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SENTIMENTO DA COR
SÃO PAULO
2021
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS
SENTIMENTO DA COR
SÃO PAULO
2021
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho,
por qualquer meio convencional ou eletrônico,
para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
Dados inseridos pelo(a) autor(a)
7
BANCA EXAMINADORA
9
Para os meus anjos,
Zilda e Riccardo Gorresio.
E para os grandes artistas,
Alba e Armando Gorresio.
AGRADECIMENTOS Aos artistas, curadores e pensadores Carlito Contini, Rodolpho
Parigi, Caetano de Almeida, Sandra Cinto, Eduardo Sabeta,
Baixo Ribeiro, Mariana Pabts Martins, Paulo Nimer Pjota,
Ao meu orientador Prof. Dr. Hugo Fortes, pela clareza do Jarbas Horta, Emmanuelle Grossi, Carla Chaim, Thais Rivitti,
pensamento, caráter, cuidado, trocas, por sua orientação Tania Rivitti, Newton Campos, Tais Cabral, Raquel Magalhães,
atenciosa e interesse verdadeiro. Fabíola Tasca, Alisson Damasceno, Junia Penna, Mariana Hauck
e Fernando Motta pelos ricos momentos e trocas.
À toda equipe do Pivô Pesquisa e ao a.area, principalmente à
Fernanda Brenner, Marcela Vieira, Livia Benedetti e ao Tiago Aos meus queridos amigos Angela Martins, Henrique Martins
Mesquita por todo o incentivo. e Tatiana Modenesi por me acompanharem sempre de perto,
animados e cuidadosos.
Ao Prof. Dr. Marco Giannotti, por me introduzir aos pensamentos
e estudos sobre a cor. À designer Mariana Julião por todo o talento e doçura.
Ao fotografo Everton Ballardin pela amizade e imagens sempre
Ao Prof. Dr. Geraldo de Souza Dias, pelas primeiras orientações perfeitas.
e direcionamentos, pelas conversas e encorajamento.
À Karina de Andrade, secretária do departamento de pós-
Ao Prof. Dr. Marcos Moraes pela amizade, sabedoria, mente graduação em Artes Visuais, por toda a ajuda, atenção e
criteriosa e por toda ajuda sempre disponível e amável. simpatia.
Aos professores da Escola de Comunicações e Artes, Prof. Aos meus amigos e familiares que sempre me dão força e alegria
Dr. Tadeu Chiarelli, Prof. Dr. Sonia Salzstein, Prof. Dr. Kaira para continuar.
Cabañas, Prof. Dr. Mario Henrique Simão D’Agostino, Prof. Dr.
Lucia Koch. À todas as flores que encontrei no caminho, resgatando a minha
fé no mundo todos os dias.
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RESUMO
15
ABSTRACT
17
SUMÁRIO
Apresentação 21
LIVRO AZUL 31
Introdução 33
LIVRO COLORIDO 97
Introdução 99
21
22
para o fogo as cores solares e douradas, para a terra também
COR, LUZ E SOMBRA os brancos. No item 793b, Aristóteles aponta um novo elemento
quanto à classificação das cores. A cor nunca é vista como ela é,
A relação entre cor, luz e sombra sempre foi um assunto muito ela sempre é uma mistura, e, se não misturadas entre elas, são
presente nos debates sobre a cor durante séculos. Contudo, no mesmo assim, uma mistura dos raios de luz com aqueles das
século XVIII, assim chamado século da luz, por excelência, a sombras, sempre se apresentando diferentemente daquilo que
cor ganhou uma outra compreensão. Neste século a cor passa, realmente são. (ARISTOTELES, 1955, p.17; Trecho parcialmente
sob a perspectiva da ótica, a ser abordada em relação unitária traduzido para o português.)
à luz. Esta mudança importante na Europa é decorrente da
publicação de “Óptica” (1704) de Sir Isaac Newton. (Newton, I. Ao apresentar, em diferentes contextos, vários sistemas sobre
1996) as cores puras, Aristóteles mostra ter ideias divergentes,
confundindo, assim, seus leitores. Contudo, suas considerações
A título de contextualização apenas, a cor, até então, era sobre a luz que surgem no livro “Do sentido e dos Sensíveis”, foi
compreendida sob a perspectiva medieval aristotélica. A a teoria sobre a luz mais revista até o século XVIII, segundo
concepção da cor de Aristóteles era a visão dominante durante Luís Miguel Bernardo, em “História da Luz e das Cores”, sendo
toda Idade Média até o século XVIII. considerada “a única explicação verdadeiramente credível”
(BERNARDO, 2009, p.48).
Podemos encontrar referências sobre a cor em várias obras
de Aristóteles, em “De Anima”, “Parva Naturalia”, “Coloribus Durante o século XVII, no entanto, podemos ver as primeiras
e Metereologia”. Em seu tratado “Do sentido e dos Sensíveis”, em mudanças no entendimento da cor. O matemático Johannes
“Parva Naturalia”, Aristóteles coloca que as cores surgem da Kepler argumenta, em 1604, que a diferença entre as cores
mistura da luz e da escuridão. As cores dependem da proporção aparentes e a cores verdadeiras são infundadas, e que todas
destes dois polos extremos. De acordo com essa concepção, as cores, exceto o branco e o preto são transparentes. Já
as cores são proporções simples, tal qual harmonias musicais. Descartes em sua obra “Dióptrica” (1637), defende que as cores
(ARISTÓTELES, 2012, p.48-49) não dependem da interação entre o preto e o branco, mas de
vários níveis de interação de refração da luz e que elas, inclusive
No seu texto “Coloribus”, Aristóteles relaciona as cores com estariam relacionadas diretamente à luz. (KOBAYASHI, M.1996)
os quatro elementos da natureza, para o ar as cores brancas,
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Bartholin escreve em “Specimen Philosophiae Naturalis” (1703),
que as cores eram igualmente reais, e que o preto e o branco Este tema foi escolhido pois, foi de suma importância para
não eram cores, uma vez que não surgiam da refração da luz, mim durante o meu percurso como artista, uma vez que a
que é para ele a causa da cor e, que as cores primárias eram o compreensão das cores sob o ponto de vista romântico, ou seja,
vermelho, amarelo e o azul. Sendo esta teoria uma das que mais qualitativo, me ajudou a formular os conceitos que estão hoje
irá influenciar Newton. (GAGE, 1999, p.153) presentes no meu processo de criação.
________________________________________________________________
Neste sentido podemos ver o problema que a época das luzes
deixou para o nosso entendimento da cor, retórica que impera
até hoje quando afirmamos que: cor é luz. Afirmação duvidosa
a qual precisa ser revista e argumentada, para que haja uma No ano 1704, uma nova abordagem em relação à cor e à luz é
compreensão ampliada do assunto. Sobretudo porque é de apresentada ao mundo. Chamada Óptica (1704), uma pesquisa
suma importância entendermos que as cores possuem uma polêmica do inglês Isaac Newton é publicada. Nela, Newton
qualidade essencial para além de sua aparência. refere-se à luz e à cor dentro do escopo objetivo e quantitativo
das ciências naturais, utilizando aparatos construídos para a
Desta forma, neste texto pretendo revisitar esta importante investigação da cor, como o prisma.
informação sobre a cor dentro do pensamento ocidental que
revela a relação da cor com a sombra. Portanto, dando ênfase à Em 1666, Newton já havia iniciado seus experimentos com
escuridão, que em outras palavras, refere-se ao mundo invisível, a refração da luz. Com a ajuda do prisma, ele conclui que
ou ainda, a tudo aquilo que foge das questões materialistas e os diferentes tipos de refração da luz não poderiam ser
quantitativas. modificados por outras refrações, nem mesmo por reflexões,
exceto pela mistura com outros raios emitidos por outros
Sendo assim, analisarei adiante os dois autores que fundam esta prismas paralelamente. Newton, encontra uma constante em
discussão entre a luz e sombra na constituição da cor. Enquanto seus experimentos com o prisma, percebe que o feixe de luz se
Isaac Newton se aprofunda em sua teoria da cor voltado para dividia sempre em sete cores: vermelho, laranja, amarelo, verde,
os aspectos mecanicista, matemático e quantitativo, Johann azul, índigo e violeta-purpura. Para Newton, todas as cores
von Goethe, por outro lado, irá voltar sua análise sobre as cores que surgiam da refração da luz eram primárias, homogêneas e
considerando os aspectos naturais, subjetivos e qualitativos. simples.
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Newton posteriormente nota que estes sete raios quando No entanto, em seu experimento com o prisma, Newton para
misturados em uma certa proporção e colocados em determinar as partes constituintes do espectro cromático pede
movimento se tornam mais claros, quase desaparecendo da ao seu serviçal “cujos olhos eram mais apurados que os dele”,
visão. Surge o Disco de Newton, também conhecido como “Disco para julgar a experiência com o prisma (SHAPIRO, Alan.1984).
de Desaparecimento da Cor”.
Tal experimento é considerado hoje uma história de ficção,
uma vez que a análise do objeto observado era independente do
observador, haja vista que mesmo tendo chamado seu auxiliar
para analisar o experimento, não se deu conta da importância
do observador na experiência. Contudo, a obra de Newton
é inaugural, pois sem mesmo considerar a questão sobre o
subjetivo em suas experiências e analises, provoca o inicio de
uma série de discussões sobre este mesmo tema.
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Mas somente se prestarmos atenção é que nos É por meio deste processo de relacionamento entre as
convenceremos de que o papel branco atua como polaridades cromáticas puras, o amarelo e o azul, surge
uma superfície amarelo-avermelhada, sem a qual (steigerung) uma terceira cor, primária, porém, não pura, o
não haveria aquele azul complementar no olho. púrpura (magenta) e o verde, nas duas extremidades. O círculo
[69] Uma importante consideração à qual voltaremos cromático de Goethe é uma espécie de indicativo das interações
com frequência deve ser feita aqui. A própria cor entre as duas cores puras intensificadas, o azul (ao violeta) e
é um sombreado (σκιερον). Por isso, Kircher está o amarelo (ao laranja), sendo as duas sintetizadas, o púrpura
coberto de razão ao chamá‑la de lumen opacatum. Na (magenta), acima e, o verde, abaixo.
medida em que é semelhante à sombra, a cor, tão
logo haja motivo, a ela se une, aparecendo nela e por
meio dela. Nas sombras coloridas, devemos aludir a
um fenômeno cuja dedução e desenvolvimento só
poderão ser empreendidos mais tarde.
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O fenômeno primordial é a condição de possibilidade dos utilizadas para os mais altos fins estéticos.
fenômenos da natureza. No campo do conhecimento o [759] As pessoas em geral sentem grande prazer com
fenômeno primordial é a relação unitária entre sujeito e objeto. a cor. O olho necessita dela tanto quanto da luz. Vale
Por isso, o sujeito só reconhece a cor porque é parte dela. lembrar o rejuvenescimento que se sente, num dia
nublado, ao ver o sol iluminar uma parte isolada
Sob a visão de Goethe, a cor em si, o fenômeno e, a cor que da paisagem, tornando as cores visíveis. As virtudes
percebemos, é a mesma coisa. Existe nesta visão de Goethe, a terapêuticas atribuídas às pedras preciosas coloridas
teoria do conhecimento romântica, a inextricável unidade entre podem ter surgido do sentimento profundo desse
objeto e o sujeito. prazer indescritível. (GOETHE, 2013; p.139)
No capítulo chamado Efeito Sensível-Moral da Cor, Goethe nos Vemos em Goethe que a natureza nos ensina que cores distintas
apresenta a relação entre o fenômeno e o efeito da cor em nós: proporcionam estados de ânimos específicos. A cor é capaz
de nos afetar pois nos identificamos ao vê-la, reconhecemos a
[758] Já que ocupa um lugar tão elevado na série de nossa própria natureza nelas.
fenômenos naturais originários, preenchendo com
uma diversidade bem definida o círculo simples que Neste sentido, Goethe foi capaz de criar uma distinção entre o
lhe foi designado, não devemos nos surpreender simbolismo e alegoria da cor. Enquanto o simbolismo coincide
ao percebermos que a cor, em suas manifestações inteiramente com a natureza da cor, a sua essência, na alegoria
mais gerais e elementares na superfície de um o significado deve ser previamente comunicado antes mesmo
material, sem nenhuma relação com a qualidade do observador saber o que ela deve significar” (Goethe, 2013. pg.
ou forma dele, produz sobre o sentido que lhe é 916-7). Para Goethe o vermelho, por exemplo, tem a capacidade
mais adequado, a visão, e, por meio deste, sobre a de exaltar os desejos humanos, independentemente do intuito
alma, um efeito que, isoladamente, é específico e, de seu uso.
em combinação, é em parte harmônico, em parte
característico, mas também desarmônico, embora É preciso salientar a esta altura, como o estudo da cor por
sempre definido e significativo, que se vincula estes dois pensadores revela diferentes visões de mundo. Uma
imediatamente à moralidade. É por isso que as cores, iluminista, Newton, e a outra Romântica, Goethe.
consideradas como um elemento da arte, podem ser
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Goethe promoveu através do estudo das cores uma nova visão Goethe nos faz compreender a expressão particular do
de mundo, colocando em questão a teoria óptica de Newton, Universo através da linguagem da Natureza. Sua teoria celebra
abrindo-se para um entendimento sobre percepção das cores, a consciência sensível, ela o explora, no entanto, considerando
operação complexa que tocou os confins da física, da fisiologia e a existência uma verdade original que se revela através dos
da psicologia. Goethe provou o irrealismo da teoria newtoniana fenômenos.
que excluía todo o obscuro do mundo e suas sombras, forçando
coincidir o campo visual com sua compreensão mental físico- Por isso, é preciso ter em nota o problema que ocorre ao
matemática. retirarmos a sombra, o polo negativo como parte constituinte da
cor. Estaríamos desta forma extirpando parte de sua natureza,
Quando Goethe atacou resolutamente a teoria newtoniana, seria como uma árvore sem raiz.
pondo em questão a despótica visão iluminista de mundo,
sustentou uma polêmica que durou a sua vida inteira, traduzida Assim sendo, já que a cor é um símbolo vivo, é conclusivo
em experiências minuciosas e pacientes na natureza. Sendo perceber que ela atua em nós, alterando os estados da alma.
assim, Goethe considera em suas observações a questão do As cores são espelhos de nós mesmos. Por isso, a relação que
obscuro, o oculto na natureza. (GUSDORF, 1993) possuímos com a cor é em si mesma o próprio processo de
integração do homem no mundo.
Goethe, como o pensador que inaugura o movimento romântico,
não poderia ter deixado de lado a questão da escuridão, ou Em minha obra, meu intuito é utilizar as cores para reafirmar
seja do obscuro, na constituição da cor. A questão do obscuro esta conexão, evidenciando a verdade originária, oferecendo
perpassa todas as áreas do pensamento romântico. Daí a ao espectador um momento de harmonia e pertencimento em
relevância da pesquisa sobre o azul, o polo negativo. relação ao mundo, o retorno à casa, seu lar. Reconheço, portanto,
essa vinculação ao pensamento romântico em meu trabalho,
Segundo Goethe, como já falamos, a cor nasce do encontro como veremos a seguir.
entre a luz e escuridão. Os românticos consideram os dois polos
para o surgimento da cor, o negativo e o positivo. A Doutrina das
Cores remonta à lei geral das polaridades, a qual está fundada
toda a lei natural.
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LIVRO AZUL
INTRODUÇÃO a qual me conduziram até aqui. Elas foram feitas com inúmeros
tons de azul, os quais abrangem todo um espectro de tons, como
Foi buscando melhor compreender os sentidos atribuídos à cor os cyans, cobaltos, índigos e violáceos.
azul que dei início à pesquisa desta tese de doutorado, uma vez
que a cor azul se tornara muito presente em minha produção No segundo capítulo, apresento as minhas outras obras azuis com
desde 2008, desde a minha obra inaugural chamada Flux. Assim uma reflexão textual sobre cada uma delas. Ao final, no terceiro
surgiu o meu questionamento: Qual seria o sentindo, ou os capítulo, apresento a minha pesquisa histórica sobre o azul dentro
sentidos dos azuis em minhas obras? das artes visuais. Apontando primeiramente algumas obras feitas
com a cor azul na antiguidade até o séc. XX, as quais servem de
Sendo assim, diante da necessidade de entender a cor azul em fundamento para compreendermos os significados da cor azul.
seus aspectos mais profundos, como o seu simbolismo, elaboro Posteriormente, privilegiei com análises mais profundas, as obras
esta pesquisa, para a partir dela poder responder, através de azuis dos artistas Pablo Picasso, Yves Klein, Wassily Kandisky
evidências e conhecimentos fundamentados, aquilo que antes e Anish Kapoor. Estes artistas foram escolhidos pois suas obras
havia sido apenas pressentido. Iniciei então, primeiramente, uma azuis apresentam semelhança de sentido em relação às minhas
pesquisa histórica sobre o azul dentro da história da arte ocidental, obras, como também se configuram nas artes visuais, como figuras
fazendo um levantamento dos sentidos dados a esta cor. fundamentais para o entendimento dos sentidos da cor azul. Ao
final, me ative a refletir sobre as obras azuis feitas recentemente
Neste Livro Azul, primeiramente encontramos as imagens das pelas artistas brasileiras Amélia Toledo, Sandra Cinto e Adriana
série feitas em lápis de cor, grafite e aquarela, ambas durante o Varejão, obras cujos significados do azul retomam as minhas
ano de 2015, chamadas “minhas flores azuis” e “uma série sem título”, reflexões feitas até então, porém agora no contexto brasileiro.
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CAPÍTULO 1.
ETERNO INFINITO
35
MINHAS FLORES AZUIS
(2015)
37
Livia Paola Gorresio
Minha flor azul
2015
Lápis de cor azul sobre papel 70 x 50 cm
38
Livia Paola Gorresio
Minha flor azul em preto e branco
2015
Lápis grafite sobre papel 70 x 50 cm
39
Livia Paola Gorresio
Arranjos ao acaso
2015
Lápis grafite sobre papel 70 x 50 cm
40
Livia Paola Gorresio
Arranjos ao acaso
2015
Lápis grafite sobre papel 50 x 35 cm
41
Livia Paola Gorresio Arranjos ao acaso 2015 lápis grafite sobre papel 35 x 50 cm
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UMA SÉRIE SEM TÍTULO
(2015)
43
Livia Paola Gorresio SEM TÍTULO 2015 Aquarela sobre papel 70 x 104 cm
44
Livia Paola Gorresio SEM TÍTULO 2015 Aquarela sobre papel 70 x 104 cm
45
Livia Paola Gorresio SEM TÍTULO 2015 Aquarela sobre papel 70 x 104 cm
46
Livia Paola Gorresio
SEM TÍTULO
2015
Aquarela sobre papel 104 x 70 cm
47
Livia Paola Gorresio
SEM TÍTULO
2015
Aquarela sobre papel 104 x 70 cm
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CAPÍTULO 2.
49
{FLUX, 2008}
51
{FLUX CUBE, 2009}
52
{A BALANÇA PP. 6, 2013}
Sendo assim, nesta obra azul faço uma reflexão sobre os pesos
que constituem a nossa própria estrutura, o homem que pondera
seus fluxos e “cargas” em busca do equilíbrio e harmonia interior.
A balança é conhecida como o símbolo da justiça, da medida,
da prudência e do equilíbrio, já que sua função corresponde
precisamente em pesar os atos. O azul da balança sugere ao
espectador/participante à voltar-se para dentro, ao seu mundo
interior, através de uma atividade meditativa.
Livia Paola Gorresio
Balança. pp.6, 2013
15 x 60 x 4 cm
Escultura interativa / aço inox e madeira pintada com tinta acrílica
53
{PHYSIS, 2013}
54
{FLOR AZUL, 2015}
55
sonhos, fui transportado para outro mundo; pois no
mundo que vivo, até agora: Quem já se preocupou
com as flores? Eu nunca ouvi falar de uma paixão
tão estranha por uma flor (...). (NOVALIS, Georg.
Enrique de Ofterdingen. Trad: German Bleiberg.
Buenos Aires: Editora Austral,1951; p.8)
57
{SEMENTE, 2018}
58
CAPÍTULO 3.
59
direto da percepção. Por outro lado, o hábito de compreender
uma cor, na Antiguidade, estava intrinsecamente relacionado
CAPÍTULO 3
à atuação da luz (GAGE, 1999; p.212). Esta característica,
dentre claros e escuros é a que mais interessava aos gregos
UMA HISTÓRIA SOBRE O AZUL antigos, podendo ser encontrada nas teorias da cor formuladas
ali. Desde os primeiros pensamentos encontrados nos
documentos escritos pelo filósofo pré-socrático Alcmeão de
Crotona, a ideia da antítese entre o preto e o branco, ou seja,
entre a luz e a escuridão, sempre estiveram em destaque, o
3.I. ANTECEDENTES que nos afasta ainda mais da atual compreensão sobre a cor.
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inscrevendo-se naqueles dos amarelos e dos verdes. Sendo
assim, sabe-se hoje que associar a cor originada do Murex à cor
azul, é filologicamente errado (PASTOUREAU, 2000).
Durante a Idade Média e a Renascença, a Isatis tinctoria foi O azul da planta tropical, Indigofera Tinctoria L. , dá aos tecidos
intensamente comercializada, mas a partir do comércio de seda, lã e algodão uma tintura profunda e sólida, além de
crescente com as Índias e as Américas, um outro tipo de azul penetrar mais facilmente na fibra dos tecidos. Frequentemente,
passou a ser produzido a partir da espécie tropical chamada mergulha-se o tecido dentro do recipiente cheio de corante e
Indigofera tinctoria. Esta última produz um azul semelhante, depois o expõe ao ar livre, o suficiente para a cor fixar no tecido.
porém mais concentrado e forte, denominado anil. Se o tom ficar claro, repete-se a operação muitas vezes até atin-
gir o tom de azul desejado, cada vez mais escuro.
A introdução do azul anil derivado da planta tropical foi
subsequente ao desenvolvimento das técnicas de síntese química No entanto, é importante ressaltar que no Brasil e no mundo,
das anilinas e de outros corantes sintéticos, ocasionando o fim mais precisamente nestes últimos 10 anos, começam a ressurgir
quase total desta cultura e, por fim o abandono dos engenhos atividades e intenções de fazer renascer o uso tintureiro do Gue-
que produziam esta tinta. de da Isatis tinctoria como também do Índigo tropical, o anil, da
Indigofera tinctoria.
É também assim para os gregos e romanos, e toda a Idade Média. Esta pedra sempre foi muito cara, não somente porque era difícil
As duas pedras, geralmente consideradas de igual preciosidade, de ser encontrada e vinha de longe, mas também porque sua
são bem conhecidas e comumente confundidas pela maior transformação em pigmento demandava um longo trabalho.
parte dos enciclopedistas e dos lapidadores. Os termos que Além disso, as operações de torná-la uma pasta, permitindo
ora designavam uma, ora designam a outra (azurium, lazuriam, transformar o mineral em pigmento utilizável para as pinturas,
lapis-azuli, lápis-scythium, sapphirum). Ambas são utilizadas nos são lentas e complexas. O lápis-lazúli contém um grande número
ornamentos e nas artes suntuosas, mas só o lápis-lazúli fornece de impurezas, portanto, era necessário eliminá-las e purificá-lo.
o pigmento dos pintores.
8. Disponível em: <https://wolfstone.fr/lapis-lazuli/>. Acesso em: 10 out. 2020.
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Os gregos e os romanos não faziam este procedimento com Menos cara era a azurita, o pigmento azul mais utilizado na
destreza. Frequentemente se contentavam em apenas torná- Antiguidade Clássica e no mundo Medieval. Um mineral
la uma pasta em seu todo. Contudo, os artistas medievais composto de carbonato básico de cobre. Sua estabilidade é
encontraram posteriormente novos procedimentos à base de menor que a do lápis-lazúli, pois facilmente pode se transformar
cera e alvejante para livrar o lápis-lazúli de suas impurezas em verde ou preto, sobretudo quando mal preparada, seus azuis
(PASTOUREAU, 2000; p.22 apud VON ROSEN,1998). Mas, ficam ainda menos belos. Era também difícil de triturar e abrir,
enquanto o pigmento do lápis-lazúli produz tons azuis de resultando em uma pintura granulosa e espessa.
grande variedade e de bela intensidade e apresenta-se altamente
estável diante da luz, seu poder de cobertura é fraco. Os povos antigos sabiam igualmente fabricar pigmentos azuis
artificiais à base de limalha de cobre misturada com areia e
potássio. Os egípcios, notadamente, produziram esplêndidos
tons de azul e de azul-verdeado a partir dos silicatos de cobre.
É comum encontrar sobre os pequenos mobiliários funerários,
a cor azul nas estatuetas e figuras, as quais são frequentemente
revestidas por uma espécie de película que lhes dá um aspecto
vítreo precioso.
TEOLOGIA DA LUZ Estas questões são debatidas entre os séculos VII-IX, período no
qual os teólogos possuem um papel concreto na vida cotidiana,
O azul cumprirá com o papel de luz divina alguns decênios refletindo sobre o culto e sobre a criação artística. Sendo assim,
mais tarde nos vitrais do século XII. Um azul claro e luminoso, as respostas que são obtidas destes debates determinaram o
praticamente inalterável, que não fará mais par com o verde, lugar da cor no comportamento do bom cristão, nos lugares
como era o caso sempre nas pinturas da alta Idade Média, mas que eles frequentavam, nas imagens que eles contemplavam,
com o vermelho. nas vestimentas que usavam e nos objetos que manipulavam.
Esse lugar entre o azul e o fundo das imagens se ligará à uma Condicionando assim, também e, sobretudo, o lugar e o papel
69
da cor na Igreja e nas práticas artísticas. Para ele, como para os grandes abades de Cluny dos séculos
precedentes, nada será suficientemente belo para a casa de Deus.
Desta forma, enquanto o prelado cromófilo, os amates da cor, Todas as técnicas, suportes, pinturas, vitrais, esmaltes, tecidos,
irão assimilar a ideia de cor e luz, o prelado cromofóbio, fóbicos pedrarias, ourivesaria, foram solicitadas para fazer da basílica
da cor, só verão nas cores a matéria e o pecado. Numerosos são um templo da cor, pois luz, beleza e riqueza são consideradas
os que, como Claude, bispo de Turin no começo do século IX, por Suger, meios necessários para venerar a Deus, exprimindo-
e depois São Bernardo, no século XII, pensam que a cor não se, primeiramente, através da cor azul (VERDIER, 1975; p.703 &
é luz, mas sim, é matéria. Portanto, qualquer coisa vil, inútil CROSBY, 1981).
e desprezível. Até o século XII, essas controvérsias nascidas
no início da época carolíngia durante a querela das imagens,
serão retomadas periodicamente em primeiro plano, opondo os
prelados cromófilos aos prelados cromofóbios.
VESTES DE MARIA
71
ZUFFI, S. 2012.
O extraordinário desenvolvimento do culto a Maria assegurou 3.II. RECONFIGURAÇÕES
a promoção desse novo azul e o estendeu a todos os domínios
da criação artística religiosa. Outro exemplo para análise, é a
pintura feita por Giotto de Bondone, entre 1302 e 1305-6, em O AZUL NO COTIDIANO
uma pequena capela chamada Capela Scrovegni em Pádua, na
Itália Sententrional. Os afrescos foram inspirados na vida da A partir do século XII, o azul deixa de ser a cor de importância
Virgem e de Cristo.11 Na maioria deles Maria foi pintada com seu menor ou de um pobre renome no Ocidente como foi durante
manto em rosa, símbolo da alegria e do amor, em outros, suas a Antiguidade Romana. Ao contrário, o azul, aos poucos, vai se
vestes se apresentam em azul, por exemplo nos quadros onde tornando a cor da moda, aristocrática, e até mesmo a cor mais
existe o luto e a separação. Em mil anos, nada igual fora feito. bela, segundo alguns autores. Em algumas dezenas de anos
Giotto redescobre a arte de criar ilusão e profundidade numa seu status muda, o valor econômico aumenta, sua moda nas
superfície plana, transformando a noção de pintura. Tal como vestimentas se acentua, seu lugar nas criações artísticas se faz
se a história sagrada estivesse acontecendo diante dos olhos12. invasivo. A espantosa e súbita promoção passa a ser testemunha
de uma reorganização total da hierarquia das cores nos códigos
sociais, nos sistemas de pensamento. Essa nova ordem das cores,
em que as primícias se fazem sentir desde o fim do século XI,
11. Uma restauração foi realizada em 2001 pelo Instituto Centrale del Re-
stauro de Roma, sob a direção do historiador da arte e restaurador Giuseppe não diz respeito somente à cor azul, e sim à todas as cores, mas
Basile. Segundo o pesquisador, o conjunto de pinturas trata de “um exemplo a sorte reservada ao azul é notável. (PASTOUREAU, 2000; p.50).
muito raro de pintura mural em que foram usadas quase todas as técnicas en-
tão conhecidas: o a fresco, à tempera, como também técnica a secco e à óleo,
as quais foram redescobertas por Giotto depois de séculos de esquecimento, Na Holanda do século XVII, após a Guerra dos Dezoito Anos,
o antigo estuque romano que era utilizado para pintar o aspecto de mármo-
re”. Disponível em: <www.giuseppebasile.org/restauri/la-cappella-degli-scro- período marcado pelas lutas por sua independência, nasce a
vegni/8-la-cappella-degli-scrovegni-i-caratteri-della-realizzazione-pittorica>. República Holandesa. Uma sociedade próspera, cujo período
Acesso em: 9 jan. 2018.
de estabilidade crescimento é chamado de Idade de Ouro,
12. Giotto preferiu seguir os conselhos dos frades pregadores que exortavam caracterizado pelo avanço na ciência e nas artes, num nível
os fiéis a visualizar mentalmente, quando liam a Bíblia e as lendas dos Santos,
como teria sido a cena da fuga para o Egito da família de um carpinteiro ou muito superior em relação à toda Europa. (GOMBRICH, 1999;
a do Senhor sendo pregado na cruz. Giotto não descansou enquanto não p.413)
reformulou tudo isso em seu pensamento: como se portaria um homem, como
agiria, como se impressionaria, se participasse de tais eventos (GOMBRICH,
1999, p.201-205).
72
A súbita quebra com os padrões monarquistas e a cultura Sua conversão ao catolicismo transformou não só sua vida
protestante deixou os holandeses sem opção se não aquela familiar como sua pintura, desde o inicio da sua carreira,
de se reinventarem completamente. A pintura religiosa entra sendo comissionado frequentemente a pintar imagens de
em declínio e novas formas de arte surgem. Os artistas do sul veneração. Nesta pintura ao lado, chamada A Leiteira, podemos
demonstraram-se em destaque em relação as cidades ao norte. compreender a dimensão religiosa que ela possui através da
A arte Flamenca, própria da região dos Flanders, atual região presença das cores azuis e dourados, iluminadas por uma
norte da Bélgica, é comumente relacionada à arte Barroca, porém claridade misteriosa que adentra pela janela.
esta não possui em sua essência a idealização esplendorosa do
amor como no Barroco, mas sim, a sobriedade da vida cotidiana Segundo o historiador de costumes Marieke de Winkel, os
dentro de uma perspectiva vista realista, própria dos valores aventais utilizados pelas trabalhadoras eram comumente
calvinistas. Para o protestante, sobretudo o calvinista, cumprir tingidos com pigmentos vegetais, a Guede extraída da Isatis
em vida a sua vocação divina é estar voltado ao trabalho e à vida Tinctoria, como vimos no primeiro capítulo, até atingirem
asséptica do cotidiano, sendo um dever religioso vedar qualquer um azul escuro. Uma vez que o azul seria o único tingimento
tipo de usura. (SCHNEIDER, N., 2010). disponível na região para preparar um uniforme capaz de
esconder as manchas produzidas durante o trabalho. (WINKEL,
As autoridades frequentemente toleravam os católicos na 2006; p.46).
região, sob a condição que praticassem suas reuniões dentro
de suas casas ou em pequenas capelas. Mas, mesmo com a Estas roupas azuis foram pintadas pelo artista com o pigmento
reforma protestante, um terço da população continuou sendo azul ultramar, feito de lápis-lazúli13, o mesmo utilizado igrejas
católica. Johannes Vermeer, artista holandês, embora tenha católicas até então, utilizados para designar o sagrado, nas
sido batizado na igreja protestante converteu-se ao catolicismo, pinturas dos céus e nas vestes de Maria e do menino Jesus.
provavelmente antes do seu casamento em 1653. Assim como Vemos aqui a transposição dos valores e sentidos da cor. Temos
muitos outros artista da época, Vermeer desenvolveu novas nesta pintura a imagem da serviçal vestida com azul junto ao
formas de expressão no campo da pintura devocional, pois amarelo-dourado apresenta-se como uma releitura das pinturas
enquanto os calvinistas enfatizavam as palavras e os textos sagradas, transpondo agora o plano celestial para o cotidiano.
bíblicos, os católicos acreditavam no poder das imagens para
conduzir a meditação, como caminho para o entendimento das
mensagens religiosas. (Harrington, 2021). 13. Pigmento muito provavelmente, comprado pelo seu patrocinador devido
ao preço dele. (WHEELOCK e BROOS, 1995; p.87).
73
O CARO AZUL
O romantismo devotou um culto à cor azul, especialmente o (...). Não são os tesouros que fizeram despertar uma ânsia,
pois bem longe me encontro de toda a cobiça, mas possuo a
romantismo alemão. Sobre este terreno, o texto emblemático,
nostalgia de poder ver a flor azul. Isto não cessa de acompanhar
senão fundador, é o romance inacabado de Novalis, Heinrich minha imaginação, nem outra poesia ou pensamento se não
von Ofterdingen, publicado postumamente, em 1820, por Ludwig ela. Nunca havia experienciado tais sensações: parece como
se até o momento estivesse dormente ou como se, através dos
sonhos, fui transportado para outro mundo; pois no mundo
18. Isaac Newton. Display caption. Disponível em: <https://www.tate.org.uk/ que vivo, até agora: Quem já se preocupou com as flores? Eu
art/artworks/blake-newton-n05058. Acesso em: 10 junho. 2019. nunca ouvi falar de uma paixão tão estranha por uma flor.
(...) Gostaria de estar louco, pois a vi com muita nitidez, e
19. Trecho encontrado dentro de uma série de Aforismos filosóficos escrito
por William Blake, em 1788, que acompanham as gravuras. desde então tudo resulta mais familiar. Pois eu ouvi falar que
77
em tempos remotos que os animais, as árvores e as rochas ocultas por camadas de simbolismo. (WOLF. N, 2003)
falavam com os homens. E esta é a minha sensação, é como
se todos quisessem falar comigo, agora mesmo. E como se
pudesse adivinhar que querem me dizer. Deve haver muitas
palavras que eu desconheço; se soubesse de todas, é certo que
compreenderia melhor o que querem me dizer. Antes gostava
de dançar agora prefiro a música (...). (NOVALIS, 1951; p.8)
Pablo Picasso. A Morte de Casagemas, 1901. Fonte: Página Artsy21. Nesta obra abaixo, podemos ver Picasso em seu autorretrato
com um semblante envelhecido, onde sua pele clara e seus lá-
Seus gélidos azuis, não só retratariam a qualidade fria da tristeza bios vermelhos confirmam o olhar exausto. A roupa, por sua
como também o carácter sombrio da perda, apontando para os vez, é retratada em tons de azul índigo, os quais adensam o senti-
seus próprios medos e dúvidas perante os destinos da vida. mento de tristeza e solidão e assombram ainda mais a atmosfera
vazia e silenciosa do seu recinto. Outra importante informação
Outra obra muito importante desta fase é a obra chamada para nós seria a que Picasso teria o hábito de pintar suas telas à
Anunciação, 1901. Esta pintura que foi denominada por seus noite, sob a luz cândida da lâmpada de parafina, oferecendo as
amigos mais próximos como “O Enterro de Casagemas”. Nela obras um tom ainda mais dramático na maneira de pintar seus
podemos ver o sepulcro de seu amigo na extremidade abaixo azuis (BERNARDI, 2018).
do quadro, e acima, no alto do céu, algumas mulheres nuas,
crianças e mães se colocam envoltas por um cavalo branco.
Sob essa perspectiva a cor azul poderia ser vista como a cor que
melhor representaria o desconhecido, o enigmático e o mistério.
Essa obra é o ponto culminante na expressividade dos azuis e
seus conceitos. Neste sentido seria a cor azul, a cor que melhor
representaria a morte, como também a ascensão? Expressando,
como uma metáfora, a estrada da vida como um grande mistério
a ser percorrido?
O período azul de Picasso, é acima de tudo, um chamado para Kandisky foi um grande leitor de Johann von Goethe, como
observarmos novamente o humano sob outra perspectiva, à também de Emannuel Kant. Tais conhecimentos tornaram-se
medida que o artista une os conhecimentos religiosos e místicos parte de sua vida, porém à medida que Kandinsky vivenciava o
com os políticos e sociais. Dentre as palavras utilizadas por desmoronamento dos valores humanos do mundo em guerra,
Picasso para descrever seu período azul, diz o artista: “o que sua necessidade em buscar outras filosofias não fundamentadas
importa é somente o amor”. A partir desta frase, podemos no idealismo kantiano, o aproximou mais dos conhecimentos
compreender sua forma de expressar os sentimentos através românticos, como também, do ocultismo e do misticismo, como
do azul, para daí rever os nossos valores e credos, assim como da doutrina teosófica.
sentir a dor e o sofrimento humano de maneira mais urgente.
(RICHARDSON, 1991; pág. 218-224) O sentimento da mudança dos tempos, bem como da convicção
de que a humanidade necessitava de uma introspecção espiritual,
levou Kandisky a unir as questões religiosas e ocultistas com
WASSILY KANDISKY (1866-1944) a arte, fundamentando sua obra partir dos conhecimentos
espirituais. Como disse Kandisky: “Quando a religião, a ciência
“A cor exerce uma influência direta sobre o espírito. A e a moral (esta última pela mão rude de Nietzsche) são abaladas,
cor é a tecla. O olho é o martelo. O espírito é o piano com e quando os apoios exteriores começam a ruir, o homem desvia
inúmeras cordas. O artista é a mão que oportunamente seu olhar das contingências exteriores e dirige-o para si mesmo”.
faz vibrar o espírito do homem segundo o seu capricho, (KANDISKY, W. 1996, p. 10).
através desta ou daquela tecla”
Wassily Kandisky A Teosofia, por sua vez, seria um amálgama de variadas vertentes
filosóficas decorrentes de diferentes religiões, cujo objetivo é criar
pontes entre os credos da igreja com os progressos científicos,
Para Wassily Kandisky, Moscou, a sua cidade natal, seria uma integrando a própria ciência com as ideias já estabelecidas
de suas principais fontes de inspiração, desde o contato com a pela religião, pela filosofia e pela arte. A Sociedade Teosófica,
interioridade até o calor familiar, como a paixão pela cor, música foi fundada no final do século XIX, por volta 1875, pela russa
83
Madame Helena Petrovna Blavatsky. (BLAVATSKY, H.P. 1980). para o azul. (...) Esse tom torna-se mais material ou
Os primeiros traços deste interesse voltado ao espiritualismo mais imaterial. O quente tende a aproximar-se do
dentro da obra de Kandinsky se mostram muito cedo, como espectador, ao passo que, o frio se distancia (…).
vemos em sua fase simbólica e, mais tarde, a correlação entre as (KANDISKY, W. 1996, p. 88, 89).
vibrações da cor e do som, relacionando ambas com as formas
geométricas. Para Kandisky, a qualidade das forças de uma cor, ou seja,
a sua vibração, estaria principalmente relacionada às suas
De acordo com a Teosofia, Kandisky acreditava-se que as qualidades de quente ou frio, sendo este primeiro aspecto de
cores eram capazes de afetar o observador, transformando-o suma importância para a concepção de sua, então chamada,
profundamente – “o olho sente a cor”, dizia Kandisky. Em suas Primeira Esquemática. Esta tinha como estrutura fundamental a
palavras: “o olho experimenta suas propriedades, e é fascinado polaridade amarelo (calor) e azul (frio).
por sua beleza. Através da cor o homem pode ser estimulado ou
acalmado”. (KANDISKY, W. 1996, p. 80). Mais para frente, no seu segundo esquema, Kandisky atribuiu
valor na diferença entre o branco e o preto, chamando este
Para Kandisky, quanto mais cultivado era o espírito do homem, esquema de Segundo Grande Contraste. Neste, Kandisky analisa
mais a cor exerciria forças nele, sendo assim, mais profunda a tendência que as cores possuem em relação ao claro (amarelo)
seria a emoção que a cor provocaria na alma. e o escuro (azul).
Para uma melhor compreensão sobre as forças vibracionais Vejamos como exemplo a imagem a abaixo.
que existem nas cores, é necessário demonstrar como ele as
reduziu num esquema simples, dividindo-as primeiramente,
entre quentes e frias. Esquema este que ele chamou de Primeiro
Grande Contraste:
84
Tanto na relação de calor e frio, como de claro e escuro, Kandisky estimulada, acreditando que se deixássemos o azul agir sobre
coloca a questão da cor em relação aos movimento de expansão a alma, o homem seria atraído para o infinito, o infinito dentro
e retração. Para ele a cor é vibração, força – uma energia. Sendo a de si mesmo. Para ele: “o azul seria a cor mais espiritual, ela
polaridade essencial, amarelo e azul, o fundamento antagónico é a cor do céu tal como se nos apresenta desde o instante em
essencial traduzido nos movimentos excêntrico e concêntrico, que ouvimos a palavra céu”. (KANDISKY, W. 1996, p. 88). Para
respectivamente. o artista, este despertar do homem em relação à cor permitiria
à humanidade se transformar e evoluir. Tanto no livro “Do
Ao fixarmos o olhar no triângulo amarelo, vemos esta cor Espiritual na Arte”, quanto na publicação do seu almanaque “O
expandindo, o amarelo irradia, emite calor, avançando o espaço Cavaleiro Azul” encontramos este propósito delineado.
circundante. O amarelo atinge aquele que o observa, por isso que
para Kandisky, essa cor estaria associada à forma do triângulo
ou pontiaguda. Enquanto que ao observarmos o círculo azul,
notamos que ele se contraí, pois é uma cor fria. À medida que o
azul se distancia do observador, Kandisky conclui que esta cor
estaria relacionada ao formato circunscrito, num movimento
dirigido para o seu próprio centro.
brancas, enquanto um grupo de músicos30 junto com alguns Fonte: Página Yves Klein32.
31. KLEIN, Yves. Manifesto do Hotel Chelsea. Nova York, 1961. Para ouvir: 32. Disponível em: <http://www.yvesklein.com/en/oeuvres/view/1/anthropo-
www.artep.net/kam/yves.wav.Acesso em: 13. abril, 2017. metries/947/princesse-helena/?of=23>. Acesso em 14 out. 2020.
88
das esferas, assim como o silêncio infinito e obscuro do nosso
interior excedem os limites do corpo. Seguno Klein, o silêncio é
o momento mais importante em sua obra monotônica, uma vez
que é para ele o verdadeiro momento de felicidade.
Yves Klein. Acorde Azul (RE 10), 1960. Fonte: Página Yves Klein34.
33. Yves Klein. Conférence à la Sorbonne, 3 jun.1959. Paris, France: Centro
Nacional de arte e Cultura, 1959. 12 x 12”. 2 LP de vinyl. Edição numerada
de 500 cópias. Disponível em: <www.artep.net/kam/yves.wav. Acesso: 28. dez, 34. Disponível em: <http://www.yvesklein.com/en/oeuvres/view/13/sponge-
2018. reliefs/789/l-accord-bleu-blue-chord/?of=2>. Acesso em: 14 out, 2020.
89
Em seus monocromos Klein também procurou investigar Ao nível simbólico da cor, podemos ver a questão da
o material utilizado, assim como o efeito visual dele. O desmaterialização em toda obra de Klein na utilização da tríade
artista notou que o pigmento em pó, quando associado ao veículo cromática: azul, rosa e dourado. Esta cromática se revela até o
e aplicado sobre a tela, perdia sua luminosidade e irradiação final de sua obra, para finalmente serem colocadas dentro de
original. E isso o levou a formular uma mistura de componentes um poderoso contexto místico no santuário de Santa Rita de
que permitisse reproduzir fielmente a intensidade luminosa que Cascia, localizado no alto das colinas da região de Úmbria. A
a cor possuía em seu estado inicial, assim como um pigmento obra seria uma expressão votiva, chamada Ex-voto, por onde
puro. Com a colaboração de um químico, Klein desenvolveu uma Klein pediu por sua proteção, como também de suas obras de
solução semelhante ao azul ultramar, uma tinta extremamente arte, mas por onde também agradeceu pelas forças superiores
saturada, composta pelo elemento químico do éter e derivados dadas a ele em vida, antes de morrer.
do petróleo.
36. Trata-se de uma expressão moderna que fala da relação entre o frágil Entre os anos de 1980 e 1990 Kapoor produziu um corpo de
mundo dos homens e o inexorável mundo dos deuses. É uma relação cujo
modelo estrutural se mantém semelhante em diferentes matrizes religiosas, desenhos com referências extremamente simbólicas. Imagens
desde a Antiguidade. de cavernas, montanhas, orifícios, relevos e formatos que
37. Sendo o azul, rosa e dourado as cores utilizadas por Yves Klein durante toda lembram os órgãos sexuais masculinos e femininos. Nesta obra
a sua vida. Para Yves Klein o ouro principalmente é símbolo da espiritualidade, chamada Céu (1986), Kapoor delineia o formato de uma vúlva
comum a todas as épocas e todas as culturas. YVES, K. Le dépassement de la
problématique de l’art et autres écrits. ENSBA, Beaux-Arts de Paris, 2003, p. em azul no alto do monte, o que nos faz refletir sobre o símbolo
243.
91
da montanha, da mulher e do céu, todas as imagens interligadas “Uma das coisas que estou sempre procurando
pelo mesmo sentido simbólico do azul, presente na imagem da é ver para onde os desenhos vão, se eles se abrem
virgem, nos céus e nas montanhas. mais para uma linguagem, ou a reinterpretam, ou
ainda, se a redescobrem. Eu infelizmente ainda não
vejo a resposta, pois acredito que estes desenhos
abandonaram o lugar de significado-cognitivo
direto. Mas acredito que este lugar nebuloso
do desconhecido é bom”. (Texto parcialmente
traduzido; COENEGRACHTS, 2005; p.184.)
Anish Kapoor. Sem título. Guache sobre papel. 1997. Fonte: Página
Anish Kapoor40.
40. Disponível em: <http://anishkapoor.com/835/untitled-51>. Acesso em: 14 41. Disponível em: <http://anishkapoor.com/389/mother-as-a-void>. Acesso
out. 2020. em: 14 out. 2020
93
AMELIA TOLEDO (1926-2017)
99
CAPÍTULO 1.
101
observado no céu, ao nascer e pôr do sol, como também através
de experimentos feitos com papéis pintados, colocados lado a
CAPÍTULO 1
lado. Segundo Petrini:
MINHAS OBRAS COLORIDAS “(…) Existe uma reação mútua entre as cores quando
colocadas perto umas das outras, tanto é que a
aparência delas são por vezes pouco perceptíveis.
Este assunto é há muito tempo conhecido pelos
pintores, chamado de contraste. Eles notaram,
1.I. FUNDAMENTOS: A COR por exemplo que um tom bem leve de azul se
ACIDENTAL transforma em um azul um pouco mais delicado
quando circundado por uma luz bem tênue com
“São chamadas colores adventicii por Boyle; imaginarii um tom violeta-avermelhado. Não há nuanças que
e phantastici por Rizetti; couleurs accidentelles por não podem ser transformadas em outro delicado
Buffon; cores aparentes por Scherffer; ilusões de ótica e ou vívido tom quando colocadas perto de sua cor
visão enganosa por muitos; vitia fugitiva por Hamberger e complementar. Você pode também notar uma
ocular spectra por Darwin” (GOETHE, 2013, p. 79). mudança no tom de uma cor dada igualmente
quando contrastada por uma outra vizinha colocada
As minhas primeiras colagens realizadas entre 2008 e 2014, sobreposta, ou quando circundada nos cantos. Um
refletem sobre as pesquisas cromáticas que afirmam ser a cartão laranja sobre um vermelho de fundo pode ser
perceção das cores algo fugidio, considerando que a nossa visto quase como amarelo; mas num fundo amarelo
percepção de cor varia de acordo com aquela que se apresenta a mesma será notada com vermelha. Se outra vez,
ao seu lado, ou seja, a partir de aproximações. ela for colocada sobre um fundo verde, ela será
notada como um vermelho escuro, e sobre um fundo
Este fenômeno entre as cores já havia sido analisado pelos violeta ainda o mesmo cartão laranja será notado
pintores venezianos e tintureiros em suas funções, como como um amarelo limão ou uma cor sulfúrica.
também por Leonardo da Vinci. Chamadas de cores acidentais Mas sobre quando colocada por sobre um fundo
por Da Vinci, o entrecruzamento cromático poderia ser de cor índigo ou roxo, ela retornará a surgir na sua
103
própria cor, como se estivesse colocada por sobre
um fundo branco, mas certamente mais intensa que
neste ultimo caso”. (Texto parcialmente traduzido.
PETRINI, Pietro. De i colori accidentali della luce, ossia
dela generazione de i colori ne’vari accidenti d’ombra e di
luce. Pistoia, 1815, p. 50)
Isto fica evidente quando a visão é estimulada por uma cor, a Livia Paola Gorresio. Flamour, 2009.
partir daí a própria busca num espaço em branco compensa Papel kraft e tinta acrílica sobre tela. 100 x 200 cm.
104
[1.] Trataremos dessas cores em primeiro lugar, pois podemos ver na obra de Michel Chevreul que irá garantir em seu
pertencem, no todo ou em grande parte, ao sujeito, livro A Lei dos Contrastes Simultâneos1 um discurso aprofundado
ao olho. São o fundamento de toda a doutrina e nos sobre as cores acidentais e os processos da percepção. Chevreul
revelam a harmonia cromática, que deu origem defendeu a lei dos contrastes simultâneos, primeiramente
a tantos conflitos. Foram até agora consideradas publicada em Paris, em 1839, cuja tese está fundamentada na
supérfluas, contingentes, como ilusão e deficiência. observação do comportamento das cores.
Os fenômenos dessas cores já eram conhecidos em
tempos remotos, mas, como não se conseguia captar Sobre a percepção das cores, Chevreul aponta que a nossa
seu caráter evanescente, foram banidos ao domínio capacidade de compreensão do mundo a nossa volta reside
dos espectros inoportunos, tendo, neste sentido, na habilidade de perceber contrastes, seja de cor e luz, seja de
diferentes denominações. qualquer espécie de quebra ou diferença de direção ou de forças
[2.] São chamadas colores adventicii por Boyle; (CHEVREUL, 1855, p.391). A lei dos contrastes nada mais é que
imaginarii e phantastici por Rizetti; couleurs a lei da natureza, que é revelada no balanço das polaridades
accidentelles por Buffon; cores aparentes por extremas até atingir equilíbrio.
Scherffer; ilusões de ótica e visão enganosa por
muitos; vitia fugitiva por Hamberger e ocular spectra Vemos o assunto sobre a percepção das cores complementares
por Darwin. surgir ao longo de todo o livro, o qual está voltado para análise
[3.] Nós as chamamos de fisiológicas, pois pertencem das cores no cotidiano, como na decoração, na tapeçaria, no
ao olho saudável e são consideradas condições paisagismo, na moda e etc. Vemos no capítulo sobre moda, cujas
necessárias à visão; indicam uma viva alternância análises se atem às vestimentas e acessórios, Chevreul descrever
interna e externa no olho. (GOETHE. J, 2013, p. 77). o comportamento do azul em relação ao amarelo. Ali podemos
entender melhor sua pesquisa, que visa demonstrar passo a
A cor para Goethe, como já vimos aqui, era viva. Goethe estava passo todas as experiências feitas com os objetos coloridos que
convencido de que a cor era um fenômeno vivente, ou seja, era compõem o dia-dia. Leiamos o item 663:
a própria natureza em atividade, passando a explorar as cores
1. Esta pesquisa cromática foi dividida em partes diferentes, todas aplicadas
como processos dinâmicos vivos. ao mundo construído, seja na arquitetura, decoração, moda, na horto-cultura
ou, por fim, nos experimentos estéticos com objetos coloridos. Chevreul
comenta vários aspectos em seu estudo sobre a cor como, volume, movimento,
Posteriormente, este tema ganha novos caminhos, como justaposição, sucessão, arranjo e tempo, como também os processos de
psicológicos da percepção.
105
de direção de forças, é onde vive a percepção, é onde
(...) Estas duas cores vão bem juntas; O azul dá existe vida (...). (ARGUËLLES, J. 1972, p. 53).
ao laranja um tom amarelo, que fica muito mais
evidente quando o tom deste último é mais forte, Para Charles Henry, a lei dos contrastes estava fundada na lei
e quando o azul é mais rebaixado. Em outro caso, natural presente em tudo o que há, oferecendo a nós uma ótica
sob as mesmas condições, o amarelo comunica mais abstrata sobre o tema. Para ele quanto maior o contraste
com o azul e o violeta, mesmo porque o amarelo entre as cores, maior a energia que dele reverberava.
neutraliza estes dois. Mas, se existe uma grande
diferença em tom entre uma destas duas cores, o Estas teorias foram muito importantes para o desenvolvimento
contraste aparente desta diferença provavelmente do impressionismo e neoimpressionismo. Toda a atividade ótica
irá se tornar quase insensível. Além do que, em e conceitos relacionados às cores trariam para a arte, a partir
um certo momento, um profundo azul pode até deste momento, um novo rumo.
parecer preto e menos violeta, quando o amarelo
se apresenta mais fraco, tendendo para o verde (...)”. Neste sentindo podemos criar paralelos entre as minhas
(CHEVREUL, 1855, p.241). colagens e as obras dos artistas impressionistas e os
neoimpressionistas, uma vez que o processo de pintura destes
Vemos aqui a lei dos contrates operando de forma clara, artistas impressionistas levava em consideração as técnicas e os
Chevreul retoma os antigos estudos sobre a cor, oferecendo conceitos sobre os efeitos óticos da cor através do comportamento
para este tema um tom mais objetivo de análise. delas na paleta. As cores puras, por sua vez, quando misturadas
na tela, separadamente, induziam o olhar ao movimento. Este
Nesta mesma época, surgem também as teorias elaboradas então, forma a imagem unido todas as partes constituintes
por Charles Henry, o qual virá a defender esta atividade de contrastantes, através do dispêndio de energia.
compensação visual da cor dentro da psicofísica:
Na minha obra Vernale, de 2009, tive o intuito de criar um todo
(...) todas as nossas sensações estão conectadas cromático estimulante através dos contrastes das cores puras
à nossa habilidade de perceber contrastes, e complementares, como o azul e amarelo, tendendo para as
denominando tal fenômeno como energia. Onde há róseas e, finalmente, os verdes. Uma das coisas que mais me
a quebra da continuidade, seja da luz, seja da cor, ou interessa nesta maneira de dispor cores puras lado a lado é
106
provocar e estimular o olhar do espectador para a atividade Um dos artistas que absorve tais conhecimentos é Vincent van
energética. Gogh, quem iria relacionar as cores aos sentimentos. Em uma
carta escrita para seu irmão Theo, em Arles, 1888, o artista conta
o fato de ter lido a obra de Charles Blanc e menciona a relação
que existe entre a percepção dos contrastes presentes nas cores
complementares e os sentimentos e emoções (GAGE, 1999, p.
205).
107
na tela. Van Gogh relatou isso em uma de suas cartas escritas Por isso acredito que seja prudente incluir nesta analise a obra do
para seu irmão Theo. Ele explica os processos da percepção do pintor Henri Matisse, quem acabou associando em sua prática
observador, que ao compensar todas as cores complementares o uso das cores complementares aos estados de harmonia e
do quadro através do olhar, forma internamente em si um prazer. Em 1908, Matisse forma em Paris uma pequena escola
estado de equilíbrio. sobre a cor, onde as teorias de Blanc, Charles e Chevreul serão
comentadas mais que qualquer outro assunto. Matisse dizia
acreditar que o vermelho, o verde e o azul tinham o poder de
criar todas as cores equivalentes do espectro. Em “Notas de um
Pintor”, de 1908, o artista descreve que a cores serviam como
meio de expressão e que o processo da pintura consistia sempre
em encontrar o equilíbrio entre as cores ali aplicadas, uma após
a outra.
Vincent van Gogh. O Quarto em Arles, 1878. Fonte: Página Van Gogh
Museum2.
109
obra também esta contido a ideia do círculo, uma totalidade varas em tamanhos variados. Ao pintar, procuro encontrar uma
harmónica que opera por meio de suas forças complementares, pureza cromática, cada cor possui uma vibração própria que
equilibrando-se. Assunto que trataremos nos próximos habita em seu interior, reverberando no espaço entorno, tema
capítulos deste livro. que será aprofundado adiante.
1.II. DESDOBRAMENTOS:
A DIMENSÃO DA COR
As obras tridimensionais, instalações e happenings derivam A minha obra Sharp é a primeira obra em que destaco as
das primeiras colagens. Elas lidam com o arranjo de cores cores do plano bidimensional para o espaço tridimensional.
puras e sólidas, dispostas lado a lado até formarem um Uma instalação cromática no espaço, uma pintura em campo
todo maior. Considero que estas obras tridimensionais expandido. (KRAUSS, 1984).
sejam como pinturas. São reflexos da realidade, uma
vez que as estruturas e composições criadas falam Depois de pintar estas estruturas, as coloco no espaço e, assim,
sobre as vivências experienciadas no nosso cotidiano. elimino o suporte da pintura. Considero ela ainda uma pintura,
porém uma pintura que faz parte do mundo concreto das coisas
Nestas obras realizadas entre 2008 e 2018 utilizo a matéria prima do mundo. A pintura já não é uma janela para outra dimensão,
das madeiras, em formato de quadrados e retângulos, cubos e mas sim, parte do nosso cotidiano.
110
A estrutura de figura e fundo do quadro da pintura é transportada cores-luz: branco, amarelo, laranja e vermelho-luz
para o ambiente, a figura passa a ser as estruturas coloridas (...)” (OITICICA, 1986, p.44).
pintadas e o fundo da obra, o próprio ambiente em que ela está
inserida. Nessas experiências Oiticica dá a cor uma nova estrutura, um
corpo. O transobjeto, como Oiticica propõe, tem como objetivo
Aproximo as minhas instalações aos movimentos concreto transportar o corpo da cor do mundo das coisas para o plano
e neoconcreto brasileiro, que destacam a cor do plano das formas simbólicas; sendo as cores escolhidas por ele, a ver,
bidimensional da pintura para o espaço. Vale a pena ressaltar a o branco, o amarelo, o laranja e o vermelho, metáforas da luz.
esta altura, o artista Hélio Oiticica, cuja obra serve de referência
para o meu percurso, uma vez que compreende a questão da cor Nos Bólides de Oiticica, existe um lugar especial para a
em relação à sua materialidade. experiência da cor, a criação de um mundo ambiental. Segundo
Mário Pedrosa:
Hélio Oiticica desenvolve um trajeto na busca da libertação da
cor. Em sua obra busca encontrar o corpo da cor, atento à sua “(...) As cores-substâncias se desgarram e tomam o
materialidade, ampliando a compreensão dela. ambiente. Arte ambiental é como Oiticica chamou
sua arte. O contraste simultâneo das cores passa a
Na série Bólides, “bolas de fogo”, Oiticica coloca o espectador contrastes sucessivos do contato, da fricção entre
em contato com diferentes artefatos de vidro, plástico e cimento sólidos e líquidos, quente e frio, liso e rugoso, áspero
em que materiais como o pigmento, terra e zarcão são oferecidos e macio, poroso e consistente (...)”. (OITICICA, 1986,
para serem manipulados. Todos em tons que, para ele, se p.12).
assemelham, ou estão mais próximos do que consideramos
“luz”. Oiticica persegue em sua trajetória o que ele chama de O desdobramento de suas obras só é possível quando a obra é
“sentido de luz”. Segundo o artista: vista e analisada por todos os lados, retirando a cor do espaço
bidimensional do quadro, através da experiências sensoriais
“(...) A toda a cor primária e outras que derivam com os elementos. As cores passam a ser experienciadas através
delas, pode ser dado o sentido de luz, e ao branco da materialidade de cada objeto, transportando o espectador
e ao cinza, porém, é preciso separar as cores mais para uma outra dimensão, uma vez que as cores se desgarram
abertas à luz, como privilegiadas para a experiência: das formas.
111
Ao final da exposição, procuro conversar com cada participante
para discutir um pouco sobre os papéis coloridos, tendo muitas
respostas similares: a de que eles pensavam estar participando
de um sorteio. Este fato conduziu o comportamento deles
durante toda a exposição, fazendo com que as pessoas
permanecessem lado a lado daquelas que possuíam as mesmas
cores. A experiência com os papéis coloridos aproximaram os
participantes por se identificarem com as mesmas cores.
Hélio Oiticica. Bólides, 1964. Fonte: Página Itaú Cultural4. Livia Paola Gorresio. Papéis, 2010.
Group Salon - South London Gallery, Londres, RU. Ação performática,
É possível perceber em minhas obras, paralelos com a obra de dimensão variável.
Oiticica. A obra Papéis, de 2010, de minha autoria, consiste em
distribuir inúmeros recortes de papéis coloridos aos visitantes Nas minhas obras trato de encontrar novas formas de expressão,
da exposição, na porta de entrada da galeria. Ali, os participantes libertando a arte dos moldes clássicos, conduzindo o espectador
podem escolher a cor que desejam levar. Considero esta ação para uma espécie de transformação, a qual se dá partir da
um experimento livre com a cor, cujo resultado se dá de forma percepção, para daí, como Oiticica dizia, “se aprofundar e
aberta. transformar” a si mesmo e ao mundo através das cores, o que
acarretaria uma mudança na maneira de ver e viver a vida coti-
4. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra66416/bolide- diana, às vezes, tão superficialmente vivida. (OITICICA, 1986)
-caixa> Acesso em: 15 out. 2020.
112
A minha obra Clotuna, de 2009, nos remete à vida cotidiana.
Denomino de Clotuna pois para mim ela é como uma paisagem,
um lugar com nome próprio. Ali, o bidimensional é reflexo do
tridimensional, e vice-versa.
113
Sob outro ponto de vista, ainda criando paralelos, não poderia puras na natureza, como também nos prismas. Foi no azul
deixar de citar a obra do artista americano Ellsworth Kelly. pulsante dos pássaros que o artista disse ter encontrado a mais
Ellsworth Kelly se refere a Claude Monet para iniciar o discurso pura abstração, ainda criança.
de sua obra, relembrando como a obra de Monet ampliou a
nossa capacidade de enxergar o mundo, isto é, de ir além daquilo
que estava ali entregue à nossa frente. Segundo Ellsworth, uma
flor para Monet não era apenas mais uma flor, mas sim, uma
profusão de cores puras em pleno movimento.
116
Cada elemento remete às formas que encontramos no nosso
cotidiano, representas as salas que habitamos todos dias. Cada
cor vibra, no espaço expandido, os limites da forma que estão
contidas. Temos a sensação de nos aprofundar em cada uma
delas, por meio de suas qualidades – vibrações.
A série EXE. foi produzida entre 2010 e 2016. Esta série ganha este
nome por ser a abreviatura da palavra experiência. As gradações
cromáticas são estabelecidas por mim e produzidas com a ajuda
de um conta-gotas, com o qual calculo a porcentagem de cor
que progressivamente vai se alterando intuitivamente ao longo Livia Paola Gorresio. EXE 1.1., 2011.
Nanquim sobre papel. 150 x 180 cm.
do papel.
117
Para entender melhor esta compreensão sobre a cor, vemos
nesta obra um exemplo bem nítido. Ela aponta o tempo do
objeto, seu estado interno, seu tempo de vida. A cor nos fala. Ela
avisa o que está contido na forma. Ela é matéria viva, sempre
natural. Seu aspecto, sua vibração, nos diz sobre nós mesmos e
sobre o mundo à nossa volta.
(...) a arte abstrata não é praticada para que haja um Esta exposição teve como fundamento a teoria dos contrastes
afastamento do mundo, mas sim para que haja uma cromáticos, usada pela presença de no mínimo duas cores
penetração em sua essência, pois uma obra de arte opostas e, ou complementares.
só é arte na medida que inclui nela o aspecto vital (...)
(MONDRIAN, 1945, p.43). Podemos analisar esta teoria nos experimentos feitos pelo
artista Josef Albers. Albers disse ter sido algo muito intrigante
quando foi demonstrado através da ciência que os neurônios
Duração Permanente foi uma exposição individual realizada na dentro do córtex visual realmente não são ativados em resposta
AM Galeria, em Belo Horizonte, em 2013. Ela é composta por dez frente a uma cor sozinha, mas através da justaposição de
obras feitas com lápis, papel, madeira, nanquim, tinta acrílica duas cores, particularmente, o vermelho com o cyan (em tom
e aço inox. Na primeira sala vemos as obras monocromáticas: azulado), o amarelo com o azul, e sobretudo, o preto com o
suporte, acervo e monte amarelo, na segunda sala, as obras branco. (ALBERS, 2016, p.51).
monocromáticas azuis: área azul, as balanças pp.6 e o desenho
Physis e, ao final, as obras coloridas: Be my guest e Labirinto e o Mesmo que estas descobertas neuropsicológicas tenham sido
desenho EXE. 1.6. descobertas depois das aulas de pinturas de Albers, ele sempre
119
esteve atento à elas. Em suas aulas oferecidas na Universidade Neste momento é que vemos surgir ali no interior do círculo
de Yale, distribuía aos alunos papéis de diferentes cores e os branco, um verde ou um azul-esverdeado, ao invés de branco.
instruía a colocarem um pequeno pedaço de cor sobre um fundo Esta cor que vemos é a cor complementar ao vermelho ao lado.
de outra cor, para que pudessem analisar o comportamento das Este fenômeno é chamado imagem consecutiva ou contraste
cores. Através do contraste com duas diferentes cores, colocadas simultâneo, como já vimos (ALBERS, 2016, p. 29, 30).
umas sobre outras, em devidas proporções, as mesmas poderiam
se transformar e até parecer iguais. (ALBERS, 2016, p.12). Uma explicação plausível é que pela teoria, nossos nervos
terminam na retina (cones e bastonetes), os quais são preparados
Para uma compreensão melhor de como as cores são lidas para receber o estímulo das três cores primeiras: vermelho,
diferentemente de como elas se apresentam fisicamente, amarelo, e azul, as quais constituem todas as cores.
vejamos o caso dos experimentos com papéis coloridos feitos
por Albers, chamado por ele cores ilusórias. Olhando fixamente para o vermelho a visão ficará cansada,
estressando a parte sensitiva que capta esta cor então, quando
Nestas experiências, dois pedaços de papel idênticos foram ocorre a mudança brusca para o círculo branco, o indivíduo
recortados em formas de círculo, um vermelho e outro branco. misturará apenas as cores amarelo e azul, assim veremos ali
Nos dois foram desenhados dois pontos centrais circulares aparecer o verde, quase azul esverdeado, a complementar do
com preto. A experiência consiste em olhar fixamente durante vermelho.
30 segundos o ponto preto, no interior do círculo vermelho, à
medida que uma luz em formato de lua aparece se movendo De fato, o efeito de pós-imagem, ou de contraste simultâneo é
para fora do ponto preto, fica um pouco mais difícil fixar o olhar um fenômeno psíquico e psicológico, que prova que qualquer
ali, mas mesmo assim, continue. Em seguida, mude seu foco de olho normal, não só o mais treinado, é uma prova viva de análise
visão para o outro ponto, dentro do círculo branco. sobre a verdade das cores. Albers finaliza, dizendo que aquele
que afirma ver as cores independentes de seus efeitos, apenas
está enganando a si mesmo. (ALBERS, 2016)
120
Alemanha. Para Albers: Piet Mondrian, em fevereiro de 1921, desenvolve o projeto
chamado Neoplasticismo, cujo nascimento se dá a partir da
“Goethe era muito mais que um cientista, uma vez correspondência entre a teosofia e a arte antroposófica9.
que elevou a pesquisa sobre a cor de modo único e Mondrian através do Neoplasticismo desejava transformar o
minucioso, me conduzindo a seguir pensando de que para ele eram os dois maiores confrontos do homem. Em
modo ativo sobre elas, e sobretudo, não esquecendo primeiro lugar, o conflito entre as polaridades espirituais e
a extrema importância que há em sua noção a materiais (corpo e espírito) e, em segundo lugar, o conflito entre o
respeito da relação do homem com a natureza. homem e a natureza, a cultura versus instinto. Estes conflitos de
(MALLOY, 2015, p.15). opostos foram definidos por Mondrian como “um desequilíbrio
entre a matéria e o espírito, uma desarmonia entre o homem e a
A cor para Goethe, como já vimos aqui, era viva. Goethe estava natureza” (MARTIN, S., 1987, p.72).
convencido de que a cor era um fenômeno vivente, ou seja, era a
própria natureza em atividade. Goethe explorou as cores como Através do uso das cores primárias azul, amarelo e vermelho,
processos dinâmicos vivos. Goethe, defende que é durante Modrian em sua obra teria sempre consigo o desejo de
a interação das polaridades dos dois tons extremos, a ver, o reconquistar a ideia da bela totalidade. Sua obra emerge do
amarelo (luz) e o azul (escuridão), que surgem todas as cores. desequilíbrio, cujo intuito é prover serenidade, ou no mínimo,
Para Goethe, as cores seriam resultado das infinitas variações de possibilitar uma conexão temporal e efêmera de harmonia.
interação entre elas mesmas.
122
Livia Paola Gorresio. Balança pp.6, 2013.
Tinta acrílica sobre madeira e aço inox. objeto-potência / obra
interativa.
123
que o espectador ao observar todas das cores colocadas no
espaço, possa processar uma síntese em si provocada pela Kandisky teria como fundamento as teorias espirituais da
presença das cores complementares e, assim, alcançar um Rússia. Foi através da Teosofia que Kandinsky encontrou a
estado de harmonia interior. correlação entre as vibrações da cor e do som, relacionando
ambas com as formas geométricas.
125
A tríade cromática, também conhecida como fenômeno
primordial, é uma regra que não pode ser modificada. É
denominada também como “Sagrada Trindade”, uma vez que
é representada no exemplar do Triângulo, o qual é fundado na
regra natural da união dos opostos, a partir do qual surge um
terceiro (GAGE, 1999, p. 156).
126
Estas duas obras estão correlacionadas, uma bidimensional e a
outra tridimensional. Labirinto é uma colagem de papel e tinta
acrílica sobre tela, sua forma remete ao simbolismo do labirinto,
cujo caminho é preciso decidir. Através desta colagem faço uma 1. V. COR SER: O OUTRO EM MINHA
metáfora às escolhas da vida, aos seus impasses e ao seu dilema OBRA
na busca pela saída.
“o olho experimenta suas propriedades, e é fascinado por
A obra Be my guest, remete ao processo de lidar com o mundo sua beleza. Através da cor o homem pode ser estimulado
físico, às possibilidades, às inúmeras configurações que podemos ou acalmado; quanto mais o homem cultiva o seu espírito,
ter diante de nós, como também remete ao processo meditativo mais forte é a atuação da cor em sua alma”. (KANDISKY,
que está presente em toda escolha, consideração e busca. 1996, p.73)
127
Sentimento da Cor. Pinturas digital, 2020. Frame 10/60. Arquivo Sentimento da Cor. Pinturas digital, 2020. Frame 23/60. Arquivo
mp4 e jpeg. mp4 e jpeg.
Sentimento da Cor, de 2020, obra digital apresentada na Nesta obra a cor ganha vida própria, vibrando e alternando a
conclusão da residência artística Pivô Pesquisa, torna-se a obra atmosfera interior e exterior do espectador. O intuito aqui é que
conclusiva desta tese de doutorado. As cores e formatos das o espectador, ao assistir as imagens em sua tela, seja conduzido
obras apresentadas aqui induzem o espectador a lidar com à sensação de leveza e fluidez.
a força de cada cor. Ao vivenciar as cores em sua essência, o
espectador experimenta uma específica relação com cada cor, Podemos traçar ainda um paralelo com as obras do artista
tornando sua interação para com cada uma delas um momento russo Marco Rothko, que em suas obras exprimi através das
meditativo de imersão na cor. cores a importância da emoção e dos sentimentos relacionados
à elas, possivelmente restabelecendo um reconexão com sua
Este vídeo, chamado Sentimento da Cor, foi exposto de forma religiosidade. Rothko compreende que suas obras monumentais
digital dentro do site da Pivô, num período de grande caos social com a cor eram para ele como altares de culto.
e desequilíbrio da natureza, em 2020, quando a pandemia do
SARS Covid-19 tomou o mundo.
128
Rothko faz o retorno à mitologia e a suas origens através das cores,
as quais não eram para serem pensadas e absorvidas só se atendo
à sua pura visualidade, mas às emoções e sentimentos humanos
que elas invocam. Defendia que aquele cujo olhar apreendesse
apenas o jogo entre as cores presente em suas telas, teria perdido
o que realmente a obra significava. Christopher Rothko crítico
de arte, psicólogo e filho de Mark Rothko em uma palestra feita
no Museu de Wien, diz que suas obras eram como espelhos
da alma, ela refletem aquilo que há no interior de cada um12.
Liane Collot tem como mestre Rudolf Steiner, que como sabemos
foi um grande Teosofista antes de fundar a Antroposofia, como
Mark Rothko, sem título, 1968. Fonte: Página do MoMA13. também um grande pesquisador da obra de Goethe. Baseado
na Doutrina das Cores de Johann Goethe, Rudolf Steiner
12. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yIG-WnSAhBs>. compreendeu que as cores atuavam na alma, assim como
Acesso: 17 nov. 2020. Wassily Kandisky e Liane Collot D’Herbois.
13. Disponível em: <https://www.moma.org/collection/works/37042>. Acesso
em: 17 nov. 2020.
129
Na perspectiva antroposófica, o amarelo e o azul representam Kandisky acompanhava também as teorias sobre as cores que
as polaridades positiva e negativa do próprio ser humano, estavam sendo desenvolvidas na época pelo psicólogo Wilhem
excêntrico e concêntrico, histérico e melancólico. Sendo assim, a Wundt, o qual viria contribuir ainda mais para a compreensão
teoria prática das cores de Liane Collot D’Herbois busca através psicológica da cor. Wundt descreve: “a transição psicológica
do contato com as cores equilibrar estas duas forças polares do amarelo para o azul, do mais ativo para o mais passivo,
(D’HERBOIS, 2016). poderia se dar de duas maneiras durante a vida de uma pessoa:
a primeira, mais estável, passando pelo verde ou a mais instável,
Kandisky também acreditava na Teosofia, tendo-a como pelo vermelho, roxo e violeta”. (WUNDT, 1904, p.329).
fundamento para desenvolver sua teoria cromática descrita
em seu livro, Do Espiritual na Arte. O artista acredita que se Wundt era um romântico, quem teria acesso à obra de Goethe,
deixássemos o azul agir sobre a alma, poderíamos ser atraídos cujo capítulo sobre cor e moral seria por ele ampliado. Wundt
pela busca do infinito dentro de nós mesmos. Por outro lado, neste trecho acima, relaciona as cores aos estados psicológicos
quando estimulados com a cor amarela, seríamos excitados e do ser humano, que uma vez em busca pela transformação de
animados por ela ou, quando excessivamente expostos a ela, sua essência, teria que compreender os efeitos da vibração das
nos tornaríamos atormentados. cores dentro de si mesmo.
132
CAPÍTULO 2.
SENTIMENTO DA COR
133
SENTIMENTO DA COR | 2020 | VÍDEO | 15’49” | COR | SEM SOM
https://vimeo.com/422809503
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Frame 01 / 60 Frame 02 / 60
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história surgem os mesmos simbolismos nas mais variadas
CONSIDERAÇÕES FINAIS épocas culturais. Um grupo de sentidos próximos emerge para
esta cor, como a imagem do feminino, a abóboda celeste, o limite,
a morte, a transcendência, a escuridão, o infinito, entre outros
Nesta parte final procuro costurar a linha de pensamento que similares as estes. Lembrando que o símbolo é uma realidade
tece todo o processo desta pesquisa, propondo esclarecer suas viva, impossível delimitar e definir através das palavras.
fases e o método utilizado para analisar o meu processos criativo.
Este ponto de vista se difere da compreensão de Michael
A pesquisa sobre a cor azul contida no Livro Azul teve como Pastoureau que considera a cor apenas como uma convenção
finalidade investigar através de um levantamento histórico a social1. Pois através da desta pesquisa verifiquei que esta
compreensão da cor como um Urphanömen, ou seja, encontrar colocação de Pastoureau é incompleta. A cor carrega uma
uma essência por debaixo dos fenômenos –– a simbólica da cor. convencionalidade quando é alegórica, mas não é só isso, pois
ela também é simbólica.
Neste sentido, vale retomar a importância da obra de Johann von
Goethe, pois ele em “Doutrina das Cores” estabeleceu claramente Se a cor fosse apenas uma convenção social, como explicaríamos
a distinção entre o simbolismo e alegoria da cor. Quando afirma: o constante significado para a cor azul em períodos tão
distintos, como por exemplo, na obra Mergulhador saltando no
“ (...) Enquanto o simbolismo coincide inteiramente Mar da Eternidade (470 a.C.) e Antropometria (1960) de Yves Klein?
com a natureza da cor, a sua essência, na alegoria o É evidente que em ambas as obras, a cor azul aponta para as
significado deve ser previamente comunicado antes mesmas questões, o infinito, o mergulho na eternidade, o limite
mesmo do observador saber o que ela deve significar do corpo –– a morte.
(...)” (Goethe, 2013. pg. 916-7).
Ainda em outro exemplo, verificamos a semelhança de
Seguindo esta premissa de Goethe, através da pesquisa histórica significado nos azuis presentes nas obras O Viajante sobre o Mar
sobre o azul, pude perceber a existência da questão simbólica e de Névoa (1818),de Gaspar Friedrich e Oceanico (1990) da artista
não apenas alegórica. brasileira Amélia Toledo. Nelas o azul nos remete ao impulso da
transcendência, à verticalidade, ligando o ser humano ao alto.
Neste levantamento dos significados da cor azul ao longo da
1 PASTOUREAU, 2000.
153
Podemos verificar mais à frente, outra aproximação simbólica, Assim nasce o Livro Colorido, nele consigo ampliar o campo de
como no caso das obras Cavaleiro Azul (1903) de Wassily Kandisky reflexão sobre a simbólica da cor. Neste segundo livro considero
e as obras feitas em guache Sem Título (1997) de Anish Kapoor, as cores em sua multiplicidade, o espectro se abre para o colorido,
nas quais o azul representam o contato com a interioridade. compreendido como uma natureza viva, uma substância em
Para Kapoor, um universo nebuloso representado em tons de atividade. Por isso, os capítulos contidos no Livro Colorido estão
azuis escuro de forma abstrata, e para Kandisky, representado diretamente relacionados a algumas possíveis dimensões em que
na forma de uma cavalo azul, abstrata ou figurada é o azul que a cor pode atuar, tais como a atividade das cores complementares,
carrega o sentido de interioridade. em nós e no espaço entorno, o seu aspecto imaterial, quando a cor
se forma no espaço por meio de uma contra-imagem.
Quanto aos sentidos de morte e transcendência, vemos o azul
presente nas obras da fase azul de Pablo Picasso, como por Outra aproximação que demonstro através das minhas obras é a
exemplo Anunciação (1901) e nos afrescos feitos por Giotto na sua dimensão temporal verificada nos gradientes cromáticos que
Capela de Scrovegne.(1303-05), onde o azul celeste independente surgem na natureza, durante a maturação e, ou, transformação
do momento histórico guarda o sentido da transcendência, da matéria natural ao longo do tempo.
religião, pecado, culpa, medo e salvação.
Também vejo a cor uma manifestação espiritual, uma vez que
A repetição do sentindo da cor azul nas diferentes épocas cul- ela excede à forma na qual ela esta contida, ela é qualidade, não
turais, como pudemos ver, é a evidência da cor como símbolo. é limite. A cor transcende a materialidade das coisas do mundo.
Por isso, mais uma vez é preciso salientar a importância da obra
“Doutrina das Cores”. Ressalto ainda, e mais uma vez, que para Por fim, referente as suas qualidades, há a possibilidade da cor
mim como pesquisadora e artista visual a pesquisa histórica atuar, não só de forma visual, como também, psicológica no
foi de suma importância no meu processo de criação, porque observador. Uma vez que a cor é uma essência e possui dentre
através do estudo histórico, além de ter verificado a cor como seus inúmeros aspectos, forças capazes de alterar os estados de
símbolo, pude compreender melhor a minha produção, apro- ânimo do observador. Lembrando que a cor atua para cada um
ximando minhas obras com as de outros artistas, que tem a cor de uma forma específica, como vimos antes, assim o azul pode
como fundamento de suas obras, e que, sobretudo, evidenciam a atuar em nós, provocando os mais diversos sentimentos do seu
cor como substância, essência e, ou, símbolo. campo simbólico, por exemplo, paz, tristeza, transcendência,
solidão e etc. Assim é para todas as cores, elas operam
154
simbolicamente, ou seja, possuem em si uma polaridade latente.
O que é a cor?
Sugiro olhar e sentir.
155
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