vive dentro do buraco negro está oculto
para nós. Este retângulo negro representa para nós tanto a
possibilidade e nascimento, a criação da vida, como de extinção,
o fim. (CELANT, 1998).

Em outra perspectiva, a obra escultórica em azul chamada


Mother as a Void (1988) nos faz compreender este sentido
simbólico da escuridão. Pois ao mesmo tempo que ela é o útero,
o espaço vazio em potencial, ela é a morte –– o eterno retorno.

Anish Kapoor. Sem título. Guache sobre papel. 1997. Fonte: Página
Anish Kapoor40.

Nesta série de desenhos Kapoor deseja elucidar de forma prática


este encontro da luz com a escuridão, através das manchas
imprecisas. Kapoor nos aponta a ideia de que para compreendê-
las precisamos refletir sobre a nossa origem, pode se dizer que a
“Genesis” está presente nessas obras (COENEGRACHTS, 2005;
p.192).

O buraco negro central, nos remete ao espaço onde o tempo


cessa, de onde tudo nasce e para onde sempre tudo retorna. Anish Kapoor. Mother as a Void, 1988. Fonte: Página Anish Kapoor41.

40. Disponível em: <http://anishkapoor.com/835/untitled-51>. Acesso em: 14 41. Disponível em: <http://anishkapoor.com/389/mother-as-a-void>. Acesso
out. 2020. em: 14 out. 2020
93
AMELIA TOLEDO (1926-2017)

3.IV. AZUIS NO BRASIL

Tendo em mente que a nossa herança cultural e visual está


intrinsecamente relacionada às questões e desenvolvimento das
artes européias, veremos aqui como os azuis irão ser conjugados
na arte brasileira de forma coerente com toda a história que
pudemos analisar até então.

No Brasil, vemos que os azuis nunca tiveram tanta importância


simbólica como na arte contemporânea, isto é, tornando-se
tema central para a produção artística, cujas pesquisas estão
sedimentadas nas questões religiosas, como também, espacial,
social e política. Veremos adiante a obra das artistas Adriana
Varejão e Sandra Cinto, cujos azuis se configuram de forma
consciente, contextualizados no âmbito histórico cultural e
visual, tornando-se parte fundamental do complexo simbólico
da cor azul no Brasil e no mundo. A escolha por artista mulheres
se fez intuitivamente, mas sobretudo pela força do trabalho
delas. Por outro lado, o azul, símbolo do feminino, se revela aqui
de maneira factual.

Amelia Toledo. Oceanico, 1990. Fonte: Página Amélia Toledo42.

42. Disponível em: <https://ameliatoledo.com/obra/escultura/>. Acesso em: 14


out. 2020.
94
Desde os anos 1960, Amelia Toledo sobrepõe elementos natu- SANDRA CINTO (1968*)
rais e industriais em esculturas e instalações que buscam trazer
ao observador tanto experiências pessoais quanto relações entre
objeto, entorno e paisagem. Para tal, as superfícies espelhadas
e os minerais são utilizados para criar jogos de reflexos,
ressonâncias e potencializar o impacto sensorial dos materiais
utilizados. Ao longo de toda sua pesquisa, foi essa abordagem
experimental em relação aos materiais que fundamentou
sua carreira. Além de objetos tridimensionais, tal abordagem
também foi empregada em aquarelas e pinturas a óleo.

Na obra Oceânico, a concetração no problema do espaço sob o


ângulo específico do pensamento escultórico de Amelia Toledo
pode passar a falsa impressão de que sua produção pictórica,
retomada depois da década de 1980, para não mais ser deixada de
lado, não possui a mesma força. Ao contrário, sua contribuição
está entre as mais substantivas de sua geração. Sandra Cinto. Passage: A Day in Eternity. Japão, 2015. Fonte: Página
Fidalga43.
O diálogo do corpo com o espectador, vai se intensificando ao
longo dos anos, à medida que a artista vai abrindo uma nova
dimensão em sua obra, permitindo que a pintura acontecesse O espaço infinito e místico do azul tomará um lugar importante
para além da tela presa ao chassi. Oceânico é uma instalação que na obra da artista Sandra Cinto. O espaço celestial, um céu feito
se junta à família de obras chamada Penetráveis, feitos também ora com azuis calmos, ora de espaços escuros iluminados de
por Hélio Oiticica e Rafael Jesus Soto. Esta obra é praticamente estrelas metálicas brilhantes. Em sua obra há a expansão do
um cubo de aresta de 5 metros, composto por longas faixas de desenho no espaço, tomando conta de maneira brutal enquanto,
aniagem tingidas de azul e suspensas no espaço. Dona de uma ao mesmo tempo, ocorre de forma singela e delicada.
verticalidade monumental, acentua a sensação que a cor está
invadindo o nosso corpo e nos conduzido ao alto. (FARIAS,
43. Disponível em: <http://ateliefidalga.com.br/galerias/sandra-cinto>. Acesso
2004) em: 14 out. 2020.
95
Seu processo de desenhar se manifesta de maneira devota, O azul na obra de Adriana Varejão revela o paradoxo dos
seus azuis são revelados em mares tempestuosos, refletindo a processos históricos no desenvolvimento da sociedade
incomensurável força da natureza. (MELIM, 2008) brasileira. Subvertendo os usos dos azuis próprios do estilo
barroco dos azulejos portugueses, Adriana Varejão reformula a
O sublime, na obra de Sandra Cinto, dispõe-se para aquele que narrativa original da história colonial, passando a discutir sobre
a observa, oferecendo sentido para o processo de imensidão as hierarquias e injustiças no decorrer do processo civilizatório
interna e a paisagem funciona com um espelho da interioridade. do país.
O azul celeste se dá no espaço etéreo que ecoa no silêncio
daquele que o contempla. Na obra Passage: A Day in Eternity, um Desde a cidade de Ouro Preto às piscinas de hoje, pinturas,
ambiente azul é concebido em uma sala que convida os corpos a esculturas e instalações são concebidas de forma bidimensional
repousar em um calmo sonho. (CHIARELLI, 2002). e espacial. O contraste entre o branco e o azul, a presença do
craquelado cerâmico e o complexo de signos e interpretações
históricas passam a criar juntos novas narrativas. (DRUMMOND,
ADRIANA VAREJÃO (1964*) 2008; SCHWARCZ e VAREJÃO, 2014).

Em seus azulejos brancos craquelados, pincelados por vários


tons de azul, Adriana exalta o sensorial através da pulsação
matérica em suas obras, criando diálogos transversais entre
o legado barroco e as cicatrizes inscritas de um passado
lamentável. Seus azulejos azuis revelam-se de certa forma como
um machucado de um falso azul, cuja espiritualidade mentirosa
extinguiu no povo originário da terra Brasil, revelado na cor
visceral do vermelho, símbolo da terra e do corpo.

Adriana Varejão. Celacanto Provoca Maremoto, 2004-2008.


Fonte: Página Inhotim44.

44. Disponível em: <https://www.inhotim.org.br/inhotim/arte-contempora-


nea/obras/celacanto-provoca-maremoto/>. Acesso em: 14 out. 2020.
96
LIVRO COLORIDO
INTRODUÇÃO

Ao final, apresento um texto sobre as pinturas digitais e o vídeo


Neste Livro Colorido faço uma reflexão sobre as minhas obras
que foram produzidos durante o ano de 2020, concluindo
coloridas sob a luz de vários autores e artistas cujas experiências
assim, esta pesquisa de doutorado. Estas obras possuem como
e produções com as cores se aproximam das minhas. Uma vez
referência principal os estudos feitos sobre a teoria das cores
que é a partir deste processo de aproximação que encontro o
dentro do campo da Antroposófica, tenho como intuito tornar
caminho para a compreender melhor as cores em minhas obras.
claro ao leitor a influência deste campo do conhecimento dentro
da minha produção hoje.
As obras que compõem esta parte da tese variam entre colagens
de papel e tinta acrílica sobre tela, nanquim e guache sobre
No meu processo de criação as imagens eclodem de
papel, objetos tridimensionais e instalações feitas de madeira e
forma repentina, elas vêm prontas, surgem a partir de um
tecido, imagens feitas por recursos digitais e um vídeo.
ímpeto criativo, cuja origem é desconhecida e que opera
involuntariamente dentro de mim. Acredito que cabe ao artista
Primeiro apresento as obras que antecedem esta tese,
captar a eclosão destas imagens, acolhendo a emergência no
produzidas entre 2008 e 2013, as quais servem de base para
instante de sua aparição, para depois então, produzi-la. Não
compreendermos melhor o meu processo de criação com o
obstante, cabe posteriormente, também ao artista, refletir sobre
colorido até hoje. Nesta primeira parte retomo as questões sobre
o porquê da existência de sua obra, sem ignorar o contexto
as cores complementares, os processos de percepção da cor e a
cultural onde desenvolve o seu fazer.
questão sobre o seu aspecto imaterial, pontuando os artistas e
estudiosos da cor cujas produções se aproximam das minhas.

99
CAPÍTULO 1.

MINHAS OBRAS COLORIDAS

101
observado no céu, ao nascer e pôr do sol, como também através
de experimentos feitos com papéis pintados, colocados lado a
CAPÍTULO 1
lado. Segundo Petrini:

MINHAS OBRAS COLORIDAS “(…) Existe uma reação mútua entre as cores quando
colocadas perto umas das outras, tanto é que a
aparência delas são por vezes pouco perceptíveis.
Este assunto é há muito tempo conhecido pelos
pintores, chamado de contraste. Eles notaram,
1.I. FUNDAMENTOS: A COR por exemplo que um tom bem leve de azul se
ACIDENTAL transforma em um azul um pouco mais delicado
quando circundado por uma luz bem tênue com
“São chamadas colores adventicii por Boyle; imaginarii um tom violeta-avermelhado. Não há nuanças que
e phantastici por Rizetti; couleurs accidentelles por não podem ser transformadas em outro delicado
Buffon; cores aparentes por Scherffer; ilusões de ótica e ou vívido tom quando colocadas perto de sua cor
visão enganosa por muitos; vitia fugitiva por Hamberger e complementar. Você pode também notar uma
ocular spectra por Darwin” (GOETHE, 2013, p. 79). mudança no tom de uma cor dada igualmente
quando contrastada por uma outra vizinha colocada
As minhas primeiras colagens realizadas entre 2008 e 2014, sobreposta, ou quando circundada nos cantos. Um
refletem sobre as pesquisas cromáticas que afirmam ser a cartão laranja sobre um vermelho de fundo pode ser
perceção das cores algo fugidio, considerando que a nossa visto quase como amarelo; mas num fundo amarelo
percepção de cor varia de acordo com aquela que se apresenta a mesma será notada com vermelha. Se outra vez,
ao seu lado, ou seja, a partir de aproximações. ela for colocada sobre um fundo verde, ela será
notada como um vermelho escuro, e sobre um fundo
Este fenômeno entre as cores já havia sido analisado pelos violeta ainda o mesmo cartão laranja será notado
pintores venezianos e tintureiros em suas funções, como como um amarelo limão ou uma cor sulfúrica.
também por Leonardo da Vinci. Chamadas de cores acidentais Mas sobre quando colocada por sobre um fundo
por Da Vinci, o entrecruzamento cromático poderia ser de cor índigo ou roxo, ela retornará a surgir na sua

103
própria cor, como se estivesse colocada por sobre
um fundo branco, mas certamente mais intensa que
neste ultimo caso”. (Texto parcialmente traduzido.
PETRINI, Pietro. De i colori accidentali della luce, ossia
dela generazione de i colori ne’vari accidenti d’ombra e di
luce. Pistoia, 1815, p. 50)

Podemos verificar que este princípio da lei dos contrastes, é uma


lei pela qual a visão equilibra as partes constituintes dos objetos
observados até alcançar um nível de total harmonia, isto é, até
atingir um estado visual de compensação satisfatório.

Isto fica evidente quando a visão é estimulada por uma cor, a Livia Paola Gorresio. Flamour, 2009.

partir daí a própria busca num espaço em branco compensa Papel kraft e tinta acrílica sobre tela. 100 x 200 cm.

aquele estímulo, visualizando ali a sua complementar, por um


curto período de tempo. Como vemos no exemplo abaixo. Nesta obra chamada Flamour expresso as minhas sensações
referentes à cor vermelha, considerando também tudo o que
Sugiro a experiência de fixar o olhar neste círculo azul por 30 esta cor pode significar. Com a sua presença levo o espectador
segundos e posteriormente fixar o olhar no espaço ao lado, em a enxergar um mundo vermelho, a imergir nesta cor. Segundo
branco. Veremos surgir ali, neste espaço em branco, um círculo a teoria dos contrates, supostamente, o espectador ao deixar o
amarelo. Este fenômeno pode ser chamado de cor pós-imagem, quadro, depois de ser estimulado com a cor vermelha, buscaria
esta cor é formada pela nossa visão, no intuito de equilibrar o involuntariamente compensar o estímulo recebido no ambiente
estímulo recebido, até atingir um estado harmônico. a sua volta.

Uma contribuição muito significativa para entender melhor


este assunto a respeito da compensação visual, é Doutrina das
Cores, de Johann Von Goethe. No capítulo chamado Cores
Fisiológicas. Goethe diz:

104
[1.] Trataremos dessas cores em primeiro lugar, pois podemos ver na obra de Michel Chevreul que irá garantir em seu
pertencem, no todo ou em grande parte, ao sujeito, livro A Lei dos Contrastes Simultâneos1 um discurso aprofundado
ao olho. São o fundamento de toda a doutrina e nos sobre as cores acidentais e os processos da percepção. Chevreul
revelam a harmonia cromática, que deu origem defendeu a lei dos contrastes simultâneos, primeiramente
a tantos conflitos. Foram até agora consideradas publicada em Paris, em 1839, cuja tese está fundamentada na
supérfluas, contingentes, como ilusão e deficiência. observação do comportamento das cores.
Os fenômenos dessas cores já eram conhecidos em
tempos remotos, mas, como não se conseguia captar Sobre a percepção das cores, Chevreul aponta que a nossa
seu caráter evanescente, foram banidos ao domínio capacidade de compreensão do mundo a nossa volta reside
dos espectros inoportunos, tendo, neste sentido, na habilidade de perceber contrastes, seja de cor e luz, seja de
diferentes denominações. qualquer espécie de quebra ou diferença de direção ou de forças
[2.] São chamadas colores adventicii por Boyle; (CHEVREUL, 1855, p.391). A lei dos contrastes nada mais é que
imaginarii e phantastici por Rizetti; couleurs a lei da natureza, que é revelada no balanço das polaridades
accidentelles por Buffon; cores aparentes por extremas até atingir equilíbrio.
Scherffer; ilusões de ótica e visão enganosa por
muitos; vitia fugitiva por Hamberger e ocular spectra Vemos o assunto sobre a percepção das cores complementares
por Darwin. surgir ao longo de todo o livro, o qual está voltado para análise
[3.] Nós as chamamos de fisiológicas, pois pertencem das cores no cotidiano, como na decoração, na tapeçaria, no
ao olho saudável e são consideradas condições paisagismo, na moda e etc. Vemos no capítulo sobre moda, cujas
necessárias à visão; indicam uma viva alternância análises se atem às vestimentas e acessórios, Chevreul descrever
interna e externa no olho. (GOETHE. J, 2013, p. 77). o comportamento do azul em relação ao amarelo. Ali podemos
entender melhor sua pesquisa, que visa demonstrar passo a
A cor para Goethe, como já vimos aqui, era viva. Goethe estava passo todas as experiências feitas com os objetos coloridos que
convencido de que a cor era um fenômeno vivente, ou seja, era compõem o dia-dia. Leiamos o item 663:
a própria natureza em atividade, passando a explorar as cores
1. Esta pesquisa cromática foi dividida em partes diferentes, todas aplicadas
como processos dinâmicos vivos. ao mundo construído, seja na arquitetura, decoração, moda, na horto-cultura
ou, por fim, nos experimentos estéticos com objetos coloridos. Chevreul
comenta vários aspectos em seu estudo sobre a cor como, volume, movimento,
Posteriormente, este tema ganha novos caminhos, como justaposição, sucessão, arranjo e tempo, como também os processos de
psicológicos da percepção.
105
de direção de forças, é onde vive a percepção, é onde
(...) Estas duas cores vão bem juntas; O azul dá existe vida (...). (ARGUËLLES, J. 1972, p. 53).
ao laranja um tom amarelo, que fica muito mais
evidente quando o tom deste último é mais forte, Para Charles Henry, a lei dos contrastes estava fundada na lei
e quando o azul é mais rebaixado. Em outro caso, natural presente em tudo o que há, oferecendo a nós uma ótica
sob as mesmas condições, o amarelo comunica mais abstrata sobre o tema. Para ele quanto maior o contraste
com o azul e o violeta, mesmo porque o amarelo entre as cores, maior a energia que dele reverberava.
neutraliza estes dois. Mas, se existe uma grande
diferença em tom entre uma destas duas cores, o Estas teorias foram muito importantes para o desenvolvimento
contraste aparente desta diferença provavelmente do impressionismo e neoimpressionismo. Toda a atividade ótica
irá se tornar quase insensível. Além do que, em e conceitos relacionados às cores trariam para a arte, a partir
um certo momento, um profundo azul pode até deste momento, um novo rumo.
parecer preto e menos violeta, quando o amarelo
se apresenta mais fraco, tendendo para o verde (...)”. Neste sentindo podemos criar paralelos entre as minhas
(CHEVREUL, 1855, p.241). colagens e as obras dos artistas impressionistas e os
neoimpressionistas, uma vez que o processo de pintura destes
Vemos aqui a lei dos contrates operando de forma clara, artistas impressionistas levava em consideração as técnicas e os
Chevreul retoma os antigos estudos sobre a cor, oferecendo conceitos sobre os efeitos óticos da cor através do comportamento
para este tema um tom mais objetivo de análise. delas na paleta. As cores puras, por sua vez, quando misturadas
na tela, separadamente, induziam o olhar ao movimento. Este
Nesta mesma época, surgem também as teorias elaboradas então, forma a imagem unido todas as partes constituintes
por Charles Henry, o qual virá a defender esta atividade de contrastantes, através do dispêndio de energia.
compensação visual da cor dentro da psicofísica:
Na minha obra Vernale, de 2009, tive o intuito de criar um todo
(...) todas as nossas sensações estão conectadas cromático estimulante através dos contrastes das cores puras
à nossa habilidade de perceber contrastes, e complementares, como o azul e amarelo, tendendo para as
denominando tal fenômeno como energia. Onde há róseas e, finalmente, os verdes. Uma das coisas que mais me
a quebra da continuidade, seja da luz, seja da cor, ou interessa nesta maneira de dispor cores puras lado a lado é

106
provocar e estimular o olhar do espectador para a atividade Um dos artistas que absorve tais conhecimentos é Vincent van
energética. Gogh, quem iria relacionar as cores aos sentimentos. Em uma
carta escrita para seu irmão Theo, em Arles, 1888, o artista conta
o fato de ter lido a obra de Charles Blanc e menciona a relação
que existe entre a percepção dos contrastes presentes nas cores
complementares e os sentimentos e emoções (GAGE, 1999, p.
205).

Van Gogh descreve que as cores utilizadas em sua obra


retratavam as paixões do mundo. A obra chamada O Quarto em
Arles, é uma série de três quadros, pintados entre 1878 e 1889. Diz
Van Gogh:

“Eu tentei expressar a terrível paixão da humanidade


através do contraste entre o vermelho e o verde. O
quarto é feito de um vermelho-sangue e amarelo
escuro junto com o verde ao meio, ali existem quatro
luminárias de cor amarelo cítrico que brilham em
tons alaranjado e verde. Em todos lugares há uma
quebra e um contraste dos mais variados tons de
vermelhos e verdes, como nas imagens dos homens
dormindo, no vazio, num quarto qualquer, feito de
violetas e azuis.” (ROSKILL,200, p.288)

Van Gogh persiste em revelar a força que há no encontro das


Livia Paola Gorresio. Vernale, 2009.
cores complementares na tela, utilizando as cores puras como, o
Tríptico. Papel kraft e tinta acrílica sobre tela. 150 x 150 cm.
amarelo e o azul, o vermelho e o verde, o amarelo e o violeta, direto

107
na tela. Van Gogh relatou isso em uma de suas cartas escritas Por isso acredito que seja prudente incluir nesta analise a obra do
para seu irmão Theo. Ele explica os processos da percepção do pintor Henri Matisse, quem acabou associando em sua prática
observador, que ao compensar todas as cores complementares o uso das cores complementares aos estados de harmonia e
do quadro através do olhar, forma internamente em si um prazer. Em 1908, Matisse forma em Paris uma pequena escola
estado de equilíbrio. sobre a cor, onde as teorias de Blanc, Charles e Chevreul serão
comentadas mais que qualquer outro assunto. Matisse dizia
acreditar que o vermelho, o verde e o azul tinham o poder de
criar todas as cores equivalentes do espectro. Em “Notas de um
Pintor”, de 1908, o artista descreve que a cores serviam como
meio de expressão e que o processo da pintura consistia sempre
em encontrar o equilíbrio entre as cores ali aplicadas, uma após
a outra.

Vincent van Gogh. O Quarto em Arles, 1878. Fonte: Página Van Gogh
Museum2.

No meu processo de criação as teorias sobre as cores sempre


tiveram importância fundamental, contudo os assuntos que Henri Matisse, Capela dos Rosários dos Dominicanos, Vence.
mais me interessaram se referem à harmonia e aos mecanismos 1948-51.Fonte: Página Secretaria Nacional Pastoral.3
da percepção, considerando a potencialidade da cor como um
elemento capaz de afetar o espectador visual e emocionalmente. 3 Henri Matisse, Capela dos Rosários dos Dominicanos. Fonte:
Secretaria Nacional Pastoral, 2021. Disponível em: <https://www.snpcultura.
2. Disponível em: <https://www.vangoghmuseum.nl/en/collection/ org/tvb_capela_matisse.html>. Acesso em: 20 abril. 2021.
s0047V1962>. Acesso em: 14 out. 2020.
108
Em 1950, Matisse foi chamado para produzir os vitrais da Matisse se aproxima das cores de modo único, para o artista elas
Capela dos Rosários dos Dominicanos, em Vence, na França. passam a ser compreendidas como substâncias. Nesta descrição
Nos vitrais, as cores complementares operam através das luzes, a cor ganha materialidade, o vermelho nasce no interior da
transformando o interior da Capela num ambiente colorido. Capela. Esta passagem engrandece a nossa compreensão sobre
Contudo, para a sensível percepção de Matisse, a cor que colore as cores, passam a ser uma realidade viva que opera no espaço
o interior da capela é a cor complementar ao verde, o vermelho. do mundo. A cor se torna um corpo vivo, em atividade.
A medida que o verde surge, da união entre azuis e amarelos
dos vitrais, o vermelho por contraste, uma imagem vermelha se
forma. Segundo Matisse:

(...) o efeito da cor tem um poder real… tanto é poder


que, sob certas luzes, parecem se tornar substâncias.
Uma vez, no interior da capela, eu vi no chão uma
luz vermelha tão material que eu tive a sensação que
aquela cor não era um efeito da luz atravessando a
janela, mas que ela pertencia à alguma substância.
Esta impressão foi ainda reforçada por uma
circunstância particular: naquele chão, bem na
minha frente, havia uma espécie de montinho
de areia, justo onde a cor incidia. Isto deu a cor
vermelha um poder magnifico, realmente único. Livia Paola Gorresio. Colour Chart Cubes, 2008.
Então me ajoelhei, peguei um pouco daquela areia Esmalte sobre madeira. Objeto-potência / obra interativa.
e trouxe até bem perto dos meus olhos, soltando
agora, suavemente por entre os dedos. Foi só neste No meu processo, os papeis pintados e recortados em pedaços,
momento que pude ver a tal substância em tons agora saltam da tela em formatos tridimensionais. A cor se torna
de areia (...). (Texto parcialmente traduzido para o matéria concreta. Na obra Colour Chart Cubes, a cor se destaca
português em FOURCADE, 1972, p.92.) do plano bidimensional, se tornando tátil, podendo ainda,
ser reordenada no espaço de maneira livre e interativa. Nesta

109
obra também esta contido a ideia do círculo, uma totalidade varas em tamanhos variados. Ao pintar, procuro encontrar uma
harmónica que opera por meio de suas forças complementares, pureza cromática, cada cor possui uma vibração própria que
equilibrando-se. Assunto que trataremos nos próximos habita em seu interior, reverberando no espaço entorno, tema
capítulos deste livro. que será aprofundado adiante.

1.II. DESDOBRAMENTOS:
A DIMENSÃO DA COR

(...) Uma grande ordem não seria forçosamente


racional, mas sim que possua tal significado a cor
que se poderia dizer que é cósmica ou sublime
no seu sentido. Esse carácter da cor nasce de uma
necessidade existencial, que, por ser existencial,
supera ou se eleva acima do cotidiano, para
Livia Paola Gorresio. Sharp, 2008.
emprestar à vida existencial um clímax, um sopro
Esmalte sobre madeira. 80 x 210 x 30 cm. Objeto-potência /obra
de Vida (...). (OITICICA, 1986, p.30)
interativa.

As obras tridimensionais, instalações e happenings derivam A minha obra Sharp é a primeira obra em que destaco as
das primeiras colagens. Elas lidam com o arranjo de cores cores do plano bidimensional para o espaço tridimensional.
puras e sólidas, dispostas lado a lado até formarem um Uma instalação cromática no espaço, uma pintura em campo
todo maior. Considero que estas obras tridimensionais expandido. (KRAUSS, 1984).
sejam como pinturas. São reflexos da realidade, uma
vez que as estruturas e composições criadas falam Depois de pintar estas estruturas, as coloco no espaço e, assim,
sobre as vivências experienciadas no nosso cotidiano. elimino o suporte da pintura. Considero ela ainda uma pintura,
porém uma pintura que faz parte do mundo concreto das coisas
Nestas obras realizadas entre 2008 e 2018 utilizo a matéria prima do mundo. A pintura já não é uma janela para outra dimensão,
das madeiras, em formato de quadrados e retângulos, cubos e mas sim, parte do nosso cotidiano.
110
A estrutura de figura e fundo do quadro da pintura é transportada cores-luz: branco, amarelo, laranja e vermelho-luz
para o ambiente, a figura passa a ser as estruturas coloridas (...)” (OITICICA, 1986, p.44).
pintadas e o fundo da obra, o próprio ambiente em que ela está
inserida. Nessas experiências Oiticica dá a cor uma nova estrutura, um
corpo. O transobjeto, como Oiticica propõe, tem como objetivo
Aproximo as minhas instalações aos movimentos concreto transportar o corpo da cor do mundo das coisas para o plano
e neoconcreto brasileiro, que destacam a cor do plano das formas simbólicas; sendo as cores escolhidas por ele, a ver,
bidimensional da pintura para o espaço. Vale a pena ressaltar a o branco, o amarelo, o laranja e o vermelho, metáforas da luz.
esta altura, o artista Hélio Oiticica, cuja obra serve de referência
para o meu percurso, uma vez que compreende a questão da cor Nos Bólides de Oiticica, existe um lugar especial para a
em relação à sua materialidade. experiência da cor, a criação de um mundo ambiental. Segundo
Mário Pedrosa:
Hélio Oiticica desenvolve um trajeto na busca da libertação da
cor. Em sua obra busca encontrar o corpo da cor, atento à sua “(...) As cores-substâncias se desgarram e tomam o
materialidade, ampliando a compreensão dela. ambiente. Arte ambiental é como Oiticica chamou
sua arte. O contraste simultâneo das cores passa a
Na série Bólides, “bolas de fogo”, Oiticica coloca o espectador contrastes sucessivos do contato, da fricção entre
em contato com diferentes artefatos de vidro, plástico e cimento sólidos e líquidos, quente e frio, liso e rugoso, áspero
em que materiais como o pigmento, terra e zarcão são oferecidos e macio, poroso e consistente (...)”. (OITICICA, 1986,
para serem manipulados. Todos em tons que, para ele, se p.12).
assemelham, ou estão mais próximos do que consideramos
“luz”. Oiticica persegue em sua trajetória o que ele chama de O desdobramento de suas obras só é possível quando a obra é
“sentido de luz”. Segundo o artista: vista e analisada por todos os lados, retirando a cor do espaço
bidimensional do quadro, através da experiências sensoriais
“(...) A toda a cor primária e outras que derivam com os elementos. As cores passam a ser experienciadas através
delas, pode ser dado o sentido de luz, e ao branco da materialidade de cada objeto, transportando o espectador
e ao cinza, porém, é preciso separar as cores mais para uma outra dimensão, uma vez que as cores se desgarram
abertas à luz, como privilegiadas para a experiência: das formas.

111
Ao final da exposição, procuro conversar com cada participante
para discutir um pouco sobre os papéis coloridos, tendo muitas
respostas similares: a de que eles pensavam estar participando
de um sorteio. Este fato conduziu o comportamento deles
durante toda a exposição, fazendo com que as pessoas
permanecessem lado a lado daquelas que possuíam as mesmas
cores. A experiência com os papéis coloridos aproximaram os
participantes por se identificarem com as mesmas cores.

Hélio Oiticica. Bólides, 1964. Fonte: Página Itaú Cultural4. Livia Paola Gorresio. Papéis, 2010.
Group Salon - South London Gallery, Londres, RU. Ação performática,
É possível perceber em minhas obras, paralelos com a obra de dimensão variável.
Oiticica. A obra Papéis, de 2010, de minha autoria, consiste em
distribuir inúmeros recortes de papéis coloridos aos visitantes Nas minhas obras trato de encontrar novas formas de expressão,
da exposição, na porta de entrada da galeria. Ali, os participantes libertando a arte dos moldes clássicos, conduzindo o espectador
podem escolher a cor que desejam levar. Considero esta ação para uma espécie de transformação, a qual se dá partir da
um experimento livre com a cor, cujo resultado se dá de forma percepção, para daí, como Oiticica dizia, “se aprofundar e
aberta. transformar” a si mesmo e ao mundo através das cores, o que
acarretaria uma mudança na maneira de ver e viver a vida coti-
4. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra66416/bolide- diana, às vezes, tão superficialmente vivida. (OITICICA, 1986)
-caixa> Acesso em: 15 out. 2020.
112
A minha obra Clotuna, de 2009, nos remete à vida cotidiana.
Denomino de Clotuna pois para mim ela é como uma paisagem,
um lugar com nome próprio. Ali, o bidimensional é reflexo do
tridimensional, e vice-versa.

Livia Paola Gorresio. Clotuna, 2009.


Detalhe dos resquícios de tinta na parede.

Nesta instalação grandes recortes de tecido foram fixados na


parede apenas com a tinta acrílica e arrancados, após a tinta
secar, permanecendo finalmente ali, apenas os resquícios
dela que vazaram entre a estrutura do tecido. Posteriormente
esgarço os tecidos em recortes de tamanhos e formatos variados,
compondo o espaço de forma aleatória e espontânea. Durante
a montagem dos recortes, relembro os gestos que fazemos
no nosso cotidiano, de ordenar, juntar, pendurar e estender.
Livia Paola Gorresio. Clotuna, 2009. Clotuna para mim é uma paisagem cromática que nasce da
Instalação de tecido de algodão pintados com tinta acrílica. superfície plana e bidimensional da parede pintada, seguindo
Invisible Means of Support - Club Row, Londres, RU.
para o mundo concreto das formas.
Dimensão total-tridimensional da instalação: 4 x 7 x 8 m.

113
Sob outro ponto de vista, ainda criando paralelos, não poderia puras na natureza, como também nos prismas. Foi no azul
deixar de citar a obra do artista americano Ellsworth Kelly. pulsante dos pássaros que o artista disse ter encontrado a mais
Ellsworth Kelly se refere a Claude Monet para iniciar o discurso pura abstração, ainda criança.
de sua obra, relembrando como a obra de Monet ampliou a
nossa capacidade de enxergar o mundo, isto é, de ir além daquilo
que estava ali entregue à nossa frente. Segundo Ellsworth, uma
flor para Monet não era apenas mais uma flor, mas sim, uma
profusão de cores puras em pleno movimento.

Por outro lado, para Ellsworth Kelly, a obra de Henri Matisse


é também muito importante, uma vez que considera o uso
das cores puras do espectro em suas obras, assim como ele
fez. Ellsworth é um artista que teve como base de formação os
conhecimentos sobre as teorias das cores complementares, o
uso das cores puras que quando separadas e colocadas lado a
lado, afetariam o espectador ocasionando nele uma espécie de
sensação iluminada. Nesta obra chamada Sprectrum V., vemos as
superfícies de cor pintadas formando uma espécie de espectro Ellsworth Kelly, Spectrum V.,1969.
que muito assemelha ao prisma quando iluminado por um Fonte: Página Organização Ellsworth Kelly6.
feixe de luz adentrando uma sala escura.
Dentro desta perspectiva não poderíamos continuar esta análise
A pureza para Ellsworth Kelly é um assunto fundamental deixando de lado os processos da abstração encontrados nas
em sua obra, tema o qual ele persegue ao longo de toda sua obras dos artistas suprematistas, Kazimir Malevich, artista com
trajetória. Numa entrevista feita pela National Endowment for quem Ellsworth Kelly afirma ter estreita aproximação.
the Arts5 em 2014, o artista revela o seu interesse pelos processos
da percepção presente na experiência de observar as cores

6. Disponível em: <https://ellsworthkelly.org/work/spectrum-v/>


5. Disponível em: <https://youtu.be/K4IGrmKGUxA>. Acesso em: 16 out. 2020.
Acesso em: 16 out. 2020.
114
O suprematismo de Malevich se contrapunha ao intuito do universo e nos perdemos ali. Sempre que adentramos uma
utilitário próprio dos construtivistas. Para ele, a humanidade cor ela se torna infinita e, ao mesmo tempo, sem dimensões.
deveria atingir uma real e absoluta compreensão do mundo a
qual estaria arraigada nos valores eternos, e não na política ou
na tecnologia. Para o suprematista, o mundo dos conceitos, da
ideia e das aparências das coisas não importa, pois nada é mais
real do que o mundo não-objetivo dos sentimentos, “sentimentos
espirituais”. (MALEVICH, 1959, p.68).

Kazimir Malevich irá demonstrar não só o interesse pelo


misticismo e pela Teosofia, como também pela obra literária
de Zaumism, fontes de conhecimento que irão conduzi-lo aos
processos de abstração da natureza. Os conceitos sobre o tempo
e o espaço serão as sementes deste novo olhar sobre o mundo.

Malevich ao se referir sobre seu quadro chamado “Quadrado


preto sobre o fundo branco”, de 1915, diz que “sua obra teria
nascido de uma experiência de observar o céu numa noite
muito escura”. O quadrado suprematista, segundo o artista
“pode ser comparado ao simbolismo do homem, sua intenção Kazimir Malevich. Quadrado preto sobre o fundo branco, 1915.
não é produzir ornamentos, mas sim, expressar o sentimento da Fonte: Página Tate Museum7.
frequência”. (MALEVICH, 1959, p.8).
Assim como para Malevich, para os Teosofistas o céu é este
Quadrado preto sobre fundo branco é uma abstração da noite, espaço infinito, espaço sem dimensão, incompreensível. Para
um espaço preto e infinito. Uma paisagem escura, um deserto. mim, é assim igual para todas as cores.
Ela remete ao mundo bidimensional da pintura, lugar em que
perdemos nossa referência concreta. O céu é também este lugar,
7. Disponível em: <https://www.tate.org.uk/art/research-publications/the-
ao olhar para ele perdemos nossos limites, adentramos o negro sublime/philip-shaw-kasimir-malevichs-black-square-r1141459>.
Acesso em: 15 out. 2020.
115
Para o suprematista o fenômeno visual não tem importância, o
que importa são os sentimentos, que ele vem chamar de “quarta
dimensão”. (MALEVICH, 1959, p.67). Na minha obra, enxergo
as cores de forma semelhante, é como se eu pudesse desgarrar
a cor da matéria em que ela está contida, adentrando nela,
perdendo os limites da forma.

Enquanto a geometria se apresenta como um ícone que


representa de forma simplificada o mundo natural, assim é
igualmente para a pintura abstrata, quando as cores de uma
noite escura se transformam em um quadrado preto, ou quando
o corpo de um pássaro azul passa a ser uma superfície concreta
pintada de azul-ultramar.

A minha compreensão da cor aqui é que ela excede às formas,


ela é qualidade, não é limite. A cor transcende a materialidade
das coisas do mundo tornando-se um campo vibracional, cheio
de sentido, cuja dimensão é impossível delimitar.

Nesta instalação-performática, chamada Living Vivo, o arranjo


final dos elementos feitos de madeira pintadas com tinta
acrílica são rearranjados por mim. Os movimentos ocorreram
durante os três primeiros dias da exposição; uma vez ao dia, com
aproximadamente 10 minutos de duração. Todas as ações foram
filmadas e posteriormente projetadas sobre os elementos após
o quarto dia. As performances geraram um vídeo, chamado Livia Paola Gorresio. Living Vivo, 2011.
Movimentações em 10 minutos. 30ºArte-Pará, Palácio Lauro Sodré, Belém do Pará, BR. Instalação
performática, área total 3 x 8 x 6 m.

116
Cada elemento remete às formas que encontramos no nosso
cotidiano, representas as salas que habitamos todos dias. Cada
cor vibra, no espaço expandido, os limites da forma que estão
contidas. Temos a sensação de nos aprofundar em cada uma
delas, por meio de suas qualidades – vibrações.

1.III. TEMPORALIDADE: A COR VIVA

[735] (...) a cor se torna, na superfície dos seres vivos,


uma parte importante dos signos exteriores através
dos quais percebemos o que se passa no interior
deles. (GOETHE, 2013, p.215-16).

A série EXE. foi produzida entre 2010 e 2016. Esta série ganha este
nome por ser a abreviatura da palavra experiência. As gradações
cromáticas são estabelecidas por mim e produzidas com a ajuda
de um conta-gotas, com o qual calculo a porcentagem de cor
que progressivamente vai se alterando intuitivamente ao longo Livia Paola Gorresio. EXE 1.1., 2011.
Nanquim sobre papel. 150 x 180 cm.
do papel.

Ela fornece uma referência importante para o entendimento da


cor como um corpo fluido e natural, pois é uma reflexão prática No mais, as cores dão identidade às formas. Formas que, mesmo
semelhantes, passam a conter uma identidade única, um
sobre o comportamento da cor dentro de estruturas e formas.
conteúdo singular, através das cores que possuem.
Podemos observar as cores que se desdobram em outras,
evidenciando a identidade imprecisa que a cor possui como
característica essencial.

117
Para entender melhor esta compreensão sobre a cor, vemos
nesta obra um exemplo bem nítido. Ela aponta o tempo do
objeto, seu estado interno, seu tempo de vida. A cor nos fala. Ela
avisa o que está contido na forma. Ela é matéria viva, sempre
natural. Seu aspecto, sua vibração, nos diz sobre nós mesmos e
sobre o mundo à nossa volta.

Carlos Nunes. Laranjas, 2017. 80 × 120 cm. Edição 1/3 + 1AP.


Livia Paola Gorresio. EXE 1.2.,2011. Fonte: Página Artsy8.
Nanquim sobre papel. 150 x 170 cm.
Nesta obra do artista Carlos Nunes, ele nos apresenta a gradação
das cores na natureza, que expressam a temporalidade da
Neste grupo de obras chamadas EXE., a cor passa a ser maturação da fruta, o verde avisa que o fruto ainda não está
compreendida por mim como algo mais profundo do que um pronto, mas ainda sim vivo. O amarelo nos fala que o fruto está
mero colorido. Ela é natureza viva. quase maduro, já ao chegar no laranja, a cor da fruta nos avisa
que está madura.
Cada forma possui uma cor única, uma identidade, cada uma
dela é um ser. Uma abstração de um pássaro, de uma flor ou da
8. Disponível em: https://www.artsy.net/artwork/carlos-nunes-laranjas.
noite. Acesso em: 15 out. 2020.
118
A natureza das cores nos fala. É uma linguagem intuitiva,
apenas sabemos. Aprendemos com ela ao passar dos anos, e
acredito que ainda haja muito para aprender sobre elas, como
a capacidade de nos comunicar com os outros e compreender
o mundo de forma mais ampla, ou ainda de nos curar através
dela. Mas isto é assunto para o último capítulo deste livro, tema
que se tornou a minha obra de conclusão desta tese.

Vista da exposição: objetos-potência/obras interativas; Suporte,Acervo;


1. IV. TRÍADE CROMÁTICA: A PARTE E O TODO Área Azul.

(...) a arte abstrata não é praticada para que haja um Esta exposição teve como fundamento a teoria dos contrastes
afastamento do mundo, mas sim para que haja uma cromáticos, usada pela presença de no mínimo duas cores
penetração em sua essência, pois uma obra de arte opostas e, ou complementares.
só é arte na medida que inclui nela o aspecto vital (...)
(MONDRIAN, 1945, p.43). Podemos analisar esta teoria nos experimentos feitos pelo
artista Josef Albers. Albers disse ter sido algo muito intrigante
quando foi demonstrado através da ciência que os neurônios
Duração Permanente foi uma exposição individual realizada na dentro do córtex visual realmente não são ativados em resposta
AM Galeria, em Belo Horizonte, em 2013. Ela é composta por dez frente a uma cor sozinha, mas através da justaposição de
obras feitas com lápis, papel, madeira, nanquim, tinta acrílica duas cores, particularmente, o vermelho com o cyan (em tom
e aço inox.  Na primeira sala vemos as obras monocromáticas: azulado), o amarelo com o azul, e sobretudo, o preto com o
suporte, acervo e monte amarelo, na segunda sala, as obras branco. (ALBERS, 2016, p.51).
monocromáticas azuis: área azul, as balanças pp.6 e o desenho
Physis e, ao final, as obras coloridas: Be my guest e Labirinto e o Mesmo que estas descobertas neuropsicológicas tenham sido
desenho EXE. 1.6. descobertas depois das aulas de pinturas de Albers, ele sempre

119
esteve atento à elas. Em suas aulas oferecidas na Universidade Neste momento é que vemos surgir ali no interior do círculo
de Yale, distribuía aos alunos papéis de diferentes cores e os branco, um verde ou um azul-esverdeado, ao invés de branco.
instruía a colocarem um pequeno pedaço de cor sobre um fundo Esta cor que vemos é a cor complementar ao vermelho ao lado.
de outra cor, para que pudessem analisar o comportamento das Este fenômeno é chamado imagem consecutiva ou contraste
cores. Através do contraste com duas diferentes cores, colocadas simultâneo, como já vimos (ALBERS, 2016, p. 29, 30).
umas sobre outras, em devidas proporções, as mesmas poderiam
se transformar e até parecer iguais. (ALBERS, 2016, p.12). Uma explicação plausível é que pela teoria, nossos nervos
terminam na retina (cones e bastonetes), os quais são preparados
Para uma compreensão melhor de como as cores são lidas para receber o estímulo das três cores primeiras: vermelho,
diferentemente de como elas se apresentam fisicamente, amarelo, e azul, as quais constituem todas as cores.
vejamos o caso dos experimentos com papéis coloridos feitos
por Albers, chamado por ele cores ilusórias. Olhando fixamente para o vermelho a visão ficará cansada,
estressando a parte sensitiva que capta esta cor então, quando
Nestas experiências, dois pedaços de papel idênticos foram ocorre a mudança brusca para o círculo branco, o indivíduo
recortados em formas de círculo, um vermelho e outro branco. misturará apenas as cores amarelo e azul, assim veremos ali
Nos dois foram desenhados dois pontos centrais circulares aparecer o verde, quase azul esverdeado, a complementar do
com preto. A experiência consiste em olhar fixamente durante vermelho.
30 segundos o ponto preto, no interior do círculo vermelho, à
medida que uma luz em formato de lua aparece se movendo De fato, o efeito de pós-imagem, ou de contraste simultâneo é
para fora do ponto preto, fica um pouco mais difícil fixar o olhar um fenômeno psíquico e psicológico, que prova que qualquer
ali, mas mesmo assim, continue. Em seguida, mude seu foco de olho normal, não só o mais treinado, é uma prova viva de análise
visão para o outro ponto, dentro do círculo branco. sobre a verdade das cores. Albers finaliza, dizendo que aquele
que afirma ver as cores independentes de seus efeitos, apenas
está enganando a si mesmo. (ALBERS, 2016)

Pode-se dizer que toda a insistência na pesquisa das relações


entre as cores de Albers mora dentro dos estudos feitos sobre
teorias das cores de Goethe, ainda na escola Bauhaus, na

120
Alemanha. Para Albers: Piet Mondrian, em fevereiro de 1921, desenvolve o projeto
chamado Neoplasticismo, cujo nascimento se dá a partir da
“Goethe era muito mais que um cientista, uma vez correspondência entre a teosofia e a arte antroposófica9.
que elevou a pesquisa sobre a cor de modo único e Mondrian através do Neoplasticismo desejava transformar o
minucioso, me conduzindo a seguir pensando de que para ele eram os dois maiores confrontos do homem. Em
modo ativo sobre elas, e sobretudo, não esquecendo primeiro lugar, o conflito entre as polaridades espirituais e
a extrema importância que há em sua noção a materiais (corpo e espírito) e, em segundo lugar, o conflito entre o
respeito da relação do homem com a natureza. homem e a natureza, a cultura versus instinto. Estes conflitos de
(MALLOY, 2015, p.15). opostos foram definidos por Mondrian como “um desequilíbrio
entre a matéria e o espírito, uma desarmonia entre o homem e a
A cor para Goethe, como já vimos aqui, era viva. Goethe estava natureza” (MARTIN, S., 1987, p.72).
convencido de que a cor era um fenômeno vivente, ou seja, era a
própria natureza em atividade. Goethe explorou as cores como Através do uso das cores primárias azul, amarelo e vermelho,
processos dinâmicos vivos. Goethe, defende que é durante Modrian em sua obra teria sempre consigo o desejo de
a interação das polaridades dos dois tons extremos, a ver, o reconquistar a ideia da bela totalidade. Sua obra emerge do
amarelo (luz) e o azul (escuridão), que surgem todas as cores. desequilíbrio, cujo intuito é prover serenidade, ou no mínimo,
Para Goethe, as cores seriam resultado das infinitas variações de possibilitar uma conexão temporal e efêmera de harmonia.
interação entre elas mesmas.

Também, a regra da tríade cromática pode ser encontrada


nas teorias de Johann von Goethe, Piet Mondrian e Wassily
Kandisky. Existe entre estes artistas um senso comum que é 9. Having read several of your books, I wonder if you could find the time to
o entendimento sobre as cores primárias dentro do conceito read my brochure Le Néo-Plasticisme, which I am enclosing. I believe that
Neo-Plasticism is the art of the foreseeable future for all true anthroposo-
romântico que pretende, através da relação com elas, resgatar phists and theosophists. Neo-Plasticism creates harmony through the equiv-
no homem a sensação da bela totalidade, tema que eu persigo alence of the two extremes: the universal and the individual. The former by
revelation, the latter by deduction. Art gives visual expression to the evolution
na realização desta exposição. of life: the evolution of the spirit and –in the reverse direction– that of matter.
It was impossible to bring about an equilibrium of relationships other than by
destroying the form, and replacing it by a new, universal expressive means. I
would be pleased to hear your opinion on this subject, if you would like to
respond (BLOTKAMP, 2001, p.182).
121
Na obra de Mondrian, surge novamente o símbolo da Tríade
Divina tão mencionada na Teosofia e nos credos antigos. A ideia
de microcosmo e macrocosmo surge pelas cores que, unidas,
formam a totalidade espectral. A tríade cromática de Mondrian
expressa as substâncias essenciais, os substratos mínimos
que representam o Todo. O artista declara ainda que o fato de
utilizar a geometria e a tríade cromática não o separa do mundo,
declarando que o intuito de sua obra era fazer o espectador
penetrar na essência das coisas (MONDRIAN, 1945).

Instalação das balanças pp.6; e Área Azul. Vista da exposição, 2013.


Piet Mondrian. Casa de Luz na Capela Oeste, 1909. A Sala Azul é formada por 4 obras que conversam entre si: Três
Fonte: Página Kunstmuseum10. chapas de compensado de cedro pintadas na cor azul, uma instalação,
possivelmente interativa, chamada Área Azul; duas balanças em aço inox
e madeira, chamadas balanças pp. 6 (objeto-potência/obra interativa) e
10. Disponível em: <https://www.kunstmuseum.nl/en/collection/lighthou-
se-westkapelle?origin=gm>. Acesso em: 14 out. 2020. um pequeno desenho em lápis de cor azul, nominado Physis.

122
Livia Paola Gorresio. Balança pp.6, 2013.
Tinta acrílica sobre madeira e aço inox. objeto-potência / obra
interativa.

Acredito que ao unir todas as cores primeiras no mesmo


ambiente estimulo, através da relação que travamos com
cada cor, a sensação de estar imerso num ambiente colorido.
Retomando aqui a noção das pinceladas com cores puras dos
neoimpressionistas, que quando colocadas lado a lado formam
um todo cromático, que é resultado da soma de todas elas. A
sala funciona como um círculo cromático, que na presença
de todas as cores primeiras, formam todas as outras cores do
espectro.

Transposta agora a pintura para o mundo concreto, onde as


estruturas figuram no fundo do ambiente da galeria, acredito

123
que o espectador ao observar todas das cores colocadas no
espaço, possa processar uma síntese em si provocada pela Kandisky teria como fundamento as teorias espirituais da
presença das cores complementares e, assim, alcançar um Rússia. Foi através da Teosofia que Kandinsky encontrou a
estado de harmonia interior. correlação entre as vibrações da cor e do som, relacionando
ambas com as formas geométricas.

O sistema das cores de Kandinsky se baseia também no


princípio da polaridade, considerando o arranjo do azul com
o amarelo, a base fundamental para a criação de sua obra
chamada Do Espiritual na Arte, em 1912. Para Kandisky, o azul e o
amarelo, estavam ligados respectivamente, às forças centrípetas
e centrífugas, as quais novamente estariam relacionadas às
aquelas de quente ou frio.

Tais ideias tornam-se as bases para a primeira parte do livro


Do Espiritual na Arte, caracterizando o azul dentro do formato
esférico, o amarelo no triângulo e o vermelho no quadrado.

Vista da exposição: balanças pp.6, Physis, Be my guest e EXE. 1.6.

Por outro lado, a essência das cores é também um assunto de


análise nestas obras, tomando como referência principal, para Wassily Kandisky. Estudos sobre os conceitos de cor e forma11.
o entendimento desta questão, os estudos sobre as cores feitos
11. Esta ligação entre a cor e a forma segundo Gage, estaria relacionada à
por Wassily Kandisky. tradição do embate pela supremacia da forma com a cor nas teorias gregas de
que as cores pressupunham uma forma ou material específico. (GAGE, 1999,
p.207).
124
A essência das minhas obras monocromáticas está diretamente O Todo está presente nas substâncias essenciais e nos substratos
relacionada aos corpos/formas. O azul é o espaço, o polo negativo, mínimos das cores primárias. A geometria destas obras, unida
representa o imaterial. Nosso olhar mergulha nele, podemos à ideia da tríade cromática, tem como intuito não separar o
caminhar para além. O amarelo idealmente remete à luz, o polo homem do mundo natural, mas sim, fazê-lo penetrar na essência
positivo. O vermelho, ao sangue, ao corpo, a substância. das coisas.

Livia Paola Gorresio. Acervo, 2013.


Livia Paola Gorresio. Monte Amarelo, 2013. Aço-inox e tinta acrílica sobre madeira; arranjo variável.
Tinta acrílica sobre madeira. 200 unidades. Objeto-potência / obra 180 x 84 x 27 cm. Objeto-potência / obra interativa.
interativa.

125
A tríade cromática, também conhecida como fenômeno
primordial, é uma regra que não pode ser modificada. É
denominada também como “Sagrada Trindade”, uma vez que
é representada no exemplar do Triângulo, o qual é fundado na
regra natural da união dos opostos, a partir do qual surge um
terceiro (GAGE, 1999, p. 156).

Livia Paola Gorresio. Labirinto, 2013.


Papel kraft e tinta acrílica sobre tela. 150 x 150 cm.

Livia Paola Gorresio. Suporte, 2013.


Aço-inox e tinta acrílica sobre madeira; arranjo variável. 160 x 3 x 160
(a 230) cm. Objeto-potência / obra interativa.
Livia Paola Gorresio. Be my guest, 2013.
Tinta acrílica sobre madeira. 200 unidades. Objeto-potência / obra
interativa.

126
Estas duas obras estão correlacionadas, uma bidimensional e a
outra tridimensional. Labirinto é uma colagem de papel e tinta
acrílica sobre tela, sua forma remete ao simbolismo do labirinto,
cujo caminho é preciso decidir. Através desta colagem faço uma 1. V. COR SER: O OUTRO EM MINHA
metáfora às escolhas da vida, aos seus impasses e ao seu dilema OBRA
na busca pela saída.
“o olho experimenta suas propriedades, e é fascinado por
A obra Be my guest, remete ao processo de lidar com o mundo sua beleza. Através da cor o homem pode ser estimulado
físico, às possibilidades, às inúmeras configurações que podemos ou acalmado; quanto mais o homem cultiva o seu espírito,
ter diante de nós, como também remete ao processo meditativo mais forte é a atuação da cor em sua alma”. (KANDISKY,
que está presente em toda escolha, consideração e busca. 1996, p.73)

O colorido aqui remete ao infinito de possibilidades, à


brincadeira, ao criativo, aos processos da imaginação que Poderíamos dizer que até hoje as contribuições que Kandisky
conduzem a vida, em que se revelam os segredos da própria nos deixou em relação à força transformadora da cor, se
existência através das cores. configuraram de maneira significativa no âmbito das teorias
psicológicas e das práticas em artes visuais. Este tema cromático
Neste sentido retomo o discurso de Hélio Oiticica, quando se estaria até mesmo vinculado à reforma da sociedade, do
refere à suas obras como não acabadas, ou seja, “abertas”, e no indivíduo e de sua relação com os outros.
momento em que o artista assume o papel de proposicionista,
ou até mesmo educador. Isto se dá uma vez que acredito que Com a obra de Kandisky, chegamos à compreensão de que cada
ao proporcionar ao espectador as atividades de interações de cor é capaz de afetar o observador através de sua essência ou
uma obra aberta, conduzo-o ao processo criativo, à meditação, à força única, podendo ainda, transformar aquele que a observa
imaginação e à escolha, fazendo com que o espectador vivencie profundamente – “o olho sente a cor”. (KANDISKY, 1996, p.34).
e reflita sobre os assuntos que proponho através dos elementos Assim, procuro refletir sobre esta capacidade de transformação
dados. do indivíduo através da força essencial da cor através de meu
trabalho Sentimento da Cor, descrito abaixo.

127
Sentimento da Cor. Pinturas digital, 2020. Frame 10/60. Arquivo Sentimento da Cor. Pinturas digital, 2020. Frame 23/60. Arquivo
mp4 e jpeg. mp4 e jpeg.

Sentimento da Cor, de 2020, obra digital apresentada na Nesta obra a cor ganha vida própria, vibrando e alternando a
conclusão da residência artística Pivô Pesquisa, torna-se a obra atmosfera interior e exterior do espectador. O intuito aqui é que
conclusiva desta tese de doutorado. As cores e formatos das o espectador, ao assistir as imagens em sua tela, seja conduzido
obras apresentadas aqui induzem o espectador a lidar com à sensação de leveza e fluidez.
a força de cada cor. Ao vivenciar as cores em sua essência, o
espectador experimenta uma específica relação com cada cor, Podemos traçar ainda um paralelo com as obras do artista
tornando sua interação para com cada uma delas um momento russo Marco Rothko, que em suas obras exprimi através das
meditativo de imersão na cor. cores a importância da emoção e dos sentimentos relacionados
à elas, possivelmente restabelecendo um reconexão com sua
Este vídeo, chamado Sentimento da Cor, foi exposto de forma religiosidade. Rothko compreende que suas obras monumentais
digital dentro do site da Pivô, num período de grande caos social com a cor eram para ele como altares de culto.
e desequilíbrio da natureza, em 2020, quando a pandemia do
SARS Covid-19 tomou o mundo.
128
Rothko faz o retorno à mitologia e a suas origens através das cores,
as quais não eram para serem pensadas e absorvidas só se atendo
à sua pura visualidade, mas às emoções e sentimentos humanos
que elas invocam. Defendia que aquele cujo olhar apreendesse
apenas o jogo entre as cores presente em suas telas, teria perdido
o que realmente a obra significava. Christopher Rothko crítico
de arte, psicólogo e filho de Mark Rothko em uma palestra feita
no Museu de Wien, diz que suas obras eram como espelhos
da alma, ela refletem aquilo que há no interior de cada um12.

Sentimento da Cor. Pinturas digital, 2020. Frame 34/60. Arquivo


mp4 e jpeg.

Neste sentido, é semelhante o meu intuito em Sentimento da


Cor, que é fazer com que a cor se comunique com o indivíduo,
compactuando com o seu estado emocional. Este vídeo foi feito
tomando como ponto de partida as teorias Antroposóficas sobre
a cores, baseado nos conhecimentos da pintora Liane Collot
d’Herbois, cujo intuito principal é a transformação do homem
e, portanto, da sociedade.

Liane Collot tem como mestre Rudolf Steiner, que como sabemos
foi um grande Teosofista antes de fundar a Antroposofia, como
Mark Rothko, sem título, 1968. Fonte: Página do MoMA13. também um grande pesquisador da obra de Goethe. Baseado
na Doutrina das Cores de Johann Goethe, Rudolf Steiner
12. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yIG-WnSAhBs>. compreendeu que as cores atuavam na alma, assim como
Acesso: 17 nov. 2020. Wassily Kandisky e Liane Collot D’Herbois.
13. Disponível em: <https://www.moma.org/collection/works/37042>. Acesso
em: 17 nov. 2020.
129
Na perspectiva antroposófica, o amarelo e o azul representam Kandisky acompanhava também as teorias sobre as cores que
as polaridades positiva e negativa do próprio ser humano, estavam sendo desenvolvidas na época pelo psicólogo Wilhem
excêntrico e concêntrico, histérico e melancólico. Sendo assim, a Wundt, o qual viria contribuir ainda mais para a compreensão
teoria prática das cores de Liane Collot D’Herbois busca através psicológica da cor. Wundt descreve: “a transição psicológica
do contato com as cores equilibrar estas duas forças polares do amarelo para o azul, do mais ativo para o mais passivo,
(D’HERBOIS, 2016). poderia se dar de duas maneiras durante a vida de uma pessoa:
a primeira, mais estável, passando pelo verde ou a mais instável,
Kandisky também acreditava na Teosofia, tendo-a como pelo vermelho, roxo e violeta”. (WUNDT, 1904, p.329).
fundamento para desenvolver sua teoria cromática descrita
em seu livro, Do Espiritual na Arte. O artista acredita que se Wundt era um romântico, quem teria acesso à obra de Goethe,
deixássemos o azul agir sobre a alma, poderíamos ser atraídos cujo capítulo sobre cor e moral seria por ele ampliado. Wundt
pela busca do infinito dentro de nós mesmos. Por outro lado, neste trecho acima, relaciona as cores aos estados psicológicos
quando estimulados com a cor amarela, seríamos excitados e do ser humano, que uma vez em busca pela transformação de
animados por ela ou, quando excessivamente expostos a ela, sua essência, teria que compreender os efeitos da vibração das
nos tornaríamos atormentados. cores dentro de si mesmo.

Em Sentimento da Cor, a experiência da cor é conduzida pela


sequência de cores de 60 frames, as quais eu chamo de pinturas
digitais. É diferente da maneira livre que Hélio Oiticica conduzia
o espectador para a experiência cromática, através da obra-
aberta, em minha obra há um propósito na sequência das cores.

Apresento este vídeo como resultado desta pesquisa, levando


em consideração o poder harmonizador dos estados da alma
através das cores. Liane Collot D’Herbois nos deixa uma grande
contribuição para o assunto, ela ultrapassa o que Goethe nos
deixou, conduzida pela ajuda do escritor Rudolf Steiner, o
Sentimento da Cor. Pinturas digital, 2020. Frame 37/60. Arquivo
maior pesquisador da obra de Goethe. (STEINER, 1996)
mp4 e jpeg.
130
surgem com a claridade da luz são caracterizadas pelas cores
vermelhas, que vão gradualmente se transformando até chegar
no amarelo, passando pelos verdes e turquesas, seguindo para
os azuis claros, escuros e violetas, estes últimos caracterizados
pela noite.

Segundo a Antroposofia, todas as manhãs experienciamos o


despertar da nossa vontade consciente através da batalha com
a luz, que é simbolizado pelas cores terrosas, presentes nos
vermelhos e laranjas até chegar no amarelo, seguindo para
o verde, turquesa e azuis claros. Em oposição, todas as noites
experienciamos a sensação de leveza, caracterizado pelo estado
flutuante do sono e sonho, caracterizados pelos azuis escuros e
Sentimento da Cor. Pinturas digital, 2020. Frame 46/60. Arquivo
violetas.
mp4 e jpeg.

A Medicina Antroposófica por outro lado, acredita que é na


escuridão que reside o núcleo do sistema metabólico, em
A Antroposofia de Liane Collot D’Herbois, defende que a
oposição à estrutura do sistema nervoso, o pensar (luz). No
estrutura do homem é revelada através de três forças principais,
encontro da escuridão e da luz, no reino do meio, encontramos
o pensar, o sentir e o querer, estas correspondem diretamente
os sentimentos, que equilibra estas duas polaridades, assim
às ações de andar, sonhar e dormir. Em sua teoria encontramos
chamado, sistema rítmico.
uma correlação entre as ondas e frequências de cor, com as cores
encontradas durante o dia e a noite, como aquelas do amanhecer
Para Antroposofia, a cor, assim como os sentimentos, é um
e do anoitecer. Estas possuem uma relação direta com o corpo
estado de consciência que se move, medita e harmoniza as
físico, a psique, os sentimentos e as emoções e, não bastando,
duas forças opostas do pensar (sistema neuro-sensorial) e do
com os níveis suprassensíveis da nossa realidade. (LANZ, 2005)
querer (sistema metabólico). A cor é um mundo subjetivo que
flutua entre a empatia e a antipatia, sentimentos de repulsa e
O vídeo Sentimento da Cor, reflete sobre as cores que vemos
acolhimento, em movimento contínuo.
surgir na atmosfera durante o dia e a noite. As cores que
131
No mundo dos sentidos, as cores emergem no intervalo entre cor dos cristais, cor da pureza. (o) Azul Cobalto, a cor do céu,
a luz invisível e uma escuridão invisível, criando dentro de nós manto do mundo. (o) Azul Índigo, o retorno à escuridão, cor
um arco-íris, compreendido pelos Antroposofistas como uma das nuvens, cores de um dia de chuva. O azul índigo é primeiro
espécie de medidor de sentimentos. chamado para retornarmos ao sentido horizontal, o descanço.
(o) Violeta, cor aquietante, a imutável suspensão, suave e doce –
É nesta esfera que somos preenchidos quando lidamos com as o lago da compaixão.
cores, elas estão sempre em movimento, sempre se alterando,
equilibrando e compensando o nosso arco-íris interior. São
infinitamente imprecisas, assim como nós.

As cores possuem sempre dois lados, operam no mundo como


símbolos. Para compreender melhor esta questão, relembre o
símbolo, ying-yang. Tudo é feito de dois lados, as forças opostas
estão em todos os lugares, em tudo o que há. Assim é igual para
as cores.

Em Sentimento da Cor, as cores se movimentam, seguindo numa


ordem gradual que vai se alterando ao longo do tempo. Vemos
inicialmente (o) Carmim, cuja essência é um calor brilhante,
Sentimentos da Cor. Pinturas digital, 2020. Frame 58/60. Arquivo
mas ainda turvo, cor pesada e densa. (o) Vermelho, a cor mais
mp4 e jpeg.
forte, mais luminosa, podemos vê-la com mais clareza. (o)
Laranja, cor imprecisa em contínua modificação. (o) Amarelo,
Todos os frames do vídeo Sentimento da Cor, posteriormente são
cor incontrolável, forte e precisa. (o) Verde-Amarelo, o último
revelados tornando cada um deles, uma pintura digital, como
respiro antes que a luz chegue, o último véu da escuridão, cor que
assim os chamo. Cada pintura revela a força específica de cada
forma e dissolve, aparece e some. (o) Verde Esmeralda, a própria
cor, que num contínuo movimento, harmoniza o espectador, à
luz. Cor que nos experimentos com o prisma, surge quando
medida que ele percebe ali, uma ordem natural cromática em
colocado num ambiente escuro, na faixa do meio, e quando
correspondência com sua essência natural.
colocado num ambiente luminoso, desaparece. (o) Turquesa, a

132
CAPÍTULO 2.

SENTIMENTO DA COR

133
SENTIMENTO DA COR | 2020 | VÍDEO | 15’49” | COR | SEM SOM

https://vimeo.com/422809503

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história surgem os mesmos simbolismos nas mais variadas
CONSIDERAÇÕES FINAIS épocas culturais. Um grupo de sentidos próximos emerge para
esta cor, como a imagem do feminino, a abóboda celeste, o limite,
a morte, a transcendência, a escuridão, o infinito, entre outros
Nesta parte final procuro costurar a linha de pensamento que similares as estes. Lembrando que o símbolo é uma realidade
tece todo o processo desta pesquisa, propondo esclarecer suas viva, impossível delimitar e definir através das palavras.
fases e o método utilizado para analisar o meu processos criativo.
Este ponto de vista se difere da compreensão de Michael
A pesquisa sobre a cor azul contida no Livro Azul teve como Pastoureau que considera a cor apenas como uma convenção
finalidade investigar através de um levantamento histórico a social1. Pois através da desta pesquisa verifiquei que esta
compreensão da cor como um Urphanömen, ou seja, encontrar colocação de Pastoureau é incompleta. A cor carrega uma
uma essência por debaixo dos fenômenos –– a simbólica da cor. convencionalidade quando é alegórica, mas não é só isso, pois
ela também é simbólica.
Neste sentido, vale retomar a importância da obra de Johann von
Goethe, pois ele em “Doutrina das Cores” estabeleceu claramente Se a cor fosse apenas uma convenção social, como explicaríamos
a distinção entre o simbolismo e alegoria da cor. Quando afirma: o constante significado para a cor azul em períodos tão
distintos, como por exemplo, na obra Mergulhador saltando no
“ (...) Enquanto o simbolismo coincide inteiramente Mar da Eternidade (470 a.C.) e Antropometria (1960) de Yves Klein?
com a natureza da cor, a sua essência, na alegoria o É evidente que em ambas as obras, a cor azul aponta para as
significado deve ser previamente comunicado antes mesmas questões, o infinito, o mergulho na eternidade, o limite
mesmo do observador saber o que ela deve significar do corpo –– a morte.
(...)” (Goethe, 2013. pg. 916-7).
Ainda em outro exemplo, verificamos a semelhança de
Seguindo esta premissa de Goethe, através da pesquisa histórica significado nos azuis presentes nas obras O Viajante sobre o Mar
sobre o azul, pude perceber a existência da questão simbólica e de Névoa (1818),de Gaspar Friedrich e Oceanico (1990) da artista
não apenas alegórica. brasileira Amélia Toledo. Nelas o azul nos remete ao impulso da
transcendência, à verticalidade, ligando o ser humano ao alto.
Neste levantamento dos significados da cor azul ao longo da
1 PASTOUREAU, 2000.
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Podemos verificar mais à frente, outra aproximação simbólica, Assim nasce o Livro Colorido, nele consigo ampliar o campo de
como no caso das obras Cavaleiro Azul (1903) de Wassily Kandisky reflexão sobre a simbólica da cor. Neste segundo livro considero
e as obras feitas em guache Sem Título (1997) de Anish Kapoor, as cores em sua multiplicidade, o espectro se abre para o colorido,
nas quais o azul representam o contato com a interioridade. compreendido como uma natureza viva, uma substância em
Para Kapoor, um universo nebuloso representado em tons de atividade. Por isso, os capítulos contidos no Livro Colorido estão
azuis escuro de forma abstrata, e para Kandisky, representado diretamente relacionados a algumas possíveis dimensões em que
na forma de uma cavalo azul, abstrata ou figurada é o azul que a cor pode atuar, tais como a atividade das cores complementares,
carrega o sentido de interioridade. em nós e no espaço entorno, o seu aspecto imaterial, quando a cor
se forma no espaço por meio de uma contra-imagem.
Quanto aos sentidos de morte e transcendência, vemos o azul
presente nas obras da fase azul de Pablo Picasso, como por Outra aproximação que demonstro através das minhas obras é a
exemplo Anunciação (1901) e nos afrescos feitos por Giotto na sua dimensão temporal verificada nos gradientes cromáticos que
Capela de Scrovegne.(1303-05), onde o azul celeste independente surgem na natureza, durante a maturação e, ou, transformação
do momento histórico guarda o sentido da transcendência, da matéria natural ao longo do tempo.
religião, pecado, culpa, medo e salvação.
Também vejo a cor uma manifestação espiritual, uma vez que
A repetição do sentindo da cor azul nas diferentes épocas cul- ela excede à forma na qual ela esta contida, ela é qualidade, não
turais, como pudemos ver, é a evidência da cor como símbolo. é limite. A cor transcende a materialidade das coisas do mundo.
Por isso, mais uma vez é preciso salientar a importância da obra
“Doutrina das Cores”. Ressalto ainda, e mais uma vez, que para Por fim, referente as suas qualidades, há a possibilidade da cor
mim como pesquisadora e artista visual a pesquisa histórica atuar, não só de forma visual, como também, psicológica no
foi de suma importância no meu processo de criação, porque observador. Uma vez que a cor é uma essência e possui dentre
através do estudo histórico, além de ter verificado a cor como seus inúmeros aspectos, forças capazes de alterar os estados de
símbolo, pude compreender melhor a minha produção, apro- ânimo do observador. Lembrando que a cor atua para cada um
ximando minhas obras com as de outros artistas, que tem a cor de uma forma específica, como vimos antes, assim o azul pode
como fundamento de suas obras, e que, sobretudo, evidenciam a atuar em nós, provocando os mais diversos sentimentos do seu
cor como substância, essência e, ou, símbolo. campo simbólico, por exemplo, paz, tristeza, transcendência,
solidão e etc. Assim é para todas as cores, elas operam

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simbolicamente, ou seja, possuem em si uma polaridade latente.

Estas questões ganharam força na obra que apresento no final


desta tese, o vídeo chamado Sentimento da Cor. É uma gradiente
cromático estendido no tempo, são 15 minutos divididos em 60
frames. Neste vídeo a luz se abre num espectro colorido que
reverbera para dentro de nós no escuro, a medida que as cores se
apagam no tempo entre os frames.

Sentimento da Cor tem como intuito conduzir o espectador a uma


experiência sensível. Num tempo desacelerado as cores vão se
alterando, conduzindo o espectador à contemplação. É uma
espécie de meditação sobre os gradientes que encontramos na
natureza, cujo intuito é ativar as forças das cores em nós.

O que é a cor?
Sugiro olhar e sentir.

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Design: Mariana Julião

SÃO PAULO
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