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1.

Fichamento parágrafo a parágrafo

HIRATA, Helena. Gênero, classe e raça: Interseccionalidade e consubstancialidade das


relações sociais.

Introdução: conhecimentos situados

1} Helena Hirata introduz o leitor à perspectiva do debate de relações entre trabalho e


gênero que irá adotar no artigo: o ponto de vista “situado”, isto é, teorizará a partir de um
feminist standpoint, enquanto situated knowledge. Irá partir da conceitualização que
integra em uma unidade sexo, raça e classe.

2} A perspectiva adotada pela autora de um “ponto de vista próprio à experiência da


conjunção das relações de poder de sexo, de raça, de classe” complexifica a noção de
conhecimento situado, posto que as posições de poder nas relações entre essas categorias
sociais podem ser dissimétricas. Dessa forma, ela anuncia que partirá da análise
conceitual dos termos da epistemologia feminista “conhecimento situado” e “perspectiva
parcial” relacionando-os aos conceitos “interseccionalidade” e “consubstancialidade”,
pois ambos compartilham do pressuposto segundo o qual definições vigentes de
neutralidade, objetividade, racionalidade e universalidade científicas incorporam à visão
daqueles que as produziram, ou seja, das classes dominantes de homens brancos
ocidentais.

O que é interseccionalidade?

3} Embora a vasta literatura sobre o termo interseccionalidade indicar a definição da


jurista afro-americana Kimberlé W. Crenshaw, de 1989, “para designar a
interdependência das relações de poder de raça, sexo e classe” como a origem desse
conceito, ele remonta, na verdade, aos anos finais da década de 1970. Era usado pelo
Black Feminism, – cuja crítica coletiva dirigiu-se para o feminismo branco,
heteronormativo e de classe média –, o conceito alcançou maior fama somente em meados
dos anos 2000.

4 }Em países anglo-saxônicos, a problemática da interseccionalidade foi desenvolvido a


partir do início da década de 1990 dentro do quadro interdisciplinar e da herança do Black
Feminism.

5} Os estudos de Crenshaw (1994) com a categoria da interseccionalidade focalizam nas


intersecções da raça e do gênero, e parcialmente nas de classe e sexualidade, e leva em
conta “as múltiplas fontes de identidade”. A jurista propôs a subdivisão em
interseccionalidade estrutural (intersecção da raça e do gênero vivenciada por mulheres
negras e as consequências e respostas dessas mulheres à violência conjugal) e
interseccionalidade política (divisão entre políticas feministas e antirracistas que
marginalizam a violência sofrida por mulheres negras). Hirata cita a definição de
interseccionalidade de Sirma Bilge (2009), que sintetiza as ideias de Crenshaw e foca no
caráter transdisciplinar e integrado para buscar entender, reconhecer, e postular como
interagem na produção e reprodução de desigualdades sociais as diferentes categorias e
hierarquizações sociais de gênero, classe, raça, etnicidade, idade, deficiência e orientação
sexual.
6} Adianta a diferença de enfoque no uso da consubstancialidade entre Crenshaw e
Danièle Kergoat, aquela na intersecção entre raça e sexo, esta entre classe e sexo, o que
implicará em diferenças significativas. Contudo, ambas concordam ao proporem a não
hierarquização entre as diferentes formas de opressão.

7} Acusa a deficiência nos estudos feministas franceses dos anos 1970 da


conceitualização de “racismo” e “raça” sem a perspectiva interseccional ou coextensiva
de raça, sexo e classe social.

8} Aponta para o interesse teórico-epistemológico de estudos que articulam gênero e


raça, por exemplo pesquisas brasileiras que explicam desigualdades salariais e o
desemprego, como as de Nadya Araujo Guimarães. Guimarães identificou como no Brasil
as mulheres negras têm salários significativamente inferiores em relação às mulheres
brancas e homens negros, e ainda mais em relação aos homens brancos; mulheres negras
e brancas têm longa trajetória em empregos de menor prestígio e de más condições
empregatícias, como o emprego doméstico, e possuem alta taxa de desemprego.

9}Aponta também, para o interesse jurídico de estudos interseccionais entre sexo e raça,
exemplificando com o caso analisado por Crenshaw da General Motors, que apesar de
contratar negros e mulheres, não contratava mulheres negras, e ainda assim, foi absolvido
de discriminação racial e de gênero em tribunal.

10} Há, por fim, o interesse político de estudos que articulam sexo e raça. Demonstrados
pelas teorias da interseccionalidade da consubstancialidade, que situam a prática no
prolongamento da teoria, beneficiam uma luta unitária.

Interseccionalidade ou consubstancialidade?

11} Em fins da década de 1970, na França, Danièle Kergoat empregou análise que
articulava relações de sexo e classe para “compreender de maneira não mecânica as
práticas sociais de homens e mulheres diante da divisão social do trabalho em sua tripla
dimensão: de classe, de gênero e de origem (Norte/Sul)” e ao criar um laboratório de
pesquisas, consagrou a temática de estudos no país. No Brasil, nos anos 1980, Elisabeth
Souza-Lobo desenvolveu estudos similares.

12} Kergoat criticou a categoria de interseccionalidade, em 2006: noção geométrica de


intersecção, que mascara à dinâmica, evolução e renegociação das relações sociais em
uma multiplicidade de categoria fixas.

13}A crítica acima foi aprofundada por Kergoat em 2012. A francesa indica três falhas
da interseccionalidade: 1) a multiplicidade de pontos de entrada (religião, região, etnia,
nação, raça, gênero, classe etc.) contribui para fragmentação das práticas sociais e
reprodução de violências; 2) todos esses pontos de entrada não remetem certamente a
relações sociais e não estão em um mesmo plano; e 3) raciocinar em termos de categorias
e não de relações sociais, sem historicizá-las e considerar as dimensões materiais de
dominação.

14 }Hirata indica como pontos essenciais da crítica de Kergoat ao conceito de


interseccionalidade como esse não parte das relações sociais fundamentais em sua
complexidade e dinâmica e como deixa a dimensão classe social em detrimento do par
gênero-raça.

15} Hirata nomeia a controvérsia central relativa aos conceitos interseccionalidade e


consubstancialidade de “interseccionalidade de geometria variável”, pois além das
relações sociais de gênero, classe e raça, há outras relações, como de sexualidade, idade,
religião etc., que se imbricam em formas variadas, não somente transversalmente.

A interseccionalidade ou a questão da imbricação das relações sociais nas teorias do care

16} Hirata indica que comentará nesta terceira parte sobre as atuais teorias do care, que
mobilizam gênero, classe, raça e nação como fatores explicativos da relação do care.
Partindo de sua pesquisa comparativa entre Brasil, França e Japão e da expressão
“indiferença dos privilegiados”, de Joan Tronto, a socióloga identificou que nesses países
o polo dos provedores do care é frequentemente representado por mulheres, pobres e
imigrantes, enquanto o dos beneficiários é constituído por aqueles que têm poder e meios
para contratar o trabalho do care.

17} Hirata recupera a norte-americana Joan Tronto e a francesa Patricia Paperman, que
mostraram que o care é provido nesses países pelas dimensões de gênero, classe, e raça,
destacando também a historicidade das relações sociais do care. Tronto também analisou
como as desigualdades estruturais de gênero e raça são evidenciadas nas relações do care.

18} O interesse de análise do care de Hirata está na percepção da desvalorização atual


deste tipo de trabalho, para o quê são indicadas duas explicações: a das teorias feministas,
que consideram a desvalorização do care como extensão na desvalorização do trabalho
doméstico em geral; e a teoria de Paperman (2013), que identifica um ciclo vicioso de
desvalorização do status social dos dependentes do trabalho do care e, em consequência,
dos seus cuidadores.

19} Em concordância com a afirmação de Kergoat, sobre a possibilidade do care ser


paradigma de consubstancialidade devido seu cruzamento das relações sociais de classe,
de raça e de sexo, as pesquisas realizadas por Hirata revelam a divisão social, sexual e
racial no trabalho de care no Brasil, França e Japão: a maioria das cuidadoras são
mulheres, imigrantes, pertencentes a extratos sociais mais modestos. No Japão, contudo,
não são imigrantes.

20} Sua pesquisa de campo identificou um contraste entre a diversidade e


heterogeneidade dos cuidadores e a desvalorização do trabalho do care nos três países. A
despeito das diferenças entre os cuidadores, essa igualdade em sua condição é explicada
e confirmada na pesquisa pela ideia de que a atividade de cuidado é desvalorizada por ser
tradicional e gratuitamente realizada pelas mulheres na esfera doméstica e familiar.

21} consubstancialidade das relações sociais e suas consequências no care, dessa forma,
ficam evidentes pela pesquisa da autora: o que une os cuidadores nesses países é a
precarização dos seus itinerários profissionais e como são os mais vulneráveis
socialmente.

22}Hirata dá exemplos de racismo sofrido por cuidadores franceses para reforçar a


percepção de que são categoria vulnerável.
Conclusão

23} Recuperando falas de Patricia Hill Collins e de Danièle Kergoat, Helena Hirata
reforça sua defesa da importância da interseccionalidade como perspectiva de análise,
pois é forma de combater as opressões múltiplas e imbricadas, um instrumento de luta
política.

24} O texto em perspectiva buscou apresentar as principais controvérsias e


possibilidades de análise em torno da interseccionalidade e consubstancialidade,
concordando com o crescimento no interesse em França e Brasil de retomar essas
categorias analíticas para avançar o conhecimento sobre e a luta contra as múltiplas
formas de opressão.

2. Construção do argumento

Objetivos:

Partindo da análise conceitual de interseccionalidade e consubstancialidade, isto é, a


interdependência das relações de raça, sexo e classe nas relações sociais, Helena Hirata
investiga os benefícios da perspectiva “situada” (situated knowledge) e aplicabilidade da
teoria da consubstancialidade em pesquisa de campo no Brasil, França e Japão sobre o
trabalho de care.

Tese:

Hirata evidencia a imbricação, a consubstancialidade das relações de gênero, de raça e de


classe no relacionamento do trabalho de care. Sua perspectiva de análise se mostra
também, como forma de luta política contra as opressões sofridas pelos cuidadores e a
crescente desvalorização social e salarial da profissão, além das vantagens
epistemológico-teórica e jurídicas.

Argumentação:

Helena Hirata inicia o texto introduzindo ao leitor a perspectiva de análise adotada: o


ponto de vista feminista, enquanto conhecimento “situado”. Em seguida, justifica a
escolha pela aplicação dos conceitos de interseccionalidade ou consubstancialidade à
perspectiva, posto que a complexificam, dado que as posições de poder nas relações entre
as categorias sociais de classe, de raça e de gênero podem ser dissimétricas. Anuncia que
fará, então, a diferenciação conceitual entre tais termos, que têm em comum o pressuposto
segundo o qual definições vigentes de neutralidade, objetividade, racionalidade e
universalidade científicas incorporam à visão daqueles que as produziram, ou seja, das
classes dominantes de homens brancos ocidentais.

Inicia a análise do conceito de interseccionalidade localizando sua origem nos


movimentos do Black Feminism dos anos de 1970, destacando a importância dos estudos
de Kimbèrle Crenshaw para teorização desse conceito, quem o categorizou em
interseccionalidade estrutural e interseccionalidade política. Conclui pela definição do
termo sintetizada por Sirma Bilge, quem foca no caráter transdisciplinar e integrado para
buscar entender, reconhecer, e postular como interagem na produção e reprodução de
desigualdades sociais as diferentes categorias e hierarquizações sociais de gênero, classe,
raça, etnicidade, idade, deficiência e orientação sexual.

Hirata anuncia brevemente as diferenças de aplicação do conceito


interseccionalidade/consubstancialidade nos estudos de Crenshaw – foco nas relações
entre sexo e raça – e de Danièle Kergoat – foco entre sexo e classe, ademais ambas
reforçam a importância da não hierarquização dos modos de opressão postos nessas
relações dissimétricas.

Explica, em seguida, três benefícios dos estudos que utilizam os conceitos de


interseccionalidade e consubstancialidade: o teórico-epistemológico, citando pesquisas
de Nadya Araujo Guimarães; o jurídico, exemplificando com a análise do processo à
General Motors feita por Crenshaw; e o político, que mostrará a seguir, discutindo seu
estudo do trabalho de care.

A socióloga discute, então, os trabalhos desenvolvidos por Kergoat sobre a divisão social
do trabalho na França, a partir de fins da década de 70, que intersecionava as categorias
de gênero, classe e origem. A francesa desenvolveu três críticas ao conceito de
interseccionalidade recuperadas por Hirata, sendo o ponto principal como esse não parte
das relações sociais fundamentais em sua complexidade e dinâmica e como deixa a
dimensão classe social em detrimento do par gênero-raça. Desta forma, ambas preferem
utilizar o conceito de consubstancialidade – controvérsia nomeada pela autora de
“interseccionalidade de geometria variável”.

Na terceira e última parte do artigo, Hirata comenta as atuais teorias sobre o trabalho de
care de Joan Tronto e Patricia Paperman, que analisaram as relações de gênero, classe,
raça e nação na perspectiva consubstanciada. Ela prova, segundo suas pesquisas de campo
sobre esse trabalho nos países França, Brasil e Japão, que a maioria dos profissionais
cuidadores são mulheres, pobres e migrantes.

A autora recupera duas explicações para a crescente desvalorização do trabalho de care


nos três países, as teorias feministas e a teoria de Paperman; concordando com a última e
acrescentando que a atividade de cuidado é desvalorizada por ser percebida como
tradicional e gratuitamente realizada pelas mulheres na esfera doméstica e familiar.

Hirata confirma, também, a ideia defendida por Kergoat do trabalho do care ser
paradigma de consubstancialidade e suas consequências, pois evidenciou em sua pesquisa
de campo a precarização dos itinerários profissionais dos cuidadores e como são eles os
mais vulneráveis socialmente. Conclui o texto retomando como essa perspectiva de
análise é fundamental como luta política contra essas opressões.

3. Discussão
No artigo Gênero, classe e raça: Interseccionalidade e consubstancialidade das relações
sociais, Helena Hirata defende os benefícios teórico-epistemológico, jurídico e, acima de
tudo, de luta política no emprego de uma perspectiva situada e da teoria da
consubstancialidade das relações de gênero, de raça e de classe à análises de relações de
opressão sofridas por grupos minoritários, neste caso, as(os) profissionais de care. Esta
posição nos parece próxima à defesa de Bell Hooks, no livro Ensinando a transgredir: a
educação como prática da liberdade, da pedagogia engajada: uma forma de educar como
prática de liberdade e prática libertária, se ensinando de forma que qualquer um possa
aprender, sem reforçar sistemas de dominações existentes, a compartimentalização entre
corpo, mente e espírito e a separação dualista entre as esferas pública e privada e que,
também, ligue nos indivíduos a vontade de saber à vontade de vir a ser. Seus estudos
partem da preocupação com a racismo e machismo estruturais sofridos por meninas e
mulheres negras nas instituições de ensino.

Assim como Hirata ao recuperar o pressuposto da consubstancialidade ( 2), Hooks vê nas


instituições e racionalidade científicas/acadêmicas ocidentais a perpetuação de
hierarquias e opressões de grupos minoritários, em especial mulheres negras. Assim, as
escolas e universidades precisariam aderir à pedagogia engajada, ou seja, ensinar de
forma igualitária para promover a autonomização de todos indivíduos e também que esses
mesmos indivíduos possam aprender a se verem como iguais e responsáveis socialmente.
Dessa maneira, buscarão à “auto-atualização”, a fim de quebrarem a perpetuação de
opressões às minorias. Ademais, notamos em ambas autoras latente preocupação de luta
política e correção social para mulheres, negras, de classes menos abastadas.

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