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2.2.

1 Elite intelectual (progressista) – formação nacional – progresso à brasileira

As personagens começam a representar ou a contradizer estereótipos da


nossa sociedade brasileira: a classe média representada pelo filho branco, cientista
político, advogado e pesquisador, mãe tradicionalmente da esquerda intelectual,
fundadora de uma Organização não-governamental (ONG) pelos direitos humanos de
presos políticos na época da ditadura militar (...) ambos simbolizam o declínio de um
status (ou o status como declínio?), vociferam preconceitos “sutis”, demonstram
incapacidades de reação frente à própria decadência e deixam no ar a dúvida a respeito
dos rumos que os “pensamentos revolucionários” são capazes de traçar, uma prestação
de contas em forma de pesadelo. São esses os responsáveis pela enunciação dos direitos
humanos no filme: seja pela ciência, seja pela experiência. Marília convicta de sua
missão na promoção de justiça por meio da reparação histórica, Leandro traçando um
caminho que questiona, inicialmente de maneira tímida, não só a hierarquia, mas
também as tradições políticas da mãe.

2.1.2 As decapitações como teoria social do “mais forte”


Ao assistir um noticiário na televisão Leandro passa a ter conhecimento que
Jairo Mendes, um polêmico artista marginal da época da ditadura militar estaria na lista
daqueles que foram decapitados durante a rebelião de um presídio. É importante frisar
que a decapitação de alguns presidiários é um processo em que grupos rivais utilizam
como forma de horror e barganha frente aos órgãos institucionais naquilo que exigem
enquanto demanda (como a remoção de alguns presos para outros presídios e etc.).
Acontece que Jairo Mendes é o pai de Leandro.
Assim, Leandro passa a investigar a figura de Jairo Mendes com maior
interesse e a ser atormentado (por vezes de forma onírica) pelas decapitações em
situações nas quais se depara com contradições e questionamentos a respeito de
conceitos como “direitos humanos”, “dignidade humana” e “justiça social”. É
perceptível que entre o grupo de (ex)militantes de esquerda da sua mãe, Marília, Jairo
Mendes quando não figura como louco, descompensado, passa por irresponsável. Isso
porque durante a ditadura militar, a tática política de Jairo estava associada à arte
provocativa, irreverente, dentro do que se coloca enquanto marginal e ao que se chama
de “desbunde”: performances críticas ao regime autoritário que não se colocavam nem à
direita, nem à esquerda dentro da concepção clássica de seus movimentos.
.
2.1.3 A crítica: “seja um socialista contemporâneo!”
Para tanto, existe a figura de um dos amigos de Leandro, o Rafael, uma
personagem negra, de classe média e niilista que invoca a crítica de maneira direta às
ações de uma esquerda clássica e classista, expondo processos de conciliação de classes
que esse segmento teve que realizar em nome da “democracia” ou até mesmo da
sustentação de um ideal insustentável de “direitos humanos” em um “Estado
Democrático de Direito”. 48

Em uma das cenas, por exemplo, Rafael, presenciando uma exposição de arte
conceitual sobre a tortura no período da ditadura militar promovida pela ONG de
Marília, questiona se a própria não se sente mal em estar proporcionando todo aquele
“parque temático”. Marília, visivelmente afetada pelo termo “parque temático”, usado
para designar a memória de um momento de tortura em um estado autoritário, responde
afirmando que isso é um “desrespeito” e que provavelmente Rafael só o faz porque
desconhece o que é realmente ser torturado. Rafael, em resposta, coloca que a tortura,
no Brasil, existe desde o momento em que se iniciou a colonização europeia, inclusive
com a vinda da população negra de forma forçada e violenta e que hoje está nas
periferias das cidades ou nos presídios e retruca: “(...) seria no mínimo injusto
considerar como Estado de Exceção somente o período de ditadura militar em que a
classe média foi torturada, ou você acha que toda essa população não mereceria estar
aqui, agora, também comendo canapés e tomando um bom whisky?”. É uma crítica que
envolve a questão de raça e classe, presente em praticamente todas as situações
contraditórias do filme.
Uma passagem que vale a pena ser transcrita na íntegra e que resume um pouco
da crítica lançada pelo filme diz respeito a uma fala de Jairo Mendes em resposta a uma
entrevista e encontrada por Leandro em videotape:
- Jairo, como você se imagina daqui a vinte anos?
- Eu não me vejo nem daqui a uma semana. Às vezes eu penso em uma
imagem que me assusta muito… Eu, você… Todo mundo, bundas moles, falando sobre
reforma da casa… (risos irônicos). Você sabe que a tendência não é acabar com as
classes mas conciliá-las. Aí vai todo mundo se devorar: pobre vai roubar pobre, rico vai
fazer discurso social, a esquerda vai usar métodos da direita… Hoje, a ideia de
transgressão já é questionada… Quero dizer, será que as pessoas entendem o que a
gente está passando? Que daqui há alguns anos vão achar tudo um barato fazer umas
camisetas… e tal… Tudo vira cópia, tudo… Todo o desejo de liberdade hoje pode se
repetir como farsa, toda revolta legítima vai ser domesticada com o apoio dos pais e dos
professores… Tudo pode virar grife… Pior que o silêncio forçado é a reprodução de
uma ideia em escala industrial, porque isso é transformado em sabonete, moeda de
troca, nada mais.
O que chama atenção para a presente pesquisa são os discursos levantados em
debates que relacionam questões entrelaçadas à construção histórica do Estado
brasileiro vinculadas à reivindicação de direitos. E que nesse aspecto dialoga com as
questões colocadas enquanto problemas contemporâneos: globalização, reprodução de
simulacros, os processos de dessubjetivação, a “nova classe capitalista transnacional”,
direita e esquerda se alternando no poder em uma mesma máquina governamental
insuficiente no seu modo de proporcionar princípios democráticos (...). Assim, coloca
em confronto discursos advindos de organizações associadas a movimentos de anistia
internacional, 49

comitês contra a tortura no Brasil e a realidade política contemporânea, situada


em polêmicas a respeito de movimentos clássicos de reivindicação de direitos e a
dessincronia de um país marcado historicamente pela profunda desigualdade social.
Logo, na crítica ofertada pelo filme é possível assimilar as contestações
fundamentadas em raça, classe e gênero já em um processo de atualização de conceitos
tais quais “dignidade humana” e “justiça social”.
2.1.4 A memória de Jairo Mendes e o desbunde como ação política:
vanguarda de uma esquerda institucional?
Jairo é malvisto se considerado movimentos de esquerda clássica, mas detém
obras dentre as quais um filme intitulado por “Jogo das Decapitações” em que faz uma
crítica ferrenha ao regime de ditadura militar, e, por isso, nesse período, também foi
preso como tantos outros militantes. Existe no filme, ainda que sutil, a distinção entre a
figura do militante e a figura do artista. Leandro, então, parte em busca desse filme
“perdido” de Jairo Mendes. É importante destacar que entre as cenas que vão
consolidando a narrativa principal, trechos do que seria esse filme de Jairo intitulado por
“Jogo das Decapitações” são intercaladas. Trata-se, portanto, de uma metalinguagem.
Entrecortando essa narrativa apresentada como linha estruturante, o que Sérgio
Bianchi faz é apresentar muitas situações do cotidiano brasileiro em que contradições
surgem de forma naturalizada mas que na narrativa fílmica passam a existir de maneira
áspera e ácida
2.1.5 O capitalismo
2.1.6 Os Direitos Humanos
2.1.7 Os dilemas de um campo progressista
O final é só mais um reflexo da perpetuação de violência: engrenagem
constitutiva da formação de nossa sociedade. Essa obra é uma possibilidade de extração
dos discursos para averiguação dos possíveis conflitos existentes entre discursos de
direitos humanos tradicionais e aqueles baseados em posicionamentos críticos a fim de
se (re)pensar alternativas atualizadas. 50

2.2 O projeto nacional progressista, o processo de reparação histórica e a classe


média intelectualizada brasileira no filme: entre mitos e estratificações

2.2.1 As personagens de Leandro e de Marília: relação central entre a classe média


intelectualizada brasileira e o projeto nacional progressista

Projeto nacional progressista como advindo do processo de modernização da


década de 50, projeto moderno de nação, desenvolvimento industrial (A. p. 18). Golpe
militar. Nação como identificação imaginária, Benedict Anderson, imaginação nacional,
instituições simbólicas (Acauam, p. 16). ‘a forma com que os segmentos médios da
sociedade assumiram a tarefa de traduzir uma utopia modernizante e reformista, que
desejava ‘atualizar’ o brasil como nação perante a cultura ocidental” Napolitano, 2007 .
(A. p. 19). “Uma maneira de aspectos modernos e universais relacionarem-se com o
campo popular sem se confundir com ele e, ao mesmo tempo, sem lhe ser
absolutamente akheio ou ‘alienado’.” (A. p. 19).
Imobilidade social brasileira
Elitização
Popular, erudito, nacional, importado, tradição e modernidade
Na segunda cena temos Leandro (Fernando Alves Pinto), o protagonista,
Política desenvolvimentista
Processo de modernização guarda contradições constitutivas “Da perspectiva
que viemos investigando, esse é um movimento básico no projeto de constituição de
formas modernas, na medida em que nelas os materiais se justificam pelo valor de
‘verdade’ que possuem em relação ao todo: (...)” (A, p. 32)
“Desejo de fundar nossa modernidade em uma matriz folclorista” construção
do sistema simbólico de representação e sua comunidade imaginária no período
desenvolvimentista. (A, p. 36)
Classe média, mediação cultural, tradição e mercado como relação
“promíscua”. Hibridismo, trânsito cultural como “marca” brasileira. “A questão,
portanto, não é apenas o hibridismo como condição de existência dos sujeitos de todas
as classes na periferia do capitalismo, mas a delimitação precisa dos lugares e as formas
possíveis desse trânsito se realizar, a depender da posição do espectro social. A
mobilidade constitui a todos os brasileiros, mas nem todos podem dar um ‘rolezinho’
pelos mesmos lugares” (A, p. 37)
Compromisso não populista com o material popular e sua virtualização,
participação popular (A, p.37)
Imagem de modernização social, compromisso com a fratura constitutiva desse
projeto, sua ligação com aspectos excludentes da sociedade brasileira (A, p.38)
MPB “incorporação do popular enquanto fantasmagoria”. Não é definida pela
participação ativa do “povo” (A, p. 38)
Risco do “popular” se converter em pura imagem/caso dos direitos humanos
Questão da universalidade dos direitos humanos: “O modelo formal da bossa
nova, ao construir uma imagem precisa de integração nacional via modernização, acaba
por repor certa fratura originária que revela não ser o conceito de ‘nação’ tão integrador
quanto se faz supor. Tentamos demonstrar que essa fissura discursiva não é mero
‘equívoco’ da bossa nova, fazendo parte daquele conjunto de acertos estéticos que se
traduzem em problemas em outros âmbitos, dado o caráter objetivo da forma artística”
(A, p. 39) (Roberto Schwarz 1999 ‘peogresso à brasileira com acumulação muito
considerável no plano da elite, e sem maior transformação das iniquidades coloniais -
rodapé) (A, p. 39). Incorporação do popular pelas elites intelectuais
“A dimensão crítica do processo que emerge a partir da formalização precisa e
complexa da contradição fundante do projeto modernização nacional, é ideologicamente
redimensionada em termos de distinção social, fazendo retornar o abismo social no
exato momento em que se forjou um modelo estético de superação.” (A, p. 40)
“(...) contradições essenciais na formação simbólica brasileira ao se abrir a
possibilidade de apropriação do popular sem a participação efetiva do ‘povo’, a
partir de uma incorporação do popular enquanto fantasmagoria.” (A, p. 41)
“universitários de classe média” “(...) o núcleo fantasmagórico inscrito no
significante, que era formal, mas só poderia desfazer-se por meios históricos (a presença
do ‘povo realmente existente’), permanecia enquanto princípio de estruturação estética,
garantindo a permanência de sua força e de sua fragilidade. O que importa perceber é
que essa virtualização primária do popular é consequência do sucesso em se criar um
compromisso em profundidade com a modernização da matéria brasileira, e não fruto de
uma incapacidade qualquer. O problema não está no plano das soluções formais, no
mais avançadíssimas, mas no próprio projeto de modernização desenvolvimentista
como um todo, que redimensiona o avanço em termos de fratura de classe.”
“(...) a utopia desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek, que
parecia beneficiar tanto a vida intelectual quanto o mercado interno e o estado
brasileiro, dotando de sentido coletivo e nacional as diversas realizações culturais do
período. A arquitetura de Oscar Niemeyer informava-se pela mesma concepção
‘construtivista’ da bossa nova, buscando ‘uma integração estética com o mundo da
indústria e da comunicação de massa’, impulso também presente nas artes plásticas e na
poesia. As vanguardas construtivistas assumiam a dimensão modernizante do mundo
contemporâneo, apostando no modelo da sociedade industrial que havia se tornado
hegemônico e parecia seguir um caminho inexorável rumo a um futuro próximo,
desenvolvido e melhor. O que lhe conferia um aspecto não conformista era seu
pressuposto básico de que tal modeço não se encontrava concluído, e necessitava da
participação ativa de artistas, militantes, intelectuais progressistas, etc. No caso
brasileiro ‘tratava-se de superar o subdesenvolvimento através de uma postura positiva
em relação à indústria e à mídia que permitisse aos artistas intervir nestas esferas em
prol de uma transformação na sociedade’. (A. p. 29) ”
“O impacto ‘universal’ contido no sucesso da bossa nova no exterior
(assimilação da ‘cultura contemporânea’), assim como seu pode de irradiação por toda a
tradição da música popular brasileira (incorporação do ‘conjunto da vida nacional’) são
fortes indícios de que, com João Gilberto, o ciclo nacional-popular da canção brasileira
conclui sua formação. Por outro lado, não se pode perder de vista a especificidade da
canção popular enquanto gênero urbano de massa, que não partilha dos pressupostos das
‘altas culturas’, como a literatura. Nesse caso, o caminho em direção à autonomia
sempre guarda algo de ruptura, de desvio de rumo, o que, aliás é característico dos
movimentos de modernização da periferia.” (A, p. 31)
“(...) progressivo esgotamento do potencial crítico e emancipatório da
arquitetura moderna (Otília Arantes, urbanismo em fim de linha, 1998). Para a autora
esse resultado de um desvio de rumo dos ideais progressistas – como sustenta Habermas
– e sim consequência de sua ‘lógica histórica imanente’. Desde o início, a utopia
reformadora da Arquitetura Moderna foi pensada como uma aliada para resolver as
grandes contradições do sistema capitalista, que seria reorganizado progressivamente
por meio de uma reordenação do espaço. Não há ‘como expurgar, no projeto moderno,
seu nexo orgânico e deliberado com a sociedade capitalista em um dado momento de
sua evolução’ pois a aposta utópica da superação dos conflitos capitalistas está, desde o
início, comprometida com valores fundamentais desse sistema que, ao se realizar
historicamente, minam seu potencial transformador. A pretendida universalidade
emancipatória e igualitária dessa arquitetuta – estritamente vinculada a uma lógica de
racionalização que ao assumir um caráter universal acaba por realizar-se enquanto
formalismo instrumental profundamente ideológico – obedece antes ao consumo de
massa do que as ‘necessidades reais dos indivíduos que se destinam’” (A. p; 42)
“(...) modelo de integração não populista da matéria popular em uma forma
moderna (...) bloqueio do protagonismo popular (...)” – silenciamento dos trabalhadores
no filme. Impropriedade das ideiais – no limite em que é construído contra o popular, e
o outro em direção a esse - no entanto, enquanto formas da modernização nacional,
ambas pressupõe certo recalque do popular em suas realizações – incorporam
formalmente o núcleo contraditório do processo de modernização conservadora –
questão do campo “progressista” no brasil. (A, p. 44)
Napolitano 1999, modernização + processos sociais internos que acirravam os
ânimos políticos na época, conteúdos políticos progressistas. Popularizar-se, mercado,
processo de conscientização popular, movimento estudantil, uma das maiores
expressões da esquerda nacionalista, BN junto ao movimento estudantil (A, p. 45)
Comprometimento dos artistas e intelectuais com processos de luta social.
Contato mais direto da esquerda com as massas (A, p. 50)
Napolitano 2011

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