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Processamento de Produtos Agrícolas

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CAPÍTULO 7

7. UMIDADE DE EQUILÍBRIO

Conforme mencionado no item 3.7, os grãos são higroscópicos e portanto podem


realizar trocas de água com o ambiente que os envolve.
Os processos de troca de umidade (dessorção e adsorção) são contínuos e
decrescentes em função das diferenças entre as pressões de vapor do grão (pvg) e do ar
(pv). Com o tempo, os valores das pressões de vapor tendem à igualdade atingindo o
EQUILÍBRIO HIGROSCÓPIO, no qual verifica-se que a taxa de adsorção de água pelo
grão é igual à taxa de dessorção de água do sólido. Nesse ponto, a umidade dos grãos é
denominada de Umidade de Equilíbrio (Ue).
A Ue depende da pv, pvg e da direção da transferência de massa entre o grão e o
ar que pode ser:
a) do ar para o grão (adsorção) pv > pvg
b) do grão para o ar ( dessorção) pv < pvg
c) Equilíbrio Higroscópico (EH) pv = pvg

GRAFICAMENTE:

(U%) (U%)

Ui Ue

DESSORÇÃO ADSORÇÃO

Ue Ui

tempo tempo

A magnitude do teor de água de equilíbrio depende:

a) da pressão parcial de vapor do ar em volta do grão (pv)


b) da direção para a qual o equilíbrio é alcançado e no número de ciclos de adsorção e
dessorção (C1)
c) do tipo de produto agrícola (C2)
d) do estádio de maturação do grão (C3)
Desta forma, o teor de água de equilíbrio pode ser descrito segundo o seguinte
modelo matemático:
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Ue = f ( pv, t, C1, C2, C3)

Para um produto em particular no seu estádio completamente maduro e


considerando que o equilíbrio é alcançado por dessorção, então:

Ue = f ( pv,t)

A umidade de equilíbrio poderá, portanto, ser uma função de pressão constante


(isobárica) ou de temperatura constante (isotérmica). Em produtos agrícolas são mais
comumente usadas as isotermas de sorção. Neste caso:

Ue = f (pv) t= constante

7.1. Isotermas de Sorção de Água

Isoterma de sorção é uma curva que descreve a quantidade de água sorvida por
uma substância sob uma determinada temperatura constante como conseqüência da
pressão de vapor de equilíbrio, da atividade da água ou da umidade relativa. A forma
típica das isotermas para produtos agrícolas corresponde às isotermas de materiais
coloidais capilares porosos que são curvas do tipo sigmoidal.

C
Ue

0 A B
Umidade Relativa

Figura 33 – Isotermas de sorção

Essas isotermas podem ser divididas em três regiões:

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1. Adsorção monomolecular que ocorre na região 0 A, abaixo do ponto de


inflexão. Normalmente, para produtos agrícolas, essa região ocorre entre 0 e
15% de umidade relativa.
2. A região intermediária ou de adsorção em múltiplas camadas, A B, ocorre
quando as camadas adicionais de água são adsorvidas sobre a monocamada.
Ocorre normalmente entre 15 a 90% de umidade relativa.
3. Acima de 90% de umidade relativa, a água é absorvida por capilaridade e é
mantida nos poros da matéria constituinte dos grãos.

Durante a adsorção molecular (mono e múltiplas camadas) ocorre emissão de


calor e alteração das propriedades físicas da água ligada, não ocorrendo o mesmo com a
água absorvida por capilaridade.
O ponto C, correspondente à umidade relativa de equilíbrio UR = 100%, refere-se
ao teor de água higroscópico do grão (Uh). Se o teor de água do grão for maior do que o
teor de água higroscópico, então haverá água livre na superfície do grão.

7.2. Histerese

Um determinado ponto de uma isoterma de sorção pode tanto ser resultado de um


processo de adsorsão como de dessorção. Os valores de adsorsão e de dessorção para
uma mesma UR do ar não são coincidentes, fenômeno este conhecido por Histerese.

U (%)

Dessorção

HISTERESE

Adsorsão

Umidade Relativa (%)

Figura 34 – Representação esquemática da histerese

Quando uma certa quantidade de água é adsorvida por uma superfície, essa
superfície libera uma certa quantidade de calor, chamado de calor de adsorção. Quando
essa mesma quantidade de água é dessorvida de uma superfície, verifica-se o oposto, a
entrada de certa quantidade de calor, denominado calor de dessorção.
Chung e Pfost (1967) formularam a hipótese de que a histerese ocorre em virtude
de que o calor de dessorção é maior do que o de adsorção, ou seja, a mesma quantidade
de energia mobiliza uma maior quantidade de vapor d'água quando o processo é de
adsorção do que quando é de dessorção. Por exemplo: imagine que se tenha uma
amostra de grãos com umidade, em base seca, de 0,10 g de água/ 100g de matéria seca e
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outra amostra com 0,20 g de água / 100g de matéria seca. Se uma certa quantidade de
energia é liberada durante a adsorção de 0,5g de água / 100g de matéria seca na primeira
amostra, obtendo-se assim uma amostra com 0,15 g de água / 100g de matéria seca, essa
mesma quantidade de energia é capaz de dessorver uma quantidade inferior a 0,5 g de
água / 100g de matéria seca, ficando, assim, a segunda amostra com uma umidade
superior 0,15 g de água /100g de matéria seca.
A histerese não ocorre sempre. Após alguns ciclos de dessorção/adsorção cessa o
efeito da histerese.

7.3 Temperatura vs Equilíbrio Higroscópico

A Ue varia em função da temperatura. Mantendo-se a UR constante, quanto maior


a temperatura menor a Ue.
Para cada temperatura há uma isoterma correspondente. Quanto maior a
temperatura maior a velocidade de dessorção.
A dessorção é um processo lento não possibilitando usar as características naturais
do ar para a secagem dos grãos em todas as regiões. O processo pode ser acelerado
usando-se ar com temperaturas mais elevadas.

Graficamente,

U (%) T1 < T2 < T3

Ue1

Ue2

Ue3

Umidade Relativa (%)

Figura 35 – Representação esquemática da variação da Ue para diferentes Isotermas de


sorção com UR constante.

Entretanto, as variações da Ue em função da temperatura são quantitativamente


muito pequenas e observadas somente para incrementos maiores que 10ºC para uma
mesma UR.

Temperatura (ºC) 20 25 30 35 50
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Ue (% b.s.) 16,6 16,4 16,2 16,0 15,5

7.4. Umidade Relativa vs Equilíbrio Higroscópico

A Ue também varia em função da UR. Mantendo-se a temperatura constante,


quanto menor a UR menor a Ue.

Graficamente,

U (%)

Ue3

Ue2

Ue1

UR1 UR2 UR3

Umidade Relativa (%)

Entretanto, ao se aquecer o ar, tanto a temperatura quanto a UR são alteradas.


Assim, o efeito do aumento da temperatura é conjunto com a redução da UR.
Durante a secagem artificial, o uso de ar com temperaturas elevadas e UR baixas
provoca uma redução sensível na mudança de umidade dos grãos.
Partindo-se de uma condição inicial com T = 20ºC e UR = 70%, o ar foi aquecido
em 5ºC. A partir do gráfico psicrométrico obtém a UR = 52% e assim sucessivamente.

Temperatura (ºC) UR (%) Ue (% b.s.)


20 70 16,6
25 52 11,8
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35 30 7,2
50 10 3,1

Observa-se que usando-se temperaturas mais elevadas com baixas UR, o valor da
Ue, muitas vezes, é menor do que os valores do teor de água recomendados para o
armazenamento. Assim, durante a secagem com ar nessas condições, o processo deverá
ser interrompido antes que se atinja a umidade de equilíbrio.

7.5 Representação Algébrica das Isotermas de Equilíbrio

Segundo Pabis et al (1998), umas das primeiras equações para descrever as


isotermas de equilíbrio foi desenvolvida em 1918 por Langmuir. Esta equação descreve
a adsorção para uma monocamada de vapor d'água na superfície interna de um sólido
(região 0 A da Figura 33).

1 1 1
UR ---- - ---- = ------
Ue Uo C Uo

em que,

Uo : valor da umidade da monocamada, kg H2O / kg m.s.


Ue : Teor de água de equilíbrio, kg H2O / kg m.s.
C : Constante
UR: Umidade relativa de equilíbrio ( decimal )

Assumindo que as forças de van der Waals atuam no processo de adsorção de


moléculas de água na superfície interna dos grãos, Brunauer et al, em 1938,
desenvolveram uma expressão para a adsorção molecular em múltiplas camadas que é
conhecida como equação de BET ( Brunauer - Emmett - Teller )

UR 1 C-1
----------------- = --------- - -------- UR
(1 - UR ) Ue Uo C Uo C
em que,

C: constante relacionada ao calor de adsorção, ao calor de condensação, à temperatura


absoluta e à constante dos gases.
Uo : Teor de água do produto quando uma camada monomolecular de vapor d'água for
adsorvida, kg H2O / kg m.s.

A equação BET fornece um bom ajuste para diversos produtos para valores de
umidade relativa entre 5 e 45%.
Henderson, em 1952, desenvolveu a seguinte equação para descrever as
isotermas:
n
ln ( 1 - UR ) = CTUe

em que,
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C e n: Constantes
UR : Umidade relativa (decimal)
T : Temperatura ( K )

A equação de Henderson foi por muito tempo e ainda hoje é usada para estimar a
Ue de produtos agrícolas em função da UR. Entretanto a equação original foi
questionada por vários pesquisadores. Em 1968, Thompson modificou a equação de
Henderson adicionando outra constante à temperatura.

1/N
1 ln ( 1- UR)
Ue = ------ -------------------
100 -K(t+C)

em que,

K, C e N : Constantes
t : Temperatura (º C)

A equação de Henderson modificada foi adotada como uma das duas equações
padrão pela Sociedade Americana de Engenharia Agrícola ( ASAE, 1996, padrão
D245.4 ) para descrever a relação entre o teor de água de equilíbrio (Ue) e a umidade
relativa de equilíbrio (UR).

Os valores das constantes para a equação de Henderson modificada são dados na


Tabela 9.

Tabela 9 . Constantes da equação de Henderson modificada

Grão Faixa
K N C UR(%) t (ºC)
Arroz("rough") 1,9187 10-5 2,4451 51,161 20 - 95 0 - 50
Feijão 2,0899 10-5 1,8812 254,23 20 - 95 0 - 50
Milho (dentado) 8,6541 10-5 1,8634 49,810 20 - 95 0 - 50
Soja 30,5327 10-5 1,2164 134,136 20 - 95 0 - 50
Sorgo 0,8532 10-5 2,4757 113,725 20 - 95 0 - 50
Trigo (duro) 2,3007 10-5 2,2857 55,815 20 - 95 0 - 50
Fonte : Pabis et al (1998)

Entre diversas outras equações propostas, Chung e Pfost, em 1967, formularam


uma equação que em 1976 foi modificada e aceita como a Segunda equação adotada
pelo padrão D245.5 da ASAE.

Ue = E - F ln [ - ( t + C ) ln (UR) ]
em que,

E, F e C : Constantes

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As constantes da equação de Chung e Pfost modificada são apresentadas na


Tabela 10.

Tabela 10 . Constantes da equação de Chung e Pfost modificada

Grão Faixa
E F C UR(%) t (ºC)
Arroz("rough") 0,29394 0,046015 35,703 20 - 95 0 - 50
Feijão 0,43001 0,062596 160,626 20 - 95 0 - 50
Milho (dentado) 0,33876 0,058970 30,205 20 - 95 0 - 50
Soja 0,41631 0,071853 100,288 20 - 95 0 - 50
Sorgo 0,35649 0,050907 102,849 20 - 95 0 - 50
Trigo (duro) 0,35616 0,056788 50,998 20 - 95 0 - 50
Fonte: Pabis et al (1998)

Exemplos:
1 ) Uma lavoura de milho foi colhida com umidade de 18% b.u. Considerando que a
temperatura do ar ambiente é de 25ºC e a umidade relativa de 75%, pergunta-se:
a) É possível utilizar o ar ambiente para secagem do milho?
b) E se for utilizado um ventilador que normalmente aquece o ar ambiente em 5ºC,
é possível a secagem do milho para um armazenamento seguro?
2) Num silo armazenado com soja verificou-se um foco de temperatura elevada em
torno de 30ºC. Considerando que a noite a temperatura do ar é de 18ºC e a
umidade relativa de 80%, você recomendaria a utilização desse ar para resfriar
os grãos sem aumentar os riscos de deterioração do produto?

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