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OS LIVROS DA UNICAMP

TARDE

OLAVO BILAC

Análise da obra, resumo e seleção de fragmentos

RITA DE CÁSSIA RAMOS


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TARDE

1. VIDA E OBRA DE OLAVO BILAC

Olavo Bilac (RJ, 1865-1918), além de poeta, foi jornalista, contista,


cronista, crítico e escritor de livros didáticos. Esse reconhecido poeta
parnasiano também escreveu a letra do Hino da Bandeira Nacional.
Engajou-se em questões cívicas e políticas de seu tempo, como o
abolicionismo e a defesa do alistamento militar obrigatório, considerado
por ele uma forma de combater o analfabetismo. Foi membro fundador da
Academia Brasileira de Letras. Exerceu diversos cargos públicos: oficial da
Secretaria do Interior, no Rio de Janeiro, inspetor escolar e secretário de
duas Conferências Pan-Americanas.
Viveu num meio incentivador de seu desenvolvimento literário, tendo
conhecido vários escritores de sua época, como Eça de Queirós, Machado
de Assis, Alberto de Oliveira, Aluísio Azevedo, dentre outros.
Teve participação intensa em jornais. Embora tenha tido dificuldades
financeiras, fez viagens constantes à Europa, principalmente para Paris. No
Rio de Janeiro, frequentou cafés, acompanhado por prestigiados intelectuais
e escritores da época.
Olavo Bilac expressava suas opiniões em relação à política e à
literatura. Algumas delas lhe valeram inimizades, inclusive chegou a ser
preso a mando do então presidente Marechal Floriano Peixoto. A imprensa
carioca da época também atesta sua rixa com o escritor Raul Pompeia.
Seu humor era sarcástico, sua memória, incrível, era um leitor voraz,
um orador fantástico. Apreciava vinhos finos e charutos caros, tinha
interesse pelo ocultismo. Admirava mulheres belas, sendo que a paixão de
sua vida foi Amélia de Oliveira, irmã do poeta e amigo Alberto de Oliveira.
Apesar de correspondido, o noivado pretendido não se consumou, pois a
família da noiva não aceitou Olavo Bilac, dada sua reputação de boêmio e,
assim, ele permaneceu celibatário até o fim de sua vida.
São de sua autoria os seguintes livros:
• Poesias (1888),

• Via Láctea (1888),

• Sarças de Fogo (1888),

• Tarde (1919) [póstumo].


Ascensão e queda
Segundo Ivan Teixeira (2002), no cenário literário brasileiro, a obra do
escritor parnasiano Olavo Bilac esteve nas alturas e depois sofreu
significativa queda. No início de sua produção poética, mesmo quando ele
era ainda bem jovem, o entusiasmo em relação à sua poesia era enorme.

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Olavo Bilac foi aclamado “o príncipe dos poetas brasileiros”, tendo,
inclusive, sido considerado por seus fãs mais ardorosos um poeta
predestinado, costumava-se dizer que seu nome completo – Olavo Brás
Martins dos Guimarães Bilac – formava um alexandrino perfeito, métrica
predileta dos parnasianos. Sua fama em vida foi muito significativa.
Hoje, depois da crítica feita ao estilo parnasiano pelos modernistas da
geração demolidora, de 22, muitos criticam a obra de Olavo Bilac, no
entanto, é preciso ter certo cuidado para não se cair em leituras
estereotipadas.

Visões reducionistas do Parnasianismo


Segundo Ivan Teixeira, atualmente, “a poesia bilaquiana oscila entre o
apreço de leitores que ainda não incorporaram a renovação modernista e a
recusa de intelectuais que ainda não se libertaram do padrão modernista”
(p.98).
Sendo assim, há os que gostam de Olavo Bilac, porque desprezam
importantes contribuições dos modernistas. São os passadistas. Há também
os que não gostam dele, pois o consideram a partir de uma perspectiva que
só admite o modelo modernista de 22, que apregoa uma ruptura radical com
a tradição.
Ivan Teixeira, no referido ensaio, esclarece que a primeira leitura, a
passadista, tem o inconveniente de supor que a poesia consiste numa
expressão “privilegiada do belo absoluto”, ignorando o fato de que a poesia
é “resultante de operações lógicas do juízo”. A segunda, por sua vez, baseada
na herança de 22, “valoriza o poema pelo grau de ruptura linguística ou de
problematização social que apresenta, tomando como critério os valores do
momento de leitura, não o da produção do texto”.
Propõe, então, uma terceira hipótese, que consideramos proveitosa: ler
os poemas de Olavo Bilac a partir de uma leitura que evidencie o modo
como a produção poética, enquanto evento cultural, articula-se com o
passado e o presente de sua enunciação, e mesmo com possíveis
apropriações futuras.

Proposta artística de Olavo Bilac


Conforme Ivan Teixeira, ao final do século XIX, Olavo Bilac e
Machado de Assis representavam “o que havia de melhor nas letras
brasileiras” (p.99).
A ideia de Bilac e dos autores parnasianos era a de atualizar a arte
brasileira, opondo-se ao Romantismo. Para tanto, recorriam “a fórmulas e
pensamentos literários da Europa, adequadamente ajustados à realidade
brasileira” (p.99).

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Cabe evidenciar que a qualidade dos poemas de Bilac não foi
contestada em vida, seus poemas eram tidos como “o ponto máximo a que
tinha chegado a possibilidade de beleza nessa espécie de poesia no Brasil”
(p.99).

A crítica modernista ao parnasianismo


Num momento posterior, o padrão de bom gosto estabelecido pelo
estilo parnasiano foi contestado com veemência pelos modernistas de 22. A
chamada geração heroica tinha perspectiva diferente dos parnasianos em
relação à arte e, ávidos por renovação, foram a combate, e os versos de
Olavo Bilac tornaram-se alvo de crítica, foram muito satirizados, até mesmo
por conta de Olavo Bilac ter sido o autor parnasiano mais prestigiado.
Assim, foi a partir da perspectiva dos modernistas da geração
demolidora que se foi formando uma recepção que tinha “horror conceitual
ao Parnasianismo” (p. 100). Se o poema era parnasiano, era sempre mal
visto, desdenhado.
Muito tempo passou-se, a teoria literária desenvolveu novas abordagens
de interpretação textual, o que colabora para um entendimento, segundo o
qual, cada época da literatura traz seus critérios de valores e, sendo assim,
“a controvérsia modernista não deve inibir, hoje, o contato com os poetas
parnasianos” (p.100).

Algumas características do Parnasianismo


Outro aspecto a ser considerado na interpretação de textos poéticos
consiste em avaliar como determinado autor encaixa-se em determinada
escola literária, se com maior ou menor liberdade em relação às
características gerais dessa escola. Destacamos a seguir algumas
características do parnasianismo, movimento a que pertence Olavo Bilac:
• Concepção de poema como peça de ourivesaria, como objeto
estético harmonioso e perfeito;
• Ideal do culto da "arte pela arte", significando que o objetivo
do poeta é criar obras que expressem o Belo, criado pelo
perfeito uso de recursos estilísticos;
• Busca pela perfeição estética e culto à forma, o que implica
utilização de um vocabulário raro e recursos como a
metrificação, versificação, estruturas poéticas fixas, por
exemplo o soneto, rimas ricas, raras e perfeitas;
• Recusa ao mito romântico da inspiração. Ao contrário, o
poema parnasiano deveria ser produzido a partir de uma
técnica apurada, a partir de trabalho árduo;
• Ideia do poema como artefato tangível (pintura, escultura,
edifício), com conotação neoclássica e antirromântica.

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Olavo Bilac ultrapassa limites de sua escola literária
A obra de Olavo Bilac está inserida no Parnasianismo, no entanto, como
afirma Ivan Teixeira, é importante reconhecer que, “vista em conjunto, a
obra bilaquiana excede os limites de filiação passiva ao estilo instaurado
pelos poetas do Parnasse Contemporain (1866-76)” (p. 100).

A objetividade construtiva dos poemas de Olavo Bilac


Para Ivan Teixeira, a obra de Olavo Bilac corresponde a uma busca por
“ajustar o código francês ao horizonte de expectativas do leitor do final do
Segundo Reinado e da Primeira República” (p. 100).
Assim, para criar uma situação poética adequada ao Brasil de seu
tempo”, Olavo Bilac lançou mão sobretudo do “princípio da objetividade
construtiva, que implica a ideia de que a poesia resulta antes do esforço de
composição do que da inspiração” (p.100).
A noção presente na poesia de Olavo Bilac é a de que o poeta deve usar
de uma técnica rigorosa para provocar efeitos de beleza artística. Esse
grande poeta parnasiano orienta-se claramente para essa beleza feita de
artifícios expressivos. Para ele, no entanto, embora os poemas resultem de
árduo trabalho de elaboração, devem passar aos leitores uma impressão de
espontaneidade, de naturalidade.
Segundo Ivan Teixeira, trata-se aqui da retomada de um princípio
clássico: “o pressuposto clássico de que, em poesia, o domínio da técnica
deve sobrepor-se ao mito do saber espontâneo, posto em moda pelo
Romantismo e radicalmente combatido por Olavo Bilac e por seus
companheiros” (p.101).
É importante evidenciar que a objetividade bilaquiana, conforme Ivan
Teixeira, “pode se manifestar em textos de construção da intimidade do
indivíduo quanto em textos de figurações da realidade exterior” (p.108),
sendo esses últimos mais propriamente pictóricos.

Articulação da poética ao momento enunciativo


Na interpretação de um poema, é fundamental entender algo sobre a
articulação entre poética e sociedade, pois um poema é produzido em
determinado contexto histórico, cujos valores ideológicos nele podem estar
refletidos.
Conforme Ivan Teixeira, para os parnasianos, “a beleza ideal revela-se
em dimensão plástica, corporificada em objetos tangíveis (escultura, joia,
porcelana, edifício), a despeito de sua natureza verbal. Resultante da
apropriação escravista, católica e burguesa de aspectos aparentes da Grécia
Antiga, o ideal de beleza parnasiano não deixa, portanto, de mimetizar o
padrão de elegância da elite pensante do Rio de Janeiro, de onde se alastra
por todo o Brasil letrado” (p.101).
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Assim, de acordo com o crítico, a “poética cultural responsável por esse
padrão de beleza é, em sua feição mais característica, a mesma que, por
exemplo, não conseguia enxergar perversão inerente, por exemplo, na
exclusão social dos negros recém-saídos da escravidão” (p. 101).

O domínio da técnica
Como o elogio da técnica manifesta-se nos poemas parnasianos? Nos
textos parnasianos, o apreço à técnica manifesta-se no fato de o poeta
demonstrar grande destreza tanto quanto à retórica, como no domínio
específico da língua portuguesa.

Erotismo
Outro aspecto a ser considerado, diz respeito ao tipo de erotismo
presente na obra de Olavo Bilac, uma vez que, no Brasil da época, por
influência de Baudelaire, de sua obra Flores do Mal, havia uma tendência
a um erotismo considerado mórbido. De acordo com Ivan Teixeira, o
erotismo bilaquiano não segue essa linha, em lugar disso, apresenta uma
face mais “elegante” ao tratar de temas eróticos. As mulheres de seus
poemas são “sempre sensuais e insinuantes” e “primam pela exibição da
beleza plástica” (103).

Descrição animizada
Segundo Ivan Teixeira, os parnasianos, por meio da descrição,
buscavam compor um objeto, uma paisagem, uma cena, uma situação. Os
opositores do movimento, para desqualificar a poesia parnasiana, por ela se
afastar do estilo exaltado dos poetas do Romantismo, criticaram o modo de
expressão dos parnasianos, denominando-o de impassibilidade. Olavo Bilac
reagiu a essa crítica:

Aos chamados poetas parnasianos também se deu outro nome


‘impassíveis’. Quem pode conceber um poeta que não seja suscetível
de padecimento? Ninguém e nada é impassível: nem sei se as pedras
podem viver sem alma. Uma estátua, quando é verdadeiramente bela,
tem sangue e nervos. Não há beleza morta: o que é belo vive de si e por
si só (1924, pp. 24-5).

Pode-se dizer que, por trás da aparente indiferença, a poesia parnasiana


expressa emoção, como que deixando o próprio objeto descrito
expressar-se, diferente da maneira romântica, a qual enfatiza um eu que se
expressa.

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O livro Tarde
A redação do livro Tarde foi concluída no ano da morte de Bilac e teve
publicação póstuma no ano seguinte, em 1919. Nos poemas desse livro,
evidencia-se o domínio desse autor parnasiano sobre o verso.
O livro tem um tom nostálgico e reflexivo, de um sujeito na maturidade,
na proximidade da velhice e da morte. Em Tarde, Bilac mistura motivos
líricos e filosóficos, sendo constante a preocupação com o sentido da vida.
Seguindo o preceito da “objetividade construtiva”, o poeta desenvolve
os temas que mais aprecia: o amor, a beleza física feminina; a pátria e os
grandiosos acontecimentos da história brasileira; a exaltação do trabalho e
do progresso. Há também poemas que problematizam a existência humana.
O livro é composto de cerca de 100 sonetos italianos. Os versos são
decassílabos ou dodecassílabos, também chamados de alexandrinos,
rimados com rigor. A tendência dos sonetos é descritiva ou argumentativa,
sendo essa última mais frequente.
Segundo Ivan Teixeira, “uma das singularidades de Tarde manifesta-se
na organização de conjuntos de poemas ligados pela exploração de uma
mesma área semântica” (106).
Ivan Teixeira observa a presença de seriações de poemas em Tarde. Tal
organização seria uma indicação de que Bilac concebe “os poemas como
parte de um todo orgânico”, uma organização “feita menos ao sabor do
acaso ou da inspiração” (p.107).

Uma leitura dos poemas de Tarde, de Olavo Bilac


A seguir, oferecemos uma contribuição para o entendimento dos
poemas de Tarde, com um comentário sintético de cada um dos poemas. É
imprescindível que os textos originais sejam lidos.
O conjunto de poemas que formam esse livro foram escritos por Olavo
Bilac em sua maturidade. São sonetos reflexivos, que focalizam o
envelhecimento, bem como a finitude da vida. Em muitos poemas, a
presença de diálogo é evidente.

A epígrafe
Trata-se de um trecho, em italiano, em que Dante Alighieri (1265 –
1321) afirma que a existência, como um arco, tem um movimento
ascendente, seguido de um movimento de descida. O autor diz que,
contemplando a natureza, observou que há costumes e comportamentos
humanos mais adequados a um determinado momento da vida. Concluiu
que a alma nobre busca harmonizar ações e etapas da existência. Os poemas
do livro, de forma geral, tratam do “movimento de descida”, isto é, o da
maturidade.

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TARDE
Hino à tarde
Glória jovem do sol no berço de ouro em chamas,
Alva! Natal da luz, primavera do dia,
Não te amo! nem a ti, canícula bravia,
Que a ti mesma te estruis no fogo que derramas!

Amo-te, hora hesitante em que se preludia


O adágio vesperal, – tumba que te recamas
De luto e de esplendor, de crepes e auriflamas,
Moribunda que ris sobre a própria agonia!

Amo-te, ó tarde triste, ó tarde augusta, que, entre


Os primeiros clarões das estrelas, no ventre,
Sob os véus do mistério e da sombra orvalhada,

Trazes a palpitar, como um fruto do outono,


A noite, alma nutriz da volúpia e do sono,
Perpetuação da vida e iniciação do nada...
(BILAC, 2020, pág. 10)

Soneto de abertura do livro. Glorifica a hora próxima ao final do dia.


A tarde sugere a maturidade do ser humano e antecipa a finitude da
existência do eu lírico, a qual se aproxima: “Amo-te, hora hesitante em que
se preludia/ O adágio vesperal, – tumba que te recamas/ De luto e de
esplendor (...)”. É importante observar que o próprio autor, no momento da
escrita do livro, vivenciava esse período da vida.

Ciclo
Manhã. Sangue em delírio, verde gomo,
Promessa ardente, berço e liminar:
A árvore pulsa, no primeiro assomo
Da vida, inchando a seiva ao sol... Sonhar!

Dia. A flor, – o noivado e o beijo, como


Em perfumes um tálamo e um altar:
A árvore abre-se em riso, espera o pomo,
E canta à voz dos pássaros... Amar!

Tarde. Messe e esplendor, glória e tributo;


A árvore maternal levanta o fruto,
A hóstia da ideia em perfeição... Pensar!

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OLAVO BILAC
Noite. Oh! saudade!... A dolorosa rama
Da árvore aflita pelo chão derrama
As folhas, como lágrimas... Lembrar!
(BILAC, 2020, p. 10-11)

Segundo soneto. Nele são apresentados os quatro períodos de um dia.


Cada uma dessas etapas refere-se a um momento da existência humana,
havendo uma ação que o caracteriza: A “Manhã” representa a infância,
momento do “Sonhar”; o “Dia”, a mocidade, caracterizada pelo “Amar”; a
“Tarde” diz respeito à maturidade, o “Pensar” é fruto primoroso que se colhe
nesse momento da vida; a velhice é o tempo do “Lembrar”.
Os três poemas seguintes formam um conjunto em que o poeta trata de
elementos da nacionalidade.

Pátria
Pátria, latejo em ti, no teu lenho, por onde
Circulo! e sou perfume, e sombra, e sol, e orvalho!
E, em seiva, ao teu clamor a minha voz responde,
E subo do teu cerne ao céu de galho em galho!

Dos teus líquens, dos teus cipós, da tua fronde,


Do ninho que gorjeia em teu doce agasalho,
Do fruto a amadurar que em teu seio se esconde,
De ti, – rebento em luz e em cânticos me espalho!

Vivo, choro em teu pranto; e, em teus dias felizes,


No alto, como uma flor, em ti, pompeio e exulto!
E eu, morto, – sendo tu cheia de cicatrizes,

Tu golpeada e insultada, – eu tremerei sepulto:


E os meus ossos no chão, como as tuas raízes,
Se estorcerão de dor, sofrendo o golpe e o insulto!
(BILAC, 2020, p. 11)

Terceiro soneto. Nesse soneto faz-se um elogio à pátria. O eu lírico


funde-se com elementos da natureza e, nessa simbiose, tudo que atinge a
pátria, positivamente ou não, repercute nele, que sente as alegrias e as dores
da pátria como se ambos tivessem um só corpo: “Pátria, latejo em ti, (...)/
Tu golpeada e insultada, – eu tremerei sepulto,/ (...) E os meus ossos no
chão, como as tuas raízes,/ Se estorcerão de dor, sofrendo o golpe e o
insulto!”

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TARDE
Língua portuguesa
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…

Amo-te assim, desconhecida e obscura,


Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma


De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”


E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
(BILAC, 2020, p. 12)

Quarto soneto. Aborda o histórico da língua portuguesa, interlocutora


do eu poético. Nesse poema, a metáfora “Última flor do Lácio, inculta e
bela”, refere-se ao fato de a língua portuguesa ter sido a última língua
neolatina formada a partir do latim vulgar – falado pelos soldados da região
italiana do Lácio. A língua portuguesa é descrita como suave e rude
simultaneamente: “Tuba de alto clangor, lira singela”. Há menção de que
a língua portuguesa serve para variados usos. Tendo cruzado o Oceano
Atlântico chegou ao Brasil e, por meio dela, há um elo entre o eu poético e
Camões (c.1524 – 1579 ou 1580), um dos maiores escritores da literatura
lusófona e da tradição ocidental: “Amo-te, ó rude e doloroso idioma,/ Em
que da voz materna ouvi: ‘meu filho!’/ E em que Camões chorou, no exílio
amargo/”. Esse poema inspirou “Língua”, de Gilberto Mendonça, e a letra
da canção “Língua Portuguesa”, de Caetano Veloso.

Música brasileira
Tens, às vezes, o fogo soberano
Do amor: encerras na cadência, acesa
Em requebros e encantos de impureza,
Todo o feitiço do pecado humano.

Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza


Dos desertos, das matas e do oceano:

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OLAVO BILAC
Bárbara poracé, banzo africano,
E soluços de trova portuguesa.

És samba e jongo, xiba e fado, cujos


Acordes são desejos e orfandades
De selvagens, cativos e marujos:

E em nostalgias e paixões consistes,


Lasciva dor, beijo de três saudades,
Flor amorosa de três raças tristes.
(BILAC, 2020, p. 12-13)

Quinto soneto. A música nacional, interlocutora do eu poético, é


caracterizada como portadora de uma cadência que expressa volúpia, mas,
sobretudo, tristeza. Esse sentimento nostálgico seria proveniente da herança
musical (“samba e jongo, xiba e fado”) das “três raças tristes” formadoras
de nossa nacionalidade, indígenas, africanos e portugueses: “Flor amorosa
de três raças tristes”; “És samba e jongo, xiba e fado, cujos/Acordes são
desejos e orfandades/ De selvagens, cativos marujos (...)”.
Os dois poemas seguintes tratam do alvorecer da formação da nação
brasileira.

Anchieta
Sexto soneto. Celebra José de Anchieta (1534-1597), enfatizando seu
zelo na catequização dos índios. Anchieta é designado como “cavaleiro da
mística aventura”, “Herói cristão”, e sua atuação humanizadora é comparada
à de São Francisco de Assis. A participação importante de Anchieta na
colonização de São Paulo é sugerida em “Bandeirante de ‘entradas’ mais
suaves”. Os índios são representados ao mesmo tempo como inocentes e
brutais: “Os índios, ora filhos, ora algozes/Aves pela inocência, e onça
ferozes/pela bruteza, na floresta escura”.

Caos
Sétimo soneto. Retoma o momento inicial da formação da
nacionalidade brasileira: “fermentação de um mundo agreste e bruto”.
Expressa forte sentimento de união entre o eu lírico e o povo brasileiro: “No
fundo do meu ser, ouço e suspeito/ Um pélago em suspiro e rajadas:/
Milhões de vivas almas sepultadas,/ Cidades submergidas no meu peito”.
A seguir, tem-se um conjunto de poemas em que Olavo Bilac tece
comentários sobre a moral (ou a falta de moral) em nosso país, a partir da
crônica “Diziam que...”, de Padre Simão de Vasconcelos (1597-1671).

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TARDE
O referido texto aborda seres sobrenaturais das nações indígenas: os
goiasis, de estatura bastante pequena; os matuius, nascido com os pés às
avessas; os curinqueãs, de tamanho gigantesco, e as amazonas, guerreiras
que vivem sem se relacionarem com homens. Todos considerados
monstruosos, por apresentarem anormalidade física e serem desprezíveis, ou
por viverem de modo excepcional, como é o caso das amazonas,
consideradas valorosas.

I. Os monstros
Oitavo soneto. O eu poético diz que a existência das figuras
monstruosas no Brasil não é ilusória. Ele já as encontrou. Como na referida
crônica, distingue dois tipos de seres anormais: “monstros do bem” e
monstros criminosos. Os primeiros têm “extrema formosura” e “ardor
sublime” e a eles caberia, “no epílogo da lenda”, exercer no mundo um
julgamento moral final: “voltarão varrendo os vivos/ E os maus se afogarão
na própria lama!”.

II. Os goiasis
Nono soneto. Afirmação de que, assim como “no Brasil inculto”, no
momento presente ainda viveriam entre nós seres de moral diminuta, que
apresentariam baixeza em tudo. As ações de tais assemelham-se a de répteis,
que tentariam ferir os homens de alma nobre com sua língua virulenta. Mas
sem sucesso: “Mas só podeis ferir, na raiva pobre,/ Em vez dos corações, os
calcanhares”.

III. Os matuius
Décimo soneto. Esses monstros são caracterizados como seres de
“marcha avessa e rude”. Os matuius viveriam entre nós na forma de
“mentores sem virtude”, que deturpam a verdade ao povo. São os
pensadores reacionários que, em vez de dirigir seus seguidores para o futuro,
trazem-nos de volta para um passado de ideias obscuras: “Ainda viveis,
mentores sem virtude,/ Que a verdade escondeis à vossa gente!”.

IV. Os curinqueãs
Décimo primeiro soneto. Os curinqueãs são figuras gigantescas e
monstruosas, remetem aos dirigentes de “mesquinhas lutas”, que
desgovernam países miseráveis: “Vastos e estéreis, ocos e sonoros,/
Unicamente grandes no tamanho!”.

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V. As amazonas
Décimo segundo soneto. As amazonas representam uma anormalidade,
mas de tipo benéfico, valorosa. Simbolizam a esperança da chegada de um
tempo propício, em que haja fim à miséria moral: “(...) A aurora esperas,/ Ó
Pátria! e ela virá, com outras eras,/ Outro sol, outra crença em outros dias!”.
No livro Tarde, seguem poemas em que a natureza aparece
personificada de forma impressionante.

O vale
Décimo terceiro soneto. Há identificação do eu poético com um vale,
numa tarde fria. O estado de espírito apresentado é de resignação: “Mas a
resignação doura e perfuma/A tristeza do termo do meu dia”.

A montanha
Décimo quarto soneto. A montanha aparece representada como um ente
portador de calma: “Sacerdotisa em prece, o vulto alteias/ Do vale, quando
a noite se avizinha”.

Os rios
Décimo quinto soneto. Os rios são descritos como seres magoados, que
choram cheios de amargura. O seu constante movimento representa a
ansiedade dos seres humanos: “Rios tristes! agita-se a ansiedade/ De todos
os que vivem de esperança (...) os que morrem de saudade...”.

As estrelas
Décimo sexto soneto. Num compasso vagaroso, as estrelas
assemelham-se a um rebanho de “ovelhas de ouro”, conduzido por um
pastor divino, de flauta pastoril ressoa uma música serena: “Cuida-se de
ouvir, ovelhas de ouro! a avena/ Do invisível pastor que voz conduz...”.

As nuvens
Décimo sétimo soneto. O eu poético revela ser como as nuvens, pois
ambos se dedicariam a uma arte exigente, trabalhosa, cujo objetivo seria a
afirmação da vida: “Nuvem (...)/ Tenho o teu gênio e o teu labor ingrato”.

As árvores
Décimo oitavo soneto. As árvores, assim como os seres humanos,
seriam portadoras de alma e teriam anseios de elevação: “Tendes alma
também...(...)/ Bracejais, como nós, no mesmo anseio.../(...) estendeis os
ramos/À esperança e ao mistério do horizonte...”.

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TARDE
As ondas
Entre as trêmulas mornas ardentias,
A noite no alto mar anima as ondas.
Sobem das fundas úmidas Golcondas,
Pérolas vivas, as nereidas frias:

Entrelaçam-se, correm fugidias,


Voltam, cruzando-se; e, em lascivas rondas,
Vestem as formas alvas e redondas
De algas roxas e glaucas pedrarias.

Coxas de vago ônix, ventres polidos


De alabatro, quadris de argêntea espuma,
Seios de dúbia opala ardem na treva;

E bocas verdes, cheias de gemidos,


Que o fósforo incendeia e o âmbar perfuma,
Soluçam beijos vãos que o vento leva...
(BILAC, 2020, p. 22)

Décimo nono soneto. As ondas apresentam-se animadas, agitadas, pela


presença de nereidas. O movimento das veneradas ninfas no mar, referidas
no poema como “pérolas vivas”, expressa erotismo: “Voltam, cruzando-se;
e, em lascivas rondas,/ Vestem as formas alvas e redondas/ De algas e
glaucas pedrarias”.
O seguinte grupo de poemas focaliza, sob diferentes prismas, o
entardecer dos seres. O momento crepuscular é enfatizado.
Vigésimo soneto. Uma forte excitação ocorre numa tarde tropical. Os
elementos da mata estão em estado febricitante durante o entardecer, até
que repentinamente esse estado declina e chega ao fim. Em consonância a
esse movimento de êxtase da natureza, um casal experimenta a conclusão
de uma relação sensual: “Súbito, a excitação declina, a febre para: E
misteriosamente, em gemido que expira,/ Um surdo beijo morno alquebra
a mata escura...”.

Sonata ao crepúsculo
Vigésimo primeiro soneto. Sonata é um tipo de composição musical
feita apenas de instrumentos. Referência a sons rústicos e pastoris de
instrumentos conjugados de forma harmônica e a figuras da mitologia greco-
latina (Eros e as Camenas). Tom de erotismo: “E a terra, noiva, a ansiar, no
desejo que a enleva,/ (...) Entre o pudor da tarde e a tentação da treva”.

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OLAVO BILAC
O crepúsculo da beleza
Vigésimo segundo soneto. Uma mulher se vê no espelho e, ao mesmo
tempo, vê pela janela um angustiado entardecer. O espelho e a tarde lhe
revelam a proximidade da senectude: “Vê-se no espelho; e vê, pela janela,/A
dolorosa angústia vespertina”.

O crepúsculo dos deuses


Vigésimo terceiro soneto. Conflito de deuses e destruição do Olimpo
(local onde os deuses habitam, segundo a mitologia greco-latina). Além da
menção a heróis, titãs e deuses (Zeus atira “raios de ira”) há referência a
Homero (poeta épico da Grécia Antiga, ao qual tradicionalmente é atribuída
a autoria das epopeias Ilíada e Odisseia), que a tudo acompanha e registra:
“E Acrópoles em fogo, e Homero erguendo a lira/ Em reverberações de
batalhas e poemas...”.

Microcosmo
Vigésimo quarto soneto. Analogia entre o ser humano e o universo. O
homem seria uma espécie de microcosmo, por ser possuidor de dois dons:
o pensar e o amar: “– Homem! És o universo, porque pensas,/ E, pequenino
e fraco, és Deus, porque amas!”.

Dualismo
Não és bom, nem és mau: és triste e humano...
Vives ansiando, em maldições e preces,
Como se, a arder, no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.

Pobre, no bem como no mal, padeces;


E, rolando num vórtice vesano,
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.

Capaz de horrores e de ações sublimes,


Não ficas das virtudes satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:

E, no perpétuo ideal que te devora,


Residem juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora.
(BILAC, 2020, p. 25-26)

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TARDE
Vigésimo quinto soneto. O eu poético reflete sobre sua humanidade e
imperfeição. É um ser angustiado, com conflitos interiores, com alterações
comportamentais e de humor. Caracteriza-se como um ser dividido, é
simultaneamente “Um demônio que ruge e um deus que chora”.

Defesa
Vigésimo sexto soneto. Reflexão sobre o fato de que cada ser humano
é um ser apartado dos demais. É um ser solitário, mesmo quando vivencia
a mais profunda comunhão com um par amoroso. “E os dois seres, sentindo-
se tão perto,/Até num beijo, são duas montanhas/ Separadas por léguas de
deserto...”.

A um triste
Vigésimo sétimo soneto. Reflexão sobre a tristeza que acomete o ser
humano sem uma razão aparente. Segundo o eu lírico, esse sentimento seria
proveniente de experiências infelizes em vidas anteriores, que teriam
deixado marcas no espírito. Crença em reencarnações sucessivas: “Servo
de gleba, escravo de charruas/ Foste, ou soldado errante na sangueira,/Ou
mendigo de rojo pelas ruas,/ Ou mártir na tortura e na fogueira...”.

Pesadelo
Vigésimo oitavo soneto. O eu poético fala sobre uma vida nefanda que,
às vezes, vive-se em sonhos. Menciona paixões grosseiras que seriam
despertadas pelas trevas. Há referência negativa à dança do candomblé e a
personagens do folclore brasileiro: “(...) o candomblé se apresta:/ Batuque
de capetas, rodopios/ De curupiras e sacis em festa,/ Em sinistros risinhos
e assobios”.

A Iara
Vive dentro de mim, como num rio,
Uma linda mulher, esquiva e rara,
Num borbulhar de argênteos flocos, Iara
De cabeleira de ouro e corpo frio.

Entre as ninfeias a namoro e espio:


E ela, do espelho móbil da onda clara,
Com os verdes olhos úmidos me encara,
E oferece-me o seio alvo e macio.

Precipito-me, no ímpeto de esposo,


Na desesperação da glória suma,
Para a estreitar, louco de orgulho e gozo…

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OLAVO BILAC
Mas nos meus braços a ilusão se esfuma:
E a mãe-d'água, exalando um ai piedoso,
Desfaz-se em mortas pérolas de espuma.
(BILAC, 2020, p. 28)

Vigésimo nono soneto. Do tupi Y-îara, “senhora das águas”, ou Mãe-


d’água, é, segundo o folclore brasileiro indígena, uma linda sereia que vive
no rio Amazonas. No poema de Bilac, é representada, com tom de erotismo,
como a sereia presente no imaginário ocidental: “Uma linda mulher, esquiva
e rara,/ Num borbulhar de argênteos flocos, Iara/ De cabeleira de ouro e
corpo frio (...) Com os olhos verdes úmidos me encara/ E oferece-me o seio
alvo e macio”.

Ressurreição
Trigésimo soneto. O eu poético menciona uma dimensão mais elevada
que paira sobre ele. Trata-se da esfera do Ideal a que ele se esforça por
atingir, para transformar o que apreende ali em versos: “Subindo em largos
surtos, em torrentes, / Galgando o céu, para brilhar na altura/ E desfazer-se
em versos sobre a terra...”.

Benedicite
Trigésimo primeiro soneto. Benedicite é uma palavra latina que
significa abençoar, bendizer. O eu lírico bendiz a todas as descobertas que
trouxeram benefícios civilizatórios à terra, como o uso do fogo, o
atrelamento de bois a carroças, o manejo da enxada, a forja do ferro, a
criação do berço, do lar e do jazigo, a prática da caridade, a invenção do
barco à vela e do aeroplano. Bendiz, no entanto, acima de tudo, quem
descobriu a esperança: “Mas bendito, entre os mais, o que, no dó profundo,/
Descobriu a Esperança, a divina mentira,/ Dando ao homem o dom de
suportar o mundo!”.

Sperate, creperi!
Trigésimo segundo soneto. A expressão “Sperate, creperi” está
traduzida no poema em “Duvido e espero”. O eu lírico compara-se a Jó,
personagem bíblico que sofreu enormes adversidades, e a Creso, que viveu
no século V a.C, rei da Lídia que foi derrotado. O eu lírico, assim, expressa
sua angústia diante da vida e da morte: “Talvez haja na morte o eterno
olvido,/ Talvez seja ilusão na vida tudo...”.

Respostas na sombra
Trigésimo terceiro soneto. Questionamentos de um eu lírico que
acometido por sofrimentos deseja sair de sua dolorosa situação. Às suas

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TARDE
perguntas, como num diálogo interno, recebe as seguintes respostas
esclarecedoras: “– Ama”, “ – Perdoa”, “– Esquece”, “– Morre”.
A seguir, tem-se uma trilogia de poemas que tratam de figuras
grandiosas que se sacrificaram pela humanidade.

I – Prometeu
Trigésimo quarto soneto. Esse deus da mitologia grega é apresentado
acorrentado, conforme a punição imposta pelos deuses por ele ter roubado
o fogo dos deuses e tê-lo dado aos humanos: “Dei aos homens o ideal que
anima, e o pão que nutre...”.

II – Hércules
Trigésimo quinto soneto. O semideus é apresentado como um benfeitor
da humanidade, por destruir diversos monstros perigosos. Hércules dá um
ensinamento: “o amor vence o orgulho!”.

III – Jesus
Trigésimo sexto soneto. Jesus (morte entre os 30 e 33 d.C) é glorificado
como “Redentor e mártir voluntário”, cujo sofrimento na cruz continua a
espalhar “sobre o mundo/A utopia celeste (...)”; “(...) a misericórdia ilusória
da crença”.
Seguem-se poemas que tratam de grandes mestres, abordando o
momento final de sua trajetória.

Dante no paraíso
Trigésimo sétimo soneto. O autor da Divina Comédia (1265-1321),
tendo transposto o inferno e o purgatório, chega ao Paraíso, acompanhado
de sua adorada Beatriz. Não se sente bem, contudo, nesse lugar de bem-
aventuranças: “Por que no coração, cheio de amor humano/ Sentiu que toda
a Vida, até depois da morte,/ Só tem uma razão e um gozo só: sofrer!”.

Beethoven surdo
Trigésimo oitavo soneto. O extraordinário compositor alemão (1770-
1827), surdo, velho, pobre e desvairado amaldiçoa o universo no fim de sua
vida, após a terrível percepção de que, além das orquestrações que
ressoavam no seu mundo interior, ressoava o nada, o vácuo absoluto: “Era
o nada, a eversão do caos no cataclismo,/A síncope, a algidez, o vácuo, o
horror do abismo...”.

Milton cego
Trigésimo nono soneto. Um poema universal, em que se sucedem as
gerações humanas, imersas em glórias e ferocidades, desvenda-se a Milton

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OLAVO BILAC
(1608-1674), autor do poema épico Paraíso Perdido, marcado pela
cegueira: “Ardia/ O poema universal numa retina morta”.

Miguel Ângelo velho


Quadragésimo soneto. Há uma epígrafe que trata do amor tardio de
Michelangelo por Vittoria Colonna. O célebre artista renascentista (1475-
1564), no declínio da vida, lamenta a perda da mulher a quem amava
platonicamente e diz que gostaria de, por milagre, retornar à juventude, belo
e moço como a sua escultura de “Davi”. Várias obras da autoria de
Michelangelo são citadas ao longo do poema: “E esta alma, que arquiteta os
mundos na oficina: O ‘Dia’, força e graça, e a ‘Noite’, sombra e encanto,/
E o ‘Juízo Final’ da Capela Sixtina/ E ‘Judit’, flor do sangue, e ‘Pietá’, flor
de pranto (...)”.

No tronco de Goa
Quadragésimo primeiro soneto. O grande sofrimento de Camões (c.
1524-1580), em Goa, seu exílio na Índia, toda a indigência material por que
passou, sua enorme desventura não o impediu de contribuir com sua
genialidade para a grandeza da pátria portuguesa: “(...) Mas ao menos,/
Possui, na mesquinhez da terra crassa/ E na vergonha de homens tão
pequenos,/ O orgulho de ser grande na desgraça”.
Seguem quatro sonetos que tratam da história trágica de Édipo,
personagem de duas peças de Sófocles (496-406 a.C.), Édipo Rei e Édipo
em Colono.

Édipo

I – A Pítia
Quadragésimo segundo soneto. Há uma epígrafe com um trecho da
tragédia Édipo Rei. A pitonisa, sacerdotisa do deus Apolo, em Delfos
(Grécia Antiga) prevê o futuro trágico de Édipo: matar seu pai, Laio, e casar
com sua mãe, Jocasta: “Sobre a trípode a Pítia, em baba, ulula e escuma”.

II. A Esfinge
Quadragésimo terceiro soneto. Contém uma epígrafe da tragédia Édipo
Rei. A Esfinge, criatura monstruosa, metade animal, metade humana,
devorava todos os que não soubessem responder a um enigma, mas Édipo
desvenda-o e a criatura atira-se do alto de um penhasco: “Rola em vascas,
em sangue ardente a areia tinge/ (...) E o Herói recua, vendo, entre esperança
e medo/ Rancor e compaixão no verde olhar da Esfinge”.

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TARDE
III. Jocasta
Quadragésimo quarto soneto. Epígrafe da tragédia Édipo Rei. A mãe e
esposa de Édipo mata-se enforcada. Édipo, que cometeu parricídio e incesto,
vê cumprir o oráculo funesto. Como punição, fura os próprios olhos: “Os
dois olhos, às mãos, das órbitas arranca/ Em sangue borbotando, em
lágrimas fervendo,/ Para o pavor matar na esmagada retina...”.

IV. Antígona
Quadragésimo quinto soneto. A epigrafe agora é da tragédia Édipo em
Colona. Personagem de outra tragédia de Sófocles, Édipo em Colona,
Jocasta, filha e irmã de Édipo, ampara afetuosamente seu pai, que perdera
o trono de Tebas e, moribundo, morre: “É o fim (rola o trovão...) da
miseranda sorte:/ O cego vê, fitando o céu do olhar da filha,/ Na cegueira o
esplendor, e a redenção na morte”.
Segue um soneto que traz uma figura bíblica.

Madalena
Quadragésimo sexto soneto. Retoma de forma poética a passagem do
evangelho de São Marcos, que aparece como epígrafe, o qual relata que foi
Madalena quem primeiro viu Jesus ressuscitado. No poema, há referência
ao ambiente de intenso perfume que exalava da sepultura de Jesus. E do
momento em que Madalena é a primeira testemunha de sua ressurreição:
“E Madalena, muda, ao pé da sepultura/(...)/ Viu que uma forma, no ar,
divinamente bela/(...)/ Num sorriso, Jesus fulgia diante dela”.

Cleópatra
Quadragésimo sétimo soneto. É apresentado o maior tormento por que
passou a rainha do Egito (69-30 a.C.) ao perder o seu império. O que a levou
à morte não foi nenhum dos aspectos altamente trágicos de sua vida, mas
sim “o medo de ser feia”, ao entrar “desgrenhada, envelhecida,
escrava,/Rota, sem o arriar da sua formosura,/Sol sem fulgor.../Matou-a o
medo de ser feia”.

A velhice de Aspásia
Quadragésimo oitavo soneto. A beleza da pensadora grega (ca. 470 a.C.
– 400 a.C.) na velhice é realçada. Ela é comparada à Acrópole, por sua
elegância e serenidade: “Ela e a Acrópole, frente a frente, alvas, serenas/
Unidas no esplendor, gêmeas na majestade,/ Eram a forma e a ideia,
iluminando Atenas”.

A rainha de Sabá
Quadragésimo nono soneto. O soneto é uma transposição poética de
uma passagem do antigo testamento que narra que a rainha de Sabá ganha

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OLAVO BILAC
de presente tudo o que desejou do Rei Salomão e depois ela partiu para seu
reino: “(...) ‘Que queres?’/ “– O teu último beijo... o deserto... e a saudade...”.

A morte de Orfeu
Quinquagésimo soneto. Relato lírico da morte de Orfeu, análogo à
epígrafe, relata a morte de Orfeu, esquartejado por mulheres que foram
rejeitadas por ele, que as repeliu por amor de Eurídice, encarcerada no
Averno (região infernal – mitologia): “Pelo ódio das mulheres trucidado,/
Chorando o amor de uma mulher, morreu...”.

Gioconda
Quinquagésimo primeiro soneto. Descrição do sorriso da Gioconda,
portador de “eterno ardil”, de “malícia primeva”, similar ao riso da “astuta
e forte, a mãe das raças, Eva”.

Natal
Quinquagésimo segundo soneto. No nascimento de Jesus, presságios
auspiciosos eram pronunciados para o menino pelas árvores, pelo luar, pelo
pão, pela água, pela palha, pelos reis, pelos pastores e por uma estrela. No
entanto, Maria previa o sofrimento de Jesus: “Tinha os olhos na terra em
lágrimas desfeitos;/ Sendo pobre, tremia; e, sendo mãe, chorava”.

Aos meus amigos de São Paulo


Quinquagésimo terceiro soneto. Glorificação de São Paulo: “Só do
labor geral me glorifico:/ Por ser da minha terra é que sou nobre,/ Por ser
da minha gente é que sou rico”.

A um poeta
Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego


Do esforço: e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício


Do mestre. E natural, o efeito agrade
Sem lembrar os andaimes do edifício:

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TARDE
Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.
(BILAC, 2020, p. 44-45)

Quinquagésimo quarto soneto. Aconselhamento a um poeta sobre o


ofício da escrita. Retoma o lema da “arte pela arte”. Apresentação do
processo de criação poética como trabalho árduo, que, no entanto, não deve
ficar evidente no resultado final. O poema deve parecer espontâneo, ainda
que sua produção exija elaboração complexa: “Não se mostre na fábrica o
suplício/ Do mestre. E natural, o efeito agrade,/ Sem lembrar os andaimes
do edifício:/ Porque a Beleza, gêmea da Verdade,/Arte pura, inimiga do
artifício,/ É a força e a graça na simplicidade”. Nesse poema, retoma-se o
pressuposto clássico de que, em poesia, o domínio da técnica deve sobrepor-
se ao mito do saber espontâneo.

Vila Rica
O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;
Sangram, em laivos de ouro, as minas, que ambição
Na torturada entranha abriu da terra nobre:
E cada cicatriz brilha como um brasão.

O ângelus plange ao longe em doloroso dobre,


O último ouro do sol morre na cerração.
E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre,
O crepúsculo cai como uma extrema-unção.

Agora, para além do cerro, o céu parece


Feito de um ouro ancião que o tempo enegreceu...
A neblina, roçando o chão, cicia, em prece,

Como uma procissão espectral que se move...


Dobra o sino... Soluça um verso de Dirceu...
Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove.
(BILAC, 2020, p. 45)

Quinquagésimo quinto soneto. Contraste entre passado e o presente de


Vila Rica, atual Ouro Preto. Menção à ambição que deixou cicatrizes na
nobre terra. Referência à poesia de Dirceu (pseudônimo pastoril do poeta
árcade Tomás Antônio Gonzaga (1774-1810): “Dobra o sino... Soluça um
verso de Dirceu.../ Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove”.

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OLAVO BILAC
New York
Quinquagésimo sexto soneto. Nova Iorque é apresentada em sua
grandiosidade. No entanto, algo falta à moderna cidade se comparada a
antigas: “Falta-te o Tempo, – o vago, o religioso aroma/ Que se respira no ar
de Lutécia e de Roma,/ Sempre moço perfume ancião de idades mortas...”.

Último carnaval
Quinquagésimo sétimo soneto. Apresenta um folião morto em plena
orgia. Conforme o poema, se ele reviver, será um fantasma envolvido em
uma dança esquisita, ridícula: “dança macabra/ De esqueletos e lêmures aos
guizos...”.

Fogo-fátuo
Cabelos brancos! dai-me, enfim, a calma
A esta tortura de homem e de artista:
Desdém pelo que encerra a minha palma,
E ambição pelo mais que não exista;

Esta febre, que o espírito me encalma


E logo me enregela; esta conquista
De ideias, ao nascer, morrendo na alma,
De mundos, ao raiar, murchando à vista:

Esta melancolia sem remédio,


Saudade sem razão, louca esperança
Ardendo em choros e findando em tédio;

Esta ansiedade absurda, esta corrida


Para fugir o que o meu sonho alcança,
Para querer o que não há na vida!
(BILAC, 2020, p. 47)

Quinquagésimo oitavo soneto. O fenômeno natural relativo a uma chama


azul de breve duração é utilizado como imagem que sugere a maturidade do eu
lírico. Confissão de um ser um eternamente insatisfeito: “Esta melancolia sem
remédio,/ Saudade sem razão, louca esperança/Ardendo em choros e findando
em tédio”.

Inocência
Quinquagésimo nono soneto. O eu poético confessa que, embora tenha
mais de meio século de vida, ainda tem “tanta credulidade de criança!”.

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TARDE
Remorso
Sexagésimo soneto. No início da velhice, o eu lírico lamenta ter
desperdiçado o tempo da juventude, por timidez ou pudor: “Versos e amores
sufoquei calando”.

Milagre
Sexagésimo primeiro soneto. Um par amoroso se reencontra na velhice e
revivem a emoção do passado: “E fulgimos, volvemos à mocidade,/Aureolados
dos beijos que tivemos,/ No divino milagre da saudade”.

A cilada
Sexagésimo segundo soneto. Num encontro um casal, vive “uma
inocência de anjos entre as flores”, mas, na tarde morna, seus sentidos são
despertados e incendeiam: “E o corpo, o sangue, o espírito perdidos,/ E a febre,
e os beijos... e a cumplicidade/ Da sombra, do silêncio, do perfume...”.

Perfeição
Sexagésimo terceiro soneto. A perfeição é uma fortaleza em que o eu
poético deseja entrar, mas reconhece que esse lugar é inatingível: “Rondo-te,
e arquejo, e choro, ó cidadela!/ Como um bárbaro uivando às tuas portas”.

Messidoro
Sexagésimo quarto soneto. Elogio à antevelhice. Referência à mitologia
romana (Pomona, também conhecida como Deméter). Uma mulher perfeita
no momento de sua maturidade é aconselhada pelo eu lírico: “As derradeiras
messes aproveita,/ E goza! (...)”.

Samaritana
Sexagésimo quinto soneto. Referência à samaritana bíblica, mas a
samaritana aqui referida, em vez de matar a sede do eu lírico, fez com que ele
ficasse envolvido num tormento amoroso: “Com a água que me deste (que
contraste/ De ti para a mulher da Samaria!)/ A boca e o coração me
envenenaste”.

Um beijo
Sexagésimo sexto soneto. Um beijo recebido é referido como “Glória e
tormento”; “Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo”.

Criação
Sexagésimo sétimo soneto. Em cada beijo, o par amoroso repete a criação
do universo: “Deus transmite o seu hálito aos amantes: Cada beijo é a sansão
dos Sete Dias/ E a Gênese fulgura em cada abraço”.

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Maternidade
Sexagésimo oitavo soneto. Epígrafe bíblica sobre o sofrimento da mulher
no parto. O eu lírico retoma esse sofrimento como “a maldição bendita”;
“Ensanguentada pelo sacrifício,/ Para a maternidade e para a glória!”.

Os amores da aranha
Sexagésimo nono soneto. A aranha atrai seu amante e o assassina: “(...)
E o aguilhão assassino/ Da esposa satisfeita abate o noivo exausto, (...)”.

Os amores da abelha
Septuagésimo soneto. As núpcias da abelha, em que o noivo morre ao
final do acasalamento: “Rola, mártir feliz do delicioso crime”.

Semper impendet
Septuagésimo primeiro soneto. Constatação dolorosa de que o amor na
velhice é um sentimento tormentoso: “Se amas, se da velhice entras a porta
escura,/ Maldize o teu amor, que é um triste adeus à vida”.

O oitavo pecado
Septuagésimo segundo soneto. Há sete pecados capitais, no entanto, o
eu poético identifica a existência do oitavo pecado, que consiste em não ter
amado: “Mas não amaste! (...)/ Ali [no Inferno] penando, tu, que o amor
nunca sentiste/ Pagarás sem amor os dias dissipados!”.

Salutaris porta
Septuagésimo terceiro soneto. Elogio ao amor platônico: “Feliz o idílio
que não teve história! Salvando-nos do tédio, o nosso medo/ Foi uma porta
de ouro para a glória!”.

Assombração
Septuagésimo quarto soneto. “Sombras e ecos de amor” passado
assombram um coração, que sente saudades.

Palmeira imperial
Septuagésimo quinto soneto. Descrição de uma figura feminina
encantadora, mas indiferente ao eu poético: “Há no deslumbramento do teu
porte/ Tédio, orgulho, desdém (...)”.

Diamante negro
Septuagésimo sexto soneto. Diamante negro foi um dos apelidos de
Cruz e Sousa, grande poeta do Simbolismo brasileiro. Talvez esse poema
tenha sido escrito em sua homenagem: “Ias como quem vai para um

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TARDE
degredo,/ De invisíveis grilhões as mãos escravas,/A marcha dúbia, o olhar
turvado e quedo/ No roxo abismo das olheiras cavas...”.

Palavras
Septuagésimo sétimo soneto. O eu poético distingue a existência de
palavras benéficas, de amor e de fé, e palavras más, “as do ódio e do
despeito”. Aquelas são efêmeras, estas “Ficam no coração, numa inércia
assassina,/ Imóveis e imortais, como pedras geladas”.

Marcha fúnebre
Septuagésimo oitavo soneto. O eu poético diz “Pã morreu!”, retomando
o que está escrito na epígrafe em grego. Trata-se de uma retomada de um
episódio da cultura clássica para evidenciar a decadência do tempo atual:
“Torpe a ambição, perdido o amor, imane o alento,/ Nestas baixas paixões
de um século maldito!”. A época da decadência atual retoma a decadência
antiga: “O grande Pã morreu de novo! O Ideal é morto!”.

O tear
Septuagésimo nono soneto. O tear é uma metáfora para a passagem do
tempo. Esse transcorrer é caracterizado por seu caráter tedioso: “A máquina
dos Tempos, dia a dia,/ Na música monótona vozeia”. O tecelão que
manuseia o tear é indiferente a tudo: “Sem pressa, sem pesar, sem alegria,/
Sem alma, o Tecelão, que cabeceia,/ Carda, retorce, estira, asseda, fia,/ Doba
e entrelaça, na infindável teia”.

O cometa
Octogésimo soneto. Trata da passagem de um cometa, cujo brilho
ilumina vários entes da Terra, os quais, por sua vez, vivenciam suas
realidades amenas ou trágicas ao longo do tempo: “Um cometa passava...
Em luz, na penedia,/ Na erva, no inseto, em tudo uma alma rebrilhava;/
Entregava-se ao sol a terra, como escrava;/ Ferviam sangue e seiva. E o
cometa fugia...”.

Diálogo
Octogésimo primeiro soneto. O poema apresenta o diálogo entre um
jovem e um homem idoso. Há oposição entre dois pontos de vista: a do
jovem orgulhoso de sua vitalidade, desejoso de fruir das benesses da vida e
a do ancião que tem a sabedoria de que “Tudo na terra ilude”.

Avatara
Octogésimo segundo soneto. O eu lírico refere-se a uma vida anterior
em que fora “um cheik macilento/ E pobre...”, um “herói de vida obscura”,

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que, cavalgando solitário no deserto hostil, sentia-se livre, “satisfeito/ Da
força de ser só, da glória de ser triste!”.

Abstração
Octogésimo terceiro soneto. O eu poético evidencia o fato de que o ser
humano anseia pelo impossível e por isso nunca se realiza amorosamente:
“Há no espaço milhões de estrelas carinhosas,/Ao alcance do teu olhar...
Mas conjeturas/Aquelas que não vês (...)”; “Há na terra milhões de mulheres
formosas,/Ao alcance do teu desejo... Mas procuras/As que não vivem,
sonho e afeto que não gozas (...)”.

Cantinela
Octogésimo quarto soneto. O poema trata da visão esperançosa que se
tem durante a juventude, que, no entanto, chegado o final da existência, é
perdida: “Tempo, o delírio da mocidade não reproduzes!/ Dorme o passado:
quantas saudades, e quantas cruzes!/ Quando as estrelas morrem na aurora,
morre a esperança...”.

Sonho
Octogésimo quinto soneto. O eu poético afirma seu desejo de ter
nascido numa outra época, em que não houvesse a decadência moral de que
se ressente no momento da enunciação. Ele afirma seu desejo de viver em
épocas utópicas: “Nos áureos ciclos épicos da História” e, naquele contexto,
ter vivenciado ardentes “fantasias. Em rajadas de amor e de vitória”.

Ruth
Octogésimo sexto soneto. O poema faz referência à história exemplar
de Rute, personagem bíblica pertencente à linhagem do Messias. O eu
poético compara um acontecimento da história dessa valorosa mulher – o
seu trabalho árduo numa plantação de cevada, colhendo o que os ceifeiros
deixavam cair – com a felicidade do coração simples. Para o eu lírico, é
mais feliz quem se contenta com pouco, do que quem muito ambiciona:
“Feliz, modesto coração, te dizes,/ Quando vais, como Ruth, em muda
prece, Empós dos segadores mais felizes (...)”.

Abisag
Octogésimo sétimo soneto. Abisague é uma jovem Sunamita, muito
bela, mencionada na Bíblica como companheira do rei David na sua
velhice. No poema, essa união é relatada como “um delírio”: “Cedes a um
velho inválido e insensato,/ (Mais insensato do que tu!) sorrindo,/ a graça e
o viço do teu corpo lindo,/A tua formosura e o teu recato.../ Em breve, louca!

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O teu delírio findo,/ Compreenderás o horror deste contrato:/ Ter dado
aroma a quem não tem olfato,/ Pedir amparo ao que já está caindo (...)”.

Estuário
Octogésimo oitavo soneto. “Estuário”, nesse poema, está empregado
no sentido figurado, significando o ponto para o qual muitas coisas se
convergem. Nesse sentido, o eu poético tem solidariedade para com todos
os que padecem, considerando a si próprio como um polo de atração das
tristezas alheias: “Viverei! Nos meus dias descontentes,/ Não sofro só por
mim... Sofro a sangrar,/ Todo o infinito universal pesar,/ A tristeza das
cousas e dos entes”.

Consolação
Octogésimo nono soneto. O eu lírico reflete sobre o impacto consolador
que seus poemas possivelmente causaram em seu público: “Penso na
multidão dos sofredores,/ Que uma bênção tiveram do meu braço;/ Talvez
algum repouso ao seu cansaço,/ Talvez ao seu deserto algumas flores...”.

Penetralia
Nonagésimo soneto. O eu lírico revela que, embora tenha escrito muitos
poemas de amor para deleite do público, nunca revelou o verdadeiro amor
sentido em seu íntimo: “Quando amo, amo e deliro sem barulho;/ E, quando
sofro, calo-me, e definho/ Na ventura infeliz do meu orgulho”.

Prece
Nonagésimo primeiro soneto. O eu lírico lamenta a perda da amada,
considerada por ele como a mulher mais sublime de todas: “Perdi-te... E
eras a graça, alta entre as altas santas,/A sombra, a força, o aroma, a luz...
Tu fostes a só!”. A expressão “só” significa a singularidade dessa mulher
inigualável.

Oração à Cibele
Nonagésimo segundo soneto. O eu poético louva Cibele, deusa
originária da Frígia, designada, no poema, como mãe, dotada de um coração
composto “dos corações de todas as mulheres!”. A deidade oferece-lhe
“amor”, “gosto”, “glória”, mas também “dor”, “desgosto”, “vergonha”.
Representa para ele o mistério feminino, marcado pela ambiguidade: “Mal
e bem, desespero e ideal, veneno e pomo/ Pecados e perdões, beijos puros
e impuros!”. Cibele é vista no poema como divindade destruidora, que seduz
e encanta seu observador, ao mesmo tempo que o maltrata. Há uma
aproximação entre Cibele e outras deusas da mitologia: Ísis, da mitologia

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egípcia, e Pandora e Ceres, da mitologia clássica. Esse perfil feminino evoca
o arquétipo da mulher fatal.

Eutanásia
Nonagésimo terceiro soneto. O eu lírico afirma que seu amor pela vida
e pela poesia estará presente até seu momento final. A morte é vista como
um fechamento sublime: “Sugue o meu grito de última alegria,/ O meu beijo
supremo, – flor vermelha/ Embalsamando a minha boca fria!”.

Introibo!
Nonagésimo quarto soneto. Expressão de uma ânsia de infinito,
aspiração ao inatingível: “Ardo, aspiro, por ver, por saber, longe, acima,/
Fora de mim, além da dúvida e do espanto! (...)”.

Vulnerant omnes, ultima necat


Nonagésimo quinto soneto. A expressão latina do título, referindo-se
às horas, está traduzida no poema: “Todas ferem, passando: e a derradeira
mata”. O eu poético, no entanto, bendiz todo o tempo de sua vida: “Mas a
vida é um favor! (...)/ Todas as horas, para o martírio, são gratas!/ Todas,
para a esperança e para a fé, são boas!” e a hora final da existência é bendita
por ser libertadora: “(...) última, ó tu que matas e libertas!”.

Frutidoro
Nonagésimo sexto soneto. O eu lírico bendiz a maturidade e diz que
aguarda a morte que se aproxima sem medo: “Venha o inverno, depois do
outono benfeitor!/ (...) Não me amedrontas, Morte, o teu apelo escuto/ (...)/
Cairei, (...)/ Bendizendo a sazão em que amadureci!”.

Os sinos
Nonagésimo sétimo soneto. Presença de vocábulos do universo
musical, percepção do mistério, com a menção da palavra “metempsicoses”,
característica dos poetas de doutrina esotérica: “Plangei, sinos! A terra ao
nosso amor não basta.../ (...)/Ardemos numa louca aspiração mais casta,/
Para transmigrações, para metempsicoses!”.

Sinfonia
Meu coração, na incerta adolescência, outrora,
Delirava e sorria aos raios matutinos,
Num prelúdio incolor, como o alegro da aurora,
Em sistros e clarins, em pífanos e sinos.

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Meu coração, depois, pela estrada sonora
Colhia a cada passo os amores e os hinos,
E ia de beijo a beijo, em lasciva demora,
Num voluptuoso adágio em harpas e violinos.

Hoje, meu coração, num scherzo de ânsias, arde


Em flautas e oboés, na inquietação da tarde,
E entre esperanças foge e entre saudades erra...

E, heroico, estalará num final, nos clamores


Dos arcos, dos metais, das cordas, dos tambores,
Para glorificar tudo que amou na terra!
(BILAC, 2020, p. 70)

Nonagésimo oitavo soneto. O eu poético refere-se aos períodos da vida,


comparando-o a um momento musical. A maturidade é o período de
inquietação e saudades: “num scherzo de ânsias, arde/ Em flautas e oboés,
na inquietação da tarde,/ E entre esperanças foge e entre saudades erra”. A
morte que se aproxima, segundo o eu lírico, será uma música heroica, “Para
glorificar tudo que amou na terra!”.

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2. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bilac, Olavo. Tarde. Campinas, SP: Pontes Editores, 2020.

Bilac, Olavo. Últimas conferências e discursos. São Paulo. Livraria


Francisco Alves, 1924.

Teixeira, Ivan. Artifício, persuasão e sociedade em Olavo Bilac, Revista


USP, São Paulo, n. 54, p. 98-111, junho/agosto 2002, link:
<https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/35224>. Acesso em:
15 jan. 2020.

“Monte sua estante com obras de Olavo Bilac”, da Livraria da Folha,


Link: <http://folha.com/no1022128>. Acesso em 15 jan. 2021.

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3. EXERCÍCIOS

Música brasileira
Tens, às vezes, o fogo soberano
Do amor: encerras na cadência, aca
Em requebros e encantos de impureza,
Todo o feitiço do pecado humano.

Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza


Dos desertos, das matas e do oceano:
Bárbara poracé, banzo africano,
E soluços de trova portuguesa.

És samba e jongo, xiba e fado, cujos


Acordes são desejos e orfandades
De selvagens, cativos e marujos.

E em nostalgias e paixões consistes,


Lasciva dor, beijo de três saudades,
Flor amorosa de três raças tristes.

Olavo Bilac. Música brasileira In:


Poesias. Rio de Janeiro: Ediouro, 1978.

1. (UnB / CESPE) Considerando esse soneto de Olavo Bilac e a relação


entre poesia, música e sociedade, julgue os itens a seguir.

1. Na linguagem ufanista que o poeta adota nesse soneto para descrever


a música brasileira, transparece a versão amenizada da história da
formação nacional veiculada pela poesia parnasiana: a música
brasileira é a reunião pacífica, igualitária e harmoniosa das três raças
formadoras do povo brasileiro.
2. A estrutura do soneto baseia-se na reiterada referência a três blocos
temáticos representantes das etnias formadoras do povo brasileiro:
“Bárbara poracé”, “banzo africano” e “trova portuguesa”;
correspondem ao primeiro bloco as “matas”, a “xiba” e os

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“selvagens”; ao segundo, os “desertos”, o “samba” e os “cativos”; ao
terceiro, o “oceano”, o “fado” e os “marujos”.
3. Depreende-se da leitura da primeira estrofe do poema que, todas as
vezes em que a música brasileira está associada ao fogo soberano do
amor, ela encerra os encantos da impureza, que são quaisquer feitiços
do pecado humano.
4. No início da segunda estrofe, o emprego do conector “Mas”
estabelece sintaticamente relação de contraste entre “volúpia” e
“tristeza”.
5. Na última estrofe do poema, as três expressões que exercem a função
sintática de vocativo se harmonizam com o emprego da 2.ª pessoa ao
longo do soneto.

O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;


Sangram, em laivos de ouro, as minas, que a ambição
Na torturada entranha abriu da terra nobre;
E cada cicatriz brilha como um brasão.

O ângelo plange ao longe em doloroso dobre.


O último ouro do sol morre na cerração.
E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre,
O crepúsculo cai como uma extrema-unção.

2. (PUCCAMP) – Podemos reconhecer nas estrofes acima do poema “Vila


Rica”, de Olavo Bilac, as seguintes características do estilo de época que
marcou sua poesia:
a) Interesse pela descrição pormenorizada da paisagem, numa linguagem
que procura impressionar os sentidos.
b) Uso do vocabulário próprio para acentuar o mistério, a realidade oculta
das coisas, que deve ser sugerida por meio de símbolos.
c) Valorização do passado histórico, em busca da definição da
nacionalidade brasileira.
d) Utilização exagerada de hipérboles, perífrases e antíteses, no desejo de
não nomear diretamente as coisas, mas de fazer alusão a elas.
e) Busca de imagens naturais e vocabulário simples, predileção pelo verso
branco e negação de inversões sintáticas.

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Língua portuguesa
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,


Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o tom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma


De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"


E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
(Olavo Bilac, http://www.releituras.com)

3. (UPE – 2012) – Considerando o Texto “Língua Portuguesa”, bem como


os conteúdos a ele relacionados, assinale a alternativa CORRETA.
a) O poema de Olavo Bilac tem uma estrutura condizente com a chamada
“estética parnasiana”, que, embasada em textos em versos, adota os
mesmos princípios nos quais estão fundamentadas as poesias românticas
de Castro Alves.
b) A declaração de amor que Bilac faz à língua portuguesa na terceira
estrofe do poema em análise aponta que, embora o eu-lírico expresse
seu amor, ao mesmo tempo demonstra reconhecer e entender a
fragilidade da língua.
c) Há, como se percebe, na última estrofe do poema em análise, traços de
intertextualidade, o que, talvez - ou de maneira categórica - ponha Bilac
para fora do seleto grupo dos parnasianos brasileiros.
d) A expressão “Última flor do Lácio, inculta e bela” escrita por Bilac traz
à tona uma das características do parnasianismo: o uso de vocabulário
comum e prosaico, simples e ordinário.

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e) O poema de Bilac possui, de um ponto de vista formal, quatro estrofes,
dois quartetos e dois tercetos. Essa estrutura aponta características bem
delineadas da chamada estética parnasiana.

4. A que se refere a metáfora “Última flor do Lácio, inculta e bela”,


presente no poema “Língua Portuguesa”?

Dualismo
Não és bom, nem és mau: és triste e humano...
Vives ansiando, em maldições e preces,
Como se, a arder, no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.

Pobre, no bem como no mal, padeces;


E, rolando num vórtice vesano,
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.

Capaz de horrores e de ações sublimes,


Não ficas das virtudes satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:

E, no perpétuo ideal que te devora,


Residem juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora.

5. (Unesp – 2014) – No soneto, Bilac explicita sua concepção do homem.


Apresente o aspecto mais importante dessa concepção.

6. (Unesp – 2014) – Indique a pessoa gramatical dos verbos empregados


no soneto e identifique, no plano do conteúdo, a quem o eu lírico se dirige
por meio dessa pessoa gramatical.

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4. RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS

1. 1, 2, 4 e 5 Corretos. 3 Errado.

2. O descritivismo é uma característica do Parnasianismo, bem como o


uso de uma linguagem voltada à impressão sensorial.
Resposta: A

3. A forma fixa do soneto é apreciada pela estética parnasiana.


Resposta: E

4. Refere-se ao idioma Português como a última língua derivada do Latim


Vulgar falado no Lácio, uma região italiana.[O paradoxo “És a um
tempo esplendor e sepultura” também alude a essa transformação: a
nova língua surgindo de outra que está desaparecendo].

5. A essência da concepção de Bilac sobre a natureza humana é a


contradição constante. Em vários versos, aparece esse dualismo tenso
e inconciliável: “Oscilar entre maldições e preces/, capaz de horrores e
de ações sublimes / Residem juntamente no teu peito / Um demônio
que ruge e um deus que chora”. Desse conflito, decorreriam a ânsia e
a triste condição humana.

6. Os verbos do soneto estão na segunda pessoa do singular, dirigidos a


um destinatário impessoal (um dos usos possíveis de tu, como de seu
equivalente você). Portanto, o poema é dirigido ao homem em geral,
suas características seriam inerentes à espécie humana e sintetizadas
nos dois últimos versos: “Residem juntamente no teu peito / Um
demônio que ruge e um deus que chora...”

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