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Em uma das cenas, por exemplo, Rafael, presenciando uma exposição de arte
conceitual sobre a tortura no período da ditadura militar promovida pela ONG de
Marília, questiona se a própria não se sente mal em estar proporcionando todo aquele
“parque temático”. Marília, visivelmente afetada pelo termo “parque temático”, usado
para designar a memória de um momento de tortura em um estado autoritário, responde
afirmando que isso é um “desrespeito” e que provavelmente Rafael só o faz porque
desconhece o que é realmente ser torturado. Rafael, em resposta, coloca que a tortura,
no Brasil, existe desde o momento em que se iniciou a colonização europeia, inclusive
com a vinda da população negra de forma forçada e violenta e que hoje está nas
periferias das cidades ou nos presídios e retruca: “(...) seria no mínimo injusto
considerar como Estado de Exceção somente o período de ditadura militar em que a
classe média foi torturada, ou você acha que toda essa população não mereceria estar
aqui, agora, também comendo canapés e tomando um bom whisky?”. É uma crítica que
envolve a questão de raça e classe, presente em praticamente todas as situações
contraditórias do filme.
Uma passagem que vale a pena ser transcrita na íntegra e que resume um pouco
da crítica lançada pelo filme diz respeito a uma fala de Jairo Mendes em resposta a uma
entrevista e encontrada por Leandro em videotape:
- Jairo, como você se imagina daqui a vinte anos?
- Eu não me vejo nem daqui a uma semana. Às vezes eu penso em uma
imagem que me assusta muito… Eu, você… Todo mundo, bundas moles, falando sobre
reforma da casa… (risos irônicos). Você sabe que a tendência não é acabar com as
classes mas conciliá-las. Aí vai todo mundo se devorar: pobre vai roubar pobre, rico vai
fazer discurso social, a esquerda vai usar métodos da direita… Hoje, a ideia de
transgressão já é questionada… Quero dizer, será que as pessoas entendem o que a
gente está passando? Que daqui há alguns anos vão achar tudo um barato fazer umas
camisetas… e tal… Tudo vira cópia, tudo… Todo o desejo de liberdade hoje pode se
repetir como farsa, toda revolta legítima vai ser domesticada com o apoio dos pais e dos
professores… Tudo pode virar grife… Pior que o silêncio forçado é a reprodução de
uma ideia em escala industrial, porque isso é transformado em sabonete, moeda de
troca, nada mais.
O que chama atenção para a presente pesquisa são os discursos levantados em
debates que relacionam questões entrelaçadas à construção histórica do Estado
brasileiro vinculadas à reivindicação de direitos. E que nesse aspecto dialoga com as
questões colocadas enquanto problemas contemporâneos: globalização, reprodução de
simulacros, os processos de dessubjetivação, a “nova classe capitalista transnacional”,
direita e esquerda se alternando no poder em uma mesma máquina governamental
insuficiente no seu modo de proporcionar princípios democráticos (...). Assim, coloca
em confronto discursos advindos de organizações associadas a movimentos de anistia
internacional, 49