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Tradutor: Victor José


Instagram: @eu_victorjose

Livro original: Risen Indeed: A Historical Investigation Into the Resurrection of Jesus
3

CONTEÚDO

Introdução, 6

PARTE 1

APROXIMANDO A QUESTÃO DA RESSURREIÇÃO


DE JESUS

Capítulo I
O estado atual da questão, 34

Capítulo II
A possibilidade de milagres hoje, 50

Capítulo III
História e Milagres, 66

Capítulo IV
Razão e Fé, 74

PARTE 2

POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA A QUESTÃO DA


RESSURREIÇÃO DE JESUS

Capítulo V
Possibilidade Número Um: Que a Ressurreição Não Ocorreu, 88

Capítulo VI
Possibilidade número um: outras visualizações semelhantes, 110

Capítulo VII
Possibilidade número dois: que a ressurreição ocorreu, mas não pode ser de-
monstrada, 148
4

Capítulo VIII
Possibilidade número dois: outras visualizações semelhantes, 165

Capítulo IX
Possibilidade número três: que a ressurreição ocorreu e pode ser demonstrada,
183

Capítulo X
Possibilidade número três: outras visualizações semelhantes, 206

PARTE 3

UMA AVALIAÇÃO DAS SOLUÇÕES PARA A QUESTÃO DA


RESSURREIÇÃO DE JESUS

Capítulo XI
Uma avaliação da possibilidade número um, 223

Capítulo XII
Uma avaliação da possibilidade número dois, 233

Capítulo XIII
Uma avaliação da possibilidade número três, 238

Capítulo XIV
Uma Demonstração Final, 242
5
6

Introdução

Minha dissertação de doutorado sobre a ressurreição de Jesus foi concluída


enquanto eu era estudante na Michigan State University. Foi publicado logo
depois, em 1976, pela University Microfilms.1 Começo aqui com alguns co-
mentários autobiográficos que servem de base para a minha dissertação. Desde
então, um número notável de volumes, ensaios, artigos e resenhas apareceu
abordando os muitos aspectos do tópico crucialmente importante da ressurrei-
ção de Jesus. A maior parte desta introdução consiste em comentários extensos
sobre o estado recente da pesquisa sobre ressurreição, principalmente desde
1976.

MINHAS DÚVIDAS RELIGIOSAS

Tendo publicado e feito palestras sobre minha história talvez centenas de ve-
zes, escreverei um breve relato aqui. Embora eu tenha sido criado em um lar
cristão e frequentado uma igreja batista alemã na área de Detroit, minha jovem
fé sofreu um verdadeiro abalo quando a pessoa mais próxima da minha vida,
minha bisavó, morreu quando eu era criança. Mergulhei em medos e dúvidas
que não sabia que existiam no mundo. O que acontece com nossos entes que-
ridos quando eles morrem? E nós? Anos mais tarde, iniciei o caminho de uma
dúvida religiosa bastante obstinada, que não diminuiu durante dez anos conse-
cutivos de questionamentos ardentes, seguidos por outros dez anos de incerte-
za intermitente, durando até mesmo após a conclusão de minha dissertação.
Amigos vieram ao meu lado durante os primeiros anos para compartilhar o
que eles achavam que eram maneiras infalíveis de saber que o cristianismo era
verdadeiro. No entanto, depois de ouvi-los e estudar cada uma dessas opções
sugeridas, concluí que, embora algumas dessas trilhas de evidências valham a
pena de uma forma ou de outra, algumas mais do que outras, ainda assim ne-
nhum desses caminhos poderia suportar o peso prometido da fé cristã.
Durante esse tempo, visitei outros locais religiosos e locais de culto na mi-
nha área e em todo o país. Inúmeras horas foram gastas em bibliotecas públi-
cas e universitárias, adquirindo e estudando fontes que favoreciam os pontos
de vista opostos. Ao longo desse processo, debati todos os tipos de idéias e
pessoas religiosas, cristãs e não cristãs, em uma busca constante por qualquer

1
Desde então, a University Microfilms mudou seu nome para ProQuest.
7

sistema religioso em particular que pudesse ser reconhecido como amplamente


verdadeiro.
Por exemplo, lembro-me especificamente de ter entrado certo dia no escri-
tório de um professor cristão e desafiado seus argumentos a favor da inspira-
ção das Escrituras. Depois de discutir longamente cada uma de suas idéias,
provavelmente de forma um pouco estridente demais, saí, absolutamente con-
vencido de que havia levado a melhor na discussão. Um colega cético que me
acompanhou ao escritório prontamente concordou que não houve contestação.
Na verdade, fiquei bastante incomodado com o fato de um teólogo excepcio-
nalmente bem treinado não ter uma base melhor para suas crenças na verdade
do cristianismo do que a que ele havia apresentado. Depois de ouvir que eu
havia rejeitado a inspiração das Escrituras, outro aluno me confrontou no cor-
redor e me disse com veemência que eu estava possuído por sete demônios, vi-
rou-se abruptamente e foi embora.
Naquela época, minha vida consistia em grande parte em esportes e inces-
sante estudo pessoal relacionado às minhas dúvidas. Um dia, enquanto lia,
ocorreu-me que se Jesus tivesse ressuscitado dos mortos - especialmente com
base no que até mesmo estudiosos críticos reconheceram como fatos credenci-
ados - e se uma lista simplificada dos ensinamentos centrais de Jesus pudesse
ser estabelecida de maneira semelhante, então esta combinação poderia fun-
damentar a verdade dos ensinamentos centrais do cristianismo. Mas eu não ti-
nha ideia se a ressurreição poderia resistir ao teste de possíveis ataques céticos.
Essas questões marcaram os estágios iniciais das questões que mais tarde in-
vestiguei em detalhes em minha dissertação.
Neste ponto, o leitor pode ser perdoado por concluir que esta visão de mi-
nha parte sobre o potencial para tal estudo da ressurreição provavelmente for-
neceu a luz que eu precisava no fim do túnel - e que depois que eu trabalhei
nos detalhes sobre a evidência para a ressurreição de Jesus, tudo ficaria bem no
mundo mais uma vez! Mas isso estaria longe de ser o caso. Na verdade, o me-
ro reconhecimento de tal caminho possível para o caso da ressurreição não le-
vou à resolução final de minhas dúvidas sobre a ressurreição até muitos anos
depois. Eles não foram totalmente resolvidos até muito depois dos meus 1.600
cartões iniciais sobre o assunto e, mais tarde, a própria dissertação!
Depois de muito do meu estudo inicial, antes de fazer meu doutorado, con-
cluí que uma das teorias naturalistas teimosamente se recusava a ser descarta-
da. Embora a ressurreição pudesse ser aceita pela fé, não poderia ser conhecida
como verdadeira historicamente. Isso interrompeu minha pesquisa de ressur-
reição por enquanto. Durante esse interlúdio, considerei se não haveria vida
após a morte. Muitos anos depois, um filósofo cristão profissional comentou
comigo, com certa desaprovação, que ele poderia dizer que David Hume me
8

impressionara muito durante meus estudos. Poderia ter acrescentado os nomes


de David Strauss e principalmente de Rudolf Bultmann, meus constantes par-
ceiros de leitura e diálogo.
Ainda assim, meus dois piores episódios de dúvida ainda estavam à minha
frente e, na verdade, ocorreram muito depois de meu doutorado ter sido con-
cluído. É do segundo deles que tenho falado com frequência: pensei que estava
perto de me afastar totalmente do cristianismo e abraçar uma versão científica
do budismo.
Ao longo dos anos desde aquela época, havia algo que eu desejava mais do
que qualquer outra coisa. Muitas vezes esperei que alguém viesse ao meu lado
e explicasse que nem todas as dúvidas são iguais. Definitivamente, existem di-
ferentes espécies de incerteza, e estudos indicam que a variedade mais comum
não é a dúvida factual, mas a dúvida emocional. O último também é o tipo
mais doloroso.2 Para ter certeza, a grande maioria das minhas dúvidas naquela
época era factual, mas elementos emocionais começaram a se infiltrar na ima-
gem. No entanto, havia poucas publicações sobre esses tópicos a que eu pu-
desse recorrer, então senti como se simplesmente tivesse que continuar traba-
lhando por conta própria.
Avanço rápido para anos depois, depois que meu primeiro livro sobre o as-
sunto da dúvida foi publicado, quando minha esposa ficou doente. O diagnós-
tico mudou de gripe para o tão temido veredicto de câncer de estômago. Pou-
cos meses depois, em agosto de 1995, minha esposa — a mãe de nossos quatro
filhos e minha melhor amiga no mundo — faleceu. Naquela época, eu disse
aos meus amigos mais próximos que o pior sofrimento possível que eu poderia
imaginar havia realmente vindo sobre mim. Tendo lutado anos antes pelo lon-
go tempo de dúvida, temi que, acima de tudo, sua doença e morte despertas-
sem essas questões. Essa é uma história em si.3 Felizmente, as dúvidas nunca
mais voltaram após a morte de minha esposa. Era como se a morte das duas
pessoas mais próximas de mim - minha bisavó e minha esposa - naquelas en-
cruzilhadas de minha vida inicial e posterior servissem como suporte para mi-
nhas dúvidas.

2
Anos depois, comecei a dar palestras e publicar sobre esses tipos de dúvida: Habermas, Dealing
with Doubt (Chicago: Moody, 1990); O Fator Thomas: Usando suas dúvidas para se aproximar de
Deus (Nashville: Broadman & Holman, 1999); e por que Deus está me ignorando? O que fazer
quando parece que ele está lhe dando um tratamento silencioso (Carol Stream, IL: Tyndale, 2010).
Os dois primeiros desses volumes estão disponíveis gratuitamente em meu site,
www.garyhabermas.com, na guia livros.
3
Gary R. Habermas, Forever Loved: A Personal Account of Grief and Resurrection (Joplin, MO:
College Press, 1997).
9

A METODOLOGIA DOS FATOS MÍNIMOS NA PESQUISA DA


RESSURREIÇÃO

Principalmente devido às minhas dúvidas anteriores sobre o assunto da ressur-


reição de Jesus e minha busca por um fundamento para a crença religiosa,
aprendi a depender menos de respostas baseadas principalmente em respostas
apologéticas conservadoras, uma vez que muitas vezes eram inaceitáveis para
pesquisadores mais críticos. Por exemplo, os conservadores e alguns modera-
dos tendiam a confiar muito mais no testemunho ocular das fontes e dos auto-
res dos Evangelhos, enquanto os pesquisadores mais céticos geralmente não
concederiam tais conclusões. O último preferiu o que foi considerado as epís-
tolas altamente atestadas de Paulo.4
É claro que percebi que não se seguia que essas objeções céticas fossem
verdadeiras simplesmente porque eram frequentemente expressas de maneira
negativa e desafiadora. Essas posições críticas também deveriam ser estabele-
cidas por argumentos sólidos e também poderiam ser equivocadas. Mas ainda
fiquei do lado das respostas céticas, na medida em que, acima de tudo, estava
interessado em descobrir se alguma resposta positiva poderia abordar até
mesmo essas dúvidas céticas.
Portanto, no início de minhas dúvidas, determinei que, tanto quanto possí-
vel, seria melhor basear as respostas mais cruciais nos dados críticos mais for-
tes. Embora menos argumentos totais tenham sido abordados dessa maneira,
os resultados foram fundamentados por razões mais fortes. Essa abordagem al-
cançou uma base mais sólida para meu conhecimento pessoal e um impacto
maior nas discussões com outras pessoas. Além disso, todos os lados reconhe-
ceram esse núcleo, material crítico. Era assim que os estudiosos críticos argu-
mentavam e, embora os conservadores postulassem uma quantidade maior de
dados, os ex-pesquisadores também reconheciam e aceitavam o que se chega-
va por métodos mais rigorosos.
Ao argumentar a favor da ressurreição, então, o caso construído mais forte
dependeria muito mais da pequena lista de epístolas paulinas indiscutíveis do
que dos Evangelhos. E durante os tempos em que os Evangelhos eram empre-
gados, era melhor fazê-lo utilizando as informações mais cuidadosamente es-
tabelecidas desses volumes

4
A grande maioria dos estudiosos mais críticos concorda em identificar as epístolas autênticas de
Paulo como estas sete: Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1 Tessalonicenses e Filemom.
Bart Ehrman refere-se a esses sete textos como “indiscutíveis” (Ehrman, The New Testament: A
Historical Introduction to the Early Christian Writings, 2ª ed. [Oxford: Oxford University Press,
2000], 262, 290).
10

Durante uma de minhas sessões de pesquisa mais avançadas, enquanto es-


tudava a hipótese naturalística particular de que a ressurreição de Jesus poderia
ser explicada por histórias pré-cristãs de morte e ressurreição ou por outras
versões de acréscimos lendários, compilei uma lista das refutações mais segu-
ras. Cada uma dessas respostas foi baseada nos dados mínimos aceitos por pra-
ticamente todos os pesquisadores, devido à força das razões a seu favor. A na-
tureza contundente e estabelecível desses dados foi precisamente o motivo pe-
lo qual a maioria dos estudiosos concordou com as refutações. Portanto, o caso
foi pelo menos potencialmente estabelecido por meio dos argumentos mais só-
lidos. No entanto, estritamente devido à força dos argumentos, estudiosos de
todo o espectro também concordam mais ou menos com as razões listadas para
rejeitar essa hipótese alternativa, como a estrita ausência de tais relatos pré-
cristãos, os credos pré-paulinos do Novo Testamento, sendo a linguagem rele-
vante a de pessoas que realmente viram as aparições, o túmulo vazio, vidas
transformadas e assim por diante. E em um comentário lateral nas notas para
esta sessão de pesquisa, observei que mesmo ao abordar os comentaristas mais
céticos de todos, uma lista truncada desses fatos poderia ser construída para re-
futar a visão alternativa!5
Mais uma vez, pode-se pensar que essa percepção pode ter me catapultado
para a fase final de minhas dúvidas. Mas mais uma vez não foi o caso. Minhas
dúvidas permaneceram por anos, continuando mesmo após esse tempo. No en-
tanto, este foi o começo da utilização dos padrões metodológicos que se torna-
riam minha abordagem de “fatos mínimos”.
Depois que minha esposa morreu e minhas dúvidas diminuíram significati-
vamente, publiquei mais sobre a ressurreição de Jesus, passando a empregar
quase exclusivamente os dados básicos subjacentes. Comecei a me referir a es-
se movimento como utilizando o “núcleo” histórico ou os “fatos mínimos”.
Quanto mais crucial o assunto em discussão, mais eu preferia essa abordagem
sucinta e técnica. Essa metodologia foi desenvolvida em minha dissertação de
doutorado, onde foi aplicada especificamente aos estudos da ressurreição de
Jesus.
Certamente, os argumentos dos Evangelhos também foram usados na dis-
sertação, mas isso foi feito de forma mais seletiva – especialmente quando ha-
via mais motivos para ser cuidadoso. Mas nunca um argumento foi baseado na
suposição de que tal e tal deve ser verdadeiro apenas porque é encontrado no
Novo Testamento (“Porque a Bíblia assim o diz!”), como se isso por si só fos-
se uma base suficiente para verificar a suposição, pois isso seria um raciocínio
circular e, portanto, insuficiente. Mas a abordagem da dissertação também ti-
5
Esta lista de refutações mínimas permanece em meus arquivos até hoje e é datada de apenas alguns
anos antes da conclusão de minha dissertação.
11

nha camadas: os dados recolhidos dos Evangelhos poderiam ser mais usados
para atrair estudiosos mais moderados ou conservadores. Mas, repetindo, os
fatos mais poderosos em um argumento eram frequentemente aqueles extraí-
dos do corpus paulino e de outras fontes muito selecionadas.6 O argumento da
ressurreição dos fatos mínimos havia nascido.

A TERCEIRA BUSCA DO JESUS HISTÓRICO

Mais ou menos na mesma época em que minha dissertação de doutorado esta-


va sendo concluída, uma nova tendência na teologia contemporânea estava
nascendo. Apelidado por N. T. Wright como a “Terceira Busca pelo Jesus His-
tórico”,7 esse movimento tem dominado muito do pensamento recente do No-
vo Testamento desde então. A famosa “Primeira Busca pelo Jesus Histórico”
liberal alemão do século XIX e início do século XX durou mais de um século,
conforme resumido de forma admirável por Albert Schweitzer.8 Depois veio
um hiato que é frequentemente referido como o reinado “No Quest” de Karl
Barth e Rudolf Bultmann, entre outros, quando o papel da pesquisa histórica
foi minimizado mesmo entre estudiosos que geralmente tinham pontos de vista
bastante diferentes. Este tempo foi seguido, por sua vez, pela “Segunda Busca
pelo Jesus Histórico”, um movimento muito mais limitado e de vida relativa-
mente curta que nasceu de vários dos próprios alunos de Bultmann.9
Ao contrário das explorações anteriores, o impulso geral dos participantes
da Terceira Missão foi ancorado firme e centralmente na interpretação de Jesus
e seus ensinamentos contra o meio judaico da época imediatamente anterior e

6
Alguns itens precisam ser cuidadosamente anotados aqui. Estes últimos comentários, assim como
muitos nesta introdução, não são para negar que qualquer número de considerações dos Evangelhos
ou de outros lugares pode se tornar mais forte do que os argumentos mais estreitamente estabeleci-
dos. Imagino que muitos estudiosos críticos concordariam com esse comentário. Mas, novamente,
praticamente todos os lados reconhecem a pesquisa mais restrita e derivada da crítica. Além disso,
muito do que estou descrevendo ao longo desta introdução reflete onde eu estava naquele momento
específico em meus pensamentos e em minha pesquisa, junto com minhas dúvidas. Portanto, isso
não quer dizer que eu reiteraria todas essas opiniões agora, como já afirmado em outra parte desta
introdução. Essas são distinções cruciais a serem feitas.
7
N. T. Wright, “Rumo a uma terceira ‘busca’? Jesus Antes e Agora”, ARC 10, nº. 1 (1982): 20–27.
Wright faz uma referência posterior a este artigo em “Jesus, Israel and the Cross,” em SBL 1985
Seminar Papers, editado por K. H. Richards (Chico, CA: Scholars Press), 75–95. Wright também
discutiu anteriormente uma série de detalhes pertinentes sobre a Terceira Busca; ver Stephen Neill e
Tom Wright, A Interpretação do Novo Testamento: 1861–1986, 2ª ed. (Oxford: Oxford University
Press, 1988), 288n1, 379–403.
8
Albert Schweitzer, The Quest of the Historical Jesus: A Critical Study of Its Progress from Reima-
rus to Wrede, trad. W. Montgomery (1906; repr., Nova York: Macmillan, 1968).
9
James M. Robinson, A New Quest of the Historical Jesus, Studies in Biblical Theology 25 (Lon-
dres: SCM, 1959).
12

atual com Jesus. Ainda havia diferentes interpretações de Jesus dentro dessa
estrutura, conforme apontado em detalhes por muitos pesquisadores, incluindo
Ben Witherington III.10 Como afirma Witherington sobre a Terceira Busca,
“Uma coisa é clara – um Jesus não-judeu é um non-sequitur. Jesus deve fazer
sentido dentro de seu contexto histórico... estudando a vida de Jesus em seu
cenário do primeiro século.”11
Essa confiança em um forte histórico e sabor judaico é aparente em todas as
categorias acadêmicas de Witherington, exceto aquela de Jesus realmente ser
um sábio cínico helenístico, uma tese defendida por vários membros do Jesus
Seminar. A maioria dos pesquisadores do Jesus histórico, liberais ou conser-
vadores, rejeitaria tal noção de imediato. Mas o Jesus Seminar é um grupo ra-
dical de estudiosos que difere drasticamente de outros terceiros em muitos de
seus métodos e conclusões. Da mesma forma, e entre os itens mais notáveis, o
Seminário lida mais com categorias não-judaicas para Jesus—distintas de pra-
ticamente todas as outras Terceiras Missões. Como resultado, muitos estudio-
sos, incluindo alguns da Terceira Missão, criticam o Seminário bastante seve-
ramente, tanto sobre esses assuntos mais gerais quanto porque sua abordagem
geral coloca suas idéias fora do domínio da Terceira Missão. Wright não está
sozinho ao pensar que o Seminário de Jesus é melhor caracterizado como uma
posição remanescente da Segunda Busca que se separou de Bultmann, e não
como parte da Terceira Busca.12 O ponto desta breve crítica do Seminário de
Jesus será mais óbvio abaixo.
Nenhum dos grupos anteriores identificados acima - os adeptos do Primei-
ro, Segundo e No Quest - concentrou-se principalmente no judaísmo de Jesus e
em suas idéias. Em vez disso, cada um desses movimentos refletiu amplamen-
te os meios filosóficos de sua época: o idealismo alemão mais o advento da
crítica bíblica mais sofisticada no caso do liberalismo alemão, seguido pelo ce-

10
Muitos desses exemplos são resumidos por Ben Witherington, com estudiosos de apoio listados
em cada categoria, concluindo que Jesus foi melhor exemplificado como um filósofo cínico, um
homem do Espírito, um profeta escatológico, um profeta de mudança social, a sabedoria de Deus, ou
como uma figura messiânica judaica. Ver Ben Witherington III, The Jesus Quest: The Third Search
for the Jew of Nazareth (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1995), com uma lista resumida, pa-
lavras finais e crítica no capítulo 9.
11
Witherington III, The Jesus Quest, 41.
12
Para várias críticas ao Jesus Seminar, especialmente as de Wright, veja Jesus and the Victory of
God, vol. 2 de Christian Origins and the Question of God (Minneapolis: Fortress, 1996), 29–45, 78–
82; também Neill e Wright, The Interpretation of the New Testament, 288, 379, 397–398; Ehrman,
O Novo Testamento, 236; Luke Timothy Johnson, The Real Jesus: The Misguided Quest for the
Historical Jesus and the Truth of the Traditional Gospels (Nova York: HarperSanFrancisco, 1996),
veja o capítulo 1, especialmente as páginas 1, 5, 8, 25, 95–101; James D. G. Dunn, “Remembering
Jesus: How the Quest of Jesus Lost its Way”, em The Historical Jesus: Five Views, eds. James K.
Beilby e Paul R. Eddy (Downers Grove, IL: IVP Academic, 2009), 221–23.
13

ticismo histórico e pela teoria existencialista pelo menos nas formas anteriores
de ambos os No Quest e períodos da Segunda Missão. O movimento da Ter-
ceira Busca é talvez mais conhecido hoje pelos estudiosos de classe mundial
envolvidos e sua produção literária inigualável, especialmente quando visto do
ângulo de seus principais conjuntos de tomos e outros estudos maciços dedica-
dos ao judaísmo de Jesus e áreas relacionadas.13 A enorme quantidade de in-
formações sendo comunicadas nos últimos anos pode levar uma vida inteira de
estudos para digerir! Essa ênfase em um ponto de partida judaico específico
levou muitos pesquisadores a estudar os escritores do Novo Testamento e suas
obras, a igreja primitiva e o que foi ensinado por seus líderes, e se há alguma
confirmação factual de seus ensinos e reivindicações primários.
Pela própria natureza do estudo do ambiente judaico contemporâneo de Je-
sus em relação à sua vida e ensinamentos, a pesquisa produzida pela Terceira
Busca nos últimos quarenta e cinco anos ou mais tendeu a ser geralmente mais
moderada ou mesmo conservadora em muitas de suas respostas. e resultados,
especialmente em comparação com seus predecessores nos movimentos ante-
riores.14 Como será apontado abaixo, mesmo os estudiosos mais críticos da
Terceira Busca são mais brandos do que os membros mais críticos dos movi-
mentos mais antigos!
Uma comparação e contraste sobre um assunto crucial pode ser útil para
demarcar essas diferenças entre os estudiosos anteriores e os mais recentes.
Rudolf Bultmann reconheceu livremente a presença de dezenas de ensinos de
credos muito antigos, tanto na forma de frases-chave quanto de declarações
mais longas, extraídas de uma variedade de autores e escritos do Novo Testa-
mento.15 Essas declarações originalmente orais claramente antecederam os es-
critos do Novo Testamento nos quais foram incorporadas, como até mesmo
13
Alguns exemplos desses grandes conjuntos de pesquisa incluem o estudo de cinco volumes de
John P. Meier, A Marginal Jew: Rethinking the Historical Jesus (New Haven, CT: Yale University
Press, 1991–2016), os três grandes textos de James D. G. Dunn, Christianity in the Making (Eerd-
mans, 2003–2015), bem como a investigação em quatro volumes de N. T. Wright, Christian Origins
and the Question of God (Fortress, 1992–2013).
14
Isso depende em parte de qual campo o Seminário de Jesus pertencia. Mas mesmo se agrupada
com os estudiosos da Third Quest, a conclusão básica acima sobre a trajetória pelo menos um pouco
mais conservadora ainda seria verdadeira, mesmo que em menor grau, tanto por causa das fortes crí-
ticas ao Seminário feitas pelos outros estudiosos da Third Quest, bem como o fato de que alguns
membros do Jesus Seminar se pronunciaram separadamente sobre essas áreas de pesquisa, como ve-
remos a seguir.
15
Mesmo como uma lista parcial do grande número dessas tradições primitivas, Bultmann cita as
duas dúzias de passagens a seguir, entre muitas outras que também são encontradas em suas obras:
João 12:32; Atos 1:22; 2:33; 3:15; 5:30; 9:14; 10:40–41; 13:34; 22:16; Romanos 1:3–4; 3:24; 4:25;
10:9; 1 Coríntios 11:23–26; 12:3; 15:3s.; 16:22b; Fp 2:6–11; 2 Tm 2:8; 2:22; 4:18; Tg 2:7; Ap 5:9–
10, 12; 22:20 (Rudolf Bultmann, Theology of the New Testament, vol. 1, trad. Kendrick Grobel
[New York: Charles Scribner's Sons, 1951, 1955], 46–47, 82–83, 125–26, 293–94, 312).
14

Bultmann admitiu sem questionar. Ele se referiu a muitas dessas antigas tradi-
ções como fórmulas e tradições litúrgicas pré-paulinas, identificando-as com
adjetivos como “velho”, “muito antigo”, “cristalizado” e “altamente esquemá-
tico” – com pelo menos alguns deles indo de volta geograficamente a Jerusa-
lém, e com sua própria origem sendo a “igreja primitiva”.16
No entanto, embora Bultmann reconhecesse a presença desses dados, sua
lealdade teórica em grande parte favoreceu os remanescentes da religião da
Primeira Busca - geschichtliche Schule - com sua dependência de influências
não-judaicas e helenísticas no cristianismo - além de ostentar uma rejeição an-
terior de eventos sobrenaturais.17 Portanto, apesar de argumentar que essas tra-
dições de credo realmente emanaram da igreja judaica mais antiga, Bultmann
decidiu que elas eram amplamente derivadas do pensamento helenístico - em-
prestadas de noções do mito gnóstico do redentor!18
Como esses mitos estrangeiros e outras ideias se infiltraram na igreja primi-
tiva, dominando as memórias apostólicas dos ensinamentos de Jesus e, acima
de tudo, fazendo isso desde o início da história do Novo Testamento? Isso pa-
rece ser especialmente difícil de aceitar quando as visões judaicas estariam em
uma proximidade geográfica muito maior e tiradas de um contexto religioso
mais forte. Além disso, este último é particularmente o caso nas defesas deta-
lhadas dessas tradições de credo que já haviam aparecido de grandes pesquisa-
dores durante a carreira de Bultmann e que se opunham fortemente às suas
ideias sobre o assunto.19
Os estudiosos da Terceira Busca concordaram prontamente com Bultmann
e pesquisadores semelhantes que a natureza dos dados indicava que esses nu-
merosos textos de credos estavam realmente presentes nos escritos de vários
autores do Novo Testamento e se originaram na igreja primitiva. No entanto,
eles discordaram das ideias de Bultmann e outros estudiosos em campos rela-

16
Bultmann, Teologia do Novo Testamento, vol. 1, 46–52, 80–83, 294–96.
17
O último ponto da rejeição de Bultmann de quaisquer eventos sobrenaturais ou milagrosos reais é
encontrado em suas muitas obras, incluindo Theology of the New Testament, vol. 1, 45, 83, 295;
“Novo Testamento e Mitologia,” em Kerygma and Myth: A Theological Debate, ed. Hans Werner
Bartsch, Rev. trans. Reginald H. Fuller (Nova York: Harper & Row, 1961), 4–5, 34–35, 38–43; Je-
sus Christ and Mythology (Nova York: Charles Scribner's Sons, 1958), 61–62, 71–72, 80, 84.
18
Bultmann, Teologia do Novo Testamento, vol. 1, 51–52, 295, 298–99, 302, 345–46; também,
Bultmann, Jesus Christ and Mythology, especialmente 16–17.
19
Esses volumes incluíam Oscar Cullmann, The Earliest Christian Confessions, ed. Gary R. Haber-
mas e Benjamin Charles Shaw (Londres: Lutterworth, 1949; repr., Eugene, OR: Wipf and Stock,
2018), especialmente 13, 16, 49–50, 53, 56–58; C. H. Dodd, The Apostolic Preaching and its Deve-
lopments (Londres: Hodder and Stoughton, 1936; repr., Grand Rapids, MI: Baker, 1980), 11, 15–34;
Vernon H. Neufeld, As primeiras confissões cristãs, ed. Bruce M. Metzger, New Testament Tools
and Studies (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1963), especialmente 8–12, 140–146; Max Wilcox, The
Semitisms in Acts (Oxford: Oxford University Press, 1965), particularmente 79-80, 163-67, 171-79.
15

cionados de que essas tradições eram de natureza helenística. Uma vez que pe-
lo menos alguns desses credos eram rastreáveis até Jerusalém nos primeiros
tempos depois de Jesus, muitos dos estudiosos da Terceira Busca concluíram
que a rota de origem mais clara e direta implicaria que, em vez de terem sido
importados de fontes helenísticas, tais informações antigas em Jerusalém teria
emanado e se preocupado principalmente com raízes judaicas mais gerais mais
os ensinamentos de Jesus. Essa percepção equivalia à descoberta de uma ver-
dadeira mina de ouro histórica, indicando claramente que esses textos forneci-
am dados úteis sobre os eventos e ensinamentos que formavam a base das
crenças cristãs.
Além disso, esses pesquisadores da Terceira Busca rejeitaram quase uni-
formemente as várias vertentes do maior movimento religioso-geschichtliche
Schule e semelhantes conclusões helenísticas ou pagãs que remontavam aos
estudos alemães do final do século XIX. Após a morte de Bultmann em 1976,
essas interpretações mais antigas despencaram vertiginosamente, especialmen-
te após a percepção de que havia realmente uma incrível escassez de material
para apoiar o argumento de que nunca houve um mito redentor gnóstico pré-
cristão em primeiro lugar.20 James D. G. Dunn resume o assunto assim: “O
problema com tudo isso é que o mito redentor gnóstico completo aqui inferido
não é claramente atestado antes do segundo século EC.” Então Dunn acrescen-
ta que “as primeiras figuras redentoras como tais não aparecem até o segundo
século - provavelmente a contribuição do cristianismo ao gnosticismo sincréti-
co!”21
Então, como sugere Dunn, o Cristianismo poderia não apenas ser anterior a
essas histórias de redentores gnósticos, mas também ter encorajado sua ascen-
são? Por causa da falha em envolver esses dados cruciais - entre muitas outras
questões - o pêndulo da pesquisa oscilou para longe das visões helenísticas das
antigas religiões, geschichtliche Schule, Bultmann e outras.22

20
Alguns pesquisadores até afirmaram que os críticos que estavam perdendo sua influência não ha-
viam estudado a literatura contrária em primeiro lugar ou simplesmente não estavam dispostos a en-
volvê-la. Ver Edwin M. Yamauchi, Pre-Christian Gnosticism: A Survey of the Proposed Evidences
(Grand Rapids, MI: Baker, 1983; repr., Eugene, OR: Wipf and Stock, 2003), 163–249 em particular;
E. P. Sanders, Jesus and Judaism (Philadelphia: Fortress, 1985), 29; Larry W. Hurtado, Como diabos
Jesus se tornou um Deus? (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2005), particularmente 18.
21
James D. G. Dunn, Começando de Jerusalém, vol. 2 (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2009), 41.
22
Como expresso tão bem por Carl H. Holladay, Theios Aner em Hellenistic Judaism: A Critique of
the Use of the Category in New Testament Christology, Society of Biblical Literature Dissertation
Series 40, ed. Howard C. Kee e Douglas A. Knight (Missoula, MT: Scholars Press for The Society
of Biblical Literature, 1977), especialmente 1–14, 44, 235–242; Larry W. Hurtado, “Cristologia do
Novo Testamento: Uma Crítica da Influência de Bousset”, Estudos Teológicos 40 (1979): 306–17;
Hurtado, Como diabos Jesus se tornou um Deus?, 16–20, 24, 37, 47–48; Dunn, Começando de Jeru-
salém, 36–42, 372–373; Neill e Wright, A Interpretação do Novo Testamento, 365, 369–373, 377;
16

A ausência de raízes helenísticas claras influenciando a mensagem do


evangelho cristão - combinada com a percepção de que as primeiras tradições
do credo que se originaram em Jerusalém e seus arredores eram obviamente de
natureza judaica e eram realmente muito antigas - resultou em um crescente
acordo de que essas fontes forneceram muito material crucial sobre o qual in-
terpretar o próprio centro da teologia cristã primitiva. De certo modo, então, os
fatores que acabamos de mencionar - a morte de Bultmann, o fim gradual da
Segunda Busca e a reviravolta das evidências contra suas ideias, mais o surgi-
mento da Terceira Busca com sua ênfase nas origens judaicas - forneceram um
ímpeto para a nova direção de pesquisa. Esse foco nas fundações judaicas, jun-
tamente com os ensinamentos de Jesus, reuniu essas ideias, a maioria das quais
apontava para as tendências mais moderadas ou conservadoras mencionadas
acima. Aqui está uma indicação clara de que os pontos de partida metodológi-
cos podem produzir resultados absolutamente cruciais!
Avance rapidamente para onde a Terceira Busca está atualmente, algumas
décadas depois, em relação aos estudos da mensagem do evangelho cristão. A
pesquisa sobre Jesus dentro de seu ambiente judaico continuou basicamente na
mesma direção mencionada acima, com um consenso acadêmico diversificado
concluindo que a mensagem mais antiga emergiu de Jerusalém logo após a
crucificação de Jesus. De fato, vários pesquisadores, como Richard Bauckham,
comentaram que esta é a posição de consenso no momento.23 Mas estamos in-
do muito rápido agora: precisamos dar um passo atrás e observar como a pes-
quisa chegou a esse ponto desde o início da Terceira Busca do Jesus Histórico.

ESTUDOS DA RESSURREIÇÃO DE 1975 ATÉ O PRESENTE

Como o estudo crítico da ressurreição de Jesus progrediu após a conclusão da


minha dissertação? Durante os trinta anos seguintes e no século XXI, os estu-

WD Davies, Paul and Rabbinic Judaism: Some Rabbinic Elements in Pauline Theology, 4ª ed. (Fi-
ladélfia: Fortress, 1980); Sanders, Jesus and Judaism, 26–31; David Wenham, Paul: Seguidor de Je-
sus ou Fundador do Cristianismo? (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1995), 2–13, 17–18. Bart Ehrman
apresenta uma crítica detalhada de algumas das crenças mais fantasiosas sobre antigas incursões pa-
gãs em Did Jesus Exist? O argumento histórico para Jesus de Nazaré (Nova York: Harper Collins,
2012), 207–30.
23
Richard Bauckham, Jesus and the Eyewitnesses: The Gospels as Eyewitness Testimony (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, 2006), 264–71; James Ware, “The Resurrection of Jesus in the Pre-Pauline
Formula of 1 Cor 15.3–5”, New Testament Studies 60 (outubro de 2014): 475–98, especialmente
475, 489. Na verdade, Reginald H. Fuller chegou a uma conclusão semelhante em 1979 sobre a “no-
tável unanimidade” dos estudiosos críticos ainda naquela época. Reginald H. Fuller, “As Narrativas
da Ressurreição em Estudos Recentes”, em História Crítica e Fé Bíblica: Perspectivas do Novo Tes-
tamento, ed. Thomas J. Ryan (Villanova: Villanova University Press, 1979), 91–107, particularmen-
te 93–94.
17

dos relacionados à Terceira Missão continuaram a se desenvolver. Em um vo-


lume de 1994 sobre o estado dos estudos paralelos em cristologia durante a úl-
tima parte do século XX, Raymond Brown observou que depois que a influên-
cia da pesquisa “radical” do Novo Testamento de Bultmann diminuiu, houve
uma mudança de posição para uma cristologia mais moderadamente conserva-
dora, que se tornou a posição mais popular nesse campo.24 Isso foi fortemente
consistente com uma grande parte das inclinações da Terceira Missão também.
Começando mais ou menos na mesma época da publicação do trabalho de
Brown e estendendo-se por vários anos, iniciei um esforço pessoal que come-
çou simplesmente como uma tentativa modesta de atualizar minha própria
pesquisa de dissertação para me manter informado sobre os estudos da ressur-
reição. Mas o projeto rapidamente se transformou em uma grande exploração
própria. Para uso pessoal, detalhei as posições representadas em uma docu-
mentação contínua que se expandiu para cobrir milhares de fontes de ressur-
reição recentes que foram publicadas em alemão, francês e inglês. O documen-
to cresceu para várias centenas de páginas. Alguns anos depois, com a ajuda de
meu assistente de pesquisa de doutorado, que conseguiu registrar os dados
muito mais rapidamente do que eu, o estudo se expandiu para cerca de 1.500
páginas! Ele não continha reações aos pontos de vista acadêmicos, mas sim-
plesmente registrava e especificava as várias abordagens contemporâneas para
cerca de 140 questões separadas, mas relacionadas, a respeito das fontes de
dados iniciais sobre a morte, sepultamento e aparições da ressurreição de Je-
sus, junto com vários golpes de estudiosos sobre seus colegas sobre esses as-
suntos.
Em uma tentativa de fazer um paralelo com o tratamento das visões cristo-
lógicas de Brown, defini duas abordagens para a questão crucial sobre as pos-
síveis aparições da ressurreição de Jesus. A abordagem modera-
da/conservadora era uma série de posições que defendiam que, depois de sua
morte por crucificação, Jesus apareceu em algum sentido real - seja em um
corpo real de algum tipo ou de uma maneira mais glorificada que ainda pudes-
se ser vista e experimentada por seus seguidores. O ponto principal na classifi-
cação moderado/conservador foi que essa mudança aconteceu com o próprio
Jesus: ele estava realmente vivo. Por outro lado, a gama de pontos de vista
mais liberais ou céticos, qualquer que seja a espécie, sustentava que nada re-
almente ocorreu ao próprio Jesus após sua morte. Fisicamente falando, Jesus
permaneceu morto. Em vez disso, ocorreram mudanças internas e subjetivas
reais em seus seguidores. A questão-chave aqui é se os eventos em questão re-
almente aconteceram com um Jesus vivo, que foi visto de alguma forma, ou se
24
Raymond E. Brown, An Introduction to New Testament Christology (New York: Paulist, 1994),
4–15, 102.
18

as ocorrências aconteceram internamente apenas aos discípulos, levando-os a


um novo entendimento além de quaisquer aparências reais. Essa distinção
formou a demarcação da bacia hidrográfica.
Eu verifiquei meu repositório de fontes de ressurreição e - depois de fazer
uma pesquisa representativa de trabalhos acadêmicos sobre as aparições de Je-
sus publicados aproximadamente durante o mesmo período do estudo cristoló-
gico de Brown e estendido cerca de dez anos depois - publiquei os primeiros
resultados em 2005. De acordo com minhas classificações acima, a indicação
era que a posição geral da maioria era uma aproximação geral do que Brown
havia descrito como uma posição moderada/conservadora.25
Por meio de diferenciação acadêmica, as fontes alemãs tendiam mais para
ênfases teológicas, críticas e discussões de solução de problemas, exibindo
uma variedade maior de abordagens moderadas/conservadoras e céticas. Os
escritos franceses tendiam a ser menos numerosos no geral, eram frequente-
mente de natureza mais exegética e inclinavam-se ligeiramente para o lado
moderado/conservador. As publicações britânicas pareciam envolver uma mis-
tura maior de pontos de vista em todo o conselho; alguns eram bastante con-
servadores, enquanto outros eram bastante céticos. As obras norte-americanas
foram as mais numerosas e abrangeram a mais ampla gama de posições e ma-
tizes, estendendo-se desde opiniões céticas, desdenhosas e negativas até posi-
ções moderadas e conservadoras.26
Sem qualquer tentativa prévia de organizar os resultados dos dados de
qualquer maneira particular, uma estimativa aproximada de 1975 a 2005 (a da-
ta do artigo) mostra que as fontes européias combinadas (alemã, francesa e bri-
tânica) e as fontes norte-americanas, ambas chegaram a uma proporção de
aproximadamente 3:1 de publicações moderadas/conservadoras para libe-
rais/céticas. Desnecessário mencionar que tais contagens indicam, na melhor
das hipóteses, a configuração acadêmica da terra; eles não demonstram nada
sobre o que realmente pode ter ocorrido nas ocasiões das aparições da ressur-
reição.

PRINCIPAIS TENDÊNCIAS DE RESSURREIÇÃO NO INÍCIO DO


SÉCULO XX

No estudo de 2005 sobre essas inclinações contemporâneas à ressurreição, ob-


servei seis importantes tendências de pesquisa que já haviam surgido ou pare-
ciam ter se desenvolvido significativamente desde 1975. Cada uma dessas ten-
25
Habermas, “Pesquisa da Ressurreição de 1975 até o Presente: O que os estudiosos críticos estão
dizendo?”, Journal for the Study of the Historical Jesus, vol. 3 (2005), 136.
26
Habermas, “Pesquisa da ressurreição de 1975 até o presente”, 136–39.
19

dências capturou uma boa parte dos pesquisadores da época, muitas vezes do
lado liberal. /divisão conservadora.27 Estas seis tendências foram:

(1) As teorias naturalistas pareciam estar pelo menos um pouco em as-


censão. Eles também se manifestaram em uma quantidade considerá-
vel de variedade.28 A grande maioria dos estudiosos se opôs a essas
teorias e frequentemente se envolveu em oferecer suas próprias res-
postas. A combinação desses confrontos resultou em uma enxurrada
de debates.

(2) A facticidade da tumba vazia foi apoiada por aproximadamente 75


por cento dos estudiosos da época, com um número surpreendente de
argumentos - quase duas dúzias - a favor desse evento e com pouco
mais de uma dúzia de argumentos contrários.

(3) O apóstolo Paulo foi aceito por estudiosos céticos, moderados e con-
servadores como a testemunha mais forte em favor das aparições da
ressurreição. Além disso, a declaração do credo pré-paulino em 1
Coríntios 15:3-7 foi vista por praticamente todos os pesquisadores
como o testemunho mais forte e mais antigo das aparições da ressur-
reição de Jesus. Paulo provavelmente recebeu esse material quando
visitou Jerusalém em 35–36 EC para ficar com Pedro e Tiago, irmão
de Jesus, conforme registrado em Gálatas 1:18–20.

(4) A importância das dezenas de tradições de credos cristãos primitivos


e resumos de sermões em Atos, que já haviam sido destacadas por
Bultmann, atingiram um lugar de crescente importância histórica.
Muitos outros trabalhos apareceram sobre esses assuntos desde a
época de Bultmann, e os resultados reforçaram a compreensão da
historicidade das primeiras crenças cristãs e o crescimento do jovem
movimento. A visão de Bultmann de que essas confissões surgiram
de origens helenísticas foi despachada pelos dados emergentes.

(5) Um movimento importante entre os estudiosos da Terceira Busca pe-


lo Jesus Histórico foi reconhecer que, pelo menos entre os autores do
Novo Testamento, as aparições da ressurreição de Jesus foram en-

27
Habermas, “Pesquisa da ressurreição de 1975 até o presente”, 140–45.
28
Alguns anos antes, eu também havia publicado sobre esse desenvolvimento naturalista: Habermas,
“The Late Twentieth-Century Resurgence of Naturalistic Responses to Jesus’ Resurrection”, Trinity
Journal 22 (Outono de 2001): 179–96.
20

tendidas como tendo sido de natureza corporal. Assim, mesmo vários


estudiosos céticos que rejeitaram o evento da ressurreição ainda re-
conheceram que as aparições corporais de algum tipo foram origi-
nalmente ensinadas nas fontes canônicas.

(6) Praticamente todos os estudiosos em todo o espectro teológico sus-


tentaram a aplicação do ensino da ressurreição, quer tal evento real-
mente tenha ocorrido ou não. A ressurreição foi interpretada como a
força primária que fundamentou a ética cristã, a esperança e a crença,
metafórica ou literalmente. Este foi um ponto de ensino fundamental
para Bultmann décadas antes, incluindo seu famoso ditado de que Je-
sus ressuscitou na proclamação da igreja. Da mesma forma, foi uma
ênfase central entusiástica nas obras de estudiosos como John Domi-
nic Crossan, Willi Marxsen e Marcus Borg, conforme citado no arti-
go de 2005 acima.29

TENDÊNCIAS DE RESSURREIÇÃO EM ANDAMENTO

Desde o início do século XX, algumas mudanças ocorreram nessas seis áreas
de ressurreição e além. A conclusão anterior de que o ethos teológico predo-
minante da Terceira Busca era moderadamente conservador foi comprovada
em muitos estudos. Essa abordagem também tem se manifestado cada vez
mais em muitos estudos de ressurreição.
Na primeira tendência que identifiquei em minhas observações iniciais de
pesquisa em 2005, notei que durante o último quarto de século houve um au-
mento na quantidade de teorias naturalistas da ressurreição, com uma mudança
sutil que começou a ocorrer durante as últimas duas décadas. . O número de
estudiosos que escolhem uma tese alternativa em particular parece ter sido re-
duzido entre os pesquisadores céticos mais jovens. Quando tais teses naturais
ainda são mantidas fortemente por alguns observadores, essas teorias parecem
ser mantidas principalmente por céticos mais velhos, enquanto na pesquisa
mais recente, menos da nova geração de céticos treinados parece estar disposta
a escolher uma única tese natural. Isso pode ser devido em parte à diminuição
da influência das ideias de Bultmann.30 Mas esse desenvolvimento intrigante

29
Habermas, “Ressurrection Research from 1975 to the Present”, 144–45, 147–48.
30
Em seu famoso ensaio de 1941, “Novo Testamento e Mitologia”, Bultmann observa que o histori-
ador pode “reduzir as aparições da ressurreição a uma série de visões subjetivas”, sem fazê-lo ele
mesmo (página 42). Apesar de Bultmann ser crítico do religionsgeschichtliche Schule de Bousset,
Pfleiderer e outros (páginas 14-15), ele ainda bebe profundamente de suas conclusões; e isso tam-
bém poderia manter as teorias naturalistas como opções viáveis na primeira metade do século XX.
21

também pode ter surgido devido aos dados históricos reconhecidos serem tão
bem estabelecidos e aprimorados durante os últimos anos, até mesmo por es-
tudiosos críticos, de modo que os céticos não foram tão rápidos em ficar en-
curralados em uma única hipótese caso eles tenham que voltar atrás!
Isso foi apontado até certo ponto pelo próprio Bart Ehrman ao falar de seus
primeiros dias como crente. Os conservadores muitas vezes parecem gostar de
encorajar os céticos a escolher sua visão naturalista favorita, apenas para apre-
sentar ao incrédulo uma cascata de desafios, um após o outro. A esse respeito,
Ehrman observou que os crentes “normalmente têm um dia de campo com tais
explicações”. Esse é particularmente o caso quando tantos estudiosos hoje —
tanto liberais quanto conservadores — começam seus estudos sobre o Jesus
histórico fornecendo suas listas de fatos históricos credenciados e bem estabe-
lecidos.31 Pode ser que estar ciente dessa informação estabelecida e amplamen-
te aceita seja pelo menos uma das razões pelas quais menos estudiosos mais
jovens escolhem voluntariamente teses naturalísticas específicas. Tal procedi-
mento por parte de um jovem cético pode ser comparado a dirigir um veículo
através de uma difícil pista de obstáculos: enquanto alguns podem gostar do
desafio, outros podem se perguntar por que deveriam se voluntariar e correr tal
risco. Da mesma forma, por que escolher uma rota alternativa naturalística par-
ticular para as aparições da ressurreição, se houver uma chance de que os cren-
tes possam “ter um dia de campo” às custas deles?32
Em 2005, no mesmo ano em que meu artigo foi publicado, John Dominic
Crossan e N. T. Wright realizaram uma de suas discussões públicas sobre o as-
sunto da ressurreição de Jesus. Como respondente a esse diálogo, contribuí
com um registro de muitas teorias naturalistas sustentadas por estudiosos re-
centes. Em minha contagem publicada desses pesquisadores, menos de um
quarto de todos os estudiosos críticos escolheram as teorias naturalistas. De
longe, a maioria do restante escolheu as aparições corporais ou visões glorio-
sas da ressurreição.33 Curiosamente, mais uma vez, este é um resultado de

Assim, a morte de Bultmann em 1976 muito possivelmente teria sinalizado um declínio dessas op-
ções, principalmente diante das novas buscas históricas que se iniciavam.
31
Em uma dissertação de doutorado recente e não publicada, meu assistente de pesquisa, Benjamin
Shaw, resumiu a pesquisa de quase duas dúzias de estudiosos que forneceram várias listas de dados
históricos aceitos relativos a aspectos da vida de Jesus. É digno de nota que das listas pertencentes
de forma mais geral à vida de Jesus como um todo, mais da metade dos exemplos são de estudiosos
liberais. Benjamin C. F. Shaw, “Philosophy of History, Historical Jesus Studies, and Miracles: Three
Roadblocks to Ressurrection Research” (diss. de doutorado, Liberty University, 2020), Apêndice,
153–68.
32
Bart D. Ehrman, How Jesus Became God: The Exaltation of a Jewish Preacher from Galilee (No-
va York: Harper Collins, 2014), 164, também 164–65, 173, 186–87.
33
Habermas, “Mapeando a Tendência Recente em Direção às Aparições da Ressurreição Corporal
de Jesus à Luz de Outras Posições Críticas Proeminentes”, em The Resurrection of Jesus: John Do-
22

aproximadamente 3:1 em favor do ethos atual que identificamos como a posi-


ção moderada/conservadora.
A segunda área de pesquisa em meu artigo de 2005 dizia respeito ao túmulo
vazio. Durante a influência anterior dos períodos Sem Busca e Segunda Busca,
poucos estudiosos aceitaram os detalhes dos Evangelhos, e menos ainda pensa-
ram que havia fortes razões históricas para abraçar o túmulo vazio. Muitas ve-
zes foi rejeitado por grandes margens, exceto por pesquisadores conservado-
res. Após o início do movimento da Terceira Missão, no entanto, as coisas
começaram a mudar. Comentei que o número de estudiosos que aceitaram a
historicidade da tumba vazia havia crescido incrivelmente de décadas antes pa-
ra aproximadamente 75%.34 No ano seguinte comentei que o percentual pode
ter caído um pouco.35 Mas com indicações adicionais, tanto positivas quanto
negativas, a pesquisa geral ainda indica que a clara maioria, talvez na vizi-
nhança de dois terços dos pesquisadores, afirma o túmulo vazio. Em uma dis-
sertação de doutorado dedicada a esse assunto, Mark Waterman também con-
cluiu que a maioria dos estudiosos recentes sustentava que, no mínimo, a tra-
dição do túmulo vazio continha um núcleo de historicidade.36
A terceira área só se fortaleceu nos últimos doze anos. Permanece o caso de
que Paulo é aceito por praticamente todos os comentaristas em todo o espectro,
da esquerda teológica à direita, como a melhor testemunha das aparições da
ressurreição de Jesus, com a tradição do credo pré-paulino em 1 Coríntios
15:3– 7 sendo o argumento textual mais forte em favor desses eventos. Além
disso, o argumento de que Paulo recebeu esses dados não depois de 35–36 EC,
em sua primeira visita a Jerusalém para visitar Pedro e Tiago, o irmão de Je-
sus, foi consideravelmente fortalecido. Estendendo-se além dessa considera-
ção, mas alinhada com ela, a quarta área – o estudo de muitos outros credos
cristãos primitivos – também cresceu significativamente. Mas retornaremos a
esses dois pontos abaixo para mais discussão e comentários adicionais sobre as
tradições mais antigas.
A quinta área mencionada no artigo de 2005 capitalizou o que, naquele
momento, pode ter sido o início de uma tendência que apenas começava a ser
reconhecida. Décadas de interpretação crítica que remontam ao século XIX de-
fenderam a visão dominante de que Paulo (e, portanto, os outros apóstolos)

minic Crossan and N. T. Wright in Dialogue, ed. Robert B. Stewart (Minneapolis: Fortaleza, 2006),
91.
34
Habermas, “Pesquisa da ressurreição de 1975 até o presente”, 141.
35
Gary R. Habermas, Atualização Teológica, “Experiences of the Risen Jesus: The Foundational Is-
sue in the Early Proclamation of the Resurrection,” Dialog: A Journal of Theology 45 (Outono de
2006): 292.
36
Mark M. W. Waterman, The Empty Tomb Tradition of Mark: Text, History, and Theological
Struggles (Los Angeles: Agathos, 2006), 192–93.
23

haviam testemunhado aparições de Jesus sem corpo e glorificado, semelhantes


ao encontro de Paulo no caminho para Damasco. Mas durante a Terceira Bus-
ca pelo Jesus Histórico e a influência predominante da origem judaica nas ori-
gens cristãs, a situação começou a virar. Durante esse tempo, foi cada vez mais
reconhecido - até mesmo por vários estudiosos que rejeitavam a ressurreição -
que Paulo, pelo menos, defendia algumas espécies de aparências corporais do
Jesus ressuscitado, de acordo com as visões judaicas predominantes da época.
Por exemplo, no diálogo Crossan-Wright mencionado acima, Crossan obser-
vou mais de uma vez que concordava com Wright sobre este assunto da visão
de Paulo sobre as aparições da ressurreição corporal de Jesus.37
O enorme estudo de Wright, The Resurrection of the Son of God, acrescen-
tou muito do ímpeto aqui, com certeza, com quase quatrocentas páginas dedi-
cadas principalmente a esta questão da natureza corporal das aparições da res-
surreição.38 Então, apenas sete anos depois, o texto igualmente enorme de Mi-
chael Licona, A Ressurreição de Jesus, acrescentou outros argumentos de um
ângulo ligeiramente diferente, garantindo ainda mais que a influência da posi-
ção de aparição da ressurreição corporal estava avançando.39Mesmo antes des-
ses dois estudos, Robert Gundry havia lançado um trabalho marcante sobre o
mesmo assunto, Sōma in Biblical Theology, que era em grande parte uma crí-
tica da antropologia de Bultmann.40
Em minha resposta ao diálogo Crossan-Wright acima, também mencionei
outra contagem: as visões predominantes do Novo Testamento sobre a nature-
za das aparições da ressurreição aos apóstolos (incluindo a Paulo). Novamente,
mesmo contando os pesquisadores que duvidaram ou rejeitaram essas aparên-
cias, três quartos dos estudiosos ainda escolheram alguma forma de aparência
corporal como sendo a posição defendida pelos autores do Novo Testamento.
Menos de um quarto desses pesquisadores escolheu a visão recentemente mais
proeminente de que Jesus apareceu de uma maneira gloriosa e não corporal.41
A margem aproximada de 75% a 25% mantida, gerando uma proporção de 3:1
em apoio à posição moderada/conservadora.

37
Crossan, “Declaração de Abertura”, pp. 24–25; também, Crossan, “Appendix: Bodily-
Resurrection Faith,” 175–176, ambos em Stewart, ed., The Resurrection of Jesus. Veja também este
acordo explicitado em Habermas, “Resurrection Research from 1975 to the Present,” 147.
38
N. T. Wright, A Ressurreição do Filho de Deus, vol. 3 de Christian Origins and the Question of
God (Minneapolis: Fortress, 2003), 85–479.
39
Michael R. Licona, The Resurrection of Jesus: A New Historiographical Approach (Downers
Grove, IL: IVP Academic, 2010), especially 400–37, 469.
40
Robert H. Gundry, Sōma in Biblical Theology: With Emphasis on Pauline Anthropology (Grand
Rapids, MI: Zondervan Academic, 1987), particularmente o capítulo 13: “O sōma na morte e na res-
surreição”, 159–83.
41
Habermas, “Mapeando a Tendência Recente em Direção às Aparições da Ressurreição Corporal
de Jesus à Luz de Outras Posições Críticas Proeminentes”, 91.
24

A sexta e última tendência de pesquisa mencionada no artigo de 2005 foi o


ímpeto excepcionalmente forte em todo o cenário teológico, tanto de comenta-
ristas liberais quanto conservadores, de que, de várias maneiras, a ressurreição
de Jesus fundamenta muitas áreas da teologia e da prática, tanto no Novo Tes-
tamento e na igreja hoje. Para alguns estudiosos, esse evento realmente evi-
dencia doutrinas particulares, como salvação e vida eterna. Mesmo quando ou-
tros pesquisadores rejeitam o evento da ressurreição, eles ainda enfatizam,
muitas vezes metaforicamente, as implicações para várias verdades éticas, po-
líticas e outras que procedem desse evento. Meu artigo de 2005 forneceu
exemplos detalhados de Willi Marxsen e Marcus Borg, e uma série de outros
exemplos poderia ser facilmente adicionada aqui.
Durante o mais recente diálogo Crossan-Wright acima citado, os dois estu-
diosos insistiram que a ressurreição deveria levar os crentes a transformar o
mundo em que vivem. A linha característica de Wright era: "A nova criação de
Deus começou e temos um trabalho a fazer"42 Crossan é claro que a sua visão
"se aplica tanto ao reino literal como ao metafórico". Com o seu trabalho artís-
tico caracteristicamente verbal, Crossan afirma que o que precisamos é de uma
"Grande Limpeza Divina", porque "quero realmente saber como vamos retirar
o mundo de Deus aos bandidos".43 Relativamente a esta questão da limpeza do
mundo, Crossan sugeriu as palavras "escatão colaborativo". "44 Então Wright
tomou emprestadas essas palavras e declarou: "Adoro a frase, escatologia co-
laborativa" em relação à ideia de que, devido ao facto de os crentes serem ele-
vados corporalmente no novo, futuro e renovado cosmos de Deus, precisam no
presente de oferecer "justiça e misericórdia e graça e perdão e cura e libertação
e todo o resto, tudo o que é feito em nome de Cristo e no poder do Espírito." 45
Estes fornecem exemplos de como a ressurreição de Jesus pode ser aplicada
tanto em abordagens literais como metafóricas.
De forma bastante notável, essas seis tendências de pesquisa sobre ressur-
reição que eram relevantes em 2005 permanecem assim até hoje, incluindo de-
senvolvimentos adicionais. A seu próprio respeito, essas áreas de desacordo e
acordo abrangem amplas e diversas áreas de aplicação, tanto teórica quanto
pastoralmente.

42
Wright, “Declaração de Abertura”, em A Ressurreição de Jesus, ed. Stewart, 21
43
Crossan, “Declaração de Abertura”, em A Ressurreição de Jesus, ed. Stewart, 24, 25, 29.
44
Crossan, “Declaração de Abertura”, em A Ressurreição de Jesus, ed. Stewart, 26. Ênfase de Cros-
san.
45
Wright, “Diálogo”, em Stewart, ed., The Resurrection of Jesus, 42–43 (ênfase de Wright).
25

O ARGUMENTO DOS FATOS MÍNIMOS: DESTACANDO OS


MELHORES DADOS

Como conceito metodológico central em toda a minha pesquisa sobre a ressur-


reição, o argumento dos fatos mínimos merece uma breve palavra.46 Muitas
(embora não todas) das ideias iniciais que se desenvolveram neste método são
encontradas em minha dissertação de 1976. Reconhecidamente, as ideias esta-
vam em sua infância; eles estavam apenas começando a florescer.47 Mas o nú-
cleo do conceito é reconhecível em vários lugares.48
Essa abordagem apresenta duas etapas principais, e já foi amplamente
apontado que a etapa inicial é sem dúvida a mais crucial. (1) Nenhum fato his-
tórico ou outro será empregado a menos que possa ser estabelecido por múlti-
plas linhas de evidência, cada uma sendo derivada por meios críticos. Por cau-
sa desse fundamento inicial, (2) praticamente todos os estudiosos críticos re-
centes, incluindo ateus, agnósticos e outros especialistas céticos em campos re-
levantes, aceitam esses fatos. Dicas dessas duas regras podem ser vistas na dis-
sertação (particularmente nas páginas 256-58).
Na grande maioria das minhas publicações sobre a ressurreição, a tarefa
começa com uma lista de aproximadamente dez ou mais alguns fatos históri-
cos “conhecidos” ou “aceitos”.49 Estes, por sua vez, são reduzidos a uma lista
mais curta de quatro a seis fatos, que são chamados de “fatos mínimos”. 50 É
esta lista menor que é concedida por praticamente todos os estudiosos críticos
mencionados acima. A segunda etapa está ausente da dissertação; foi desen-
volvido pouco depois e publicado quatro anos depois, em 1980.51

46
Muitos detalhes podem ser encontrados em outros lugares, como Habermas, “The Minimal Facts
Approach to the Resurrection of Jesus: The Role of Methodology as a Crucial Component in Esta-
blishing Historicity,” Southeastern Theological Review 3 (Summer 2012): 15–26.
47
Se eu reescrevesse minha tese hoje, não diria algumas das coisas que estão contidas no
original; outros eu manteria, mas matizaria e aprimoraria de maneira diferente. Mas isso é
de se esperar com o crescimento de ideias nas décadas seguintes!
48
Alguns dos números de página aplicáveis da dissertação serão listados entre parênteses ao
longo da introdução, e nesta seção em particular.
49
Veja as páginas 256, 257–58 da minha dissertação.
50
No início do meu processo, eles também foram chamados de “Eventos Principais”.
51
Na dissertação, começo com dez “fatos históricos conhecidos” iniciais (páginas 256–58)
e depois os reduzo a uma lista de sete (páginas 258–60), mas esses sete fatos posteriores
destacam as considerações evidenciais da lista mais longa em vez de fornecer dados "míni-
mos". Portanto, esses sete não são chamados de fatos mínimos e não correspondem a ne-
nhum dos dados da lista de fatos mínimos que foi publicada inicialmente em 1980 e nova-
mente posteriormente. Por exemplo, o túmulo vazio está presente na lista mais longa da dis-
sertação, como costuma acontecer, mas o túmulo vazio nunca aparece nas listas de fatos
mínimos, por razões que expliquei repetidamente em outro lugar. A aparência inicial dos fa-
26

Nos últimos anos, os seis fatos mínimos52 geralmente usados são: (1) a
morte de Jesus por crucificação (páginas 113–21, 256–57 da dissertação), se-
guida de (2) as experiências dos discípulos que, eles concluíram, foram apari-
ções do Jesus ressuscitado (páginas 122–134, 256–257). (3) Esses dados dos
Evangelhos começaram a ser ensinados excepcionalmente cedo, em algum
momento entre o ano inicial da própria crucificação e o próximo ano ou dois
(páginas 129, 140-42, 257, 260). (4) Os discípulos foram transformados por
esses eventos, a ponto de estarem dispostos a morrer pela mensagem da ressur-
reição (páginas 144–45, 256–257). Por fim, dois ex-incrédulos, (5) Tiago, o
irmão de Jesus (cf. páginas 141–42) e (6) o perseguidor da igreja, Saulo de
Tarso (páginas 140–41, 256–57, 258, 259), ambos se tornaram crentes porque
concluíram que também haviam testemunhado as aparições de Jesus ressusci-
tado.53
Uma nota crucial em relação a esses fatos mínimos é que as hipóteses natu-
ralísticas frequentemente propostas para explicar esses dados falharam. Uma
indicação crítica de que este é o caso é a diminuição do uso dessas visões natu-
rais mesmo entre especialistas céticos, como já observado acima. Nas refuta-
ções dessas objeções, uma das principais considerações é que mesmo as decla-
rações mais breves que apóiam esses fatos básicos costumam ser suficientes
para fornecer as críticas mais importantes. O tratamento das visões alternativas
foi o tópico mais longo da dissertação, ocupando mais de cem páginas (pági-
nas 89–151, 235–44).54

tos mínimos (referidos aqui como dados centrais e mínimos) é encontrada em Habermas,
The Resurrection of Jesus: An Apologetic (Grand Rapids, MI: Baker, 1980), 38, 40.
52
Deve-se notar que, ao longo dessas considerações metodológicas, os fatos mínimos nunca
são explicitamente declarados como simplesmente verdadeiros, exceto pelo reconhecimento
de que muitos fatos estão por trás de cada um deles, estabelecendo sua credibilidade em
primeiro lugar. Essa qualidade bem evidenciada é precisamente o que explica o assentimen-
to acadêmico inicial. O mesmo é o caso das quase duas dúzias de estudiosos liberais, mode-
rados e conservadores mencionados na nota de rodapé 31, que também fornecem suas pró-
prias listas de dados históricos, que geralmente contêm muito em comum. Todos eles tam-
bém empregam razões credenciadas por trás de cada um desses pontos de dados que permi-
tem que seus fatos sejam declarados geralmente sem contestação.
53
Na dissertação, várias das sete evidências (páginas 258-60) são certamente ponderadas e
têm seu lugar, mas eu não as usaria mais hoje no primeiro nível de defesa - não porque elas
foram enfraquecidas, mas porque existem tantas muitos pontos mais fortes para fazer. Isso
inclui as respostas dos líderes judeus, o nascimento da igreja cristã e o culto dominical.
54
Para algumas das críticas igualmente profundas das opções naturalistas, veja Gary R. Ha-
bermas e Michael R. Licona, The Case for the Resurrection of Jesus (Grand Rapids, MI:
Kregel, 2004), 81–150, 290– 318; Licona, A Ressurreição de Jesus, 465–610, 618–20;
Wright, The Resurrection of the Son of God, 27–28, 77, 80–81, 318, 550, 638–39, 686,
689–91, 697–706, 709–10; William Lane Craig, avaliando a evidência do Novo Testamento
27

Além das refutações das visões naturais, tópicos evidenciais decisivos den-
tro dos fatos mínimos também devem ser enfatizados ao discutir as tendências
recentes na pesquisa da ressurreição. A parte mais crucial de toda a discussão
sobre a ressurreição diz respeito às aparições de Jesus. Eles são os mais atesta-
dos das considerações evidenciais e os mais importantes. Em um artigo de jor-
nal de 2006, listei oito principais considerações especificamente a favor dessas
aparições, cada uma acompanhada por seus próprios dados críticos que ates-
tam.55 Estes só podem ser descritos aqui. As quatro primeiras são extraídas das
incontestáveis epístolas de Paulo, conforme identificadas acima, juntamente
com outras considerações paulinas. Os quatro segundos são derivados de ou-
tras pesquisas bem atestadas. Praticamente todas essas oito considerações são
tiradas das informações contidas nos fatos mínimos, e a maioria desses oito tó-
picos foi abordada pelo menos brevemente em minha dissertação de 1976.
As primeiras quatro considerações paulinas incluem:

(1) Paulo sendo uma testemunha ocular e o mais respeitado observador


geral da ressurreição de acordo com estudiosos críticos (páginas
256–58, 259), especialmente devido às suas sete epístolas indiscutí-
veis.

(2) Uma quantidade incrível de dados criticamente reconhecidos da tra-


dição do credo de 1 Coríntios 15:3-7 inclui ser um relatório pré-
paulino que lista cinco aparições, três das quais ocorreram em gru-
pos. Além disso, Paulo provavelmente recebeu o relatório quando
visitou Jerusalém para conversar com Pedro e Tiago, o irmão de Je-
sus, em Gálatas 1:18–20 — uma reunião datada de 35–36 EC (pági-
nas 129, 139–42, 260). ).

(3) A segunda viagem de Paulo a Jerusalém em Gálatas 2:1–10 também


foi para examinar especificamente a natureza da mensagem do
evangelho com Pedro, Tiago e o apóstolo João. O resultado foi que

para a historicidade da ressurreição de Jesus (Lewiston, NY: Edwin Mellen, 1989), 374–79,
397–404, 412–18.
55
Habermas, “Experiências do Jesus ressuscitado: a questão fundamental na proclamação
inicial da ressurreição”, 289–93. Muitas razões acompanhantes são fornecidas neste artigo
em favor dessas oito indicações que apontam para as aparições do Jesus ressurreto. Da
mesma forma, embora configurado de forma diferente, veja também Habermas, “The Re-
surrection Appearances of Jesus”, em In Defense of Miracles: A Comprehensive Case for
God’s Action in History, ed. Gary R. Habermas e R. Douglas Geivett (Downers Grove, IL:
InterVarsity Academic, 1997), especialmente 265–70.
28

os outros três apóstolos principais aprovaram o ensino do evangelho


de Paulo (especialmente Gálatas 2:6b, 9), que certamente incluía a
ressurreição de Jesus (conforme credos como 1 Coríntios 15:3–5;
Romanos 1:3–4 e 10:9).

(4) Paulo conhecia pessoalmente pelo menos os outros três apóstolos


mais influentes (acabamos de mencionar) e confirmou que eles es-
tavam ensinando a mesma mensagem das aparições da ressurreição
de Jesus que ele (1 Coríntios 15:11, também 12, 15). A partir desse
texto paulino aceito pela crítica, todas as outras testemunhas ocula-
res importantes ensinaram a mesma verdade da ressurreição (pági-
nas 140–42).

Os quatro fortes argumentos adicionais incluem:

(5) O testemunho de Tiago, irmão de Jesus e ex-incrédulo, que viu Je-


sus ressuscitado (1 Coríntios 15:7) (páginas 140–41).

(6) Muitas tradições de credos muito antigas e criticamente reconheci-


das e os resumos de sermões de Atos56 também mencionam o teste-
munho da ressurreição (página 359).

(7) As transformações totais dos discípulos, incluindo até mesmo a dis-


posição de morrer por suas crenças na ressurreição, eram o centro
de seu ensino e pregação (páginas 144–45; 257–58).

(8) O forte testemunho crítico que favorece a historicidade do túmulo


vazio (páginas 257, 258–259).57

Nas discussões gerais sobre o Jesus histórico que mais ocupam os estudos da
Terceira Busca, essas tradições de credos representam talvez os dados mais
fortes em favor da data excepcionalmente antiga dos fatos históricos envolvi-
dos na proclamação do evangelho. Que esses ensinamentos não eram apenas
boatos, boatos ociosos ou lendas e mitos é explicado observando as fontes des-
ses ensinamentos. Que este material ocupa as proclamações centrais dos pró-

56
Somente a última lista inclui Atos 1:21–22; 2:22–36; 3:13–16; 4:8–10; 5:29–32; 10:39–42; 13:28–
31; cf. 17:1–3, 30–31.
57
Como mencionado acima e em qualquer outro lugar nesta pesquisa, o argumento para o túmulo
vazio é retirado da lista mais longa de fatos conhecidos em minha dissertação, e não dos fatos míni-
mos mais recentes e breves.
29

prios apóstolos de Jesus é indicado, por exemplo, pelo conteúdo dos resumos
dos credos de Atos mencionados anteriormente e também abaixo.58 Ainda
mais diretamente, as duas viagens de Paulo a Jerusalém para discutir esses
fundamentos do evangelho em Gálatas 1:18–20 e 2:1–10 serviram para verifi-
car que eram as próprias testemunhas oculares - Paulo, Pedro, Tiago, irmão de
Jesus, e João - que estavam fazendo essas proclamações sobre o conteúdo do
evangelho. Além disso, o comentário de Paulo em 1 Coríntios 15:11 observa
especificamente que os outros apóstolos haviam testemunhado o Jesus ressus-
citado e estavam declarando essas observações, tanto individualmente quanto
em grupos. Em outras palavras, as primeiras testemunhas oculares foram as
próprias fontes, em vez de histórias exageradas.
Devido à força e clareza desses argumentos, não é de admirar que mesmo
estudiosos ateus do Novo Testamento, como Bart Ehrman, reconheçam livre e
frequentemente que essas tradições de credo datam muito cedo, começando
apenas um ou dois anos após a crucificação e, portanto, mesmo antecedeu a
conversão de Paulo.59
Além disso, os credos excepcionalmente antigos que Paulo registrou em su-
as epístolas podem ter se originado em Jerusalém e podem muito bem ter vin-
do dos próprios apóstolos originais.60 Ehrman chega ao ponto de atestar que o
testemunho resultante nos aproxima mais do ensinamento original da testemu-
nha ocular.61
Embora o igualmente cético estudioso do Novo Testamento, Gerd Lüde-
mann, também rejeitasse o cristianismo tradicional, ele ainda fez comentários
muito semelhantes aos de Ehrman em relação ao credo primitivo em 1 Corín-
tios 15:3–7: “Todos os elementos da tradição devem ser datados do primeiros
dois anos após a crucificação de Jesus”. Além disso, “podemos considerar que
as aparições de Jesus foram comentadas imediatamente depois que acontece-
ram”.62
O argumento da ressurreição desenvolvido em minha dissertação de douto-
rado avançou muito mais desde 1976, progredindo rapidamente para o argu-
mento dos fatos mínimos para a ressurreição, que tem sido constantemente

58
Ver especialmente Dodd, The Apostolic Preaching and its Developments, 11, 15–34; Max Wil-
cox, Os semitismos em Atos, particularmente 79–80, 163–67, 171–79.
59
Ehrman, Jesus existiu? 22, 27, 92–93, 97, 111–12, 131–32, 141, 144–45, 155–58, 163–64, 170–
73, 251, 254, 260–63. Algumas das tradições primitivas nos resumos dos sermões de Atos também
vieram dessa mesma época (ver páginas 108–11, 131, 158, 194, 216–17 da dissertação).
60
Ehrman, Jesus existiu? 131, 144–45, 261; Ehrman, Como Jesus Se Tornou Deus, 138.
61
Ehrman, Jesus existiu? 144–46, 148.
62
Gerd Lüdemann, A Ressurreição de Jesus: História, Experiência, Teologia, trad. John Bowden
(Minneapolis: Fortress, 1994), 38 (ênfase de Lüdemann); veja também 181–84, onde é mencionada
sua rejeição ao cristianismo.
30

aprimorado e matizado desde então. De fato, em um volume recente, Lydia


McGrew, uma estudiosa que não menospreza o argumento, mas acha que ele
precisa ser desenvolvido de forma mais ampla, afirmou que o argumento dos
fatos mínimos teve “uso generalizado [que] pode ser em parte resultado do fa-
to de fornecer um modelo direto para um formato de debate”. Ela então men-
ciona seu “uso quase exclusivo em círculos apologéticos cristãos”63 antes de
passar a discutir sua própria estratégia. Mesmo com as diferenças que ela vê
entre nossas abordagens, seus comentários gentis são bem-vindos.

UMA ÚLTIMA ÁREA DE ESTUDO

Além das primeiras tradições dos credos, outra área influente que tem sido
bastante comum nas últimas décadas é a aplicação dos critérios históricos de
autenticidade que indicam a probabilidade de passagens individuais do Novo
Testamento serem históricas. Robert Stein lista quase uma dúzia desses testes,
incluindo exemplos como múltiplas atestações independentes de fontes, múlti-
plas formas de tradição, presença de aramaísmos no texto, dissimilaridade com
fontes judaicas ou do Novo Testamento e coerência.64 Outros testes também
têm sido usados regularmente, como embaraço, atestado do inimigo e, claro,
testemunha ocular e relatórios iniciais. Embora muitas vezes qualificados e até
duvidosos em alguns casos, esses critérios ainda são amplamente usados em
estudos bíblicos entre estudiosos críticos na erudição do Jesus histórico.65
Esses vários testes podem ser de grande valor para ajudar a estabelecer a
historicidade de muitas circunstâncias que são relevantes para nosso presente
estudo da morte e ressurreição de Jesus. Ehrman tem um dos melhores exem-
plos: ele identificou pelo menos quinze fontes independentes para a crucifica-
ção de Jesus, várias das quais não estão localizadas no Novo Testamento.66
Que Jesus era um operador de milagres e exorcista é atestado em todas as cin-
co principais fontes subjacentes do evangelho, assim como Jesus se refere a si
mesmo como o Filho do Homem. Os ensinamentos do Filho do Homem de Je-

63
Lydia McGrew, Hidden in Plain View: Undesigned Coincidences in the Gospels and Acts (Chil-
licothe, OH: DeWard, 2017), 220–21.
64
Robert H. Stein, Gospels and Tradition: Studies on Redaction Criticism of the Synoptic Gospels
(Grand Rapids: Baker, 1991), 158–85.
65
Stein, Gospels and Tradition, levanta um grande número de questões importantes sobre os crité-
rios (160-61, 163, 166, 168, 170-71, 174-75, 178-79, 181-83) enquanto ainda defende seu uso em
cada desses pontos, geralmente de forma mais estreita (159, 161–62, 166, 168, 171, 176, 179, 181,
183–84); também, Norman Perrin, Redescobrindo o Ensinamento de Jesus (Nova York: Harper &
Row, 1967), 20–22, 29, 37–47; Ehrman, Jesus existiu? 262, 271, 288–93; Licona, A Ressurreição de
Jesus, 101.
66
Ehrman, Jesus existiu? 74, 156–58, 163–64, 173, 290–92, 327–31
31

sus também são diferentes tanto do pensamento judaico anterior quanto das
primeiras epístolas cristãs. Já discutimos longamente os múltiplos exemplos do
que é provavelmente a evidência mais forte de todas: as fontes mais antigas fo-
ram derivadas de testemunhas oculares.
Há muitos detalhes embaraçosos no Novo Testamento também, como a in-
credulidade anterior de Tiago, irmão de Jesus, que mais tarde se tornou o líder
da igreja de Jerusalém; as negações do apóstolo Pedro a Jesus; os relatos unâ-
nimes em cada um dos Evangelhos de que as mulheres eram as principais tes-
temunhas (o argumento mais popular para a historicidade do túmulo vazio); ou
que Paulo era o perseguidor de cristãos mais conhecido na igreja primitiva. O
atestado do inimigo pode ser observado no caso dos sacerdotes judeus que se
tornaram crentes na igreja primitiva (Atos 6:7b), juntamente com os muitos
exemplos da fé inabalável dos primeiros crentes na presença de desafios e forte
perseguição, às vezes até mesmo à morte das testemunhas.
Os pontos fortes desses critérios de autenticidade foram que eles se concen-
traram na historicidade de passagens individuais do Novo Testamento, foram
usados por historiadores antigos em suas próprias pesquisas e, embora houves-
se questões e nuances a serem trabalhadas, foram amplamente reconhecidos e
empregados por estudiosos críticos do Novo Testamento. Assim, foi introduzi-
do mais um conjunto de ferramentas validadoras para fortalecer o processo
histórico relativo aos estudos referentes à morte e ressurreição de Jesus.

CONCLUSÃO

A defesa da historicidade da ressurreição de Jesus e suas aparições já era forte


em 1976. É significativamente mais robusta hoje. Estudiosos críticos pronta-
mente admitem que algo estranho e único pode ter acontecido, embora às ve-
zes indaguem como tal evento poderia estar conectado ao mundo sobrenatural
de Deus e à vida eterna. Esse é um assunto para outro dia, mas tem sido trata-
do regularmente por pesquisadores da ressurreição, inclusive eu e outros.67

67
Gary R. Habermas, O Jesus Ressuscitado e a Esperança Futura (Lanham, MD: Rowman e Littlefi-
eld, 2003), capítulos 2–6; Habermas, A Ressurreição de Jesus, capítulos 2–5 e Apêndice 3; Haber-
mas e Licona, O Caso da Ressurreição de Jesus, capítulo 11; Wright, A Ressurreição do Filho de
Deus, capítulos 12, 19; Wright, Surpreendido pela Esperança: Repensando o Céu, a Ressurreição e a
Missão da Igreja (Nova York: Harper Collins, 2008), capítulos 10–12.
32
33

PARTE 1

Aproximando-se da Questão da Ressurreição de Jesus


34

Capítulo I
O estado atual da questão

A crença na ressurreição de Jesus levantou muitas questões e provocou muita


reflexão ao longo da história da igreja cristã. Tal evento é possível e em que
sentido, se houver? Ainda pode ser acreditado hoje ou não? Esta “questão da
ressurreição” tem recebido cada vez mais atenção, especialmente nos últimos
anos. Um fato bastante surpreendente é que a discussão em torno deste tema
não é mais relegada apenas ao campo da religião, pois vários estudiosos de ou-
tras disciplinas também têm demonstrado algum interesse.
Ninguém duvida que tal investigação recai principalmente no campo da teo-
logia. Portanto, nos voltaremos aqui primeiro para ver de modo geral o estado
atual da questão da ressurreição de Jesus. Mais adiante trataremos também
brevemente do interesse por esse tema demonstrado em duas outras áreas – a
história e a filosofia. O objetivo deste capítulo é principalmente apontar algu-
mas tendências atuais relacionadas a esta questão, destacando sua importância
para a fé cristã.
Para os propósitos deste artigo, a ressurreição será inicial e brevemente de-
finida nos termos do conceito do Novo Testamento. Este evento, portanto, re-
fere-se à crença cristã de que Jesus estava realmente morto, mas depois foi lite-
ralmente ressuscitado por Deus. Acreditava-se que Jesus apareceu posterior-
mente a seus seguidores em um corpo espiritual, que não era nem um corpo fí-
sico inalterado nem um espírito. Em vez disso, havia qualidades objetivas e
subjetivas neste corpo espiritual. O conceito cristão de ressurreição, portanto,
difere de outras ideias relativas à imortalidade porque Jesus não reencarnou,
nem simplesmente experimentou a continuação de sua personalidade além do
túmulo, nem sua alma foi absorvida em algum tipo de alma universal. Pelo
contrário, acreditava-se que Jesus literalmente ressuscitou dos mortos, pois
apareceu a seus seguidores antes de seu retorno ao céu. É essa crença cristã na
ressurreição de Jesus que deve ser investigada aqui. Essa definição continuará
a se ampliar à medida que este trabalho se expande.
Pouco antes de passarmos à nossa primeira seção, alguns cuidados são ne-
cessários. Porque estamos nos esforçando para olhar para ambos os lados do
argumento e considerar pontos de vista que são “pró” e “contra”, devemos to-
mar o mínimo possível como certo desde o início. Por esta razão, em quase to-
dos os casos, evitaremos colocar os pronomes em maiúsculas para Jesus, para
não começarmos a decidir a questão com antecedência. Com relação ao uso de
palavras como “este evento” ou “esta ocorrência” ao se referir à ressurreição,
35

não queremos insinuar que já decidimos que isso aconteceu. Em vez disso, es-
sas palavras se referem ao que o Novo Testamento afirma ter acontecido. Se
realmente aconteceu ou não, ainda deve ser determinado. De fato, muitos teó-
logos também se referem à ressurreição como um evento e ainda querem dizer
que ela aconteceu de maneira diferente da literal. Essas palavras, então, nem
sempre devem se referir a algo literal e muitas vezes não o fazem, como vere-
mos. Desta forma, esperamos que a questão não seja prejudicada antes do
tempo.

A. TEOLOGIA E A RESSURREIÇÃO

1. A IMPORTÂNCIA DA RESSURREIÇÃO

Muitos teólogos hoje consideram a ressurreição de Jesus a reivindicação cen-


tral do cristianismo, quer interpretem esse evento literalmente ou não. Isso
também acontecia com frequência com os teólogos do passado. Em outras pa-
lavras, mesmo aqueles que não afirmam as aparições corporais pós-morte, mas
às vezes enfatizam a “presença espiritual” ou a “influência contínua” de Jesus,
muitas vezes sentem que a ressurreição ainda é a base da fé cristã.
Por exemplo, o crítico de redação alemão Willi Marxsen acredita que a res-
surreição de Jesus desempenha a parte mais decisiva da discussão teológica
hoje. Este estudioso sente que sua importância foi precisamente declarada pelo
apóstolo Paulo no primeiro século dC, quando ele escreveu “se Cristo não res-
suscitou, é vã a nossa pregação e vã a vossa fé” (1 Cor 15:14, RSV). Para
Marxsen, esse evento está, portanto, ligado à própria fé da Igreja. Uma incerte-
za sobre questões como as levantadas acima pode causar uma incerteza corres-
pondente em nossa fé hoje.68
Outro teólogo alemão, Günther Bornkamm, concorda com a importância
fundamental da ressurreição, mesmo que seja impossível entender exatamente
o que aconteceu. Ele comenta que

não haveria evangelho, nem relato, nem carta no Novo Testamento, nem fé, nem
Igreja, nem adoração, nem oração na cristandade até hoje sem a mensagem da
ressurreição de Cristo.69

68
Willi Marxsen, The Resurrection of Jesus of Nazareth, traduzido por Margaret Kohl (Philadel-
phia: Fortress Press, 1970), p. 12. Esta citação de 1 Coríntios 15:14 e outras citações bíblicas neste
trabalho são da Revised Standard Version of the Bible (New York: Thomas Nelson & Sons, 1946,
1952).
69
Günther Bornkamm, Jesus of Nazareth, traduzido por Irene e Fraser McLuskey (Nova York: Har-
per & Row, 1960), p. 181.
36

Assim, vemos que para esses dois estudiosos críticos, a discussão teológica e
até a própria teologia encontram seu aspecto central na ressurreição. É claro
que isso não resolve o problema de saber se esse evento ocorreu ou não e em
que sentido, pois isso deve ser considerado no futuro. De fato, tanto Marxsen
quanto Bornkamm não acreditam que possamos prová-lo, mas apenas afirmá-
lo pela fé.70 No entanto, tais declarações ajudam a demonstrar o quão impor-
tante é um lugar na fé cristã que é dado por muitos, e esse é o objetivo princi-
pal deste capítulo.
Outros estudiosos também verificam essas convicções. Por exemplo, Lau-
rence Miller também acredita que a ressurreição de Jesus é o cerne da teologia
do Novo Testamento. Como Marxsen, ele encontra a declaração definitiva
dessa crença em Paulo (1 Coríntios 15:12-22).71 Merrill Tenney prefere usar a
ressurreição como estrutura para toda a teologia cristã, mesmo tratando de al-
gumas das doutrinas que podem ser integradas sob este tema.72 Charles Ander-
son, em uma seção inteiramente dedicada à importância da ressurreição, tam-
bém fala de algumas das doutrinas cristãs que são explicadas no Novo Testa-
mento com base neste evento. Novamente 1 Coríntios 15:14 é usado como
uma chave.73
Visões estreitamente relacionadas também são mantidas por outros teólo-
gos. O ex-arcebispo anglicano de Canterbury, A. M. Ramsey, acredita que a
ressurreição não é apenas o centro da teologia, mas também o ponto de partida
para estudos que giram em torno do Novo Testamento e seu significado.74 Para
Daniel Fuller, a ressurreição é a base da história redentora. Eventos como a
cruz recebem muito de seu significado redentor porque estão intimamente as-
sociados à crença em um Jesus ressurreto.75 C. C. Dobson afirma que mesmo
aqueles que se opõem a todos os relatos da ressurreição ainda admitem sua
importância como a pedra angular do cristianismo.76
70
Marxsen acredita que agora é impossível provar o evento da ressurreição (op. cit., pp. 112–13,
119, 122), mas ainda podemos aceitar a oferta de fé em Jesus, mesmo que ele esteja morto (Ibid., pp.
. 128, 147). Bornkamm concorda que a ressurreição não pode ser demonstrada ou provada ter ocor-
rido (op. cit., pp. 180-186; especialmente pp. 180, 184). Mas ainda podemos exercer fé em Jesus in-
dependentemente de tal prova (Ibid., pp. 183, 184). Mais tarde será dito sobre a lógica desse tipo de
raciocínio - como alguns podem sustentar que alguém pode ter fé em Jesus, quer ele tenha ressusci-
tado ou não (e mesmo que ele ainda esteja morto!).
71
Laurence Miller, Jesus Cristo Está Vivo (Boston: W. A. Wilde, 1949), p. 9.
72
Merrill C. Tenney, The Reality of the Resurrection (Nova York: Harper & Row, 1963), pp. 7–8.
73
Charles C. Anderson, The Historical Jesus: A Continuing Quest (Grand Rapids: William B. Eer-
dman's Publishing Company, 1972), pp.
74
A. M. Ramsey, A Ressurreição de Cristo, 2ª ed. (Londres e Glascow: Collins, 1965), pp. 9–11.
75
Daniel P. Fuller, Easter Faith and History (Grand Rapids: William Eerdman's Publishing Com-
pany, 1965), pp. 18, 19.
76
C. C. Dobson, O Túmulo Vazio e o Senhor Ressuscitado, 2ª ed. (Londres e Edimburgo: Marshall,
Morgan e Scott, n.d.), pp. 24–25.
37

De vez em quando uma tese como a da importância da ressurreição para a


fé cristã recebe um novo “twist”, demonstrando ainda mais sua relevância. Isso
foi alcançado nos últimos anos por Markus Barth e Verne H. Fletcher, que
postularam que a ressurreição de Jesus também era a base da ética cristã. Este
evento foi percebido como tendo implicações definidas como um fundamento
para a virtude e a justiça humanas. Apesar de ser um tema pouco reconhecido,
os autores acreditam que ele é tão relevante para nós hoje nessas questões
quanto em um contexto estritamente teológico.77
Embora muitos dos teólogos acima difiram em outros aspectos da crença
cristã, todos eles percebem que a ressurreição é o centro da teologia até hoje.
Certamente, eles vêm de origens diferentes, mas todos concordam com Paulo
que, se esse evento fosse completamente revogado, a fé cristã estaria em peri-
go. Como afirma Marxsen, se houver incerteza ou obscuridade na questão da
crença na ressurreição, o cristianismo estará em perigo. Isso demonstra sua
importância como centro da teologia hoje.78
Antes de deixar o assunto da importância da ressurreição de Jesus, é preciso
mencionar que ela não é apenas parte integrante da teologia de hoje. Nos tem-
pos do Novo Testamento, era também a doutrina sobre a qual a fé cristã era
construída. Já discutimos a declaração de Paulo para esse efeito acima, onde
ele afirma “se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a vossa fé” (1
Coríntios 15:14, RSV; cf. versículos 12–20). Era a opinião de Paulo que a res-
surreição de Jesus e a fé cristã permaneceram ou caíram juntas. Uma declara-
ção mais forte estabelecendo a prioridade e importância dessa ocorrência para
o cristianismo do primeiro século dificilmente poderia ser estabelecida.
Estudos teológicos recentes reconheceram essa importância para a igreja
primitiva. O eminente estudioso do Novo Testamento Rudolf Bultmann, em-
bora não aceite pessoalmente qualquer tipo de ressurreição literal de Jesus,
ainda afirma que, para os primeiros cristãos, esse evento serviu ao propósito de
provar que Deus havia substanciado as reivindicações de Jesus ao ressuscitá-lo
dentre os mortos.79 Os primeiros cristãos também acreditavam que a ressurrei-
ção provava o senhorio de Jesus,80 sua messianidade,81 e até mesmo que ele era

77
Markus Barth e Verne H. Fletcher, Acquittal by Resurrection (Nova York: Holt, Rinehart e Wins-
ton, 1964), Foreward, pp. v–viii, cf. pág. 3.
78
Marxsen, op. cit., pág. 12.
7979
Rudolf Bultmann, “New Testament and Mythology”, em Kerygma and Myth, editado por Hans
Werner Bartsch, traduzido por Reginald H. Fuller (Nova York: Harper & Row, 1961), p. 39 referin-
do-se a Atos 17:3
80
Marxsen, op. cit., pág. 169, referindo-se a Atos 17:30s.; Fuller, op. cit., pp. 14–15, referindo-se a
Romanos 10:9.
38

o Filho de Deus.82 De acordo com o Novo Testamento, a ressurreição também


estabelece as doutrinas cristãs de arrependimento,83 salvação e justificação pe-
la fé,84 e julgamento.85 James McLeman apontou que o cristianismo primitivo
também testemunha a crença de que Deus iniciou novos tratos com a humani-
dade por meio do Jesus ressuscitado.86
Agora devemos ser rápidos em apontar mais uma vez que essas crenças de
forma alguma estabelecem o fato da ressurreição. Tudo o que demonstramos é
que ela é o centro da teologia cristã tanto na época do Novo Testamento quan-
to hoje. Mas isso não torna um fato comprovado. A importância de um evento,
é claro, não estabelece se ele realmente ocorreu ou não.

2. A ABORDAGEM TEOLÓGICA CONTEMPORÂNEA DA RESSURREI-


ÇÃO

Talvez a abordagem primária para o estudo teológico da ressurreição hoje de


um ponto de vista crítico seja a aplicação dos métodos literários de crítica da
forma e a disciplina relacionada, crítica de redação, aos textos do Novo Testa-
mento.87 Duas obras-chave feitas sobre a ressurreição a partir deste ponto de
vista são as de Willi Marxsen88 e Reginald H. Fuller.89
De acordo com Norman Perrin, a aplicação teológica de técnicas literárias
de crítica de forma foi insinuada na obra de Julius Wellhausen (1844–1918) e
uma forma inicial de crítica de redação foi aplicada pela primeira vez à teolo-
gia nos escritos de Wilhelm Wrede (1859–1906). Após a Primeira Guerra
81
Rudolf Bultmann, Teologia do Novo Testamento, traduzido por Kendrick Grobel (Nova York:
Charles Scribner’s Sons, s.d.), Parte I, p. 27, referindo-se a Atos 2:36 e Romanos 1:4. Cf. também
Fuller, op. cit., pág. 15, referindo-se a Atos 2:22–36.
82
Fuller, op. cit., pp. 15–16, referindo-se a Romanos 1:4.
8383
Marxsen, op. cit., pág. 169, referindo-se a Atos 16:30f.
84
Anderson, op. cit., pp. 158–159, referindo-se a Romanos 4:25; 10:9; cf. também Barth e Fletcher,
op. cit., pág. 4 e Tenney, op. cit., p.8.
85
Marxsen, op. cit., pág. 169.
86
James McLeman, Resurrection Then and Now (Nova York: J. B. Lippincott Company, 1967), p.
92; cf. 87 também.
87
Deve-se notar que nem a crítica da forma nem da redação é realmente teologia. Em vez disso, es-
ses são métodos literários que têm sido usados em diversos empreendimentos, como no estudo da li-
teratura clássica. Eles são, portanto, utilizados aqui como abordagens literárias que estão sendo atu-
almente aplicadas ao Novo Testamento. Esses métodos são, portanto, referidos como a abordagem
teológica atual da ressurreição porque são empregados por teólogos e não porque essas disciplinas
estão sendo erroneamente referidas como teologia. Para a relação entre crítica de forma e redação,
veja What is Redaction Criticism?, de Norman Perrin, editado por Dan O. Via (Philadelphia: For-
tress Press, 1971), p. 13 por exemplo.
88
O já mencionado A Ressurreição de Jesus de Nazaré de Marxsen.
8989
Reginald H. Fuller, The Formation of the Resurrection Narratives (Nova York: The Macmillan
Company, 1971).
39

Mundial, esses estudos foram rejuvenescidos. Em vez de alguns teólogos sim-


plesmente sugerirem a forma de abordagem literária crítica para os estudos das
Escrituras, tornou-se o interesse comum e uma grande ênfase de estudiosos
como K. L. Schmidt (1891–1956), Martin Dibelius (1883–1947) e Rudolf
Bultmann (nascido em 1884).90 Bultmann é provavelmente aquele que é mais
conhecido por popularizar a crítica da forma, aplicando-a especialmente aos
evangelhos sinóticos e publicando os resultados em ensaios como “The Study
of the Synoptic Gospels”.91
Resumidamente, de acordo com essa teoria de interpretação, os evangelhos
sinóticos foram produtos da fé da primeira igreja cristã do primeiro século. Em
outras palavras, depois de anos divulgando oralmente o evangelho de Jesus
Cristo (e talvez também por alguns registros escritos que não temos mais, co-
mo o documento Quelle), a igreja primitiva decidiu escrever o que poderia re-
cordar da vida de Jesus. Mas como os primeiros cristãos não receberam uma
narrativa histórica completa de sua vida, suas lembranças só poderiam ser de
ocorrências independentes. Os evangelhos, então, podem ser divididos nessas
ocorrências separadas que, por sua vez, correspondem a certas formas. Quando
todas essas ocorrências são divididas nessas formas, Bultmann observa que
temos várias classificações, como histórias de milagres, parábolas e palavras
apocalípticas.92
Uma vez que a igreja estava interessada em uma biografia completa, no en-
tanto, esses eventos tiveram que ser conectados a um relato diário da vida de
Jesus. Pode-se encontrar muitos desses links editoriais que ligam uma história
a outra. É assim que a semelhança com “contas em uma corda” passou a ser
usada para a abordagem crítica da forma. Um objetivo principal para os teólo-
gos que empregam essa abordagem é verificar quais dos relatos (ou partes dos
relatos) nos evangelhos são realmente histórias históricas e quais foram “cons-
truídos” pela fé da igreja primitiva.93
A crítica da redação depende fortemente dos procedimentos da crítica da
forma e se baseia em suas premissas. Na verdade, Perrin observa que esses po-
dem ser vistos como dois estágios da mesma disciplina.94
A crítica da redação desenvolveu-se significativamente desde o trabalho de
Wilhelm Wrede no final do século XIX e início do século XX. Hoje, uma
atenção mais positiva é dada aos autores do evangelho, pois eles são vistos
90
Perrin, op. cit., pp. 13–15. Algumas das conclusões de Bultmann sobre a importância da ressurrei-
ção na igreja primitiva já foram mencionadas acima.
91
Rudolf Bultmann, “The Study of the Synoptic Gospels”, em Form Criticism, traduzido por Frede-
rick C. Grant (Nova York: Harper & Row, 1962), pp. 11–76.
92
Bultmann, Ibid., pp. 36–63.
93
Ibid., p. 25.
94
Perrin, op. cit., pp. 1–3, 13.
40

como tendo um papel mais integral e original a desempenhar na escolha do


material e na representação escrita dele. Os críticos de hoje também sentem
que o objetivo principal é poder rastrear o material por meio de várias frases de
influência, por meio de várias adições de redatores e, em seguida, o mais pró-
ximo possível da(s) fonte(s). Isso lhes permitirá determinar, entre outras coi-
sas, onde os fatos se originaram e o que está na base dos relatórios. O objetivo
é, claro, verificar a confiabilidade dos dados tanto quanto possível, ver o que é
histórico e o que foi acrescentado aos fatos originais.95
Três dos principais críticos de redação hoje, pelo menos em um sentido
cronológico, são Günther Bornkamm,96 Hans Conzelmann e Willi Marxsen.97
Eles trabalharam independentemente nos evangelhos sinóticos de Mateus, Lu-
cas e Marcos, respectivamente. Em certo sentido, eles abriram o caminho para
estudos semelhantes hoje.98
Investigamos brevemente a crítica de forma e redação por duas razões prin-
cipais.
Primeiro, sua importância como abordagem literária atualmente aceita para
estudos bíblicos não deve ser subestimada. Observamos acima que algumas
obras inteiras e partes de outras foram dedicadas a estudos sobre a ressurreição
por estudiosos que favorecem essas duas disciplinas.99 Assim, a crítica da for-
ma e da redação fornecerá uma base para muito do que será dito a seguir. Em
segundo lugar, embora este escritor não adote muitas das facetas e conclusões
da crítica da forma ou da crítica da redação, adotaremos muitos de seus proce-
dimentos aqui como as “regras do ofício” mais comumente aceitas. Com este
pano de fundo e fundamento teológico, é vantajoso passar agora para dois ou-
tros campos de estudo que também deram atenção recente ao assunto da res-
surreição.

B. HISTÓRIA, FILOSOFIA E A RESSURREIÇÃO

Já afirmamos que um aspecto interessante do estudo atual sobre a ressurreição


de Jesus é que vários estudiosos de outras áreas de estudo além da religião
também se interessaram por essa questão. Esses homens aplicaram suas várias

95
Ibid., pp. 3, 12–13.
96
A crença de Bornkamm na importância da ressurreição para a teologia cristã foi observada acima.
97
Algumas das contribuições de Marxsen para o estudo atual da ressurreição também foram obser-
vadas acima.
98
Perrin, op. cit., pp. 25–39.
99
Veja, por exemplo, o trabalho de Marxsen e R. Fuller acima, notas de rodapé 21 e 22, respectiva-
mente, que são inteiramente dedicados à ressurreição. Partes de muitos trabalhos também trataram
desse assunto, como os de Bultmann e Bornkamm citados acima, notas de rodapé 12 e 2, respecti-
vamente.
41

formações e formações interdisciplinares ao problema e, compreensivelmente,


chegaram a várias conclusões. Embora essas tendências sejam provavelmente
mais observáveis nas disciplinas de história e filosofia, elas não estão de forma
alguma confinadas a essas duas áreas. Outros estudiosos (e seus campos) que
demonstraram interesse neste evento incluem C. S. Lewis, o falecido professor
de literatura inglesa da Universidade de Cambridge,100 J. N. D. Anderson, ad-
vogado e diretor de Estudos Jurídicos Avançados da Universidade de Lon-
dres,101 Peter L. Berger, professor de Sociologia na Rutgers University,102
Louis Cassels, jornalista e falecido colunista da United Press International, 103 e
o cientista Henry Morris.104 Voltemo-nos agora especificamente para os cam-
pos da história e da filosofia para observar um pouco do interesse atual pela
questão da ressurreição.

1. HISTÓRIA E A RESSURREIÇÃO

É verdade que a maioria dos historiadores modernos não demonstra um inte-


resse extraordinário pela ressurreição. Tampouco costumam se preocupar se
foi um evento histórico ou não. Geralmente, a atitude tomada em obras históri-
cas em relação a essa ocorrência é de ceticismo105 ou aquela que relata os rela-
tos bíblicos da morte e ressurreição de Jesus somente após um breve prefácio
que afirma “a Bíblia afirma” ou “os primeiros cristãos acreditavam isso”, ou
outra expressão semelhante.106 Este desinteresse geral na ressurreição por parte
dos historiadores é compreensível em vista do fato de que muitos sentem que
este evento é um item de fé, mesmo que acreditem que realmente ocorreu.

100
O trabalho de C. S. Lewis, Miracles (Nova York: The Macmillan Company, 1965) trata da res-
surreição nas páginas 148-155.
101
J. N. D. Anderson tem pelo menos dois escritos que tratam da ressurreição. Veja Christianity:
The Witness of History (Londres: Tyndale Press, 1969), pp. 84–108 e o livreto The Evidence for the
Resurrection (Downers Grove: InterVarsity Press, 1966).
102
A obra de Berger, A Rumor of Angels (Nova York: Doubleday Publishing Company, 1970) não
lida diretamente com a ressurreição, mas sim com a possibilidade de ocorrência de milagres e even-
tos sobrenaturais.
103
Cassels escreveu pelo menos dois livros que tratam da questão da ressurreição. Veja This Fellow
Jesus (Nova York: Pyramid Publications, 1973), pp. 84–90 e Christian Primer (Nova York: Double-
day and Company, 1967), pp. 23–26.
104
Um dos livros de Morris, Many Infallible Proofs (San Diego: Creation-Life Publishers,
1974), dedica um capítulo à ressurreição, pp. 88–97.
105
H. G. Wells, The Outline of History, 2 vols. (Garden City: Garden City Books, 1949),
vol. 1, pp. 539–40.
106
Shepard B. Clough, Nina G. Garsoian e David L. Hicks, A History of the Ancient World,
3 vols. (Boston: D.C. Heath and Company, 1967), vol. 1, Antigo e Medieval, p. 127.
42

No entanto, existem alguns historiadores que investigaram esse evento até


certo ponto. Não é nosso propósito neste capítulo cobrir todas as áreas da in-
vestigação histórica, mas sim fazer um breve levantamento de uma amostra de
alguns historiadores que demonstraram interesse no assunto da ressurreição.
Mais tarde, a posição do historiador David Hume será discutida com muito
mais detalhes, pois seus pontos de vista foram extremamente influentes na
questão dos milagres.
O historiador antigo Paul Maier publicou recentemente um livro intitulado
Primeira Páscoa.107 Este trabalho está preocupado em grande parte com o pri-
meiro domingo de Páscoa e a pergunta "O que aconteceu na madrugada de
domingo?"108 Seu propósito é tentar verificar se a história pode nos dizer o que
realmente aconteceu naquele dia.109 Seu método é primeiro investigar as fontes
originais, comparando os vários relatos da igreja primitiva que afirmam que
Jesus ressuscitou dos mortos. Teorias alternativas são então propostas e exa-
minadas. Por fim, algumas evidências históricas interessantes, mas raramente
mencionadas, que se relacionam diretamente com essa questão são estuda-
das.110
Maier também contribuiu com outros artigos acadêmicos sobre a morte e
ressurreição de Jesus.111 Um deles, intitulado “O Túmulo Vazio como Histó-
ria”, examina ainda mais os fatos históricos que cercam esse evento.112 A con-
clusão do artigo está preocupada em saber se a ressurreição pode ou não ser
considerada um dado real da história.113 Voltaremos a algumas das conclusões
de Maier mais tarde.
Outro historiador antigo, Edwin Yamauchi, também escreveu sobre a res-
surreição. Sua investigação é encontrada no artigo de duas partes intitulado
“Páscoa — Mito, Alucinação ou História?”114 Ele explora cuidadosamente ca-
da uma das possibilidades nomeadas no título - a ressurreição vista como um
mito antigo, como uma alucinação e como história real. Yamauchi conclui
primeiro que o conceito cristão da ressurreição de Jesus não poderia ter sido
derivado dos mitos de culturas antigas, como os dos sumérios, babilônios ou
107
Paul L. Maier, First Easter (Nova York: Harper & Row, 1973).
108
Ibidem, pág. 93. Os itálicos são de Maier.
109
“A história pode nos dizer o que realmente aconteceu naquele amanhecer crucial?” (Ibid., p. 114.
Os itálicos são de Maier).
110
Ibidem, cf. especialmente pp. 93-122.
111
Veja, por exemplo, Paul L. Maier, “Quem foi responsável pelo julgamento e morte de Jesus?”
Cristianismo Hoje 18, n. 14 (12 de abril de 1974): 8–11.
112
Paul L. Maier, “O Túmulo Vazio como História,” Christianity Today 19, no. 13 (28 de março de
1975): 4–6.
113
Ibid.
114
Edwin M. Yamauchi, “Páscoa — Mito, Alucinação ou História?”, Christianity Today 18, no. 12
(15 de março de 1975): 4–7; e 18, n. 2 (29 de março de 1975): 12–16 (duas partes).
43

egípcios, que parecem defender a crença em deuses da vegetação que morrem


e ressurgem. Esses últimos mitos revelam semelhanças muito superficiais e até
mesmo evidências muito questionáveis sobre essa crença em uma “ressurrei-
ção” como tendo sido a base da crença na ressurreição de Jesus.115
A segunda conclusão de Yamauchi é que a hipótese da alucinação também
não é um ímpeto suficientemente forte para a crença na ressurreição de Jesus.
Nenhum dos pré-requisitos psicológicos necessários para as visões é encontra-
do nos relatos do Novo Testamento. Por exemplo, os discípulos ficaram muito
desanimados com a morte de Jesus e não acreditaram mesmo depois de perce-
ber que ele havia ressuscitado, ao passo que as alucinações ocorrem quando os
indivíduos imaginam de antemão que determinada coisa realmente aconteceu.
Visões são produzidas quando as pessoas pensam de forma tão positiva que
realmente visualizam o que desejam e os discípulos certamente não estavam
com esse estado de espírito após a morte de Jesus. Os fatos simplesmente não
fornecem suporte para essa teoria. As condições necessárias para as alucina-
ções estavam claramente ausentes.116
A conclusão final alcançada por Yamauchi é que a ressurreição de Jesus é
um evento histórico e deve ser tratado como tal. Simplesmente não pode ser
denominado como uma ocorrência existencial e nem pode ser esquecido como
um simples mito ou ilusão.117
Neste ponto, mencionaremos rapidamente dois outros estudiosos neste
campo que também trataram da ressurreição em suas obras. O historiador e
teólogo John Warwick Montgomery tratou dessa questão em várias obras que
se preocupam diretamente com a metodologia histórica.118 O historiador da
igreja William Wand também encaixou a ressurreição em uma estrutura histó-
rica explícita.119 Em vez de explorar os pontos de vista desses dois homens
neste ponto, retornaremos a eles com muito mais detalhes no capítulo sobre
história e milagres. Basta dizer neste momento que, embora os historiadores
como um todo não tenham se preocupado muito com a ressurreição de Jesus,
ela foi tratada por vários neste campo. Assim, é opinião desses estudiosos (e
outros) que essa questão é histórica, a ser decidida pela investigação histórica.
Maier,120 Yamauchi,121 Montgomery,122 e Wand123 todos concordam que a

115
Ibid., 15 de março de 1974, pp. 4–6.
116116
Ibidem, pp. 6–7. Voltaremos a essa teoria com mais profundidade mais adiante neste artigo.
117
Ibidem, pág. 7 e 29 de março, pp. 12–16.
118
Por exemplo, veja John Warwick Montgomery, The Shape of the Past: An Introduction to Philo-
sophical Historiography (Ann Arbor: Edwards Brothers, 1962) e Where Is History Going? (Grand
Rapids: Zondervan, 1969).
119
William Wand, Cristianismo: Uma Religião Histórica? (Valley Forge: Judson Press, 1972).
120
Maier, “O Túmulo Vazio como História”, op. cit., pág. 6.
121
Yamauchi, op. cit., 29 de março de 1974, p. 16.
44

questão da ocorrência da ressurreição deve ser decidida pelo processo histórico


de pesar cuidadosamente as evidências a favor e contra este evento antes que
uma decisão seja tomada. fez.

2. FILOSOFIA E A RESSURREIÇÃO

Como acontece com a maioria dos historiadores, também descobrimos que a


maioria dos filósofos contemporâneos não se preocupa com a questão da res-
surreição de Jesus. Mas descobrimos que vários desses estudiosos também li-
daram com isso como parte de seu sistema de pensamento. Assim como os
teólogos, esses filósofos oferecem uma variedade de abordagens e respostas a
esse evento. Semelhante à seção curta anterior sobre história, não é nosso obje-
tivo neste capítulo tratar de todos os campos da filosofia. Ao contrário, o obje-
tivo aqui é simplesmente apresentar uma amostra de alguns filósofos que trata-
ram da ressurreição em suas obras. Mais tarde, as posições de David Hume e
Søren Kierkegaard serão examinadas em profundidade. Hume especialmente é
reconhecido até mesmo por teólogos conservadores como oferecendo um desa-
fio à crença em uma ressurreição literal e Kierkegaard também desenvolve
uma visão filosófica popular deste evento. Mas, no momento, é nosso desejo
apenas declarar o interesse demonstrado por alguns filósofos de várias inclina-
ções intelectuais.
Provavelmente o filósofo mais conhecido que investigou esta ocorrência é
John Hick. Em seu ensaio “Teologia e Verificação”124 ele aborda o antigo tema
da possibilidade de verificar a existência de Deus. Isso é feito de uma maneira
interessante e nova (embora um tanto questionável).
Para Hick, não se pode provar a existência de Deus sem sombra de dúvida.
No entanto, o autor acredita que alguém pode raciocinar logicamente sobre a
probabilidade da existência de Deus pelo uso do que ele chama de verificação
“escatológica” (ou futura).125
A fé cristã (e várias outras também) ensina a realidade da vida após a mor-
te. Para Hick, esse conceito de sobrevivência contínua é aquele que será verifi-
cado após a morte. Em outras palavras, a futura ressurreição da humanidade
pode ser verificada experimentalmente por cada indivíduo após sua própria

122
Montgomery, Para onde vai a história?, op. cit., pp. 71, 93.
123
Varinha, op. cit., pp. 100-1 93–94; cf. também pp. 100-1 51–52, 70–71.
124
John Hick, “Theology and Verification”, em Religious Language and the Problem of Re-
ligious Knowledge, editado por Ronald E. Santoni (Bloomington: Indiana University Press,
1968). Este artigo apareceu pela primeira vez em Theology Today, vol. 17, 1960, pp. 12–
31.
125
Ibidem, pp. 367, 376.
45

morte pessoal. O conhecimento pós-morte que se adquire provaria que a vida


sobrevive à morte.126
Com relação a essa estranha apologética da vida após a morte, Hick tenta
explicar como isso é possível pela introdução de várias ilustrações interessan-
tes.127 Ele sente que, em última análise, a questão da imortalidade pode ser
comparada a dois homens caminhando pela estrada da vida. Um diz que existe
vida após a morte no final da estrada, o outro discorda. Mas para eles é uma
questão experimental. Mais cedo ou mais tarde, cada um deles fará a última
curva da vida e morrerá. Então, um terá sido provado certo e o outro errado.
Esta é a verificação escatológica da imortalidade.128
Mesmo a verificação da existência de Deus deve ser encontrada pela mes-
ma experiência futura. Aqui Hick se apropria do papel que Jesus desempenha.
À medida que experimentamos o Jesus ressurreto e seu reinado no Reino de
Deus, e finalmente recebemos a confirmação escatológica disso, também rece-
bemos a verificação indireta de Deus. Assim, a própria ressurreição do indiví-
duo é a prova final e experimental tanto da vida após a morte quanto da exis-
tência de Deus. Essas verdades são assim percebidas como realidades. Todos
acabarão provando a validade desses fatos por si mesmos, no entanto, porque
todos alcançarão essa salvação e o subsequente estado de verificação.129
Infelizmente, a percepção de Hick sobre a capacidade da própria ressurrei-
ção de verificar tais princípios fundamentais da teologia levanta mais questões
do que respostas. É interessante, para dizer o mínimo, mas falha em raciocinar
logicamente (e até mesmo pressupõe) muitas crenças, como a vida após a mor-
te e a capacidade de verificar algo como a existência de Deus, mesmo que a
primeira seja comprovada como verdadeira.130 Hick percebe que suas hipóte-
ses e as de Ian Crombie, que também aceita a verificação escatológica, foram
ambas desaprovadas por outros filósofos e teólogos, mas ainda sente que esta é
a melhor alternativa para estabelecer a verdade do teísmo.131 Assim, embora
devamos concluir que nenhuma dessas doutrinas pode realmente ser provada
dessa maneira, isso mostra o interesse de um certo segmento da filosofia na
questão da ressurreição.
Mas não é apenas nos escritos de Hick (e daqueles que concordam com ele)
que encontramos interesse no assunto da ressurreição. A recente popularidade

126
Ibidem, pág. 375.
127
Ibidem, pp. 371–75
128
Ibidem, pp. 368–69.
129
Ibidem, pp. 376–81
130
Cf. Ibid., pp. 375-76, por exemplo, onde Hick admite que seria fácil conceber experiên-
cias de vida após a morte que não verificariam o teísmo, mas ele não considera as objeções.
131
Ibidem, pp. 367–68
46

do pensamento do processo aparentemente abriu uma nova área de interesse na


formulação de, entre outras coisas, uma cristologia baseada na filosofia do
processo. Por exemplo, as perspectivas de Schubert Ogden para o desenvolvi-
mento de um novo teísmo o levaram a uma reinterpretação da ressurreição ba-
seada no amor de Deus.132 Outro exemplo é a tentativa de Bernard Loomer de
explicar a fé cristã, incluindo a ressurreição, em termos de filosofia de proces-
so.133
Na obra Filosofia do Processo e Pensamento Cristão, Peter Hamilton pro-
põe uma cristologia moderna com ênfase especial na ressurreição. Para Hamil-
ton, a filosofia do processo oferece a estrutura adequada dentro da qual se pode
ver e formular a teologia de maneira mais adequada. Essa filosofia é conside-
rada especialmente útil para lidar com a ressurreição.134
O termo-chave que Hamilton adota da filosofia do processo aqui é “ima-
nência”, que se refere à possibilidade de uma realidade ser imanente ou habi-
tada por outra. Isso é ilustrado pela maneira como frequentemente nos referi-
mos às experiências de um indivíduo “vivendo” na memória de outro.135
Quando aplicada ao relacionamento entre Deus e o mundo, a imanência é
uma referência tanto à habitação de Deus na humanidade quanto à habitação
de Deus na humanidade. Como Hamilton aplica esse conceito à cristologia,
podemos agora falar do exemplo principal da habitação de Deus na humanida-
de como tendo ocorrido na encarnação. Aqui Deus habitou em Jesus. Também
podemos perceber que o exemplo primário da habitação de Deus na humani-
dade pode ser encontrado na ressurreição. Aqui é dito que Jesus “vive” em
Deus.136 Por “viver” entende-se que são as experiências, ideias e ações de Je-
sus que foram elevadas a Deus. Portanto, devemos entender que sua ressurrei-
ção é o exemplo mais notável do desejo e propósito de Deus de elevar a Si
mesmo tudo o mais que complementa Seu próprio caráter também.137
É óbvio aqui que a ressurreição não é interpretada literalmente. Para Hamil-
ton, os discípulos tinham uma consciência dada por Deus (não autogerada, é
enfatizado) de que Jesus, de alguma forma, ainda estava vivo e presente com
132
Schubert M. Ogden, “Toward a New Theism”, em Process Philosophy and Christian Thought,
editado por Delwin Brown, Ralph E. James, Jr. e Gene Reeves (Indianapolis: The Bobbs-Merrill
Company, 1971), p. 183. Cfr. também o exame de Ogden de uma abordagem moderna da ressurrei-
ção em sua obra The Reality of God and Other Essays (Nova York: Harper & Row, 1966). pp. 215–
20.
133
Bernard M. Loomer, “Christian Faith and Process Philosophy,” em Process Philosophy and
Christian Thought, Ibid., pp. 91, 95 por seu tratamento da ressurreição.
134
Peter N. Hamilton, “Algumas propostas para uma cristologia moderna”, em Process Philosophy
and Christian Thought, Ibid., pp. 371, 376, 379, 381.
135
Ibidem, pág. 379
136
Ibid., pp. 379-80.
137
Ibid., pp. 378, 381.
47

eles. Este foi o início da experiência da Páscoa. Mas eles não tiveram um en-
contro real com o Senhor ressuscitado, conforme retratado nos evangelhos do
Novo Testamento.138
Hamilton percebe, no entanto, que há algumas críticas sérias sobre seus
pontos de vista. Uma delas é que a singularidade da ressurreição de Jesus não
foi devidamente mantida. Em vez disso, essa ocorrência é apenas um modelo
para outras ações semelhantes de Deus.139
Outra crítica (que é admitida por Hamilton como mais forte) é que, de acor-
do com essa interpretação, o Jesus “ressuscitado” não está realmente vivo, em-
bora os discípulos acreditassem que ele estava por causa da já mencionada
consciência dada por Deus desse fato. Em outras palavras, os escritores do
Novo Testamento testemunham um Jesus ressurreto que estava realmente vivo
e o autor também concorda com essa convicção. Caso contrário, não haveria
origem para a fé pascal. No entanto, esta tese não permite o tipo de ressurrei-
ção que daria origem a tal crença. Hamilton admite que essa crítica é válida até
certo ponto.140
O último estudioso a ser tratado brevemente neste momento é o filósofo su-
íço Francis Schaeffer. Antes um agnóstico, Schaeffer convenceu-se por meio
de pesquisas pessoais de que a crença em Deus era racional.141 Depois disso,
ele se preocupou em grande medida com o fato de que a racionalidade deve ser
mantida na crença religiosa e que o conhecimento deve preceder a fé (mas cer-
tamente não com exclusão da fé).142
Explorando esse conceito de racionalidade na crença cristã, Schaeffer pas-
sou a defender a visão de que a revelação de Deus ocorreu na história e, por-
tanto, está aberta à verificação.143 Um evento relatado como ocorrido pode ser
examinado e considerado uma afirmação válida ou algum tipo de falsidade.
Esta é a natureza da revelação histórica. Para Schaeffer, a morte e a ressurrei-
ção de Jesus são verificáveis dessa maneira. Eles são referidos como fatos his-
tóricos reais que ocorreram literalmente em nosso mundo espaço-temporal.144

138
Ibid., pp. 371, 375, 380.
139
Ibid., pp. 377–78
140
Ibidem, pág. 378.
141
Francis Schaeffer, Escape from Reason (Downers Grove: InterVarsity Press, 1968), ver pp. 84-
85, por exemplo.
142
Francis Schaeffer, The God Who Is There (Downers Grove: InterVarsity Press, 1968), pp. 112,
142.
143
Schaeffer, O Deus Que Está Lá, Ibid., p. 92; ver também Escape from Reason, de Schaeffer, op.
cit., pág. 77.
144
Schaeffer, Escape from Reason, Ibid., pp. 79, 90 e Schaeffer’s The Church Before the Watching
World (Downer’s Groves: InterVarsity Press, 1971), pp.
48

Neste capítulo, investigamos tanto a importância da ressurreição de Jesus


quanto a abordagem teológica atual dela como uma ocorrência religiosa. Além
disso, examinamos as opiniões de vários estudiosos de várias outras áreas (es-
pecialmente história e filosofia) que também demonstraram diferentes graus de
interesse neste evento.
Descobrimos que a ressurreição é o evento central na fé cristã e, portanto,
de importância central na teologia. Portanto, as questões levantadas aqui sobre
seu caráter são válidas e conseqüentes.
Descobriu-se que a abordagem teológica contemporânea da ressurreição
utiliza a metodologia literária inerente à crítica da forma e da redação. Espe-
ramos que através de um estudo deste evento, fazendo uso dessas disciplinas,
possamos fazer um julgamento sobre sua credibilidade.
Também vimos que parece haver um interesse surpreendente na ressurrei-
ção por estudiosos de outros campos além da religião. Este parece ser especi-
almente o caso na história e na filosofia. O propósito de nossa investigação de
várias visões nesses dois campos específicos é triplo. Em primeiro lugar, per-
mite-nos compreender que esta questão não é uma questão isolada apenas no
campo da religião e da teologia. Em segundo lugar, serve para nos familiarizar
com alguns pontos de vista da ressurreição que são surpreendentemente pró-
ximos daqueles propostos por alguns teólogos aos quais nos referiremos cons-
tantemente. Em terceiro lugar, esta discussão anterior prepara o caminho para
nossa investigação posterior de três estudiosos (um teólogo, um historiador e
um filósofo) que lidam com essas questões relativas à ressurreição com muito
mais profundidade, relacionando assim todos os três campos juntos em uma
“busca por a verdade” sobre esta questão.
49
50

Capítulo II
A possibilidade de milagres hoje
A questão se milagres ocorreram ou não no passado (ou se são possíveis hoje)
tem consequências de longo alcance muito além do campo da teologia. Passa-
remos agora ao exame de algumas das principais possibilidades.

A. MILAGRE E MITO

1. UMA DEFINIÇÃO DE MILAGRE

Na busca por uma possível definição de “milagre”, encontram-se muitas abor-


dagens e conclusões. No entanto, existem várias semelhanças e pontos sobre
os quais a maioria parece estar de acordo. Devemos perceber, porém, que a de-
finição a que chegamos na verdade não tem nada a ver com o problema de sa-
ber se os eventos assim definidos realmente ocorrem. Por exemplo, muitos es-
tudiosos que não acreditam que os milagres aconteçam ainda os definem como
ocorrências que não são causadas pela natureza e que devem ser realizadas por
Deus. Eles simplesmente acreditam que tais eventos jamais acontecerão. Por-
tanto, vemos que a definição não significa que um certo tipo de fenômeno
aconteceu.
Bultmann é apenas um estudioso que acredita que nosso mundo moderno é
suficiente para nos fazer rejeitar todos os milagres. A visão antiga do mundo é
obsoleta e não confiamos mais em sua cosmologia ou linguagem mitológica.145
Mesmo assim, reconhece-se que pelo menos o Novo Testamento define mila-
gres como eventos que ocorrem devido à intervenção sobrenatural de Deus, e
não pelo poder da natureza. Para Bultmann, o propósito dos milagres é expres-
sar verdades espirituais que de outra forma seriam inexplicáveis.146
O historiador e filósofo David Hume, que também rejeita o milagroso, rela-
ta que

um milagre pode ser definido com precisão, uma transgressão de uma lei da na-
tureza por uma vontade particular da Deidade ou pela interposição de algum
agente invisível.147

145
Bultmann, “Novo Testamento e Mitologia,” em Kerygma and Myth, op. cit., pp. 1–5.
146
Ibid., pp. 34–35, 39
147
David Hume, Essential Works of David Hume, editado por Ralph Cohen (Nova York: Bantam
Books, 1965), p. 128n3. Os itálicos são de Hume.
51

Mais uma vez descobrimos que, embora Hume rejeite claramente o miraculoso
(como perceberemos com mais detalhes posteriormente), ele define essas ocor-
rências como a intervenção de Deus ou de outro agente invisível. O filósofo
Richard Swinburne aceita essencialmente a mesma definição, percebendo que
ao fazê-lo está próximo da visão de Hume.148
O estudioso inglês C. S. Lewis define os milagres da seguinte forma:

Eu uso a palavra Milagre para significar uma interferência na Natureza por um


poder sobrenatural. A menos que exista, além da Natureza, algo mais que po-
demos chamar de sobrenatural, não pode haver milagres. (Os itálicos são de
Lewis.)149

Como nas outras definições, aqui Lewis também concebe os milagres como
tendo um efeito direto na natureza. Mas os milagres são vistos como sendo
trazidos ao mundo com menos força. Lewis percebe a natureza como uma en-
tidade que pode receber tais ocorrências extraordinárias em seu próprio padrão
de eventos quando eles são causados pelo poder sobrenatural. Assim, eles in-
terferem nas leis da natureza, mas não as quebram.150 Esses milagres não são
dados como garantidos pelo autor, mas são investigados para verificar se eles
realmente ocorreram.151
A última definição de milagres que apresentaremos é a do teólogo John
McNaugher, que concorda com Lewis ao afirmar que essas ocorrências estão
fora da sequência normal de eventos da natureza. Eles não podem ser explica-
dos por processos naturais, mas são devidos à agência de Deus. Eles são ób-
vios para os sentidos e projetados com o propósito de autenticar uma mensa-
gem.152
Nestas cinco definições de milagres existem obviamente várias semelhan-
ças (bem como algumas diferenças). Por exemplo, todos os cinco estudiosos
concordam (em graus variados) que milagres reais requerem intervenção so-
brenatural e não devem ser explicados naturalmente.153 Todos os cinco tam-

148
Richard Swinburne, The Concept of Miracle (Londres: Macmillan and St. Martin's Press, 1970),
p. 11.
149
Lewis, op. cit., p. 10
150
Ibid., pp. 47, 60.
151
Ibid., pp. 148-69, por exemplo.
152
John McNaugher, Jesus Christ the Same Yesterday, Today and Forever (Nova York: Fleming H.
Revell Company, 1947), pp. 91–92.
153
No caso de Bultmann, estamos nos referindo às referências desse estudioso sobre o significado de
“milagre” no Novo Testamento, conforme mencionado acima. Como Hume, ele não acredita que
eles ocorram, mas admite que ainda se acreditava ser essa a definição da palavra no pensamento
cristão do primeiro século.
52

bém acreditam que essas ocorrências têm uma relação direta com as leis da na-
tureza, exigindo algum tipo de interferência. Alguns pensam que os milagres
têm um propósito. Mas nem todos concordam, por exemplo, se esses milagres
realmente ocorrem ou não. Em outras palavras, é possível, neste caso, descre-
ver o que uma ocorrência implicaria se acontecesse, sem realmente acreditar
que existam tais eventos. No entanto, há uma quantidade surpreendente de se-
melhança nessas definições para estudiosos que discordam sobre este último
ponto.
Neste artigo, o escritor se referirá a um milagre como um evento que inter-
fere nas leis da natureza, mas não as viola. Eles não podem ser explicados por
nenhuma causa natural (incluindo o poder do homem) e, portanto, devem ser
realizados por algum tipo de atividade sobrenatural. Eles são efetuados para
um propósito e podem ser percebidos pelos sentidos do homem. A questão
agora é verificar se realmente existem tais eventos.

2. UMA DEFINIÇÃO DE MITO

Uma discussão sobre milagres deveria, idealmente, também incluir uma inves-
tigação sobre o significado do mito. Tentaremos explorar alguns significados
anteriores da palavra e algumas definições modernas dela. Procuraríamos, as-
sim, descobrir o que é o mito e que função ele desempenha na sociedade.
Originalmente,154 os mitos eram geralmente definidos pelos estudiosos co-
mo narrativas fictícias contendo muito pouco ou nenhum conteúdo factual.
Eles estavam preocupados principalmente com histórias de deuses, deusas e
questões sobre o cosmos.155 Por causa de tal conteúdo, os mitos foram julgados
como mera ficção. A definição implicava a contradição essencial entre mito e
história.156
Mais tarde, a palavra também passou a significar uma história fictícia que
girava em torno de um personagem, circunstância ou evento histórico, mas que
não era realmente factual.157 Talvez um exemplo desse tipo de mito popular se-
ja a narrativa de como George Washington derrubou uma cerejeira e escolheu
a punição subsequente em vez de mentir sobre suas ações.

154
Para uma breve introdução à questão de algumas teorias mais antigas sobre as origens do mito,
veja o ensaio introdutório de Daniel Dodson “What is ‘Myth’?” em The Age of Fable, de Thomas
Bulfinch (Greenwich: Fawcett Publications, 1961), pp. The Westminster Press, 1959), pp. 81–85.
155
Varinha, op. cit., pág. 40; veja também o artigo de James K. Feibleman “Myth” no Dictionary of
Philosophy, editado por Dagobert Runes (Totowa: Littlefield, Adams and Company, 1967), p. 203.
156
Wand, Ibid.
157
Runas, op. cit., pág. 203.
53

Há muita discordância quanto a uma definição adequada de mito hoje.158 Is-


so se torna ainda mais difícil pelas variações na definição utilizada por estudi-
osos de diferentes disciplinas.159 Uma prática popular é definir o mito como
sendo o oposto da história, significando assim que é quase completamente fal-
so no sentido factual.160
Conforme usado pela maioria dos teólogos e estudiosos religiosos contem-
porâneos, o mito geralmente não é considerado tão irreal. A ênfase é claramen-
te colocada na maioria das vezes na função do mito e no que tal conceito su-
postamente realiza na sociedade. Assim, os teólogos estão mais interessados
em estudar a mensagem que o mito pretende transmitir.
Para o teólogo do século XIX David Strauss, o mito é a vestimenta para a
expressão das verdades religiosas. Por isso, deve-se procurar averiguar a fun-
ção social e o significado atribuído a um mito, procurando compreender a
mensagem religiosa que é transmitida por meio desse imaginário. A importân-
cia da visão de mito de Strauss é que, antes de seu tempo, esse conceito não
era completamente reconhecido ou não era aplicado de forma consistente.161
Rudolf Bultmann acredita que o mito do Novo Testamento é essencialmen-
te não-histórico, mas que seu propósito principal é expressar verdades existen-
ciais sobre o homem.162 Assim, este estudioso também concorda que esta ques-
tão do propósito do mito é a chave.163 Bultmann admite abertamente que as
imagens reais do mito não são a parte mais importante da mitologia. Em vez
disso, a recuperação de sua mensagem sobre a existência humana é a coisa

158
Por exemplo, ver Mircea Eliade, The Quest: History and Meaning in Religion (Chicago: The
University of Chicago Press, 1969), p. 72f. Ver também Throckmorton, op. cit., pág. 80.
159
Veja o artigo de Victor Turner “Myth and Symbol,” na International Encyclopedia of the Soci-
al Sciences, editado por David L. Sills (sem cidade: The Macmillan Company and The Free Press,
1968), vol. 10, pp. 576–82. Para a definição de “mito” empregada na literatura, ver, por exemplo,
James F. Knapp, “Myth in the Powerhouse of Change,” The Centennial Review 20, no. 1 (inverno
de 1976): 56–74. Cf. Wesley Barnes, The Philosophy and Literature of Existentialism (Woodbury:
Barron's Educational Series, 1968), pp. 34-40.
160
Veja S. H. Hooke, Middle Eastern Mythology (Baltimore: Penguin Books, 1966), que lista esta
visão como aquela que ainda é empregada em tratamentos atuais deste assunto (p. 11). Veja também
Wand, op. cit., pág. 40.
161
Ver Albert Schweitzer, The Quest of the Historical Jesus, traduzido por W. Montgomery (Nova
York: The Macmillan Company, 1968), pp. 78–79; cf. A obra de David Strauss, The Old Faith and
the New, traduzida da sexta edição por Mathilde Blind (Nova York: Henry Holt and Company,
1874), pp. 56–59, por exemplo.
162
Bultmann, "Novo Testamento e Mitologia", em Kerygma e Myth op. cit., especialmente pp. 1–
11. Cf. Schubert Ogden, Christ Without Myth (Nova York: Harper & Row, 1961), pp. 39–40.
163
Throckmorton, op. cit., pág. 23; cf. John Macquarrie, An Existentialist Theology (Nova York:
Harper & Row, 1965), pp. 172–73.
54

mais essencial.164 A ênfase aqui também é entender o que o mito pretendia rea-
lizar.
Poucos estudiosos fizeram mais pesquisas sobre a ideia de mito do que
Mircea Eliade. Para Eliade, os mitos são relatos de feitos que são sempre atos
de criação, na medida em que falam de alguma realidade vindo a existir. Os
mitos são fatores culturais muito complexos cuja principal função é servir de
modelo para os ritos e outras atividades importantes dos humanos. Assim, os
mitos apresentam explicações religiosas para o que se acredita ter ocorrido.
Por esta razão, um mito é percebido como uma realidade real na medida em
que sempre retrata algo que aconteceu, como o começo do mundo ou o fato da
morte.165
Eliade enfatiza o caráter simbólico de tais mitos. Eles são capazes de reve-
lar algo que é mais profundo do que a realidade conhecida. Tais símbolos
apontam para várias facetas da existência humana. Talvez o aspecto mais im-
portante do simbolismo mítico seja que as verdades podem ser expressas por
esse modo, que não podem ser expressas coerentemente de nenhuma outra
maneira. Portanto, é muito importante estudar a mensagem do mito. Os estudi-
osos que não descobrem essa função do mito falham em seu esforço para en-
tender esse conceito.166
Para S. H. Hooke, o mito ainda é visto como sendo essencialmente não-
histórico, mas, no entanto, é resultado de uma circunstância particular e, por-
tanto, tem um propósito. Assim, a abordagem adequada não é tentar determi-
nar quanta verdade real ele contém, mas sim determinar qual é a função real do
mito - o que ele supostamente realiza. Assim como Eliade, Hooke enfatiza que
a função de um mito é usar imagens para expressar verdades que de outra for-
ma não poderiam ser explicadas.167
Essas definições de mito apontaram pelo menos para algumas conclusões
gerais com as quais muitos teólogos parecem concordar, pelo menos até certo
ponto. Os mitos podem ser identificados como o uso de vários tipos de ima-
gens para retratar diferentes aspectos da vida (real ou imaginário), incluindo
crenças, costumes ou folclore. Os mitos são essencialmente não-históricos,
mas podem refletir ocorrências reais e ensinar verdades religiosas ou morais.

164
Bultmann, “Novo Testamento e Mitologia,” em Kerygma and Myth, op. cit., pp. 10–11.
165
Mircea Eliade, Myth and Reality, traduzido por William R. Task (Nova York: Harper & Row,
1963), pp. 5–14.
166
Mircea Eliade, Mephistopheles and the Androgyne: Studies in Religious Myth and Symbol, tradu-
zido por J. M. Cohen (Nova York: Sheed and Ward, 1965), pp.
167
Hooke, op. cit., pp. 11, 16.
55

Os mitos têm uma função social.168 Eles são frequentemente os dispositivos


pelos quais alguém pode expressar o que de outra forma seria inexprimível, se-
ja no que diz respeito à cosmologia, à existência do homem, ao Divino ou às
crenças religiosas e morais de alguém. Em outras palavras, os mitos têm a fun-
ção de permitir que várias sociedades falem de crenças, mistérios e costumes
preciosos de uma forma que a linguagem comum pode não ser capaz de dupli-
car. Isso pode ser devido à falta de palavras adequadas ou à falta do conheci-
mento necessário para explicar essas coisas. Por exemplo, imagens míticas po-
deriam facilmente ter sido empregadas para explicar certos eventos cósmicos,
como eclipses. Dessa forma, as sociedades poderiam transmitir relatos verbais
ou escritos de suas experiências. Que esta era uma função importante do mito
é testemunhado pelas descobertas em várias partes do mundo que apontam pa-
ra este uso.169
Essas conclusões gerais servirão de base para a definição de mito que será
utilizada neste artigo. Resumidamente, o mito será utilizado principalmente
para se referir ao uso essencialmente não histórico de imagens pelas socieda-
des para expressar certas crenças, costumes ou eventos. Eles permitem que as
pessoas falem de realidades que podem ser muito mais difíceis de expressar
sem o uso dessas imagens.
A distinção entre milagre e mito é importante. Será o propósito do restante
deste artigo investigar a ressurreição de Jesus à luz dessas definições. Esta
ocorrência foi um mito expressando as crenças da cristandade primitiva, ou foi
um evento literal que requer ação sobrenatural? Nossa investigação irá, assim,
ver a evidência de cada possibilidade, a fim de verificar para onde ela aponta
em relação a essa questão. Concordamos com Wand na afirmação de que é
muito importante distinguir o mito da história. A finalidade do mito deve ser
determinada e a história real não deve ser confundida com o mito.170 Portanto,
cada um tem sua finalidade e será nossa tarefa não deixar que os dois se mistu-
rem indiscriminadamente.

B. CIÊNCIA E MILAGRES DO SÉCULO XX

1. INTRODUÇÃO

168
Para a compreensão de Paul Ricoeur sobre a mistura de teologia e cultura, veja sua obra History
and Truth, traduzida por Charles A. Kelbley (Evanston: Northwestern University Press, 1965), pp.
177–79, por exemplo.
169
Hooke, op. cit., pp. 19–32.
170
Wand, op. cit., p. 42.
56

É uma prática comum hoje conceber a ciência e o milagroso como sendo to-
talmente opostos. Bultmann, por exemplo, rejeita a cosmologia cristã primitiva
alegando que ela se opõe à ciência moderna. Todo o nosso conhecimento con-
temporâneo é baseado na ciência e isso inclui a aplicação de suas leis ao estu-
do do Novo Testamento.171 Assim Bultmann fala da relação entre ciência e mi-
lagres:

É impossível usar a luz elétrica e o rádio e aproveitar as descobertas médicas e


cirúrgicas modernas e, ao mesmo tempo, acreditar no mundo de espíritos e mi-
lagres do Novo Testamento.172

Assim, este estudioso acredita que vivemos em uma era moderna demais para
acreditar em milagres. O mundo está fechado para tais ocorrências.173 O So-
brenatural simplesmente não ocorre e, portanto, é rapidamente descartado,
muitas vezes de forma arbitrária.174 Outros também concordam com a aborda-
gem de Bultmann.175
Essa linha de raciocínio, entretanto, não é muito recente. Por algumas cen-
tenas de anos antes do século XX, muitos também sustentaram que a ciência
excluía os milagres. O universo era geralmente visto como um sistema fecha-
do, o que significa, entre outras coisas, que não poderia sofrer interferência do
Sobrenatural. James Jauncey define assim:

O ponto de vista da ciência era que a natureza era um "universo fechado". Isso
significava que tudo dentro do universo era governado por uma sequência inva-
riável de causa e efeito. O universo estava fechado para quaisquer ocorrências
que se desviassem desse padrão... Sempre que você tinha uma certa combinação
de fatores operando, o resultado era sempre o mesmo e não podia ser diferente.
Os milagres, por outro lado, não poderiam ser encaixados nessa estrutura de
causa e efeito.176

Essa visão dos milagres é realmente encontrada muito cedo no pensamento crí-
tico. Não precisamos esperar até os séculos XVIII e XIX para encontrar essa

171
Bultmann, “Novo Testamento e Mitologia,” em Kerygma and Myth, op. cit., pp. 1–10.
172
Ibidem, pág. 5.
173
Ibid., pp. 4–5; cf. Montgomery, Para onde vai a história?, op. cit., pág. 194, especialmente nota
de rodapé número 37.
174
Bultmann, Ibid., pág. 38; cf. Macquarrie, op. cit., pp. 185–86
175
Cf. por exemplo, Honest to God, de John A. T. Robinson (Philadelphia: The Westminster Press,
1963). pp. 13–18.
176
James H. Jauncey, Science Returns to God (Grand Rapids: Zondervan, 1966), p. 37. Cfr. também
as declarações do filósofo Gordon Clark sobre o mecanismo do século XIX em seu ensaio “Bult-
mann's Three-Storied Universe”, em Christianity Today, editado por Frank E. Gaebelein (Westwo-
od: Fleming H. Revell Company, 1968), pp. .
57

opinião expressa contra a possibilidade de milagres. Por exemplo, o filósofo


do século XVII Benedict Spinoza (1632-1677) também se opôs a eventos mi-
lagrosos que supostamente violavam as leis da natureza.177
Desde o início do século XX, no entanto, a ciência começou a mudar essas
antigas concepções sobre o funcionamento da natureza. Na história passada do
homem houve muitas revoluções científicas.178 Na opinião da maioria, estamos
vivendo hoje em meio a essa revolução. Jauncy afirma em sua Introdução inti-
tulada “A Revolução Científica”:

Acumulam-se as evidências de que estamos no meio da maior evolução da vida


humana desde o Renascimento. Isso se deve à tremenda explosão do conheci-
mento científico que vem ocorrendo nos últimos anos. Mesmo para aqueles de
nós que estiveram próximos das fronteiras da ciência durante toda a vida, é difí-
cil acreditar no que está acontecendo.179

Quais são os resultados dessas mudanças e como elas afetam a possibilidade


de milagres? Jauncy relata que um dos resultados dessa revolução científica é
que hoje a ideia de um universo fechado é rejeitada. A pesquisa científica
substituiu essa outra visão por uma nova compreensão da natureza.180 Clark
também observa que a ideia de causalidade foi abandonada pela ciência há
cerca de cem anos e a crença em um universo mecanicista também foi ataca-
da.181 A nova visão resultante da natureza às vezes é referida por títulos como
a "interpretação relativista einsteiniana da 'lei natural'" e percebida como sendo
essencialmente oposta ao "mundo dos absolutos newtonianos".182 Thomas S.
Kuhn também acredita que as teorias de Einstein são incompatíveis com as
mais antigas formuladas por Newton. Na verdade, só podemos aceitar esse sis-
tema einsteiniano depois de reconhecer que as teorias de Newton estavam in-
corretas.183
Um trabalho recente do eminente físico alemão Werner Schaaffs conseguiu
tanto descrever essas tendências comparativamente recentes da física quanto
lidar com a influência resultante sobre a possibilidade de milagres. Schaaffs

177
Benedict Spinoza, The Chief Works of Benedict De Spinoza, traduzido por R. E. M. Elwes, 2
vols. (Nova York: Dover Publications, 1951), vol. 1, pág. 87.
178
Ver Thomas S. Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, vol. 2, não. 2 da Enciclopédia In-
ternacional de Ciência Unificada, editada por Otto Neurath, Rudolf Carnap e Charles Morris (Chi-
cago: University of Chicago Press, 1971).
179
Jauncey, op. cit., pág. 3.
180
Ibidem, pp. 37–38.
181
Ibidem, pp. 37–38.
182
John Warwick Montgomery, The Suicide of Christian Theology (Minneapolis: Bethany Fel-
lowship, 1970), pp. 263, 320.
183
Kuhn, op. cit., pp. 98ff.
58

nos informa que a rejeição de um universo fechado pela ciência moderna ocor-
reu por volta da virada do século. De fato, o ano de 1900 é visto como o ponto
de virada para a física moderna.184 Portanto, não podemos mais sustentar cien-
tificamente a crença em um universo fechado, como era o caso no século
XIX.185
Schaaffs refere-se à substituição da visão do universo fechado pela visão
atual da física como “dupla negação”. Isso ocorre porque as opiniões mais an-
tigas, que antes eram usadas para negar todos os milagres, são, por sua vez,
negadas.186 A antiga lei da causalidade foi substituída pela descrição estatística
e, portanto, pela lei da probabilidade.187 Para isso nos voltaremos diretamente.
Mas devemos primeiro observar que novas teorias na física geralmente se ba-
seiam em ideias mais antigas e, portanto, parecem ser um processo de desen-
volvimento (em vez de um caso de deslocamento total). As antigas visões são
assim ampliadas e corrigidas pelas modernas.188 Vamos agora examinar mais
de perto alguns desenvolvimentos importantes na física que levaram a essas
conclusões.

2. ALGUNS PRINCÍPIOS DE FÍSICA

Temos falado da visão moderna da física e sua negação da crença dos séculos
XVIII e XIX em um universo fechado onde se acreditava que nenhuma inter-
venção externa era possível. Deve-se mencionar com toda a justiça que nem
todos os estudiosos nesses dois séculos aceitaram essa visão de causa e efeito
em um mundo mecanicista189, embora fosse muito popular.190 Portanto, antes
do século XX, o mundo era, em sua maior parte, concebido para ser de causa e
efeito mecânicos. Quaisquer eventos que não se encaixassem nesse padrão,
como milagres, eram frequentemente rejeitados imediatamente. Foi o “reino da
‘lei inalterável’” em que se imaginava que se podia ter certeza dos aconteci-
mentos e em que os milagres simplesmente não eram possibilidades.191

184
Werner Schaaffs, Theology, Physics and Miracles, traduzido por Richard L. Renfield (Washing-
ton, DC: Canon Press, 1974) pp. 26, 31, 37–38. Cf. Jauncey, op. cit., pág. 37.
185
Ibidem, cf. pp. 25–26.
186
Ibidem, pp. 24–26.
187
Ibid., pp. 63–64; cf. pp. 44–45.
188
Kuhn, op. cit., pp. 67, 149; cf. Schaaffs, Ibid., p. 64.
189
Por exemplo, David Hume rejeitou firmemente causa e efeito. Veja O. W. Heick, History of Pro-
testant Theology, vol. 2 de A History of Christian Thought de J. L. Neve, 2 vols. (Filadélfia: The
Muhlenberg Press, 1946), p. 65 e também J. Bronowski e Bruce Mazlish, The Western Intellectual
Tradition (Nova York: Harper & Row, 1962), p. 474.
190
Schaffs, op. cit., pp. 63-64 e Clark, "Bultmann's Three-Storied Universe", em Gaebelein, op. cit.,
pág. 218.
191
Jauncey, op. cit., pp. 37–38.
59

Com o surgimento da experimentação da física no século XX, descobriu-se


que, ao contrário da crença científica então aceita, havia muita incerteza em
nosso universo. Não poderia ser previsto com total precisão como um determi-
nado evento ocorreria. Foram encontradas variações e diferenças em princípios
que antes eram considerados invariáveis. Estava começando a ficar claro que
não se podia esperar que o universo se comportasse de uma certa maneira o
tempo todo.192
Embora tenhamos discutido o campo da física, vale ressaltar que essas in-
formações certamente também afetaram outras áreas do conhecimento. Isso era
óbvio porque, se esses fatos fossem verdadeiros, outros estudos também teriam
que se ajustar a eles. Mais tarde, por exemplo, será mostrado o efeito dessas
descobertas na disciplina da história. Schaaffs observa, por exemplo, que pou-
cos realmente entendem que o significado dessas descobertas se estende muito
além do campo da física.193
Alguns podem objetar que esses princípios afetam apenas questões que li-
dam com o microcosmo e, portanto, não têm relação com o tópico de milagres.
Schaaffs lida com esse mesmo problema, concluindo que se pode trabalhar em
qualquer uma das três direções194 para demonstrar que as ocorrências no mi-
crocosmo têm grande influência sobre os eventos no macrocosmo. Essas ra-
zões mostram que as reações em cadeia podem ser causadas por desvios em
átomos individuais que eventualmente têm resultados macroscópicos. Assim,
mudanças mínimas e imprevisíveis nos processos atômicos fazem com que
eventos importantes também se tornem um tanto indeterminados e imprevisí-
veis. Na verdade, o emparelhamento incerto de transações microscópicas pode
causar ou impedir que um evento macroscópico ocorra. Assim, o próprio even-
to macroscópico torna-se imprevisível e não está ao alcance da ciência contro-
lá-lo.195
É verdade que os eventos microscópicos são mais imprevisíveis do que os
macroscópicos, mas ambos são frequentemente considerados inexplicáveis.196

192
Ibidem, pág. 38; para este princípio aplicado à física, ver Schaaffs, op. cit., pp. 57–61 e Otto Blüh
e Joseph Denison Elder Principles and Applications of Physics (Nova York: Interscience Publishers,
1955), pp. 760ff.
193
Schaaffs, Ibid., p. 61.
194
Schaaffs menciona três abordagens ao observar o efeito do microcosmo no macrocosmo. Uma
maneira seria trabalhar dos elementos microscópicos para os macroscópicos, observando o efeito
que átomos individuais podem ter em processos ou eventos inteiros. Ou pode-se trabalhar na direção
oposta, começando com o macrocosmo e tentando encontrar as minúsculas partículas que o afetam.
Por fim, Schaaffs experimentou a equação da onda de matéria de De Broglie, demonstrando que ela
também pode ser aplicada ao macrocosmo, assim como pode ser aplicada ao microcosmo (Ibid., pp.
80-81).
195
Ibid., pp. 52–53, 71, 79–81. Este último ponto é ilustrado por Schaaffs (pp. 52-53).
196
Ibid., pp. 16, 71. Cf. Blüh e Elder, op. cit., pp. 806–7, 803.
60

Por essas razões, eventos microscópicos e macroscópicos “podem ser interpre-


tados apenas como uma lei de probabilidade”.197 Isso significa que uma “afir-
mação na ciência raramente é considerada verdadeira em si mesma, mas ape-
nas dentro de um certo limite de probabilidade”.198 Em outras palavras, não
podemos mais considerar uma afirmação científica como sendo absoluta, mas
apenas provável de uma forma ou de outra. As probabilidades estatísticas de-
vem ser dadas aos eventos de acordo com o grau em que se pode esperar que
eles ocorram e não vistos como sendo positivamente certos, como poderia ser
o caso em um universo fechado.
Um uso de estatísticas que talvez não seja óbvio a princípio é que elas “nos
permitiram apreciar os casos extremos”199 porque “quanto mais raro um even-
to, mais difícil é determinar um momento preciso para sua ocorrência. Só se
pode atribuir uma probabilidade a isso.”200 Portanto, eventos mais comuns re-
cebem uma probabilidade maior e os mais raros uma probabilidade menor.
Eventos únicos têm chances ainda menores de ocorrer. Mas isso é intrigante no
caso desses eventos muito raros porque “mesmo a maior probabilidade não
pode descartar a possibilidade de que o evento ocorra amanhã”.201 Há um nú-
mero infinito de possibilidades para que tais eventos ocorram diariamente e,
portanto, não podem ser considerados impossíveis.
Dar uma probabilidade a eventos raros, como descritos acima, pode ter al-
guma relevância para a possibilidade de ocorrência de milagres? Schaaffs res-
ponde afirmativamente:

Embora um milagre seja um evento ou experiência rara, ou talvez até única, to-
talmente fora do comum, pode com relativa facilidade, como mostra nosso
exemplo, ser colocado em uma estrutura estatística. Não tem nenhuma peculia-
ridade intrínseca que exija que seja colocado fora desse quadro. Assim, um mi-
lagre, embora uma raridade com certeza, é um fenômeno da lei natural, pois as
estatísticas são a essência da lei natural.202

Portanto, vemos que para este físico alemão os milagres são possíveis. Tam-
bém observaremos aqui que Montgomery, por exemplo, concorda com a análi-
se acima e insiste que a única maneira pela qual um relato de um milagre pode
ser verificado é por um “confronto sem preconceitos” com as fontes que afir-
mam que tal evento realmente ocorreu. Não precisamos tentar averiguar a pri-

197
Schaffs, op. cit., pág. 64.
198
Jauncey, op. cit., p. 38.
199
Schaaffs, op. cit., p. 55.
200
Ibid., p. 56.
201
Ibid.
202
Ibid., p. 45.
61

ori o que pode ocorrer hoje (como foi feito em um universo fechado), pois
quase tudo é possível de acordo com sua probabilidade estatística. Em outras
palavras, a “questão não é mais o que pode acontecer, mas o que aconteceu”
porque “o universo desde Einstein se abriu para a possibilidade de qualquer
evento” (o grifo é de Montgomery).203 Portanto, só podemos determinar o que
aconteceu investigando as fontes para determinar quais eventos provavelmente
fazem parte da história e quais eventos provavelmente não fazem parte.

3. MILAGRES

Poucos entendem quão abrangentes são esses resultados na física e “quão além
da física seu significado se estende”.204 O conhecimento assim adquirido ultra-
passa os limites da física e afeta outros campos, como a teologia. 205 Descobri-
mos que a crença em um universo mecanicista e fechado não é mais válida e,
portanto, não pode ser usada para descartar milagres a priori, como no passa-
do. Só podemos descobrir se um evento ocorreu ou não investigando as fontes
minuciosamente. Isso pode levar a uma conclusão positiva ou negativa.
Um ponto-chave que queremos enfatizar neste capítulo é que essas cosmo-
visões anteriores não podem mais ser usadas, como a teologia contemporânea
frequentemente faz,206 contra a ocorrência de milagres. Certamente não esta-
mos dizendo neste ponto que milagres ocorrem. Mas eles só podem ser desa-
creditados hoje pelos méritos de cada um. Montgomery enfatiza esse último
ponto nas seguintes palavras, usando a ressurreição de Jesus como um exem-
plo de milagre:

Opor-se à ressurreição com base no fato de que milagres não ocorrem é, como
observamos anteriormente, filosoficamente e cientificamente irresponsável: fi-
losoficamente, porque ninguém abaixo do status de um deus poderia conhecer o
universo tão bem a ponto de eliminar os milagres a priori; e cientificamente,
porque na era da física einsteiniana (tão diferente do mundo dos absolutos new-
tonianos em que Hume formulou seu clássico argumento anti-milagroso) o uni-
verso se abriu para todas as possibilidades.207

203
Montgomery, Para onde vai a história?, op. cit., pág. 93; cf. pp. 73, 168–69.
204
Schaaffs, op. cit., p. 61.
205
Ibid., p. 65.
206
Schaaffs dirige algumas de suas críticas contra Bultmann (Ibid., pp. 13, 24-25) e outros teólogos
que insistem em usar essas cosmovisões ultrapassadas (Ibid., pp. 8, 15, 31, 60, 64).
207
Montgomery, O Suicídio da Teologia Cristã, op. cit., pp. 262–63.
62

Isso certamente não é para afirmar que Einstein disse que milagres aconteceri-
am, mas apenas que sempre há a possibilidade de que eles possam acontecer,
dado nosso atual conceito de física.
No que diz respeito à concepção de natureza com a qual temos trabalhado,
devemos mencionar que os resultados descritos acima não invalidam a ideia de
ordem legal essencial na natureza. Todos concordam que tal ordem geral exis-
te, embora deva ser descrita apenas estatisticamente.208 Além disso, como ex-
plica McNaugher, onde não há regularidade na natureza, não podemos falar de
qualquer desvio dela.209 Em outras palavras, se a natureza fosse desordenada,
seria impossível saber se algo havia ocorrido que pudesse ser descrito como ir-
regular.
Assim, juntamente com todos os estudos recentes, afirmamos também a
crença na regularidade da natureza. Um verdadeiro milagre, então (se houver
tal ocorrência), deve interferir nessa regularidade, de acordo com nossa defini-
ção. Portanto, se os milagres devem acontecer, a natureza não pode ser a causa
deles, mas pode apenas estar aberta à sua ocorrência.210
Assim, sustentamos que a erudição moderna não pode mais negar os mila-
gres simplesmente referindo-se a um universo fechado e à nossa civilização
como sendo “avançada demais”. Eles só podem ser negados com base na pes-
quisa histórica e filosófica (lógica).
Pode parecer que há muita confiança aqui em uma visão de mundo científi-
ca atual que pode mudar novamente no futuro para outra compreensão da natu-
reza. Para isso, há pelo menos duas respostas válidas.
Primeiro e mais importante, deve-se apontar que uma investigação sobre a
possibilidade de milagres não requer a visão relativista contemporânea da na-
tureza para chegar a conclusões válidas. É verdade que essa visão moderna da
ciência ajuda consideravelmente tanto na negação da velha hipótese do univer-
so fechado quanto na possibilidade de que ocorram milagres. No entanto, de-
ve-se afirmar que o procedimento do qual trataremos mais adiante, ou seja, in-
vestigar um evento antes de qualquer julgamento sobre a probabilidade de sua
ocorrência ser feito, não depende da ciência. Não podemos exagerar isso o su-
ficiente. Se fôssemos descansar sobre uma visão existente da natureza, estarí-
amos sempre correndo o risco de ter nosso sistema perturbado por causa de
novas idéias, quando esse não é o caso. Independentemente do estado contem-
porâneo da física, sustentamos que o relato de um milagre (conforme definido
acima) deve ser investigado indutivamente para verificar se ocorreu indepen-

208
Ver Schaffs, op. cit., pp. 64, 71; cf. também Swinburne, op. cit., pp. 23–26.
209
MacNaugher, op. cit., pág. 92; cf. Swinburne, Ibid., pp. 26–29.
210
Observe que estamos mostrando o resultado na natureza se milagres ocorressem. Ainda não esta-
belecemos se eles realmente o fazem ou não.
63

dentemente de qualquer outra visão de mundo do que pode ou não acontecer.


Essa é uma abordagem muito mais lógica e acadêmica do que começar com
pressuposições quanto ao que é possível. Essas conclusões poderiam, portanto,
ser mantidas mesmo que a física não estivesse no estado em que a encontra-
mos.211 Assim, as conclusões a serem alcançadas não dependem apenas de
nossa compreensão moderna da ciência, mas são baseadas nesta investigação
acima mencionada dos fatos relatados.212
Em segundo lugar, Schaaffs responde a essa mesma pergunta afirmando
que a física é diferente de outras disciplinas porque não retrocede: “O conhe-
cimento preciso e os resultados de pesquisas anteriores nunca são simplesmen-
te descartados; em vez disso, eles servem como blocos de construção para no-
vos avanços.”213 Ele acrescenta mais tarde que “o conhecimento descoberto no
presente século permanecerá válido dentro da estrutura em que foi obtido”.214
Os conceitos atuais da física podem até ser ampliados, mas não desaparecem.
Isso porque o conhecimento nessa disciplina não é descartado para retornar a
ideias mais antigas.215 Como mencionado, as verdades descobertas na física
permanecem válidas. Portanto, mesmo que baseássemos nossas conclusões na
visão de mundo científica atual (embora não o façamos, como afirmado aci-
ma), elas ainda pareceriam seguras.
Antes de prosseguir para o próximo capítulo, deve ser mencionado com to-
da a justiça que a maioria dos homens de ciência não sustenta que esta visão
atual da física dê qualquer preferência aos milagres.216 Portanto, concluiremos
este capítulo com a afirmação do filósofo Gordon Clark, que é cauteloso em
sua avaliação da relação entre milagres e a física moderna. Ele sente que en-
quanto alguns conservadores teológicos foram longe demais em sua aplicação
de princípios científicos ao Sobrenatural, outros foram longe demais na dire-
ção oposta ao apresentar a ciência como sendo totalmente oposta a qualquer
coisa que seja realmente milagrosa. Clark acredita que podemos pelo menos

211
Queremos deixar claro, no entanto, que nosso estudo da física contemporânea é extremamente
importante e não apenas uma “boa adição” a este trabalho. Embora este estudo seja baseado em uma
investigação dos fatos para determinar se um evento ocorreu e não em uma visão de mundo científi-
ca atual, este capítulo ainda forneceu alguns insights sobre a questão do que é possível no mundo de
hoje. Compreender a perspectiva científica atual demonstrou pelo menos que nossas crenças não de-
vem excluir milagres a priori. Além disso, nos faz perceber que há uma base científica para nossa
abordagem histórica na investigação de um suposto evento.
212
Ver Bernhard Ramm, Protestant Christian Evidences (Chicago: Moody Press, 1953), pp. 146–
149.
213
Schaffs, op. cit., pág. 14. Os itálicos são Schaaffs.
214
Ibid., p. 67.
215
Ibidem, pág. 14.
216
Ernst Cassirer, Determinism and Indeterminism in Modern Physics, traduzido por O. Theodor
Benfrey (New Haven: Yale University Press), p. 193 por exemplo.
64

minimamente concluir que as outrora populares teorias de um universo fecha-


do e mecanicista não podem mais ser usadas para invalidar milagres. Além
disso, nem essas teorias mais antigas nem as científicas contemporâneas po-
dem ser usadas como objeções contra o Sobrenatural. Embora não possamos
concordar com aqueles que acreditam que a ciência dá preferência aos mila-
gres, também não podemos concordar com aqueles que acreditam que ela os
proíbe.217
Em outras palavras, a conclusão de Clark é expressa em termos negativos.
Em vez de sustentar que o universo permite o milagroso, Clark simplesmente
afirma que não podemos mais nos apropriar de uma visão de mundo científica
que exclua o milagroso. Assim, ele não fala sobre o que é possível na natureza,
como muitos dos estudiosos de que tratamos acima, mas sobre o que não po-
demos dizer sobre isso. Não podemos sustentar que a ciência dá tratamento
preferencial aos milagres, mas também não podemos usar a cosmovisão cientí-
fica para mostrar que eles não podem ocorrer.218 Esta, então, é a conclusão
com a qual trabalharemos, uma que não favorece diretamente nenhuma das
duas opiniões. Portanto, também ficamos com a conclusão a que chegamos an-
teriormente - que as decisões relativas à probabilidade de certos milagres (co-
mo a ressurreição de Jesus) devem ser determinadas por uma investigação
completa dos fatos relatados, a fim de verificar se eles realmente aconteceram.

217
Clark, "Bultmann's Three-Storied Universe", em Gaebelein, op. cit., pp. 218-19.
218
Ibid.
65
66

Capítulo III
História e Milagres
Conforme declarado acima, este estudo não se baseia nas descobertas da física
moderna, mas sim na ideia de que quaisquer relatos que afirmem que um mi-
lagre ocorreu devem ser investigados historicamente para que sua veracidade
seja determinada. Assim, veremos primeiro o conceito de história que será uti-
lizado neste trabalho e, em seguida, visualizaremos o método desta investiga-
ção.

A. UM CONCEITO DE HISTÓRIA

O termo “história” é usado de várias maneiras por diferentes estudiosos. Não


existe uma definição uniforme que seja aceita por todos os estudiosos, pois vá-
rias abordagens e interpretações são comumente utilizadas.219 Portanto, não é
nosso propósito aqui dar um tratamento completo ou exaustivo das definições
contemporâneas de história. No entanto, parece que há pelo menos algum
acordo geral sobre o conteúdo da história.
A maioria dos historiadores concorda que a história inclui pelo menos dois
fatores principais – os eventos reais em particular e também o registro desses
eventos. Assim, esta disciplina se preocupa principalmente com o que aconte-
ceu e como essas ocorrências foram anotadas. É essa concepção que formará o
núcleo da compreensão da história, conforme será usada neste trabalho. Outros
elementos certamente estão envolvidos, como será observado agora. Mas a in-
clusão dessas duas ideias principais é essencial e, portanto, é a base desse con-
ceito que será usado aqui.220
Ora, certamente não pretendemos afirmar que a presença desses dois ele-
mentos é tudo o que está envolvido em uma definição de história. Em vez dis-
so, esses são os que parecem ocorrer com mais frequência. No entanto, alguns
outros fatores que fazem parte dessa discussão também devem ser menciona-
dos rapidamente.
219
Veja o artigo de Patrick Gardiner “The Philosophy of History” na International Encyclopedia of
the Social Sciences, editado por David L. Sills, op. cit., vol. 6, pp. 428-33 para algumas dessas in-
terpretações.
220
A maioria dos historiadores também reconhece esses dois fatores – os próprios eventos e os re-
gistros desses eventos – como sendo uma parte essencial da história. Para tais visões relacionadas,
veja Carl L. Becker, The Heavenly City of Eighteenth-Century Philosophers (New Haven: Yale
University Press, 1969), pp. 17–18; Bronowski e Mazlish, op. cit., pp. xi–xii; Clough, Garsoian e
Hicks, op. cit., vol. 1, pág. 1; Runas, op. cit., pág. 127; Varinha, op. cit., pág. 22.
67

Primeiro, há sempre um fator subjetivo envolvido na escrita da história. Por


exemplo, o historiador deve selecionar o material que cobrirá (e não cobrirá).
O evento histórico é obviamente objetivo. É o registro do evento que introduz
fatores subjetivos. Para W. H. Walsh, a subjetividade do escritor está presente,
mas não é um obstáculo realmente sério para a obtenção de uma história obje-
tiva. Essa subjetividade pode ser permitida para que seus esforços sejam supe-
rados.221 Wand concorda com Walsh ao afirmar que a melhor abordagem a ser
tomada em relação à história é de cautela,222 pois devemos tentar reconhecer
esse viés subjetivo e, em seguida, fazer a devida concessão a ele.223
Também nos esforçaremos para levar em consideração esse fator subjetivo
em nossa investigação da ressurreição. Esta ocorrência foi relatada como um
evento histórico objetivo e devemos averiguar se é a melhor explicação para os
fatos conhecidos.
Em segundo lugar, descobrimos que a história não pode chegar ao ponto em
que é totalmente positiva de suas descobertas em todas as instâncias. Tal como
acontece com a física, também há uma certa dependência da probabilidade na
história.224
Por exemplo, Ernest Nagel, que aceita uma visão determinista da história,
admite que o faz apesar das convicções dos físicos contemporâneos que sus-
tentam quase unanimemente o ponto de vista oposto.225 As conclusões desses
cientistas afetaram os historiadores, pois a visão científica aceita contra um
universo determinista também ajudou a virar os historiadores contra uma visão
determinista da história.226
Nagel lista cinco razões principais pelas quais o determinismo histórico é
geralmente rejeitado por tantos historiadores hoje. O primeiro é o argumento
da ausência de quaisquer leis ou padrões de desenvolvimento na história. O
segundo é o argumento baseado na incapacidade de explicar e prever eventos
na história humana. O terceiro argumento diz respeito ao aparecimento do ro-
mance nas ocorrências históricas. O quarto é o argumento dos eventos casuais
que também fazem parte da história. O quinto argumento diz respeito aos re-
sultados conflitantes quando se tenta compatibilizar o conceito de mundo de-
terminista com a liberdade e o dever moral dos seres humanos.227

221
W. H. Walsh, Philosophy of History (Nova York: Harper & Brothers, 1960), pp. 101, 103.
222
Wand, op. cit., pp. 29, 42.
223
Ibidem, pág. 31. Veja também o artigo de Patrick Gardiner “The Philosophy of History,” em
Sills, editor, op. cit., pp. 432–33.
224
Wand, op. cit., pp. 51–52.
225
Ernest Nagel, “Determinism in History,” in Dray, op. cit., p. 355.
226
Ibid.
227
Ibid.
68

É por causa dessas e de outras descobertas semelhantes que tantos historia-


dores rejeitaram a visão determinista da história. Nagel afirma ainda (para rei-
terar o ponto) que as descobertas da física moderna, que também se opõem ao
determinismo, foram um fator-chave que exerceu influência direta em uma re-
jeição semelhante desse conceito pela maioria dos historiadores.228 Montgo-
mery concorda com essa crença de que a ciência contemporânea tornou impos-
sível para os historiadores aceitar um sistema fechado de causas naturais.229
O surgimento desses eventos aleatórios e novos mencionados acima, junta-
mente com a incapacidade acima mencionada de explicar ou prever muitas ou-
tras ocorrências, ajudou a promover o uso de probabilidades em estudos histó-
ricos (bem como na investigação científica).230 Os historiadores reconhecem e
utilizam esse conceito de probabilidade. Por exemplo, Montgomery observa
que os estudos históricos nunca podem atingir o nível de certeza de cem por
cento.231 Ronald VanderMolen concorda completamente com a avaliação de
Montgomery e, portanto, aceita a crença de que a erudição histórica não é to-
talmente positiva em relação a suas descobertas. Na verdade, os historiadores
não devem deixar de levar em conta essa quantidade de incerteza.232 Por isso
Montgomery opta por uma investigação crítica das fontes em questão, sendo a
decisão sobre a ocorrência de algum evento específico baseada na probabilida-
de das evidências. Na verdade, a probabilidade é referida como o único guia
suficiente para um historiador.233 Wand também observa que não podemos ter
tanta certeza da investigação histórica quanto se pensava ser possível no pas-
sado.234 No entanto, devemos fazer nossos julgamentos sobre quais fatos são
mais prováveis de acordo com a evidência histórica.235
Esses elementos, então, devem ser incluídos em um tratamento contempo-
râneo da história. Embora não tenha sido nosso propósito tratar exaustivamen-
te desse assunto, chegamos a algumas conclusões sobre o conceito de história
tal como será utilizado neste trabalho. Vamos nos referir à história como a
ocorrência de eventos passados e o registro deles. Percebendo que há sempre
uma certa quantidade de subjetivo nesta gravação, deve-se permitir isso tanto
quanto possível para que dados objetivos sejam obtidos. Percebendo também
que, ao falar da história, estamos lidando com probabilidades, será nosso dese-
jo verificar o mais próximo possível quais fatos melhor se ajustam à evidência.

228
Ibid.
229
Montgomery, Para onde vai a história?, op. cit., pág. 71.
230
Ver Schaffs, op. cit., cfr. pp. 52–53, 64, por exemplo.
231
Montgomery, Para onde vai a história?, op. cit., pp. 168–69.
232
Ronald VanderMolen, “‘Para onde vai a história? 1–2 (1972/1973): 110.
233
Montgomery, Para onde vai a história?, op. cit., pp. 71–74.
234
Wand, op. cit., pp. 25–27.
235
Ibid., pp. 30, 51–52, 156, 167.
69

Com essas probabilidades e incertezas, sempre há espaço para a possibilidade


de qualquer evento, por mais alta que seja a probabilidade contra ele.236 Os
eventos não podem, portanto, ser descartados (cientificamente ou historica-
mente) antes de serem pesquisados. A única resposta é uma investigação com-
pleta das evidências.

B. INVESTIGANDO OS EVENTOS HISTÓRICOS

1. PESQUISA E INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA

É opinião da maioria dos historiadores hoje que a veracidade dos eventos pas-
sados pode ser descoberta (dentro de certa probabilidade) por meio de uma in-
vestigação cuidadosa dos fatos.237 Walsh observa que, uma vez que esses even-
tos ocorreram no passado, eles só são acessíveis por um estudo das evidências
históricas. Embora o próprio historiador não possa participar do evento que já
ocorreu (a menos que ele tenha estado originalmente lá), ele pode inspecionar
os dados relevantes, como documentos escritos e vários outros registros, estru-
turas ou achados arqueológicos. Após tal confirmação como esta, o historiador
deve obter sua evidência. Isso é o que Walsh sente ser o princípio de funcio-
namento da pesquisa histórica.238
Claro, o que os dados existentes e as fontes escritas revelam geralmente não
é automaticamente aceito como verdadeiro. É, portanto, o trabalho do historia-
dor investigar criticamente as alegações disponíveis, a fim de verificar o mais
próximo possível o que aconteceu. Isso inclui o procedimento de determinar se
as fontes melhor apóiam as afirmações feitas nelas. Os resultados adequados
podem ser obtidos mesmo que exista essa necessidade de determinar quais fa-
tos melhor se ajustam à evidência. Então é dever do historiador formular os fa-
tos com base neste trabalho de base.239 Deve-se, portanto, decidir sobre a evi-
dência disponível - aquela que se mostra ser a conclusão mais provável.

236
Schaaffs, op. cit., p. 56.
237
Wand, op. cit., p. 5.
238
Walsh, op. cit., pág. 18. Para um bom exemplo de tal investigação em relação a eventos históri-
cos antigos, veja os métodos de Delbrück para determinar como batalhas antigas foram travadas nos
tempos dos impérios grego e romano. É fascinante perceber como esse estudioso conseguiu chegar a
fatos históricos sobre o tamanho dos exércitos adversários, como eles manobravam e outras facetas
de batalhas específicas nos tempos antigos, examinando os antigos registros históricos. Por exemplo,
veja Edward M. Earle, editor, Makers of Modern Strategy (Princeton: Princeton University Press,
1943), especialmente pp. 264-68 com relação ao método histórico de Delbrück.
239
Ibid., pp. 18–19; cf. Daniel Fuller, op. cit., pág. 22 para essas mesmas conclusões.
70

Mesmo as alegações de milagres devem ser investigadas dessa maneira,


pois não podem ser descartadas a priori, como observado acima. Sobre este as-
sunto Montgomery afirma:

Mas pode o homem moderno aceitar um “milagre” como a ressurreição?... Para


nós, ao contrário das pessoas da época newtoniana, o universo não é mais um
campo de jogo rígido, seguro e previsível no qual conhecemos todas as regras.
Desde Einstein, nenhum homem moderno teve o direito de descartar a possibili-
dade de eventos por causa do conhecimento prévio da “lei natural”. … O pro-
blema do “milagre”, então, deve ser resolvido no âmbito da investigação histó-
rica.240

Como conclui Montgomery, uma vez que não podemos decidir antecipada-
mente o que pode acontecer, devemos determinar, pela pesquisa histórica, o
que realmente já aconteceu.241
Devemos apontar rapidamente aqui que não se deve acreditar em milagres
simplesmente porque são sobrenaturais. De fato, desejaríamos ser mais cuida-
dosos antes de aceitar uma alegação de milagre como um evento histórico.
Mas, por outro lado, também devemos nos proteger contra a pressuposição de
que milagres não podem ocorrer. Não há nenhuma base real, seja científica ou
histórica, para esta pressuposição.242 Embora muitos sejam céticos sobre a rea-
lidade dos milagres, pode ser que uma explicação sobrenatural se encaixe me-
lhor nos fatos e seja a solução mais provável.243
Sobre este último ponto de ceticismo, Wand fez uma observação muito per-
tinente. Suas palavras foram especificamente dirigidas ao ceticismo histórico
do teólogo Van Harvey, mas Wand aponta que o mesmo também pode ser
aplicado a outros dessa persuasão. Harvey argumentou que não podemos acei-
tar os relatos do Novo Testamento sobre o túmulo vazio, embora haja muitas
evidências históricas a favor deles e nenhuma evidência convincente contrária
a eles. A esta varinha responde:

Podemos muito bem perguntar a Harvey como um historiador crítico pode fazer
outra coisa senão decidir sobre as evidências diante dele - a menos que, de fato,
ele já possua algum segredo que invalide de antemão qualquer evidência que
possa ser trazida em favor do fenômeno em questão? O fato é que, nesse tipo de
argumento, o cético não está funcionando como um historiador. Ele começa
com a suposição de que não poderia haver ressurreição corpórea, já que isso se-

240
John Warwick Montgomery, História e Cristianismo (Downers Grove: InterVarsity Press, 1972),
p. 75. Cfr. também para onde vai a história de Montgomery?, op. cit., pág. 71.
241
Ibidem, cf. também Para onde está indo a história, pp. 168–169.
242
Wand, op. cit., pp. 30, 101.
243
Ibid., pp. 51–52.
71

ria contra a natureza... Ou seja, ele rejeita a evidência porque não gosta de uma
conclusão que ela possa ser usada para sustentar.244

Parece que o ponto de Wand é bem compreendido aqui. O que mais o historia-
dor pode fazer, exceto investigar as evidências disponíveis e tomar uma deci-
são com base nelas? Uma vez que é assim que outros fatos históricos devem
ser decididos (como vimos acima), parece que não temos o direito de exigir
critérios diferentes simplesmente porque, como observa Wand, não gostamos
ou não concordamos com as conclusões. Devemos, portanto, abordar este as-
sunto com a mente aberta, tentando verificar qual explicação é a mais prová-
vel.245
Agora, alguns podem julgar que as conclusões de Wand são as do “funda-
mentalista” teológico que se esforça para provar que cada palavra da Escritura
é verdadeira. Deve-se observar que esse estudioso de Oxford não apenas se
opõe a tais crenças,246 ele sustenta a opinião teológica bastante contemporânea
de que, embora parte do Novo Testamento seja histórica e confiável, parte
também é simplesmente propaganda que foi escrita sem qualquer pretensão de
ser objetivamente histórica. Assim, ele não pode aceitar a visão de que a pró-
pria Bíblia é a garantia e a prova de que todo o cristianismo foi completamente
histórico.247 Por causa disso, Wand acredita que devemos investigar quaisquer
elementos míticos que possam estar presentes nos textos. Mas, ao mesmo tem-
po, não podemos permitir que as porções que as evidências indicam serem his-
tóricas sejam rotuladas como mito.248
A conclusão de Wand nesses assuntos é que devemos abordar esses docu-
mentos antigos com cautela. Tendências e fatores subjetivos devem ser permi-
tidos e tratados de acordo. Mas, apesar de tudo isso, podemos achar que a ex-
plicação sobrenatural é historicamente mais provável do que a natural. Neste
caso, devemos estar preparados para aceitar a conclusão milagrosa.249

2. A RESSURREIÇÃO E A INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA

De acordo com Wand, a ressurreição é a reivindicação central do Cristianismo


do Novo Testamento e, como tal, não pode ser simplesmente ignorada.250
Também não devemos nos contentar em deixar a questão simplesmente afir-

244
Ibid., pp. 70–71.
245
Ibid., pp. 29–31.
246
Ibid., p. 55
247
Ibid., pp. 17–18.
248
Ibid., p. 42.
249
Ibid., pp. 29–31.
250
Ibid., pp. 80, 114.
72

mando que os discípulos originais acreditavam que Jesus havia ressuscitado.


Uma vez que é o centro da fé cristã, deve ser cuidadosamente investigado. De-
vemos investigar essa crença a fim de verificar se ela é válida ou não.251
Outros historiadores também concordam com a necessidade de tal pesquisa.
O historiador antigo Paul Maier também acredita que a evidência histórica da
ressurreição deve ser investigada. Então podemos julgar melhor se pode ser re-
ferido como uma parte real da história.252 Outro historiador antigo, Edwin
Yamauchi, concorda que devemos investigar essa ocorrência para concluir se
ela é melhor explicada como mito ou como história.253 Já discutimos a prefe-
rência de Montgomery em investigar historicamente esse evento também.254
Portanto, após tratar do problema da fé e da razão no próximo capítulo, nos
voltaremos para esta investigação.255 Os autores do Novo Testamento certa-
mente afirmaram que Jesus ressuscitou dos mortos, significando literalmente
que ele apareceu a muitos dos primeiros cristãos depois de ter realmente mor-
rido. Ninguém duvida que é isso que as contas relatam. Resta-nos tentar de-
terminar a facticidade dessas afirmações.
Neste capítulo, explicamos o conceito de história que será usado neste tra-
balho. Também determinamos que a história, como a ciência, não pode descar-
tar a priori a possibilidade de milagres, isto é, sem investigar as evidências
disponíveis e decidir sobre elas. Para esse fim, descrevemos brevemente as
abordagens adotadas por vários historiadores quanto à pesquisa e investigação
histórica. Procedimentos como esses serão usados em nossa própria investiga-
ção da ressurreição de Jesus.

251
Ibid., pp. 90–94.
252
Maier, Primeira Páscoa, op. cit., pp. 105–122 e “O Túmulo Vazio como História”, op. cit., pp. 4–
6.
253
Yamauchi, op. cit., 15 de março de 1974 pp. 4–7 e 29 de março de 1974, pp. 12–16.
254
Montgomery, Where Is History Going?, op. cit., pp. 71–73, 93, 168–69 for instance.
255
É importante notar que estudos históricos também foram feitos sobre outras alegações de mila-
gres na história antiga. M. I. Finley, por exemplo, investiga Homer e suas alegações de intervenção
milagrosa no início da história, como na guerra de Tróia. Ou, para outro exemplo, vários estudiosos
examinaram alegações de falar em línguas, ou glossolalia, na história antiga. Para o trabalho de Fin-
ley, veja The World of Odysseus (New York: The Viking Press, 1954), especialmente pp. 10–19.
Para uma discussão histórica sobre falar em línguas, veja George Barton Cutten, Speaking with Ton-
gues Historically and Psychologically Examined (New Haven: Yale University Press, 1927), pp. 36-
47, por exemplo. Para outro exemplo, ver Frank Stagg, E. Glenn Hinton e Wayne E. Oates, Glosso-
lalia: Tongue Speaking in Biblical, Historical and Psychological Perspective, (Nashville: Abingdon
Press, 1967), pp. 48–57.
73
74

Capítulo IV
Razão e Fé
Já foi dito que a história e o pensamento cristãos são uma história da oposição
entre fé e razão. Esta é uma referência ao conflito contínuo entre esses dois as-
pectos da vida cristã - o espiritual e o racional.256 Sempre pareceu haver uma
variedade de pontos de vista sobre esse assunto, muitas vezes misturados e so-
brepostos. O historiador da filosofia Etienne Gilson tratou de várias dessas
opiniões em sua obra Razão e Revelação na Idade Média.257 Por exemplo, o
teólogo da igreja primitiva Tertuliano acreditava não apenas que a fé era pri-
mária, mas que toda referência à filosofia humana ou outros ensinamentos de-
veria ser excluída.258 Passando para o século XII, encontramos São Bernardo
expressando uma opinião semelhante em favor da fé somente.259
Uma segunda visão foi a de Agostinho, que sustentava que a razão e o en-
tendimento desempenham um papel, mas secundário, pois a fé deve precedê-
los. Portanto, devemos exercer a fé antes de podermos entender. 260 Outro ex-
poente dessa visão foi Anselmo.261
Gilson descobre que uma terceira visão importante foi expressa pelo filóso-
fo árabe do século XII, Averróis. Embora seu sistema de pensamento não fosse
cristão, influenciou o cristianismo. Para Averróis, a razão era primordial e a fé
a ela subordinada.262
A quarta visão foi a de Tomás de Aquino, que se esforçou para encontrar
harmonia entre fé e razão. Ele acreditava que algumas verdades só poderiam
ser conhecidas pela revelação, enquanto outras poderiam ser alcançadas pela
razão.263
Esta é apenas uma amostra de algumas das possibilidades quando se olha a
história das opiniões sobre a relação entre fé e razão. Alguns favorecem o uso
exclusivo da fé ou da razão. Alguns dão lugar a ambos, enquanto subordinam
um ao outro. Ou a razão é vista como subordinada à fé ou vice-versa. Outros

256
Veja Manfred T. Brauch, “Head and Heart Go to Seminary,” Christianity Today 19, no. 9 (10 de
junho de 1975): 11–12.
257
Etienne Gilson, Reason and Revelation in the Middle Ages (Nova York: Charles Scribner's Sons,
1966).
258
Ibid., pp. 9–10.
259
Ibid., pp. 12–13.
260
Ibid., pp. 17–19.
261
Ibid., pp. 23–26.
262
Ibidem, pp. 37–62. Ver especialmente as pp. 42–48.
263
Ibid., ver especialmente pp. 82-83.
75

tentam encontrar um equilíbrio entre os dois métodos. Neste trabalho, será


apresentado um sistema que é viável e justificado pelos fatos.

A. RAZÃO E FÉ: DEFINIÇÕES

A fim de estabelecer uma base para nossa discussão sobre esse tópico, este es-
tudo começará com uma olhada nas definições de dicionário desses dois ter-
mos.264 O American Dictionary of the English Language define a razão da se-
guinte forma:

A base ou motivo para uma ação, decisão ou convicção.… Uma declaração feita
para explicar ou justificar uma ação, decisão ou convicção.… A capacidade de
pensamento racional, inferência ou discriminação… Para… pensar logicamen-
te… Para falar ou argumentar de forma lógica ou persuasiva.… Persuadir ou
dissuadir (alguém) com razões.265

De acordo com esta definição, a razão inclui pelo menos dois conceitos. Pri-
meiro, a razão é a capacidade de inferir, discriminar ou mesmo pensar racio-
nalmente. Em segundo lugar, a razão é a explicação ou o resultado dessa capa-
cidade. Este segundo conceito inclui (entre outras coisas) vários componentes.
Razão é definida como sendo a base ou motivo para as decisões ou convicções
de alguém, ou uma declaração explicando ou justificando essas decisões ou
convicções. A razão também é a capacidade de pensar logicamente ou argu-
mentar de forma persuasiva, incluindo persuadir (ou dissuadir) alguém de uma
forma ou de outra.266
Se essa definição se mostrasse válida, outras conclusões também poderiam
ser tiradas desses dois conceitos da razão. Por exemplo, a razão estaria na pró-
pria base de todo o nosso conhecimento, pois não se pode sequer ter a capaci-
dade de pensar à parte da razão (por definição). Sem razão, a explicação ou o
resultado dessa capacidade também não seria contabilizado porque o pensa-

264
Este escritor percebe que conclusões filosóficas como essas não podem ser baseadas apenas em
definições de dicionário. Como os dicionários apenas mostram como uma palavra é usada pela mai-
oria das pessoas inteligentes, seríamos ingênuos epistemologicamente se assumissemos que tais de-
finições são capazes de resolver essas questões filosóficas. No entanto, tal abordagem pode ser mui-
to valiosa como base para conclusões posteriores e é assim que essas definições devem ser usadas
aqui. Eles servem como diretrizes para as visões acadêmicas mais sofisticadas que serão apresenta-
das posteriormente para corroborar ainda mais esses usos. As próprias definições podem apontar pa-
ra um consenso de opinião, pois revelam como essas palavras são frequentemente definidas. No en-
tanto, isso será corroborado por referências posteriores a estudiosos que verificam essas declarações.
265
William Morris, editor, The American Heritage Dictionary of the English Language (Nova York:
American Heritage Publishing Company, 1970), p. 1086.
266
Ibid.
76

mento racional é definido como sendo a base de todas as ações, decisões ou


convicções. Na verdade, não podemos sequer formular essas convicções ou
tomar essas decisões (intelectuais ou não) exceto utilizando a razão. Portanto,
a razão é o começo do conhecimento, pois torna-se óbvio que não poderíamos
nem pensar no sentido a que estamos acostumados, exceto pela razão. Consi-
derando a definição, teríamos que pensar sem formular convicções, tomar de-
cisões ou tirar conclusões para fazê-lo fora de um processo racional. Finalmen-
te, qualquer tentativa de neutralizar essas conclusões ou argumentar o contrá-
rio também é razão, novamente por definição.
No entanto, como afirmamos acima, as definições de dicionário não podem
por si mesmas resolver problemas filosóficos como este. Portanto, após a defi-
nição da fé, serão investigadas as opiniões daqueles que argumentam a favor
dessas definições.
O American Heritage Dictionary of the English Language define fé como:

Uma crença confiante na verdade, valor ou confiabilidade de uma pessoa, ideia


ou coisa.… Um sistema de crenças religiosas.267

Fé, então, é confiança ou crença em uma pessoa, coisa, ideia, valor ou verdade.
A crença em si é definida como ação mental centrada em uma convicção que é
considerada válida.268 Já determinamos em nossa definição anterior que a base
para tais ações e convicções é a razão.269 Além disso, a crença geralmente en-
volve algum tipo de pensamento, mesmo que seja apenas o pensamento ele-
mentar de que o que se diz para acreditar é “bom”.270 Ambos os procedimentos
de pensar sobre a fé de alguém, juntamente com as convicções e decisões que
muitas vezes os acompanham, são fundamentados na razão, por definição.
Mesmo a capacidade de compreender essas crenças faz parte do processo cog-
nitivo e tem sua base na razão.271
Existem duas razões gerais pelas quais a fé geralmente é exercida. Alguns
acreditam por convicção intuitiva, enquanto outros exigem persuasão razoável

267
Ibid., p. 471.
268
Cf. Ibid., p. 121.
269
Ibid., p. 1086
270
Pode-se objetar que muitos exerceram fé religiosa porque foram instruídos a fazê-lo ou por outras
razões que não requerem contemplação real. Mas nós sustentaríamos que se alguém fosse capaz de
entender sua fé, ele deveria ter pensado sobre isso em algum momento, mesmo que de maneira in-
gênua e simples. Isso porque a fé envolveria até mesmo a afirmação do que os outros ditaram. Por
mais simples que seja, seria uma aceitação da existência de Deus ou alguma crença desse tipo. A
verdadeira fé envolve pelo menos algum pensamento como parte dessa convicção ou não poderia ser
dito como tal. Por esta razão, se alguém nunca pensou sobre sua crença de forma alguma, só pode
ser porque a fé real nunca foi exercida em primeiro lugar.
271
Morris, op. cit., p. 1086.
77

e argumento racional (na verdade, alguns afirmam ter interesse em ambos).


Mas a capacidade para ambos é adquirida pela razão, conforme definido aci-
ma. Isso ocorre porque a capacidade até mesmo de manter convicções e a ca-
pacidade de raciocinar sobre elas é racional.272
Nosso estudo mostrou até agora que a fé deve basear-se na razão. No entan-
to, esta discussão até agora não foi para descobrir qual dos dois é o mais im-
portante e não deve ser interpretado como tal. Portanto, vamos olhar breve-
mente para esta questão agora.
Embora a razão componha a base, ainda sustentamos que a fé é o elemento
mais importante da crença religiosa por duas razões principais. Primeiro, não é
possível provar lógica e razoavelmente tudo na fé cristã. Assim, a fé se estende
além do alcance dessa razão, que é mais limitada. Uma vez que só podemos fa-
lar de vários graus de probabilidade, como afirmado acima, qualquer sistema
religioso que coloque tal pesquisa no ápice da realização descobrirá que é mui-
to limitado no que é apresentado para crença. O reino da fé e da esperança se-
ria reduzido consideravelmente.
Em segundo lugar, embora a razão possa produzir dados verdadeiros a par-
tir de uma investigação lógica dos fatos, a fé é capaz de transcender o racional
quando se confia nesses fatos. Portanto, exerce-se a fé com base nas probabili-
dades razoáveis. Sem tal crença não se poderia falar da fé cristã. Deus não po-
de ser conhecido por processos razoáveis (além do conhecimento de que Ele
existe), mas é necessária uma fé que se aproprie e confie na evidência, com
implicações éticas definidas para a vida de alguém. Sem essa importância pri-
mordial da fé e as implicações éticas que a acompanham, o cristianismo não
seria um sistema de fé. Este é o testemunho quase unânime do cristianismo ao
longo dos séculos, e tem uma base sólida. Embora a razão e o conhecimento
sejam muito importantes, especialmente como base para a crença, a fé é ainda
mais importante.273 A razão, portanto, não é o último. Esta posição também é
aceita neste trabalho. A fé deve permanecer nesta posição preeminente, tendo
o cuidado de observar que esta é uma fé razoável baseada nos fatos e não um
salto no escuro. Mais será dito a favor desta opinião abaixo.
Assim, chegamos agora à nossa conclusão pertinente aos resultados dessas
definições e aos papéis que elas desempenham na questão entre fé e razão. Até
agora concluímos que, embora a razão seja temporalmente primária, a fé é a
mais importante. Nenhuma delas deve ser excluída e ambas devem ser usadas
em seu devido lugar. Essas definições, no entanto, não serão consideradas co-
mo a palavra final nesta discussão, nem se presumirá que possam resolver to-
272
Ibid
273
Cf. a ênfase principal do Novo Testamento na fé em versículos como João 20:29; Efésios 2:8;
Hebreus 11:1, 6.
78

talmente os problemas. Portanto, é vantajoso recorrer agora àqueles que tam-


bém se apegam a alguns dos resultados aqui alcançados.

B. RAZÃO E FÉ: VISÕES ACADÊMICAS

Um estudo de definições revelou que a razão deve ser a base de todos os pro-
cessos de pensamento, incluindo a atividade mental da fé. Embora a razão seja
assim temporalmente primeira, quando se fala no contexto da teologia cristã, a
fé é o mais importante.
Vários estudiosos contemporâneos chegaram a conclusões semelhantes com
base em estudos pessoais das evidências. O teólogo secular Paul Van Buren
acredita que a fé sempre requer um processo de pensamento. Isso ocorre por-
que a fé geralmente inclui tanto a contemplação lógica quanto a consideração
das fontes históricas, e estas, por sua vez, envolvem o raciocínio. Qualquer ti-
po de fé cristã que negligencie esses processos é bastante inadequada.274
O teólogo John R. Stott também acredita que a fé não é irracional. Não é
credulidade nem otimismo.275 Em vez disso, é uma confiança baseada na razão
- uma crença racional. Como tal, a fé não contradiz ou se opõe à razão, mas é
essencialmente complementada por ela.276
Para o filósofo Francis Schaeffer, racionalidade, conhecimento e fé estão
todos relacionados. A racionalidade é muito importante, mas não excluindo os
outros elementos. Um equilíbrio deve ser mantido entre cada um. No entanto,
não podemos esperar que a fé seja exercida antes de uma investigação racional
da evidência, ou antes que um conhecimento e compreensão adequados da
verdade tenham sido alcançados. Essas condições precedem a fé.277
O teólogo Wolfhart Pannenberg enfatiza a necessidade de fundamentar a fé
em uma base objetiva e racional. Em dois ensaios intitulados "Insight and
Faith" e "Faith and Reason", ele expõe sua justificativa para essa crença. A fé
não pode ficar sozinha e ser seu próprio critério e prova para a crença. Isso
ocorre porque as qualidades subjetivas da própria fé por si só não fornecem ra-
zões sólidas sobre por que também é bom para outro indivíduo. A questão ori-
ginal sobre se os fundamentos dessa fé são sólidos nunca é respondida. Não há

274
Paul M. Van Buren, The Secular Meaning of the Gospel (Nova York: The Macmillan Company,
1963), pp. 174–175.
275
John R. W. Stott, Your Mind Matters: The Place of the Mind in the Christian Life (Downers Gro-
ve: InterVarsity Press, 1973), pp. 33–36.
276
Ibid., pp. 34, 36, 49–52.
277
Schaeffer, O Deus Que Está Lá, op. cit., pp. 112–13, 141–43.
79

nenhuma razão lógica para aceitá-lo. Portanto, um conhecimento baseado na


razão deve preceder a fé.278
Como apontado anteriormente, Montgomery também sustenta que deve ha-
ver uma base histórica e objetiva para a fé. A fé que não é baseada em alguma
evidência razoável não pode dar nenhuma razão lógica de por que ela deve ser
aceita em detrimento de outras alternativas. A fé não pode verificar a si mesma
e nem uma experiência pode demonstrar sua própria validade por si mesma.
Portanto, não temos razão para aceitar qualquer fé como sendo válida se não
houver fundamentos sobre os quais basear essa afirmação.279
Investigamos brevemente as opiniões de cinco estudiosos sobre a questão
da relação entre razão e fé. Vamos nos voltar agora para a lógica por trás des-
ses pontos de vista, a respeito de por que a razão é considerada anterior à fé. A
convicção geral parece ser, primeiro, que a fé deve ser baseada no conheci-
mento e que, segundo, a razão inicia todo o processo e fornece a base para esse
conhecimento. Examinaremos essas premissas mais de perto.
Primeiro, a fé deve ser baseada no conhecimento de certos fatos que são pe-
lo menos considerados verdadeiros. Para que alguém tenha uma convicção de
fé, deve haver idealmente essa base para a crença. No mínimo (na ausência de
qualquer investigação intelectual ou racional), a fé religiosa é a confiança na
existência de Deus ou uma crença em certas verdades.280 Portanto, a fé religio-
sa deve estar fundamentada em algum tipo de conhecimento, mesmo que seja
apenas a crença de que Deus existe (ou não, no caso do ateísmo).281 Quando

278
Esses dois ensaios são encontrados em uma das coleções de Pannenberg de outras obras intitula-
das Basic Questions in Theology, traduzidas por George H. Kehm, 2 vols. (Filadélfia: Fortress
Press, 1972), ver vol. 2, pp. 28–35, 53–54, por exemplo. Vamos elaborar mais sobre as teorias de
Pannenberg sobre razão e fé abaixo.
279
Ver o apêndice de História e Cristianismo, op. cit., pp. 99–101, 106–8. Cf. também o debate de
Montgomery com o teólogo “Deus está morto” Thomas Altizer, onde Montgomery acusa que a fé ir-
racional de Altizer não fornece nenhuma razão para que outros acreditem nele porque não se baseia
em nenhuma evidência objetiva. Esse debate está registrado em The Altizer-Montgomery Dialogue
(Chicago: InterVarsity Press, 1967). Ver pp. 26, 59–60, 72, 76 e outros onde esta cobrança é feita.
Assim como Pannenberg, retornaremos a esse raciocínio a seguir.
280
Mesmo o caso do ateísmo não é uma exceção aqui. Se alguém designa o ateísmo como uma “fé
religiosa”, então deve-se reconhecer que ele também se baseia no conhecimento de certos fatos que
se acredita serem verdadeiros. Nesse caso, isso seria a inexistência de Deus.
281
Cf. Van Buren, op. cit., op. 174–75; Stott, op. cit., pág. 57; Schaeffer, O Deus Que Está Lá, op.
cit., pp. 143–45; Pannenberg, op. cit., vol. 2, pp. 37, 45; Montgomery, História e Cristianismo, op.
cit., pp. 106–8. Além disso, é extremamente importante notar aqui que a razão ou o conhecimento
sobre o qual a fé se baseia nem sempre é muito sofisticado. Conforme afirmado na nota de rodapé
número 15 acima, a fé deve ser baseada em algum conhecimento, mesmo que seja uma crença sim-
ples e descomplicada no que se diz. Mas, mesmo neste caso, a aceitação da crença em Deus (ou no
que quer que seja dito para alguém acreditar) ainda envolve a aceitação do conhecimento de que es-
sas crenças são verdadeiras. Qualquer coisa menos do que isso não é fé real. Em nenhum ponto des-
te trabalho é feita a afirmação de que alguém deve ser capaz de uma investigação lógica dos fatos
80

percebemos que a fé cristã é assim baseada no conhecimento, podemos ver es-


se conhecimento como precedendo a fé.282 Mesmo alguns dos resultados finais
da fé, como vários tipos de ação ou envolvimento ético, são devidos, pelo me-
nos parcialmente, à obtenção desse entendimento prévio.283
Em segundo lugar, a razão inicia o processo e fornece a base para esse co-
nhecimento. Vimos que a convicção de fé depende do conhecimento e que isso
deve envolver algum pensamento, mesmo que apenas no nível rudimentar. De
fato, Van Buren afirma que a fé real só é possível quando se pensa 284 e Stott
afirma que não se pode ter fé de forma alguma sem tal cogitação.285 Mas pen-
sar é um processo racional que requer o uso da razão.286 Portanto, a razão tanto
inicia esse processo quanto fornece a estrutura para ele.287
Além disso, a fé deve ter uma base objetiva. Sem tal fundamento, nunca se
saberia se os fundamentos de sua crença são sólidos ou não. Fora de um fun-
damento de conhecimento razoável, a fé não é capaz de se substanciar. Suas
qualidades subjetivas não fornecem nenhuma base racional ou critério segundo
o qual sua confiabilidade possa ser verificada. Por exemplo, não se pode apelar
para as experiências espirituais pessoais para o fator de autoridade necessário.
Montgomery observa que um apelo a tais experiências privadas é um testemu-
nho pouco convincente, pois às vezes é difícil dizer se as experiências sinceras
de outra pessoa não passam de azia!288 A princípio, isso parece ser apenas uma
ilustração humorística, mas, após um exame mais detalhado, descobre-se que
contém muita verdade. Como podemos esperar diferenciar entre experiências
ou crenças reais e falsas se não há critérios factuais que nos dêem pelo menos
alguma ideia sobre o que pode ser mais confiável? Uma fé fundamentada em
fatos racionais e que repousa sobre uma base objetiva está em uma posição
muito melhor para verificar sua confiabilidade do que uma fé reconhecidamen-
te irracional e subjetiva em sua abordagem. É verdade que alguém pode prefe-
rir o último, mas isso não responde à questão de como alguém pode verificar
essa fé mesmo para si mesmo, muito menos para os outros.

antes de poder acreditar. Tal não é claramente o caso. Uma fé razoável pode se mostrar mais valiosa,
mas uma fé baseada em um conhecimento menos sofisticado não é inválida. Se a fé cristã puder ser
demonstrada como baseada em uma investigação lógica dos fatos, então a fé nesses fatos é válida
mesmo que a pessoa não seja capaz de demonstrar a evidência por si mesma.
282
Pannenberg, Ibid., p. 32, nota de rodapé e também Wolfhart Pannenberg, editor, Revelation as
History, traduzido por David Granskou (Nova York: The Macmillan Company, 1969), pp. 139, 157,
nota 15. Cf. Schaeffer, Ibid.
283
Ver Stott, op. cit., pág. 57.
284
Van Buren, op. cit., pág. 174.
285
Stott, op. cit., pág. 37
286
Ver Schaeffer, The God Who Is There, op. cit., pp. 141–43.
287
Ibid., pp. 112–13.
288
Montgomery, História e Cristianismo, op. cit., pág. 101; cf. págs. 99, 107.
81

Também é verdade que a abordagem racional nem sempre leva a uma fé vá-
lida. Mas parece que seria muito melhor em vista desta questão de verificação
do que uma fé que não (ou não pode) utilizar qualquer método racional. Na
verdade, um investidor inteligente não costuma arriscar fundos em uma em-
presa que não apresenta razões válidas para fazer tal investimento parecer va-
ler a pena. Até mesmo palpites e premonições geralmente se baseiam em al-
gum tipo de conhecimento ou razão, mesmo que sejam “informações secretas”.
De maneira semelhante, a fé também deve ser baseada em uma base racional.
Além de uma fé objetiva baseada em um exame lógico dos fatos, não há
como determinar se tais crenças são válidas ou não. Nenhuma quantidade de
pensamento positivo pode tornar os fatos mais verdadeiros. Não importa quão
intensa seja a fé de uma pessoa, ela não pode torná-la mais válida. A fé deve,
portanto, ter uma base objetiva, caso contrário não seria possível verificar se
ela é simplesmente espúria.
Pannenberg também acredita que devemos rejeitar uma fé cristã subjetiva
baseada nas experiências pessoais de cada um. Ele faz isso por pelo menos
dois motivos. Em primeiro lugar, essas experiências privadas não podem ser
obrigatórias para os outros porque carecem de evidências factuais e objetivas
e, portanto, geralmente são capazes apenas, no máximo, de convencer a si
mesmo.289 Em segundo lugar, esse subjetivismo desconsidera o fato de que o
próprio centro do cristianismo é baseado na iniciativa divina. Os homens em
todos os lugares são capazes de investigar os fundamentos desta religião a fim
de averiguar o mais próximo possível se eventos como a ressurreição realmen-
te ocorreram. A oportunidade de investigar as reivindicações do cristianismo
está aberta a qualquer um que queira estudá-las e não seja relegada à leitura de
alguns poucos selecionados.290 Portanto, a fé cristã é propriamente objetiva,
aberta a um confronto racional com os fatos e não subjetiva ou irracional.291
A mesma conclusão a que se chega quanto a tentar fundamentar o cristia-
nismo pela experiência pessoal e subjetiva também se aplica àqueles que se es-

289
Pode-se objetar que talvez alguém não se preocupe em tornar sua fé obrigatória para os outros,
mantendo-a assim simplesmente no nível subjetivo. Mas aqui devemos lembrar, primeiro, que o
Cristianismo afirma ser uma fé propagadora interessada em levar outros a aceitar esta mesma graça
de Deus que recebeu. Portanto, não prospera quando alguém mantém a fé em si mesmo. Em segun-
do lugar, raciocinamos aqui que o Cristianismo é mais apropriadamente baseado no exercício da fé
como resultado de fatos que se acredita serem verdadeiros e não em explicações irracionais ou expe-
riências privadas à parte desses fatos. Assim, esta objeção acima mencionada é vítima tanto da ideia
de que a fé cristã deve ser propagada quanto da convicção de que a fé é baseada em fatos objetivos
em oposição a sentimentos subjetivos. Para algumas dessas ideias, consulte Basic Questions in The-
ology, de Pannenberg, op. cit., vol. 2, especialmente pp. 53–54; cf. pp. 28, 30–32.
290
Pannenberg, Revelação como História, op. cit., pp. 135–39.
291
Ibidem, especialmente p. 138. Ver também Basic Questions in Theology, op. cit., vol. 2, pp. 30,
53–54.
82

forçam por apontar a mensagem proclamada como fundamento da fé. Essa


abordagem também falha porque a questão óbvia diz respeito a se há uma ra-
zão real para aceitá-la ou não. Se a razão não for convincente, parece que nos
falta uma base sólida para aceitá-la. Além disso, a mensagem separada de
qualquer coerção racional não pode mostrar por que deveria ser aceita em de-
trimento de outra alternativa, ou mesmo de uma visão contrária. Em outras pa-
lavras, a mensagem não é auto-autenticada, mas também deve fornecer razões
objetivas para sustentar sua afirmação de verdade.292
Por “razão objetiva” estamos nos referindo à necessidade de fé para inves-
tigar a evidência histórica (ou outra) e tomar sua decisão sobre quais fatos me-
lhor se ajustam ao caso. Para Schaeffer, a fé é baseada exatamente no exame
dos eventos que o cristianismo afirma já terem ocorrido na história, como a
ressurreição. Não se pode pedir que alguém exerça fé na mensagem cristã até
que a evidência tenha sido investigada.293 Montgomery concorda que a fé co-
meça em uma investigação dos eventos históricos objetivos e repousa na pro-
babilidade das descobertas.294 Mas devemos lembrar que a fé é baseada nos
eventos e não vice-versa.295 Em outras palavras, a fé não é formulada à parte
dos fatos, esperando que haja alguma evidência para apoiar este empreendi-
mento. Em vez disso, acredita-se porque os fatos parecem razoáveis. Pannen-
berg também enfatiza este último ponto, afirmando que um indivíduo não traz
uma fé já existente para os eventos, mas exerce essa fé somente após um olhar
de mente aberta para os eventos.296
Quanto à questão da importância, descobrimos anteriormente que a razão
era temporalmente primária, enquanto a fé era mais importante em um contex-
to teológico. Descobrimos que isso é verdade por dois motivos principais.
Primeiro, todos os ensinamentos e crenças cristãs não podem ser explicados
completamente em termos de razão. Em segundo lugar, quando falamos em
um contexto teológico, a crença assume uma importância central, pois trans-
cende a razão. A fé deve apropriar-se pessoalmente dos fatos, o que envolve
implicações éticas para a própria vida. Isso ocorre principalmente porque es-
tamos lidando com a existência e o ensino de Deus (do grego theos, raiz da pa-
lavra teologia), uma doutrina que não pode ser tratada adequadamente apenas
no reino da razão. A importância da fé é primordial aqui, como testemunham
séculos de pensamento cristão.

292
Ver questões básicas de Pannenberg em teologia, Ibid., vol. 2, pp. 33–34.
293
Schaeffer, O Deus Que Está Lá, op. cit., pág. 141; cf. pág. 92.
294
Montgomery, História e Cristianismo, op. cit., pp. 75–76, 79–80, 107–8.
295
Ibid., p. 107.
296
Pannenberg, Revelação como História, op. cit., pág. 137.
83

O pensamento contemporâneo oferece razões semelhantes para dar à fé o


lugar de importância primária enquanto coloca a razão em primeiro lugar tem-
poralmente? Devemos responder aqui afirmativamente. É especialmente digno
de nota que os mesmos estudiosos com os quais lidamos em nossa discussão
anterior, aqueles que sustentam que a razão e o conhecimento são a base para a
crença, também colocam a fé no lugar de importância primordial no final.
Mesmo as mesmas duas razões usadas acima (ou muito semelhantes) são em-
pregadas. Primeiro, Pannenberg observa que as doutrinas do cristianismo nun-
ca podem ser explicadas completamente em termos de razão. Sempre haverá
um resto.297 Em segundo lugar, Pannenberg relata ainda que ninguém pode vir
a conhecer a Deus estritamente por sua própria razão. Um bom exemplo aqui
são os ensinamentos cristãos sobre a salvação. Embora a razão forneça a base
original, o conhecimento ainda não é capaz de garantir a salvação porque de-
pende, em última análise, da apropriação da fé e da confiança em Deus e da
entrega pessoal a Ele.298 Assim, a fé é baseada em probabilidades racionais,
mas a expressão final dela transcende o racional.
Montgomery também chega a conclusões semelhantes. A fé é baseada nas
probabilidades que emergem de uma investigação dos fatos objetivos e o passo
final da salvação é uma apropriação deste fato por meio da fé. Como tal, a fé e
o compromisso com Deus por meio de Jesus Cristo é o passo final da salvação,
pois realiza algo que a razão nunca poderia fazer.299
Wand adiciona um ponto interessante aqui. Embora a fé dependa da razão e
se construa sobre sua base mais conclusiva, a fé é ainda mais importante por
ser mais íntima e pessoal do que o conhecimento. Assim, ela faz uso da estru-
tura da razão e depois vai além do racional.300
Pode ficar claro neste ponto que a razão e a fé, quando bem compreendidas,
na verdade se complementam. Ambos têm seus próprios papéis a desempenhar
e cada um é muito importante.301 Esses papéis, como mostramos acima, con-
sistem na fé operando com base na razão.302 No entanto, os dois não estão
competindo entre si, mas cooperando juntos. Desta forma, eles são considera-
dos bastante compatíveis.303 O resultado é que a cabeça e o coração devem
funcionar idealmente um com o outro, e não um contra o outro.304

297
Pannenberg, Questões Básicas em Teologia, op. cit., vol. 2, pág. 48.
298
Ibidem, pág. 37 e Revelação como História, op. cit., pp. 137–39.
299
Montgomery, História e Cristianismo, op. cit., pp. 79–80, 107.
300
Wand, op. cit., p. 34.
301
Ibid
302
Pannenberg, Questões Básicas em Teologia, op. cit., vol. 2, pp. 36–37.
303
Ibid., pp. 34–35, 47.
304
Brauch, op. cit., p. 12.
84

A conclusão a que chegamos neste capítulo é que a fé só pode ser construí-


da sobre a razão, o que significa que a razão é temporalmente primeira neste
processo. Este foi o caso tanto de uma investigação de definições quanto de
um exame lógico das evidências. Desde o primeiro estudo, descobrimos que
não podemos nem pensar da maneira a que estamos acostumados, muito me-
nos exercer a fé, sem um processo racional. Por exemplo, a verdadeira fé en-
volve convicções e ação mental. Estes só podem ser sustentados por alguma
variedade de pensamento e também requerem razão, por mais ingênua que se-
ja. Pode-se exercer fé válida, entretanto, mesmo que não seja capaz de investi-
gar pessoalmente os fatos, conforme mencionado acima. A partir do último es-
tudo, não apenas verificamos isso, mas também concluímos que uma fé subje-
tiva e irracional não pode fornecer fundamentos lógicos para o porquê de ser
aceita. Se não há razão para esta fé, não pode haver nenhum critério objetivo
no qual sua pretensão de verdade possa ser baseada. Portanto, não se pode de-
terminar se a mensagem baseada em tal fé deve ser aceita ou não. Sem quais-
quer critérios ou dados objetivos para julgar seu conteúdo, não há maneira ló-
gica de distinguir uma mensagem de fé de outra rival. Na verdade, é difícil en-
contrar qualquer evidência na qual a experiência religiosa de alguém possa ser
distinguida de qualquer outra emoção humana, a menos que seja fundamentada
na razão lógica e na investigação. Mesmo uma fé intensa separada de uma base
tão objetiva não pode tornar a fé mais válida. Portanto, sustentamos que, para
que a fé seja inteligível, ela deve estar baseada em um conhecimento racional.
Devemos ter o cuidado de apontar mais uma vez que uma abordagem raci-
onal da fé pode não resolver todos os problemas, mas fornece os melhores
fundamentos para basear a fé, como mostrado acima. Sem essa abordagem,
não haveria uma maneira real de verificar essas conclusões com confiança. As-
sim, encontramos probabilidades históricas mais uma vez, pois parece que ar-
gumentar a partir de dados históricos objetivos e evidências lógicas parece
fornecer a melhor maneira de chegar aos resultados mais prováveis. Assim,
embora a abordagem racional não seja infalível, ela fornece o melhor meio de
obter um fundamento testável e verificável para a fé. Se abandonarmos o raci-
onal, também devemos abandonar nossas esperanças de obter tais resultados
objetivos e verificáveis.305
Uma fé irracional ou estritamente subjetiva não é capaz de fornecer tais
respostas. Ele não pode verificar a si mesmo ou demonstrar sua própria valida-
de. Tampouco pode responder à questão de saber se seus fundamentos para a
fé são sólidos ou não. Por causa dessa falta de evidência, não pode mostrar por
que deveria ser aceito em detrimento de outras possibilidades. Tal fé não pode
305
Schaeffer, O Deus Que Está Lá, op. cit., pág. 113 e Pannenberg, Questões Básicas em Teologia,
op. cit., vol. 2, pág. 28.
85

fornecer uma razão lógica de por que ela deve ser aceita, uma vez que não há
fundamentos testáveis para basear essa afirmação. Nem tal crença pode tornar
a fé mais verdadeira. Não há razão lógica para aceitar essa fé. Embora a razão
seja temporalmente primeira, a fé foi considerada o mais importante como re-
sultado final. Isso ocorre porque, primeiro, toda a crença cristã não pode ser
explicada racionalmente. Em segundo lugar, no contexto da teologia, a fé pode
fazer o que a razão não pode realizar ao lidar com a existência e os ensinamen-
tos de Deus. Embora baseada na razão, a fé transcende o racional ao fornecer
um meio pelo qual se pode confiar nos achados razoáveis da investigação aci-
ma mencionada, aplicando os resultados à própria vida.
Por fim, discutimos a necessidade de aproximar razão e fé. Devemos apre-
sentá-los doravante como totalmente compatíveis e não concorrentes entre si,
reconhecendo que cada um tem um papel a desempenhar. A razão forma a ba-
se e é temporalmente primeira, enquanto a fé é mais essencial e importante.
Na investigação histórica e lógica que se seguirá, procuraremos combinar o
essencial de nossos três últimos capítulos. A cosmovisão científica não pode
mais ser usada para descartar o milagroso. Em vez disso, devemos falar em
termos de probabilidades e investigar cada alegação de milagre. Aqui a história
também desempenha um papel. Utilizando o conceito de investigação histórica
descrito acima, examinaremos as possibilidades de crença e descrença na res-
surreição de Jesus. Mais uma vez, devemos decidir sobre a probabilidade his-
tórica e aceitar como factual a explicação que melhor se ajusta aos fatos. A
discussão filosófica que acabamos de concluir também será utilizada aqui. De-
vemos manter ao longo desta relação entre razão e fé.306
É vantajoso voltar agora para nossa investigação histórica e lógica de três
possibilidades-chave (e várias outras relacionadas) com relação à crença e des-
crença na ressurreição de Jesus. As descobertas nos campos da física, história e
filosofia serão combinadas em um esforço para determinar qual possibilidade
melhor se ajusta aos fatos.

306
Observe que em todos os três casos concluímos que as probabilidades desempenham um papel
decisivo. A ciência demonstrou a necessidade de explicar questões estatisticamente, contando assim
com probabilidades. Como mostramos acima, a história também adotou esse procedimento como o
melhor método para discernir os fatos sobre o passado. Mesmo no tratamento filosófico da razão e
da fé, falamos da importância da fé tomar sua decisão sobre a probabilidade da investigação racio-
nal. Assim, a fé também atua sobre a solução mais provável. Temos aqui uma confirmação impres-
sionante dessa crença.
86
87

PARTE 2

Possíveis Soluções para a Questão da Ressurreição de


Jesus
88

Capítulo V
Possibilidade Número Um: Que a Ressurreição Não
Ocorreu
A. DAVID HUME: UMA INTRODUÇÃO

A primeira possibilidade a ser tratada aqui é que a ressurreição não ocorreu li-
teralmente. Começaremos investigando os pontos de vista de um estudioso
muito importante que sustentou essa opinião, passando posteriormente a vários
outros pontos de vista relacionados.307 O estudioso que usaremos como exem-
plo representativo é o historiador e filósofo David Hume (1711-1776).
Esta escolha de Hume como o principal estudioso a ser tratado aqui é base-
ada em várias razões intimamente relacionadas. É bastante duvidoso que se
possa escolher um autor que tenha tido mais influência nesta questão dos mi-
lagres. O ensaio de Hume “Of Miracles” foi tão influente que dificilmente se
pode lidar com essa questão sem discutir seu trabalho.308 A importância deste
pequeno escrito foi refletida por seu enorme efeito sobre a teologia e a filoso-
fia contemporâneas.309 Mesmo o teólogo conservador Wilbur M. Smith admite
que este ensaio contém o argumento mais forte já apresentado contra a crença
em milagres.310 Portanto, Hume é um excelente exemplo de alguém que rejeita
a crença em qualquer milagre, como a ressurreição. A popularidade e a alta re-
putação de seu ensaio entre outros estudiosos que têm pontos de vista seme-
lhantes refletem ainda mais a confiabilidade dessa escolha.311
Para entender mais corretamente a contribuição de Hume à questão dos mi-
lagres, é importante olhar brevemente para algumas tendências intelectuais da

307
Em cada uma das três abordagens possíveis da ressurreição abordadas neste trabalho,
também nos concentraremos em um grande estudioso que pensamos ser um exemplo repre-
sentativo dessa visão. Nas introduções de cada capítulo, também descreveremos as razões
para tais escolhas. No entanto, não ficaremos confinados apenas a essas três opiniões isola-
das, mas em todos os três casos também consideraremos outras visões semelhantes no pró-
ximo capítulo.
308
Veja, por exemplo, o tratamento de McNaugher sobre os milagres, que também trata do
ensaio de Hume, op. cit., pp. 91–118.
309
Montgomery, O Suicídio da Teologia Cristã, op. cit., pág. 38.
310
Wilbur M. Smith, The Supernaturalness of Christ (Boston: W. A. Wilde, 1954), p. 142.
311
Mais adiante trataremos mais detalhadamente da influência de Hume na teologia, obser-
vando especificamente outros estudiosos que também rejeitam todos os eventos milagrosos
e que acreditam que o ensaio de Hume é o ápice do pensamento crítico sobre o assunto.
89

época em que ele viveu. De acordo com Heick, o deísmo inglês é um movi-
mento do qual se pode arbitrariamente dizer que cobriu o século e meio desde
Herbert de Cherbury em 1624 até Hume em 1776. As tendências deístas esta-
vam intrinsecamente de acordo com tendências semelhantes no pensamento
francês e alemão.312
Durante os séculos dezessete e dezoito na Inglaterra, encontramos a popula-
ridade de vários tipos de deísmo que às vezes permitiam quantidades variadas
de revelação divina. No entanto, esses tipos de deísmo geralmente não eram do
tipo que é frequentemente referido hoje como “a teoria do relojoeiro”, segundo
a qual Deus teria feito o mundo e depois o abandonado à sua própria existência
sem qualquer orientação. Esta é uma definição posterior da palavra, formulada
quando se tornou necessário diferenciar entre ateísmo, teísmo e panteísmo. Na
Inglaterra do século XVIII, portanto, a palavra não era freqüentemente usada
como uma tentativa consciente de diferenciar entre deísmo e teísmo, como é
hoje. Em vez disso, a palavra foi usada para descrever estudiosos que se opu-
nham ao ateísmo.313
Ao defender a religião, os deístas desse período dependiam da razão para
justificar a fé. Na verdade, a razão era geralmente percebida como a parte mais
importante da crença de alguém. Os dogmas cristãos tradicionais foram ataca-
dos por não se conformarem com a aplicação dessa razão. Algumas das visões
emergentes eram bastante radicais para esses tempos. Por exemplo, os resulta-
dos incluíram dúvidas sobre a revelação e autoridade tradicionais e uma oposi-
ção a milagres e maravilhas sobrenaturais. Havia uma convicção crescente de
que a busca por uma religião natural era válida e que um “terreno comum” de-
veria ser encontrado entre outras religiões, pois todas eram consideradas cami-
nhos para Deus.314 Tentativas de formular uma abordagem tão natural da fé
com base nas diferentes religiões foram desenvolvidas em obras como "No-
ções comuns sobre religião" de Herbert of Cherbury.315

312
Heick, op. cit., pág. 52. Heick observa, no entanto, que Hume diferia do deísmo em vá-
rios pontos, como a confiança na razão e o desejo de provar a existência de Deus. Ao aban-
donar tais noções, Hume contribuiu para o fim do deísmo ao assumir essa posição em favor
do empirismo (Ibid., pp. 65-66).
313
Ibid.
314
Ibidem, pp. 51–52; cf. também o artigo de Vergilius Ferm “Deism”, em Runes, op. cit.,
pág. 75.
315
Este ensaio pode ser encontrado em Owen C. Thomas, editor, Attitudes Toward Other
Religions (Nova York: Harper & Row, 1969), pp. 32–48. É claro que nem todos os estudio-
sos desse período mantinham todas essas crenças mais radicais. Por exemplo, veja The Rea-
sonableness of Christianity, de John Locke, editado por I. T. Ramsey (Stanford: Stanford
University Press, 1958). Cf. aqui também Ferm, “Deism,” em Runes, Ibid.
90

Um desenvolvimento importante de grande parte do deísmo inglês foi a ên-


fase emergente no empirismo, culminando em Hume. Acreditava-se que a ex-
periência era o critério para a obtenção do conhecimento. Mesmo uma pesqui-
sa muito breve de algumas dessas tendências revela essa ênfase. Um dos pri-
meiros empiristas, Francis Bacon, baseou seus experimentos e outras observa-
ções na experiência alcançada pelos sentidos. Essa experiência foi adquirida
pela aplicação do método indutivo de apuração da verdade. Thomas Hobbes
também procurou basear todo o conhecimento nos critérios da experiência
sensorial. Para John Locke, os homens adquirem ideias pela experiência. De
fato, até a revelação divina é percebida pela razão e pela experiência.316
Hume também seguiu a ênfase na experiência. Ele acreditava que essa ex-
periência era a base para todo o conhecimento.317 Embora este método não seja
infalível, os postulados deveriam ser julgados de acordo com a probabilidade
da experiência. Como veremos a seguir, isso forma o centro de sua polêmica
contra os milagres.318
A obra de Hume não se limita de forma alguma a esse campo da filosofia.
Ele é bem conhecido nessa área, mas no meio de sua carreira acadêmica ele se
afastou desses estudos para outros interesses como história e ética.319 De fato,
seu trabalho mais conhecido é muito provavelmente sua obra-prima em vários
volumes intitulada The History of England.320 Foi mal recebido pelo público
nas fases iniciais, mas logo se tornou uma obra bem reconhecida e muito po-
pular. Foi considerado um clássico por muitos anos.321
Anteriormente, várias razões foram observadas para a escolha de David
Hume como um exemplo representativo de alguém que sustenta que a ressur-
reição, como um milagre, não poderia ocorrer. Também acabou de ser feito um
breve olhar sobre os antecedentes do período em que viveu. É desejável agora
voltar nossa atenção para seu ensaio extremamente influente “Of Miracles”.

B. O ARGUMENTO DE DAVID HUME E UMA CRÍTICA

Em seu ensaio “Of Miracles”, David Hume argumenta a partir do que ele está
convencido de ser a experiência da humanidade contra todos os eventos mila-
grosos reais. No início, os milagres são definidos como eventos que violam as

316
Heick, op. cit., pp. 53–58, 65.
317
Ibid., pp. 64–66.
318
Veja a posição de Hume em sua obra editada por Cohen, op. cit., pp. 124–25.
319
Becker, op. cit., pp. 38–39; cf. pp. 33–35.
320
David Hume, A História da Inglaterra, 6 vols. (Londres: Gilbert e Revington, 1848).
321
W. F. Tomlin, The Western Philosophers (Nova York: Harper & Row, 1967), pp. 194-
95.
91

leis da natureza. Hume postula ainda que tais eventos, se comprovadamente


ocorridos, devem ser causados por algum poder sobrenatural ou outra agência
desse tipo.322
Para determinar se tais eventos realmente aconteceram, deve-se testar empi-
ricamente os dados disponíveis. Isso consiste em ver a evidência experimental
para a alegação de milagre, por um lado, e a experiência da confiabilidade das
leis da natureza, por outro. Então pode-se verificar qual é mais fortemente
atestado. Este teste é, portanto, baseado, mais uma vez, no testemunho da ex-
periência. A experiência dos milagres é contraposta à experiência que sustenta
a uniformidade da natureza. Aqui Hume conclui que é mais provável que a ex-
periência que favorece as leis da natureza seja mais confiável e o milagre seja,
portanto, rejeitado. Uma vez que cada caso de milagre vem contra dados expe-
rimentais semelhantes, essas ocorrências são rejeitadas como um todo.323 Uma
observação importante aqui, no entanto, é que Hume percebeu que seu argu-
mento não havia refutado a existência de Deus.324
Assim percebemos que para este estudioso, a experiência dos milagres deve
ser rejeitada em favor da experiência das leis da natureza. Além do raciocínio
dado acima, Hume também faz uso de quatro pontos de apoio. Primeiro, não
há relatos históricos de milagres atestados por homens suficientemente respei-
táveis para tornar o evento provável. Em segundo lugar, as pessoas tendem a
querer falar de experiências extraordinárias, a ponto de fabricar o milagroso
para difundir verdades religiosas. Terceiro, os milagres são citados como tendo
ocorrido principalmente em áreas de ignorância ou mesmo de barbárie. Quarto,
os eventos milagrosos em uma religião destroem a probabilidade de que os de
outra fé também sejam verdadeiros e vice-versa. Portanto, relatos de tais even-
tos sobrenaturais em diferentes religiões anulam-se mutuamente. Assim, todos
são eliminados pelos demais.325
Agora, desde o início, devemos concordar que este parece ser um sistema
bastante confiável para testar dados relevantes. Hume parece ter encontrado
um método valioso e pode-se ver facilmente como ele atraiu os estudiosos.
Mas, para verificar se essas primeiras impressões são corretas, passemos ao
322
Hume, “Of Miracles”, em Essential Works of David Hume, op. cit., pág. 128. Veja a dis-
cussão da definição de milagre de Hume acima. Também voltaremos a este tópico na crítica
abaixo. É importante notar aqui que este não é um ensaio obscuro de Hume. Este conhecido
ensaio sobre milagres é a Seção X de sua obra Uma Investigação sobre o Entendimento
Humano. Ver Ibid., pp. 123–42.
323
Ibid., pp. 125–29. Veja Edwin A. Burtt, Tipos de Filosofia Religiosa, rev. ed. (Nova
York: Harper & Row, 1939), pp. 212–16. Cf. Swinburne, op. cit., pp. 13–14.
324
Burtt, Ibid., p. 258.
325
Hume “Dos Milagres”, em Obras Essenciais de David Hume, op. cit., pp. 129–34; cf.
Swinburne, op. cit., pp. 15–18.
92

próprio texto. É convicção deste escritor que há pelo menos quatro grandes
problemas com a abordagem de Hume aos milagres - quatro críticas principais
que põem em perigo o próprio cerne de sua polêmica.
A primeira grande crítica ao ensaio de Hume é que ele define incorretamen-
te tanto a essência de um milagre quanto a natureza das evidências a favor e
contra ele. Ele afirma:

Um milagre é uma violação das leis da natureza; e como uma experiência firme
e inalterável estabeleceu essas leis, a prova contra um milagre, pela própria na-
tureza do fato, é tão completa quanto qualquer argumento da experiência pode
ser imaginado.326

Como na definição real de milagres declarada por Hume acima, novamente


observamos que esses eventos são percebidos como contraditórios e violadores
das leis da natureza. Dizem que o fazem porque a totalidade da experiência re-
lata que essas leis não podem ser interferidas ou quebradas. Essa experiência é
“firme e inalterável”. Mais tarde, Hume a descreve como “experiência unifor-
me”.327
Imediatamente podemos perceber um erro lógico no raciocínio aqui. Hume
falha em iniciar a investigação com uma visão imparcial dos fatos. Em vez
disso, sua própria definição exclui os milagres por causa de uma suposição ar-
bitrária e não comprovada e, portanto, não é válida. Sua definição se baseia na
ideia de que a totalidade da experiência repousa contra o milagre, quando este
está longe de ser comprovado. Definitivamente, existem alegações de milagres
baseadas na experiência, mas elas são descartadas pela suposta superioridade
de outras variedades de experiência. Mas Hume não pode saber se as alegações
feitas pelos sobrenaturalistas são capazes de invalidar as alegações feitas con-
tra os milagres além de uma investigação dos fatos.
Um exemplo disso poderia ser prontamente fornecido. Hume definitiva-
mente está pensando pelo menos um pouco em termos dos milagres de Je-
sus.328 Mas, em vez de falar especificamente sobre o principal milagre reivin-
dicado pela fé cristã, que é a ressurreição de Jesus, ele fala apenas em geral da
ressurreição de qualquer indivíduo morto e, em seguida, prontamente informa
a seus leitores que tal ocorrência nunca aconteceu. quando não tiver apresenta-
do qualquer exame dos factos. Ele não tem nenhuma evidência de que isso
nunca tenha ocorrido. Ele conclui disso (sem nenhuma nova evidência) que, de

326
Hume, Ibid., p. 128.
327
Ibid.
328
Ibid., p. 124.
93

maneira semelhante, toda experiência se opõe a todo milagre.329 Portanto, te-


mos aqui um bom exemplo de raciocínio circular. Supõe-se que os mortos
nunca ressuscitarão e, como toda experiência é arbitrariamente percebida como
oposta a tal evento, toda experiência também deve se opor a outros milagres. A
evidência de milagres é simplesmente descartada. Mas isso só pode ser feito
logicamente após uma investigação das evidências. Assim, Hume assume
aquilo que deve demonstrar.
O estudioso de Oxford, C. S. Lewis, também reconhece essa fraqueza e a
desenvolve em uma crítica incisiva da posição de Hume. Lewis relata:

Agora, é claro, devemos concordar com Hume que, se há absolutamente “expe-


riência uniforme” contra milagres, se em outras palavras eles nunca acontece-
ram, então nunca aconteceram. Infelizmente, sabemos que a experiência contra
eles é uniforme apenas se soubermos que todos os relatórios sobre eles são fal-
sos. E podemos saber que todos os relatos são falsos apenas se já soubermos que
milagres nunca ocorreram. Na verdade, estamos discutindo em círculo.330

Lewis percebeu claramente o problema aqui. Hume só pode afirmar que toda
experiência apóia seu ponto de vista se ele primeiro verificar que todas as ou-
tras experiências são falsas. Mas como ele não investigou a outra evidência,
ele só pode afirmar que ela é falsa assumindo que milagres não podem ocorrer.
Assim, ele raciocina circularmente.
Nem é preciso dizer que não se pode proibir milagres simplesmente defi-
nindo-os de modo que eles não possam acontecer. Definições circulares são
claramente insatisfatórias.331 Mas, como vimos, Hume define os milagres co-
mo impossíveis à luz da experiência que atesta a existência de leis na natureza.
Isso é feito sem qualquer investigação real para determinar se a experiência em
favor dos milagres pode estabelecer sua validade. Ele deve, de alguma forma,
saber que esta última experiência é falsa e só pode saber que é assim assumin-
do que os milagres não podem ocorrer em primeiro lugar, como explica Lewis.
Pode ser que alguém concorde com as conclusões de Hume de que a natu-
reza exclui os milagres. Mas o ponto aqui é que não se pode definir que este
seja o caso ou organizar os “fatos” de tal forma que esta suposição seja supor-
tada. É uma questão de debate filosófico e histórico.332
Outra questão aqui é o lugar que deve ser dado à experiência para as leis da
natureza. Mencionamos acima no capítulo dois que também concordamos com
329
Ibid., p. 128.
330
Lewis, op. cit., p. 105.
331
W. Edgar Moore, Pensamento Crítico e Criativo (Boston: Houghton Mifflin Company,
1967), p. 188 por exemplo.
332
Cf. Swinburne, op. cit., pág. 15 e Ramm, op. cit., pp. 100-1 126–28.
94

Hume ao afirmar que a natureza se comporta de acordo com certas leis. Não
poderíamos falar de milagres como sendo anormalidades sem reconhecer um
padrão normal.333 Mas Hume afirma que a existência dessas leis é suficiente
para refutar toda experiência de milagres.334 Neste ponto, muitos estudiosos
discordariam.335 Só porque existem leis na natureza não significa que anorma-
lidades ocasionais não possam ocorrer. Tais leis regulam o funcionamento in-
terno da natureza e descrevem o que acontecerá se o sistema for deixado por
conta própria. Mas essas leis não ditam os possíveis resultados da interferência
sobrenatural de fora. Agora, ainda não estabelecemos se tal influência sobrena-
tural é possível. Mas o ponto aqui é que Hume está simplesmente incorrendo
em petição de princípio quando assume que a experiência das leis da natureza
é superior à experiência (se estabelecida) do miraculoso.336 Isso ocorre porque
a própria experiência que ele descarta como inexistente ou inferior, se estabe-
lecida como provável, anularia a experiência supostamente mais forte pelas
leis da natureza. Isso ocorre porque os milagres envolvem a intervenção sobre-
natural na natureza, e se tal intervenção fosse provada por meio de um milagre,
isso mostraria que as leis da natureza poderiam ser temporariamente suspen-
sas. Assim, a experiência válida para um milagre seria realmente superior à
experiência para as leis da natureza. No entanto, Hume falha em investigar su-
ficientemente essa experiência para o milagroso. Portanto, Hume não pode
usar as leis da natureza como uma regra absoluta que nunca pode ser quebra-
da.337
C. S. Lewis também aceita esta última crítica a Hume como válida. Ele
aponta:

Probabilidades do tipo com que Hume se preocupa mantêm-se dentro da estru-


tura de uma suposta Uniformidade da Natureza. Quando a questão dos milagres
é levantada, estamos perguntando sobre a validade ou perfeição da própria mol-
dura. Nenhum estudo de probabilidades dentro de um determinado referencial
pode nos dizer o quão provável é que o próprio referencial possa ser violado.338

333
Ver McNaugher, op. cit., pág. 92.
334
Hume, “Of Miracles”, em Essential Works of David Hume, op. cit., ver pp. 127–29, 133,
139.
335
Cf. Luís, op. cit., pág. 60, McNaugher, op. cit., pp. 99–103 e Ramm, op. cit., pág. 128,
por exemplo.
336
Hume, “Of Miracles”, em Essential Works of David Hume, op. cit., veja os exemplos
óbvios dessa atitude nas pp. 127-128, 139.
337
Veja o ensaio de Lewis “The Laws of Nature”, contido em uma coleção de algumas de
suas outras obras desse tipo intitulada God in the Dock, editado por Walter Hooper (Grand
Rapids: William B. Eerdman's Publishing Company, 1973), pp. 76–79, especialmente p. 77.
338
Lewis, Miracles, op. cit., p. 106.
95

Em outras palavras, Lewis acusa Hume de apenas responder a perguntas que


se enquadram na estrutura de sua visão assumida de uma natureza completa-
mente uniforme, quando na realidade deveríamos estar perguntando se a estru-
tura em si pode ser violada. Assim, Hume está preocupado com coisas que po-
dem ou não ocorrer dentro de um sistema limitado, quando deveria estar preo-
cupado com o sistema fora dessa área restrita. É possível que esse pequeno sis-
tema da natureza, por mais confiável que seja em si mesmo, possa ser inter-
rompido de fora (como por um milagre)? Burtt faz uma crítica semelhante a
Hume.339
Agora é mais fácil entender por que a experiência em favor de milagres, se
considerada provável, é tão importante aqui. Se tal fosse o caso, isso demons-
traria que as leis da natureza poderiam ser temporariamente suspensas, tornan-
do assim as reivindicações empíricas em favor do milagre dominantes sobre as
reivindicações empíricas das leis da natureza. Mas, ao se recusar a investigar
tais alegações de milagres, Hume rejeita evidências que poderiam facilmente
perturbar suas suposições e mostrar que um milagre é provável.
Portanto, vemos que Hume é culpado tanto de formular uma definição cir-
cular quanto de petição de princípio quanto à importância da experiência com
relação às leis da natureza. Mas esses dois erros, por sua vez, são usados inde-
vidamente como o cerne de sua polêmica. Hume afirma ainda sobre milagres:

Deve haver, portanto, uma experiência uniforme contra cada evento milagroso,
caso contrário, o evento não mereceria essa denominação. E como uma experi-
ência uniforme equivale a uma prova, há aqui uma prova direta e completa, pela
natureza do fato, contra a existência de qualquer milagre.340

Aqui vemos mais três erros óbvios de lógica. Primeiro, Hume persiste em for-
mular uma definição circular de milagres, assumindo que eles não podem
ocorrer desde o início. Como dissemos acima, ele só pode saber que existe
uma experiência uniforme contra todos os milagres se ele investigou todas as
alegações sérias. Uma vez que não o fez, ele só pode saber que toda experiên-
cia se opõe aos milagres ao decidir que eles não podem acontecer em primeiro
lugar. Isso é claramente circular e já foi adequadamente demonstrado ser um
procedimento incorreto. Além disso, ele ainda trabalha apenas dentro da estru-

339
Ver Burtt, op. cit., pág. 213, nota de rodapé 5, onde também é afirmado que Hume falha
em considerar essa visão que permite que Deus interfira no padrão da natureza de fora do
sistema.
340
Hume, “Of Miracles”, em Essential Works of David Hume, op. cit., pág. 128. Os itálicos
são de Hume.
96

tura das leis da natureza e, portanto, não leva em consideração possíveis inter-
ferências externas. Isso, da mesma forma, tem se mostrado incorreto.
Em segundo lugar, percebemos um uso indevido adicional da experiência.
A experiência está agora uniformemente aliada contra todos os eventos mila-
grosos. Como mencionamos acima, a razão pela qual se supõe que toda expe-
riência concorda com a primeira proibição de Hume contra milagres é que es-
ses eventos já foram determinados a não ocorrer, por definição. Portanto, toda
experiência confiável certamente coincidirá com esta, pois o oposto é definido
como uma impossibilidade. Mas claramente não é possível assumir uma decla-
ração importante como esta. Não é logicamente correto argumentar circular-
mente para responder aos sobrenaturalistas que citam a experiência como mi-
lagres simplesmente definindo toda experiência de modo que ela se oponha ou
mesmo elimine os milagres. Mas é exatamente isso que Hume faz, pois a expe-
riência é explicitamente definida de modo que, se não fornecer evidências con-
tra tais eventos, a referida ocorrência “não mereceria essa denominação”.341
Este é um novo proibitivo colocado contra milagres por experiência. Em ou-
tras palavras, a menos que toda experiência se oponha a um evento, ele não
pode ser referido como um milagre. Para que um milagre seja reivindicado
como tal, sua existência deve ser imediatamente contestada por toda a experi-
ência. Isso é feito sem prova ou investigação dos milagres. Esta é uma aborda-
gem adequada? Assim, uma segunda definição circular e a subseqüente petição
de princípio da questão são introduzidas e o problema é ainda mais agravado.
Primeiro, a experiência da natureza e, segundo, a uniformidade da experiência
são ambos colocados contra os milagres de tal maneira (sem qualquer evidên-
cia) que esses eventos são considerados impossíveis. O fardo do segundo (uni-
formidade da experiência) repousa sobre a solidez do primeiro (experiência da
natureza), cuja solidez está praticamente comprovada. No momento em que
um evento é designado como um milagre, ele é eliminado da existência de
forma arbitrária.
Terceiro, e apesar de toda essa falta de evidências adequadas, Hume insiste
em afirmar que isso constitui uma prova – “uma prova direta e completa” con-
tra qualquer tipo de evento milagroso.342 O argumento, portanto, move-se de
uma primeira definição circular e início da questão para uma segunda da mes-
ma e para a “prova” final.
Mas essa “prova” acaba sendo nada mais do que uma conclusão presumida.
É um bom exemplo de um ipse dixit ou uma afirmação sem suporte.343 Se uma

341
Ibid.
342
Ibid. Os itálicos são de Hume.
343
Ver McNaugher, op. cit., pág. 101 por uma acusação semelhante contra Hume
97

premissa de um silogismo falha, o todo é invalidado.344 Pode-se demonstrar


qualquer coisa se for permitido que as definições sejam totalmente inclusivas e
contenham a conclusão que deve ser provada como um dado. Portanto, perce-
bemos que a “prova” de Hume falha. Na verdade, ele se baseia na definição
dada anteriormente de um milagre. É um exemplo sólido de raciocínio circu-
lar.345
Agora é mais fácil ver por que muitos estudiosos se opuseram a vários as-
pectos da abordagem de Hume aos milagres. Ele assume aqui o que deseja
provar, mas que não investigou.346 Apesar de alegar lidar com os milagres da
fé cristã,347 ele se recusa a lidar com quaisquer milagres específicos do Novo
Testamento, mas simplesmente os descarta como sendo impossíveis.348 De fa-
to, um estudioso observa que Hume se sentia tão fortemente sobre a impossibi-
lidade de milagres que fazem parte da base da fé para os sistemas religiosos
que alegações em contrário nem precisavam ser examinadas especificamen-
te.349 Isso soa como qualquer coisa, menos uma tentativa honesta de chegar aos
fatos apropriados sobre opiniões que discordam das nossas! Na verdade, é uma
pessoa intelectualmente segura que pode saber que esses eventos nunca podem
ocorrer sem qualquer investigação. Mas, a julgar pelo trabalho em questão, es-
sa parece ser a atitude desse estudioso.
Mais uma vez, C. S. Lewis aponta para outro exemplo de raciocínio circular
neste ensaio sobre milagres. Para Hume, as duas questões “Os milagres ocor-
rem” e “O curso da natureza é absolutamente uniforme?” são um e o mesmo,
simplesmente perguntou de forma diferente. Mas “por prestidigitação” Hume
responde “Sim” à segunda pergunta e então usa if para responder “Não” à pri-
meira pergunta. A questão real que ele se esforça para responder nunca é real-
mente tratada. Ainda não sabemos se os padrões da natureza podem ser inter-
rompidos ou não e, portanto, não sabemos realmente se ocorrem milagres. Por-
tanto, Hume “obtém a resposta para uma forma de pergunta assumindo a res-
posta para outra forma da mesma pergunta”.350 Novamente encontramos um
exemplo de raciocínio circular.
Descobrimos, antes de tudo, que Hume comete uma série de erros lógicos.
Em particular, estes geralmente consistem em argumentar circularmente (espe-

344
Moore, op. cit., pp. 13–20.
345
Montgomery concorda que o argumento a priori e circular de Hume não obriga ninguém
a aceitar tal visão da experiência (Suicide of Christian Theology, op. cit., p. 38).
346
Smith, op. cit., pág. 147; MacNaugher, op. cit., pp. 101–3.
347
Hume, “Of Miracles,” in Essential Works of David Hume, op. cit., p. 124.
348
Smith, op. cit., p. 146.
349
Burtt, op. cit., p. 215.
350
Lewis, Miracles, op. cit., p. 106.
98

cialmente no que diz respeito a uma definição de milagres) e no uso de suposi-


ções não comprovadas e sem suporte (especialmente em referência à suposta
autoridade absoluta das leis da natureza e ao valor insignificante de qualquer
experiência de milagres). Esses argumentos por si só são suficientes para inva-
lidar toda a tese de Hume contra os milagres. Também poderíamos “provar”
que eventos milagrosos ocorrem por definição e aceitando toda experiência
como milagres, enquanto rejeitamos toda experiência como leis da natureza.
Então poderíamos concluir que todas as outras experiências devem concordar
com isso. É claro que fazer isso não provaria nada. Mas poderia ser considera-
do tão logicamente válido quanto o argumento de Hume. No entanto, há ainda
três outros pontos de ataque que devemos fazer em relação à obra de Hume
sobre os milagres.
A segunda grande crítica ao ensaio de Hume diz respeito ao uso dos quatro
pontos de apoio que parecem expandir suas crenças contra os milagres.351 É
nossa opinião que ele então ignora uma série de milagres que ele mesmo admi-
te preencher essas quatro “condições”, deixando o caminho aberto para a pos-
sibilidade de que outros milagres também os cumpram. O caso em questão diz
respeito a uma série de supostos milagres realizados entre os jansenistas na
França do século XVII. A própria investigação de Hume dessas ocorrências
mostra-se realmente muito interessante, à luz de seus quatro pontos de apoio.
Com relação ao primeiro ponto, Hume admite que esses milagres foram
“provados no local, perante juízes de integridade inquestionável, atestados por
testemunhas de crédito e distinção” e lista várias pessoas muito respeitáveis
que foram relatadas por tê-los testemunhado pessoalmente ou que investiga-
ram os casos depois. Isso inclui pessoas como um conhecido e respeitado te-
nente da polícia, vários médicos, um duque, um cardeal muito respeitado, 120
testemunhas que foram bastante influentes em Paris e até mesmo uma lista de
vários estudiosos famosos (incluindo Pascal e Racine).352 Certamente estes po-
dem ser contados como um número satisfatório de testemunhas respeitáveis.
Quanto ao segundo ponto, Hume também admite que esses milagres relata-
dos foram investigados pelos jesuítas e outros grupos inimigos desses ensina-
351
Hume afirma que esses quatro pontos de apoio, resumidos acima, provam que todos os
milagres não são confiáveis. Reafirmaremos brevemente esses quatro aqui. Primeiro, ne-
nhum relato histórico de milagres é atestado por testemunhas suficientemente respeitáveis.
Em segundo lugar, as pessoas se deleitam em contar histórias milagrosas, até mesmo men-
tindo para divulgar esses ensinamentos. Em terceiro lugar, os milagres são encontrados
principalmente entre pessoas de nações atrasadas. Em quarto lugar, relatos de milagres em
uma religião anulam os relatos daqueles em outros sistemas de crença. Veja o ensaio de
Hume “Of Miracles”, em Essential Works of David Hume, op. cit., pp. 129–34.
352
Hume, “Of Miracles”, em Essential Works of David Hume, op. cit., pp. 135–37, especi-
almente a nota de rodapé número dois.
99

mentos. Esse grupo incluía o já mencionado tenente da polícia, cujo trabalho


era expor ou suprimir os milagres relatados. Sua tentativa não teve sucesso. O
partido molinista também tentou desacreditar essas ocorrências e acabou atri-
buindo os milagres ao diabo, admitindo assim que eles ocorreram. Em outro
caso, a rainha interina da França também desejou expor esses milagres. Ela
enviou seu médico pessoal para investigá-los, apenas para vê-lo retornar como
um convertido jansenista. De fato, nenhum dos antagonistas que foram envia-
dos para investigar esta situação aparentemente foi capaz de descobrir qual-
quer falsidade.353 Não estamos fazendo nenhum julgamento sobre o que pode
ou não ter acontecido aqui.354 Mas é fácil ver que os muitos inimigos desses re-
latórios não estavam mentindo para fazer os milagres parecerem plausíveis.
Nem estavam tentando se deliciar com a divulgação desses relatórios, pois era
seu próprio desejo expor esses fatos. Na verdade, eles tinham um interesse par-
ticular em refutá-los. Até mesmo Hume admite o fato de que muitas das teste-
munhas eram confiáveis.355 Portanto, podemos afirmar que essas testemunhas
não confirmaram o segundo ponto.
Com relação ao terceiro ponto de apoio, também não podemos sustentar
que esses eventos ocorreram entre povos ignorantes e atrasados. Eles não ape-
nas ocorreram em um dos países mais avançados do mundo, não muito antes
da época de Hume, mas Hume afirma explicitamente que tudo isso aconteceu
“em uma era instruída”. Mais uma vez ele admite que as condições estabeleci-
das em um de seus pontos não pertencem a esses milagres.356
O quarto ponto de apoio de Hume também falha como uma explicação ade-
quada aqui. Mesmo que os milagres supostamente ocorridos em algumas reli-
giões fossem capazes de cancelar os de outras religiões (o que é uma afirma-
ção duvidosa), o procedimento lógico seria primeiro investigar as instâncias
desses relatos. Se houve alguns casos que parecem ser mais bem documenta-
dos do que outros, como no caso citado aqui, não seria lógico revogá-los por
causa da existência dos chamados milagres menores que também são relatados
em outras religiões. Seria mais razoável sustentar os eventos que melhor se
ajustam aos fatos, conforme acima exposto. Aqui é curioso notar que Hume
adota um procedimento semelhante. Ele investiga o que considera dois desses
milagres menores antes de discutir os relatórios jansenistas. Os dois primeiros

353
Ibid.
354
Nosso propósito aqui não é de forma alguma determinar se esses milagres jansenistas re-
almente ocorreram ou não. Em vez disso, pretendemos determinar exatamente qual é a rea-
ção do próprio Hume quando um milagre reconhecidamente preenche suas quatro condi-
ções. Isso perceberemos mais adiante.
355
Hume, “Of Miracles”, em Essential Works of David Hume, op. cit., pp. 135–37.
356
Ibid., p. 136.
100

são claramente encontrados como falsidades.357 Mais tarde, ele reconhece que
os relatórios jansenistas se ajustam melhor aos fatos. Mas ele aparentemente
não se esforça para descartar os últimos relatos usando os dois primeiros, e lo-
gicamente.358
O quarto ponto de Hume só seria plausível se alguém assumisse que todos
os relatos de milagres eram verdadeiros, fazendo com que alguns acreditassem
que havia um possível conflito de ideologias. Mas como todos claramente não
são factuais, ficamos mais logicamente com a necessidade de investigar cada
caso por seus próprios méritos. Assim, não podemos descartar um evento que
é bem atestado simplesmente porque também existem outros relatos de mila-
gres, pois não podemos saber senão que os últimos são falsidades e o primeiro
factual. Isso só pode ser determinado por uma investigação das alegações de
milagres. Portanto, o último ponto também não é aplicável aqui como uma crí-
tica a esses milagres.
Por essas razões, podemos perceber que os quatro pontos de apoio de Hume
não funcionam como uma crítica válida dos milagres no caso dos relatórios
jansenistas. Nem refutaram os testemunhos. Em outras palavras, esses quatro
pré-requisitos para milagres foram todos cumpridos. Na verdade, Hume parece
disposto a admitir sua afirmação. A declaração a seguir pode ser interpretada
como seu reconhecimento de que os três primeiros em particular atendem aos
requisitos. Falando das reivindicações jansenistas, ele afirma:

Mas o que é mais extraordinário; muitos dos milagres foram provados imedia-
tamente no local, diante de juízes de integridade inquestionável, atestados por
testemunhas de crédito e distinção, em uma era erudita e no teatro mais eminen-
te que existe agora no mundo.359

Aqui Hume nos informa que houve testemunhas respeitáveis dessas ocorrên-
cias (ponto um), homens de integridade suficiente e caráter inquestionável para
militar contra as acusações tanto de mentira (ou falsificação) quanto de divul-
gação sem escrúpulos de histórias para agradar os ouvidos dos homens (ponto
dois). Além disso, esses relatos foram proclamados como tendo acontecido em
uma era intelectual em um dos países mais avançados do mundo (ponto três).
Já mostramos acima que o quarto ponto também não pode ser usado aqui por-
que não podemos descartar um evento bem atestado a priori simplesmente por

357
Ibid., pp. 134–35.
358
Ibidem, pág. 137. No entanto, Hume parece acreditar que apenas porque o quarto ponto
não se sustenta neste caso por causa do testemunho superior das autoridades envolvidas
(Ibid.), ele ainda pode ser aplicado em outros casos (Ibid., pp. 137-38).
359
Hume, Ibid., pp. 135–36.
101

causa do testemunho de outros eventos semelhantes que muitas vezes não se


encaixam em nenhum dos fatos. Só podemos julgar com base nas evidências
disponíveis. Tampouco Hume afirma especificamente que o quarto ponto se
aplica aqui.
Agora estabelecemos que Hume sentiu que os milagres jansenistas eram ca-
sos bem atestados. O testemunho humano a favor dessas ocorrências é impres-
sionante, principalmente pelo fato de se tratar de alegações de eventos sobre-
naturais.360 Portanto, seria muito valioso ver como Hume respondeu à questão
de saber se essas afirmações eram válidas para o milagroso ou não. A esta su-
gestão Hume respondeu a respeito destes eventos:

Onde encontraremos tantas circunstâncias, concordando com a corroboração de


um fato? E o que temos para opor a tal nuvem de testemunhas, senão a absoluta
impossibilidade ou natureza milagrosa dos eventos que eles relatam? E isso cer-
tamente, aos olhos de todas as pessoas razoáveis, será considerado por si só co-
mo uma refutação suficiente.361

Parece que a rejeição do milagroso por Hume é aqui muito arbitrária. Mesmo
quando todas as informações se somam para apoiar um fato, não pode ser con-
siderado verdadeiro se for de origem sobrenatural. Mesmo que seja um dos fa-
tos mais corroborados em termos de testemunho e experiência humana, Hume
diz que devemos rejeitá-lo simplesmente porque os milagres são impossíveis.
Um caso mais flagrante de raciocínio circular pode ser difícil de produzir.
Quando se encontra evidência de um milagre, considera-se que não se aplica
simplesmente porque tais eventos não ocorrem quando esta pode ser a própria
evidência capaz de demonstrar que eles ocorrem. Alguém poderia supor natu-
ralmente que Hume estava realmente interessado em explorar a possibilidade
de milagres em um ensaio desse escopo. Em vez disso, descobrimos que sua
crença é que os milagres não ocorrem e que nenhum exame de experiência pa-
ra eles pode estabelecer que eles provavelmente acontecem.362 Assim, susten-
tamos que Hume primeiro assume que os milagres nunca poderiam ocorrer e,
em seguida, desconsidera a evidência em nome deles.363

360
Devemos afirmar aqui mais uma vez que não estamos preocupados se essas afirmações
jansenistas são válidas ou não.
361
Hume, “Of Miracles”, em Essential Works of David Hume, op. cit., pág. 137. 56Ibid., p.
139 por exemplo.
362
Ibidem, pág. 139 por exemplo.
363
O filósofo Swinburne chega a conclusões semelhantes sobre essa passagem exata na
obra de Hume. Ele também percebe que Hume descarta os milagres jansenistas não porque
a evidência não seja adequada, mas porque tal evidência é vista como irrelevante (op. cit., p.
16). Podemos nos perguntar como Hume é capaz de desconsiderar uma quantidade tão re-
102

Mesmo que alguém pudesse mostrar que Hume tinha uma razão adequada
para desconfiar desses milagres jansenistas relatados, a acusação anterior de
que ele descarta arbitrariamente possíveis evidências em favor de milagres por
razões errôneas ainda pode ser mantida por duas razões. Primeiro, ele faz uma
declaração semelhante no início do ensaio que não está relacionada à questão
jansenista. Depois de sua definição circular de milagres tratada acima, ele ob-
serva que

nenhum testemunho é suficiente para estabelecer um milagre, a me-


nos que o testemunho seja de tal tipo, que sua falsidade seja mais
milagrosa do que os fatos que ele se esforça para estabelecer …
sempre rejeite o milagre maior.364

Novamente percebemos que Hume está convencido de que nenhum testemu-


nho pode estabelecer um milagre. Mesmo quando seus critérios (a presença de
experiência suficiente do evento) foram satisfeitos, ele sustenta que os mila-
gres são impossíveis. Portanto, conforme explicado na primeira grande obje-
ção ao ensaio de Hume dada acima, Hume também é culpado de empregar su-
posições sem suporte. Os milagres são rejeitados apenas porque são sobrenatu-
rais, mesmo quando se descobre que eles têm uma experiência adequada que
sustenta sua realidade.
Em segundo lugar, mesmo que Hume continuasse a confiar em outras con-
clusões (como os milagres em outras religiões) para se opor ao milagroso no
caso dos relatos jansenistas, ele desconsidera o fato de que as evidências dis-
poníveis podem ser suficientes para estabelecer essa experiência como mila-
grosa mesmo se nenhum outro milagre tivesse ocorrido. Em outras palavras, a
evidência que é descartada pode ser suficiente para demonstrar a realidade
desses eventos como o exemplo supremo do Sobrenatural, sejam outras reivin-
dicações válidas ou não. Se um evento ocorreu, ele não é menos realista por-
que existem outras reivindicações de ocorrências semelhantes.

conhecidamente adequada de experiência para esses eventos quando tal exame e pesquisa é
o fundamento da história. A aceitação de eventos passados como realmente ocorridos é ba-
seada na existência de uma quantidade adequada de evidências históricas. Mas mesmo que
Hume perceba que tal foi produzido, ele ainda rejeita o milagre, como Swinburne também
observa. Tal padrão duplo de rejeitar milagres quando eles são evidenciados pela mesma
(ou ainda maior) quantidade de experiência que é vista como adequada em outras instâncias
de estabelecimento de fatos históricos certamente não parece erudito. É esse raciocínio cir-
cular que invalida seu argumento.
364
Hume, “Of Miracles”, em Essential Works of David Hume, op. cit., pp. 128-29.
103

Portanto, achamos que esta segunda grande crítica ao ensaio de Hume tam-
bém é válida. Seus quatro pontos de apoio são altamente objetáveis em primei-
ro lugar, principalmente porque uma grande parte de nossa história atualmente
aceita estaria sujeita a muita dúvida se estes fossem vistos como a norma pela
qual os fatos devem ser julgados como corretos. Por exemplo, quanto de nossa
história mundial aceita é composta de eventos que não foram atestados por um
bom número de homens inquestionavelmente inteligentes e educados que em
si são suficientes para se proteger contra todos os tipos de erro e ilusão? Pode-
se, de fato, questionar grandes quantidades de história por causa da falta de
conformidade com essa regra. Ou quanto da nossa história é prejudicada pelo
fato de que a pessoa que relata ganhou muito com a aceitação desses eventos,
como os relatos de Júlio César sobre suas vitórias sobre os bárbaros? E certa-
mente muitos outros eventos ocorreram entre nações ignorantes ou atrasadas?
Uma vez que Hume inclui as civilizações grega e romana como pertencentes a
esta categoria (porque milagres foram relatados por eles),365 devemos duvidar
da história de todos esses períodos, para não falar da antiga Babilônia, por
exemplo? Começa-se a notar os muitos problemas envolvidos na aplicação
desses quatro critérios à história. No entanto, essa história é aceita como bas-
tante respeitável e confiável. Como Richard Whately certa vez notou tão apro-
priadamente, o mesmo método que Hume empregou para descartar os milagres
da vida de Jesus também removeria os elementos únicos da vida de Napoleão.
Tal reconstrução da história é corretamente vista como autocondenadora e
muito problemática.366
Mas, como também descobrimos, Hume falha em fazer justiça a eventos
milagrosos, mesmo quando eles atingem um alto nível de credibilidade por
causa do peso do testemunho experimental a seu favor. Tal evidência prova-
velmente seria suficiente para corroborar outros eventos históricos. Portanto,
parece que seríamos impelidos a conceder probabilidade a certos milagres se
eles explicassem melhor as evidências disponíveis. E se Hume errar em sua
avaliação em casos como o acima, também é razoável sustentar que outros mi-
lagres bem documentados podem ser considerados eventos prováveis se forem
considerados as melhores explicações para o que ocorreu.367

365
Ibid., pp. 132, 134.
366
Montgomery, O Suicídio da Teologia Cristã, op. cit., 43–44, nota de rodapé 13.
367
Se tais milagres puderem ser mostrados, é claro. Ainda não estamos fazendo nenhum
julgamento sobre a facticidade dos milagres jansenistas, ou dizendo que são prováveis. Isso
ocorre porque confiamos na apresentação das evidências por Hume e, portanto, não investi-
gamos as evidências por nós mesmos. Como mencionado acima, o objetivo principal aqui
foi perceber como Hume via ocorrências que ele considerava bem documentadas. Isso foi
realizado aqui.
104

A terceira grande crítica ao ensaio de Hume gira em torno do fato de que


toda essa obra depende de uma suposta uniformidade na natureza. Hume rejei-
ta milagres por causa da experiência do homem dessa uniformidade. Mas, para
fazer isso, deve-se manter a validade de causa e efeito, assumindo que o curso
da natureza continuará (e sempre continuou) exatamente como é agora perce-
bido. No entanto, o fato é que conhecemos apenas uma pequena parte da natu-
reza e não podemos ter certeza de que o que conhecemos continuará a ser o
mesmo no futuro (ou que tenha continuado assim ao longo do passado).
O que torna esse argumento ainda mais persuasivo é que o próprio Hume
reconheceu o fato de que não podemos aceitar causa e efeito como válidos.368
Isso é especialmente evidente em seu pequeno trabalho An Abstract of a Trea-
tise of Human Nature,369 onde Hume explica por que não podemos aceitar ra-
zoavelmente essa noção. É costume esperar que um efeito siga uma causa, mas
não há fundamentos razoáveis ou lógicos para isso.370
Uma vez que causa e efeito não são mais considerados válidos,371 não há
realmente nenhuma razão lógica para acreditar que a uniformidade das leis da
natureza pode excluir o milagroso. Tampouco podemos afirmar que o estado
de natureza excluiu milagres no passado, porque a uniformidade necessária pa-
ra tal afirmação também não pode ser demonstrada. Em outras palavras, a
afirmação de Hume de que a experiência da humanidade não conhece nenhum
caso válido de milagres por causa da uniformidade da natureza não é apenas
inválida, mas contradiz suas próprias afirmações em contrário.
Na verdade, esse é um argumento muito poderoso contra todo o ensaio de
Hume, que se baseia na suposta experiência do homem quanto à uniformidade
das leis da natureza.372 Essa experiência, baseada na confiabilidade das leis da
natureza, é o centro de sua polêmica contra os milagres, como mostrado aci-
ma.373 É tão central que se acredita que nenhum milagre poderia ter ocorrido,
simplesmente por causa dessa uniformidade. Hume sustenta que, mesmo que
alguém pudesse encontrar uma probabilidade ou prova para um milagre, ele

368
Para a rejeição de causa e efeito de Hume, veja, por exemplo, seu trabalho intitulado A
Treatise of Human Nature, editado por L. A. Selby-Bigge (Oxford: The Clarendon Press,
1964), Livro I, Parte III, Seção II, pp. –78, especialmente p. 76. Cfr. também Heick, op. cit.,
pág. 65.
369
David Hume, Um Resumo de Um Tratado da Natureza Humana (Cambridge: The Uni-
versity Press, 1938). Para uma discussão perspicaz sobre o autor deste trabalho, veja a In-
trodução de J. M. Keynes e P. Spaffa, pp. v–xxxi; cf. Bronowski e Mazlish, op. cit., pág.
474, nota de rodapé número três.
370
Hume, Ibid., especialmente p. 16. Cfr. Bronowski e Mazlish, Ibid., pp. 107-1 474-75.
371
Cf. Bronowski e Mazlish, Ibid. Consulte o capítulo 2 acima.
372
Hume, “Of Miracles”, em Essential Works of David Hume, op. cit., pág. 128.
373
Ibid
105

então se depararia com a “prova” dessa concepção uniforme da natureza, o que


significa que nunca poderia ocorrer de qualquer maneira.374
Mas agora descobrimos que esse método não pode mais ser usado como ba-
se para essa rejeição de milagres. Não apenas faltam provas de que a natureza
deva agir dessa maneira, mas também descobrimos que não podemos falar
desse tipo de causalidade na natureza porque não é mais um conceito válido
(ver especialmente o capítulo 2 acima). Isso significa que toda a base do sis-
tema de Hume como está agora deve ser abandonada. Se tal probabilidade de
um milagre existisse, como postulado acima, não haveria, portanto, nenhuma
“prova” da natureza para se opor a ela. Isso também se aplicaria a casos de
alegações de milagres na história passada, se fossem prováveis, porque esses
novos conceitos da natureza também teriam sido aplicados. Mais uma vez per-
cebemos que os milagres não podem ser combatidos por uma visão causal uni-
forme da natureza. A objeção de Hume aos milagres é, portanto, bastante de-
feituosa.
C. S. Lewis concorda com esta crítica de Hume. Ele afirma em uma linha
de pensamento semelhante:

Toda a ideia de Probabilidade (como Hume a entende) depende do princípio da


Uniformidade da Natureza... Observamos muitas regularidades na Natureza.
Mas é claro que todas as observações que os homens fizeram ou farão durante a
corrida cobrem apenas uma fração mínima dos eventos que realmente aconte-
cem. Nossas observações seriam, portanto, inúteis, a menos que tivéssemos cer-
teza de que a Natureza, quando não a observamos, se comporta da mesma ma-
neira que quando a observamos: em outras palavras, a menos que acreditásse-
mos na Uniformidade da Natureza. A experiência, portanto, não pode provar a
uniformidade, porque a uniformidade deve ser assumida antes que a experiência
prove qualquer coisa... O estranho é que nenhum homem sabia disso melhor do
que Hume. Seu Essay on Miracles é bastante inconsistente com o ceticismo
mais radical e honrado de sua obra principal.375

Aqui Lewis também reconhece que todo o argumento de Hume depende da


uniformidade da natureza. Mas não há como saber, muito menos provar, essa
crença. Observamos a natureza pelos nossos sentidos e a incorporamos à nossa
experiência. Mas toda a experiência da humanidade é apenas uma pequena
parte do todo. Dizer que a natureza age de maneira completamente uniforme e
sem interrupções (como afirma Hume) seria conhecer toda a natureza. Isso é
mais uma vez um raciocínio circular porque, como Lewis aponta, deve-se as-
sumir a uniformidade em toda a natureza para dizer que experimentamos o

374
Ibid., p. 139.
375
Lewis, Milagres, op. cit., pp. 105–6. Os itálicos são de Lewis.
106

mesmo quando não a conhecemos como um todo. Devemos simplesmente


acreditar que é o mesmo. Em outras palavras, já se deve ter assumido que a na-
tureza é completamente uniforme e age de forma causal quando as evidências
indicam o contrário. Lewis também observa que Hume aceitou argumentos
semelhantes contra a causalidade da natureza em suas outras obras.
Nossas duas conclusões anteriores devem, portanto, estar à luz desse co-
nhecimento. Primeiro, a base de Hume para rejeitar milagres não é válida. Não
se pode rejeitar um evento milagroso se ele se encaixar melhor na evidência
simplesmente por causa de uma suposta uniformidade na natureza, especial-
mente quando foi demonstrado que tal uniformidade não existe. Causa e efeito
teriam que estar em operação antes que os argumentos de Hume pudessem se-
quer começar a ser afirmados. Mas até o próprio Hume rejeita essa visão da
natureza. Assim, nada resta senão abandonar a própria base de seu raciocínio.
Em segundo lugar, isso significa que a questão agora diz respeito a quais fatos
melhor se ajustam à evidência, voltando-nos mais uma vez para uma investi-
gação desses fatos. Se um milagre na história passada oferece a melhor expli-
cação para a evidência, ele não pode mais ser contestado por causa da crença
de que essas coisas simplesmente não acontecem ou porque a natureza se opõe
a tal evento.
Nossa quarta crítica principal ao ensaio de Hume surge da segunda e tercei-
ra críticas. Um aspecto positivo da filosofia de Hume é que ele confia forte-
mente em probabilidades, o que foi mostrado acima como a convicção do pen-
samento moderno. Além disso, Hume rejeitou muitas das teorias então popula-
res sobre causa e efeito e as respectivas implicações baseadas em um universo
fechado. Numa época em que era comum aceitar uma visão mecanicista do
universo, Hume insistia em que ela permanecesse aberta.376 Nesse sentido, pe-
lo menos, seus pensamentos podem ser vistos como precursores de algumas
das teorias modernas que também postulam um universo aberto.
No entanto, surge um problema quando tentamos reconciliar a crença de
Hume em um universo aberto com sua rejeição anterior de milagres. Em vez
de permitir que a evidência fale por si mesma (uma vez que a evidência de mi-
lagres não pode ser descartada a priori ou por uma visão imprópria da nature-
za), como seria de se esperar quando alguém defende as posições acima em re-
lação à natureza, Hume transgride sua própria posição para descartar milagres.
Ele não permite o milagroso mesmo quando a evidência é suficiente para
apontar para uma probabilidade (crítica dois) e então descarta o milagroso co-
376
A rejeição de causa e efeito de Hume foi observada acima. Para sua ênfase na probabili-
dade, veja, por exemplo, sua obra Essays, Literary, Moral and Political (London: Ward,
Lock and Bowden, Limited, s.d.), pp. 341–43 e também o ensaio “Of Miracles” em Essenti-
al Works de David Hume, op. cit., pp. 125–29.
107

mo um todo ao aceitar uma visão da natureza que ele mesmo já rejeitou (crítica
três).
Portanto, chega-se aqui a uma quarta grande crítica. Embora aceite uma vi-
são bastante moderna do universo em muitos sentidos, ele se torna um pré-
moderno em seu tratamento dos milagres. Em outras palavras, ele não é auto-
consistente em sua filosofia. Seu tratamento dos milagres mostra sinais de uma
consciência crítica pré-moderna, pois ele se propõe a aceitar um universo aber-
to, mas rejeita os milagres por causa de uma visão fechada da natureza, 377 e se
propõe a basear seu trabalho em probabilidades, mas descarta arbitrariamente
uma provável milagre. Assim, ele é internamente inconsistente e reverte a essa
consciência pré-moderna.
Portanto, sustentamos que todas as quatro principais críticas a Hume são
válidas. Ele é o primeiro culpado de cometer uma série de erros lógicos. Ele
argumenta circularmente378 várias vezes, geralmente no que diz respeito à sua
definição de milagres e muitas vezes levanta a questão usando suposições sem
suporte, como o valor insignificante de qualquer experiência de milagres. Ele
também falha aqui ao se recusar a investigar qualquer um desses eventos
quando essa mesma investigação poderia revelar um milagre válido. Em se-
gundo lugar, Hume falha em aceitar eventos milagrosos mesmo quando eles
são bem atestados pela experiência humana. Ele ainda os rejeita por razões ar-
bitrárias, mesmo depois de admitir a alta credibilidade dessa atestação. Tercei-
ro, Hume rejeita os milagres por causa de uma visão da natureza que não ape-
nas era falsa, mas que ele mesmo rejeitou. No entanto, a crença nessa unifor-
midade da natureza é o centro de sua polêmica contra os milagres. Portanto, o
próprio ápice de sua polêmica contra os milagres deve ser rejeitado. Quarto,
enquanto Hume é moderno em muitas de suas concepções da natureza (optan-
do pelo uso de probabilidades e rejeitando causa e efeito e a subseqüente visão
uniforme da natureza), ele volta a um estágio pré-moderno em sua tentativa de
provar que nenhum milagres já aconteceram. Ao argumentar contra os mila-
gres, ele dá pouco peso às probabilidades milagrosas e emprega uma visão in-

377
Montgomery também sente que o argumento de Hume contra os milagres é baseado em
uma visão fechada do universo. Ver Suicide of Christian Theology, de Montgomery, op.
cit., pp. 262-63, 351, nota 15. Mais uma vez, também acreditamos que existem leis na natu-
reza, como apontado acima. Para falar de milagres como fora do comum, deve haver um
curso normal da natureza. A questão não é se essas leis existem, mas se podem ser tempora-
riamente suspensas.
378
Até mesmo William Hordern, um estudioso simpático a certas tendências da teologia crí-
tica contemporânea, afirma que Hume argumenta circularmente neste ensaio. Veja seu tra-
balho A Layman's Guide to Protestant Theology (Nova York: The Macmillan Company,
1956), p. 37.
108

correta da natureza que ele mesmo rejeitou. Assim, ele é tanto pré-moderno
quanto inconsistente aqui.
É óbvio que essas críticas invalidam o tratamento dado por Hume aos mila-
gres. Esses erros e conclusões impróprias na obra de Hume não foram pronta-
mente detectados no século XVIII porque o intelecto iluminista continuou a
prevalecer nos círculos acadêmicos. Como ficará ainda mais evidente no capí-
tulo 6, o desejo geralmente era rejeitar os milagres em primeiro lugar, e o en-
saio de Hume forneceu a autoridade necessária para tal aventura.
Portanto, não é preciso dizer que a polêmica de Hume contra os milagres,
embora pareça ser um argumento forte no início, falha quando investigada de
perto. Este sistema não pode, portanto, ser usado para invalidar ou descartar
alegações de milagres. Uma abordagem mais adequada pode ter sido definir
milagres sem qualquer afirmação inerente quanto à possibilidade de sua ocor-
rência. Então teria sido possível investigar a experiência disponível para de-
terminar a extensão de seu acordo. Somos assim confrontados mais uma vez
com a necessidade de investigar as evidências para melhor apurar o que ocor-
reu. Tal investigação histórica dos documentos que fazem tais alegações de
milagres é, portanto, necessária, conforme concluído no capítulo 4 acima. No
caso específico da ressurreição de Jesus, foram feitas afirmações empíricas que
relatam evidências experimentais das aparições do Senhor ressurreto. São estes
os relatos que devem ser examinados para apurar se este acontecimento é a
melhor explicação para os factos.
109
110

Capítulo VI
Possibilidade número um: outras visualizações seme-
lhantes
É difícil estimar exatamente a influência que o ensaio de Hume “Of Miracles”
teve sobre o mundo intelectual desde sua aparição em 1748. No entanto, po-
demos determinar com mais segurança que seu efeito sobre a teologia foi ex-
tremamente grande. Muitos estudiosos o consideram o argumento determinan-
te contra a existência de qualquer evento milagroso. Isso é verdade tanto para
os teólogos liberais mais antigos do século XIX quanto para os teólogos mais
contemporâneos do século XX. Alguns se referem diretamente a Hume como a
fonte dessa rejeição dos milagres, enquanto outros fazem referências anônimas
à sua rejeição do miraculoso como sendo devido à crença de que nossa experi-
ência da natureza se opõe completamente a qualquer violação de suas leis. É
importante examinar brevemente essas evidências diretas e indiretas da in-
fluência de Hume.
Somos informados por John Hermann Randall, Jr. que desde o aparecimen-
to do ensaio de Hume, os liberais religiosos rejeitaram qualquer crença em mi-
lagres. O liberalismo do século XIX379 como um todo ficou convencido por es-
te trabalho de que não poderia haver interferência na natureza de quaisquer
eventos milagrosos.380 Montgomery concorda com esta afirmação de que a teo-
logia liberal do século XIX seguiu a rejeição de milagres de Hume.381
Um excelente exemplo dessa rejeição é visto nas obras do teólogo alemão
David Strauss, um dos mais vigorosos críticos do Novo Testamento que já
379
Resumidamente, nos referiremos ao liberalismo religioso nesta obra como a tendência
predominante do pensamento teológico no século XIX (cf. Daniel Fuller, op. cit., capítulo
3). Mais especificamente, podemos datar a proeminência desse movimento desde a publica-
ção da obra de Schleiermacher On Religion: Speeches to Its Cultured Despisers em 1799
até a Epístola aos Romanos de Karl Barth, publicada em 1918. Cf. aqui esta obra de Sch-
leiermacher, traduzida por John Oman (Nova York: Harper & Brothers, 1958). Veja a In-
trodução de Rudolf Otto, especialmente pp. ix, xii. Cfr. também Burtt, op. cit., pág. 284 e
William Hordern, Introdução, vol. 1 de New Directions in Theology Today, editado por
William Hordern, 7 vols. (Filadélfia: The Westminster Press, 1966), p. 15.
380
John Herman Randall, Jr., The Making of the Modern Mind, rev. ed. (Boston: Houghton
Mifflin Company, 1940), pp. 553–54. Com relação à afirmação de Randall de que o libera-
lismo rejeitou milagres por causa da influência do ensaio de Hume, parece que Randall
também está falando do liberalismo como um movimento predominantemente do século
XIX (Ibid.).
381
Montgomery, O Suicídio da Teologia Cristã, op. cit., pp. 27–28.
111

existiu. Em sua obra de dois volumes A New Life of Jesus (traduzida pela pri-
meira vez para o inglês em 1865, logo após a edição alemã), Strauss afirmou
especificamente que o ensaio de Hume foi tão conclusivo em refutar os mila-
gres que a questão já estava resolvida.382 Milagres simplesmente não podiam
contradizer a natureza.383
A postura de Strauss sobre essa questão, que segue a crítica de Hume, é tí-
pica do liberalismo do século XIX. Friedrich Schleiermacher também era da
opinião de que um verdadeiro milagre envolveria a suspensão das leis da natu-
reza. Tais milagres ocorrem com mais frequência onde há pouco conhecimento
dessas leis. Devemos abandonar tais milagres como supérfluos, pois eles não
são capazes de nos aproximar do reconhecimento de Cristo. Além disso, ciên-
cia e religião concordam aqui que não há instâncias absolutas de tal evento.
Uma visão mais perfeita de Deus, que exige a absoluta dependência do ho-
mem, não precisa de tais milagres para sustentar sua causa.384 Por esta razão,
Schleiermacher preferiu ver todos os eventos como sendo milagrosos, incluin-
do os mais comuns e naturais. Na verdade, eventos como aqueles que deveri-
am ter quebrado as leis da natureza por intervenção sobrenatural não são real-
mente milagres.385
Outras instâncias como essas são comuns na teologia liberal. Bruno Baur
seguiu Strauss ao insistir fortemente que não podemos admitir nenhum evento
que negue as leis da natureza. Em vez disso, as leis da natureza são mantidas
pela religião e não insultadas por ocorrências como milagres.386 Ernst Renan
postulou que Jesus não sabia que havia quaisquer leis na natureza. Por causa
dessa falta de conhecimento sobre o padrão legal da natureza, Jesus acreditava
que os milagres eram ocorrências muito comuns e nada sobre o qual alguém
deveria se surpreender.387 Adolf Harnack também sustentou que os povos anti-
gos não tinham noção das restrições das leis da natureza. Mas hoje percebemos

382
David Friedrich Strauss, Uma Nova Vida de Jesus, 2ª ed., 2 vols. (Londres: Williams e
Norgate, 1879), vol. 1, pág. 199.
383
Ibid., pp. 199–201.
384
Friedrich Schleiermacher, The Christian Faith, editado por H. R. Mackintosh e J. S. Ste-
wart, 2 vols. (Nova York: Harper & Row, 1963), vol. 1, pp. 71, 178–84; vol. 2, pp. 448–49.
385
Schleiermacher, On Religion: Speeches to Its Cult Despisers, op. cit., pp. 88–89, 113–
14, explicação número 16.
386
Albert Schweitzer, The Quest of the Historical Jesus, traduzido da edição alemã de 1906,
op. cit., pág. 154.
387
Ernst Renan, Vida de Jesus, vol. 1 de The History of the Origins of Christianity (Lon-
dres: Mathieson and Company, s.d.), pp. 147–55, especialmente p. 148.
112

que nenhum evento pode ocorrer que interrompa a natureza. Como resultado,
milagres não acontecem e não podemos acreditar nos relatos deles.388
Essa rejeição do milagroso, revelando uma dependência da tese de Hume,
não é relegada apenas à teologia do século XIX.389 Como mostrado acima, a
teologia crítica contemporânea do século XX tem seguido um padrão de pen-
samento semelhante. Geralmente defende a crença de que os milagres não po-
dem (e não devem) ser validados ou, muitas vezes contando diretamente com
os argumentos de Hume, que todos os milagres devem ser simplesmente des-
cartados como impossíveis.390
Por exemplo, Paul Tillich afirma que os milagres não podem interferir nas
leis da natureza. Qualquer teologia que tente fazê-los fazer isso está distorcen-
do a visão bíblica de Deus.391 Bultmann acredita que nossa concepção moder-
na da natureza tornou os milagres impossíveis. As leis naturais são tais que fa-
zem do mundo uma realidade fechada ao milagroso. Estamos, portanto, muito
avançados para acreditar nos relatos do Novo Testamento sobre tais operações
sobrenaturais.392 John A. T. Robinson também acredita que milagres como a
encarnação de Jesus só podem ser descritos como mitos porque, em nossa era
científica, percebemos que os processos naturais não podem ser interrompidos
por intervenções sobrenaturais. Toda a cosmologia do Novo Testamento deve
ser descartada por essas razões.393 Exploramos brevemente algumas das prin-
cipais teorias propostas por aqueles que seguem Hume ao argumentar contra a
ocorrência de todos os eventos milagrosos. Muitos estudiosos utilizaram essas
e outras visões semelhantes que se opunham a todos os milagres ao deduzir de-
les hipóteses específicas contra a crença na ressurreição literal de Jesus.
Certamente, o ambiente do século XVIII, no qual Hume formulou seu ar-
gumento anti-milagroso, era diferente do ambiente dos séculos XIX e XX, nos
quais esses liberais religiosos aplicaram as visões de Hume. No século XIX,
havia os sistemas filosóficos de Immanuel Kant, enfatizando a moralidade, e
Friedrich Hegel, que enfatizava uma teologia da razão e do desenvolvimen-

388
Adolf Harnack, What is Christianity?, traduzido por Thomas Bailey Saunders, 3ª ed.
(Londres: Williams e Norgate, 1912), pp. 25–31.
389
Randall afirma que desde a época de Hume até hoje, poucos eruditos questionaram suas
conclusões contra os milagres (op. cit., p. 293).
390
Montgomery, O Suicídio da Teologia Cristã, op. cit., pp. 37–38; cf. pág. 28.
391
Paul Tillich, Teologia Sistemática, 3 vols. (Chicago: The University of Chicago Press,
1971), vol. 1, pp. 115–17. Cfr. Alexander J. McKelway, The Systematic Theology of Paul
Tillich (Nova York: Dell Publishing Company, 1964), pp. 81–83.
392
Bultmann, “Novo Testamento e Mitologia,” em Kerygma and Myth, op. cit., pp. 100-1
4–5.
393
John A. T. Robinson, Honest to God (Philadelphia: The Westminster Press, 1963), pp.
11–18, 64–68.
113

to.394 Na segunda metade do século XIX e no século XX, o darwinismo esten-


deu sua influência. Eventos históricos como a Revolução Francesa e as duas
Guerras Mundiais também contribuíram para esse clima de mudança. A secu-
laridade do século XX afetou ainda mais visões de mundo. Apesar dessas dife-
renças, no entanto, na questão dos milagres, esses teólogos liberais desde o sé-
culo XVIII continuaram a seguir Hume, acreditando que tais eventos eram im-
possíveis.

A. HEINRICH PAULUS

Muito possivelmente, o estudioso mais notável que se esforçou para aplicar o


pensamento de Immanuel Kant aos estudos do Novo Testamento foi Heinrich
Paulus.395 Este teólogo alemão também rejeitou os milagres por razões bastan-
te semelhantes às listadas acima. Acredita-se que as testemunhas bíblicas ti-
nham um conhecimento deficiente das leis da natureza, especialmente por não
conhecerem as causas secundárias da natureza. Portanto, eles acreditaram er-
roneamente que os eventos sobrenaturais realmente ocorreram. No entanto,
quando descobrimos o verdadeiro funcionamento da natureza, dizem que des-
cobrimos que os eventos que antes eram considerados milagrosos não podem
mais ser considerados como tais. Isso ocorre porque essas ocorrências proce-
dem de acordo com a lei natural. Assim, Paulus passou a empregar explicações
naturalistas para os relatos de milagres do Novo Testamento.396
A ressurreição de Jesus também recebeu uma explicação tão natural. Para
Paulus, Cristo não morreu na cruz. Ele foi derrubado antes que a morte o ven-
cesse e depois ressuscitou gradualmente na sepultura. O ferimento de lança no
lado não o matou imediatamente, mas serviu apenas como um dispositivo de
derramamento de sangue e incentivou sua recuperação. Mais tarde, um terre-
moto foi adicionalmente útil para rolar a pedra muito grande da frente da se-
pultura, permitindo assim a fuga de Jesus. Obteve o traje de jardineiro e passou
a marcar uma reunião com seus discípulos. Depois de várias visitas com eles,
ele percebeu que estava morrendo. Ele então realizou uma última reunião no
Monte das Oliveiras. Ao se afastar deles, ele foi obscurecido por uma nuvem e
não foi mais visto por eles. Jesus morreu, mas em um lugar desconhecido para
os doze, que se referiram a este evento como uma “ascensão”.397
De acordo com essa conjectura, geralmente chamada de “teoria do des-
maio” da ressurreição, Paulus concebeu claramente esse evento como um
394
Heick, op. cit., pp. 100-1 92–102, 119–27; especialmente pág. 92.
395
Daniel Fuller, op. cit., pág. 38; cf. Schweitzer, op. cit., pp. 51, 53.
396
Schweitzer, Ibid., pp. 49, 51–53.
397
Ibid., pp. 53–55.
114

evento que opera por processos naturais. Não houve intervenção sobrenatural
envolvida. Assim, não se acreditava que Jesus ressuscitou dos mortos.
A teoria do desmaio não se originou com Paulus, mas foi bastante popular
entre vários outros estudiosos durante a primeira metade do século XIX. Foi
uma interpretação especialmente comum da ressurreição encontrada nos cha-
mados relatos fictícios da vida de Jesus que apareceram durante este mesmo
período de tempo.398 Essas obras eram retratos imaginativos da vida de Jesus,
muitas vezes muito semelhantes aos romances. O uso de ficção era bastante
aparente, pois o autor tecia vários enredos e contra-enredos em uma tentativa
de retratar a vida de Jesus sob uma certa luz. A engenhosidade não histórica do
escritor geralmente era bastante perceptível. Como resultado, essas obras fo-
ram vistas como tendo pouca credibilidade ou estima.399 O trabalho de Paulus
diferia por não ser uma das vidas imaginativas acima. Seu trabalho era mais
lógico e respeitável do que as vidas fictícias e, portanto, ele era um expoente
mais respeitável dessa teoria.400
Estranhamente, vários teólogos liberais foram alguns dos críticos mais ar-
dentes da teoria do desmaio. De longe, a crítica mais famosa foi dada pelo
próprio David Strauss. Ele apontou que, para que essa teoria fosse verdadeira,
Jesus teria saído da sepultura meio morto, alguém que estava visivelmente do-
ente e fraco, precisando muito de ajuda e cuidados médicos, mais tarde até su-
cumbindo à morte por causa desses problemas. ferimentos. Mas Strauss argu-
menta persuasivamente que seria impossível para tal indivíduo ter convencido
os discípulos de que ele era o Conquistador da morte, o Vencedor da sepultura
ou o Príncipe da vida. Se Jesus não tivesse morrido na cruz, ele só poderia ter
convencido seus seguidores de que era alguém digno de pena e cuidado deles.
Eles teriam percebido imediatamente os fatos como eram na realidade. De
qualquer forma, a condição de Jesus não poderia ter mudado a tristeza dos dis-
cípulos em felicidade. Nem os teria convencido a adorar Jesus como o Messi-
as.401 A crítica de Strauss é muito contundente e precisa. Como observamos
acima, Paulus realmente concebeu Jesus como uma vítima de derramamento
de sangue, alguém cuja aparência mudou devido a um tremendo sofrimento e
que ainda se sentia fraco e doente, finalmente morrendo por causa dos feri-
mentos.402 E é assim que um sobrevivente de uma crucificação apareceria. Mas
poderia um indivíduo manco, sangrando e de ombros caídos convencer até

398
Para alguns dos que sustentam esta opinião, ver Ibid., pp. 46-47, 64, 161-66; cf. págs. 43,
60.
399
Ibid., p. 38.
400
Cf. Ibid., pp. 48–50.
401
Strauss, op. cit., vol. 1, p. 412.
402
Schweitzer, op. cit., p. 54.
115

mesmo seus entes queridos de que havia vencido a morte para sempre? A res-
posta é obviamente negativa.
A maioria dos teólogos, portanto, concorda que a crítica de Strauss resolveu
a questão para sempre.403 De fato, Schweitzer até julgou que o raciocínio de
Strauss foi o golpe de morte absoluto para a teoria do desmaio.404 Renan tam-
bém teve o cuidado de apontar a certeza que temos da morte de Jesus na
cruz.405
Os registros do Novo Testamento afirmam que Jesus foi pregado na cruz
(Lucas 24:39–40; João 20:25–27). Se isso pudesse ser demonstrado como vá-
lido, a visão de Strauss seria ainda mais fortalecida.406 E descobrimos, de fato,
que a crítica de Strauss recebeu confirmação arqueológica impressionante nos
últimos anos. Paul Maier relata o seguinte:

No verão de 1968, o arqueólogo V. Tzaferis escavou alguns ossuários de pedra


em Jerusalém Oriental datados do primeiro século d.C. Estes eram baús nos
quais os ossos dos mortos foram enterrados novamente depois que a carne se
decompôs após o enterro original em uma caverna. Um dos ossuários, inscrito
com o nome Yohanan Ben Ha'galgol, continha os ossos de um homem que ob-
viamente havia sido crucificado, a primeira vítima desse tipo já descoberta.
Uma grande ponta de ferro enferrujado, de dezoito centímetros de comprimento,
havia sido cravada em ambos os ossos do calcanhar depois de primeiro penetrar
uma cunha ou placa de madeira de acácia que prendia os tornozelos firmemente
à cruz. O prego deve ter encontrado um nó ao ser cravado na cruz, pois a ponta
do prego foi dobrada diretamente para trás. Lascas ainda agarradas a ela mos-
tram que a cruz era feita de madeira de oliveira. ... Além da ponta de ferro, a
evidência da crucificação incluía um arranhão profundo no osso rádio direito,
mostrando que um prego havia penetrado entre os dois ossos de seu antebraço
inferior. logo acima do pulso, que os ralou enquanto a vítima se contorcia em

403
Cf., por exemplo, McNaugher, op. cit., pág. 148; Smith, op. cit., pág. 208; Miller, op.
cit., pp. 37–38.
404
Schweitzer, op. cit., p. 56
405
Renan, op. cit., pp. 244–45.
406
Quem já teve a infelicidade de pisar em um prego sabe o desconforto e a dor que isso
causa, inclusive a claudicação forçada! Este escritor fez isso várias vezes. Certa vez, apenas
um pequeno prego foi suficiente para incapacitá-lo por três dias, impossibilitando a recupe-
ração completa até o quarto e quinto dia. Imagine os resultados da crucificação com uma es-
taca sustentando o peso de alguém por várias horas! Não podíamos evitar a ilustração de
Strauss sobre a condição em que uma vítima de crucificação ferida emergiria da sepultura.
Considerando apenas os pés (mesmo que desconsiderássemos momentaneamente as outras
feridas), não seria possível andar tão logo depois. A detecção de tal vítima ferida seria de fa-
to inescapável e inevitável. Ele não passaria por alguém que ressuscitou, de qualquer forma.
116

agonia… Yohanan, de qualquer forma, teve seus antebraços perfurados com


pregos.407

Esta é realmente uma evidência importante sobre esta questão. Maier corrobo-
ra ainda mais esta evidência com três fotografias que mostram claramente os
ossos afetados desta vítima. Um mostra uma visão posterior dos ossos do cal-
canhar como eles foram encontrados, perfurados por uma grande ponta de fer-
ro. A extremidade do pico é curvada para cima. Uma segunda fotografia revela
a porção do braço direito onde o osso rádio foi perfurado por outro prego. A
terceira fotografia mostra uma visão lateral do osso do calcanhar esquerdo
após a remoção da ponta, mostrando claramente o grande orifício criado pela
ferida.408
A crítica de Strauss à teoria do desmaio, portanto, parece ser ainda mais
forte. Não há razão para duvidar dos relatos do Novo Testamento sobre os fe-
rimentos dos pregos infligidos a Jesus, especialmente à luz dessa evidência ar-
queológica.
Também é possível aduzir outras considerações contra a teoria do desmaio.
Por exemplo, em segundo lugar, há fortes evidências para demonstrar que Je-
sus estava morto antes do sepultamento. Somos informados em João 19:31–35
que as pernas dos outros dois homens crucificados foram quebradas para
apressar suas mortes.409 Mas como Jesus já estava morto, suas pernas não fo-
ram quebradas. Em vez disso, um soldado romano perfurou seu peito com uma
lança para se certificar de que não estava simplesmente fingindo. Esta porção
tem sido reconhecida por muitos estudiosos de diferentes posições teológicas
como uma prova de que Jesus estava morto. A tendência geral daqueles que
preferem esta abordagem é perceber esta ferida de lança e o subseqüente apa-
recimento de sangue e água como significando uma das duas explicações mé-
dicas. Pensa-se que a lança perfurou o coração através do pericárdio (um saco
fino que envolve o coração, que contém um líquido aquoso) ou que o coração
se rompeu (caso em que o pericárdio estaria cheio de sangue e fluido). Em
ambos os casos, a presença de sangue e água é medicamente explicada e Jesus

407
Esta parte é citada de The First Easter, de Maier, op. cit., pp. 78, 80. A página 79 contém
três fotografias dos ossos da vítima crucificada acima mencionada, que foram afetados pela
perfuração dos pregos.
408
Ibid., p. 79.
409
Para o raciocínio mais provável por trás da quebra das pernas desses homens para acele-
rar suas mortes, consulte a análise de Jim Bishop em The Day Christ Died (Nova York:
Harper & Row, 1965), cf. pág. 280 com pp. 289–90.
117

estaria morto.410 A questão aqui diz respeito a se este relato em João é um tes-
temunho confiável quanto ao procedimento da crucificação.
Mais uma vez, encontramos alguma corroboração desses fatos nas evidên-
cias arqueológicas já fornecidas por Maier. Os ossos da vítima crucificada tra-
zem evidências de que este relato do ferimento de lança e quebra das pernas
também é baseado em informações históricas (como afirma João 19:35). Maier
relata que:

Mesmo o detalhe dos dois criminosos tendo suas pernas quebradas no final da
Sexta-Feira Santa para induzir a morte - o crurifragrium tem um paralelo exato
aqui: a tíbia direita de Yohanan e a tíbia e a fíbula esquerdas foram todas que-
bradas em seu terceiro segmento inferior no mesmo nível, indicando um golpe
de esmagamento comum, provavelmente de um martelo ou trenó.411

Agora é verdade que esta evidência não menciona um ferimento de lança. Mas
uma vez estabelecido o costume de quebrar as pernas dos criminosos, é um
pequeno passo para o próximo ponto. Afinal, o objetivo de cada um era garan-
tir a morte da vítima. Se alguém já estivesse morto, a coisa lógica a fazer seria
ter certeza. A lança, sendo uma parte natural do repertório militar romano, se-
ria a arma mais provável. E onde alguém mais provavelmente mataria uma
pessoa com uma lança do que perfurando seu coração? Os romanos eram os
responsáveis por garantir que a vítima estivesse morta, pois ela havia sido sen-
tenciada por um oficial romano, e eram muito eficientes em tais tarefas.412
Além disso, uma vez que pelo menos esta primeira parte desta declaração
do evangelho foi verificada, não há razão suficiente para afirmar que o item in-
ter-relacionado da ferida de lança também não foi histórico. Os dois pertencem
um ao outro, porque se Jesus não tivesse sido perfurado, provavelmente tam-
bém teria seus tornozelos esmagados. Ambos significavam que ele morreu. A
melhor conclusão é que ambos são fatos.
Uma terceira grande dificuldade para essa teoria é que Jesus teria sido um
impostor de um tipo ou de outro. Ele teria sido culpado de proclamar sua res-
surreição quando isso claramente não teria acontecido. Ele, de todas as pesso-
as, certamente conheceria os fatos.413 Ignorá-los honestamente seria tornar-se
pior do que um impostor, pois provavelmente implicaria em algum tipo de in-
sanidade mental. No entanto, o mundo quase unanimemente vê Jesus pelo me-
410
Para alguns dos que defendem uma dessas visões, ver Renan, op. cit., pág. 244–45; Ma-
cNaugher, op. cit., pág. 148; Miller, op. cit., pp. 38–39; Charles C. Anderson, op. cit., pág.
168; Maier, op. cit., pág. 112.
411
Meier, A Primeira Páscoa, op. cit., pág. 80. Os itálicos são de Meier.
412
Para este último ponto, ver Charles C. Anderson, op. cit., pág. 168.
413
Cf. Miller, op. cit., p. 38.
118

nos como um grande professor de moral, com toda a probabilidade incapaz de


um exemplo tão grandioso de enganar os outros. Seja o que for que se possa
postular, ele não pode ser considerado tal impostor.
Assim, a teoria do desmaio falha como uma explicação adequada dos fatos.
Outros pontos também poderiam ser feitos contra ele.414 Mas basta dizer que
há muito pouca dúvida entre os estudiosos hoje de que Jesus estava realmente
morto.415 Primeiro, como apontado por Strauss, ele não poderia ter convencido
seus discípulos de que havia vencido a morte e era o vencedor da sepultura em
sua condição física. Eles saberiam imediatamente que ele precisava de ajuda
médica, não que ele era imortal. Em segundo lugar, os fatos apontam forte-
mente para sua morte física real na cruz, que ocorreu o mais tardar no momen-
to do ferimento de lança (e, na verdade, antes desse momento). Terceiro, Jesus
certamente não era um impostor desse tipo.
Portanto, não é de admirar que a popularidade da teoria do desmaio tenha
durado pouco. Em 1908, o teólogo escocês James Orr pôde observar que nin-
guém mais mantinha essa opinião.416 Da mesma forma, hoje essa visão tam-
bém é rejeitada por estar desatualizada e insuficiente para explicar os fatos em
questão.417 Frank Morison poderia até afirmar que a teoria do desmaio é hoje
melhor considerada como uma curiosidade teológica do passado.418

B. DAVID STRAUSS

Como observado acima, Strauss foi um dos mais ardentes críticos do Novo
Testamento do liberalismo do século XIX. Sua Vida de Jesus apareceu em
414
E quanto ao corpo embalsamado de Jesus? Ele poderia mover a pedra em frente ao túmu-
lo? Como e onde ele realmente morreu? Questões como essas são as mais difíceis para esta
teoria. Cfr. Charles C. Anderson, op. cit., pág. 168.
415
McNaugher, op. cit., p. 149.
416
James Orr, The Resurrection of Jesus (Grand Rapids: Zondervan, edição de 1908 reim-
pressa em 1965), p. 92.
417
Karl Barth, A Doutrina da Reconciliação, vol. 4, parte 1 de Church Dogmatics, editado
por G. W. Bromiley e T. F. Torrance, 13 vols. (Edimburgo: T. & T. Clark, 1961), pp. 340–
41.
418
Frank Morison, Quem moveu a pedra? (Londres: Faber and Faber Limited, 1962), p. 96.
É verdade que esta teoria reaparece de vez em quando, quase sempre estabelecendo muitos
dos pressupostos mais antigos e muitas vezes, mais uma vez, na forma de um romance.
Uma dessas tentativas modernas é The Passover Plot, de Hugh Schonfield (Nova York:
Bantam Books, 1967). Que tais tentativas de reviver essa teoria são geralmente recebidas
com desdém acadêmico (ver, por exemplo, Montgomery, The Suicide of Christian Theo-
logy, op. cit., p. 39 e especialmente nota número 44 na p. 46 e J. N. D. Anderson, op. cit.,
pp. 63-65; cf. pp. 93-94) é facilmente concebível, uma vez que essa teoria ainda precisa res-
ponder adequadamente às objeções levantadas aqui e a outros problemas semelhantes.
119

1835 e ocasionou um grande furor teológico. Um resultado desse trabalho foi a


sinalização imediata de uma batalha feroz sobre a natureza do mito nos relatos
do Novo Testamento.419 Um segundo resultado foi a demissão de Strauss de
seu cargo de professor em Tübingen por causa da natureza radical de seu tra-
balho. Grandes críticas dirigidas a suas teorias viriam a seguir, já que muito
material impresso se opôs a seus esforços. Um livro até desmitificou com hu-
mor o próprio David Strauss!420
Um elemento do Novo Testamento que foi claramente rejeitado por Strauss
foram os relatos de milagres. Desde o ensaio de David Hume sobre milagres,
essas ocorrências não podiam mais ser consideradas possíveis. Milagres não
podem quebrar as leis da natureza. Explicações diferentes das bíblicas devem
ser encontradas.421
Com relação à ressurreição de Jesus, Strauss é mais explícito. Jesus estava
definitivamente morto e, portanto, a teoria do desmaio é inaplicável aqui.422
Em vez disso, Strauss preferiu e popularizou a teoria da visão subjetiva da res-
surreição. De acordo com essa visão, Maria Madalena foi provavelmente a
primeira a perceber visões psicológicas do Cristo ressurreto. Em seguida, os
apóstolos também tiveram visões subjetivas que os convenceram de que Jesus
estava realmente vivo.423
No entanto, explica Strauss, os discípulos não estavam no estado de espírito
adequado para se abrirem a visões imediatamente após a morte de Jesus ou
mesmo nos dias seguintes. Eles estavam muito desanimados para ter qualquer
esperança tão cedo. Portanto, é necessária uma mudança de localidade (longe
de Jerusalém) e um período de “recuperação” antes que as visões possam co-
meçar. Strauss transfere assim as primeiras aparições dos discípulos para a Ga-
liléia no Norte. O tempo que passou antes da primeira “aparição” também é
expandido para um período muito mais longo do que o declarado nas narrati-
vas do Novo Testamento.424
O resultado eram visões internas que ocorriam devido à presença de imagi-
nação fervorosa e muita excitação.425 Por causa desse engano por parte dos
419
Schweitzer, op. cit., pp. 71–72, 96–120. Cfr. Charles C. Anderson, Critical Quests of Je-
sus (Grand Rapids: William B. Eerdman's Publishing Company, 1969), p. 18.
420
Schweitzer, Ibid., pp. 70–72, 96–97, 111
421
Strauss, op. cit., vol. 1, pp. 199–201; vol. 2, pp. 149–280. Cf. Schweitzer, Ibid., pág. 82–
83.
422
4Strauss, Ibid., vol. 1, pp. 408–12.
423
Ibidem, vol. 1, pp. 427–429; cf. também a obra de Strauss, The Old Faith and the New,
op. cit., vol. 1, pp. 81–82.
424
Strauss, A Nova Vida de Jesus, Ibid., vol. 1, pp. 430-37 e The Old Faith and the New,
Ibid.
425
Strauss, The New Life of Jesus, Ibid., vol. 1, p. 440.
120

discípulos quando eles confundiram suas experiências subjetivas com a reali-


dade objetiva, Strauss afirma que a própria ressurreição tornou-se, portanto,
uma ilusão mundial.426
Esta teoria que Strauss desenvolveu ganhou popularidade no século XIX.
Estudiosos como Renan e Ghillany, entre outros, a preferiram como a explica-
ção mais provável para as aparições de Jesus.427 Sua popularidade diminuiu no
século XX.428
No entanto, vários liberais do século XIX também se opuseram a essa vi-
são. Schleiermacher afirmou que qualquer versão da teoria da visão era total-
mente inaceitável porque suas suposições não se ajustavam aos fatos.429 Outra
rejeição dessa teoria foi dada por Paulus, cujas próprias opiniões discutimos
acima. Ele também achava que as visões não eram possíveis em vista dos fatos
disponíveis, pois havia evidência suficiente para provar que Jesus estava real-
mente vivo e presente com os apóstolos.430 Portanto, ele preferiu a teoria do
desmaio. Essa rejeição de visões por Paulus é muito interessante, porque já

426
Strauss, The Old Faith and the New, op. cit., vol. 1, p. 83.
427
Renan, op. cit., pp. 249, 309-10; Schweitzer, op. cit., pp. 170, 187. O trabalho de Renan
já foi citado acima. Ghillany, escrevendo uma vida imaginativa de Jesus sob o pseudônimo
de Richard von der Alm, também preferia essa visão. Outros liberais também aceitaram essa
teoria.
428
Comparativamente, poucos estudiosos sustentam a teoria da visão hoje. Mais comuns
são as visões baseadas em alguma experiência pessoal dos discípulos que os convenceu de
que Jesus ainda estava vivo. Os detalhes exatos variam de uma visualização para outra.
Charles Anderson (The Historical Jesus: The Continuing Quest, op. cit., pp. 169–71) e Paul
Maier (First Easter, op. cit., p. 107) incluem corretamente tais pontos de vista na mesma ca-
tegoria com a teoria da visão porque, embora as alucinações sejam rejeitadas aqui, uma ex-
periência subjetiva de um tipo ou outro é geralmente percebida como baseada em alguma
forma de fé preexistente por parte dos discípulos. Assim, ainda é o caso de esses crentes se
convencerem da ressurreição por causa de sua própria fé projetada que resulta em uma
crença na realidade objetiva. Provavelmente a teoria mais conhecida desse tipo é a “teoria
da restituição” de Paul Tillich. Para Tillich, a ressurreição não deve ser concebida em ter-
mos do reaparecimento de uma pessoa ou de um espírito. Na verdade, não é nenhum tipo de
aparência literal de qualquer tipo. Em vez disso, os discípulos experimentaram a presença
espiritual de Jesus. Como Strauss, Tillich sente que na verdade foi uma experiência extática
que os convenceu de que Jesus era o Novo Ser. É possível que os crentes de hoje tenham
essa mesma experiência (Tillich, op. cit., vol. 2, pp. 156–158. Para uma interpretação seme-
lhante da visão de Tillich, veja McKelway, op. cit., pp. 170–71 , 181–82). Teorias como a
de Tillich também serão incluídas neste tratamento de visões (como Charles Anderson e
Paul Maier também fazem). A maioria dos problemas envolvidos na postulação de uma fé
preexistente e na subseqüente aplicação de critérios subjetivos à convicção objetiva também
se aplicam aqui e tornam tal experiência totalmente impossível, como será mostrado abaixo.
429
Schleiermacher, The Christian Faith, op. cit., vol. 2, p. 420.
430
Schweitzer, op. cit., pp. 54–55.
121

apontamos que Strauss também descartou a teoria de Paulus. Assim, vemos


que cada um tentou negar a teoria do outro.
A crítica mais notável do século XIX à teoria da visão de Strauss veio de
outro teólogo liberal, Theodor Keim. Schweitzer observa que o estudo de
Keim sobre a vida de Jesus, publicado em três volumes de 1867 a 1872, foi o
trabalho crítico mais importante sobre esse assunto que apareceu em muitos
anos.431 Nela, ele apresentou uma crítica substancial de todas as hipóteses que
faziam das visões subjetivas e experiências internas a base para a crença dos
discípulos nas aparências objetivas e externas de Jesus.
Keim rejeitou a teoria da visão por várias razões principais. Em primeiro
lugar, a superabundância de emoção e excitação autogeradas que Strauss sen-
tiu que deveria estar presente432 para produzir essas visões não é encontrada na
igreja primitiva. Outras experiências e visões internas encontradas nos primei-
ros textos também não são caracterizadas por essa excitação extrema. Em se-
gundo lugar, as visões no Novo Testamento são numerosas. Mas estas nunca
são confundidas com as aparições da ressurreição, de modo a admitir a dife-
rença entre elas. Em terceiro lugar, as aparições de Jesus são caracterizadas pe-
la calma e reticência. Os envolvidos costumam ser reservados e, a princípio,
não estão prontos para aceitar Jesus com alegria e exuberância. Quarto, as vi-
sões religiosas tendem a se multiplicar e se tornar mais numerosas. Mas as
aparições de Jesus cessam repentinamente. Por essas e outras razões semelhan-
tes, essa teoria é rejeitada por não explicar adequadamente como as aparições
de Jesus poderiam ter sido visões subjetivas.433 Alguns dos pontos de Keim

431
Ibid., pp. 193, 211.
432
See, for instance, Strauss’ The New Life of Jesus, op. cit., vol. 1, p. 440.
433
W. J. Sparrow-Simpson, The Resurrection and the Christian Faith (Grand Rapids: Zon-
dervan, edição de 1911 reimpressa em 1965), pp. 113–115. A teoria popularizada por Keim
é comumente chamada de “teoria do telegrama”. De acordo com esta hipótese, Jesus ressus-
citou espiritualmente dos mortos (não fisicamente) e voltou para Deus. Depois comunicou o
conhecimento de sua existência espiritual aos apóstolos por meio de “telegramas” ou men-
sagens do céu. As aparições de Jesus registradas no Novo Testamento não foram, portanto,
visões subjetivas ou alucinações, mas impressões objetivas enviadas tanto por Jesus quanto
por Deus. Keim admite que esta comunicação aos discípulos da verdade de que Jesus havia
ressuscitado exigia intervenção divina (Ibid., pp. 117, 119; McNaugher, op. cit., pp. 155–
56). Mas tal teoria é vítima de pelo menos quatro grandes críticas. Primeiro, essa visão é
menos milagrosa do que a visão registrada no Novo Testamento? O miraculoso também es-
tá envolvido aqui e ainda temos o ensinamento de que Jesus realmente ressuscitou e está vi-
vo (embora em forma espiritual). Em segundo lugar, Deus e o Jesus ressuscitado enviariam
mensagens e revelariam aparições que enganariam os discípulos fazendo-os pensar que Je-
sus estava fisicamente lá com eles? Tal engano tem implicações morais (ou amorais!) e fa-
lha em explicar por que Jesus realmente não apareceu, em vez de enviar a impressão de que
ele realmente o fez. Terceiro, essas impressões não seriam objetivas o suficiente para fazê-
122

são bem aceitos e ainda hoje são empregados como evidência negativa que se
opõe a essa teoria, como perceberemos a seguir. De qualquer forma, muitos es-
tudiosos acreditam que Keim deu o golpe mortal na teoria das visões de
Strauss, assim como Strauss havia feito o mesmo com a hipótese de Paulus.434
Hoje há pelo menos quatro razões principais pelas quais a teoria da visão
subjetiva é rejeitada. Primeiro, os apóstolos não estavam no estado de espírito
adequado para pressupor visões. Existe uma pré-condição psicológica necessá-
ria para tais alucinações, sendo esta a expectativa do evento em questão e uma
forte crença de que isso acontecerá. Caso contrário, não haveria ímpeto para a
mente produzir tais projeções subjetivas.435 Mas os discípulos não estavam
nesse estado de espírito. Eles estavam muito desanimados e não tinham tanta
fé e expectativa de que Jesus ressuscitaria. Pannenberg expressa esse ponto da
seguinte forma:

Sustentar, primeiro, que as aparições foram produzidas pela imaginação entusi-


asticamente excitada dos discípulos não se sustenta, pelo menos nas primeiras e
mais fundamentais aparições. As aparições pascais não devem ser explicadas
pela fé pascal dos discípulos; ao contrário, a fé pascal dos discípulos deve ser
explicada pelas aparições. Todas as tentativas de construção de como a fé dos
discípulos poderia ter sobrevivido à crise da morte de Jesus permanecem pro-
blemáticas precisamente em termos psicológicos, mesmo quando se leva em
conta a firme expectativa do fim iminente do mundo com o qual Jesus suposta-
mente morreu e em que seus discípulos viviam. Não se pode contestar que, ape-
sar de tudo isso, a morte de Jesus expôs a fé dos discípulos ao mais severo es-
tresse. Dificilmente se poderia esperar a produção de experiências confirmató-
rias da fé dos discípulos que estavam sob tal fardo. Certamente tais considera-
ções psicológicas por si mesmas são tão pouco adequadas para apoiar quaisquer
conclusões quanto para apoiar a crítica das tradições do Novo Testamento.436

Como Pannenberg afirma claramente aqui, é psicologicamente problemático


tentar explicar como a fé dos discípulos poderia ter resistido ao estresse colo-
cado sobre ela pela morte de Jesus. Não poderíamos esperar que a fé coletiva-
mente abandonada desses homens respondesse positivamente produzindo vi-
sões que, por sua natureza, requerem entusiasmo, excitação e, especialmente,

los pensar que Jesus realmente ressuscitou corporalmente. Quarto, falha em explicar o tú-
mulo vazio. (Para essas e outras críticas semelhantes, ver Tillich, op. cit., vol. 2, p. 156;
McNaugher, Ibid.; Lewis, Miracles, op. cit., pp. 152–53; Smith, op. cit., pp. 219–20; Ten-
ney, op. cit., pp. 189–92.)
434
Sparrow-Simpson, Ibid., pp. 113–15; Orr, op. cit., p. 219; McNaugher, Ibid., p. 155.
435
McNaugher, Ibid., p. 152. Ver especialmente George E. Ladd, I Believe in the Resurrec-
tion of Jesus (Grand Rapids: William B. Eerdman's Publishing Company, 1975), p. 138.
436
Wolfhart Pannenberg, Jesus—God and Man, traduzido por Lewis L. Wilkins e Duane A.
Priebe (Filadélfia: The Westminster Press, 1968), p. 96.
123

crença. Portanto, descobrimos que as aparições de Jesus deram origem à fé


pós-pascal e não foram produzidas por uma fé já existente.437
Esta posição é bem atestada por vários outros também. O eminente estudio-
so das Escrituras Raymond E. Brown observa que a maioria dos teólogos tam-
bém concorda que a fé na ressurreição de Jesus surgiu por causa das aparições,
e não porque as aparições foram causadas por uma fé pré-existente.438 Um
exame dos fatos mostrará que este é o caso, tornando assim as visões uma im-
possibilidade.
Os discípulos estavam simplesmente muito desanimados para terem produ-
zido tais alucinações, especialmente em tão pouco tempo. Até mesmo Marxsen
percebe que a fé dos discípulos era resultado de experiências externas e não de
impulsos internos, tornando assim a teoria da visão insustentável.439 William
Barclay concorda que os discípulos não podiam se contemplar em uma situa-
ção em que as visões seriam possíveis tão cedo. Portanto, esta teoria em si é
percebida como irracional.440 Ramsey também afirma que qualquer teoria que
proclame que as aparições da ressurreição surgiram por causa de uma crença
anterior dos discípulos, como esta teoria faz, pode ser rejeitada por causa dos
problemas envolvidos.441
Não é muito difícil compreender essa crítica levantada contra a teoria da vi-
são subjetiva de Strauss. Os discípulos esperavam que Jesus redimisse Israel e
introduzisse o reino celestial de Deus (ver Lucas 24:21). Eles o seguiram por
alguns anos, esperando este resultado. Mas agora sua morte foi inesperada e
causou muito desânimo. Tal reação é uma resposta psicológica natural quando
tanto estava em jogo e acreditava-se que dependia de Jesus permanecer vivo.
Suas esperanças e sonhos tão esperados foram despedaçados. Esperar uma
afirmação de fé entusiástica e extática capaz de produzir visões interiores des-
ses homens, portanto, não é muito possível.
Uma concessão interessante aqui foi feita por Strauss, que também perce-
beu que, como estão os fatos, as visões não teriam ocorrido. Os discípulos não
poderiam ter escapado de tamanho desânimo em tão pouco tempo. Assim, a
menos que alguém reorganizasse os dados disponíveis, a teoria cairia.442

437
Ibid.
438
Raymond E. Brown, The Virginal Conception and Bodily Resurrection of Jesus (Nova
York: Paulist Press, 1973), p. 84.
439
Marxsen, op. cit., p. 116.
440
William Barclay, The Mind of Jesus (Nova York: Harper & Row, 1961), pp. 304-5.
441
Ramsey, op. cit., p. 41.
442
Strauss, A Nova Vida de Jesus, op. cit., vol. 1, pp. 430–31. Cfr. também Sparrow-
Simpson, op. cit
124

Portanto, descobrimos que os discípulos estavam muito desanimados para


terem sido sujeitos a tais visões excitadas que acarretavam um estado de espí-
rito de crença. Como conclui Marxsen, devemos rejeitar a teoria da visão por-
que ela não concorda com os fatos textuais.443 McNaugher nos lembra que tais
alucinações têm regras psicológicas e estas não foram cumpridas.444
Além disso, descobrimos que os discípulos não esperavam que Jesus res-
suscitasse dos mortos.445 Ramsey observa que eles não foram capazes de ante-
cipar esse evento por causa de sua dúvida e perplexidade mencionadas anteri-
ormente.446
Na verdade, os discípulos não acreditaram imediatamente mesmo após as
aparições, mas duvidaram das evidências.447 Orr acredita que essa dúvida por
parte dos discípulos é a parte mais histórica dos registros da ressurreição.448
Reginald Fuller considera essa dúvida parte da tradição mais antiga e uma in-
clinação muito natural para essas primeiras testemunhas.449 Tanto Marxsen450
quanto Ramsey451 observam o efeito dessa dúvida sobre os discípulos. É im-
portante perceber aqui que se a teoria da visão fosse verdadeira, tal dúvida per-
sistente não poderia existir, porque a suposta presença da fé pré-existente sig-
nificaria que as aparências já teriam sido consideradas genuínas. Em outras pa-
lavras, se a fé dos discípulos em um Jesus ressuscitado tivesse produzido vi-
sões, essa mesma fé aceitaria automaticamente as visões resultantes como ver-
dadeiras. Mas descobrimos que não foi esse o caso. A dúvida era genuína e
persistente.
Assim, vemos que, primeiro, os discípulos não estavam no estado de espíri-
to adequado para que as visões ocorressem. Eles estavam muito desanimados
para terem tido alucinações em tão pouco tempo.452 Além disso, eles não espe-
443
Marxsen, op. cit., p. 116.
444
McNaugher, op. cit., p. 152.
445
As narrativas estabelecem suficientemente este ponto. Ver Lucas 24:12, 21; João 20:9,
19; cf. o apêndice de Marcos, 16:10. Cfr. também Brown, op. cit., pág. 106, nota 176.
446
Ramsey, op. cit., p. 41.
447
O testemunho disso é ainda maior do que o do ponto anterior. Veja Mateus 28:17; Lucas
24:11, 22–24, 27; João 20:25; 21:4; Cfr. o apêndice de Marcos, Marcos 16:11, 13, 14. Cf.
também Brown, op. cit., pág. 106, nota 176.
448
Orr, op. cit., p. 225.
449
Reginald Fuller, op. cit., pp. 81–82; cf. pp. 100–101.
450
Marxsen, op. cit., p. 67.
451
Ramsey, op. cit., p. 41.
452
Mesmo Gordon Kaufman, um dos comparativamente poucos estudiosos que ainda man-
tém a teoria da visão hoje, percebe que uma crença anterior deve existir antes que as visões
possam ser produzidas. No entanto, ele falha em mostrar quais fatores positivos seriam sufi-
cientes para dar origem a essa fé otimista, uma fé que absolutamente deveria estar presente
antes dos próprios eventos. Isso é bastante prejudicial ao seu ponto de vista, especialmente
125

ravam que Jesus ressuscitasse e não acreditaram prontamente nas aparições,


mesmo depois de terem ocorrido.
A segunda razão principal pela qual a teoria da visão é rejeitada é por causa
dos problemas envolvidos em relação ao número de pessoas que afirmaram ter
visto Jesus após sua morte e os diferentes lugares e épocas em que se acredita-
va que essas aparições ocorreram. É verdade que as visões podem ser experi-
mentadas por mais de uma pessoa ao mesmo tempo.453 Mas temos falado de
uma teoria que propõe alucinações subjetivas - visões sem nenhum estímulo
objetivo real. Portanto, se um dos discípulos (ou outros que afirmaram ter ex-
perimentado as aparições da ressurreição) realmente alucinasse, não seria de
forma alguma automático que outros também experimentassem a mesma vi-
são. Em vez disso, cada um também teria que passar pelo processo de desen-
volver uma fé prévia e de estar psicologicamente preparado para tal experiên-
cia. Isso ocorre porque as alucinações são essencialmente eventos privados e
são experimentados por mais de uma pessoa apenas quando essas condições
acima estão presentes para cada indivíduo.454 Mas, como observa Pannenberg,
as narrativas registram várias aparições diferentes que ocorrem em muitas cir-
cunstâncias e momentos diferentes e até incluem participantes diferentes. Isso
invalida essa teoria que se baseia em uma reação mental que se espalha de um
indivíduo para outro. As várias condições simplesmente não suportam tal vi-
são.455
As objeções acima são persuasivas, especialmente quando se lembra que,
para que essa teoria seja válida, cada indivíduo teria que ter respondido a estí-
mulos pessoais em cada um desses vários tempos e lugares. As diferentes per-
sonalidades envolvidas significariam que muitos não estariam no estado de es-
pírito adequado, especialmente quando todos os registros indicam que prevale-
ceu exatamente a reação oposta, como mostrado acima.
Certamente alguns dos participantes não teriam experimentado essas apari-
ções se fossem devido a visões, pois nem todos estariam no estado mental cor-

em vista do fato de que ele admite que os discípulos ficaram bastante desiludidos com a
morte de Jesus e, portanto, sujeitos ao desespero. Ele percebe que a esperança deles havia
desaparecido. Mas podemos nos perguntar que fatores espontâneos causaram tal inversão de
pensamento e fizeram os discípulos acreditarem que Jesus estava vivo antes de receberem
qualquer confirmação do fato. Veja essas admissões em Kaufman's Systematic Theology: A
Historicist Perspective (Nova York: Charles Scribner's Sons, 1968), especialmente pp. 415,
422.
453
Ibid., p. 421; footnote 20; Orr, op. cit., p. 219.
454
Edwin G. Boring, Herbert S. Langfield e Harry P. Weld, editores, Foundations of
Psychology (Nova York: John Wiley and Sons, 1956), p. 216; Yamauchi, op. cit., 15 de
março de 1974, p. 6; MacNaugher, op. cit., pág. 153; Smith, op. cit., pág. 217.
455
Pannenberg, Jesus—God and Man, op. cit., pp. 96–97.
126

reto. Mas não foi esse o caso. Mesmo os críticos do Novo Testamento concor-
dam que todos os discípulos acreditavam genuinamente que Jesus havia apare-
cido a eles após sua morte. Em outras palavras, seja qual for a causa das apari-
ções, os discípulos acreditavam que Jesus havia ressuscitado dos mortos.456 De
fato, Johannes Weiss apontou que a proclamação inicial da ressurreição não te-
ria sido possível se os discípulos tivessem experimentado até mesmo a mais
simples dúvida em uma ressurreição objetiva.457 Essa crença indubitável difi-
cilmente seria a consequência se fôssemos confiar em visões para um número
tão grande de pessoas como está registrado nas narrativas. Como mencionado
acima, nem todos estariam preparados para tais visões.
Um exemplo em que isso seria verdade ocorre na narrativa mais antiga da
ressurreição. Aqui Paulo relata que em uma ocasião Jesus apareceu para mais
de 500 pessoas ao mesmo tempo (1 Coríntios 15:6). O fato de Paulo citar isso
como uma prova da ressurreição de Jesus é evidente em sua explicação adicio-
nal de que a maioria dessas 500 testemunhas ainda estava viva na época em
que ele escreveu (e, portanto, disponível para testificar da realidade desse
evento).458 Como Brown afirma, dificilmente é possível imaginar uma experi-
ência sincronizada, mas pessoal, que convenceria cada um de que Jesus res-
suscitou objetivamente.459 Uma alucinação coletiva em que todos tiveram vi-
sões seria ignorar a evidência acima mencionada em contrário.
Outro exemplo em que a teoria da visão parece especialmente improvável é
o registro de Lucas da caminhada para Emaús (Lucas 24:13-33). Essa narrati-
va, completa com nomes próprios (como Cleopas, Emaús e Jerusalém), con-
venceu Martin Dibelius de que a forma pura do evento havia sido preservada
neste ponto.460 Este incidente recebeu muito respeito dos críticos que rejeita-
ram outros aspectos dos relatos da ressurreição.461 Aqui descobrimos que as
cenas mutáveis, a conversa contínua e o elemento de tempo envolvido militam

456
Bultmann, “Novo Testamento e Mitologia,” em Kerygma and Myth, op. cit., pág. 42. Ver
Orr, op. cit., pág. 115, com relação a esta admissão pelo crítico Kirsopp Lake.
457
Johannes Weiss, Early Christianity: A History of the Period A.D. 30–150, editado por
Frederick C. Grant, 2 vols. (Magnolia: Peter Smith, Publishers, 1959), vol. 1, pág. 28.
458
Bultmann, Mistério e Mito, op. cit., pág. 39; cf. Reginaldo Fuller, op. cit., pág. 29. Ver
também Archibald T. Robertson, Word Pictures in the New Testament, 6 vols. (Nashville:
Broadman Press, 1931), vol. 4, pág. 188.
459
Brown, op. cit., p. 91.
460
Ver Ramsey, op. cit., pp. 61–62.
461
Orr, op. cit., pág. 176. Cfr. Reginaldo Fuller, op. cit., pág. 107.
127

fortemente contra a realidade das visões.462 A lista de aparições de Paulo em 1


Coríntios 15:1–8 também é problemática para este ponto de vista.463
Seria vantajoso aqui relembrar duas das críticas de Keim feitas no século
passado que foram discutidas acima. Primeiro, os escritores do Novo Testa-
mento distinguem entre as aparições ressurretas de Jesus e as visões que ocor-
rem em tempos posteriores (como 2 Coríntios 12:2–4; Atos 7:55–56; 18:9;
23:11; 27:23). . 464 Este não seria o caso se as aparições da ressurreição fossem
da mesma variedade que as visões posteriores, pois todas seriam vistas como
sendo do mesmo tipo. Este é um ponto agudo porque demonstra que as experi-
ências da ressurreição foram consideradas únicas e, portanto, não foram de ca-
ráter visionário subjetivo.465 Em segundo lugar, se essas aparições do Jesus
ressuscitado não tivessem sido percebidas como únicas, não se esperaria que
elas cessassem tão repentinamente. Em vez disso, eles tenderiam a estar rela-
cionados com as visões posteriores. O fato de terem parado indica que a igreja
primitiva não queria que fossem confundidos com visões espirituais.466
Portanto, percebemos mais uma vez a segunda crítica principal à teoria da
visão. Muitos fatores contribuíram para essa probabilidade de que o número de
visões, o número de pessoas que as tiveram e a maneira como elas ocorreram
simplesmente não correspondem aos dados necessários para que os discípulos
tenham experimentado tais manifestações.
A terceira grande crítica a essa teoria é que alucinações subjetivas reais são
comparativamente raras, pois geralmente faltam causas adequadas. São, por
definição, experiências nas quais algo é percebido como presente, mas para o
qual não há realidade objetiva. Assim, eles diferem das ilusões, onde uma rea-
lidade é erroneamente identificada.467 Assim, pode-se verificar que tais ocor-
rências são geralmente raras. A percepção de algo que não apenas não está
presente, mas para o qual não existe nenhuma realidade objetiva, portanto, re-
quer uma explicação. Normalmente, essas alucinações são causadas por algum
tipo de doença mental, drogas ou métodos extremos de privação corporal.468
Supor que todas as testemunhas das aparições da ressurreição estavam em tal
462
Esta conclusão foi verificada para o escritor por uma discussão com um professor de psi-
cologia em 18 de dezembro de 1969, que falou das várias impossibilidades de confiar em
visões neste caso.
463
Pannenberg, Jesus—God and Man, op. cit., p. 97.
464
Sparrow-Simpson, op. cit., p. 114.
465
Ver Reginald Fuller, op. cit., pp. 32, 170.
466
Sparrow-Simpson, op. cit., p. 114.
467
Veja, por exemplo, William James, The Principles of Psychology, 2 vols. (Publicações
Dover, 1950), vol. 2, pp. 114–15. Cfr. também Yamauchi, op. cit., 15 de março de 1974, p.
6 e Pannenberg, Jesus—Deus e o Homem, op. cit., pág. 95.
468
Yamauchi, Ibid.; Pannenberg, Ibid., pp. 94–95, nota de rodapé número 93.
128

estado de espírito, portanto, torna-se não factual. Agora podemos entender me-
lhor como uma esperança e expectativa pré-condicionadas extremas devem
existir, combinadas com outros fatores. Tais condições como as acima clara-
mente não existiam para que todos os discípulos imaginassem algo que fosse
apenas “ar rarefeito”.469 Portanto, Pannenberg conclui corretamente que des-
crever as aparições da ressurreição como alucinações ou visões subjetivas é
completamente insatisfatório.470
A quarta razão principal pela qual a teoria da visão é rejeitada hoje (e a úl-
tima da qual trataremos especificamente) é que na verdade foram tomadas pre-
cauções para demonstrar que as aparições não eram alucinações. Já mencio-
namos o tema da dúvida nos evangelhos e a conseqüente convicção dos estu-
diosos contemporâneos de que os discípulos estavam convencidos de que Je-
sus estava realmente vivo somente após as aparições e não antes.471 Da mesma
forma, falamos da convicção dos autores do Novo Testamento de que as apari-
ções de Jesus ressuscitado eram diferentes das visões posteriores. Reginald
Fuller observa especialmente aqui que Paulo não confundiu essas aparições
com as visões subjetivas que foram experimentadas posteriormente.472
Além disso, descobrimos que outras medidas também foram tomadas para
refutar as visões como a origem das aparições. Encontramos essas salvaguar-
das tanto nas narrativas anteriores quanto nas posteriores que tratam desse as-
sunto. A ênfase em Mateus, Lucas-Atos e João no corpo ressurreto de Jesus
sendo espiritual e material é bem conhecida.473 Encontramos uma ênfase em
ser capaz de ver e manusear o corpo de Jesus. Em Lucas, especialmente, é re-
latado que ocorreu aos discípulos que eles estavam vendo exatamente essa alu-
cinação espiritual - uma aparição sem corpo.474 Embora esses evangelhos te-
nham sido escritos depois da descrição de Paulo das aparições da ressurreição,
muitos estudiosos reconhecem que a descrição do corpo de Jesus nos evange-

469
Kaufman admite que a objeção de que a teoria da visão é muito subjetiva para explicar
tais aparições objetivas de Jesus é forte. Ele também observa que seu trabalho até agora (op.
cit., pp. 426-427) não lidou suficientemente com esse problema.
470
Pannenberg, Ibid., pp. 95–97.
471
Marxsen, op. cit., pág. 67; Reginaldo Fuller, op. cit., pp. 81–82; cf. pp. 100–101; Mar-
rom, op. cit., pp. 84, 106, nota de rodapé 176.
472
Reginald Fuller, Ibid., pp. 32, 170. Cf. Marxsen, Ibid., pp. 100-102.
473
Ver, por exemplo, Orr, op. cit., pág. 197. Ver também Reginald Fuller, Ibid. 71–154 .
474
Lucas 24:36–43 relata essa cena. Os discípulos pensaram que estavam vendo uma apari-
ção ou espírito sem corpo (grego pneuma; cf. Mt 14:26, 27). Jesus teve que convencê-los do
contrário, apresentando seu corpo para observação. Dizem-nos que só acreditaram que não
viam “fantasmas” quando assim lhes foi provado. Ver Robertson, op. cit., vol. 2, pág. 296.
Outros versículos onde é declarado ou implícito que o corpo de Jesus foi manuseado inclu-
em Mateus 28:9; João 20:17, 26–28; cf. Atos 1:3.
129

lhos pode ter sido derivada, pelo menos em parte, da mesma fonte da concep-
ção de Paulo. de um corpo espiritual. Em outras palavras, muitas vezes é reco-
nhecido que tanto Paulo quanto os evangelhos falam de um corpo ressurreto
composto de qualidades espirituais e materiais (com ênfases variadas) e que
esses conceitos, por sua vez, foram baseados nos relatos das testemunhas ocu-
lares originais.475
O que muitas vezes não é percebido é que a lista de aparições de Paulo em
1 Coríntios 15:1-8 também contém uma polêmica contra teorias como a das
visões subjetivas. Como Brown observa apropriadamente, a referência de Pau-
lo a 500 pessoas que viram Jesus ao mesmo tempo significa que Paulo conce-
beu as aparições como sendo algo diferente de experiências puramente inter-
nas. Assim, alucinações não eram possíveis em vista de seu testemunho.476 Is-
so é especialmente verdadeiro quando lembramos que Paulo acrescenta que a
maioria dessas testemunhas ainda estava viva e, portanto, poderia ser questio-
nada. Portanto, este testemunho em 1 Coríntios 15:6 é considerado pelo pró-
prio Paulo como prova contra visões subjetivas.477
Assim, vemos que foram tomadas precauções tanto no relato de Paulo
quanto nos evangelhos para evitar a visão de que as aparições eram devidas a
visões subjetivas e, portanto, não genuínas. Este motivo é mais desenvolvido
nos evangelhos, onde nos é dito que o corpo de Jesus foi tocado em várias oca-
siões, demonstrando sua realidade.478 Mas vimos como Paulo também inclui
uma prova contra tal teoria.479 Que este seja o caso no Novo Testamento é
apenas natural quando consideramos o impulso psicológico do homem para
investigar ambas as ocorrências estranhas e o testemunho de outros que afir-
mam ter experimentado tais.480
Portanto, percebemos que a teoria da visão não pode explicar as aparições
da ressurreição de Jesus. Vários pontos principais militam contra tal visão. Os
discípulos não estavam no estado psicológico correto. Há também um proble-
ma com relação ao número de pessoas que afirmaram ter visto Jesus e os fato-

475
Cfr. Robert M. Grant, Miracle and Natural Law (Amsterdã: North-Holland Publishing
Company, 1952), pp. 229–30; Marrom, op. cit., pp. 85–89; Carlos Anderson, op. cit., pp.
161, 163–166; Smith, op. cit., pp. 194–95. Quanto à lista de Paulo ser baseada em testemu-
nhos oculares, veja Brown, Ibid., p. 92 e Reginald Fuller, op. cit., pp. 28–29.
476
Brown, Ibid., p. 91; Ladd, op. cit., p. 138; cf. p. 105.
477
Cf. Bultmann, “Novo Testamento e Mitologia,” em Kerygma and Myth, op. cit., pág. 39
e Reginald Fuller, op. cit., pág. 29.
478
Isso também é relatado por Inácio na seção três de sua Epístola aos Esmirnos. Ver J. B.
Lightfoot, editor e tradutor, The Apostolic Fathers (Grand Rapids: Baker Book House,
1971), p. 83; cf. pág. 85.
479
See Sparrow-Simpson, op. cit., p. 110.
480
Orr, op. cit., p. 180.
130

res de tempo e lugar envolvidos. Além disso, alucinações e visões reais são ra-
ras e não correspondem aos fatos. Por fim, as primeiras fontes explicam que
vários cuidados foram tomados para provar que as visões não eram aplicáveis
nesses casos. Muitos pontos menores também poderiam ser mencionados con-
tra esta teoria.481 A maioria dessas objeções também pode ser aplicada a teorias
baseadas em outras experiências subjetivas dos apóstolos também.482
Concluímos assim que a teoria visionária simplesmente não se encaixa nas
narrativas. Para que as alucinações ocorram, todos os fatos devem ser altera-
dos. Existem leis psicológicas às quais essas alucinações devem obedecer, e
elas não estavam presentes.483 Não importa o quão convidativa uma teoria pos-
sa parecer, se ela falhar em explicar a evidência, ela deve ser rejeitada.484
Hoje, a teoria da visão é sustentada por comparativamente poucos estudio-
sos. Brown observa que essa visão do século XIX nem é mais respeitável.485
Com base no medo e desânimo dos discípulos, Bornkamm afirma que não po-
demos recorrer a nenhuma explicação que dependa da experiência interna e
subjetiva desses homens.486 McLeman concorda que os teóricos da visão do
século XIX, como Strauss e Renan, apresentaram pontos de vista bastante ex-

481
Por exemplo, se a teoria da visão fosse verdadeira, a tumba vazia ficaria sem explicação.
E o que aconteceu com o corpo de Jesus? Além disso, este escritor compilou uma lista de 34
razões totais pelas quais essa teoria é inadequada.
482
Teorias como as de Tillich (op. cit., vol. 2, pp. 156–58) e Van Buren (op. cit., pp. 132–
33) que se baseiam em alguma experiência subjetiva inexplicada dos discípulos enfrentam
praticamente todos os as mesmas dificuldades. Por exemplo, o desânimo e a dúvida dos dis-
cípulos ainda devem ser transformados em fé antes da própria experiência para que isso
ocorra em primeiro lugar, o que encontra as dificuldades levantadas acima. Da mesma for-
ma, há o mesmo problema de quantos teriam sido convencidos dessa maneira, bem como
com os vários fatores de tempo e lugar. Ainda mais agudo é o fato de os discípulos confun-
direm tais experiências subjetivas com objetivas e como eles se convenceram de que Jesus
literalmente ressuscitou dos mortos. Os discípulos sabiam a diferença entre as aparições da
ressurreição e as experiências posteriores, conforme explicado acima. Também encontra-
mos causas psicológicas ausentes aqui. O que daria origem a tais experiências? Tal como
acontece com as visões, há também a objeção de que cautelas foram deliberadamente toma-
das nas narrativas para provar que as experiências eram objetivas e não subjetivas. Estas são
algumas das principais objeções a essas teorias subjetivas. Como observamos, são pratica-
mente iguais aos listados acima. Ver McKelway (op. cit., pp. 170–71, 181–83), Charles An-
derson (op. cit., pp. 169–73) e Maier (The First Easter, op. cit., pp. 112–13 ) por críticas
semelhantes e outras objeções a essa teoria.
483
Orr, op. cit., pp. 27, 222.
484
Brown, op. cit., p. 75, footnote number 127.
485
Raymond E. Brown, “The Resurrection and Biblical Criticism”, Commonweal (24 de
novembro de 1967): 233, 235.
486
Bornkamm, op. cit., pp. 184–85.
131

travagantes em suas reivindicações.487 Mesmo Schonfield rejeita esta teoria


como não se encaixando na evidência. Qualquer que seja a teoria que possa ser
proposta, ela não pode ser validamente esta.488

C. OTTO PFLEIDERER

Na última parte do século XIX, surgiu um movimento dentro das fileiras do li-
beralismo protestante. Tornou-se designada como a escola de pensamento da
História das Religiões. Ele se opôs a várias suposições do liberalismo, como
tentar encontrar um “Jesus da história”. Na verdade, acreditava-se que muito
pouca informação histórica poderia ser obtida sobre a vida de Jesus.489 Isso se
deve principalmente ao crescimento lendário que se diz ter ocorrido em torno
da vida de Cristo. Acreditava-se que essas lendas se acumularam em etapas até
que o material embelezado se tornasse bastante detalhado.490
A escola de História das Religiões procurou estudar o Cristianismo em ter-
mos das outras religiões. A fé cristã passou a ser vista como sincrética e, por-
tanto, não era única no sentido de que tomava emprestado das outras fés. Ago-
ra, foi postulado por esses estudiosos que o Cristianismo emprestou-se livre-
mente do Judaísmo e de outros sistemas de crença, como as religiões babilôni-
ca, egípcia e persa.491 Foi postulado que o Cristianismo foi especialmente in-
fluenciado pelo Antigo Testamento e pelos ensinamentos dessas outras religi-
ões. Acreditava-se que os mitos eram extremamente prevalentes nessa época e
eram percebidos como se espalhando de uma região e religião para outra. Cada
um então aceitou ideias do outro que eram vantajosas para seus próprios pro-
pósitos. Como resultado, esses estudiosos comparavam constantemente quase
todas as categorias individuais da fé cristã com ideias semelhantes que faziam
parte de outras religiões.492
Um estudioso que tinha muitas crenças em comum com essa escola emer-
gente de pensamento era o teólogo alemão Otto Pfleiderer. Por exemplo, ele
também postulou que havia muitas afinidades entre o cristianismo e outras re-
ligiões antigas. A influência do judaísmo também foi notável. Dizia-se que os
mitos estavam presentes em todas essas religiões e havia semelhanças, especi-
almente na transmissão de eventos que exigiam intervenção sobrenatural. Es-

487
McLeman, op. cit., pp. 212–13.
488
Schonfield, op. cit., p. 152.
489
Charles C. Anderson, Critical Quests of Jesus (Grand Rapids: William B. Eerdman’s
Publishing Company, 1969), pp. 55–57.
490
McNaugher, op. cit., p. 157.
491
Anderson, Critical Quests of Jesus, op. cit., pp. 55–56; Orr, op. cit., p. 235.
492
Anderson, Ibid., p. 56; Orr, Ibid., p. 238; McNaugher, op. cit., p. 157
132

pecialmente notável é a tendência de Pfleiderer de comparar diferentes aspec-


tos da fé cristã com ideias e ocorrências semelhantes nessas outras religiões.
Paralelos são encontrados, por exemplo, no relacionamento de Jesus com Sa-
tanás, nos milagres de Jesus e nos relatos da ressurreição.493
Pfleiderer também acreditava que muito pouco poderia ser conhecido sobre
o início da fé cristã. Ele também baseou essa conclusão na tese de que as len-
das cresceram profusamente em torno da vida de Jesus na igreja primitiva.
Agora é muito difícil saber com certeza quais eventos relatados realmente
ocorreram e quais não.494
A escola de História das Religiões rejeitou qualquer crença na ressurreição
de Jesus. Em vez disso, eles popularizaram a visão de que as narrativas dessa
ocorrência foram adições posteriores ao evangelho, que surgiram principal-
mente da influência de histórias de outros eventos encontrados em outras reli-
giões. De qualquer forma, a ressurreição foi considerada uma lenda que foi
adicionada à história da vida de Jesus.495
Pfleiderer segue esse padrão e também vê a ressurreição de Jesus como um
mito que não ocorreu literalmente. Mas ele o faz por dois motivos principais.
Primeiro, acredita-se que a ressurreição seja uma lenda adicionada à história da
vida de Jesus por seus primeiros seguidores. Não foi uma ocorrência real, pois
Jesus nunca ressuscitou dos mortos. Em vez disso, as narrativas foram acres-
centadas pelos discípulos, que estavam convencidos de que Jesus devia estar
vivo. As lendas continuaram a crescer até se tornarem relatos detalhados de
uma vitória sobre a morte. Além disso, histórias de deuses ressuscitados em
outras religiões serviram de base para o surgimento das lendas cristãs sobre Je-
sus. Esses mitos mais antigos forneceram o ímpeto para a formulação dos rela-
tos do Novo Testamento sobre Jesus ressuscitando dos mortos.496
Em segundo lugar, Pfleiderer acredita que esta teoria baseada na formação
de lendas também deve ser complementada pela teoria da visão subjetiva da
ressurreição.497 As visões aparentemente explicam a fonte da convicção de que
Jesus estava vivo, enquanto as lendas subsequentes explicam a forma atual das
493
Cfr. por exemplo, a obra de Pfleiderer The Early Christian Conception of Christ (Lon-
dres: Williams e Norgate, 1905), ver pp. 63–83 para seu relato de algumas das semelhanças
entre os milagres de Jesus e aqueles encontrados em outras religiões antigas.
494
Otto Pfleiderer, Primitive Christianity, traduzido por W. Montgomery, 4 vols. (Clifton:
Reference Book Publishers, 1965), ver vol. 1, pp. 1, 5, 23–25, por exemplo.
495
Orr, op. cit., pp. 235–61; McNaugher, op. cit., p. 157.
496
Pfleiderer, Primitive Christianity, op. cit., vol. 1, pp. 5–6, 24–25; vol. 2, pp. 186, 371-72;
vol. 4, pág. 76. Ver também The Early Christian Conception of Christ, op. cit., pp. 84-133.
497
Friedrich Ghillany foi outro estudioso do século XIX que também combinou visões com
lendas influenciadas por mitos de outras religiões antigas (Schweitzer, op. cit., pp. 167,
170).
133

narrativas.498 Já descartamos a teoria da visão acima, e nos voltaremos agora


para a possibilidade de que as narrativas sejam devidas a lendas. Doravante
nos referiremos a essa hipótese como a teoria mítica ou lendária da ressurrei-
ção.
Mesmo no século XX, a teoria mítica ou lendária da ressurreição pode ser
encontrada.499 Provavelmente o teólogo mais conhecido atualmente que defen-
de uma forma um tanto relacionada dessa teoria é Rudolf Bultmann.500 Ele re-
conhece livremente sua dívida para com a escola de pensamento da História
das Religiões, especialmente em sua compreensão do significado do mito. Para
Bultmann, a mitologia do Novo Testamento é composta de elementos bastante
semelhantes aos conceitos encontrados tanto no apocalipticismo judaico quan-
to nos mitos redentores do gnosticismo.501 Todas possuem várias característi-
cas em comum. Como resultado, descobrimos que muitos dos milagres do
evangelho, por exemplo, são semelhantes aos das narrativas helenísticas.
Bultmann traça paralelos entre alguns desses milagres do evangelho e os de
outros povos antigos de uma forma muito reminiscente da tentativa de Pfleide-
rer mencionada acima.502
Também semelhante a Pfleiderer é o tratamento duplo da ressurreição de
Bultmann. Primeiro, há uma ênfase na presença de material lendário nos rela-
tos do Novo Testamento. Por exemplo, este evento é visto como um mito
construído pela imaginação e pela lenda.503 Mas, em segundo lugar, enquanto
em sua discussão da ressurreição Bultmann colocou muito mais ênfase no pa-
pel desempenhado por este crescimento lendário, é digno de nota que ele tam-
bém sentiu que a teoria da visão também era uma explicação muito possível,
pelo menos em parte. .504 Embora as narrativas da ressurreição de Jesus dos

498
Pfleiderer, The Early Christian Conception of Christ, op. cit., pág. 157–58; Cristianismo
Primitivo, op. cit., vol. 1, pp. 10–14; Vol. 2, pp. 115–16, 125.
499
Por exemplo, Hooke favorece o uso parcial dessa visão. Veja seu trabalho usado acima
(op. cit., pp. 173-79).
500
Bultmann na verdade não oferece muita racionalização para a ressurreição. Ele também
não parece muito interessado em desenvolver teorias sobre por que isso não ocorreu. Por-
tanto, é difícil rotulá-lo neste momento. No entanto, ele acredita que essa ocorrência é um
mito, em alguns aspectos semelhante a outros mitos antigos, como será percebido a seguir.
Como seu tratamento é, no entanto, bastante semelhante em vários aspectos aos que discu-
timos, vamos incluí-lo aqui. A crítica desta teoria também se aplica às suas opiniões sobre
este evento.
501
Bultmann, “Novo Testamento e Mitologia,” em Kerygma and Myth, op. cit., pág. 10, no-
ta de rodapé número dois, e pp. 15–16.
502
Bultmann, “The Study of the Synoptic Gospel,” in Form Criticism, op. cit., pp. 36–39.
503
Veja, por exemplo, Ibid., pp. 66, 72.
504
Bultmann, “Novo Testamento e Mitologia,” em Kerygma and Myth, op. cit., pág. 42.
134

mortos tenham significado quando as vemos como indicadores da singularida-


de da morte de Jesus, a ressurreição é, no entanto, um mito desprovido de rea-
lidade histórica e, portanto, não um evento histórico real.505
Para Bultmann, a igreja do Novo Testamento combinou e misturou a mito-
logia grega e judaica (Antigo Testamento).506 Não é surpresa, portanto, que es-
te estudioso postulou que a ressurreição também tinha semelhanças com cren-
ças em outras religiões e sistemas de pensamento. O efeito de tais crenças so-
bre esta doutrina cristã de um Jesus ressurreto pode ser parcialmente percebi-
do, por exemplo, quando Paulo fala da ressurreição em termos gnósticos.507 A
influência gnóstica em tais narrativas também é encontrada em outras partes
do Novo Testamento.508 Bultmann afirma que as fontes judaicas também influ-
enciaram a fé que a igreja primitiva tinha na ressurreição de Jesus. Versículos
do Antigo Testamento foram reinterpretados como previsões desse evento. De
fato, uma das primeiras provas dessa ocorrência foi o que os cristãos sentiram
ser exatamente esse apoio bíblico judaico.509 Portanto, descobrimos que certos
aspectos do ensino do Novo Testamento sobre a ressurreição foram influenci-
ados por outros sistemas de fé antigos. Como resultado dessas e de outras ca-
racterísticas lendárias envolvidas na fé cristã, pouco pode ser conhecido sobre
o Jesus histórico com algum grau de certeza.510
Anteriormente, vimos como a teologia liberal do século XIX como um todo
seguiu Hume em sua rejeição aos milagres.511 Também devemos observar que
Pfleiderer não foi exceção aqui. Ele também aceitou a opinião de que a ciência
havia descoberto as leis da natureza que eram tão regulares que não podiam ser
violadas.512 Mesmo no século XX, essa visão foi aceita por Bultmann (como
mostrado acima), que rejeitou o milagroso tanto porque era percebido como
contrário às leis da natureza quanto porque vivemos em uma era moderna de-
mais para aceitar tais ocorrências como facto.513

505
Ibid., pp. 34, 38, 42
506
Ibidem, pp. 15–16; veja também História e Escatologia de Bultmann (Nova York: Har-
per & Row, 1962), p. 7.
507
Bultmann, “Novo Testamento e Mitologia,” em Kerygma and Myth, Ibid., p. 40 e Teo-
logia do Novo Testamento, op. cit., vol. 1, pág. 345; vol. 2, pág. 153.
508
Cfr. as referências na nota de rodapé 129 com History and Eschatology, op. cit., pp. 54–
55
509
Bultmann, Teologia do Novo Testamento, op. cit., vol. 1, pp. 31, 82.
510
Bultmann, “The Study of the Synoptic Gospels,” in Form Criticism, op. cit., pp. 60–61.
511
Randall, op. cit., pp. 553–54; cf. p. 293.
512
Otto Pfleiderer, Filosofia e Desenvolvimento da Religião, 2 vols. (Edimburgo: William
Blackwood and Sons, 1894), vol. 1, pp. 5–6.
513
Bultmann, “Novo Testamento e Mitologia,” em Kerygma and Myth, op. cit., pp. 100-1
4–5.
135

É evidente que existem várias semelhanças entre Bultmann e Pfleiderer no


conceito de mitologia, especialmente no que diz respeito ao tratamento da res-
surreição. Portanto, a posição de Bultmann também será incluída na discussão
e crítica desta seção.
Passaremos agora a um exame do que chamaremos de teoria lendária ou
mítica da ressurreição de Jesus.514 A mitologia antiga relata vários contos so-
bre “deuses da vegetação”. Em suas formas anteriores, essas histórias, em ou-
tras palavras, celebravam a morte anual da vegetação durante o outono e o
nascimento da vegetação na primavera. Esses mitos originalmente tratavam
apenas de uma expressão das observâncias do homem a esse ciclo anual de ve-
getação. Mais tarde, eles foram transformados em narrativas expressando
crenças religiosas sobre os deuses.515
Várias versões de tais mitos circularam pelo mundo antigo. Os detalhes va-
riam de cultura para cultura, mas parecem ter as características mais proemi-
nentes mais ou menos em comum, pois giram principalmente em torno da
morte de um deus da vegetação. O deus está apaixonado por uma deusa, mas
se separa de sua amante, muitas vezes pela morte. Ela geralmente chora por ele
e às vezes o recebe de volta na terra dos vivos.516 A forma suméria desse mito
diz respeito ao deus Dumuzi e à deusa Inanna.517 A versão babilônica é sobre
Tammuz e Ishtar.518 A tradução egípcia fala de Osíris e Ísis.519 Outras culturas
retratam seus deuses e deusas modelados diretamente sobre essas versões prin-
cipais. Por exemplo, a mitologia fenícia apresenta Adonis e Astarte e a mitolo-
gia frígia diz respeito a Attis e Cibele, ambos os quais são equivalentes aos ba-
bilônicos Tammuz e Istar.520 O equivalente grego do deus egípcio Osíris é Di-
onísio.521
É geralmente afirmado por aqueles que sustentam a teoria da lenda que es-
ses mitos sobre os deuses da vegetação não apenas permearam os círculos cris-
tãos, mas também formaram a base para a crença cristã na ressurreição de Je-
sus. Acredita-se que a fundação assim lançada pela influência desses mitos an-

514
Notamos aqui mais uma vez que, uma vez que a teoria da visão foi percebida acima co-
mo uma explicação inadequada para explicar a ressurreição, não reabriremos o assunto aqui,
embora tanto Pfleiderer quanto Bultmann pareçam também preferir essa teoria junto com a
teoria mítica ou lendária. teoria.
515
Pfleiderer, Early Christian Conception of Christ, op. cit., pp. 91-93.
516
Cf. Orr, op. cit., p. 237.
517
Hooke, op. cit., pp. 20–23.
518
Ibid., pp. 39–41.
519
Ibid., pp. 67–70.
520
Pfleiderer, Early Christian Conception of Christ, op. cit., pp. 94–95; Orr, op. cit., pág.
237; Yamauchi, op. cit., 15 de março de 1974, p. 4.
521
Pfleiderer, Ibid., p. 97
136

tigos tenha fornecido a estrutura para acumulações lendárias posteriores, que


continuaram a crescer.522
Existem pelo menos quatro razões principais (e várias outras menores) que
explicam por que a teoria da lenda da ressurreição atrai a atenção de compara-
tivamente poucos estudiosos hoje. Primeiro, há ampla prova de estudos teoló-
gicos contemporâneos de que a ressurreição de Jesus está na própria raiz da
crença do Novo Testamento. Em outras palavras, não é simplesmente um con-
to lisonjeiro acrescentado às origens do cristianismo anos após a morte de Je-
sus.
Todos concordam que o relato de Paulo sobre a ressurreição em 1 Coríntios
15:3-8 é o testemunho mais antigo dessa ocorrência. Também é quase inteira-
mente unânime que Paulo não está transmitindo material que ele mesmo for-
mulou, mas sim citando uma tradição muito anterior.523 Em outras palavras, o
relato mais antigo das aparições da ressurreição foi formulado antes de Paulo
realmente escrever este livro e, portanto, é anterior à composição do livro em
que aparece.524
A questão-chave é quão próxima essa antiga formulação dessas aparições
está dos eventos reais. Pannenberg acredita que o credo está bem próximo das
aparições originais de Jesus.525 A maioria dos outros concorda com ele por vá-
rios motivos. Primeiro, as palavras de Paulo “entreguei” e “recebi” são jargão
técnico referindo-se ao costume judaico de transmissão de dados antigos.526
Em segundo lugar, há palavras nesta porção que não são paulinas, apontando
para uma formulação anterior de outros.527 Terceiro, pelo menos Jeremias
acredita que a origem dessas palavras é aramaica e não grega, datando assim
das fontes mais antigas.528
Por essas e outras razões semelhantes, a maioria dos teólogos hoje acredita
que essa formulação relatada por Paulo é o mais próximo possível das aparên-

522
Orr, op. cit., pág. 235 e Pfleiderer, Primitive Christianity, vol. 1, pp. 5, 23-25, por exem-
plo.
523
Reginaldo Fuller, op. cit., pág. 10; Marxsen, op. cit., pág. 80. Mesmo Bultmann reconhe-
ce isso (Theology of the New Testament, op. cit., vol. 1, p. 45).
524
Veja, por exemplo, Marxsen, Ibid., pp. 52, 80; cf. pág. 86; Brown A Concepção Virginal
e a Ressurreição Corporal de Jesus, op. cit., pág. 81; Reginald Fuller, Ibid., pp. 10–14, 28.
525
Pannenberg, Jesus—God and Man, op. cit., p. 90.
526
Brown, A Concepção Virginal e a Ressurreição Corporal de Jesus, op. cit., pág. 81; Re-
ginaldo Fuller, op. cit., pág. 10; Pannenberg, Jesus—Deus e o Homem, op. cit., pág. 90;
Ladd, op. cit., pp. 104-5.
527
Reginald Fuller, Ibid. Fuller lista algumas dessas frases que são estranhas aos padrões de
fala de Paulo na nota de rodapé número 1, capítulo 2, p. 199.
528
Para uma avaliação desta conclusão, veja Brown, The Virginal Conception and Bodily
Resurrection of Jesus, p. 81, nota de rodapé número 140 e Reginald Fuller, Ibid., pp. 10–11.
137

cias originais para tal credo formalizado. Isso porque seria necessário um pou-
co de tempo para esse processo de formalização em uma lista de aparências.
Não sabemos se Paulo preservou a lista exatamente em sua forma original ou
se a adicionou ou modificou, mas o material principal sobre as aparições de
Jesus data de pouco tempo após a morte de Jesus.529
Com toda a probabilidade, Paulo recebeu esta informação sobre a ressurrei-
ção de Jesus de Pedro e Tiago quando ele visitou Jerusalém após sua conver-
são (Gálatas 1:18-19).530 Isso é especialmente provável quando lembramos que
há aparições únicas de Jesus tanto para Pedro quanto para Tiago nesta formu-
lação tradicional inicial (1 Coríntios 15:5, 7). Portanto, Reginald Fuller afirma
que o mais tardar que esta lista poderia ter sido formulada seria cinco anos
após as aparições originais, ou cerca de 35 dC, quando Paulo fez esta visita a
Jerusalém.531 Pannenberg data esta visita e o subseqüente recebimento desta
informação como ocorrendo seis a oito anos após estes eventos. 532 Mas Fuller
observa corretamente que este é o último que a tradição poderia ter sido for-
mulada (para que Paulo pudesse tê-la recebido naquela época). Poderia muito
bem ter cristalizado muito antes.
Portanto, descobrimos que os discípulos ensinaram a ressurreição de Jesus
desde o início. Não houve período de inatividade em que esse não fosse o tema
central da pregação.533 A formulação inicial citada por Paulo demonstra que a
proclamação da ressurreição repousa sobre o testemunho das testemunhas ocu-
lares originais e não sobre um processo lendário. Portanto, esta tradição cuida-
dosamente redigida em 1 Coríntios 15:3-8 revela explicitamente que as apari-
ções de Cristo foram experimentadas por grupos de primeiros cristãos e não
inventadas como parte do desenvolvimento lendário posterior. Esta data inicial
levou Pannenberg a concluir que

sob tais circunstâncias, é um empreendimento inútil fazer paralelos na história


das religiões responsáveis pelo surgimento da mensagem cristã primitiva sobre
a ressurreição de Jesus.534

Assim, vemos, em primeiro lugar, que os mitos nas religiões antigas, com toda
a probabilidade, não podem explicar o surgimento da crença na ressurreição de
529
Reginald Fuller, op. cit., p. 10; Ladd, op. cit., p. 105.
530
Ibid., pp. 14, 28; Brown, A Concepção Virginal e a Ressurreição Corporal de Jesus, op.
cit., pág. 92; Pannenberg, Jesus—Deus e o Homem, op. cit., pág. 90; Ladd, op. cit., pág.
105.
531
Reginald Fuller, op. cit., pp. 48–49, 70.
532
Pannenberg, Jesus—God and Man, op. cit., p. 90.
533
Reginald Fuller, op. cit., p. 48; Morison, op. cit., p. 107.
534
Pannenberg, Jesus—Deus e o Homem, op. cit., pág. 91. Os itálicos são de Pannenberg.
138

Jesus dentre os mortos, porque os relatos do Novo Testamento são simples-


mente muito próximos dos próprios eventos para serem lendas., como vimos
aqui.535
A segunda razão pela qual a teoria da lenda ou mito é rejeitada é, de certa
forma, semelhante à primeira. Além da data muito antiga dada à tradição mais
antiga que relata as aparições de Jesus ressuscitado, também somos informa-
dos de que temos o testemunho de testemunhas oculares desse fato. Acima,
discutimos a probabilidade de que duas das pessoas originais a quem Jesus
apareceu, Pedro e Tiago, tenham passado essa informação a Paulo. Mas há
evidências adicionais do Novo Testamento que devem ser discutidas agora, as
quais demonstram que as testemunhas oculares originais concordaram com
Paulo ao ensinar que Jesus ressuscitou dos mortos e que apareceu a eles. Mos-
trar que essas testemunhas oculares também acreditavam e ensinavam que esse
evento ocorreu após a morte de Jesus e que elas testemunharam as aparições
seria, obviamente, um ponto extremamente forte contra a teoria da lenda. Tra-
taremos mais disso a seguir, mostrando por que esse ponto é tão agudo.
Em 1 Coríntios 15, temos não apenas o testemunho mais antigo sobre as
aparições da ressurreição de Jesus aos apóstolos e a outros (vv. 1–8), mas tam-
bém temos a declaração de Paulo de que esses mesmos apóstolos também pre-
garam esses mesmos fatos. Paulo assim afirma que a mensagem que ele estava
pregando sobre as aparições da ressurreição era a mesma que os outros apósto-
los também estavam testificando (1 Coríntios 15:11).536 Mais tarde, ele menci-
ona três vezes que essas testemunhas oculares originais das aparições também
estavam pregando sobre suas experiências com o Jesus ressuscitado (1 Cor
15:14, 15). Até mesmo os críticos admitem que Paulo está aqui testemunhando
o conteúdo da mensagem dos primeiros discípulos - que tanto Paulo quanto es-
sas outras testemunhas oculares estavam proclamando um Senhor ressurreto
que havia aparecido a eles.537 Em outras palavras, aqueles que tinham visto o
Senhor ressuscitado estavam agora relatando isso a outros. E o fizeram imedia-
tamente após a ocorrência dos eventos. Paulo explica adicionalmente que os
500 que também viram uma aparição do Senhor, embora talvez não estivessem
pregando ativamente sobre sua experiência, ainda estavam disponíveis para
questionamentos, pois a maioria deles ainda estava viva (1 Coríntios 15:6).
Portanto, vemos que várias testemunhas oculares estavam pregando ou dispo-
níveis para questionamentos sobre a experiência de várias aparições do Jesus
ressurreto. Este testemunho não ocorreu apenas anos depois, mas imediata-
mente após as manifestações originais.
535
Orr, op. cit., p. 246.
536
J. N. D. Anderson, op. cit., pp. 90–91.
537
Reginald Fuller, op. cit., pp. 29–50; Marxsen, op. cit., p. 81.
139

Também recebemos a confirmação do testemunho de Paulo nos evangelhos


e no livro de Atos. Embora alguns estudiosos críticos não acreditem que
quaisquer testemunhas oculares tenham sido os autores de qualquer um dos
quatro evangelhos, a maioria acredita que pelo menos alguns podem ser atribu-
ídos a testemunhos oculares. Portanto, podemos pelo menos dizer que, com
toda a probabilidade, Marcos recebeu muito material do apóstolo Pedro, Ma-
teus do apóstolo Mateus, Lucas-Atos de várias testemunhas oculares (Lucas
1:1–4) e João do apóstolo João.538 Estes, então, também apontam para teste-
munhos oculares sobre as aparições da ressurreição de Jesus.
É difícil superestimar a importância de depoimentos de testemunhas ocula-
res como esse. Vimos como praticamente todos concordam que a igreja primi-
tiva, incluindo aqueles que foram os observadores originais, proclamou a res-
surreição de Jesus dentre os mortos.539 Que essas primeiras testemunhas não
inventaram simplesmente as narrativas de forma fraudulenta, acreditando ple-
namente que Jesus ainda estava morto, é evidente e admitido por todos. Os
homens não arriscam suas vidas e até morrem540 pelo que sabem ser apenas

538
Não está dentro do escopo deste artigo examinar minuciosamente a questão da autoria
dos quatro evangelhos. Mas basta dizer que a maioria dos estudiosos críticos reconhece pelo
menos alguns testemunhos oculares por trás desses quatro livros. Muitas vezes, Mateus é
considerado o autor do documento Q e, portanto, é uma testemunha ocular de uma das prin-
cipais fontes do primeiro evangelho. Geralmente se afirma que o autor do segundo evange-
lho é João Marcos, que se acredita ter registrado o testemunho de Pedro, outra testemunha
ocular e apóstolo. A maioria dos estudiosos acredita que Lucas é o autor do terceiro evange-
lho e do livro de Atos, com muitos reconhecendo que Lucas afirma ter coletado suas infor-
mações de testemunhas oculares (Lucas 1:1–4). Parte da razão para o novo ressurgimento
do interesse na autoridade do quarto evangelho é que muitas vezes é reconhecido que este
livro está muito próximo do testemunho ocular do apóstolo João. Para essas e outras con-
clusões semelhantes, veja Archibald M. Hunter, Introducing the New Testament, 2ª ed. (Fi-
ladélfia: The Westminster Press, 1957), pp. 41–43, 49–50, 55–56, 61–63; Ladd, op. cit., pp.
74–78; Robert M. Grant, An Historical Introduction to the New Testament (Londres: Col-
lins, 1963), pp. 119, 127–129, 134–35, 160; George A. Buttrick, editor, The Interpreter's
Bible, 12 vols. (Nova York e Nashville: Abingdon-Cokesbury Press, 1951–1956) vol. 7,
pág. 242 e vol. 8, pp. 9–10, 440–41; Raymond E. Brown, Ensaios do Novo Testamento
(Milwaukee: The Bruce Publishing Company, 1965), pp. 129–131; William Hamilton, The
Modern Reader’s Guide to John (Nova York: Association Press, 1959), pp. 13–15; Daniel
Fuller, op. cit., pp. 188–94.
539
See Fuller, Ibid., p. 48.
540
Para as tradições relativas às mortes dos mártires sofridas por todos os doze apóstolos
(exceto João) e outros primeiros cristãos proeminentes como Marcos e Lucas, consulte Ma-
rie Gentert King, editora, Foxe's Book of Martyrs (Westwood: Fleming H. Revell Com-
pany, 1968) , pp. 11–13, por exemplo. Cfr. também o testemunho da História Eclesiástica
de Eusébio, traduzida por Christian Frederick Cruse (Grand Rapids: Baker Book House,
1969), pp. 58, 75–80.
140

uma falsidade fabricada. Além disso, como aponta J. N. D. Anderson, a quali-


dade do ensino ético dos primeiros discípulos e o fato de que nenhum deles
jamais se retratou sob a ameaça de perder a vida repudia ainda mais qualquer
teoria baseada em tal fraude. Além disso, a transformação psicológica dos dis-
cípulos não é explicada se eles inventaram as histórias.541 Assim, eles realmen-
te acreditavam que Jesus havia ressuscitado dos mortos.542
Mas nessas condições a teoria da lenda é impossível. Isso é óbvio não ape-
nas porque aqueles que testemunharam as aparições proclamaram exatamente
o contrário. É claro que proclamar algo não necessariamente o torna verdadei-
ro. Mas já que descartamos qualquer chance de uma história forjada ou menti-
ra por parte dos discípulos,543 deve haver uma razão pela qual esses homens
viriam a acreditar que Jesus ressuscitou dos mortos. As outras teorias princi-
pais (as teorias do desmaio e da visão) também falharam como soluções ade-
quadas, como mostrado acima. Portanto, estes não podem ser usados como o
ímpeto para esta fé. Portanto, a teoria da lenda também falha porque algum
evento deve ter acontecido bem no início para convencer os discípulos de que
uma ressurreição realmente ocorreu. Não poderia ter havido um acúmulo gra-
dual de lendas porque esses eventos foram relatados desde o início como ver-
dadeiros. Nem outras teorias naturalistas ajudam a explicar essa convicção e
crença inquestionável por parte das primeiras testemunhas.
Proclamar que outros mitos antigos são a base para essas aparições é apenas
uma petição de princípio. Proclamar que Jesus ressuscitou porque a mitologia
antiga relata tal esquema para os chamados “deuses da vegetação” não resolve
o problema da origem da fé que convenceu os discípulos de que esse evento
realmente ocorreu. Também falha em explicar a necessidade dos discípulos de
541
J. N. D. Anderson, op. cit., p. 90.
542
Mesmo Bultmann admite isso, como vimos acima (“Novo Testamento e Mitologia,” em
Kerygma and Myth, op. cit., p. 42). Há uma diferença entre dizer que a ressurreição foi uma
lenda ou mito e que foi uma fraude. A primeira, que é a teoria que estamos discutindo aqui,
defende que os discípulos e outros primeiros cristãos formularam as histórias porque real-
mente acreditavam que Jesus estava vivo (como a visão de Pfleiderer e Bultmann). A se-
gunda teoria defende que os discípulos simplesmente inventaram a história, apesar de acre-
ditarem que Jesus estava morto. Alguns ainda mantêm a teoria anterior (lendas ou mitos).
Mas é óbvio porque o último (fraude) é rejeitado. As improbabilidades psicológicas de al-
guém morrer apenas por uma fraude conhecida, bem como as outras razões contra essa teo-
ria listadas acima, tornam isso impossível.
543
Essa teoria, geralmente chamada de “teoria da fraude”, não é mantida hoje entre os teó-
logos que este escritor saiba. Isto é devido às razões dadas acima. Isso também inclui teorias
de que os discípulos roubaram o corpo morto de Cristo, pois isso envolveria mais uma vez a
mentira deles sobre as aparições quando eles sabiam que Jesus não estava vivo. Os homens
não morrem por uma mentira conhecida. Por essas e outras objeções já feitas, essa expansão
da teoria da fraude também é rejeitada unanimemente.
141

fabricar aparições do Jesus ressuscitado, conforme narrado nas primeiras for-


mulações. Eles obviamente saberiam que Jesus não havia ressuscitado, a me-
nos que fossem enganados (como por um desmaio ou por visões). Mas obvia-
mente faltam as condições para tal engano e isso, portanto, torna tais suposi-
ções inúteis. Estamos, portanto, presos em um dilema sem esperança.
A terceira grande crítica à lenda ou teoria do mito (assim como a quarta) até
mesmo desafia a suposição de que quaisquer paralelos possam ser traçados en-
tre a proclamação do Novo Testamento sobre a ressurreição de Jesus e a res-
surreição reivindicada para os deuses da vegetação de outras religiões antigas.
A principal diferença entre o cristianismo e os mitos dos deuses da vegetação
centra-se no fato de que Jesus foi uma pessoa histórica, mas esses deuses e he-
róis não o foram.544 A pessoa de Jesus é historicamente acessível, enquanto as
dos personagens míticos como Dumuzi, Tammuz, Osíris e os outros vivem
apenas nas histórias espalhadas sobre eles. Por exemplo, muitos afirmaram ter
visto Jesus ressuscitado, mas não com essas figuras míticas.545
Portanto, percebemos que não há bases históricas sobre as quais possamos
comparar os dois tipos de histórias de ressurreição. Tampouco existem bases
históricas para comparar até mesmo as vidas de Jesus e desses outros deuses e
heróis. Aqui não encontramos conexões próximas.546 De fato, em nenhum des-
ses personagens míticos encontramos a crença em uma ressurreição histórica
dos mortos, como é apresentado no Novo Testamento a respeito de Jesus. Este
é um ponto importante porque significa que, longe de haver tantos contos de
ressurreição após os quais os discípulos poderiam ter “modelado” a ressurrei-
ção de Jesus como alguns desses teóricos nos querem fazer acreditar, não ha-
via histórias anteriores de uma pessoa histórica entre esses deuses da vegeta-
ção sendo criados. A história de Jesus é, portanto, única.
A quarta crítica principal contra a lenda ou teoria do mito é que há uma dú-
vida considerável sobre o quanto o ensino da ressurreição é encontrado nesta
mitologia antiga. Portanto, permanece a questão de saber até que ponto o Novo
Testamento foi influenciado pelos mitos da ressurreição de outras religiões.
Por exemplo, Orr sente que esses mitos antigos são muito vagos e flutuantes
para determinar a quantidade de sua influência. Sua falta de realidade histórica
aumenta essa confusão.547

544
Este ponto é admitido tanto por Pfleiderer (The Early Christian Conception of Christ, op.
cit., pp. 157–58) quanto por Bultmann (“New Testament and Mythology,” in Kerygma and
Myth, op. cit., p. 34 ).
545
Orr, op. cit., p. 236; Pfleiderer, Ibid., p. 102.
546
Orr, op. cit., p. 246; McNaugher, op. cit., p. 157.
547
Orr, Ibid., p. 236.
142

Além disso, a suposta difusão de idéias da ressurreição dos deuses no juda-


ísmo e no cristianismo não foi comprovada. Até mesmo o crítico Kirsopp Lake
acreditava que a dificuldade com a teoria da lenda era determinar o quanto era
baseado em fatos reais e o quanto era devido a suposições excessivamente ze-
losas.548 Pannenberg concorda que esta difusão não foi provada. Na Palestina
do primeiro século, quase não há vestígios de qualquer influência desses anti-
gos cultos de deuses ressuscitados.549
Foi este último ponto que uma vez confundiu o estudioso de Oxford, C. S.
Lewis, quando ele era ateu. Depois de aceitar a dependência do Novo Testa-
mento da mitologia antiga, ele ficou perplexo com as poucas vezes em que
qualquer referência foi feita a padrões de morte e renascimento semelhantes
aos das mitologias antigas. Ele também descobriu que tais elementos estavam
essencialmente ausentes dos ensinamentos de Jesus, o que era difícil de com-
preender se a influência mencionada fosse tão grande.550
Orr também acredita que a teoria da lenda é muito arbitrária. Ele deseja es-
colher pontos de semelhança enquanto desconsidera as diferenças. Ele sente
que não é difícil usar a imaginação para encontrar áreas isoladas de concor-
dância.551 Pfleiderer concorda que o erro é muitas vezes cometido quando os
pontos de diferença são negligenciados para trazer uma conexão entre os fatos
que são mais semelhantes.552 Um exemplo aqui é apropriado. O próprio Pflei-
derer parece dar certa ênfase aos mitos que apresentam a ressurreição de um
deus no terceiro dia.553 Mas ele falha em enfatizar tanto a celebração da acla-
mada ressurreição de Adônis no primeiro dia após o período de luto 554 quanto
a aclamada ressurreição de Átis no quarto dia.555
Mas mesmo depois de todas essas dúvidas, a questão principal diz respeito
ao problema de até que ponto uma ressurreição dos mortos é realmente encon-
trada em qualquer um desses mitos. Por exemplo, os principais manuscritos do
mito sumério de Dumuzi-Inanna são interrompidos antes do final e, portanto,
não contêm nenhum relato de uma ressurreição. Na verdade, uma descoberta
recente de um fragmento revela que Inanna perm

548
Ibidem, pág. 247, número da nota de rodapé.
549
Pannenberg, Jesus—God and Man, op. cit., p. 91.
550
Lewis, Miracles, op. cit., pp. 117–18, 120.
551
Orr, op. cit., pp. 249–50.
552
Pfleiderer, The Early Christian Conception of Christ, op. cit., pp. 153–54, 159.
553
Ibid., pp. 153–55; cf. p. 103.
554
Ibid., p. 94.
555
Ibid., p. 103; cf. p. 155; Orr, op. cit., p. 252.
143

ite que Dumuzi seja levado para o submundo em vez de resgatá-lo deste
reino dos mortos.556 No mito babilônico de Tammuz-Ishtar também não há
menção específica de uma ressurreição. Em vez disso, Tammuz é apenas infe-
rencialmente (não explicitamente) pensado para ter sido levantado,557 e alguns
até questionam isso.558 Além disso, foi demonstrado que não há sinal de qual-
quer ressurreição nos primeiros relatos de Adonis. Os textos que se referem a
tal evento datam não antes do século II dC e, portanto, após a ressurreição de
Cristo.559 Da mesma forma, o deus Attis não é apresentado como ressuscitado
até depois de meados do século II dC.560 Um dos primeiros críticos que prefe-
ria a lenda ou a teoria do mito, P. Jensen, citou os mitos de Gilgamesh como
um pano de fundo para a ressurreição de Jesus, quando esses mitos não dizem
nada sobre tal ocorrência.561
Por essas razões, duvida-se até que ponto a ideia de ressurreição pode ser
encontrada em uma religião tão antiga. As referências que encontramos são
menos do que o esperado, um tanto ambíguas e insuficientes para dar conta do
destaque que essa crença supostamente alcançou.562 Portanto, Yamauchi afir-
ma que o único deus para o qual temos evidências claras e iniciais (antes da
vida de Cristo) de uma ressurreição é o egípcio Osíris. No entanto, esse deus
não fornece inspiração para o conceito cristão de ressurreição, especialmente
porque Osíris é sempre retratado como uma múmia. Ele não ficou na terra
após seu retorno à vida, mas desceu para governar o submundo. Isso está mui-
to longe das aparições de Jesus para seus seguidores neste mundo. Devemos
procurar em outro lugar qualquer inspiração para as narrativas da ressurreição
de Jesus conforme descritas no Novo Testamento.563
Portanto, percebemos que há muito menos fundamento para a antiga crença
na ressurreição dos deuses do que se pensava originalmente. Algumas referên-
cias questionáveis a tais ocorrências não fornecem a prova necessária. Há pou-

556
Hooke, op. cit., pp. 21–22; Yamauchi, op. cit., March 15, 1974, p. 4.
557
Hooke, Ibidem, p. 40; Pfleiderer, The Early Christian Conception of Christ, op. cit., pág.
99.
558
Yamauchi, op. cit., March 15, 1974, p. 4: Orr, op. cit., p. 250.
559
Yamauchi, Ibid., p. 5. See also J. N. D. Anderson, Christianity and Comparative Reli-
gion (Downers Grove: InterVarsity Press, 1974), p. 39.
560
Yamauchi, Ibid.; Anderson, Ibid., p. 38.
561
Orr, op. cit., pp. 242–43, 251.
562
Ver, por exemplo, Ibid., p. 257
563
Yamauchi, op. cit., March 15, 1974, p. 5. Cf. Hooke, op. cit., p. 68.
144

ca base para a teoria de que essas crenças em outras culturas estavam apenas
“flutuando” e que são a base e o pano de fundo dos ensinamentos cristãos.564
Assim, vemos aqui um resultado negativo convergente quando a teoria len-
dária ou mítica da ressurreição de Jesus é examinada. Primeiro, as primeiras
narrativas sobre essa ocorrência estão muito próximas dos próprios eventos pa-
ra permitir que as lendas tenham se formado. Isso é especialmente verdadeiro
para a lista de aparições de Paulo em 1 Coríntios 15:3–8. Não houve acúmulo
gradual de lendas aqui. Em segundo lugar, o testemunho direto e indireto de
testemunhas oculares é uma objeção muito forte a esse ponto de vista. Todos
concordam que essas testemunhas não estavam mentindo, pois os homens não
sofrem um tremendo desconforto e até mesmo a morte pelo que se sabe ser
uma mentira. Todos também concordam que eles pelo menos realmente acre-
ditaram que realmente viram algo. Portanto, é impossível presumir que eles re-
lataram uma lenda ou mito antigo como tendo realmente ocorrido, pois ambos
saberiam que estavam mentindo quando narraram aparições literais de Jesus e
não poderiam realmente acreditar que o haviam realmente visto. Deve ter ocor-
rido algum evento que os convenceu de que Jesus ressuscitou, caso contrário,
teria sido necessário inventar as narrativas. É por isso que essa teoria geral-
mente é associada a outra. Uma lenda não fornece um ímpeto tão realista. Mas
as outras teorias-chave (desmaio e visionário) também foram consideradas
inadequadas.
Em terceiro lugar, existem algumas diferenças básicas entre a ressurreição
não histórica dos deuses da vegetação e a ressurreição de uma pessoa histórica.
Os paralelos entre os dois tipos de crenças têm muito pouco em comum. Quar-
to, uma comparação das narrativas do Novo Testamento com as histórias des-
ses deuses da vegetação revela ainda que as características supostamente seme-
lhantes geralmente estão ausentes. Além disso, há dúvidas reais quanto à pre-
sença de histórias reais de ressurreição na mitologia antiga e até que ponto elas
aparecem. Certamente não há base real para acreditar que esses mitos estavam
simplesmente “flutuando” na época de Jesus. Por essas e outras razões, essa
teoria deve ser rejeitada por ser inadequada para explicar a ressurreição de Je-
sus.565 Como Orr afirma, simplesmente carece de qualquer fundamento históri-

564
Orr, op. cit., pp. 247, 256–57. Cfr. também Pannenberg, Jesus—Deus e o Homem, op.
cit., pág. 91. Para um pouco da descrença geral no conceito judaico-cristão de ressurreição,
observe as respostas hebraicas e gregas à ideia em Marcos 12:18; Atos 17:31–32; 26:8.
565
Outras razões também poderiam ser dadas contra a teoria lendária ou mítica. Por exem-
plo, ficamos sem qualquer explicação adequada para o início da igreja ou para a crença no
túmulo vazio se esta teoria estiver correta. Este escritor formulou uma lista de 33 razões to-
tais (que giram em torno de pontos como estes enumerados nas quatro principais críticas
acima) para rejeitar esta teoria. 188Orr, op. cit., pp. 245–46, 253.
145

co e depende demais de comparações altamente questionáveis. Não podemos


descartar fatos apenas apontando para origens míticas artificiais.566
A modificação dessa teoria por Bultmann também falha por razões seme-
lhantes. Primeiro, sua confiança nas influências gnósticas sobre a ressurreição
de Jesus deve ser rejeitada quase pelas mesmas razões levantadas acima para
rejeitar as influências de outras mitologias antigas. As comparações não são
tão próximas quanto se poderia esperar em relação à ressurreição e esses mitos
certamente não poderiam ter dado origem à crença nesse evento, conforme já
explicado. Bultmann deve ter percebido isso sozinho, no entanto, porque ele
não tenta fazer com que as fontes gnósticas expliquem o fundamento básico
das narrativas da ressurreição do Novo Testamento. Em vez disso, notamos
acima que ele utiliza esses mitos para explicar porções periféricas da ressurrei-
ção, como a exaltação de Jesus sobre todos os poderes cósmicos. Isso não ex-
plica a proclamação central de um Jesus ressuscitado e, portanto, não pode ser
a base dessas reivindicações na igreja primitiva.
Em segundo lugar, a visão de mundo científica de Bultmann está desatuali-
zada. Não podemos mais descartar milagres a priori por causa da crença em
um universo mecanicista e fechado que rejeita o milagroso desde o início (co-
mo apontado no capítulo 3 acima). No entanto, é isso que Bultmann faz, como
já vimos.567 O físico Werner Schaaffs568 e o filósofo Gordon Clark569 concor-
dam nesta crítica. Os milagres não podem ser excluídos desta forma por causa
do mundo científico moderno em que vivemos hoje. Tal abordagem não é vá-
lida.
Terceiro, o teólogo John Macquarrie também critica Bultmann por sua re-
jeição arbitrária da ressurreição sem qualquer investigação570 devido à sua falta
de estudo da evidência histórica. Tal como aconteceu com Hume, tal investi-
gação pode ter revelado que a ressurreição é um evento provável. Macquarrie
também observa a visão científica defeituosa envolvida.571

566
Orr, op. cit., pp. 245–46, 253.
567
Bultmann, “Novo Testamento e Mitologia,” em Kerygma and Myth, op. cit., pp. 100-1
4–5, por exemplo.
568
Schaaffs muitas vezes dirige seu ataque especificamente a Bultmann por usar uma visão
de mundo científica ultrapassada, uma crítica que anula a rejeição de Bultmann do milagro-
so. Não é possível lidar com milagres dessa maneira, como se fossem estritamente impossí-
veis desde o início. Ver Schaffs, op. cit., pp. 13, 15, 24–25, 31, 60, 64.
569
Clark também percebe que a compreensão científica defeituosa de Bultmann não pode
ser usada para descartar milagres hoje. Veja Clark, “Bultmann’s Three-Storied Universe,”
em Gaebelein, op. cit., pp. 218–19.
570
Bultmann, “New Testament and Mythology,” in Kerygma and Myth, op. cit., p. 38 for
example.
571
Macquarrie, op. cit., pp. 185–86.
146

Essas segunda e terceira críticas são realmente muito substanciais. Eles são
alguns dos argumentos mais fortes contra Bultmann, que é visto como usando
uma visão desatualizada e ineficaz da ciência, além de negligenciar qualquer
investigação histórica. A ressurreição de Jesus não pode mais ser rejeitada por
esses motivos. Para verificar se esse evento realmente ocorreu, ele deve ser in-
vestigado. Não pode ser descartado a priori como fez Bultmann.
Além disso, a visão de Bultmann ainda é vítima especialmente da primeira
e da segunda grandes críticas listadas acima. As primeiras narrativas estão
muito próximas dos eventos para se referir a eles simplesmente como mitos.
Além disso, o testemunho ocular descarta essa teoria. Como mencionado aci-
ma, referir-se à ressurreição como um mito não explica por que os discípulos
originais passaram a relatar suas experiências com Jesus ressuscitado. Mesmo
Bultmann admite que eles realmente acreditavam que Jesus ressuscitou dos
mortos.572 Mas algo tinha que causar essa crença. Mitos em outras religiões ou
o desenvolvimento de lendas posteriores não podem explicar o início dessa
crença, porque não há base para projetar as aparições originais da ressurreição,
que de outra forma seriam pura mentira. Os discípulos não teriam realmente
acreditado que tinham visto Jesus, não importa o quão proeminentes outras
histórias semelhantes possam ter sido (e vimos que não eram tão comuns).
Eles não poderiam, portanto, ter acreditado que Jesus realmente apareceu a
eles pessoalmente, a menos que tivessem sido enganados de outra forma. É
provavelmente por isso que Bultmann sugere visões como a resposta.573 Mas,
como vimos, esta e outras teorias de engano também são bastante inadequadas.
Mas lendas ou mitos são especialmente incapazes de fornecer o ímpeto neces-
sário. Portanto, Bultmann também falha em sua tentativa de explicar a ressur-
reição literal de Jesus.
Conforme apontado por Brown, essa lenda ou teoria do mito é rejeitada pe-
la maioria dos teólogos hoje.574 Bornkamm aponta que há uma falta decisiva
de terreno comum entre esta teoria e as narrativas do Novo Testamento.575
Pannenberg também afirma que tais lendas não podem explicar a ressurreição
de Jesus.576

572
Bultmann, “Novo Testamento e Mitologia,” em Kerygma and Myth, op. cit., pág. 42.
573
Ibid.
574
Brown, “A Ressurreição e a Crítica Bíblica”, op. cit., pág. 233.
575
Bornkamm, op. cit., p. 185.
576
Pannenberg, Jesus—God, and Man, op. cit., pp. 90–91.
147
148

Capítulo VII
Possibilidade número dois: que a ressurreição ocorreu,
mas não pode ser demonstrada
A. SØREN KIERKEGAARD: UMA INTRODUÇÃO

A segunda grande possibilidade a ser tratada é que a ressurreição de Jesus


ocorreu, mas que essa ocorrência não pode ser demonstrada. Examinaremos
primeiro as opiniões de um estudioso muito importante que sustentou essa
opinião. Este teólogo e filósofo, Søren Kierkegaard (1813-1855), é provavel-
mente o representante mais conhecido deste ponto de vista.
Embora Kierkegaard não tenha sido o primeiro estudioso a formular uma
hipótese como essa, ele popularizou essa visão de uma forma que influenciou
imensamente a teologia do século XX. Ele foi escolhido aqui como o principal
representante dessa visão por causa do efeito que seu trabalho exerceu sobre
muitos teólogos contemporâneos. Essa influência é especialmente aparente,
por exemplo, no tratamento dado por esse estudioso aos milagres. Começando
com a Epístola aos Romanos de Karl Barth em 1918,577 várias escolas teológi-
cas de pensamento seguiram Kierkegaard ao postular que o milagroso não po-
de ser demonstrado de forma alguma. Isso é especialmente verdadeiro no que
diz respeito à ressurreição. A ocorrência desse evento é muitas vezes afirmada
de várias formas, com o entendimento de que não há como ser verificada ou
comprovada.578 De fato, é provável que mesmo a maioria dos teólogos desde
Barth, que rejeitam qualquer crença em uma ressurreição real de Jesus, ainda
manifestem a influência de Kierkegaard em sua crença de que esse evento não
deveria ser provado de qualquer maneira. Tais milagres simplesmente não es-
tão abertos à verificação objetiva.579 Trataremos do raciocínio por trás de tais
afirmações a seguir.

577
Para a relação entre Barth e a teologia liberal do século XIX que seu pensamento deveria substi-
tuir, veja o breve resumo no capítulo 6, nota de rodapé número 1. A teologia neo-ortodoxa de Barth
como um todo deve a Kierkegaard por muito de sua estrutura e fundamento, e para muitas de suas
principais facetas. Veja, por exemplo, Bernard Ramm, A Handbook of Contemporary Theology
(Grand Rapids: William B. Eerdman's Publishing Company, 1966), pp. 89-92.
578
Ver Daniel Fuller, op. cit., pp. 80–84; cf. Ramm, Ibid., pp. 74–76, 79–80, 89–92. No próximo ca-
pítulo, discutiremos alguns desses teólogos que foram influenciados por Kierkegaard em sua aceita-
ção da ressurreição com a condição de que ela não pode ser demonstrada.
579
Veja, por exemplo, Rudolf Bultmann, Jesus Christ and Mythology (Nova York: Charles Scrib-
ner's Sons, 1958), pp. 61–62, 71–72, 80, 84.
149

É principalmente por essas razões que Kierkegaard foi escolhido aqui como
representante desse ponto de vista. Este estudioso dinamarquês exerceu muita
influência na teologia do século XX. Sua visão dos milagres foi especialmente
influente. Como será mostrado no próximo capítulo, uma grande parte da teo-
logia contemporânea seguiu Kierkegaard ao sustentar que os milagres não po-
dem ser demonstrados, quer essas ocorrências sejam aceitas como realmente
acontecendo ou não. Ele é, portanto, um excelente exemplo de alguém que
acredita que milagres como a ressurreição ocorreram, mas que qualquer tenta-
tiva de demonstrar sua validade é infrutífera e enganosa.
Antes de procedermos a um exame das opiniões de Kierkegaard sobre os
milagres, será vantajoso examinar brevemente alguns dos antecedentes intelec-
tuais de sua polêmica. Talvez mais do que com a maioria dos outros pensado-
res conhecidos, muito do pensamento desse estudioso é derivado de experiên-
cias pessoais, como sua observação das condições em sua terra natal, a Dina-
marca.
Kierkegaard experimentou uma infância difícil. Aparentemente por pro-
blemas familiares e também por uma deformidade física (suas costas eram tor-
tas e ele mancava), ele passou por períodos agudos de melancolia que pareci-
am estar continuamente presentes em sua vida.580 Segundo ele próprio admitia,
sofria muito com essa depressão diária, complicada pela convicção de que ha-
via sido escolhido para sofrer pelos outros. Essas emoções causaram-lhe gran-
de consternação e afastaram-no da verdadeira alegria da vida que, de outra
forma, poderia ter sido alcançada.581
Foi pelo menos parcialmente devido a essa intensa melancolia e convicção
de que ele deve sofrer pelos outros que Kierkegaard teve duas outras experiên-
cias que tiveram um tremendo efeito em sua vida. Primeiro, ele se sentiu obri-
gado a romper o noivado com sua amante, Regina Olson. Embora ambos se
amassem muito, Kierkegaard sentiu que de alguma forma a ruptura foi a orien-
tação e a vontade de Deus para sua vida. Mas porque ele ainda a amava, ele lu-
tou muito com seus sentimentos. Seus escritos revelam essa batalha que ele
travou consigo mesmo. Sua ação parecia ser atribuída à melancolia de que ain-
da sofria. Mas, no entanto, esse noivado rompido levou a uma quantidade
imensa de escrita de sua parte. Seu tempo agora era gasto na publicação de
seus pontos de vista sobre vários assuntos, especialmente teologia e filosofia.

580
Martin J. Heinecken, “Søren Kierkegaard,” em A Handbook of Christian Theologians, editado
por Martin C. Marty e Dean G. Peerman (Cleveland: The World Publishing Company, 1965), pp.
125–126.
581
Søren Kierkegaard, The Point of View for My Work as an Author, editado por Benjamin Nelson,
traduzido por Walter Lowrie (New York: Harper & Row, 1962) pp. 76–80. Cf. também Heinecken,
Ibid., p. 125.
150

Seu ritmo de produção nos próximos anos raramente foi igualado, especial-
mente na diversidade dos assuntos que foram abordados.582
Em segundo lugar, Kierkegaard atacou um jornal semanal chamado Corsa-
ir. Esta publicação denunciou abertamente muitas figuras públicas, constran-
gendo-as no processo. Kierkegaard esperava expor esse discurso literário com
a ajuda de outros homens proeminentes de Copenhague, que também não gos-
tavam dos métodos deste artigo. Mas ele não recebeu ajuda e, portanto, sofreu
todo o impacto do ataque de retorno sobre si mesmo. E o Corsair foi bastante
cruel em suas apresentações desse pensador dinamarquês, ridicularizando-o
por causa de sua deformidade física. Por exemplo, fazia pouco caso do com-
primento desigual de suas duas pernas. Esse procedimento continuou no jornal
por aproximadamente um ano e logo ele foi visto com muito escárnio pelo pú-
blico. Mas Kierkegaard aceitou esse tratamento como parte do sofrimento que
lhe foi ordenado. Isso fez com que ele se tornasse ainda mais afastado da soci-
edade e resolvesse continuar o trabalho que havia começado.583
Uma convicção sobre a qual Kierkegaard continuou a agir foi sua polêmica
contra a presença da teologia de influência hegeliana na Dinamarca. A versão
hegeliana do cristianismo encorajava as pessoas a raciocinar com clareza, co-
mo se isso fosse tudo o que está envolvido em se tornar um cristão. A crença
popular na Dinamarca era que ser um bom cidadão dinamarquês e ser cristão
eram quase sinônimos.584 Kierkegaard atacou essas pressuposições, apontando
que o cristianismo é muito mais do que uma vida fácil. Pelo contrário, é uma
transformação total do indivíduo, baseada no reconhecimento pessoal de ser
um pecador. Envolve um compromisso com Deus por meio da fé na morte de
Cristo para pagar pelos pecados de alguém. O resultado é a imitação de Cris-
to.585 De fato, o tema principal de todos os seus escritos era falar aos que vivi-
am na “cristandade” para informá-los sobre como eles poderiam se tornar ver-
dadeiros cristãos do Novo Testamento.586

582
Ver Apêndice A, Kierkegaard, Ibid. 162–63; Heinecken, Ibid., pp. 126–27.
583
Ver Apêndice B, Kierkegaard, Ibid. 163–65; cf. A própria avaliação de Kierkegaard, pp. 94–95.
Cf. também Heinecken, Ibid., p. 128.
584
A polêmica de Kierkegaard contra o “cristianismo” de sua época é especialmente forte em sua
obra Attack Upon “Christendom”, traduzida por Walter Lowrie (Princeton: Princeton University
Press, 1972). Para sua avaliação do cristianismo dinamarquês, como mencionado aqui, compare pp.
132–33, 139, 145, 149, 164–65, por exemplo, ou veja o ensaio “What Christ's Judgment is About
Official Christianity,” Ibid., pp. 117–24. Para uma breve discussão do ataque de Kierkegaard contra
a influência do hegelianismo sobre o cristianismo dinamarquês, conforme mencionado acima, veja
também Heinecken, Ibid., pp. 127-28, 134-35.
585
Para a avaliação do próprio Kierkegaard sobre o que é um verdadeiro cristão, incluindo esses
pontos mencionados, ver Ibid., pp. 23, 149, 210, 213, 221, 268, 280, 287, 290, por exemplo. Heine-
cken concorda com este resumo, Ibid., pp. 131, 134.
586
Heinecken, Ibid., p. 127.
151

Este breve histórico tornará mais compreensível a apresentação dos argu-


mentos de Kierkegaard. Depois de tentar entender o raciocínio por trás de seu
tratamento dos milagres, uma crítica a essas visões será apresentada a fim de
verificar sua capacidade de sustentar os argumentos de Kierkegaard. Deve-se
mencionar antes de passar, no entanto, que os dois textos principais que serão
usados aqui são o Pós-escrito não científico conclusivo de Kierkegaard587 e
seus Fragmentos filosóficos.588 Isso ocorre por alguns motivos muito impor-
tantes. O próprio estudioso dinamarquês nos relata que o primeiro volume é
tanto o ponto de virada de sua obra como autor quanto a transição entre suas
obras estéticas e religiosas.589 Além disso, grande parte deste trabalho diz res-
peito a um dos principais tópicos que serão discutidos aqui e outros pensamen-
tos relacionados.590 Por outro lado, o problema principal tratado por esta última
obra diz respeito a se a fé cristã pode ou não ser baseada em eventos históri-
cos591 e esta é a questão chave a ser tratada neste capítulo. Depois de perceber
esses fatos introdutórios, agora é possível proceder à nossa apresentação das
visões de Kierkegaard.

B. O ARGUMENTO DE SØREN KIERKEGAARD E UMA CRÍTICA

Como teólogo e filósofo, os escritos de Kierkegaard não foram muito popula-


res além da Escandinávia e da Alemanha até o século XX.592 Como apontado
acima, ele muitas vezes reagiu tanto contra o “cristianismo oficial” de sua épo-
ca, que era muito defeituoso em termos da definição do Novo Testamento,
quanto contra a filosofia do hegelianismo.593 Ambas as tendências estavam
afastando as pessoas do cristianismo real. Foi pelo menos em parte como re-
sultado de sua posição ousada contra essas idéias que ele não era muito popu-
lar em seu próprio tempo. No entanto, suas obras foram revividas neste século
pelo existencialismo secular e religioso, incluindo estudiosos como Karl Barth,

587
Esta obra foi traduzida por David Swenson (Princeton: Princeton University Press, 1974).
588
Esta obra também foi traduzida por David Swenson (Princeton: Princeton University Press,
1974).
589
Kierkegaard, O ponto de vista do meu trabalho como autor, op. cit., pp. 13–14, 53, 97.
590
Kierkegaard, Concluding Unscientific Postscript, op. cit., pp. 86–97, 115–343, por exemplo.
591
Ibidem, pág. 323. Por exemplo, ver Philosophical Fragments, op. cit., pp. 93–110. Sobre a im-
portância desses dois textos como os escritos de Kierkegaard que mais influenciaram a teologia e a
filosofia contemporâneas, veja “Søren Kierkegaard” de Heinecken em Marty e Peerman, op. cit., pp.
131–32.
592
Runes, op. cit., p. 160
593
Além das referências listadas acima, ver James Collins, “Faith and Reflection in Kierkegaard,”
em A Kierkegaard Critique, editado por Howard A. Johnson e Niels Thulstrup (Chicago: Henry
Regnery Company, 1962), pp. 141–42, 147–48. Cf. Lev Shestov, Atenas e Jerusalém, traduzido por
Bernard Martin (No City: Ohio University Press, 1966), p. 242.
152

Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre.594 Hoje não se pode sequer tratar ade-
quadamente do existencialismo sem notar a influência de Kierkegaard e o ím-
peto que ele deu aos primórdios dessa filosofia.595
Kierkegaard formulou e defendeu a conhecida afirmação filosófica de que
“a verdade é subjetividade”.596 Portanto, embora várias formas de filosofia en-
sinem que o caminho para o conhecimento é buscar a verdade objetiva de uma
forma ou de outra, isso é visto como impossível. Só podemos alcançar a ver-
dade pela subjetividade. Na verdade, toda verdade e valores eternos são basea-
dos nessa subjetividade.597
As abordagens objetivas têm alguma validade? Para Kierkegaard, a reflexão
objetiva pode produzir verdades objetivas, como matemática e história. Em
outras palavras, fatos objetivos podem ser verdadeiros, especialmente em um
sentido objetivo como nas disciplinas acima.598 Podemos formular desta for-
ma: uma abordagem racional e objetiva da realidade pode produzir fatos ver-
dadeiros, mas não pode levar à verdade eterna, que é um conceito diferente.
Um exemplo aqui introduzido por este pensador dinamarquês servirá para
ilustrar este ponto. Um paciente de um manicômio conseguiu escapar da insti-
tuição. Ele sabia que teria que se expressar sensatamente quando chegasse a
uma cidade próxima, para que alguém não percebesse a verdade e o mandasse
de volta. Enquanto caminhava, ele pegou uma bola e a colocou no bolso do ca-
saco. Isso continuamente saltou contra seu corpo a cada passo que ele dava.
Inspirado por isso, o paciente começou a repetir para si mesmo cada vez que
isso acontecia: “Bang, a terra é redonda”. Ao chegar à cidade, tentou conven-
cer um de seus amigos de que estava são, falando objetivamente. Então ele re-
petiu novamente: “Bang, a terra é redonda”. Mas, infelizmente, em vez de
convencer o médico de que ele estava são, ele apenas o convenceu de que ain-
da estava doente e precisava de assistência médica.599
O ponto que Kierkegaard assim expressa é a questionabilidade das verdades
objetivas. A afirmação que o paciente do asilo fez era verdadeira, até objeti-
vamente verdadeira (a terra é redonda). Mas foi de pouca importância. Portan-
to, devemos ver que, embora tais afirmações objetivas possam de fato ser ver-
dadeiras, elas não nos conduzem à verdade eterna. Nesse aspecto, eles falham,
porque “a verdade é subjetividade”.

594
Daniel Fuller, op. cit., pp. 80–81, 84; Heinecken, "Søren Kierkegaard", em Marty e Peerman, op.
cit., pp. 127, 142. Cf. Runas, Op. cit., pág. 124.
595
Veja, por exemplo, Wesley Barnes, The Philosophy and Literature of Existentialism, op. cit., pp.
48, 56–57, 100–102; Ramm, Um Manual de Teologia Contemporânea, op. cit., pp. 46–47.
596
Kierkegaard, Concluding Unscientific Postscript, op. cit., título da parte 2, capítulo 2, p. 169.
597
Ibid., p. 173.
598
Ibid., pp. 173–74.
599
Ibid., p. 174.
153

Para Kierkegaard, esse fator subjetivo encontra sua culminação na ideia de-
nominada “paixão”. A mais alta das paixões da subjetividade humana é a fé.600
Este conceito é central no pensamento deste estudioso. Opunha-se àquela parte
da filosofia ocidental que atingiu seu ápice em Hegel, uma tradição que enfati-
zava a importância da razão como base do conhecimento.601
Essa compreensão da fé (como a mais alta das paixões) como base do co-
nhecimento é um fator importante quando falamos da abordagem de Kierke-
gaard a Deus. Uma vez que a subjetividade é o caminho para a verdade e a fé é
a expressão mais elevada da subjetividade, segue-se que só podemos conhecer
a verdade sobre Deus por meio dessa fé subjetiva e interior. É um processo in-
terior, uma experiência de fé, pela qual passamos a conhecê-Lo.602
Uma vez que Deus só pode ser conhecido pela subjetividade expressa na fé,
é claro que não podemos obter tal conhecimento por nenhuma forma de obje-
tividade, como pela razão. De fato, quando tentamos nos aproximar de Deus
pela razão, descobrimos que Ele é inacessível. É claramente impossível desco-
brir a verdade sobre Deus objetivamente.603
O mesmo vale para a fé cristã como um todo, porque o cristianismo tam-
bém se opõe a toda objetividade. Kierkegaard chega a dizer que cristianismo
objetivo é pagão.604
A culminação desses pensamentos está nas convicções de Kierkegaard de
que, uma vez que Deus é um Sujeito, Ele só pode ser conhecido subjetivamen-
te. Assim, não podemos tentar nenhuma prova para Sua existência, nem po-
demos evocar quaisquer argumentos a respeito de Deus pelo uso da razão. Não
é de admirar que Kierkegaard não tente demonstrar Sua existência.605
Isso nos leva ao cerne desta apresentação. Foi demonstrado que Kierke-
gaard rejeitou a verificação e a prova da existência de Deus e da fé cristã como
um todo. Tal abordagem objetiva é claramente imprópria. A verdade cristã é
alcançada pela subjetividade.
Por essas mesmas razões, Kierkegaard também rejeitou qualquer tentativa
de basear a verdade da fé cristã no conhecimento histórico.606 Nisso ele seguiu
seu predecessor, Gotthold E. Lessing (1729–1781), que postulou que “verda-
des acidentais da história nunca podem se tornar a prova de verdades necessá-

600
Ibid., pp. 118, 177–78.
601
Ibidem, pág. 176 e Ramm, Um Manual de Teologia Contemporânea, op. cit., pág. 97.
602
Kierkegaard, Ibid., pp. 117–16, 178–79
603
Ibidem, pág. 178 e Fragmentos Filosóficos de Kierkegaard, op. cit., pp. 100-1 55–57.
604
Kierkegaard, Concluding Unscientific Postscript, Ibid., pp. 42, 116.
605
Ibidem, pág. 178 e Fragmentos Filosóficos de Kierkegaard, op. cit., pp. 100-1 49, 55; cf. Robert
L. Perkins, Last Kierkegaard (Richmond: John Knox Press, 1969), p. 17.
606
Kierkegaard, Concluding Unscientific Postscript, Ibid., pp. 86-97. Ver também James Brown,
Kierkegaard, Heidegger, Buber e Barth (Nova York: Collier Books, 1967), pp. 57-60.
154

rias da razão”.607 Com isso, Lessing explica sua convicção e crença de que não
se pode apoiar as doutrinas cristãs referindo-se a eventos históricos como a
ressurreição. Em outras palavras, enquanto Lessing afirma que não tem fun-
damentos históricos para negar a ressurreição de Jesus, isso não é motivo para
acreditar em outras doutrinas da fé cristã como resultado. Pode-se, de fato,
afirmar as outras crenças doutrinárias do cristianismo (como Lessing afirma
que ele faz), mas isso deve ser em outra base que não seja a da historicidade de
certos eventos. Argumentar a partir de tais eventos seria raciocinar a partir de
fatos históricos acidentais para as verdades necessárias da fé de alguém, e isso
não é permitido.608
Lessing acrescenta que essa divisão entre fatos históricos e fé religiosa “é a
vala larga e feia que não consigo atravessar, por mais que tenha tentado dar o
salto com frequência e com toda a seriedade”.609 Assim, percebemos que a la-
cuna entre essas duas categorias é o que constitui a barreira sobre a qual Les-
sing não consegue encontrar um caminho. Não há meios que ele possa desco-
brir que permitam passar de um argumento da primeira categoria para uma
crença da segunda categoria.
É duvidoso, no entanto, se Lessing realmente acreditasse em uma ressurrei-
ção histórica como ele parece afirmar (como observado acima). Por exemplo,
ao escrever em outro ensaio sobre a rejeição da ressurreição pelo racionalista
do século XVIII Hermann Reimarus, ele admite que mesmo que as objeções
levantadas fossem válidas, o cristianismo ainda existiria porque a aceitação das
doutrinas cristãs depende da fé e não da fé. sobre eventos históricos.610 Até
mesmo Kierkegaard percebeu que as afirmações de Lessing sobre eventos co-
mo a ressurreição eram na verdade apenas concessões feitas por ele para desta-
car o ponto que ele estava fazendo.611
Além disso, Lessing relata que as verdades históricas não podem ser prova-
das de qualquer maneira. Assim, mesmo que se sustente que os eventos ocor-
reram, não pode ser provado que eles ocorreram. Da mesma forma, só porque
se acredita que a ressurreição realmente ocorreu, não pode ser provado que te-
nha sido histórico, mas apenas aceito pela fé.612 Podemos, portanto, perceber
melhor como Lessing poderia aparentemente aceitar um evento mesmo quando
não poderia ser demonstrado que aconteceu e quando não poderia ser a base
para outras crenças.
607
Gotthold E. Lessing, Lessing's Theological Writings, editado por Henry Chadwick (Londres: A.
and C. Black, 1956), p. 53.
608
Ibid., pp. 53–55.
609
Ibid., p. 55.
610
Ibid., este ensaio sobre Reimarus aparece nas pp. 9–29. Cfr. Daniel Fuller, op. cit., pág. 32.
611
Kierkegaard, Concluding Unscientific Postscript, op. cit., p. 88. Cf. Fuller, Ibid., pp. 34–35.
612
Lessing, op. cit., p. 53; cf. p. 54. See Fuller, Ibid., p. 34.
155

A formulação de Lessing, segundo a qual a história é divorciada da fé,


exerceu muita influência desde sua época. Por exemplo, Immanuel Kant to-
mou emprestado dele ao fazer uma distinção semelhante entre as verdades de
Deus e os fatos históricos. Separar essas duas categorias é “um grande abismo,
cuja sobreposição ... leva imediatamente ao antropomorfismo”.613 Assim, des-
cobrimos mais uma vez que as verdades religiosas da fé não podem ser apoia-
das pela história. E, como com Lessing, eventos da história como a ressurrei-
ção também não podem ser provados. Na verdade, não se pode demonstrar que
esse evento ocorreu literalmente porque, como tal, é uma ofensa à razão.614
Kierkegaard também seguiu Lessing nessa crença de que as ocorrências na
história não poderiam apoiar as verdades religiosas da fé. Kierkegaard afirma
expressamente que “não pode haver em toda a eternidade uma transição direta
do histórico para o eterno”.615 Este é o caso tanto das testemunhas oculares dos
fatos quanto daqueles que são afastados por gerações. Quer o crente tenha sido
contemporâneo de Jesus ou não, ele não é capaz de basear a fé na razão ou na
história.616
Essa postura de Kierkegaard é, na verdade, a chave dessa discussão. Como
a verdade é subjetiva, abordagens objetivas, como a historicidade de certos
eventos, não podem levar a uma fé decisiva ou à felicidade eterna.617 Para ter
certeza, este estudioso acredita que Jesus foi uma pessoa histórica no sentido
de que ele entrou na sequência temporal deste mundo como um homem. Foi
também na história que Jesus viveu, morreu e ressuscitou.618 Mas, embora es-
ses eventos realmente tenham ocorrido, eles compreendem o paradoxo supre-
mo da fé cristã porque a doutrina da encarnação é aparentemente inexplicável
e difícil de entender logicamente. Tais eventos são contraditórios porque afir-
mam que Deus se tornou homem, contrariando toda a razão. Mesmo que esta
encarnação realmente tenha ocorrido na história, não se pode demonstrar histo-
ricamente (ou não) tais eventos na vida de Jesus como a ressurreição porque é
impossível demonstrar uma contradição (mesmo uma que realmente ocorreu).

613
Immanuel Kant, Religion Within the Limits of Reason Alone, traduzido por Theodore M. Greene
e Hoyt H. Hudson (Nova York: Harper & Row, 1960), pp. 58–59, nota. Cfr. Fuller, Ibidem, pág. 37.
614
Kant, Ibid., p. 119, note. Cf. Fuller, Ibid., pp. 37–38.
615
Kierkegaard, Concluding Unscientific Postscript, op. cit., p. 89; cf. p. 47.
616
Ver Ibid., pp. 38, 89, 190 e Philosophical Fragments de Kierkegaard, op. cit., pp. 108-9, por
exemplo. Ver nota de rodapé número 46 abaixo.
617
Kierkegaard, Concluding Unscientific Postscript, Ibid., p. 33, 42, 45. Sobre a crença de Kierke-
gaard de que a história é uma abordagem objetiva, compare Ibid., p. 173, por exemplo, além da dis-
cussão acima.
618
Ibidem, pp. 188, 194. Veja também Heinecken, “Kierkegaard's Sea,” em Marty e Peerman, op.
cit., pág. 131; cf. pág. 138 e Brown, op. cit., pág. 59.
156

As provas históricas não podem tornar tais eventos menos contraditórios ou


paradoxais.619
Portanto, Kierkegaard postulou que esses eventos não podem ser a base da
fé, como mencionado acima. Mas, além disso, devem ser acreditados, mesmo
que não seja possível demonstrar que ocorreram. Assim, não só é impossível
basear a fé em eventos históricos objetivos (uma vez que a fé é subjetividade),
mas também é impossível provar esses eventos. As várias facetas da encarna-
ção de Jesus são um enigma para a história e a disciplina objetiva da história é
muito suspeita e inexata para fornecer tal prova.620 Por esta razão, Kierkegaard
desencorajou argumentar e debater sobre as verdades da fé.621
O resultado direto dessa ênfase na teologia é o conceito muito importante
denominado “salto”. Kierkegaard, inspirado aqui por Lessing, faz muito uso
dessa ideia.622 Para Kierkegaard, a existência de Deus não pode ser determina-
da por “provas”, como mencionado anteriormente. Tampouco Sua existência
pode ser demonstrada apontando para eventos na história, como a encarnação,
como acabamos de ver. Enquanto nos apegarmos a tais métodos objetivos de
verificação, nunca entenderemos a existência de Deus. Somente quando dei-
xarmos de lado essas provas e aceitarmos Deus pela fé é que perceberemos
que Deus realmente existe.623 Esse ato de abandonar todas as nossas provas e
todas as nossas tentativas de chegar a Deus pela razão, por mais breve que se-
ja, é chamado de “salto”.624 Esse salto ocorre quando abandonamos todas essas
tentativas objetivas de provar Deus por nossa razão e aceitá-lo pela fé.
Portanto, fica muito claro que, para Kierkegaard, a ressurreição de Jesus
não fornece base para a fé. Embora se acredite que esse evento seja verdadeiro,
não pode ser demonstrado que seja. Deve simplesmente ser aceito pela fé, in-
dependente de qualquer lógica histórica. Mais uma vez somos obrigados a re-
jeitar esta prova e perceber Deus sem tal muleta. Assim, devemos dar o salto

619
Kierkegaard, Ibid., pp. 189–90; cf. pág. 30. Cfr. Ramm, Um Manual de Teologia Contemporâ-
nea, op. cit., pp. 100-1 7, 94-95.
620
Kierkegaard, Ibid., pp. 42–43 e Fragmentos Filosóficos de Kierkegaard, op. cit., pág. 108. Cfr.
Marrom, op. cit., pág. 59.
621
Kierkegaard, Concluding Unscientific Postscript, Ibid., pp. 46–47.
622
Ver Brown, op. cit., pp. 57–59; Perkins, op. cit., pág. 17; Ramm, Um Manual de Teologia Con-
temporânea, op. cit., pág. 79 e Schaeffer, The God Who Is There, op. cit., pág. 21. Entretanto, Kier-
kegaard não aceita essa ideia exatamente como aparece em Lessing. Para Lessing, o salto é dado por
pessoas que estão afastadas dos eventos históricos pelo tempo (talvez por centenas de anos), mas
que ainda desejam exercer a fé. O salto da história para a fé não seria necessário se todos fôssemos
contemporâneos do evento em questão. Mas para Kierkegaard, a inclinação dos eventos históricos
da vida de Jesus para a fé nesses eventos deve ser feita por todos os crentes porque não há benefício
em ser contemporâneo (ver Kierkegaard, Ibid., p. 89; cf. Brown, Ibid. ., pp. 58–59).
623
Kierkegaard, Philosophical Fragments, op. cit., p. 53.
624
Ibid.
157

para a existência de Deus pela fé, sem qualquer confiança em fatos históricos.
O fosso de Lessing é superado pela fé, quando se salta dos fatos da vida de Je-
sus para a fé nele, independentemente de qualquer verificação.
Até agora, a posição de Kierkegaard em relação à subjetividade foi investi-
gada. Para repetir brevemente, este conceito é visto como sendo o caminho
adequado para encontrar a verdade. Uma afirmação muito clara nesse sentido é
“Subjetividade é verdade, subjetividade é realidade”.625 Essa qualidade interior
de transformação atinge seu ápice na paixão. Na verdade, a própria paixão é
estritamente um fator subjetivo que não pode ser objetivo de forma alguma.626
Isso obviamente deixa muito pouco espaço para a objetividade. Na verdade,
o cristianismo se opõe a tudo o que é objetivo. Se confiarmos em uma fé obje-
tiva, dizemos que estamos voltando ao paganismo.627 Na verdade, existe até
um limite colocado na razão, ditando seus limites. Isso porque Kierkegaard
acredita que a razão só pode avançar até certo ponto, além do qual ela não é
operativa. Por exemplo, não pode provar Deus. Mas mesmo quando a razão é
levada ao limite em relação a Deus, Ele ainda não está mais próximo do que
antes.628
Devemos também mencionar a qualidade pessoal desta fé. A pessoa acredi-
ta em Deus, mesmo que esse exercício de fé não seja baseado em nenhuma ba-
se lógica ou objetiva. Essa fé também não tenta provar sua própria validade.
Em vez disso, a decisão de agir com fé envolve o salto e a subseqüente aceita-
ção da interioridade subjetiva, o que acaba levando a uma paixão irracional.629
Resta-nos agora tentar verificar a exatidão dessas opiniões. Concluímos
acima (no capítulo 4) que nas investigações teológicas, a razão é temporalmen-
te primeira, enquanto a fé é mais importante, especialmente como resultado fi-
nal. Mas aqui vimos que Kierkegaard não dá nenhum lugar essencial à razão,
embora comece e termine o processo teológico com fé. Isso leva a três grandes
críticas à abordagem de Kierkegaard, todas dirigidas ao cerne de sua polêmica.
Uma crítica diz respeito ao seu uso exclusivo da fé e as outras duas giram em
torno de sua negação resultante de qualquer lugar essencial dado a abordagens
objetivas e razoáveis do cristianismo.
A primeira grande crítica diz respeito à consistência interna desse estudio-
so, pois questiona se Kierkegaard foi bem-sucedido em sua própria tentativa

625
Kierkegaard, Concluding Unscientific Postscript, op. cit., pág. 306.
626
Ibid., pp. 51, 117, 177.
627
Ibid., pp. 42, 116.
628
Kierkegaard, Fragmentos Filosóficos, op. cit., pp. 53, 55, 57.
629
Ibid., pp. 53–55 e o Postscript não científico conclusivo de Kierkegaard, op. cit., pp. 118, 209,
por exemplo.
158

de deixar a abordagem objetiva do cristianismo fora de sua visão da fé. 630 Foi
concluído anteriormente (no capítulo 4) que a razão, por definição,631 era o
fundamento de todas as condenações e decisões. Qualquer defesa de uma cren-
ça também é razão. Mesmo a capacidade de pensar coerentemente é razão. Es-
sa definição mostra claramente, em total oposição ao ensinamento de Kierke-
gaard, que o pensamento racional (em oposição ao pensamento subjetivo) é a
própria base de nosso conhecimento. Em outras palavras, o próprio Kierke-
gaard não poderia sequer fornecer tal polêmica em defesa da fé sem se apoiar
na razão. Isso porque a razão deve ser a base de sua convicção de que a fé é
primária. A razão também deve ter compelido sua decisão de agir por meio de
tal compromisso de fé.
Kierkegaard chega a fazer uso da lógica e da razão em sua polêmica em fa-
vor do caminho da fé,632 ainda que tal processo objetivo também encontre sua
base no racional. Assim, não poderia haver nem mesmo uma defesa da prima-
zia da fé à parte de algum tipo de processo racional. Mesmo que Kierkegaard
veja algum valor no objetivo, como notado acima, ele não acredita que ocupe
um lugar importante para se chegar a Deus. Ele também não aceita a razão
como sendo temporalmente primária. A objeção aqui não é que ele não dê ne-
nhum lugar ao objetivo, mas que ele não percebe que está fazendo uso de tais
abordagens razoáveis em sua própria abordagem de Deus. Portanto, mesmo
em seu sistema, a razão deve ser temporalmente primeira para que Kierkegaard
afirme a importância da fé.
Isso pode ser demonstrado mais claramente quando lembramos como Kier-
kegaard postulou que a verdade é encontrada na subjetividade e que a objetivi-
dade não era o caminho para Deus. Ele poderia afirmar isso, por exemplo, por
persuasão razoável e argumento racional ou por convicção e conhecimento in-
tuitivos. Mas agora é fácil ver que a razão, e não a paixão, é a origem de cada
um. Todos os processos de persuasão razoável e argumento racional obvia-
mente envolvem a razão. Mas também vimos que mesmo a base de tal convic-
ção ou conhecimento intuitivo é a razão. Se ele tentar demonstrar que não é es-
se o caso, essa persuasão também se torna racional. Não se pode mostrar como
a subjetividade é central sem utilizar a razão.

630
Para ter certeza, Kierkegaard não afirmou que não havia verdades objetivas. Ele permitiu isso.
No entanto, abordagens objetivas simplesmente não podem levar à verdade eterna e nem o objetivo
pode ser a base para a fé. Ver “Søren Kierkegaard” de Heinecken em Marty e Peerman, op. cit., pp.
139–41.
631
Também encontramos suporte acadêmico para essa definição, de modo a não tentar resolver essas
questões filosóficas simplesmente referindo-se a definições.
632
Para o uso da lógica e da razão por Kierkegaard em sua polêmica, veja “Søren Kierkegaard” de
Heinecken em Marty e Peerman, op. cit., pág. 132; cf. pp. 127–28.
159

Na verdade, seria até impossível para Kierkegaard pensar no sentido a que


estava acostumado, exceto pela razão. Ele seria obrigado a pensar sobre sua
posição à parte da formulação de quaisquer convicções, sem a formulação de
quaisquer conclusões ou sem tomar quaisquer decisões a fim de teorizar à par-
te de um processo racional. Portanto, é óbvio que Kierkegaard iniciou o pro-
cesso com a razão, pois não foi capaz de começar simplesmente com a fé.
É, portanto, um tanto irônico que o próprio elemento que Kierkegaard pro-
curou separar da fé (ou seja, a objetividade) tenha sido a base sobre a qual a fé
foi construída. Seus próprios argumentos contra essa conclusão provaram que
a razão é um elemento essencial, já que a própria polêmica era racional. As-
sim, por mais subjetivo ou irracional que seja todo o sistema, essa subjetivida-
de foi formulada a partir de um processo racional, ainda que disfarçado. Caso
contrário, tal construção teórica não teria sido possível.
É por causa desses fatores que a subjetividade, a paixão e a fé não podem
ser consideradas temporais em primeiro lugar. Essa posição pertence à razão,
embora a fé seja mais importante, especialmente no final.
A segunda grande crítica ao sistema de Kierkegaard é que ele elimina todos
os fundamentos lógicos que poderiam apoiar sua tese. Embora tenha sido de-
monstrado que o próprio Kierkegaard confia em um fundamento objetivo, ape-
sar de seus protestos em contrário, ele ainda insiste que não há verificação ob-
jetiva da fé. É claro que a intenção expressa desse estudioso é eliminar esses
fundamentos, mas, ao fazê-lo, não há critérios objetivos nos quais suas reivin-
dicações possam ser baseadas. Em outras palavras, Kierkegaard está errado ao
primeiro negar um lugar para qualquer base objetiva para a fé, mesmo quando
ele mesmo, sem saber, utiliza tal base razoável (crítica número um acima).
Mas segundo ele continua a insistir que a fé não pode ser verificada de forma
alguma. Portanto, embora seja sua intenção não basear a fé em qualquer fun-
damento objetivo, é por isso que não se pode afirmar se a mensagem subse-
qüente deve ser aceita ou não. Uma vez que tal fé é uma experiência pessoal e
subjetiva, não há razão para que outra pessoa seja compelida a aceitá-la
Ou ainda, como seria possível alguém saber se a fé cristã era a religião cer-
ta? Da mesma forma, alguém poderia incitar a fé em outro sistema de crença.
Se não existe persuasão razoável, como Kierkegaard poderia diferenciar e es-
colher entre essas opções?
Como afirmado anteriormente, uma vez que essa fé que Kierkegaard pro-
põe é tão subjetiva, é até difícil diferenciá-la das emoções humanas, como eu-
foria, amor ou mesmo azia. Em outras palavras, a subjetividade de Kierke-
gaard não é capaz de responder a essas questões e às acima levantadas porque
não pode demonstrar sua própria validade ou dizer se seus próprios fundamen-
160

tos são sólidos. No final, não há maneira real de verificar se tal fé foi exercida
da maneira adequada.
Mesmo que Kierkegaard prefira uma fé subjetiva, isso não responde à ques-
tão de como ele pode ter certeza de que essa fé é válida até para si mesmo,
muito menos para os outros. Mesmo porque este estudioso não está interessado
em nenhuma demonstração objetiva da fé cristã, é muito importante poder sa-
ber se o compromisso de fé que ele expõe é válido ou não. Afinal, a fé não é
simplesmente um exercício cerebral sem consequências se por acaso for falsa.
Muito está em risco para aqueles que colocam alto valor (na verdade, valor
eterno) em sua fé se ela for considerada ilegítima.
Kierkegaard fala muito da verdade eterna, mas é difícil distinguir entre
crenças reais e falsas se não houver critérios factuais. Portanto, é essencial sa-
ber se seu sistema é provável. Torna-se mais óbvio aqui que uma fé objetiva e
lógica estaria em uma posição muito melhor para verificar sua confiabilidade
do que uma fé irracional e subjetiva.
Por essas razões, para que a fé seja inteligível, ela deve ter algum tipo de
fundamento objetivo. Se o objetivo for rejeitado, como faz Kierkegaard, então
também devemos abandonar toda esperança de chegar a dados testáveis sobre
nossas crenças. É verdade que Kierkegaard se opôs a todos esses testes e de-
monstrações, mas sem alguns critérios como esse seria quase impossível saber
se tal fé era espúria ou não. Portanto, vemos que o sistema de Kierkegaard de
postular uma fé que culmina na paixão e na interioridade é simplesmente mui-
to subjetivo. Deve haver alguma base razoável sobre a qual construir essa fé.
Há também o problema de Kierkegaard afirmar que seu método de fé é a
única maneira pela qual um cristão pode encontrar a felicidade eterna. Mas
sustentamos que abandonar uma base racional para a fé e desconsiderar a de-
monstração intelectual pode levar à felicidade eterna apenas se alguém sim-
plesmente ignorar quaisquer questões relacionadas à fé que possam surgir,
como as que foram levantadas aqui. A pessoa teria que usar protetores de ou-
vido e antolhos da irracionalidade para abandonar todas as necessidades e de-
sejos de racionalizar apenas para que pudesse alcançar uma “felicidade eterna”
temporária e fugaz que dura apenas até que surja a próxima dúvida. E as ques-
tões levantadas aqui ainda permaneceriam sem resposta - nunca se saberia se o
compromisso de fé de alguém era válido ou mesmo se era garantido em pri-
meiro lugar.
Essas duas primeiras críticas sozinhas são suficientes para fornecer uma crí-
tica adequada da visão de Kierkegaard sobre a fé cristã. Mas agora é possível
aplicar esses dois ao seu sistema no que diz respeito à sua rejeição de provas e
demonstrações históricas como base de seu caminho para Deus.
161

A terceira grande crítica a Kierkegaard é que sua rejeição de qualquer abor-


dagem objetiva da fé cristã, incluindo a verificação histórica, não é mais justi-
ficada em vista das duas críticas anteriores. Foi demonstrado que a razão deve
permanecer temporalmente primária. Fatores subjetivos como fé e paixão são
inquestionavelmente importantes, mas devem ser baseados na razão. Também
deve haver alguns fundamentos objetivos para a fé. Há algumas implicações
definidas nessas conclusões.
Foi afirmado anteriormente que a ressurreição de Jesus foi mantida por Ki-
erkegaard como não sendo uma base válida sobre a qual repousar as verdades
teológicas da fé. A razão para isso era que o subjetivo era considerado a ver-
dadeira base para a crença. Acreditava-se que tais eventos objetivos eram de
uma categoria diferente e, portanto, são rejeitados.633

Mas todas essas convicções devem mudar quando se sustenta (1) que a ra-
zão é temporalmente primeira e (2) que a fé deve ser verificada objetivamente,
ambos os quais foram concluídos acima. Por exemplo, uma vez que a razão é
considerada temporalmente primária (crítica número um aqui e capítulo 4 aci-
ma), não se pode mais sustentar que o subjetivo está sozinho e separado dessa
base objetiva e também não se pode negar a eficácia dos eventos históricos ob-
jetivos como um resultado. Em outras palavras, com a antiga base para as ver-
dades religiosas dissolvida (a saber, a fé subjetiva), a primeira razão para rejei-
tar eventos históricos também deve desaparecer. Isso porque não se pode mais
sustentar que a verificação histórica se opõe a uma fé exclusivamente subjeti-
va, porque se verificou que essa fé já se baseia em um elemento objetivo, a sa-
ber, a razão. E já que este é o caso, deve-se perceber que esta razão pode ser a
razão histórica, a lógica ou outro meio de verificação razoável. De qualquer
forma, não se poderia opor a tais demonstrações históricas razoáveis quando o
elemento objetivo da razão já é inerente ao conceito de fé, exigindo assim al-
guma abordagem objetiva. De fato, o caminho está aberto para que a fé seja
verificada por qualquer abordagem razoável (ou mesmo várias ao mesmo tem-
po).
Também foi postulado acima que a fé deve ter alguns critérios objetivos nos
quais basear suas reivindicações para que possa ser verificada (crítica número
dois aqui e capítulo 4 acima). O uso da pesquisa histórica fornece um excelen-
te meio pelo qual essa verificação pode ser efetuada. Portanto, percebemos
mais uma vez que a tese da subjetividade de Kierkegaard não pode subsistir.
Quando a ênfase desse estudioso na exclusividade da subjetividade falha, o
mesmo acontece com sua polêmica contra as provas que se mostram prová-
633
Kierkegaard, Concluding Unscientific Postscript, op. cit., pág. 89. Ver também Brown, op. cit.,
pp. 38–39 e Daniel Fuller, op. cit., pp. 34–35.
162

veis. Foi demonstrado que a fé deve ser confirmada como sendo a abordagem
adequada de Deus. Assim, não podemos mais descartar a confirmação que é
fornecida pela verificação, como aquela de eventos passados que são conside-
rados prováveis. Tal demonstração objetiva é de fato exigida pela própria natu-
reza das duas conclusões a que chegamos aqui, pois a fé deve ser demonstrada
como válida.
Por essas razões, ocorreu um exato inverso das relações de Kierkegaard.
Considerando que anteriormente não era possível aceitar eventos históricos
como apontando para verdades eternas (de acordo com este estudioso), agora
entendemos que isso não é mais verdade. A verificação histórica (e outras de-
monstrações objetivas) torna-se agora uma ajuda em vez de um obstáculo, pois
serve para validar e fortalecer a fé. Desta forma, tanto a fé subjetiva quanto a
demonstração objetiva são percebidas como complementares uma à outra.
Essas três críticas contra Kierkegaard devem, portanto, ser aceitas como vá-
lidas, pois se aplicam a todas as etapas de sua polêmica. Verificou-se que seu
ponto de partida não era a fé subjetiva, mas a razão (crítica número um). As-
sim, Kierkegaard é internamente inconsistente desde o início ao postular a fé
como ponto de partida inicial, mas não percebendo que ele próprio falhou nes-
sa tarefa. Como o corpo principal de sua obra é predominantemente subjetivo,
isso leva a outro problema, a saber, que não há como verificar se seu sistema é
válido ou não (crítica número dois). Sem critérios objetivos para testar essas
visões, não se pode saber se a subjetividade é a melhor abordagem de Deus.
Destas duas primeiras críticas deduziu-se uma terceira, que a subjetividade não
é apenas a abordagem correta de Deus, pois devemos partir da razão e utilizar
alguns critérios objetivos para verificar a fé. Assim, descobriu-se que uma
abordagem possível seria usar a história para investigar a fé cristã (e a ressur-
reição em particular) para ver se ela oferece uma base sólida para a fé.
Basta dizer que assim foi aberto o caminho para o exame histórico de even-
tos como a ressurreição. Se esta ocorrência for considerada histórica, poderia
ser usada como uma base mais racional para a fé cristã.
Embora a base exclusivamente subjetiva de Kierkegaard para seu sistema
falhe, sua ênfase em um compromisso de fé para a salvação ainda permanece
válida. Isso é especialmente verdade se evidências históricas (ou outras) forem
encontradas para verificar tal crença. Isso ocorre porque Kierkegaard está cor-
reto ao estabelecer isso como o componente central do cristianismo. A mesma
conclusão também foi alcançada no capítulo 4 acima, onde se descobriu que,
embora a razão fosse temporalmente primeira, a fé era o elemento mais impor-
tante e essencial. Portanto, ainda devemos aceitar esta conclusão como autori-
tária, especialmente com um fundamento objetivo. O conceito de fé de Kier-
kegaard que leva à salvação e a uma vida cristã autêntica envolve a percepção
163

individual de que ele é um pecador que precisa de arrependimento (uma mu-


dança completa em sua vida). Esse arrependimento é alcançado por uma rendi-
ção completa a Deus com fé, confiando na morte de Jesus Cristo na cruz para
pagar por todos os pecados pessoais. O resultado é um compromisso total do
indivíduo com Deus para uma vida de obediência, baseada na morte do Filho
de Deus. Esta transformação total da pessoa, se genuína, conduz à alegria da
vida cristã. Esta é a verdadeira fé.634
Esta definição de fé apresentada por Kierkegaard, conforme apresentada
aqui, é uma visão bastante bem formulada. Ele também retrata com precisão os
ensinamentos do Novo Testamento sobre este assunto. Concordamos com este
estudioso que o resumo que acabamos de apresentar é a parte mais importante
da relação razão-fé e, como tal, é essencial para a crença cristã na salvação.
Esses ensinamentos devem, portanto, permanecer em nosso conceito de cristi-
anismo. Mas também acreditamos que existem evidências razoáveis que aju-
dam a validar esses ensinamentos.

634
Para esta definição de fé de Kierkegaard, veja seu Attack Upon “Christendom”, op. cit., pp. 149,
210, 213, 221, 280, 287, por exemplo. Ver especialmente Heinecken, “Søren Kierkegaard,” em Mar-
ty e Peerman, op. cit., pp. 131, 133, 134, 138 para o mesmo resumo.
164
165

Capítulo VIII
Possibilidade número dois: outras visualizações
semelhantes

A. KARL BARTH

Lidamos acima com algumas das imensas influências que o pensamento de


Søren Kierkegaard teve sobre a teologia contemporânea. Suas ideias não eram
muito populares em sua época e não se tornaram excessivamente populares
nem mesmo nos círculos teológicos até o século XX. Nessa época, seus pontos
de vista foram revividos por Karl Barth em particular e por aqueles que o se-
guiram (geralmente chamados de barthianos ou teólogos neo-ortodoxos).635
Especialmente influente foi a ênfase de Kierkegaard na abordagem subjetiva
de Deus, que foi discutida no último capítulo. A maioria dos teólogos neo-
ortodoxos concordava com ele que Deus não poderia ser abordado por nenhum
meio racional, como provas, demonstrações históricas ou outros meios de veri-
ficação. Muitos também aceitaram a crença de que a fé implicava um “salto”
irracional.636
É nas obras de Barth que provavelmente se pode ver a influência mais forte
de Kierkegaard neste último ponto. Barth também acreditava que Deus deve
ser abordado pela fé e não por meios objetivos. Na verdade, sua metodologia
gira em torno da analogia da fé. Este conceito foi talvez desenvolvido de forma
mais consistente na obra de Barth Anselm: Fides Quaerens Intellectum,637 on-
de este teólogo concluiu que o argumento ontológico de Anselmo para a exis-
tência de Deus não era uma prova filosófica formulada para induzir a fé, pois
Anselmo não precisava de tal ímpeto para acreditar.638 Argumenta-se que An-
selmo admitiu que a existência de Deus era conhecida pela fé e não por tais
demonstrações de Sua existência. Isso é verdade, afirma Barth, porque é im-
possível aprender sobre Deus por qualquer tipo de prova. Acreditamos Nele
não porque sabemos que Ele existe por meio de vários procedimentos de veri-
ficação, mas porque Ele se revelou a nós, especialmente pela fé.639
635
Veja a introdução a Kierkegaard no capítulo 7 para muitos desses detalhes. Cf. também Heinec-
ken, “Kierkegaard's Lake,” em Marty e Peerman, Ibid., p. 136.
636
Ramm, Um Manual de Teologia Contemporânea, op. cit., pp. 74–76, 79–80, 89–92.
637
Karl Barth, Anselm: Fides Quaerens Intellectum, traduzido por Ian W. Robertson (Richmond:
John Knox Press, 1960).
638
Ibid., pp. 39–40, 101, 151.
639
Ibid., pp. 18–20, 80, 86, 128, 152.
166

Por esta razão, Barth rejeita a analogia do ser, que tenta argumentar a exis-
tência de Deus por várias demonstrações. Esta é uma tentativa frustrada de ob-
ter conhecimento de Deus à parte da fé. Visto que a fé não é primária em tal
sistema, ela deve ser substituída pela analogia da fé.640
Assim, para Barth (assim como para Kierkegaard), a fé é primordial. A
abordagem adequada de Deus é a aceitação da fé sem tentar verificar essa
crença por meio de provas.641
Quando alguém se esforça para examinar a visão de Barth sobre a ressurrei-
ção de Jesus, é importante ter em mente seu método, centrado na analogia da
fé. Por causa dessa metodologia, Barth (novamente como Kierkegaard) não
acredita que seja possível demonstrar esse evento ou usá-lo como a razão pela
qual devemos acreditar em Deus. Isso porque Deus só pode ser abordado pela
fé e não por demonstrações como as dos eventos históricos.
É especialmente no período inicial do pensamento de Barth que a ênfase di-
alética na teologia neo-ortodoxa642 desempenhou um papel importante. A
abordagem da ressurreição é um bom exemplo de como essa dialética pode ser
aplicada à teologia. Barth foi, por exemplo, capaz de dizer “Sim” para a ressur-
reição de Jesus ser um evento real e “Não” para ser um fato histórico como ou-
tras ocorrências que podem ser verificadas historicamente. Isso soa contraditó-
rio, mas afirma-se mesmo assim:

Na Ressurreição, o novo mundo do Espírito Santo toca o velho mundo da carne,


mas toca-o como uma tangente toca um círculo, ou seja, sem tocá-lo… A Res-
surreição é, portanto, um acontecimento na história… Mas… a Ressurreição não
é um evento na história em tudo.643

Temos aqui uma ilustração que apresenta uma aparente contradição em ter-
mos. No exemplo escolhido pelo autor, deve-se sustentar que a tangente toca o
círculo ou que não toca. Mas Barth afirma ambos. Este exemplo serve para
ilustrar um ponto de sua teologia, porque de maneira semelhante ele também

640
Ver Hans Urs von Balthasar, The Theology of Karl Barth, traduzido por John Drury (Nova York:
Holt, Rinehart e Winston, 1971), p. 148 e Herbert Hartwell, The Theology of Karl Barth (Londres:
Gerald Duckworth and Company, 1964), pp. 49, 56, 184.
641
Barth, Anselm, op. cit., pp. 18-20, 128, 39-40; cf. von Balthasar, Ibid., p. 128
642
Entre outras facetas, a teologia neo-ortodoxa (também denominada teologia dialética) afirma que
existe um vasto abismo entre Deus e o homem. Como resultado, existe uma tensão entre as coisas de
Deus e as coisas do homem. Uma resposta de “sim” e “não” é, portanto, dada por esses teólogos a
certas questões pertinentes a esse relacionamento. Um possível exemplo dessa posição aparentemen-
te contraditória é que a Bíblia é tanto a Palavra de Deus quanto a palavra do homem. Assim, pode-se
responder “sim” e “não” à questão de saber se a Bíblia é obra de escritores humanos. Ver Ramm, A
Handbook of Contemporary Theology, op. cit., pp. 35–36.
643
Barth, A Epístola aos Romanos, op. cit., pág. 30.
167

afirma que a ressurreição é e não é um evento histórico. À questão de saber se


a ressurreição é um evento real da história, recebemos, portanto, uma resposta
“sim” e “não”.
Mas como isso é possível? Barth sustenta o caráter maligno essencial do
mundo, que é maculado pelo pecado. Como tal, o mundo se opõe a Deus e
Seus propósitos. Se Cristo fosse realmente entrar na história real do mundo,
então ele também participaria desse mal.644 Para Barth, “se a Ressurreição for
trazida para o contexto da história, ela deve compartilhar sua obscuridade, erro
e questionabilidade essencial”.645
A única conclusão possível é que a ressurreição ocorreu “na fronteira de to-
da a história humana visível”.646
É uma ocorrência histórica, mas não no sentido normal da palavra “histó-
ria”. Na verdade, pode ser considerado, de certa forma, uma ocorrência não
histórica.647
Barth continuou um tipo semelhante de raciocínio em outros trabalhos ante-
riores também. Em 1920, ele ensinou que a ressurreição de Jesus “não chegou
a tempo. Não é uma coisa temporal entre outras.”648 Uma distinção importante
é feita a seguir:

A ressurreição de Cristo... não é um evento histórico... embora seja o único


acontecimento real na história (os itálicos e as palavras são de Barth).649

Mais uma vez, vemos a distinção entre um evento ocorrendo e o fato de ele fa-
zer parte da história. A ressurreição pode realmente ter ocorrido e ainda não
acontecer como outros eventos para este estudioso. Barth chega a dizer que
não devemos perguntar se é histórico ou não, pois esse evento é um bom
exemplo do não-histórico e do impossível.650 Embora seja um evento real, não
pode ser provado ou demonstrado que tenha ocorrido.651
Em 1924, Barth publicou sua obra A Ressurreição dos Mortos.652 Aqui está
contida essencialmente a mesma visão da ressurreição que estava presente em

644
Veja a análise penetrante de Daniel Fuller, op. cit., pp. 82–84
645
Barth, The Epistle to the Romans, op. cit., p. 204.
646
Ibid., p. 203.
647
Ibid., cf. pp. 30, 195, 203.
648
Karl Barth, The Word of God and the Word of Man, traduzido por Douglas Horton (New York:
Harper & Brothers, 1957), p. 89. Os ensaios deste livro datam de 1916-1923.
649
Ibid., p. 90.
650
Ibid., p. 91.
651
Ibid., p. 92; cf. p. 120.
652
Karl Barth, The Resurrection of the Dead, traduzido por H. J. Stenning (Nova York: Fleming H.
Revell Company, 1933).
168

suas obras anteriores.653 Este evento é novamente apresentado como ocorrendo


na fronteira (ou limite) da história de tal maneira que só pode ser entendido
como revelação de Deus e não comprovado ou demonstrado pela história.654
Uma opinião adicional é ainda dada e esclarecida neste trabalho. Barth co-
rajosamente afirma que teorias críticas alternativas sobre a ressurreição podem
até ser verdadeiras, pois não faz nenhuma diferença real se a tumba foi fechada
ou aberta naquela manhã da primeira ressurreição. Aceitamos a ressurreição de
Jesus pela fé e não por causa de qualquer evidência histórica. Assim, esta ocor-
rência não pode ser investigada ou testada. Não é possível provar que ocor-
reu.655 Portanto, se houvesse repórteres presentes no túmulo de Cristo naquela
primeira manhã, eles não teriam sido capazes de verificar este evento.
Esta última interpretação foi confirmada pelo teólogo americano Carl F. H.
Henry, que questionou Barth sobre este mesmo assunto quando ele visitou a
América alguns anos atrás. Quando Henry perguntou se nossos corresponden-
tes de notícias poderiam ter relatado a ressurreição se estivessem lá para inves-
tigá-la, Barth respondeu dizendo que era um evento privado apenas para os
discípulos. Quando a reunião terminou, um dos repórteres comentou com Hen-
ry que os outros escritores haviam entendido claramente a resposta de Barth.
Eles sabiam que Barth estava negando que eles pudessem ter testemunhado ou
investigado este evento.656
Assim, percebemos a visão do primeiro Barth sobre a ressurreição de Jesus.
Embora se acredite que esse evento tenha ocorrido, não é um evento da histó-
ria real que possa ser investigado e demonstrado como outros fatos históricos.
Ao contrário, é uma ocorrência da super-história.657 Portanto, a ressurreição
também aconteceu em um tipo diferente de história do que outros eventos.658
A posição de Barth mudou substancialmente após sua nova ênfase na ana-
logia da fé em sua obra sobre Anselmo?659 De acordo com Daniel Fuller, ele
deu mais atenção à questão da historicidade, mas continuou a rejeitar a ressur-

653
Daniel Fuller, op. cit., pp. 89–90
654
Barth, The Resurrection of the Dead, op. cit., pp. 134, 138, 139.
655
Ibid., pp. 135–38.
656
Carl F. H. Henry, editor, Jesus of Nazareth: Savior and Lord (Grand Rapids: William B. Eerd-
man's Publishing Company, 1960), p. 11.
657
Karl Barth, Theology and Church: Shorter Writings 1920–1928, traduzido por Louise Pettibone
Smith (Nova York: Harper & Row, 1962), p. 62.
658
Veja Montgomery, Where Is History Going?, op. cit., pp. 111–12; cf. pág. 115 e Charles C. An-
derson, The Historical Jesus: A Continuing Quest, op. cit., pág. 157, nota de rodapé número 3, por
exemplo. Voltaremos mais tarde à concepção de Barth da ressurreição como tendo ocorrido em uma
história diferente da de outros eventos.
659
Sobre o interesse primário de Barth pela dialética e seu interesse primário posterior pela analogia
da fé, ver von Balthasar, op. cit., pp. 78–80, 90, 92–93.
169

reição como um evento que pode ser verificado de qualquer maneira.660 No en-
tanto, percebe-se prontamente essa mudança, pois parece que mais crédito é
dado ao caráter histórico dessa ocorrência. A objetividade da ressurreição é
ainda mais enfatizada, especialmente o fato de que os discípulos realmente vi-
ram Jesus.661 Mas Barth deixou claro que ainda não sustentava que os fatos do
Jesus histórico deveriam ser enfatizados.662
Apesar dessa nova ênfase, no entanto, ainda é óbvio que Barth relega a res-
surreição de Jesus a algo diferente da história na qual outros eventos aconte-
cem. Eventos sagrados como a ressurreição não podem ser submetidos a uma
visão já existente da história. Em vez disso, a revelação de Deus por meio de
tais ocorrências exige um tipo particular de história, uma variedade um tanto
não objetiva e não demonstrável. Para Barth, existe tal definição de história
que difere da compreensão moderna desta palavra, e é nesta “meta-história”
que Jesus é considerado como tendo ressuscitado dos mortos. Este evento é
considerado não-histórico por aqueles que tentam impor-lhe o significado con-
temporâneo da história.663
Na principal obra de Barth, Church Dogmatics, podemos perceber clara-
mente a continuação dessa postura. Diz-se que a ressurreição ocorreu em um
tipo peculiar de história.664 À medida que “passamos da história da paixão para
a história da Páscoa, somos levados a uma esfera histórica de um tipo diferen-
te”.665 Isso ocorre porque a “morte de Jesus certamente pode ser pensada como
história no sentido moderno, mas não a ressurreição… a história da ressurrei-
ção não é história nesse sentido”.666
Barth dá alguma indicação vaga quanto à natureza da história na qual ele
acredita que a ressurreição ocorreu. Ele relata vários fatos que ajudam a enten-
der esse modo peculiar de averiguar certos incidentes do passado. Primeiro,
uma vez que este evento faz parte da revelação de Deus (e, portanto, um ato de
Deus), é diferente de outras ocorrências desde o início.667 Mas esta não é a
única razão que nos é dada para explicar por que a ressurreição é percebida

660
Daniel Fuller, op. cit., pp. 147–48.
661
Essa maior ênfase na realidade da ressurreição de Jesus é especialmente perceptível na Dogmáti-
ca da Igreja de Barth, op. cit., vol. 4, parte 1, pp. 302, 309, 318, 336–37, 351–52, por exemplo. Veja
também Dogmatics in Outline, de Barth, traduzido por G. T. Thompson (Nova York: Harper &
Row, 1959), pp. 122–23. Cf. Hartwell, op. cit., pp. 122–23.
662
Karl Barth, How I Changed My Mind (Richmond: John Knox Press, 1966), ver p. 69 para um
exemplo de sua atitude.
663
Karl Barth, The Faith of the Church, editado por Jean-Louis Leuba, traduzido por Gabriel Vaha-
nian (Nova York: Meridian Books, 1958), pp. 107-1 96–99.
664
Barth, Church Dogmatics, op. cit., vol. 4, part 1, p. 335.
665
Ibid., p. 334.
666
Ibid., p. 336.
667
Ibid., pp. 300–301.
170

como ocupando um tipo diferente de história. Dizem-nos, em segundo lugar,


que esse evento talvez seja mais propriamente visto como uma “saga” ou uma
“lenda”. Como tal, é denominado “pré-história” porque não pode ser entendido
historicamente no sentido moderno da palavra.668 Aqui Barth identifica seu
conceito mais de perto. Há também outras diferenças entre essa pré-história e o
conceito moderno de história. Por exemplo, em terceiro lugar (como observa-
mos acima), não apenas não se pode provar que a ressurreição ocorreu, mas tal
prova nem deveria ser tentada.669 É, portanto, diferente de outros eventos que
podem ser verificados pela pesquisa histórica. Quarto, Barth corajosamente
anuncia que não faz diferença se o túmulo de Jesus foi aberto ou fechado na
primeira manhã da ressurreição, pois a fé pode seguir-se a partir dele, no en-
tanto. Desta forma, ele afirma que o caráter histórico deste evento não fornece
fundamento para a fé.670
A compreensão de Barth sobre a ressurreição, portanto, parece ser um con-
ceito bastante difícil de entender. Não apenas o caráter revelador inicial desse
evento, mas também o próprio evento é pré-história ou meta-história. Não po-
de ser verificado como outros incidentes e é construído de tal forma que a fé
nele pode permanecer mesmo sem vários elementos das narrativas. Apesar
dessas características que tendem a apontar para longe da historicidade desse
evento e apesar da insistência em um tipo diferente de história,671 Barth ainda
afirma que não podemos, portanto, dizer que Jesus não ressuscitou, ou que ele
ressuscitou. assim apenas em um sentido espiritual. Devemos entender que es-
se estudioso ainda acreditava que Jesus ressuscitou dos mortos no tempo e no
espaço de maneira objetiva. Jesus tinha um corpo e podia ser visto, ouvido e
percebido como tendo realmente ressuscitado dos mortos.672 Embora essa con-
cepção da ressurreição pareça bastante contraditória,673 é outro exemplo do uso
da dialética por Barth. Ele responde “Sim” e “Não” à questão de saber se Jesus
ressuscitou dos mortos na história humana real.
Vimos que, quer falemos do Barth primitivo ou tardio, estamos lidando
com uma visão da ressurreição que é essencialmente a mesma. Embora uma
nova ênfase seja colocada na ocorrência real desse evento nos estágios posteri-
ores do trabalho desse estudioso, a crença de que a ressurreição não é história
no mesmo sentido que outros eventos e, portanto, não pode ser provada, ainda
persiste. Vale ressaltar que Kierkegaard também aceitou essa ocorrência como
668
Ibid., p. 336; cf. Barth’s The Faith of the Church, op. cit., p. 99.
669
Ibid., especially p. 335; see also pp. 300, 341
670
Cf. A obra de Barth, A Ressurreição dos Mortos, op. cit., pág. 135 com Ibid., p.335.
671
De fato, em The Faith of the Church, Barth observa que está utilizando uma definição diferente
de história quando afirma que eventos como a ressurreição ocorreram (op. cit., pp. 98-99).
672
Barth, Church Dogmatics, op. cit., vol. 4, part 1, pp. 336–37, 351–52.
673
Mais será dito sobre essa crítica mais tarde.
171

um enigma para a história, um paradoxo que não pode ser compreendido ou


demonstrado pela pesquisa histórica. Só pode ser abraçado pela fé e não pelo
intelecto.674
A visão de Barth sobre a ressurreição foi discutida em profundidade, com
ênfase colocada principalmente em sua compreensão desse evento como um
tipo de pré-história que não é a velha visão liberal do mito, mas também não é
de completa objetividade histórica.675 Temos nos empenhado em ser justos
nesta apresentação, procurando lidar adequadamente com ambos os lados des-
sa ênfase. Resta-nos agora avaliar esta abordagem.
Quatro grandes críticas à visão de Karl Barth sobre a ressurreição serão
apresentadas agora. A primeira, e uma das críticas mais abrangentes, envolve a
crença de que a ressurreição ocupa uma espécie de para-história que inclui al-
guns aspectos da história objetiva, enquanto outras facetas da história são
abandonadas. Aqui reside um problema principal da interpretação de Barth.
Um evento deve ser algum tipo de mito que nunca ocorreu literalmente na
história humana real, ou deve ter ocorrido nessa mesma história. Mas Barth
afirma que a ressurreição não é mito nem história real no sentido moderno. Em
vez disso, esse evento ocorre em algum tipo de história redentora ou religio-
sa.676 No entanto, a história simplesmente não conhece esse terreno intermedi-
ário, seja ele denominado pré-história, saga ou lenda, ou referido como o limi-
te ou fronteira da história.677 Como Wand aponta tão perspicazmente,

A história se preocupa apenas com os eventos que acontecem dentro do conti-


nuum espaço-tempo. Eventos, reais ou imaginários, que ocorrem em uma esfera
eterna ou espiritual não são o assunto apropriado da história. A razão é que a
história não tem ferramentas para lidar com tais eventos.678

Em outras palavras, a história só pode se preocupar com eventos que ocorrem


no espaço e no tempo de tal forma que possam ser investigados pelas ferra-
mentas da pesquisa histórica. Uma vez que não há meios pelos quais os even-
tos que ocorrem em uma esfera intermediária espiritual possam ser investiga-
dos, eles não estão realmente dentro do escopo da história. Como Wand afir-
ma, eventos religiosos que são percebidos como tendo acontecido apenas em
um reino tão indescritível não podem ser considerados propriamente como his-

674
Veja especialmente o Postscript não científico conclusivo de Kierkegaard, op. cit., pp. 188-90 e a
discussão acima sobre Kierkegaard. Cf. Marrom, op. cit., pág. 59.
675
Cf. A Palavra de Deus e a Palavra do Homem de Barth, op. cit., pág. 90.
676
Barth, Church Dogmatics, op. cit., vol. 4, part 1, pp. 300–301, 334, 336.
677
Barth usa essas palavras descritivas para se referir ao seu conceito de redenção ou história espiri-
tual. Ver Ibid., p. 336 e A Ressurreição dos Mortos, op. cit., pp. 134, 139.
678
Wand, op. cit., p. 23.
172

tória, sejam eventos reais ou não. Os fatos históricos devem, portanto, estar
abertos à verificação e à pesquisa.
É certo que a ressurreição (se for constatada) teria uma origem diferente de
outros eventos porque, como tal, entraria na história como um ato direto de
Deus. O fato de que a ressurreição de Jesus não foi produzida por nenhum
meio natural, como causação histórica, não deve ser menosprezado. Barth está
correto ao afirmar que é possível que um evento tenha sua causa na ação divi-
na e ainda faça parte da história. Assim, a ressurreição seria única no sentido
de que esse evento teria que ter se originado em Deus.
Mas há uma imensa diferença entre dizer que essa ocorrência seria única
por ser resultado direto da revelação de Deus e dizer que, como tal, não pode
ser investigada. É aqui que a polêmica de Barth falha visivelmente. O ponto
aqui é que uma vez que essa ocorrência entra no domínio da história (mesmo
que a entrada real seja única), ela deve estar aberta à investigação histórica.
Renunciar a tal verificação significa que ela não se torna história normal de
forma alguma. Assim, retirar tal evento da investigação, como faz este estudi-
oso, não é válido. Seria preciso retirá-la também do âmbito da história para
isolá-la de tais procedimentos históricos.
Portanto, não se pode afirmar que certos eventos realmente ocorreram e de-
pois acrescentar que não podemos falar historicamente sobre eles ou investigá-
los. Ou a ressurreição realmente aconteceu na história verificável ou não acon-
teceu na história normal. Mas não vamos empregar palavreado teológico fanta-
sioso para afirmar sua ocorrência em um reino de pensamento inverificável,
inobservável e contraditório!
Pannenberg concorda com essa crítica à visão de Barth. Ele afirma expres-
samente:

Se abrirmos mão do conceito de evento histórico aqui, então não é mais possível
afirmar que a ressurreição de Jesus ou que as aparições do Jesus ressuscitado re-
almente aconteceram em um tempo definido em nosso mundo. Não há justifica-
tiva para afirmar a ressurreição de Jesus como um evento que realmente aconte-
ceu, se não for para afirmá-la como um evento histórico como tal. Se um evento
particular aconteceu ou não há dois mil anos, não é garantido pela fé, mas ape-
nas pela pesquisa histórica, na medida em que a certeza pode ser obtida sobre
questões desse tipo. em relação aos eventos de um tempo passado é a pesquisa
histórica.679

Conforme apontado aqui, é impossível para um teólogo como Barth dizer que
um evento ocorreu, mas não na mesma história objetiva em que outros eventos
ocorrem. Como Pannenberg habilmente aponta, é incorreto afirmar estar fa-
679
Pannenberg, Jesus—God and Man, op. cit., p. 99.
173

lando da ressurreição de Jesus como um evento histórico se, como tal, só pode
ser conhecido pela fé e não pela pesquisa histórica. Se alguém afirma que algo
não pode ser investigado, também não pode dizer que o evento ainda aconte-
ceu em um determinado momento neste mundo. Vemos, assim, que é impossí-
vel para Barth afirmar que a ressurreição realmente ocorreu enquanto ainda
tem o entendimento de que esta ocorrência não está na história objetiva e veri-
ficável. Tal evento não é realmente história porque tal conceito de história não
existe. Portanto, também é impossível simplesmente afirmar que esse evento
ainda aconteceu como outros incidentes no passado.
Como historiador, Montgomery também se opõe ao uso da pré-história por
Barth. A ilustração a seguir é apresentada para demonstrar a tolice de tal con-
ceito:

Eu me pergunto o que você diria - o que Barth diria - se eu afirmasse que no


meu quintal há um grande elefante verde comendo uma casquinha de sorvete de
framboesa, mas que não há como, por meio de investigação empírica, determi-
nar que ele está lá. No entanto, sustento, de fato, que está lá em todos os senti-
dos objetivos e factuais. Agora, tenho a sensação de que você consideraria isso
como uma afirmação de que o elefante está lá e está sujeito a investigação empí-
rica, ou argumentaria que não existe pelo próprio fato de que não há como de-
terminar o fato. Eu me pergunto se isso não aponta o problema. Reivindicar a
objetividade, mas remover qualquer possibilidade de determiná-la é, por defini-
ção, destruir a objetividade.680

A crítica de Montgomery é bem justificada. Um evento histórico deve estar


aberto à investigação ou não pretender ser história pela mesma razão que não
pode ser investigado. Destruímos o conceito de objetividade histórica quando
tentamos determinar que essa própria objetividade não pode ser testada. Qual-
quer reivindicação de um “meio termo” histórico da pré-história removida de
tais processos de verificação é tão precisa e aceitável quanto a afirmação rela-
tiva à existência do elefante verde.681 Montgomery concorda com outros que a
ideia de para-história é estranha tanto à própria história quanto aos registros
bíblicos.682
Outros teólogos também notaram a tendência de Barth de confiar no con-
ceito de pré-história e as subsequentes fraquezas em sua abordagem da ressur-
reição que resultaram. Eles percebem que os historiadores não reconhecem tal

680
Montgomery, History and Christianity, op. cit., pp. 87–88.
681
Ibid., cf. also pp. 106–7.
682
Montgomery, Where Is History Going?, op. cit., pp. 111–12; cf. p. 115.
174

domínio da história e que a própria afirmação de que tal domínio existe com
características históricas e não-históricas é em si contraditória.683
A segunda grande crítica a Barth é bastante semelhante a uma das princi-
pais objeções a Kierkegaard e, portanto, não será muito trabalhada aqui. Em-
bora Barth afirme que a ressurreição ocorreu literalmente, vimos como ele ne-
ga qualquer possibilidade de verificar esse evento. Na verdade, tal procedi-
mento nem deveria ser tentado.684 Assim, apesar de suas afirmações enfáticas
de que a ressurreição ocorreu, sua visão também é vítima da crítica de que não
há como alguém verificar se a fé cristã é válida ou não. Já vimos que a fé não
pode ficar sozinha e ser seu próprio critério e prova para a crença. Essas quali-
dades subjetivas e pessoais não fornecem nenhuma razão para que outra pes-
soa acredite nesse sistema específico ou aceite o cristianismo em detrimento de
pontos de vista alternativos. A fé simplesmente não é uma panacéia para todos
os problemas teológicos, porque não há razão para aceitar essa fé se não hou-
ver fundamentos nos quais suas reivindicações possam ser baseadas. Apesar da
defesa de Barth da fé como o único caminho (em oposição a qualquer pesquisa
histórica ou outra abordagem racional), ainda permanece que essa fé não pode
verificar a si mesma ou demonstrar sua própria validade. Isso só pode signifi-
car que não se pode saber se os fundamentos da crença são sólidos ou não.
Não há razão lógica para aceitar tal fé.
Em outras palavras, dizer que Jesus realmente ressuscitou dos mortos, mas
que este evento só pode ser aceito pela fé (sem verificação) é deixar toda a fé
em questão. É claro que Barth não está interessado em verificar os fundamen-
tos do cristianismo. Mas sem tais critérios objetivos nunca se pode saber se a
fé de alguém é completamente vã ou não.
Montgomery também percebeu a força de tal crítica. Apropriar-se de um fa-
to pela fé não pode tornar essa crença factual. Simplesmente começando com
fé, não temos certeza de chegar a uma solução verdadeira e viável, porque a
admoestação de “ter fé” não pode garantir que as crenças de alguém sejam
mais corretas. Portanto, se a fé não tem seu ponto de partida em eventos obje-

683
Além dos listados acima, ver, por exemplo, Henry, op. cit., pp. 11–12 e os próprios comentários
de Henry no debate sobre a ressurreição (ele era um participante) registrados no apêndice de Mon-
tgomery's History and Christianity, op. cit., pp. 85, 96, 105. O aspecto contraditório do conceito de
Barth também foi confirmado por Clark Pinnock em correspondência pessoal com este escritor, da-
tada de 19 de julho de 1971. Ver também Daniel Fuller, op. cit., pp. 82–84; cf. pp. 69, 71. Charles
Anderson, em The Historical Jesus: A Continuing Quest, op. cit., pp. 157–58, nota de rodapé núme-
ro 3, e Ramm, em A Handbook of Contemporary Theology, op. cit., pág. 90, observe também a posi-
ção de Barth.
684
Por exemplo, ver especialmente Church Dogmatics, de Barth, op. cit., vol. 4, parte 1, p. 335.
175

tivos e verificáveis, não há como alguém determinar se o cristianismo é o sis-


tema de fé preferível no qual depositar sua confiança.685
Portanto, percebemos o que foi dito anteriormente. A fé não pode criar a
verdade, por mais intensa que seja no indivíduo. Assim, a fé não pode se fazer
valer por sua intensidade ou pelo fervor com que é exercida. Por isso, é impor-
tante que o indivíduo saiba se sua fé é válida, e os critérios objetivos são os
mais adequados para esse fim.
As duas últimas críticas de Barth são críticas internas. A terceira grande crí-
tica diz respeito ao entendimento de Barth sobre a revelação de Deus nos even-
tos humanos. Foi mostrado como este estudioso afirma que Deus se revela em
certos atos reveladores que ocorrem na pré-história do homem e não como
uma parte real da história verificável.686 Mas se a revelação não é dada objeti-
vamente em fatos históricos que estão abertos à pesquisa histórica, então a
morte de Jesus não pode ser reveladora porque até mesmo Barth acredita que a
crucificação é história no sentido moderno da palavra.687 Mas Barth também
sustenta que a crucificação é parte da revelação de Deus, uma vez que Jesus
morreu uma morte substitutiva para pagar pelos pecados daqueles que entre-
gam sua vida a Deus pela fé.688 Aqui encontramos uma inconsistência interna.
Se alguém sustenta que a morte de Jesus é parte da revelação de Deus ao ho-
mem (como Barth está correto ao fazer), então deve-se abandonar a ideia ante-
riormente sustentada de que Deus nunca age significativamente nesse tipo de
história. E se rejeitarmos isso, isso também significa que a ressurreição tam-
bém pode ser uma história objetiva e verificável e também um evento revela-
dor.689
A quarta crítica principal ao tratamento de Barth sobre a ressurreição é que
esse teólogo sustenta que o próprio Novo Testamento não faz nenhuma tenta-
tiva de demonstrar ou provar que a ressurreição ocorreu. Ele afirma, ao contrá-
rio, que os primeiros cristãos estavam interessados apenas em aceitar esse
evento pela fé. Assim, Paulo, por exemplo, não estava tentando apresentar uma
prova dessa ocorrência citando as testemunhas em 1 Coríntios 15.690

685
Montgomery, History and Christianity, op. cit., pp. 99–101, 106–7.
686
Ramm, A Handbook of Contemporary Theology, op. cit., p. 90
687
Barth, Church Dogmatics, op. cit., vol. 4, part 1, p. 336; cf. p. 334.
688
Ibid., pp. 248-54, por exemplo. Ver Ramm, A Handbook of Contemporary Theology, op. cit., pp.
16, 108.
689
Ver Henrique, Jesus de Nazaré: Salvador e Senhor, op. cit., pág. 10 onde essa crítica também é
desenvolvida.
690
Essa tendência de acreditar que o Novo Testamento nunca teve a intenção de demonstrar que a
ressurreição realmente aconteceu é evidente tanto no Barth inicial quanto no tardio. Ver seu trabalho
anterior A Ressurreição dos Mortos, op. cit., pp. 131–38 e sua obra posterior Church Dogmatics, op.
cit., vol. 4, parte 1, p. 335.
176

Já foi notado acima que esta porção deixa bem claro que, embora Paulo es-
teja falando da fé dos cristãos do primeiro século, ele também está explicando
como esta fé tem sua base em fatos históricos e objetivos. O texto mostra cla-
ramente que Paulo pretende citar provas aqui, especialmente no versículo seis,
onde somos informados de que a maioria das testemunhas ainda estava viva e
poderia, assim, prestar depoimento sobre esses eventos. Esse testemunho, por
sua vez, forneceria corroboração histórica de testemunhas oculares para as
afirmações de Paulo.
Mesmo Bultmann discorda de Barth aqui, observando também que Paulo
pretende usar a lista das aparições de Jesus como prova da ressurreição.691
Bultmann observa que havia duas provas atuais para este evento, ambas en-
contradas em 1 Coríntios 15. Houve o apelo ao testemunho ocular, como per-
cebemos aqui (especialmente 15:5–8) e o apelo ao o cumprimento da profecia
do Antigo Testamento (15:3-4).692 O testemunho de Bultmann é valioso neste
ponto principalmente porque é aparente que Barth deseja usar a Escritura para
reforçar sua polêmica,693 enquanto Bultmann realmente se opõe ao uso de tal
prova por Paulo, apesar de acreditar que ele faz exatamente isso.694 É claro que
esse desejo não significa em si que Barth esteja necessariamente errado. Mas
parece que Bultmann é mais preciso ao determinar os motivos óbvios de Paulo
aqui.
Reginald Fuller é um pouco próximo de Barth em sua visão sobre esta
questão. Ele sustenta que a intenção primária de Paulo era identificar sua pre-
gação da ressurreição com a das primeiras testemunhas oculares. Mas ele tam-
bém acredita que Paulo pretendia relatar os relatos de testemunhas oculares pa-
ra provar que Jesus realmente apareceu a seus seguidores. Ele também concor-
da que 1 Coríntios 15:6 é o principal indicador do fato de que Paulo está esta-
belecendo evidências para serem usadas como prova dessas aparições.695
Mas há outras porções do Novo Testamento que também estabelecem o fato
de que outros autores além de Paulo se esforçaram tanto para provar a ressur-
reição quanto para usar esse evento como base para o estabelecimento de ou-
tras crenças, ao contrário da visão de Barth. Foi mostrado acima como os
evangelhos em particular procuraram demonstrar a realidade da ressurreição
de Jesus, enfatizando que ele apareceu a seus discípulos em forma corporal.
Embora o novo corpo tenha sofrido algumas mudanças, é relatado que Jesus
permitiu que seus seguidores examinassem e investigassem esse novo corpo.

691
Bultmann, “Novo Testamento e Mitologia,” em Kerygma and Myth, op. cit., pág. 39.
692
Bultmann, Theology of the New Testament, vol. 1, p. 82.
693
Ver Barth's Church Dogmatics, vol. 4, parte I, pp. 334–36.
694
Bultmann, “New Testament and Mythology,” in Kerygma and Myth, op. cit., p. 39.
695
Reginald Fuller, op. cit., p. 29.
177

Somos até informados de que Jesus foi tocado e “segurado”, demonstrando as-
sim que ele estava vivo. Essa ênfase é especialmente evidente em passagens
como Lucas 24:36–43,696 onde ampla evidência dessa tentativa de provar que
Jesus ressuscitou está prontamente disponível.697 É-nos dito até mesmo em
Atos 1:3 que Jesus “apresentou-se vivo depois da sua paixão por muitas pro-
vas” (RSV). De fato, a palavra grega usada aqui para “prova” (tekmeriois) sig-
nifica literalmente uma prova positiva ou certa.698 Assim, vemos que era inten-
ção de vários autores do Novo Testamento provar que Jesus havia ressuscita-
do.
Além disso, deve-se mencionar que a ressurreição também é usada no Novo
Testamento como prova para outras doutrinas cristãs. Por exemplo, Atos
17:30–31 mostra que a igreja primitiva acreditava que Deus confirmava os en-
sinamentos terrenos de Jesus ao ressuscitá-lo dentre os mortos.699 Atos 2:36 e
Romanos 1:4 são outros exemplos que apontam para Jesus sendo aceito como
o Senhor, o Messias e o Filho de Deus, com base na ressurreição.700
Assim, vemos que Barth também não pode confiar nas Escrituras para apoi-
ar sua tese. A alegação de que o Novo Testamento não procura provar ou de-
monstrar que a ressurreição realmente ocorreu simplesmente não é apoiada pe-
los fatos.
Pelas razões que demos acima, torna-se evidente que a tese de Barth falha.
Essas quatro críticas de sua visão sobre a ressurreição apontam as principais
fraquezas às quais essa visão é mais vulnerável. Eles também revelam as ina-
dequações dessa abordagem.701

B. OUTRAS VISÕES RELACIONADAS

696
Além desta porção e 1 Coríntios 15:4–8, veja passagens como Mateus 28:8–9; João 20:17 (no
grego); 20:19–31; Atos 10:39–41.
697
Bultmann também acredita que os Evangelhos e Paulo se esforçam para provar que Jesus apare-
ceu aos apóstolos. Ele também reconhece que 1 Coríntios 15:3–8 e Lucas 24:39–43 são bons exem-
plos dessa tendência. Ver “O Novo Testamento e a Mitologia”, em Kerygma and Myth, op. cit., pág.
39.
698
Ver W. E. Vine, An Expository Dictionary of New Testament Words, quatro volumes em um (Old
Tappan: Fleming H. Revell Company, 1966), vol. 3, pp. 220–21. Ver também Robertson, op. cit.,
vol. 3, pág. 6.
699
Isso é admitido por Bultmann, “New Testament and Mythology”, em Kerygma and Myth, op. cit.,
pág. 39 e por Marxsen, op. cit., pág. 169. Marxsen observa que a pregação do arrependimento e a
crença no senhorio de Jesus são ambas baseadas na prova de que Jesus ressuscitou dos mortos, de
acordo com esses versículos.
700
Ver Bultmann, Teologia do Novo Testamento, op. cit., vol. 1, pág. 27.
701
Essas quatro críticas serão brevemente resumidas na conclusão da próxima seção.
178

Assim como Kierkegaard influenciou muito as opiniões de Barth, Barth tam-


bém influenciou muito as opiniões de muitos teólogos que o seguiram. Isso é
especialmente verdadeiro na questão da ressurreição de Jesus. Muitos teólogos
neo-ortodoxos proeminentes em particular aceitaram esses pontos de vista.
Por exemplo, o teólogo suíço Emil Brunner aparentemente afirma a crença
na ressurreição de Jesus como tendo realmente ocorrido.702 Mas, como Barth,
ele conclui que essa ocorrência não faz parte do domínio da história normal e
verificável. Ele relata que a ressurreição não é um evento que pode ser relatado
como é possível com outros eventos.703 Além disso, também aprendemos que
essa ocorrência não pode ser a base para a fé cristã.704 Brunner tem o cuidado
de enfatizar sua visão de que a crença do cristão na ressurreição de Jesus não
se baseia em nenhum registro contido no Novo Testamento, incluindo o teste-
munho sobre as aparições. Não podemos recorrer a meios históricos ou outros
de verificação deste evento. A fé vem independentemente de quaisquer de-
monstrações ou provas de que Jesus está vivo. A pessoa simplesmente aceita
isso pela fé.705
Dietrich Bonhoeffer também relega a ressurreição a um domínio diferente
da história normal. Ele afirma,

A historicidade de Jesus Cristo está, portanto, sob o duplo aspecto da história e


da fé. Ambos os aspectos estão intimamente associados. O Jesus da história
humilhou-se; o Jesus que não pode ser apreendido pela história é o sujeito da fé
na ressurreição.706

Portanto, devemos entender que a ressurreição de Jesus não é um evento que


possa ser compreendido historicamente. Não pode ser verificado ou provado,
mas apenas aceito pela fé. Bonhoeffer assim acreditava que a ressurreição re-
almente ocorreu, mas que deveria ser recebida pela fé, independentemente de
qualquer pesquisa histórica.707
Reinhold Niebuhr rejeitou a ressurreição de Jesus como um evento em seus
primeiros anos em Yale, quando ainda estava sob a influência da teologia libe-
ral, e parece que ele nunca mudou de ideia. A ressurreição física de Jesus teve

702
Emil Brunner, A Doutrina Cristã da Criação e Redenção, vol. 2 de Dogmatics, traduzido por Oli-
ve Wyon, 3 vols. (Filadélfia: The Westminster Press, 1952) p. 366. Veja também a obra de Brunner,
The Mediator, traduzida por Olive Wyon (Philadelphia: The Westminster Press, p. 153.
703
Brunner, The Mediator, Ibid., p. 573.
704
Brunner, Dogmatics, op. cit., vol. 2, p. 369; cf. p. 153.
705
Ibid., pp. 366–372; cf. Daniel Fuller, op. cit., pp. 155–56.
706
Dietrich Bonhoeffer, Christ the Center, traduzido por John Bowden (Nova York: Harper & Row,
1966), p. 76.
707
Ibid., pp. 74–77.
179

de ser abandonada como uma ocorrência real.708 No entanto, ele tratou isso
como para-história. Falando das narrativas da morte e ressurreição a respeito
de Jesus, ele conclui,

A história desse triunfo sobre a morte é, portanto, envolta em um mistério que a


coloca em uma ordem diferente da história da crucificação.709

Mais uma vez encontramos a crença de que a ressurreição não aconteceu na


história da mesma forma que a crucificação e, portanto, não pode ser demons-
trado que tenha ocorrido.
A influência de Barth estendeu-se ainda mais do que os teólogos neo-
ortodoxos na questão da ressurreição. Günther Bornkamm soa surpreendente-
mente como Barth em sua crença de que a ressurreição não está aberta à verifi-
cação histórica. Não pode ser provado ou observado como outros eventos. No
entanto, diz-se que ocorreu. Como tal, só pode ser entendido adequadamente
pela fé.710
Reginald Fuller fala da ressurreição como um evento meta-histórico e esca-
tológico. Algo ocorreu como revelação de Deus. No entanto, este evento não
pode ser verificado ou provado porque é compreendido apenas pela fé, tendo
ocorrido na fronteira entre a história deste mundo e a meta-história da era esca-
tológica que está por vir.711
Hans Grass também segue uma linha de pensamento um tanto semelhante à
de Barth. Para Grass, o método histórico não fornece base para investigar a
ressurreição. Esta ocorrência não pode ser abordada por tais métodos de racio-
cínio. Mas ele difere de Barth ao postular que as aparições de Jesus eram espi-
rituais e não físicas.712
Jürgen Moltmann acredita que a ressurreição ocorreu, mas que não pode ser
historicamente demonstrado que tenha acontecido no passado. O objetivo do
teólogo não deve ser examinar tais eventos passados, mas olhar para o futuro
em busca do significado deles. De qualquer forma, se fôssemos examinar a
ressurreição pelos padrões históricos modernos, descobriríamos que ela é his-
toricamente impossível e sem sentido.713

708
Ronald J. Stone, Reinhold Niebuhr: Profeta para os políticos (Nashville; Abingdon Press, 1972),
pp. 22–23, 82.
709
Reinhold Niebuhr, Faith and History (Nova York: Charles Scribner's Sons, 1949), p. 147.
710
Bornkamm, op. cit., pp. 180, 183–84.
711
Reginald Fuller, op. cit., pp. 23, 48, 81.
712
Veja o tratamento de Daniel Fuller da posição de Grass para críticas adicionais a ela (op. cit., pp.
150-56).
713
Jürgen Moltmann, Theology of Hope, traduzido por James W. Leitch (Nova York: Harper &
Row, 1967), pp. 165–202. Ver especialmente pp. 165, 172, 174, 177, 188-89, 197. Cf. Nelson R.
180

A resposta de Moltmann é buscar uma nova formulação do conceito de his-


tória. A ressurreição é um evento escatológico e, como tal, pode ser apreendi-
do historicamente apenas quando é visto quanto ao seu significado futuro.714
Assim, embora Moltmann aparentemente rejeite a visão da pré-história,715 ele
ainda sustenta que a ressurreição deve ser relegada a um conceito de história
diferente, de orientação escatológica. Ele é bastante específico em sua crença
de que a ressurreição não era observável e que esse evento não pode ser verifi-
cado no momento.716 Assim, ele também voa para um tipo diferente de história
em que eventos passados, como a ressurreição, não podem ser historicamente
comprovados como tendo ocorrido à parte da vindicação futura.717
Já apresentamos uma crítica dessas atitudes teológicas ao discutir a posição
de Karl Barth. Quase as mesmas críticas também se aplicam aos outros (pelo
menos aos teólogos neo-ortodoxos que discutimos). Talvez a principal crítica
envolva situar a ressurreição na pré-história ou na para-história. Embora os de-
talhes sobre qual domínio é esse possam diferir um pouco (estudamos a visão
de Barth em profundidade acima), as críticas do sociólogo da religião Peter L.
Berger ainda se aplicam. Primeiro, esta categoria não tem significado para um
estudioso que deseja investigar empiricamente os dados. Aquele que defende
tal visão da para-história já escolheu deixar o reino empírico da investigação.
Este conceito não tem sentido neste contexto. Em segundo lugar, este método
é reservado aos poucos que sentem que já atingiram a perspectiva adequada
em relação à teologia.718
Com algumas variações, o seguinte resumo de críticas se aplica pelo menos
a Barth e estudiosos como Brunner e Bonhoeffer. Eles também são mais ou
menos aplicáveis aos outros aqui cobertos, pelo menos em parte. Primeiro, a
história não conhece o conceito de pré-história. Não é possível medir ou inves-
tigar tal domínio. Além disso, a inclusão de características históricas e não his-
tóricas torna tal categoria contraditória. A história real pode ser investigada e
examinada para determinar se é válida ou não. Não se pode afirmar que um
evento é história real e depois não submetê-lo à investigação. Mesmo que um

Chamberlain, “Jürgen Moltmann; Apóstolo da Esperança Cristã?”, Christianity Today 18, no. 19 (21
de junho de 1974): 7, 8.
714
Moltmann, Ibid., see especially pp. 178–82, 190, 202.
715
Ibid., p. 178.
716
Jürgen Moltmann, Religion, Revolution and the Future, traduzido por M. Douglas Meeks (New
York: Charles Scribner's Sons, 1969), especialmente pp. 50–51.
717
Moltmann, Teologia da Esperança, op. cit., pp. 177–82, 190, 197. Cf. Robert J. Blaikie, "Secular
Christianity" and God Who Acts (Grand Rapids: William B. Eerdman's Publishing Company, 1970),
pp. 129-34. Veja o próximo capítulo sobre Pannenberg para uma crítica de uma posição um tanto
semelhante à de Moltmann, que também dá ao futuro o lugar de prioridade. Muitas das críticas apre-
sentadas no próximo capítulo também se aplicam a Moltmann.
718
Berger, op. cit., pp. 39–40.
181

evento meta-histórico fosse possível, ele deveria ser verificável ou não preten-
der ser história real. Portanto, esse conceito deve ser rejeitado. Em segundo lu-
gar, a ênfase na afirmação da ressurreição pela fé e a recusa em demonstrar es-
se evento por qualquer outro método significa que essa visão não é objetiva o
suficiente para fornecer razão suficiente para saber se a fé cristã é válida. Uma
crença intensa não pode tornar essa fé mais válida. Sem tais métodos de inves-
tigação, não podemos saber se tal fé é simplesmente em vão.
Em terceiro lugar, a teologia neo-ortodoxa afirma que a revelação de Deus
não ocorre primariamente na história real no sentido moderno da palavra.719
No entanto, Barth, por exemplo, baseia a revelação na morte de Cristo no que
ele admite ser um fato histórico real, embora se recuse a fazer isso no caso da
ressurreição. Ele é, portanto, internamente inconsistente ao sustentar que a res-
surreição também não pode ser baseada em fatos históricos reais. Quarto, pelo
menos Barth afirma que o Novo Testamento não tenta provar a ressurreição.
Os outros pelo menos concordam que seu evento não pode ser demonstrado.
Mas a afirmação de Barth não se baseia nas evidências disponíveis. Afirma-
ções contrárias no Novo Testamento invalidam essas afirmações e, portanto,
não podem ser usadas para apoiar essa tese.
Por essas razões, nossa conclusão aqui é que tal abordagem da ressurreição
é insustentável. Não se pode retirar este acontecimento e, posteriormente, toda
a fé cristã, do âmbito da investigação. Existem simplesmente muitas dificulda-
des para alguém manter tal posição. Mas, assim como na visão de Kierke-
gaard, a ênfase de Barth na fé e sua importância pode permanecer. Menciona-
mos acima como Barth concebeu a morte de Cristo como sendo uma morte
substitutiva para pagar pelos pecados daqueles que entregam sua vida a Deus
com fé.720 Essa visão da fé deve ser mantida. Como foi concluído anteriormen-
te no capítulo 4, a fé deve permanecer o elemento mais importante em um sis-
tema teológico. Isso se mostra ainda mais verdadeiro se houver uma base obje-
tiva sobre a qual repousar essa fé.

719
Ramm, A Handbook of Contemporary Theology, op. cit., pp. 90, 108.
720
Barth, Church Dogmatics, op. cit., vol. 4, parte 1, pp. 248–54, por exemplo.
182
183

Capítulo IX
Possibilidade número três: que a ressurreição ocorreu e
pode ser demonstrada
A. WOLFHART PANNENBERG: UMA INTRODUÇÃO

A terceira grande possibilidade a ser tratada neste trabalho é que a ressurreição


de Jesus realmente ocorreu e que esta ocorrência pode ser demonstrada.721
Começaremos examinando a posição de um estudioso muito importante na te-
ologia contemporânea hoje que sustenta essa visão. Este teólogo, Wolfhart
Pannenberg (nascido em 1928), é sem dúvida o representante mais conhecido
deste ponto de vista hoje.
Pannenberg recebeu muitos elogios nos últimos anos por causa de sua defe-
sa da historicidade da ressurreição. De fato, muitos o consideram “o teólogo da
ressurreição”.722 É este evento que forma a base de sua polêmica e que prepara
o palco para seu sistema teológico.723 Agora, não é de forma alguma exclusivo
defender a historicidade da ressurreição ou usá-la como base para o sistema te-
ológico de alguém.724 Mas Pannenberg é provavelmente o teólogo mais conhe-
cido por essas tendências. Portanto, ele se torna a escolha lógica como o prin-
cipal estudioso a ser tratado aqui.
Wolfhart Pannenberg é frequentemente conectado com uma nova escola de
teologia na Alemanha, que geralmente é chamada de “teologia da esperança”.
Essa compreensão geralmente otimista da teologia foi bem recebida nos Esta-
dos Unidos no final da década de 1960 por alguns dos principais jornais e re-
vistas. Essas publicações pareciam estar mais do que dispostas a relatar o fim
do reinado pessimista e de curta duração da “teologia da morte de Deus” e, em
vez disso, saudar seu “sucessor” mais esperançoso e tranquilizador.725
O motivo da esperança, de muitas maneiras, apresentou uma nova aborda-
gem à teologia, sendo parte de uma das primeiras escolas teológicas de pensa-
721
Quando se afirma que esse evento pode ser demonstrado, está sendo feita referência a probabili-
dades. Esses estudiosos sustentam que esse evento pode ser demonstrado com alta probabilidade por
uma abordagem razoável da fé cristã, que inclui um exame histórico dos fatos conhecidos.
722
Veja o ensaio introdutório do editor Richard John Neuhaus “Wolfhart Pannenberg: Profile of a
Theologian,” em Pannenberg’s Theology and the Kingdom of God, (Philadelphia: The Westminster
Press, 1969), pp. 9–50. Veja especialmente as pp. 10–11 para esta declaração.
723
Pannenberg, Revelação como História, op. cit., pp. 142–44, por exemplo.
724
Veja essa propensão em estudiosos como Daniel Fuller, op. cit., pág. 144; Montgomery, História
e Cristianismo, op. cit., pp. 72–80; MacNaugher, op. cit., pp. 144–85 e Smith, op. cit., pp. 187–228.
725
Editor Neuhaus em Pannenberg’s Theology and the Kingdom of God, op. cit., pág. 9.
184

mento que não foi um desenvolvimento da teologia dialética anterior de Karl


Barth e daqueles que o seguiram. Entre outros, aqueles geralmente ligados à
teologia da esperança são os teólogos alemães Pannenberg, Jürgen Moltmann,
Johann Metz e, às vezes, Karl Rahner.726 No entanto, é realmente difícil ser
excessivamente sugestivo ao falar daqueles que favorecem essa abordagem, e
só é realmente possível falar de forma bastante geral de qualquer grupo de
“teólogos da esperança”.727
Enquanto Pannenberg estava obtendo seu doutorado na Universidade de
Heidelberg no início dos anos 1950, um grupo de estudantes de pós-graduação
começou a se reunir e trocar ideias sobre a natureza da revelação divina. Apa-
rentemente em oposição aos próprios desejos de Pannenberg, esse grupo co-
meçou a ser chamado de “círculo de Pannenberg”. O trabalho combinado de
quatro dos membros - Pannenberg, Rolf Rendtorff, Trutz Rendtorff e Ulrich
Wilkens - produziu o volume Offenbarung als Geshichte728 em 1961. Ele re-
presentou anos de estudo e discussão juntos.729
Embora esta obra não tenha sido a primeira de Pannenberg a ser traduzida
para o inglês, ainda assim foi significativa porque ajudou a chamar a atenção
de outros teólogos para este erudito alemão. Talvez a obra mais significativa
de Pannenberg até hoje, Jesus—Deus e Homem, foi traduzida para o inglês em
1968. Foi sua primeira grande obra a aparecer em uma tradução para o inglês.
Esta cristologia foi reconhecida por alguns teólogos como uma das mais signi-
ficativas a aparecer em muitos anos.730
Logo ficou evidente que a tese de Pannenberg se opunha a muitos aspectos
da teologia de Barth e Bultmann. Por exemplo, Pannenberg se opôs ao subjeti-
vismo exercido por ambos os teólogos.731 Ele também se opôs ao conceito de
revelação de Barth, especialmente no que diz respeito à visão de Barth de que
certos eventos, como a ressurreição, aconteceram em um tipo de história não
demonstrável e não verificável. Pannenberg acreditava que tais eventos podem
e devem ser investigados historicamente, ao contrário de Barth.732 Isso, é claro,

726
Ibid., pp. 10, 17.
727727
Por exemplo, M. Douglas Meeks lida principalmente com Moltmann em sua obra Origins of
the Theology of Hope (Philadelphia: Fortress Press, 1974). Consulte a pág. 2 por sua convicção de
que outros como Pannenberg e Metz não podem ser conectados completamente com Moltmann.
728
Este trabalho foi editado por Pannenberg e publicado em inglês sob o título Revelation as His-
tory, traduzido por David Granskou (New York: The Macmillan Company, 1968).
729
Veja o editor Neuhaus em Pannenberg’s Theology and the Kingdom of God, op. cit., pág. 16 e
Daniel Fuller, op. cit., pág. 178.
730
Neuhaus, Ibid., p. 11.
731
Ibid., p. 15.
732
Ibidem, pág. 30 Veja o tratamento de Barth acima, incluindo a visão de Pannenberg. Ver também
Jesus — God and Man, de Pannehberg, op. cit., pág. 99; de. sua Revelação como História, op. cit.,
pp. 9–10. Mais tarde será dito sobre suas visões da ressurreição como um evento demonstrável.
185

também significa que Pannenberg também se opôs ao divórcio ainda mais


completo de Bultmann entre a história e a fé.733
Com esse pano de fundo introdutório, agora é vantajoso voltar ao argumen-
to de Pannenberg sobre a ressurreição de Jesus. Tanto uma apresentação desses
pontos de vista quanto uma crítica deles serão feitas. Deve-se observar que o
que se segue não é uma apresentação ou discussão de toda a teologia da espe-
rança, mas apenas das visões de Pannenberg sobre esses assuntos.

B. O ARGUMENTO E UMA CRÍTICA DE WOLFHART PANNENBERG

Para colocar Pannenberg na perspectiva adequada, deve-se mencionar que a


teologia da esperança enfatiza a teologia escatológica e a vinda do Reino de
Deus em particular. A vinda do Reino tem repercussões políticas e éticas, mas
também teológicas. Também é enfatizada a morte e a ressurreição de Jesus
como eventos históricos que preparam o cenário para essa escatologia, como
será percebido a seguir.734
Um dos principais objetivos de Pannenberg é restaurar à teologia contem-
porânea o conceito de um Reino de Deus funcionalmente iminente.735 Percebe-
se que a maior parte da teologia contemporânea falhou em sua abordagem do
Reino, pois a centralidade escatológica desse conceito foi perdida. Mas para
Pannenberg, o ensino sobre o Reino deve ser a mensagem central da teologia
cristã.736
O futuro Reino de Deus tem um interesse especial para Pannenberg no que
diz respeito à existência de Deus. Deus é identificado com o Reino vindouro
de tal forma que, em certo sentido, Deus ainda não existe. É somente com a
chegada do Reino futuro que a existência de Deus se mostra uma realidade de-
finitiva.737
Mas isso de forma alguma significa que Deus não está presente agora nesta
era ou que Ele não estava presente no passado. A ideia de que a existência de
Deus é totalmente revelada no futuro, portanto, não O desqualifica da existên-
cia presente. De Sua existência futura, Deus domina tanto o passado quanto o
presente.738

733
Neuhaus, Ibid., p. 37 and Daniel Fuller, op. cit., p. 178.
734
Ver Meeks, op. cit., pág. 10.
735
Brian O. McDermott, SJ, “Pannenberg’s Ressurrection Christology: A Critique,” Theological
Studies 35, no. 4 (dezembro de 1974): 711–21. Ver também Pannenberg, Theology and the
Kingdom of God, op. cit., pág. 53.
736
Pannenberg, Ibid., pp. 51–53, 73.
737
Ibid., pp. 56, 62, 111–12.
738
Ibid., pp. 62–63, 71.
186

A princípio, esse conceito da existência de Deus parece contraditório. A


chave para entendê-lo está nas ideias de Pannenberg sobre o poder retroativo
da história e a capacidade do futuro de voltar ao passado. Deus existe no pre-
sente (e na antiguidade) no sentido de que Seu futuro está voltando ao passado.
Ele existe, portanto, no presente como a chegada parcial do futuro.739
De acordo com o conceito de teologia de Pannenberg, é Deus quem intro-
duzirá o Reino na sociedade humana. Deus, portanto, trabalha no futuro, bem
como no presente. Este Reino não é sinônimo de igreja, nem chegará pelo po-
der do homem. Ele é bastante enfático ao dizer que isso se tornará parte da his-
tória pelas ações futuras do próprio Deus, embora também existam ramifica-
ções presentes do Reino.740
Mas não é apenas a existência de Deus que alcança o presente a partir do
futuro. Na verdade, todas as ocorrências decorrem do futuro.741 Como explica
Neuhaus, não podemos, portanto, nos referir ao futuro de um evento simples-
mente como algo que acontecerá, mas sim como algo que remonta ao presente
e que agora existe. Embora se possa perceber o estado final de algo apenas no
futuro, os afetos estão presentes.742
Por exemplo, a autoridade de Deus estava retroativamente presente nos en-
sinamentos de Jesus.743 Isso é demonstrado especialmente pela ressurreição de
Jesus dentre os mortos.744 De maneira semelhante, o Reino também voltou ao
tempo presente, embora não tenha chegado em sua plenitude.745 É por meio de
tal ênfase na importância fundamental e prioridade dada ao futuro que Pan-
nenberg pode falar do fim dos tempos tendo participado da vida de Jesus.746
Em Revelação como História, Pannenberg escreveu dois ensaios fundamen-
tais. Em uma delas, intitulada “Tese Dogmática sobre a Doutrina da Revela-
ção”, ele postulou sete teses cruciais para a compreensão de seu pensamento.
Este ensaio apresenta muito do fundamento do sistema teológico de Pannen-
berg e expande os pontos levantados acima. Essas teses são especialmente
úteis para apontar o lugar extremamente importante que a ressurreição de Jesus
ocupa. Ver esse evento no contexto do empreendimento teológico de Pannen-
berg permitirá uma compreensão muito melhor desse estudioso e também tor-
nará a crítica resultante mais precisa e significativa. Por essas razões, as sete

739
Ibid., pp. 68, 70–71.
740
Ibid., pp. 76–77, 82.
741
Ibid., p. 70.
742
Editor Neuhaus in Pannenberg, Ibid., p. 42.
743
Pannenberg, Ibid., pp. 133–35, 142–43; see McDermott, op. cit., p. 714.
744
Pannenberg, Revelation as History, op. cit., p. 127; see McDermott, Ibid., p. 711; 715–17.
745
Editor Neuhaus in Pannenberg, Ibid., p. 25; cf. p. 42.
746
Ver Pannenberg, Revelation as History, op. cit., pág. 139, por exemplo, e Theology and the
Kingdom of God, Ibid., pp. 139-1 54, 63. Cf. Neuhaus, Ibid., p. 41.
187

teses são apresentadas a seguir, com uma breve discussão de cada uma incluí-
da. Pensamentos-chave relacionados de Pannenberg sobre cristologia e escato-
logia também serão apresentados nos lugares apropriados.
A primeira tese de Pannenberg é que a auto-revelação de Deus não é direta,
mas indireta, sendo efetuada pelos atos históricos de Deus.747 Após uma breve
pesquisa de alguns dos pontos de vista proeminentes sobre a revelação divina,
Pannenberg afirma que Deus não se revelou ao homem pelo anúncio de Seu
nome aos israelitas, ou pela inspiração das Escrituras, ou pela concessão de a
lei no Monte Sinai ou por qualquer outro meio direto.748 Ao contrário, Deus se
revelou indiretamente por meio de atos históricos tanto no Antigo quanto no
Novo Testamento. Ele se deu a conhecer por meio de uma revelação funda-
mentada na história.749 O principal objetivo do ensaio de Pannenberg é explo-
rar essa revelação indireta e determinar seu valor como o método escolhido por
Deus para se revelar.750
Um aspecto interessante dessa crença na automanifestação indireta de Deus
na história humana é que Pannenberg concebe essa revelação como permeando
toda a história humana. Deus, portanto, não se revela simplesmente em alguns
pequenos segmentos da história, excluindo outras áreas. Em vez disso, a reve-
lação indireta de Deus ocorre em toda a história do homem. Por esta razão,
Pannenberg relata que não pode haver eventos ou milagres sobrenaturais. Vis-
to que Deus opera na história como um todo, isso significa que não podemos
falar de história sobrenatural versus história natural. Essa dicotomia não existe.
Devemos, portanto, perceber que Deus se revela em toda a história humana e,
uma vez que Ele opera em toda a história, não devemos pensar em milagres
separados ou eventos sobrenaturais à parte de toda a revelação histórica.751
Pannenberg percebe que esta não é uma nova concepção de revelação, pois
pontos de vista semelhantes foram expressos no idealismo alemão.752
A chave para sua tese é que Deus não se revela diretamente. Qualquer en-
tendimento do conceito de revelação que afirme o contrário, portanto, não é
correto. Deus só se permite ser conhecido indiretamente, ou seja, por meio de
seus atos em toda a história humana.

747
Pannenberg, Revelation as History, Ibid., pp. 125–31.
748
Ibid., pp. 3–13.
749
Ibidem, pp. 125–27; cf. Daniel Fuller, op. cit., pág. 182 e Blaikie, op. cit., pp. 100-1 156 ,
750
Veja Pannenberg, Ibid., p. 19
751
Ibid., pp. 7, 16; cf. Blaikie, op. cit., pp. 156–58, 162.
752
Pannenberg, Ibid., pp. 16, 19. Por exemplo, a visão de Schleiermacher é que todos os eventos,
mesmo os mais mundanos, são milagres. Não é apenas o evento estranho ou inexplicado que é so-
brenatural. Veja a discussão da visão de milagres de Schleiermacher acima. Ver também o trabalho
de Schleiermacher On Religion: Speeches to Its Cultures Despisers, op. cit., pp. 88–89, 113–14, ex-
plicação número 16, por exemplo.
188

A segunda tese de Pannenberg é que a revelação de Deus não é conhecida


totalmente no início, mas sim na conclusão da história reveladora.753 Uma vez
que Deus só se revela indiretamente, Pannenberg acredita que é correto vincu-
lar essa revelação ao fim da história.754 Assim, os primeiros eventos na história
de Israel pelos quais eles aprenderam sobre o Senhor não foram os últimos ou
os mais importantes dos atos de Deus. A revelação mais importante ocorrerá
apenas no final da história.755
Parte da lógica dessa posição foi apresentada acima. Foi afirmado que Pan-
nenberg concebeu o fim da história de tal maneira que o futuro pode ter um
efeito retroativo tanto no passado quanto no presente. Como tal, todas as ocor-
rências decorrem do futuro. De acordo com esse entendimento, Deus pode ser
mais ou menos identificado com o Reino vindouro e ainda assim ter existido
de forma a ter dominado o passado e o presente. De maneira semelhante, a res-
surreição é o sinal de que a atividade de Deus também estava retroativamente
presente na vida de Jesus.756
Pannenberg aceita assim a prioridade do futuro. Mesmo no presente, o futu-
ro é mais importante. Isso é visto, por exemplo, pela crença desse estudioso de
que todos os eventos alcançam o passado e o presente a partir do futuro.757
Como esses postulados são considerados válidos, pode-se perceber como Pan-
nenberg sustentou ainda que a verdade final e o resultado de um evento são de-
terminados pelo futuro desse evento e não apenas por suas aparências presen-
tes.758
O resultado natural desse conceito é que na ressurreição de Jesus o futuro já
participou do passado. Através deste evento pode-se obter uma prévia do futu-
ro. Por meio desse evento, o Deus do Reino vindouro agiu retroativamente na
vida de Jesus. É um evento como este que ilustra a segunda tese sobre como a
revelação indireta de Deus será realizada principalmente no final da história
revelatória, e não no início.759 Outro indicador para esta segunda tese é a cren-
ça de Pannenberg de que é somente com a chegada do fim da história que
Deus provará ser uma realidade definida. Mais uma vez, a revelação é percebi-
da como completa no final da história reveladora.760

753
Pannenberg, Ibid., pp. 131–35.
754
A lógica dessa afirmação será contestada a seguir.
755
Pannenberg, Revelation as History, op. cit., pp. 132–34.
756
Ibidem, pág. 127; ver também Theology and the Kingdom of God, de Pannenberg, op. cit., pp.
100-1 62–63, 68, 70–71.
757
Pannenberg, Theology and the Kingdom of God, Ibid., pp. 54, 63, 70
758758
Neuhaus in Pannenberg, Ibid., p. 42.
759
Pannenberg, Revelation as History, op. cit., pp. 141–43. See McDermott, op. cit., pp. 713–14.
760
Pannenberg, Ibid., p. 134 and Pannenberg’s Theology and the Kingdom of God, op. cit., p. 62.
189

A terceira tese apresentada por Pannenberg é que a revelação histórica de


Deus não se restringe a situações especiais ou privadas, mas está aberta para
todos os homens verem. Nesse sentido, a revelação é universal. 761 Assim, não
se deve entender a revelação como algo secreto ou misterioso. Não é uma enti-
dade conhecida apenas por aqueles que foram iniciados na vida de fé. Na ver-
dade, um indivíduo nem mesmo precisa ter fé primeiro para ver a revelação de
Deus. Isso ocorre porque a fé de alguém é inspirada ao ver os eventos revela-
dores. Em outras palavras, a fé não precisa preceder a percepção dos eventos
reveladores, mas surge após o reconhecimento deles.762
Quanto à natureza dos eventos reveladores em questão, Pannenberg afirma
que Deus agiu ao longo da história de Israel até a ressurreição de Jesus. Esses
eventos comunicam significado para aqueles que os percebem e se apropriam
deles. Eles são compreendidos pela razão e estão abertos ao exame de todos.763
Ao postular que a revelação de Deus está aberta para todos verem e exami-
narem, Pannenberg está dando mais explicações a essa crença de que o Cristi-
anismo é uma fé racional. Ninguém é obrigado a dar um salto de fé para poder
acreditar em Deus. Tal irracionalidade não tem lugar na fé cristã. Acredita-se
porque os fatos são considerados confiáveis e confiáveis.764
Pannenberg percebe que há um fator subjetivo envolvido quando se fala de
uma verificação histórica de sua fé e que, portanto, não se pode chegar a resul-
tados absolutos quando se estuda a história. No entanto, a história é o método
adequado para examinar as reivindicações da revelação cristã, pois é capaz de
levar alguém a conclusões altamente prováveis.765 Portanto, o exame histórico
de eventos como a ressurreição é necessário para verificar se os relatos são
verdadeiros ou não.766 Uma coisa em que Pannenberg insiste nesta pesquisa é
que o investigador deve estar aberto aos resultados da pesquisa e não ter deci-
dido antecipadamente o que aconteceu ou não.767
A quarta tese de Pannenberg é que a revelação universal de Deus sobre Sua
divindade ainda não é conhecida na história de Israel. Em vez disso, foi reve-
lado pela primeira vez no destino de Jesus, pois o fim da história já é antecipa-
do neste evento.768 Pannenberg está convencido de que, na história antiga dos

761
Pannenberg, Revelation as History, Ibid., pp. 135–39.
762
Ibid., pp. 135–37.
763
Ibid., p. 137.
764
Ibid., pp. 138–39.
765
Cf. Jesus de Pannenberg – Deus e Homem, op. cit., pág. 99 com o editor Neuhaus em Pannen-
berg’s Theology and the Kingdom of God, op. cit., pp. 20, 38, 46.
766
Ver Neuhaus, Ibid., pp. 20-21 e Daniel Fuller, op. cit., pp. 180-81 para algumas das técnicas de
Pannenberg na investigação de evidências.
767
Fuller, Ibidem, pág. 180.
768
Pannenberg, Revelation as History, op. cit., pp. 139–45.
190

judeus, Deus não se mostrou o Deus de toda a humanidade. Em vez disso, Ele
era visto como o Deus de Israel.769 Mas no Novo Testamento, Deus mostrou
ser o Deus de toda a humanidade por Seu ato de ressuscitar Jesus dentre os
mortos. Através deste ato todos os homens podem olhar para o Deus de Israel
como o único Deus verdadeiro. Por meio da vida e dos ensinamentos de Jesus,
a oferta do Reino se estende a todas as pessoas.770
É óbvio que a ressurreição ocupa um lugar de grande importância no em-
preendimento teológico de Pannenberg. De fato, as obras desse estudioso re-
fletem a convicção paulina de que, se Cristo não tivesse ressuscitado, toda a fé
seria vã.771 É importante, portanto, saber se esta ocorrência é um fato histórico
que pode ser demonstrado. Pannenberg defende o exame das fontes para ver se
alguma explicação alternativa poderia explicar o surgimento da fé na ressurrei-
ção.772 Ele considera hipóteses como a teoria da visão subjetiva,773 a lenda ou
teoria do mito,774 e a visão de Barth sobre a ressurreição acontecendo na pré-
história.775 Após um exame cuidadoso de tais teorias, Pannenberg conclui que
a ressurreição de Jesus dentre os mortos é a única explicação adequada para a
subsequente fé dos discípulos. Aqueles que procuram negar a realidade deste
evento devem estar preparados para fornecer uma explicação mais adequada.
Pannenberg acredita que a conclusão inevitável é que a ressurreição pode ser
verificada como tendo ocorrido na história humana.776
A quinta tese que Pannenberg apresenta é que a divindade de Deus não é
revelada no evento Cristo como um fato independente ou isolado, mas apenas
como o evento faz parte da história de Israel.777
O evento de Cristo não pode ser separado da história de Israel porque o
Deus de Cristo é também o Deus do Antigo Testamento. A missão e o destino
de Jesus devem, portanto, ser compreendidos dentro da estrutura e contexto da
história de Israel.778 Como tal, a ressurreição continua sendo a revelação de

769
Ibid., pp. 139–41.
770
Ibidem, pp. 141–43. Sobre o aspecto universal da oferta do Reino, ver Pannenberg’s Theology
and the Kingdom of God, op. cit., pp. 73, 76, 85, 88, por exemplo.
771
Editor Neuhaus em Pannenberg’s Theology and the Kingdom of God, Ibid., p. 41; cf. pág. 10.
Para a posição do apóstolo Paulo, veja 1 Coríntios 15:13–19.
772
Pannenberg, Revelation as History, op. cit., p. 137; cf. Daniel Fuller, op. cit., pp. 181–82.
773
Pannenberg, Jesus—God and Man, op. cit., pp. 95–97.
774
Ibid., pp. 90–91.
775
Ver Ibid., p. 99 e Questões Básicas em Teologia de Pannenberg, op. cit., vol. 1, pp. 15–16. Cf.
editor Neuhaus em Pannenberg’s Theology and the Kingdom of God, op. cit., pág. 30 e Blaikie, op.
cit., pp. 156, 206.
776
Pannenberg, Ibid., pp. 145–48.
777
Pannenberg, Ibid., pp. 145–48.
778
Ibid., p. 145.
191

Deus por meio da qual o fim dos tempos participou retroativamente do destino
de Jesus.779
A sexta tese de Pannenberg é que a universalidade da participação escato-
lógica de Deus no destino de Jesus encontrou sua expressão real no entendi-
mento não-judaico da igreja cristã gentia sobre a revelação.780 A vinda do
evangelho aos gentios foi uma consequência natural e necessária do significa-
do escatológico de Cristo. Mas Pannenberg afirma que havia diferenças entre
os gentios e as concepções judaicas de revelação. Diz-se que a influência do
gnosticismo trouxe alguns elementos não-judaicos para a compreensão gentia
da revelação de Deus. Por exemplo, o gnosticismo ensinava que a revelação
era direta e que era transmitida por meio de iniciação e conhecimento secretos,
significando assim que não estava disponível para o escrutínio de todos os
homens.781 Já foi apontado como Pannenberg concebeu a revelação judaica
como sendo indireta (por meio dos atos históricos de Deus) e aberta para todos
perceberem.
Pannenberg acredita que, embora essas importantes diferenças existissem
entre as ideias judaicas e gentias de revelação, a concepção cristã da atuação
de Deus em Jesus de uma maneira final e universal ainda abriu caminho exten-
sivamente no conceito gentio-gnóstico de revelação. Mas não se deve tentar
descartar partes do Novo Testamento que revelam uma visão gnosticamente
inclinada da revelação, pois essas porções ainda serviam para tornar Deus
compreensível tanto para os gentios quanto para os judeus. Em outras palavras,
embora Pannenberg acredite que o gnosticismo influenciou partes do ensino
do Novo Testamento sobre a revelação de Deus de uma forma oposta ao con-
ceito judaico, deve-se perceber que isso ainda ajudou os gentios a saber que
Deus era o Deus dos gentios, bem como dos judeus. As ações de Deus no des-
tino de Jesus, portanto, mostraram-se de alcance universal, pois os gentios res-
ponderam a essa revelação e a aceitaram como tendo sido estendida a eles
também.782
A sétima tese apresentada por Pannenberg afirma que a transmissão da pa-
lavra de Deus está relacionada à revelação por sua predição, predição e rela-
to.783
Embora Pannenberg entenda que qualquer referência à palavra bíblica de
Deus como a revelação direta de Deus é influenciada pelo gnosticismo,784 ain-

779
Ibid., p. 146.
780
Ibid., pp. 149–52.
781
Ibid., pp. 149–50.
782
Ibid., pp. 150–51.
783
Ibid., pp. 152–55.
784
Ibid., see pp. 10–12.
192

da há uma relação tríplice entre esses dois conceitos. Primeiro, a revelação in-
direta por meio de atos históricos confirma as promessas que Deus havia feito
anteriormente. Aqui a palavra prepara o palco para as ações reveladoras ao
predizer as promessas de Deus que serão então cumpridas no futuro revelador.
Em segundo lugar, as palavras de Deus confirmam Seus atos na história no
sentido de que seguem a revelação como uma revelação. Nesse sentido, as
ações de Deus estabelecem as palavras que se seguem, como com a Lei ou ou-
tros mandamentos que foram dados ao povo depois de terem visto Deus agir.
Terceiro, surgindo no Novo Testamento, descobre-se que o querigma atua co-
mo um relato de quais atos históricos Deus já realizou. Não pode haver signi-
ficado universal da revelação de Deus sem alguma proclamação desses even-
tos. Assim, esta terceira relação entre palavra e revelação aponta para uma
proclamação falada sobre a revelação anterior.785
Nenhuma dessas relações entre revelação e palavra dá qualquer natureza
reveladora à palavra. A palavra de Deus, falada ou escrita, é, portanto, conce-
bida por Pannenberg como suplemento da revelação real sem ser a própria re-
velação. A palavra pode preceder a revelação indireta na forma de uma pro-
messa quanto ao que Deus fará no futuro (previsão), ou a palavra pode seguir a
revelação, tendo sido estabelecida pelos atos de Deus (previsão). Mais uma
vez, a palavra pode ser uma proclamação da revelação (relatório). Assim, a pa-
lavra pode servir para explicar ou proclamar a revelação, ou então a própria
palavra pode ser expandida, verificada ou estabelecida pela revelação. De
qualquer forma, a palavra está, portanto, relacionada à revelação sem ser a
própria revelação.786 A partir da apresentação de Pannenberg dessas sete teses,
pode-se perceber como os atos reveladores passados de Deus (tanto na história
de Israel quanto na vida de Jesus) e a futura revelação de Deus são intrinseca-
mente entrelaçados. Este estudioso realmente desenvolveu um sistema teológi-
co que procura explicar o conceito bíblico da auto-revelação indireta de Deus
por meio de suas ações na história. No entanto, Pannenberg falha visivelmente
em pelo menos quatro áreas-chave de seu trabalho, que serão investigadas
aqui.
A primeira grande crítica a Pannenberg diz respeito ao seu conceito de
Deus. Essa crítica é dirigida contra o entendimento acima mencionado de Deus
como algo que vai de uma existência futura ao passado. Pannenberg acredita
que essa visão de Deus é confirmada pelas Escrituras e especialmente pela
pregação de Jesus. Na visão desse estudioso, Jesus concebeu a reivindicação
de Deus a este mundo exclusivamente em termos futuristas. Diz-se que Deus

785
Ibid., pp. 153–55.
786
Ibid.
193

está em um processo de vir a existir e, portanto, em certo sentido, não existe


no presente.787
A fim de fazer a afirmação de que o Novo Testamento também expõe essa
visão futurística da existência de Deus, parece que Pannenberg tem que ignorar
a evidência bíblica em contrário. Concorda-se que a ênfase principal no ensino
de Jesus é sobre a vinda do Reino de Deus e a resultante fé-obediência a
Deus.788 Mas isso está longe de ser prova suficiente para exigir a existência
primária de Deus como sendo emitida para o presente a partir do futuro. De fa-
to, Jesus parece indicar a origem da existência de Deus como sendo diferente
do que afirma Pannenberg.789
Por exemplo, quando Jesus se refere ao julgamento escatológico do futuro,
ele o compara ao julgamento passado que Deus impôs tanto nos dias de Ló
quanto nos dias de Noé (Lucas 17:26–30, 32; cf. Mateus 24:37–39). Quando,
em outra ocasião, pediram a Jesus um sinal, ele não apontou para nenhum
evento no futuro, mas para trás, para o profeta Jonas, que deveria ser um sinal
de sua ressurreição dos mortos (Mt 22:39; cf. Mateus 16:4; Lucas 11:29–30).
Além disso, quando questionado sobre o divórcio, Jesus informou ao questio-
nador que Deus agiu no passado ao fazer provisões para o casamento. Jesus re-
fere seus ouvintes ao poderoso ato da criação de Deus para obter sua resposta
sobre a seriedade do divórcio (Marcos 10:6–8; Mateus 19:4–6).
Portanto, é óbvio que Pannenberg não está correto em sua afirmação de que
Jesus falou exclusivamente de Deus em termos de Seu governo futuro.790 Pelo
contrário, várias porções dos evangelhos indicam que Jesus também olhou pa-
ra o passado para a revelação do poder de Deus. Jesus, portanto, não fala de
Deus exclusivamente em termos futuristas, a menos que alguém já tenha as-
sumido de antemão que Deus trabalha do futuro para o passado.
Agora, Pannenberg pode reconhecer que esses versículos em que Jesus se
refere ao poder de Deus também foram demonstrados no passado. Estes não
deveriam ser versos que ele não pudesse explicar. Eles simplesmente mostram
que Jesus olhou para o passado, bem como para o futuro, a fim de revelar as
obras de Deus. Existem muitos versículos que realmente se referem a atos fu-
turos de Deus, mas também há alguns que tratam de Suas ações passadas. No
entanto, o ponto significativo aqui é que Pannenberg pode interpretar as ações
passadas de Deus de acordo com seu sistema apenas utilizando a pressuposi-
787
Pannenberg, Theology and the Kingdom of God, op. cit., pp. 56, 68.
788
Veja Ibid., pp. 50, 53, 73, 81, 133.
789
No uso das Escrituras do Novo Testamento que se seguem, a questão não é defender essas pala-
vras e argumentar se elas foram realmente ditas por Jesus ou não. Em vez disso, estamos preocupa-
dos principalmente com o que as Escrituras ensinam sobre a natureza e a existência de Deus, não
sobre quem disse quais palavras.
790
Pannenberg, Theology and the Kingdom of God, op. cit., p. 56.
194

ção anterior de que Deus já está no futuro, trabalhando no passado remoto. Sua
visão de que Deus se revela apenas a partir do futuro é uma afirmação sem su-
porte, e é mostrada simplesmente pelo fato de que deve ser assumido como
verdadeiro antes de ser aceito, como será mostrado na terceira crítica de Pan-
nenberg. abaixo de. Ele não pode apontar esses versículos como aqueles que
apóiam suas idéias, pois não o fazem. Ele só pode interpretá-los de acordo com
suposições já existentes.
Mas de onde surge a ideia real de que Deus existe principalmente no futu-
ro? Pode-se enfatizar os versículos do outro lado do espectro e construir um
caso em torno da tese de que Deus existe principalmente no passado e é reve-
lado particularmente por meio de Sua criação. A partir desta existência passa-
da, Ele se revelaria no presente e no futuro. Os versículos pertencentes ao futu-
ro Reino de Deus seriam então aplicados à revelação final e completa de Deus.
Por mais inteligentes que esses sistemas possam parecer, eles parecem se ba-
sear mais na especulação filosófica do que na revelação teológica.
O ponto aqui, portanto, não é que Pannenberg não possa lidar com esses
versos anteriores, mas sim que ele deve assumir a importância primária do fu-
turo para fazê-lo. Tanto sua tese quanto a artificial que percebe que Deus agiu
principalmente a partir do passado por meio do evento da criação, portanto,
têm o mesmo problema. Faltam provas. Ambas as visões têm raciocínio inade-
quado para justificar tal visão da revelação. Por exemplo, não há apoio nos re-
latos do Novo Testamento sobre os ensinamentos de Jesus para justificar a po-
sição de que Deus ainda não existe, seja qual for o sentido que isso possa ser
tomado. Nem Jesus ensina que Deus está em um processo de vir à existên-
cia.791 É claro que, também de outras maneiras semelhantes, a concepção geral
de Deus de Pannenberg parece basear-se mais na especulação filosófica do que
na revelação. Há uma decidida falta de evidência para seu ponto de vista.
A segunda grande crítica a Pannenberg diz respeito à sua hipótese de que
Deus se revela indiretamente apenas por meio de suas ações na história huma-
na. Para esse estudioso, Deus não se revelou por nenhum meio direto, como a
inspiração das Escrituras, mas apenas indiretamente por meio dos aconteci-
mentos da história humana.792
Muitos teólogos estão convencidos de que Deus age na história e que este é
um meio de revelação.793 Mas poucos estão convencidos de que este é o único

791
Para a conexão de Pannenberg dessas ideias com os ensinamentos de Jesus, veja Ibid., p. 56. Mas
ele estranhamente não dá referências para essas afirmações.
792
Para as afirmações de Pannenberg contra as visões “diretas” da inspiração, veja Revelation as
History, op. cit., pp. 9–13, 152. Para seu próprio ponto de vista, ver pp. 125ff.
793
Por exemplo, ver Ladd, op. cit., pp. 17, 144; cf. Daniel Fuller, op. cit., pp. 186, 230, 237; cf. pág.
234. Neste ponto, a afirmação de Pannenberg sobre a revelação na história está correta.
195

meio de revelação de Deus. Certamente, outra falha de Pannenberg é não reco-


nhecer o autotestemunho das Escrituras como sendo outra revelação de Deus,
especialmente em porções que não poderiam ter sido influenciadas pelo gnos-
ticismo.794
Pannenberg afirma que o testemunho do Novo Testamento da revelação di-
reta de Deus nas Escrituras reflete a influência inicial do gnosticismo, como já
mostrado acima. Esta revelação bíblica direta é considerada contrária ao en-
tendimento judaico da revelação indireta de Deus na história. Certamente, ele
permite uma estreita conexão entre as palavras escritas e esta revelação.795 Mas
parece que Pannenberg ignora o testemunho do Antigo Testamento sobre a re-
velação de Deus nas Escrituras e por meio dos profetas. Esta atestação seria,
obviamente, removida da influência do gnosticismo do primeiro século.
Uma referência muito clara ao falar de Deus por meio dos profetas do Anti-
go Testamento é encontrada em Números 12:6, 8. Aqui nos é dito especifica-
mente que Deus usou esse meio para se dar a conhecer à nação judaica. Esta é
uma referência antiga e bastante clara à crença judaica de que Deus se revelou
aos judeus por meio dos profetas. Declarações como esta em Números poderi-
am ser multiplicadas consideravelmente.796 De fato, centenas de vezes no An-
tigo Testamento a frase “assim disse o Senhor” serve para introduzir uma reve-
lação de Deus para o povo.797
Os judeus eram até responsáveis por distinguir entre o profeta que falava as
palavras do Senhor e aquele que não falava. O sinal de que o profeta estava
transmitindo uma revelação de Deus era que a profecia ocorreria na história.
Assim, o verdadeiro profeta era aquele que recebia corretamente a revelação
diretamente do Senhor e depois a proclamava ao povo, com sua palavra sendo
confirmada pela história (ver Dt 18:20–22). O Antigo Testamento, portanto,
não apenas ensina que a revelação indireta de Deus se manifesta na história,

794
Não há nenhuma tentativa aqui de empregar qualquer tipo de raciocínio circular a respeito da
inspiração das Escrituras, primeiro perguntando o que é o autotestemunho das Escrituras e então as-
sumindo que isso é verdade. Este não seria um procedimento correto. Não é nosso propósito aqui
sequer discutir se esse autotestemunho da inspiração é válido. Em vez disso, a preocupação é que
Pannenberg não aceita a reivindicação do Novo Testamento de revelação nas Escrituras por causa
do que ele sente ser a influência do gnosticismo (ver Revelação como História, op. cit., pp. 10–12,
152). É esta afirmação que deve ser examinada, especialmente no que diz respeito às porções clara-
mente não-gnósticas das Escrituras. Esse exame é muito importante, pois Pannenberg está interessa-
do em desenvolver uma compreensão do que consistia a concepção judaica de revelação. Este será o
nosso esforço aqui também.
795
Ibid., pp. 152–55.
796
Cf. por exemplo Números 22:38; 23:12, 16, 26: Jeremias 1:6–9; 26:2; Ezequiel 3:10–11.
797
Um desses exemplos é Jeremias 15:19–21.
196

neste caso pelo cumprimento da profecia, mas também que a revelação direta
de Deus é dada aos profetas, por meio dos quais Deus se dá a conhecer.798
No entanto, as testemunhas do Antigo Testamento relatam que Deus não se
revelou apenas por meio da pregação dos profetas, mas também por meio das
Escrituras escritas. Existe até mesmo uma relação entre a revelação dada aos
profetas para falar e o registro dessa revelação em palavras escritas, pois os
profetas eram frequentemente solicitados a registrar as palavras de suas profe-
cias.799 Por exemplo, Moisés800 foi ordenado não apenas a falar as palavras de
Deus, mas também a escrever as palavras que lhe foram reveladas.801 Isso sig-
nifica que a revelação de Deus também vem por meio das palavras escritas das
Escrituras.802
Outros profetas além de Moisés também são ordenados a escrever a revela-
ção que lhes foi comunicada por Deus. Este é o caso de Isaías (Is 8:1; 30:8),
Jeremias (Jr 36:2) e Habacuque (Hab 2:2). Está registrado que Davi também
falou e escreveu as revelações de Deus para ele.803
Agora está claro a partir desta breve pesquisa anterior que a limitação da
revelação de Pannenberg aos atos de Deus na história humana está apenas
apresentando uma parte do todo. Apesar da afirmação desse estudioso de que
sua visão representa fielmente a do antigo judaísmo, foi demonstrado aqui que
esse não é o caso.804

798
Veja a exegese de G. Ernest Wright de "The Book of Numbers", em The Interpreter's Bible, edi-
tado por George Arthur Buttrick, op. cit., vol. 2, pp. 450–51.
799
Uma referência geral às palavras escritas dos profetas ocorre em Zacarias 7:12. As palavras aqui
provavelmente seriam as escritas, uma vez que a referência é a profetas dos tempos antigos cujos es-
critos existiam.
800
Moisés é referido como um profeta em Deuteronômio 34:10.
801
Veja Êxodo 17:16; 24:4; 34:27–28: Deuteronômio 31:9, 24–26.
802
Como acontece com os outros versículos do Antigo Testamento listados nesta seção, não é nosso
propósito aqui debater quem é o autor dessas palavras. Antes, é nossa preocupação verificar qual era
a visão judaica da revelação, especialmente como falada e escrita por homens escolhidos de Deus.
Esses versículos são, portanto, muito valiosos para refletir essa crença.
803
Cf. Marcos 12:36; Mateus 22:43–46; Lucas 20:42 com 2 Samuel 23:2. Não se pode objetar ao
uso dos versículos do Novo Testamento aqui, porque o versículo do Antigo Testamento também
confirma que o Senhor falou por meio de Davi. Ambos expressam a revelação direta de Deus a ele.
804
Rolf Rendtorff, em seu ensaio, “The Concept of Revelation in Ancient Israel” (em Pannenberg’s
Revelation as History, op. cit., pp. 46–47), também reconhece uma estreita relação entre palavra e
revelação. No entanto, como Pannenberg, ele insiste que a palavra não é realmente revelação. Sua
visão também é vítima das mesmas críticas levantadas aqui. Por exemplo, para um profeta predizer
um ato de Deus na história, ele deve ter recebido tal palavra do Senhor. Este é o ponto principal de
Deuteronômio 18:20-22. Esta palavra é Deus revelando o futuro por meio do profeta antes que o
evento na história ocorra. Pannenberg perde especialmente esse ponto em sua exposição das seme-
lhanças entre palavra e revelação (Ibid., 152-55). Sem tal revelação por meio do profeta, não haveria
previsão do evento.
197

O conceito judaico de revelação também inclui pelo menos a revelação da-


da aos profetas para falar a palavra de Deus e a revelação que está escrita na
forma das Escrituras. É verdade que os judeus acreditavam que Deus se reve-
lava indiretamente por meio de atos históricos. Mas também é verdade que os
judeus acreditavam que Deus se revelava diretamente por meio dos profetas e
por meio da palavra escrita nas Escrituras. Uma visão adequada da revelação
judaica deve incluir todos esses fatores e não apenas o primeiro, como faz
Pannenberg.
É opinião de Pannenberg que apenas o gnosticismo ensina tal revelação di-
reta,805 ainda foi demonstrado que mesmo nos primeiros escritos do Antigo
Testamento essa visão é encontrada. Reivindicar a influência do gnosticismo
aqui é, portanto, claramente impossível. Rolf Rendtorff também afirma que
Deus nunca se revelou na palavra profética,806 mas também foi demonstrado
que várias passagens do Antigo Testamento ensinam o ponto de vista contrá-
rio. Especialmente digno de nota aqui é Números 12:6:

Se entre vós há profeta, eu, o SENHOR, me faço conhecer a ele em visão, falo
com ele em sonho. (Números 12:6, RSV, itálico adicionado)

Como se dissesse que esta auto-revelação de Deus não foi direta o suficiente
em alguns casos, Números 12:8 acrescenta a respeito de Moisés,

Com ele falo boca a boca, claramente, e não em linguagem obscura; e ele con-
templa a forma do Senhor (Nm 12:8, RSV).

Não pode haver dúvida sobre a intenção desses dois versículos. Deus se deu a
conhecer aos profetas, mas se revelou ainda mais diretamente a Moisés. O fato
de o Senhor se dar a conhecer deve necessariamente envolver a auto-revelação.
Outros versículos apontados acima também afirmam essas crenças. Ao tornar
conhecidas Suas admoestações presentes para uma vida santa, exortando os
judeus a guardar a Lei e revelando o futuro por Seus profetas, acreditava-se
que Deus estava se revelando diretamente ao povo. Isso foi feito pelos mensa-
geiros escolhidos de Deus por meio da palavra falada e escrita.807

805
Pannenberg, Ibid., p. 12; cf. p. 152.
806
Rendtorff in Pannenberg, Ibid., p. 46.
807
Muitos estudiosos também acreditam que o testemunho bíblico fornece revelação escrita de
Deus. Para essa visão, veja, por exemplo, a obra do teólogo norueguês Sigmund Mowinckel, The
Old Testament as Word of God, traduzida por Reidar B. Bjornard (Nashville: Abingdon Press,
1959), pp. 10–12, 23–26. Ver também Charles C. Anderson, The Historical Jesus: A Continuing
Quest, op. cit., pp. 9–51 e Bernard Ramm, Protestant Christian Evidences, op. cit., pp. 224–49.
198

A visão de revelação de Pannenberg, portanto, falha em sua tentativa de


apresentar a única revelação de Deus como sendo indireta por meio dos atos de
Deus na história humana. Isso é apenas uma parte do conceito judaico, que
também inclui a revelação direta por meio da proclamação oral e da palavra
escrita.
A terceira grande crítica a Pannenberg é aquela que se repete em grande
parte de sua obra e é especialmente óbvia na apresentação de suas sete teses. A
visão de Pannenberg sobre a revelação em sua relação com o futuro contém
várias afirmações inadequadamente fundamentadas. Seu sistema teológico in-
clui muitos pontos intrigantes e sedutores, alguns dos quais certamente váli-
dos.808 Mas a estrutura geral desse sistema, especialmente no que diz respeito à
revelação de Deus sobre si mesmo no futuro, às vezes parece ser composta de
suposições que carecem de evidências adequadas. Isso foi percebido até certo
ponto na primeira objeção acima. Assim, McDermott observa aqui que Pan-
nenberg às vezes é culpado de inserir a realidade em um futuro que obviamen-
te ainda não chegou, e que ele o fez sem o devido esclarecimento e evidên-
cia.809
Instâncias dessa falta de evidência estão prontamente disponíveis e afetam
claramente a estrutura do sistema teológico de Pannenberg. Pannenberg admite
que seu trabalho repousa sobre dois pressupostos, sendo estes a realidade do
poder do futuro e o futuro único que existe para cada evento.810 Essas duas
pressuposições são bastante aparentes em suas sete teses, mas estranhamente
sem evidências de apoio em muitos casos.
Por exemplo, a segunda tese pede uma relação entre a revelação e o fim de
toda a história. Diz-se que esta relação é o resultado da natureza indireta desta
revelação acima mencionada. Na verdade, diz-se que a conexão da revelação
com o fim da história é o resultado direto do caráter indireto da revelação.811
Mas mesmo se alguém admitisse a natureza indireta da revelação de Deus na
história,812 como isso faz com que a revelação seja conhecida principalmente
no final da história? Pannenberg nunca consegue demonstrar como a revelação
indireta significa automaticamente que essa revelação deve estar conectada
com o fim da história. Deus poderia muito bem estar agindo indiretamente na
história a partir do presente. Em outras palavras, Pannenberg não mostrou por

808
Certamente, existem alguns pontos fortes e cuidadosamente fundamentados na obra de Pannen-
berg. A parte mais forte de sua teologia será discutida mais tarde.
809
McDermott, op. cit., p. 714.
810
Pannenberg, Theology and the Kingdom of God, op. cit., p. 59.
811
Pannenberg, Revelation as History, op. cit., p. 131.
812
Como já observamos, muitos talvez estivessem mais dispostos a admitir que um dos métodos de
revelação de Deus é Sua atuação na história, além de outros modos de revelação. Ver Ladd, op. cit.,
pp. 17, 144; Daniel Fuller, op. cit., pp. 186, 237.
199

que a futuridade deve decorrer da revelação indireta. Deve-se assumir que sua
visão de Deus é a definitiva para começar a chegar a essa conclusão, e já vi-
mos que essa visão é bastante arbitrária e problemática também.
Outro exemplo da teologia arbitrária de Pannenberg ocorre na quarta tese,
onde o destino de Jesus também está conectado com o fim da história. Por cau-
sa dessa formulação, Pannenberg afirma que não haverá mais auto-revelação
de Deus após a ressurreição de Jesus.813
Mas esta tese também carece de evidências conclusivas. Na verdade, ela le-
vanta vários problemas próprios. Por exemplo, se a revelação é mediada em
toda a história, como afirma Pannenberg, por que a auto-revelação indireta de
Deus deveria terminar com o destino de Cristo? Por que a revelação não deve-
ria se estender além desse ponto? Pode-se ainda sustentar que a auto-revelação
suprema de Deus ocorreu no evento de Cristo, mas que essa revelação ainda
progride além desse ponto. A parada abrupta de Pannenberg no destino de Je-
sus não é um término bastante arbitrário da revelação? Na verdade, parece ser
simplesmente um ponto de parada desejado. Mas há obviamente uma necessi-
dade de uma razão lógica para apoiar uma parada tão abrupta. Pannenberg
considera essa mesma objeção no final de seu ensaio introdutório, afirmando
que espera que esse problema seja respondido mais tarde.814 Mas ele nunca pa-
rece voltar a isso com uma resposta apropriada.
Mesmo que Pannenberg fosse bem-sucedido em mostrar por que a revela-
ção deveria terminar aqui, isso não exigiria um ajuste em seu conceito anterior
dessa revelação? Parece que a noção anterior de que a Auto-revelação indireta
de Deus ocorre em toda a história - em tudo o que acontece815 - deve ser revi-
sada. Como alguém pode afirmar que tudo o que ocorre é revelação e depois
abandonar arbitrariamente essa noção depois que o evento de Cristo se torna
história passada? Logicamente, de acordo com o sistema de Pannenberg, a re-
velação deve continuar além desse ponto.
Um problema intimamente relacionado com esta quarta tese é que, se a re-
velação de Deus ocorre em todos os eventos da história humana, por que des-
tacar uma vertente, a saber, a história judaica, na qual concentrar quase toda a
atenção? Fazer isso favorece o testemunho bíblico, com certeza, mas qual é a
lógica por trás de tal afirmação se alguém começa com as pressuposições de
Pannenberg? Como Daniel Fuller aponta apropriadamente, Pannenberg deve
lidar com o problema de como Deus se revela em toda a história e, ainda as-

813
Pannenberg, Revelation as History, op. cit., pp. 142, 143.
814
Ibid., pp. 17–19.
815
Ibid., p. 16; cf. p. 7.
200

sim, toda a revelação mais importante ocorre especialmente para um grupo se-
leto de judeus e cristãos.816
Além disso, como se diz que Deus age em toda a história, como alguém po-
de determinar quando Ele age de maneira especial em apenas um evento como
o destino de Jesus? Alguns podem olhar para um evento e ver Deus trabalhan-
do, outros podem olhar para o mesmo evento e nem perceber isso.817 Talvez
esses pontos indiquem que a visão de Pannenberg sobre a revelação ocorrendo
em toda a história precisa de ajustes.
Portanto, é possível perceber áreas do sistema teológico de Pannenberg que
contêm várias afirmações inadequadamente apoiadas. Esses problemas pare-
cem especialmente relacionados à sua visão do futuro e como isso afeta o pre-
sente. As declarações de Pannenberg não são auto-autenticadas.818 No entanto,
muitas vezes ele falha em fornecer fatos razoáveis para apoiar suas reivindica-
ções. Como resultado, sua teologia permanece bastante problemática, pois
muitas vezes falta a demonstração lógica em áreas-chave.
A quarta crítica principal a Pannenberg diz respeito tanto à sua visão da na-
tureza das aparições ressurretas de Jesus quanto ao seu tratamento das visões
alternativas naturalistas. Durante uma discussão sobre a historicidade desse
evento, ao qual retornaremos brevemente a seguir, Pannenberg apresenta sua
concepção das aparições de Jesus aos discípulos e a Paulo. Para este estudioso,
as aparições da ressurreição envolviam vários elementos. Aqueles que viram o
Jesus ressuscitado viram um corpo espiritual, não natural, terreno. Esta apari-
ção foi acompanhada por uma audição e, pelo menos no caso de Paul, um fe-
nômeno de luz. Estas foram aparições do céu e foram reconhecidas por todos
como o Senhor ressuscitado.819
No entanto, Pannenberg afirma que essas aparições de Jesus não eram mui-
to palpáveis. A natureza dessas ocorrências era mais semelhante a “visões ob-
jetivas”, ou visões que não eram produzidas pela consciência subjetiva daque-
les que percebiam os fenômenos. Em outras palavras, as aparições do Jesus
ressuscitado eram realidades fora dos apóstolos, apesar da falta de qualidades
corpóreas.820 Pannenberg se opõe especificamente à teoria da visão subjeti-
va,821 que torna a ressurreição um conceito nas mentes dos discípulos sem rea-
lidade objetiva. Suas alegações contra essa visão foram apresentadas acima. A

816
Daniel Fuller, op. cit., pp. 184–86.
817
Ver Blaikie, op. cit., pág. 159.
818
Veja o editor Neuhaus em Pannenberg, Theology and the Kingdom of God, op. cit., pág. 42.
819
Pannenberg, Jesus—God and Man, op. cit., pp. 92–93.
820
Ibid., pp. 93–95.
821
Ibid., pp. 95–97.
201

ressurreição foi antes uma realidade objetiva mostrando aos discípulos que Je-
sus estava vivo. Como tal, foi um evento histórico real.822
Apesar da defesa mais do que adequada de Pannenberg da historicidade da
ressurreição, sua postura contra aparições mais objetivas de Jesus é injustifica-
da. Pannenberg parece sentir que é essencial escolher entre Paulo e os evange-
lhos ao discutir a natureza do corpo ressurreto. Visto que ele concebe todas as
aparições de natureza semelhante, Jesus deve ter sempre aparecido como a
Paulo.823
Foi mostrado acima que tanto os evangelhos quanto Paulo sustentam que o
corpo ressurreto de Jesus era semelhante e diferente de seu corpo natural. A
ênfase nos evangelhos na capacidade dos discípulos de tocar o corpo de Jesus
e de verificar suas aparições para eles também foi discutida acima. Esta evi-
dência nos evangelhos, portanto, não será estudada aqui novamente.824 Mas os
evangelhos também revelam a convicção de que o corpo de Jesus foi de algu-
ma forma mudado, tendo novas qualidades e poderes.825
O testemunho de Paulo também é que o corpo ressurreto é um “corpo espi-
ritual” diferente do corpo físico da pessoa.826 No entanto, é a ressurreição de
um corpo espiritual e não simplesmente a ressurreição de um espírito. Isso é
reconhecido pela maioria dos teólogos hoje.827 Como William H. Johnson
afirma corretamente, a justiça teológica deve ser feita a ambas as palavras na
frase paulina “corpo espiritual”. Nenhuma palavra deve ser enfatizada em de-
trimento da outra. Assim, Jesus não ressuscitou como espírito ou em corpo fí-
sico, mas como corpo espiritual.828
No entanto, não é reconhecido com tanta frequência que Paulo também dá
alguma evidência para aparições objetivas de Jesus. Embora possuísse um no-

822
Ibid., pp. 98–99, 105.
823
Ibid., p. 92.
824
As passagens-chave que ensinam a natureza objetiva das aparições de Jesus incluem trechos co-
mo Mateus 28:9; Lucas 24:36–43; João 20:17 (no grego); 20:20, 26–29; Atos 1:3.
825
Por exemplo, os evangelhos afirmam que Jesus já havia saído da sepultura antes que a pedra fos-
se removida, sugerindo que ele evacuou por outros meios além da porta (Mt 28:2-6). Também é re-
latado que Jesus deixou as mortalhas para trás, imperturbáveis, mostrando que ele passou por elas
em vez de ter que desfazê-las (João 20:6–9; cf. Lucas 24:12). Ele também foi capaz de aparecer e
desaparecer à vontade, mesmo em quartos trancados (Lucas 24:30–31, 36; João 20:19, 26). Ver
Ladd, op. cit., pp. 84–96, 126.
826
Veja especialmente 1 Coríntios 15:42–50.
827
Por exemplo, ver Pannenberg, Jesus—God and Man, op. cit., pág. 92; Ladd, op. cit., pp. 111,
114–118; Brown, A Concepção Virginal e a Ressurreição Corporal de Jesus, op. cit., pp. 85–89 e
Brown, “The Resurrection and Biblical Criticism”, op. cit., pág. 236; Reginaldo Fuller, op. cit., pág.
179. Veja a nota de rodapé número 113 abaixo para outros que também reconhecem isso.
828
William Hallock Johnson, “The Keystone of the Arch,” Theology Today 6, no. 1 (1949/1950):
20.
202

vo corpo, o Jesus que apareceu aos discípulos e a Paulo era o mesmo Jesus que
morreu na cruz e depois foi sepultado.829
Outro indicador da objetividade das aparições de Jesus foi que ele apareceu
a muitos em diferentes ocasiões (veja 1 Coríntios 15:5–8). É especialmente a
aparição de Jesus às 500 pessoas de uma só vez (v. 6) que nos ajuda a determi-
nar quão objetivas essas experiências foram para os discípulos. É esta aparên-
cia em particular que aponta para uma manifestação objetiva. A concepção de
Paulo sobre o corpo da ressurreição de Jesus era tal que poderia ser vista por
um grupo desse tamanho. Portanto, parece exigir mais do que apenas uma luz
mistificadora e um fenômeno auditivo, juntamente com uma visão objetiva.830
Ladd também discorda da concepção de Pannenberg de “visões objetivas”,
que padronizam todas as aparições de Jesus após a de Paulo. A evidência mos-
tra que os evangelhos foram escritos sob a influência e controle de várias tes-
temunhas oculares desses eventos. Deve haver uma tradição factual subjacente
por trás desses relatórios também. Além disso, uma vez que se admite que Je-
sus realmente ressuscitou dos mortos, não há razão para que ele não tenha apa-
recido de várias maneiras para vários indivíduos.831
Para reforçar esta última afirmação, é preciso lembrar que, nos livros de
Lucas-Atos, o autor Lucas parece não ter percebido nenhuma contradição ao
registrar tanto as aparições mais objetivas aos discípulos quanto as aparições
de conversão mais “espirituais” a Paulo.832 Da mesma forma, muitos teólogos
também sentem que o testemunho dos evangelhos é essencialmente compatível
com o de Paulo, apesar das diferentes ênfases em cada um. A conclusão muitas
vezes é, portanto, que Jesus apareceu de uma forma objetiva que poderia ser
verificada, mas em um novo corpo espiritual.833

829
Ver 1 Coríntios 15:3–4. Para a realidade do túmulo vazio, veja Pannenberg, Jesus—God and
Man, op. cit., pp. 100–104; Reginaldo Fuller, op. cit., pp. 69–70, 179; Brown, A Concepção Virginal
e a Ressurreição Corporal de Jesus, op. cit., pág. 122, nota de rodapé número 204, e p. 126; veja
também o artigo de Brown “The Resurrection and Biblical Criticism”, op. cit., pág. 235. Para a vi-
são de que Paulo também insinuou o túmulo vazio em 1 Coríntios 15:4, veja Reginald Fuller, Ibid.,
pp. 48-49, 69; Ramsey, op. cit., pág. 44. Além disso, veja Robert M. Grant, A Historical Introduc-
tion to the New Testament, op. cit., pág. 369 e Clark H. Pinnock, “On the Third Day,” em Henry,
op. cit., pág. 15
830
Cf. Ladd, op. cit., pág. 105; ver também pág. 138 e Brown, A Concepção Virginal e a Ressurrei-
ção Corporal de Jesus, op. cit., pág. 91.
831
Ladd, Ibid., pp. 126, 138–39.
832
Lucas registra as aparições mais objetivas aos discípulos (ver Lucas 24:36–43; Atos 1:3; 10:40–
41) junto com as três passagens que narram a conversão de Paulo (Atos 9:1–9; 22:6 –11; 26:12–18).
833
Ver Ladd, op. cit., pp. 126, 137–138; Brown, “A Ressurreição e a Crítica Bíblica”, op. cit., pág.
236; cf. Grant, Milagres e Lei Natural, op. cit., pp. 229–30; ver também Charles C. Anderson, The
Historical Jesus: A Continuing Quest, op. cit., pp. 163–66; J. N. D. Anderson, op. cit., pág. 99; Ma-
cNaugher, op. cit., pp. 164–65; Smith, op. cit., pp. 194–95.
203

É um tanto surpreendente que Pannenberg não coloque ainda mais ênfase


do que na objetividade das aparições de Jesus. Pelas razões que acabamos de
expor aqui, é, portanto, com boa evidência que esta quarta grande crítica a
Pannenberg permanece válida. O testemunho ocular testemunhou essas apari-
ções objetivas por meio de homens como Lucas (cf. Lucas 1:1–4 com Lucas
24:36–43; Atos 1:3). Tal testemunho ocular que já foi demonstrado existir por
trás das tradições do evangelho, portanto, reflete um testemunho válido da ob-
jetividade das aparições de Jesus aos discípulos. Até mesmo Paulo se refere ao
testemunho dos discípulos originais sobre as aparições da ressurreição (1 Co-
ríntios 15:11-15). O testemunho dos Evangelhos é, portanto, compatível com
Paulo.
A segunda parte desta quarta crítica diz respeito ao tratamento de Pannen-
berg das teorias naturalistas que foram propostas contra a ressurreição. Além
de sua crítica à teoria da visão subjetiva, seu tratamento geral das outras teorias
alternativas não é totalmente completo. Ele ainda consegue refutar as outras
hipóteses, mas falha em refutá-las o mais suficientemente possível. Este é um
ponto importante, pois desde que todo o Cristianismo repousa sobre a validade
da ressurreição, como foi determinado anteriormente, então as refutações de
pontos de vista rivais devem ser tão completas quanto possível, a fim de veri-
ficar mais claramente se esse evento realmente ocorreu. É especialmente im-
portante para a validade desta terceira solução para a ressurreição (que este
evento possa ser demonstrado) que não haja soluções prováveis além da res-
surreição de Jesus dentre os mortos. Isso, portanto, aponta para a necessidade
de uma investigação e refutação tão completa quanto possível das principais
teorias naturalistas. Além disso, é verdade que quanto mais completa for a re-
futação das visões alternativas, mais convincente será a probabilidade resultan-
te da ressurreição de Jesus.
Wolfhart Pannenberg construiu um sistema teológico que contém muitas
ideias intrigantes e interessantes. No entanto, seu trabalho demonstrou ser ví-
tima de quatro críticas principais. Primeiro, sua visão de Deus como sendo to-
talmente revelado apenas no futuro é arbitrária e carece de evidências adequa-
das. As Escrituras, incluindo Jesus, não se referem unanimemente a Deus des-
sa maneira. Em segundo lugar, a visão de Pannenberg da auto-revelação indi-
reta de Deus como ocorrendo apenas em atos históricos é apenas uma parte da
apresentação bíblica da revelação. Verificou-se que Deus também se revelou
diretamente por meio dos profetas e por meio da palavra escrita de Deus.
Em terceiro lugar, o sistema teológico geral desse estudioso carecia de evi-
dências conclusivas em vários lugares. Isso é especialmente verdadeiro no que
diz respeito às sete teses de Pannenberg. Houve uma decidida falta de evidên-
cia necessária para demonstrar tais itens como a futuridade da revelação e o
204

fim de toda auto-revelação de Deus ocorrendo no evento de Cristo. Em quarto


lugar, foi demonstrado que o conceito de Pannenberg sobre a natureza das apa-
rições da ressurreição não era objetivo o suficiente e não permitia adequada-
mente a evidência de manifestações mais objetivas de Jesus. Além disso, sua
refutação das teorias naturalistas contra a ressurreição não foi tão completa
quanto deveria.834
É fácil perceber que a ressurreição de Jesus é um dos conceitos centrais no
sistema teológico de Pannenberg. O exame da ressurreição é também o aspecto
mais forte de sua teologia. Seu tratamento deste evento foi tratado acima, mas
alguns comentários são necessários aqui. Pannenberg investiga logicamente a
ressurreição no que diz respeito à sua historicidade. Teorias rivais que buscam
explicar esse evento naturalisticamente são consideradas e dissipadas, embora
tais procedimentos não sejam tão completos quanto deveriam ser.835 Qualquer
um que conteste a alegação de que Jesus ressuscitou dos mortos é bem-vindo -
na verdade, obrigado - a chegar a uma teoria alternativa que seja adequada o
suficiente para explicar os fatos.836
É convicção de Pannenberg que quando alguém conduz tal investigação dos
fatos, chega-se à probabilidade de que a ressurreição realmente ocorreu na his-
tória humana real. Um exame dos fatos revela a provável conclusão de que Je-
sus ressuscitou dos mortos após a crucificação. A ressurreição é assim de-
monstrada como um evento histórico real.837 Nesta conclusão, Pannenberg é
completo e difícil de refutar.838 Sua própria refutação de pontos de vista alter-
nativos é válida e de fato mostra que a ressurreição é a solução mais provável.
Portanto, esta conclusão parece ser bastante válida.

834
Existem outras críticas substanciais ao pensamento de Pannenberg que não foram mencionadas
aqui. Por exemplo, Neuhaus apontou que o conceito de Pannenberg do Reino de Deus como uma
possibilidade a ser trabalhada na sociedade humana é perigosamente próximo de algumas das ideias
do movimento do evangelho social do século XIX. A visão de que o Reino de Deus poderia se esta-
belecer na ordem social por meio do esforço dos homens falhou. Veja Neuhaus em Pannenberg’s
Theology and the Kingdom of God, op. cit., pp. 31–33. Cf. Pannenberg, Ibid., pp. 77, 79, 80, 84.
835
Pannenberg, Jesus—God and Man, op. cit., pp. 88–106.
836
Pannenberg, Revelation as History, op. cit., p. 147.
837
Pannenberg, Jesus—God and Man, op. cit., see this conclusion on p. 105.
838
Mesmo aqueles que não aceitam a visão de Pannenberg sobre a ressurreição acham que sua defe-
sa desse evento é bastante sofisticada. Ver, por exemplo, Reginald Fuller, op. cit., pp. 22–23.
205
206

Capítulo X
Possibilidade número três: outras visualizações
semelhantes
Outros estudiosos além de Pannenberg também sustentam que Jesus ressusci-
tou literalmente dos mortos e que esta pode ser demonstrada como a conclusão
mais provável nesta questão.839 Isso certamente não é para afirmar que esses
estudiosos seguiram Pannenberg em suas conclusões, pois a maioria não se
inspirou nele, nem se consideram parte da escola de pensamento da “teologia
da esperança”. Portanto, verifica-se que as técnicas variam aqui, mas o resulta-
do final é semelhante.
Um desses teólogos que acredita que a ressurreição literal de Jesus dentre
os mortos pode ser demonstrada como a conclusão mais provável é Daniel
Fuller. Em sua obra Easter Faith and History, Fuller examina a maioria das
principais abordagens teológicas à questão da relação entre fé e história. Como
o título desta obra sugere, esta questão é examinada particularmente pelo exa-
me das várias visões da ressurreição.
Começando com o racionalismo iluminista e continuando através da atual
teologia contemporânea, este estudioso investiga a maioria dos principais teó-
logos e suas visões do conteúdo histórico e racional da fé. Depois de ver as
tentativas das principais escolas teológicas de pensamento até o presente, Ful-
ler volta sua atenção para as tentativas de aceitar a ressurreição como fato de
três pontos de vista diferentes. Tentativas de manter a crença neste evento à
parte do raciocínio histórico, pelo raciocínio histórico parcial e totalmente pelo
raciocínio histórico são então investigadas. A conclusão de Fuller é que ne-
nhum desses pontos de vista é totalmente aceitável, pois cada um é vítima de
várias críticas que ele apresenta.840 Deve-se notar que Fuller concorda com o
princípio da verificação histórica da ressurreição, como será mostrado abaixo.
Mas ele se opõe aqui a esses métodos pelos quais tais tentativas são feitas.
A solução de Fuller é examinar a abordagem do primeiro século para a res-
surreição de Jesus, adotada por Lucas na obra do Novo Testamento, Lucas-

839
A palavra “demonstrado”, mais uma vez, não é usada aqui no sentido de prova absoluta, mas sim
no que diz respeito a probabilidades. Assim, esta seção trata da convicção de que a evidência factual
é tal que a ressurreição de Jesus é a conclusão mais provável.
840
Daniel Fuller, op. cit. O exame dessas várias escolas de pensamento e a subseqüente avaliação
dessas três posições em relação à história encontram-se nas pp. 27-187.
207

Atos.841 Depois de revisar várias hipóteses-chave sobre o tema de Lucas-


Atos,842 Fuller expõe o que ele acredita ser o tema principal desses dois li-
vros.843
O prólogo de Lucas (Lucas 1:1–4) apresenta algumas informações impor-
tantes sobre as intenções do autor. Aqui Lucas afirma que recebeu as informa-
ções nesta obra das testemunhas oculares originais (Lucas 1:2). Fuller aponta
que, embora Lucas não tenha sido uma testemunha ocular do ministério de Je-
sus, ele recebeu as informações daqueles que originalmente participaram dos
eventos.844
No entanto, Lucas compartilhou em primeira mão o cumprimento do even-
to da ressurreição, ou seja, a missão da igreja cristã aos gentios. Lucas, portan-
to, experimentou o resultado da fé da ressurreição em primeira mão.845
Fuller descobre que uma ênfase importante em Lucas-Atos é a escrita de
Lucas para que seus leitores846 pudessem saber a certeza do que havia aconte-
cido na vida de Cristo e especialmente em sua ressurreição. Na verdade, o pro-
pósito de Lucas ao escrever a esses primeiros crentes era informá-los de que
eles poderiam ter certeza do que lhes havia sido relatado a respeito do evento
de Cristo. Essa certeza que estava disponível para cada leitor aplicava-se em
particular à certeza de que Jesus ressuscitou dos mortos (ver Lucas 1:4).847
Em que se baseava tal certeza? Fuller explica que, para Lucas, a missão
cristã primitiva aos gentios foi o cumprimento da ressurreição de Jesus. Sem as
aparições aos discípulos e aos outros e mais tarde a Paulo, não poderia ter ha-
vido tal missão gentia. Em outras palavras, a existência e continuidade do es-
forço de evangelização dos gentios dependia do ministério de Paulo e da auto-
ridade e ação dos demais apóstolos. Mas o envolvimento de Paulo em tal obra
não pode ser explicado por nada além da aparição de Jesus ressuscitado a ele,
conforme registrado em Atos. Paulo, o inimigo e perseguidor da igreja nos
primeiros anos, não teria outro ímpeto para tal comportamento. Da mesma
forma, os discípulos não estavam muito acostumados com a ideia de levar o
evangelho aos gentios (pelo menos na forma de um ministério) até que recebe-
ram tal comissão do Senhor ressuscitado que apareceu a eles após sua morte.

841
Questões preliminares como a autoria e a data de Lucas-Atos são discutidas por Fuller, Ibid., pp.
190-99.
842
Ibid., pp. 199–208.
843
Ibid., pp. 208–29.
844
Ibid., pp. 188–90.
845
Ibid., pp. 190–91, 220.
846
Lucas-Atos é dirigido a Teófilo em particular (Lucas 1:3; Atos 1:1), mas pode ter havido outros
destinatários indiretos também.
847
Daniel Fuller, op. cit., pp. 189–90, 223, por exemplo.
208

Somente tal aparição poderia explicar que eles perceberam que a oferta do
Reino de Deus também havia sido estendida aos gentios.848
Em certo sentido, Lucas ensinou que havia, portanto, dois pontos-chave no
presente que apontavam para a ressurreição. Primeiro, a conversão de Paulo
não poderia ser explicada de outra maneira senão por ter visto Jesus ressusci-
tado. Nenhuma outra conclusão é suficiente para explicar essa mudança na vi-
da de um inimigo incrédulo da igreja primitiva.849
Em segundo lugar, o alcance dos primeiros judeus aos gentios, liderado pe-
los discípulos, apontava para uma diretriz além do exclusivismo do judaísmo.
Além das diretrizes emitidas por Jesus ressuscitado,850 não há outra razão pro-
vável para a missão judaica aos gentios, uma vez que os judeus se considera-
vam os únicos herdeiros das bênçãos de Deus.851 Portanto, esses dois eventos
apontam inequivocamente para a ressurreição histórica de Jesus.852
Por essas razões, Lucas estava em um ponto crítico, pois era capaz de rece-
ber conhecimento do evento de Cristo do passado por meio de testemunhas
oculares e também de participar do cumprimento presente e futuro desse even-
to. De seu ponto de vista, ele percebeu que a ressurreição era a única explica-
ção lógica para ocorrências como a conversão de Paulo e o alcance dos judeus
aos gentios com o evangelho. Assim, ele encorajou Teófilo e seus outros leito-
res a raciocinar a partir desses dois eventos do presente para a ressurreição de
Jesus no passado, percebendo que a realidade presente só poderia ser explicada
pela factualidade do evento passado.853
Depois de apresentar a posição de Lucas aqui, Fuller tem o cuidado de
apontar que a ressurreição é a solução para esses dois eventos presentes apenas
se as objeções contra a ressurreição forem respondidas.854 Anteriormente, ele
cogitou várias teorias alternativas contra a natureza histórica e verificável des-
se evento.855 Neste ponto, após uma apresentação das tentativas de Lucas de
mostrar que a ressurreição era verificável,856 Fuller se volta para a questão da

848
Ibid., pp. 223–25, 229, 235.
849
Ibid., ver especialmente pp. 217, 219, 226.
850
Comandos como os registrados em Lucas 24:47–48 e Atos 1:8.
851
Daniel Fuller, op. cit., ver, por exemplo, pp. 223, 226–29, 246–47.
852
Ibid., p. 220.
853
Ibid., ver especialmente pp. 190, 223, 235.
854
Ibid., pp. 242, 245.
855
Por exemplo, veja a discussão e refutação de Fuller da teoria de Paulus'swoon (Ibid., pp. 38-39),
as tentativas de Lessing e Kierkegaard de remover este evento de toda verificação (Ibid., pp. 35,
255-56) e a de Barth modificação dessa abordagem (Ibid., pp. 83-84, 88-90, 155-56). As provas de
Lucas para a ressurreição também servem como uma refutação da teoria da visão de Strauss (Ibid.,
cf. 45-49 com pp. 231-32).
856
Ibid., pp. 231–32.
209

conversão de Paulo. Teorias alternativas para explicar este evento também são
investigadas e refutadas.857
A investigação final de Fuller lida com os argumentos de Lucas para a his-
toricidade da ressurreição. Para Lucas, a história é vista como tendo duas se-
ções, uma “superior” e uma “inferior”. Na primeira ou na seção inferior, todos
os eventos históricos são “naturais”, pois se originam de outros eventos histó-
ricos. Mas os eventos sobrenaturais da segunda seção, ou superior, entram na
primeira. Esses eventos nunca poderiam ser resultados de ocorrências na pri-
meira seção, mas entram na primeira a partir da segunda “camada”. Aqui eles
não perturbam outros eventos, mas também seguem os padrões da história na
primeira seção depois de entrarem. Assim, para Lucas, a ressurreição pode ter
origem sobrenatural e ainda ser um evento histórico, conhecido pelo raciocínio
histórico.858
A abordagem de Lucas é bastante satisfatória, de acordo com Fuller. Ele
concorda com Lucas que a ressurreição de Jesus pode ser verificada. Dada a
possibilidade de acreditar nesse evento à parte do raciocínio histórico ou de
sustentar que ele se baseia em evidências que podem ser verificadas historica-
mente, Fuller opta por este último. Pode-se mostrar que a ressurreição é um
evento histórico, tanto pela investigação do testemunho original a respeito das
aparições quanto pela visualização do cumprimento desse evento na história na
conversão de Paulo e na missão aos gentios. A crença neste evento é, portanto,
baseada em afirmações empíricas.859
A abordagem de Fuller para a ressurreição às vezes parece chegar a conclu-
sões excessivamente fáceis. Isso é mais evidente em sua refutação de pontos
de vista alternativos, tanto no que diz respeito à ressurreição de Jesus quanto
na aparição a Paulo. Fuller deseja explorar tais teorias860 e refuta as principais
alternativas, como mostrado acima. Mas as várias refutações muitas vezes pa-
recem irresolutas e geralmente, como no caso de Pannenberg, não são tão
completas e fortes quanto se poderia esperar. Conforme observado acima, é
imperativo que as visões alternativas sejam refutadas o mais completamente
possível, a fim de revelar se existe uma provável resposta naturalista à fé da
ressurreição, que é corretamente vista como o princípio central do cristianis-
mo. Segue-se que quanto mais completamente essas hipóteses alternativas são
refutadas, mais provável se torna a ressurreição.
Também é possível que Fuller dependa demais da missão gentia como de-
monstração da ressurreição, quase como se essa conclusão pudesse se destacar

857
Ibid., pp. 247–50.
858
Ibid., pp. 252-61. Ver especialmente pp. 252-53.
859
Ibid., especialmente pp. 255-59. Ver também pp. 220, 231–32.
860
Ibid., pp. 242, 245.
210

de qualquer outra investigação dos fatos e teorias alternativas. Deve ser enfati-
zado mais uma vez que a missão aos gentios pode ser um indicador para a res-
surreição apenas se outras objeções a esse evento forem completamente res-
pondidas. Fuller reconhece isso, mas parece negligenciar a conclusão de que se
uma teoria alternativa válida para a ressurreição for encontrada, uma teoria al-
ternativa válida também teria que ser aplicada à missão gentia. Mais uma vez
percebemos a necessidade de refutar as teorias alternativas tão completamente
quanto possível.
Apesar dessas críticas, no entanto, é muito difícil anular a afirmação de Ful-
ler de que a ressurreição pode ser demonstrada. Ele fornece evidências sufici-
entes para estabelecer este evento como provável. Ao fazer isso, ele evita as
armadilhas do sistema teológico de Pannenberg e ainda consegue mostrar co-
mo a ressurreição literal de Jesus pode ser verificada como um evento históri-
co.
Outro teólogo que também conclui que a ressurreição de Jesus é a melhor
explicação para os fatos é o estudioso do Novo Testamento, George E.
Ladd.861 Este estudioso percebe que o conceito moderno de metodologia histó-
rica defende uma realidade em que Deus não age na história humana. Desde o
Iluminismo, a visão predominante tem sido a de que os eventos históricos de-
vem ter origens fundamentadas na história. Portanto, milagres com origens so-
brenaturais são descartados desde o início.862
Em oposição a essa visão, Ladd propõe o uso do método indutivo de inves-
tigação histórica, que permite a conclusão que melhor se ajusta aos fatos.
Eventos históricos que alegam intervenção sobrenatural devem ser investiga-
dos para perceber se são as melhores explicações para o que se sabe ter ocorri-
do. Possíveis teorias alternativas também devem ser examinadas para ver se
essas hipóteses são capazes de explicar melhor a evidência factual.863
No caso da ressurreição de Jesus, Ladd aponta que, mesmo que essa ocor-
rência fosse estabelecida como um evento real, ela ainda deveria ser conside-
rada “não-histórica” em relação à sua origem. Uma vez que tal evento exigiria
uma origem Sobrenatural, não se poderia dizer que seja histórico no sentido de
que outros eventos o são, cujo ponto de partida é a própria história.864 Portanto,
quando julgada pela metodologia histórica moderna, a ressurreição não é um

861
Veja o livro de Ladd, I Believe in the Resurrection of Jesus, op. cit.
862
Ibid., pp. 12–13; cf. p. 23.
863
Ibidem, pp. 13–14. Sobre a necessidade de examinar especificamente a ressurreição, ver pp. 27–
28, 132–133.
864
Ibid., pp. 21, 25.
211

evento histórico. É diferente de outros eventos em sua entrada única na histó-


ria.865
No entanto, olhar para a ressurreição apenas do ponto de vista de sua ori-
gem produz apenas uma parte do quadro geral. Para Ladd, a investigação his-
tórica não pode provar a ressurreição, mas pode estabelecê-la como a explica-
ção mais provável para o ocorrido. De fato, afirma-se que este evento é a única
explicação dos fatos que explica adequadamente o que se sabe ter aconteci-
do.866
A crença de que esse evento pode ser demonstrado como a única solução
possível que dá conta de todos os fatos baseia-se na ideia de que deve haver
uma explicação adequada para qualquer evento ocorrido na história.867 Para es-
se fim, Ladd enumera os principais fatos históricos em torno da ressurreição
que são conhecidos por serem confiáveis.868 Mais tarde, ele investiga as prin-
cipais teorias alternativas que buscam explicar esses fatos por meios naturalis-
tas. Cada um é examinado e criticado. Ladd conclui que cada teoria falha em
explicar esses fatos da ressurreição.869
Deve-se notar brevemente, entretanto, que um dos mesmos problemas que
aparecem em Pannenberg e Daniel Fuller também é aparente em Ladd com re-
lação às teorias naturalistas da ressurreição. Embora Ladd forneça uma boa crí-
tica das teorias de visão subjetiva e objetiva e geralmente faça um trabalho ge-
ral melhor do que Fuller, seu tratamento das outras teorias não é suficiente-
mente desenvolvido. Na verdade, diz-se que as outras teorias precisam de mui-
to pouca refutação.870 Essa falta de uma refutação mais completa é muito im-
portante, pois deve ser verificado o mais completamente possível se a ressur-
reição realmente aconteceu - se esse evento sobrenatural é mais provável do
que outras explicações. A ressurreição pode ser mostrada como mais provável
quando outras teorias alternativas são mais completamente mostradas como
menos.
Como apontado acima, a explicação que melhor explica os fatos históricos
é aquela que recebe o status de probabilidade. Aqui Ladd chega à conclusão de
que a ressurreição de Jesus dentre os mortos é a explicação mais provável. Dá
a explicação mais adequada aos fatos disponíveis. A única razão para rejeitar

865
Ibid., pp. 25, 132.
866
Ibidem, cf. pág. 27 com pp. 13, 27, 139–41. Ver nota de rodapé número 1 acima.
867
Ibid., p. 20.
868
Ibid., pp. 13, 91–94. Ladd não enumera simplesmente os fatos apenas porque estão registrados no
Novo Testamento. Em vez disso, ele lista aqueles que são historicamente plausíveis.
869
Ibid., ver pp. 133–139, onde Ladd discute cinco grandes teorias alternativas sobre a ressurreição.
870
Ibid., ver especialmente p. 136.
212

esta conclusão é que se tem uma mente fechada para a ocorrência do Sobrena-
tural.871
Assim, embora a ressurreição difira de outras ocorrências por ter uma ori-
gem diferente nos processos históricos, ela é, não obstante, um evento na his-
tória. Ele, portanto, alcança o status de entrar no processo histórico por meio
de uma origem sobrenatural não-histórica, mas ainda se tornando um evento
histórico.872
Ladd oferece uma abordagem lógica para a ressurreição que procura exa-
minar a conclusão mais provável para esta questão. No entanto, ele chega peri-
gosamente perto de cometer alguns dos mesmos erros de Karl Barth.
Foi afirmado que Ladd explica a ressurreição como sendo não-histórica,
pois entra na história de forma sobrenatural. Por causa dessa origem, esse
evento não é histórico no mesmo sentido que outros eventos. Portanto, se ava-
liada em termos do conceito moderno de história, a ressurreição não é um fato
histórico.873
Mas Ladd se aproxima ainda mais da posição de Barth em outros pontos.
Por exemplo, ele conclui que, embora se possa mostrar que a ressurreição é a
melhor explicação histórica para o que ocorreu, ela ainda é primariamente per-
ceptível aos “olhos da fé”. Assim, um historiador olhando para este evento só
pode afirmar que algo maravilhoso aconteceu. A conclusão de que Jesus res-
suscitou permanece um princípio de fé. Na verdade, é a opinião de Ladd que
mesmo tendo realmente visto o Jesus ressuscitado ainda não provaria a factici-
dade deste evento.874 As aparições falam assim da necessidade de fé para abor-
dar este acontecimento.875
Reconhecidamente, a posição de Ladd difere da de Barth em outras facetas
importantes. Ao contrário de Barth, Ladd opta por investigar as evidências his-
tóricas da ressurreição.876 Há, portanto, uma interação entre história e fé, pois a
fé é lógica e não simplesmente um salto no escuro.877 Também ao contrário de

871
Ibid., pp. 139–41.
872
Ibid., pp. 25, 58.
873
Ibid., pp. 21, 25, 132.
874
Ibid., pp. 101–2, 139–40.
875
Ibidem, pág. 140. Deve-se notar aqui que a objeção contra Ladd não se deve à sua posição de que
a ressurreição é primariamente conhecida pela fé per se. Já foi apontado acima (capítulo 4) que a fé
é mais importante que a razão, e o mesmo acontece com a ressurreição. Mas retirar a ressurreição de
qualquer tipo de meta-história é começar a removê-la de certos tipos de verificação razoável. Isso
deve ser evitado. O problema está, portanto, nas tendências de Ladd para começar a remover a res-
surreição do alcance da história (ver Ibid., pp. 101-2, 139-40).
876
Ibid., pp. 26–27, 29, 132–33.
877
Ibid., pp. 12, 27, 140. Deve ser lembrado que Barth se opôs a toda investigação histórica da res-
surreição e outros modos de interação entre história e fé. Como exemplo, veja Church Dogmatics,
de Barth, op. cit., vol. 4, parte 1, pp. 335, 341.
213

Barth, Ladd admite que sua fé seria seriamente afetada se uma teoria alternati-
va fosse considerada plausível. Assim, ele faz um esforço considerável para re-
futar as principais teorias alternativas contra a ressurreição.878
Provavelmente, a maior diferença com Barth é a afirmação de Ladd de que
a ressurreição pode ser demonstrada como a explicação mais provável para os
fatos. A única conclusão lógica é que Jesus realmente ressuscitou dos mortos
na história. Outras teorias naturalistas são consideradas inaceitáveis. Aqui se
descobre que a fé é reforçada pelo estudo das evidências.879 Barth se opôs a to-
do raciocínio histórico como uma ajuda à fé.880
Apesar das diferenças entre esses dois teólogos (especialmente a ênfase de
Ladd na capacidade de demonstrar que a ressurreição é a conclusão mais pro-
vável), Ladd ainda é culpado de recuar para o conceito de meta-história quan-
do confrontado pela historiografia moderna. Ao fazer isso, a história é dividida
em duas divisões — a secular e a divina.881 Como mencionado em relação a
Barth, a história não conhece tal diferenciação e nenhum conceito de pré-
história. Montgomery aponta que, ao tornar a ressurreição uma parte desse rei-
no questionável da história e ao afirmar que ela pode ser conhecida principal-
mente pela fé, Ladd torna esse evento perceptível apenas de maneira significa-
tiva para o crente. Assim, o não-cristão não pode se beneficiar da evidência a
favor deste evento.882
A preocupação de Ladd em apontar que a ressurreição exigiria uma origem
divina foi observada acima. Mas pode-se reconhecer que a origem deste evento
é Sobrenatural e ainda não recorrer ao conceito de meta-história. Daniel Ful-
ler883 e C. S. Lewis,884 por exemplo, fizeram trabalhos dignos de crédito ao
mostrar como um evento pode ter uma origem sobrenatural e ainda estar nor-
malmente conectado com a história uma vez que entra no processo histórico.
878
Ladd, Ibid., pp. 27, 132–142. Como mencionado acima, Barth afirma que não faz diferença signi-
ficativa se a tumba foi aberta ou fechada. De fato, às vezes uma teoria naturalista é preferível a ten-
tar tratar a ressurreição como uma história real e totalmente objetiva. Ver A Ressurreição dos Mor-
tos, de Barth, op. cit., pp. 135–38 e A Palavra de Deus e a Palavra do Homem, op. cit., pág. 90.
879
Ladd, Ibid., pp. 13, 27, 139–141. É por causa da ênfase de Ladd na capacidade da ressurreição de
ser demonstrada como a única solução adequada e por causa dos esforços para refutar outras teorias
alternativas que ele está incluído nesta seção e não com Barth na seção anterior. Toda a ênfase de
Ladd na capacidade da fé de ser investigada e reforçada por descobertas positivas foi o fator decisi-
vo aqui.
880
Veja a discussão de Barth acima. Compare sua Dogmática da Igreja, op. cit., vol. 4, parte 1, p.
335.
881
Esta é a crítica de Blaikie à posição de Ladd, op. cit., pp. 128–29, 134.
882
Montgomery, Para onde vai a história?, op. cit., pp. 114–16. No entanto, Montgomery não parece
estar ciente da crença de Ladd de que a investigação da ressurreição ainda é possível, mesmo que ela
possa ser conhecida apenas pela fé.
883
Daniel Fuller, op. cit., pp. 252–61 em particular
884
Lewis, Milagres, op. cit., ver especialmente pp. 56-63.
214

Assim, a questão da causalidade divina não deve determinar automaticamente


que o evento deve ser meta-histórico e que deve ser conhecido apenas pelos
processos da fé. Uma vez que entra na história, esse evento pode participar do
padrão histórico sem impedir outros eventos naturais. Portanto, apesar da ori-
gem de um milagre sobrenatural, ele se tornaria um evento historicamente ve-
rificável ao entrar na história.
Concordar com Barth (e outros) ao sustentar que um evento sobrenatural
permanece meta-histórico mesmo depois de entrar no processo histórico é,
mais uma vez, dividir a história em duas partes componentes do secular e do
divino. Mas, como foi apontado na crítica de Barth no capítulo 8, esta formu-
lação é falha. As críticas dirigidas a Barth não serão repetidas aqui, pois já foi
suficientemente demonstrado que tal conceito não é válido.
Para ter certeza, Ladd aceita exames críticos da fé cristã. Ele acredita que a
abordagem histórica indutiva, que aceita o evento que melhor se ajusta à evi-
dência, demonstrará que a ressurreição realmente ocorreu.885 Aqui ele difere de
Barth. Mas onde Ladd adota o conceito meta-histórico de Barth,886 deve-se
concordar que ele erra ao cometer alguns dos mesmos erros de Barth. Se o So-
brenatural ocorre, deve acontecer na história historicamente verificável e não
na meta-história. Isso é reconhecido por Pannenberg, Daniel Fuller, Lewis e
outros.887
Ladd não se retira completamente para o reino da meta-história como faz
Barth. Sua ênfase em ser capaz de demonstrar a ressurreição é, portanto, como
as tentativas de Pannenberg e Fuller, um aspecto positivo de sua teologia. To-
dos os três teólogos conseguiram investigar os fatos antes de chegar a uma so-
lução final e todos os três estudiosos descobriram que a ressurreição é a expli-
cação mais provável do que ocorreu. Essas descobertas são ainda mais fortale-
cidas pelo fracasso de qualquer teoria naturalista em explicar adequadamente o
que aconteceu.
No entanto, não são apenas alguns teólogos que estão convencidos desta
conclusão. Paul Maier é um historiador antigo que também acredita que a res-

885
Ladd, op. cit., pp. 12–13, 27, 139–41
886
Na verdade, é difícil determinar o quanto Ladd concorda com Barth aqui. Veja indicações de uma
aceitação parcial do entendimento de Barth sobre a ressurreição em Ladd, Ibid., pp. 21, 25, 101–2,
140. Veja também Montgomery, Where Is History Going?, op. cit., pág. 115.
887
Por historicamente verificável nos referimos à abordagem da história que aceita o evento que me-
lhor suporta os fatos conhecidos. Com isso, Ladd, Pannenberg, Daniel Fuller e C. S. Lewis concor-
dam. Nos capítulos 2 e 3 deste trabalho, esta mesma conclusão de apuração de eventos históricos
também foi considerada o procedimento correto. Mas também estamos falando aqui da necessidade
de perceber que a ressurreição de Jesus dentre os mortos por Deus é, portanto, uma explicação teo-
lógica e histórica de um evento histórico. Portanto, não devemos recorrer a nenhum tipo de meta-
história para explicar a ressurreição. Com isso, Ladd parece discordar (Ibid., pp. 101–2, 139–40).
215

surreição é a resposta mais provável para o que ocorreu.888 Embora Maier não
seja o único historiador a chegar a tais conclusões,889 sua abordagem é prova-
velmente a mais completa do ponto de vista dos estudos históricos.890
Para Maier, a disciplina de história é muito valiosa para ajudar a apurar o
que ocorreu na primeira manhã de Páscoa. Embora muitos eventos históricos
antigos sejam baseados em apenas uma fonte, e duas fontes muitas vezes tor-
nam um evento “infalível”, existem várias fontes antigas que apontam para o
evento da ressurreição de Jesus.891 Mesmo fora das fontes do Novo Testamen-
to, há importantes evidências extrabíblicas especialmente para o túmulo vazio
e, portanto, também para a ressurreição.892
Maier aponta para historiadores antigos como Tácito e Josefo, que inferem
ou mencionam especificamente a crença na ressurreição por parte dos discípu-
los e da igreja primitiva. A referência de Tácito ao cristianismo do primeiro
século em Roma e à “superstição” que eclodiu na Judéia após a morte de Je-
sus893 é percebida como implicando o ensino cristão da ressurreição de Je-
sus.894 Maier também lida com o problema de uma possível interpolação na re-
ferência mais específica de Josefo à ressurreição de Jesus895 e descobre que há
boas razões para acreditar que Josefo compôs esta declaração sobre Cristo me-
nos alguns dos frases mais “cristianizadas”. Assim, vemos que, com toda a
probabilidade, Josefo relatou a crença cristã primitiva na ressurreição e, assim,
reconheceu que a tumba estava vazia.896

888
A principal obra de Maier sobre a ressurreição é seu livro First Easter, op. cit. Veja também “The
Empty Tomb as History”, em Christianity Today, op. cit.
889
Discutimos acima a posição do teólogo e historiador John Warwick Montgomery, bem como do
antigo historiador Edwin Yamauchi, ambos os quais também acreditam que a ressurreição pode ser
demonstrada como tendo ocorrido.
890
Montgomery, por exemplo, combina com mais frequência história e teologia, sendo bastante
adepto de ambas as disciplinas.
891
Maier, Primeira Páscoa, op. cit., pág. 114.
892
Ibid., e “The Empty Tomb as History” de Maier, op. cit., pp. 4, 5.
893
Ver Tácito, Anuários, 15.44.
894
Maier, “O Túmulo Vazio como História”, op. cit., pág. 4. J. N. D. Anderson concorda com esta
posição, op. cit., pág. 19.
895
Ver Josefo, Antiguidades, 18.3.
896
Maier, Primeira Páscoa, op. cit., pág. 114. Outros estudiosos também concordam que Josefo es-
creveu esta parte de Jesus (ou pelo menos uma muito semelhante a ela), exceto por várias palavras
“cristãs”. Esta posição é mantida por pelo menos três razões principais. Primeiro, não há evidência
textual contra esta seção, apesar de várias leituras em outros lugares. Em segundo lugar, há evidên-
cias manuscritas muito boas para essas declarações sobre Jesus e, portanto, é difícil ignorá-las. Em
terceiro lugar, esta parte foi escrita no estilo de escrita do próprio Josefo. É, portanto, uma conclusão
garantida que existem várias boas razões para aceitar pelo menos que Josefo escreveu sobre Jesus,
mencionando várias facetas de sua carreira. Também é uma conclusão justificada dizer que, com to-
da a probabilidade, Josefo pelo menos registrou a crença na ressurreição sem realmente reconhecer
que aceitava tal fato. Por essas três razões e os fatos conclusivos aqui apresentados, ver, além de
216

A evidência apresentada por Josefo e implícita por Tácito é ainda corrobo-


rada por algumas outras fontes. No primeiro século, foi relatado que os judeus
espalharam a história de que os discípulos roubaram o corpo de Jesus para
proclamar sua ressurreição dentre os mortos. É relatado que essa história ainda
estava sendo contada na segunda metade do primeiro século.897 Ao formular
essa visão totalmente inadequada, os judeus não apenas não conseguiram ofe-
recer uma objeção substancial à ressurreição, mas ao fazê-lo também admiti-
ram o túmulo vazio. Este relato bíblico é confirmado pelo estudioso do segun-
do século Justino Mártir, que relata em seu Diálogo com Trifão (cerca de 150
dC) que os judeus enviaram homens especialmente instruídos através do Mar
Mediterrâneo para contrariar as reivindicações cristãs da ressurreição. A expli-
cação difundida pelos judeus, mais uma vez, foi que os discípulos roubaram o
corpo de seu Mestre morto. Os judeus, portanto, continuaram a admitir o tú-
mulo vazio.898
Conforme apontado por Maier, o livro de Atos fornece mais evidências de
que o túmulo estava vazio na primeira manhã de Páscoa. Quando os discípulos
e os primeiros cristãos começaram a proclamar a ressurreição de Jesus dentre
os mortos, as autoridades judaicas objetaram veementemente. Mas em vários
confrontos com os discípulos, os anciãos judeus nunca fizeram o que era mais
esperado - eles nunca levaram os discípulos ao túmulo para uma investigação.

Maier, J. N. D. Anderson, op. cit., pág. 20. Ver especialmente as duas obras de F. F. Bruce, Jesus
and Christian Origins Outside the New Testament (Grand Rapids: William B. Eerdman's Publishing
Company, 1974), pp. 32–41, especialmente pp. 36–41 e The New Testament Documents: Are Eles
são confiáveis?, 5ª ed. (Grand Rapids: William B. Eerdman's Publishing Company, 1967), pp. 102–
112. Bruce, o estudioso da crítica bíblica de Manchester, trabalhou muito na referência de Josefo a
Jesus e chegou a uma conclusão bastante semelhante à de Maier.
897
Ver Mateus 28:11–15 para este relatório. Já foi mostrado acima que a teoria do corpo roubado
(ou outra fraude por parte dos discípulos) falha miseravelmente em sua tentativa de explicar a res-
surreição de Jesus (ver capítulo 7, nota de rodapé números 163, 164, e a discussão correspondente a
estas observações). Resumidamente, essa teoria ignora pelo menos cinco objeções principais. Pri-
meiro, os homens não morrem voluntariamente pelo que sabem ser simplesmente uma falsidade. Em
segundo lugar, a tremenda transformação psicológica dos discípulos de pescadores retrógrados em
pregadores ousados não pode ser explicada por nenhuma ação fraudulenta, caso contrário não teria
havido essa mudança. Terceiro e intimamente relacionado, nenhum dos discípulos jamais se retra-
tou, mesmo sob a ameaça de perder a vida, o que seria a coisa normal a fazer, em vez de morrer por
uma mentira. Isso era totalmente contrário às suas ações antes da ressurreição, como a fuga quando
Jesus foi levado cativo e as negações subsequentes de Pedro. Quarto, a qualidade dos ensinamentos
éticos promulgados pelos discípulos impede tais ações. Quinto, é admitido por todos que os discípu-
los pelo menos acreditavam que Jesus havia ressuscitado dos mortos. É claro que eles não acredita-
riam que esse evento realmente ocorreu se fossem eles os autores da fraude. Por essas razões (veja
também as notas de rodapé 61 e 62 abaixo), nenhum estudioso respeitável mantém essa visão hoje.
Há pouca dúvida de que esta é uma das teorias mais fracas já formuladas contra a ressurreição, mas
foi a escolhida pelos primeiros líderes judeus.
898
Maier, op. cit., pp. 116–17.
217

Descobrir o corpo de Jesus certamente teria destruído o cristianismo, como os


líderes judeus desejavam fazer de qualquer maneira. A razão óbvia pela qual
eles não tentaram localizar o corpo é porque sabiam que a tumba estava vazia.
Maier afirma que mesmo o historiador imparcial deve admitir essa evidência
histórica para o túmulo vazio.899 Esta admissão implícita apontou ainda para o
túmulo vazio mencionado por Josefo, Mateus e Justino Mártir, e também im-
plícito por Tácito.
Maier também utiliza evidências circunstanciais de dois tipos. Primeiro, o
cristianismo não poderia ter começado em Jerusalém, como teve, se o túmulo
de Jesus ainda estivesse ocupado do lado de fora dos portões da cidade. Este é
o último lugar onde a igreja poderia ter começado se o corpo de Jesus ainda es-
tivesse na tumba. Aqui uma investigação da sepultura teria revelado o corpo e
o cristianismo teria sido destruído antes de realmente começar. O nascimento
da igreja em Jerusalém só pode ser explicado pelo fato de que o túmulo de Je-
sus estava realmente vazio.900
Em segundo lugar, a expansão do cristianismo pela região do Mediterrâneo
até a própria Roma, pouco depois da primeira metade do primeiro século, é
simplesmente uma façanha surpreendente realizada em um período de tempo
tão curto. Aproximadamente trinta anos após a morte de Jesus, essa incrível
expansão ocorreu. É opinião de Maier que tal expansão de qualquer ensina-
mento ou filosofia não tem paralelo nos tempos antigos. A pregação e a crença
na ressurreição poderiam ter fornecido o ímpeto para tal crescimento, como
atesta o Novo Testamento?901
Outra evidência tem apenas uma possível conexão direta com a ressurreição
de Jesus. Uma valiosa descoberta arqueológica revelou uma laje de mármore
encontrada em Nazaré que continha um aviso de César a todos os que foram
pegos roubando sepulturas na Palestina. Outros éditos romanos contra o roubo
de túmulos prescreviam uma multa contra o infrator, ao passo que este édito
condenava o infrator à pena de morte. A maioria dos estudiosos acreditava que
a inscrição era uma ordem do imperador Tibério ou do imperador Cláudio. Por
que o castigo seria tão grande na Palestina? Essa ordem poderia ter sido moti-
vada pelo relato judaico do corpo roubado de Jesus ou pela pregação da ressur-
reição?902

899
Ibid., pp. 114–15. Além do ponto feito aqui por Maier, também deve ser notado que o comporta-
mento dos líderes judeus em Atos também constitui outra objeção à teoria do corpo roubado (frau-
de). Se os governantes judeus realmente acreditassem que os discípulos roubaram o corpo, eles não
teriam simplesmente ordenado aos discípulos que não pregassem sobre Jesus (como Atos 4:18, 21;
5:28, 40), mas eles os teriam forçado a admitir e retratar-se de suas ações.
900
Maier, “The Empty Tomb as History,” op. cit., p. 5.
901
Ibid., p. 4.
902
Maier, Primeira Páscoa, op. cit., pp. 119–20.
218

A evidência teológica também é citada por Maier em seu esforço para lidar
historicamente com a ressurreição. Este historiador aponta pelo menos três ou-
tros fatores que levam à conclusão final. Primeiro, a mencionada mudança nos
discípulos os levou a acreditar que Jesus havia ressuscitado dos mortos. Tal di-
ferença radical deve ser baseada em alguma experiência real e aponta para um
encontro real com o Senhor ressurreto, assim como afirma o Novo Testamen-
to. Em segundo lugar, a própria existência da Igreja aponta para algum evento
digno de tal empreendimento. O Novo Testamento afirma que este evento foi a
ressurreição. Terceiro, deve ter havido uma razão para a igreja primitiva ter
mudado o dia de reunião do sábado, o sábado judaico, para o domingo, o dia
do Senhor. Novamente, o Novo Testamento afirma que a ressurreição causou
essa mudança para comemorar o dia em que Jesus ressuscitou.903
O último tipo de evidência empregada por Maier é tanto de natureza histó-
rica quanto teológica. Maier considera as objeções levantadas por oito diferen-
tes teorias naturalistas que visam refutar a ressurreição de Jesus. Cada um é en-
tão investigado e refutado pelos dados históricos disponíveis. Ele acha que to-
das essas teorias naturalistas falham em fornecer uma resposta histórica válida
para o que aconteceu no primeiro dia de Páscoa. Eles devem ser rejeitados es-
tritamente com base na investigação histórica, bem como pelo raciocínio teo-
lógico.904
Quanto à questão das discrepâncias nos relatos da ressurreição, Maier admi-
te que elas existem, como no restante dos evangelhos. No entanto, ele sustenta
que é ilógico concluir que esse evento não ocorreu por causa dessas variações.
Outros relatórios históricos também contêm discrepâncias semelhantes e não
há dúvida sobre os eventos que relatam. Por exemplo, os relatos do grande in-
cêndio de Roma oferecem conflitos ainda maiores do que os relatos da ressur-
reição. Alguns relatórios afirmam que toda a cidade foi afetada pelas chamas,
enquanto outros afirmam que apenas três setores da cidade foram destruídos.
Há também diferenças de opinião sobre como o incêndio começou. Apesar
desses problemas, o grande incêndio de Roma é inquestionavelmente um fato
histórico. De maneira semelhante, a ressurreição de Jesus também é um fato
histórico. As várias fontes simplesmente apontam para as diferentes tradições,
todas as quais fornecem evidências de que Jesus realmente ressuscitou dos
mortos.905

903
Ibid., pp. 115, 121–122; “O Túmulo Vazio como História”, op. cit., pág. 5.
904
Maier, First Easter, Ibid., pp. 105–13, 122; cf. também pp. 77–80 e “O Túmulo Vazio como His-
tória,” Ibid., p. 5.
905
Maier, Primeira Páscoa, Ibid., pp. 94, 96.
219

Maier conclui que a vontade de não acreditar impediu muitos de aceitar a


evidência histórica sobre a questão da ressurreição.906 O túmulo vazio é consi-
derado definitivamente um dado da história de acordo com as leis da pesquisa
histórica.907 Esta conclusão é ainda reforçada pela “evidência hostil” que foi
apresentada aqui. O tipo mais forte de evidência histórica são os fatos declara-
dos sobre um evento por uma fonte hostil a esse evento. Quando tal fonte
afirma que um evento é factual quando não é vantajoso fazê-lo, esse fato é,
com toda a probabilidade, genuíno. A tumba vazia é atestada direta ou indire-
tamente por Josefo, Tácito e pelo testemunho de Mateus, Lucas (Atos) e Justi-
no Mártir quanto à prática judaica em relação à ressurreição. Tal evidência ju-
daica e romana é uma evidência hostil, pois não era vantajoso nem para os ju-
deus nem para os romanos reconhecer o túmulo vazio. Outras evidências histó-
ricas e teológicas, circunstanciais ou não, também apontaram para esse fato.
Portanto, pode-se afirmar que o túmulo vazio é um fato histórico.908
Do túmulo vazio, Maier então argumenta sobre a probabilidade da ressur-
reição. Evidências como a apresentada acima (especialmente a tríplice prova
teológica e a refutação das teorias naturalistas) apontam para a ressurreição de
Jesus. A evidência histórica não é tão forte quanto a do túmulo vazio, mas a
evidência na periferia desse evento aponta para a probabilidade de que o pró-
prio evento seja histórico.909
Maier acrescentou uma dimensão muito valiosa ao estudo da ressurreição
de Jesus, pois abordou esse assunto do ponto de vista da história. Assim, ele
aborda esta questão do ponto de vista do historiador olhando para a teologia.
Em suas obras, portanto, Maier certamente não considera essa questão apenas
para a teologia. No entanto, ele chega à conclusão de que a tumba vazia e a
ressurreição são eventos históricos de acordo com todas as probabilidades.
Reconhecidamente, seu tratamento das teorias naturalistas e sua refutação
poderiam ter sido mais desenvolvidos. Já foi mostrado acima quão importante
é uma refutação completa de teorias alternativas para determinar mais comple-
tamente quão provável é a ressurreição na realidade. Maier faz um trabalho
bastante digno de crédito a esse respeito, mas ainda não trata essas hipóteses
naturalistas da maneira mais completa possível.
Talvez alguns objetem que seu tratamento da questão teológica não tratou
suficientemente da teologia. No entanto, esta crítica da carta não se aplica cor-
retamente, pois todo o seu propósito é abordar este evento como um historia-

906
Ibid., p. 105 and “The Empty Tomb as History,” op. cit., p. 5.
907
Maier, First Easter, Ibid., esta conclusão é declarada na p. 120.
908
Maier, “The Empty Tomb as History,” op. cit., pp. 5–6.
909
Ibid., pp. 4–5 and First Easter, op. cit., pp. 120–22.
220

dor e não como um teólogo. Assim, ele não pode ser julgado por este segundo
ponto.
Portanto, seu esforço geral tem sido muito bem-sucedido. Ele mostrou lógi-
ca e historicamente que as teorias naturalistas não resolvem as necessidades
históricas por um lado e que indicadores históricos válidos para a ressurreição
existem, por outro lado.910 Essa combinação é um forte argumento para a his-
toricidade da ressurreição.911
Depois de investigar as alegações de três estudiosos que acreditam que a
ressurreição pode ser demonstrada, deve-se concluir que as posições de Daniel
Fuller, Ladd e Maier são positivas em suas abordagens e conclusões gerais.
Descobrimos que esses três também apresentam algumas dificuldades. No en-
tanto, uma abordagem lógica que é tanto histórica quanto teológica revela que
essas posições são mais bem apoiadas pela evidência do que as outras que fo-
ram discutidas anteriormente. Resta-nos, finalmente, averiguar se esta terceira
possibilidade de demonstrar a ressurreição é a que melhor se ajusta aos fatos.

910
Maier, First Easter, Ibid., especialmente pp. 105-13, 120-22.
911
Para uma revisão muito positiva da obra de Maier First Easter e uma que reconhece o excelente
trabalho feito por Maier em sua demonstração histórica da ressurreição de Jesus, veja Lawrence E.
Martin, “The Risen Christ,” Christian Century 90, no. 20 (maio de 1973): 577.
221
222

PARTE 3

Uma Avaliação Das Soluções Para A Questão Da


Ressurreição De Jesus
223

Capítulo XI
Uma avaliação da possibilidade número um
Os capítulos 5 e 6 investigaram a possibilidade de que a ressurreição de Jesus
não tenha realmente ocorrido. No capítulo 5 foi mostrado que a posição mais
influente aqui foi ocupada pelo historiador e filósofo David Hume. Seu ensaio
“Sobre os Milagres” preparou o terreno para outros pontos de vista que tam-
bém rejeitavam a ressurreição como um evento, geralmente porque se susten-
tava que tais eventos eram impossíveis desde o início porque contradiziam as
leis da natureza.
Ficou claro, especialmente no capítulo 6, que o liberalismo protestante se-
guiu Hume nessa posição. De fato, John Herman Randall Jr. explica que o li-
beralismo protestante como um todo seguiu Hume nessa linha de raciocínio. A
influência de Hume se estendeu não apenas aos liberais do século XIX, mas
também até os dias de hoje, onde homens dessa persuasão teológica frequen-
temente continuam a rejeitar o milagroso, com base neste ensaio.912
Outros estudiosos também observam que o ensaio de Hume se tornou a po-
sição definitiva para o liberalismo em relação a todos os milagres. Smith con-
corda com Randall nesta afirmação.913 Montgomery também afirma o fato de
que tanto a teologia do século XIX quanto a do século XX derivaram sua cren-
ça na impossibilidade de milagres de Hume.914
É interessante que esses próprios teólogos liberais também reconheceram
que seus pontos de vista se baseavam na posição assumida por Hume. Por
exemplo, no liberalismo do século XIX, David Strauss estava explicitamente
disposto a reconhecer essa dependência. Para esse estudioso, o ensaio de Hu-
me havia resolvido para sempre a questão do milagroso. Milagres sobrenatu-
rais que contradizem a natureza simplesmente não ocorrem.915
Outros liberais também seguiram a posição assumida por Strauss na medida
em que também favoreceram a posição de Hume contra os milagres. Friedrich
Schleiermacher, como Hume, afirmou que os milagres são encontrados onde
há pouco conhecimento das leis da natureza. Os milagres realmente se opõem

912
Randall, op. cit., pp. 293, 553–54.
913
Smith, op. cit., pp. 142–43.
914
Montgomery, The Suicide of Christian Theology, op. cit., pp. 28, 37–38.
915
Strauss, The New Life of Jesus, op. cit., vol. 1, pp. 199–201.
224

à natureza e a ideia do milagroso deve ser abandonada.916 Heinrich Paulus


também seguiu Hume ao acreditar que os milagres geralmente ocorrem onde
há um conhecimento deficiente da natureza. As Escrituras estão erradas ao
afirmar que milagres ocorreram e quando as obras da natureza são reveladas,
esse erro se torna ainda mais claro.917 Bruno Baur também afirmou que não
ocorrem eventos como milagres que quebrem as leis da natureza. 918 Para Ernst
Renan, Jesus acreditava que os milagres eram comuns, não porque realmente
fossem, mas porque ele não estava familiarizado com a uniformidade das leis
da natureza.919
Mais tarde, no século XIX e no início do século XX, os teólogos liberais
ainda seguiam Hume e suas razões para rejeitar os milagres. Otto Pfleiderer
sustentava uma noção muito comum, especialmente desde Hume - que os
eventos da natureza seguem uma regularidade e ordem imutáveis.920 Adolf von
Harnack acrescentou sua voz à crescente lista de estudiosos que aceitaram,
junto com Hume, a crença de que os povos antigos acreditavam no miraculoso
porque não entendiam as leis da natureza. Eles não perceberam que os eventos
que interrompem a natureza nunca ocorrem. Assim, não se pode acreditar em
milagres.921
No século XX, como mencionado acima, os teólogos liberais continuaram a
aceitar a posição de Hume sobre os milagres como definitiva. Rudolf Bult-
mann aceita a visão de que as concepções modernas da natureza e da ciência
não permitem milagres. Por causa das leis naturais, o universo está fechado pa-
ra trabalhos sobrenaturais. Assim, os milagres não são mais aceitáveis no
mundo de hoje.922 Para Paul Tillich, nenhum evento como milagres pode que-
brar as leis da natureza.923 John A. T. Robinson sustenta que os milagres bíbli-
cos são mitos porque os processos naturais não podem ser interrompidos pela
intervenção de Deus. A cosmologia do Novo Testamento deve, portanto, ser
abandonada.924
A partir dessa pesquisa anterior, fica bastante óbvio que os teólogos liberais
dos séculos XIX e XX seguiram Hume ao rejeitar todas as possibilidades para

916
Schleiermacher, A Fé Cristã, op. cit., ver especialmente vol. 1, pp. 179, 181, 183. Cf. também
vol. 1, pp. 71, 178–84; vol. 2, pp. 448–49; e Schleiermacher em On Religion: Speeches to Its Cult
Despisers, op. cit., pp. 88–89, 113–14, nota de rodapé número 16.
917
Schweitzer, op. cit., pp. 51–53.
918
Ibid., p. 154.
919
Renan, Life of Jesus, op. cit., pp. 147–55.
920
Pfleiderer, The Philosophy and Development of Religion, op. cit., vol. 1, pp. 5– 6.
921
Harnack, What is Christianity?, op. cit., pp. 25–31.
922
Bultmann, “Novo Testamento e Mitologia,” em Kerygma and Myth, op. cit., pp. 100-1 4–5.
923
Tillich, Systematic Theology, op. cit., vol. 1, pp. 115–17.
924
Robinson, Honest to God, op. cit., pp. 11–18, 64–68.
225

o milagroso. Que Hume foi a inspiração primária para este ponto de vista tam-
bém é claro.
No entanto, foi demonstrado acima que a tese de Hume falhou em fornecer
uma proibição adequada contra a ocorrência de milagres. Quatro grandes obje-
ções foram levantadas contra seu ponto de vista. Resumidamente, descobriu-se
pela primeira vez que Hume utilizou uma série de erros lógicos, especialmente
o raciocínio circular e a petição de princípio. Isso é especialmente perceptível
em sua definição de milagre e em sua suposição do valor negativo de toda ex-
periência de milagres, quando apenas tal investigação dessa experiência pode-
ria demonstrar a probabilidade de um milagre. Em segundo lugar, Hume rejei-
ta arbitrariamente os milagres, mesmo quando reconhece uma alta credibilida-
de para o evento sobrenatural descrito. Em terceiro lugar, Hume rejeita os mi-
lagres por causa de uma visão equivocada da uniformidade da natureza que ele
próprio rejeitou em outras obras. Essa visão incorreta da natureza é o centro de
sua polêmica e deve, portanto, ser rejeitada. Quarto, apesar dos acordos de
Hume com o pensamento moderno em vários aspectos de sua obra, ele voltou
a uma postura pré-moderna com relação à sua visão dos milagres. Embora ele
rejeitasse a visão então popular de um universo fechado e optasse pelo uso de
probabilidades, ele rejeitou de forma inconsistente os milagres desde o início
porque eles eram considerados impossíveis. Ele também ignorou quaisquer
probabilidades de milagres e assim os descartou de uma forma que não é con-
sistente com os conceitos modernos acima que ele aceitou. Aqui ele é pré-
moderno e equivocado.925
Todos os dez teólogos que acabamos de pesquisar também concordam em
aceitar a visão de que o universo está fechado para todas as ocorrências de mi-
lagres sobrenaturais. Esses eventos são geralmente concebidos como impossí-
veis porque se opõem ao funcionamento da natureza. Costumava-se dizer que
os povos antigos que aceitavam tais relatos como verdadeiros o faziam porque
não compreendiam a natureza adequadamente.926 Portanto, é mais possível ve-
rificar a afirmação de Randall, Montgomery e Smith dada acima de que todo o
liberalismo como um todo seguiu Hume nessas conclusões.927 J. Gresham Ma-

925
Este resumo das críticas de Hume é necessariamente breve e, portanto, a lógica dessas quatro crí-
ticas não pode ser analisada adequadamente a partir desta apresentação. Para uma análise completa
do raciocínio por trás dessas declarações, consulte o capítulo 5.
926
Veja as referências acima a esses dez teólogos para essas crenças (em graus variados) por parte
de cada um deles. Para verificar o quão semelhantes as crenças desses teólogos são à posição de
Hume contra os milagres, compare o capítulo 5.
927
Veja as notas de rodapé 1–3 acima e a discussão correspondente.
226

chen concorda com esses estudiosos que o liberalismo de fato concordou em


abandonar a crença no milagroso.928
Como tanto o liberalismo do século XIX quanto o do século XX seguiram o
raciocínio de Hume em sua rejeição do milagroso, é possível verificar que es-
ses teólogos estavam, como Hume, também errados em relação a esses pontos
de vista. Por essas razões, não é surpreendente descobrir que quase as mesmas
críticas de Hume que foram relatadas no capítulo 5 com relação ao uso de
pressuposições impróprias e uma metodologia incorreta e com relação ao uso
de uma visão defeituosa da uniformidade da natureza também se aplicam a es-
ses outros estudiosos. Assim como Hume estava errado nesses conceitos, tam-
bém a teologia liberal também está errada aqui. Milagres não podem ser des-
cartados por tal abordagem.
Uma segunda indicação de que o método empregado pelo liberalismo teo-
lógico desde a época de Hume está errado diz respeito às teorias naturalistas
que foram sugeridas para explicar a ressurreição de Jesus. Tais hipóteses eram
necessárias para explicar um acontecimento já rejeitado à la Hume. As princi-
pais teorias formuladas contra a ressurreição foram discutidas acima e refuta-
das.929 Uma investigação de cada um demonstrou que eles não poderiam expli-
car adequadamente o que se sabe ter ocorrido. Cada um pode ser adequada-
mente refutado histórica, lógica e teologicamente.930
O fato de nenhuma das teorias naturalistas explicar adequadamente a res-
surreição de Jesus é, de fato, um ponto extremamente agudo contra a posição
do liberalismo teológico sobre a ressurreição. Nosso esforço tem sido encon-
trar a conclusão histórica mais provável - aquela que melhor explica o que se
sabe ter ocorrido. No entanto, nenhuma das teorias alternativas mais fortes é
sequer persuasiva, muito menos provável. Uma solução mais adequada é defi-
nitivamente necessária aqui.
Uma terceira indicação de que a posição teológica liberal sobre a ressurrei-
ção é incorreta é o fato de que mesmo aqueles que formularam teorias natura-
listas contra esse evento juntaram-se à dizimação de outras teorias “rivais”.
Assim, foi mostrado anteriormente como Strauss e Renan (entre outros) se

928
J. Gresham Machen, Christianity and Liberalism (Grand Rapids: William B. Eerdman's Publis-
hing Company, 1923), pp. 107–9.
929
As principais teorias avançadas para explicar a ressurreição já foram discutidas anteriormente.
Verificou-se que formulações baseadas em um desmaio, visões subjetivas ou objetivas (incluindo a
“teoria do telegrama” e ideias da contínua presença espiritual da personalidade de Jesus nas mentes
dos discípulos), a influência de outros mitos antigos e o crescimento de lendas ou fraudes (incluindo
a teoria do corpo roubado) falharam em explicar os fatos conhecidos. Veja especialmente o capítulo
6 acima.
930
Veja as conclusões contra cada uma dessas teorias, especialmente no capítulo 6. Cf. por exemplo,
Maier, Primeira Páscoa, op. cit., pág. 113 e Ladd, op. cit., pp. 139–41.
227

opunham fortemente à teoria de Paulus. Na verdade, costuma-se acreditar que


o próprio Strauss deu o golpe de morte final à teoria, que a destruiu para sem-
pre. No entanto, a teoria da visão de Strauss sofreu forte oposição de estudio-
sos como Schleiermacher, Paulus e Keim. Mais uma vez, foi um teólogo libe-
ral, Keim, que geralmente é considerado aquele cujos argumentos lógicos des-
cartaram a teoria de Strauss.931
Embora tal oposição por aqueles de uma postura teológica semelhante cer-
tamente não prove automaticamente que essas teorias estejam erradas, as indi-
cações são de que cada uma sentiu que as outras teorias naturalistas estavam
erradas. Isso aponta para uma verdadeira insatisfação com tais teorias por parte
desses estudiosos. Ninguém poderia convencer até mesmo aqueles de sua pró-
pria persuasão teológica de que sua visão era a mais provável.932
Há, portanto, três razões muito importantes para sustentar que a resposta à
ressurreição sugerida por Hume e por todo o liberalismo teológico falha em
explicar adequadamente o que se sabe ter ocorrido. Primeiro, muitas das críti-
cas dirigidas a Hume no capítulo 5 também se aplicam à abordagem do libera-
lismo a esse evento. Assim, toda a metodologia e as pressuposições que são
usadas são inválidas, assim como a visão defeituosa da uniformidade da natu-
reza. A ressurreição e outros milagres não podem ser devidamente negados por
esses métodos. Este ponto por si só é devastador para essas posições. Em se-
gundo lugar, o fato de nenhuma teoria naturalista explicar adequadamente o
que ocorreu é um ponto ainda mais forte contra Hume e o liberalismo. Que ne-
nhuma probabilidade pode ser estabelecida para qualquer teoria alternativa
demonstra que nenhuma dessas hipóteses pode ser aceita como a solução pro-
vável. Terceiro, nem mesmo aqueles que rejeitam a ressurreição concordam
que qualquer teoria explica adequadamente a evidência. Em vez disso, vários
estudiosos se contentaram em destruir os argumentos de teorias que se opu-
nham às suas, revelando claramente as fraquezas inerentes de cada uma.
É comum na teologia contemporânea negar a ressurreição literal de Jesus e,
ao mesmo tempo, afirmar que, de alguma forma, ainda se pode dizer que ele
está vivo hoje. Por exemplo, Bultmann afirma que, embora Jesus não tenha re-

931
Veja a discussão dessas facetas no capítulo 6 acima.
932
Reconhecidamente, ninguém é capaz de convencer a todos de que seu ponto de vista está correto.
No entanto, se houvesse uma teoria naturalista que fosse provável, alguém pensaria que aqueles que
de outra forma se opõem à facticidade da ressurreição seriam capazes de concordar com essa teoria.
No entanto, o ponto que está sendo enfatizado aqui não é tanto que os estudiosos liberais não con-
cordam com nenhuma teoria, mas sim que as fraquezas inerentes a cada uma foram apontadas. Em
outras palavras, esses estudiosos forneceram refutações adequadas de cada uma das teorias e, assim,
revelaram que não eram capazes de explicar os fatos.
228

almente ressuscitado dos mortos,933 ele ainda nos encontra por meio das pala-
vras da pregação como o Senhor ressuscitado. Assim, enquanto o próprio Jesus
não ressuscitou dos mortos como afirma o Novo Testamento, ainda podemos
encontrar o Senhor ressurreto hoje pela fé nas palavras que são pregadas. De
fato, é somente deste modo que a ressurreição se torna presente e, assim, torna-
se possível encontrar Jesus ressuscitado.934
Marxsen também aceita tal formulação. Embora Jesus esteja morto, sua
oferta de fé não perdeu a validade935 porque Jesus vive hoje no conteúdo da
pregação cristã. Assim, a atividade de Jesus continua além do túmulo. Ele se
mostra vivo porque os homens ainda continuam respondendo a ele com fé.936
Para Marxsen, a ressurreição de Jesus não é, portanto, a ressurreição de um
homem morto da sepultura, mas sim o Jesus crucificado e morto que ainda in-
fluencia os homens a acreditar até hoje.937
O propósito por trás de tais manobras teológicas é óbvio. O desejo é poder
continuar a ensinar que a fé cristã ainda é válida para o homem moderno, em-
bora muitos ainda estejam inclinados a rejeitar a ressurreição como um aconte-
cimento histórico. Desta forma, as crenças tradicionais que no Novo Testa-
mento são resultado da ressurreição podem ser confirmadas de maneira mais
harmoniosa com o pensamento moderno.
No entanto, esta posição é obviamente carregada de várias incredibilidades.
Há pelo menos duas razões válidas para rejeitar tal postura teológica.
Em primeiro lugar, tal compreensão da ressurreição de Jesus, segundo a
qual se diz que ele está vivo, embora não tenha ressuscitado literalmente dos
mortos, é contrária à compreensão cristã mais antiga desse evento. A concep-
ção judaica da ressurreição envolvia a ressurreição do corpo. Os cristãos do
primeiro século também acreditavam na ressurreição de um corpo espiritual,
conforme mostrado claramente acima, e acreditava-se que Jesus literalmente
ressuscitou dessa maneira. Portanto, afirmar que essa visão moderna está pró-
xima do Novo Testamento é ridículo.938 Para os primeiros crentes, dizia-se que
Jesus estava vivo no momento, mas porque ele literalmente ressuscitou dos
mortos, não porque sua influência simplesmente continuou além do túmulo,
apesar de estar morto.

933
Bultmam, “Novo Testamento e Mitologia,” em Kerygma and Myth, op. cit., pp. 100-1 38, 42, por
exemplo.
934
Ibidem, pp. 41–43. R. Lofton Hudson chega a uma conclusão semelhante a respeito de Jesus estar
vivo na pregação da igreja. Ver R. Lofton Hudson, “What One Easter Meant to Me,” Christian Cen-
tury 90, no. 16 (abril de 1973): 450–52, especialmente p. 451.
935
Marxsen, op. cit., p. 147.
936
Ibid., pp. 77, 110, 128, 141, 144.
937
Ibid., cf. pp. 128–29 with p. 147.
938
Marxsen sugere exatamente isso (op. cit., pp. 144-145).
229

Conforme afirmado por Maier, o conceito moderno de que a fé cristã ainda


seria válida mesmo que Jesus nunca tivesse ressuscitado corporalmente não
passaria de um absurdo para Paulo e outros cristãos do primeiro século.939
Brown concorda, acrescentando que formulações como a de Marxsen são de
pouco valor se não fizerem justiça à posição do Novo Testamento, que permite
apenas uma interpretação da ressurreição - uma ressurreição literal.940 Ladd
afirma isso bem:

O Novo Testamento não sabe nada sobre a persistência da personalidade de Je-


sus além da ressurreição do corpo. O Novo Testamento também não conhece a
'ressurreição do espírito' para o céu... Se seu corpo está apodrecendo em uma
tumba palestina, ele não pode ser o Senhor exaltado.941

Reconhecidamente, o conceito do Novo Testamento sobre a ressurreição de


Jesus não é auto-justificado. Mas o ponto aqui é crucial. O testemunho de Pau-
lo é que se Jesus não ressuscitou literalmente em um corpo espiritual de tal
forma que pudesse aparecer para os outros, então ele não ressuscitou de forma
alguma (1 Coríntios 15:1–19). Esta é a escolha que está aberta para nós. Ou
Jesus ressuscitou literalmente ou não se pode dizer que ele está vivo de ne-
nhuma outra maneira senão no sentido espiritual. Adotar um meio-termo que
afirma que Jesus está vivo, mas não ressuscitou dos mortos, não está aberto pa-
ra nós. Os primeiros cristãos, em particular, não reconheceriam tal crença
comprometedora. Se Jesus estivesse morto, a teologia cristã não poderia ser
verdadeira. Se Jesus está morto, a teologia contemporânea também não pode
sustentar as outras afirmações e doutrinas da fé cristã. Todos ficam de pé ou
caem juntos.
Em segundo lugar, a lógica por si só determina que esse conceito moderno
da ressurreição é inválido. Como Ladd afirma com firmeza, se Jesus não res-
suscitou corporalmente da tumba, então ele ainda está morto.942 É claro que se
uma pessoa está morta, ela não pode ainda estar viva, a menos que ela esteja
falando da imortalidade espiritual ou da continuação da personalidade de al-
guém como ela é lembrada por outros ou algum entendimento semelhante.
Além da ressurreição proclamada pelo Novo Testamento, não se pode dizer
que Jesus está mais vivo do que qualquer outra pessoa que já morreu. Além de
uma ressurreição literal, ele ainda poderia influenciar as pessoas hoje apenas

939
Maier, “O Túmulo Vazio como História”, op. cit., pág. 5 e Primeira Páscoa de Maier, op. cit.,
pág. 115.
940
Brown, A Concepção Virginal e a Ressurreição Corporal de Jesus, op. cit., pág. 75, nota de roda-
pé número 128.
941
Ladd, op. cit., pp. 146–47.
942
Ibid., pp. 152–53, nota de rodapé número 5.
230

no sentido do efeito contínuo de sua vida e ensinamentos sobre os outros. Mas


dizer que Jesus ressuscitou por causa de tal imortalidade ou influência espiri-
tual é claramente ilógico e impreciso. Também envolve uma apropriação gros-
seira de palavras.
A crença cristã primitiva na ressurreição de Jesus não poderia ter sobrevivi-
do se o corpo de Jesus ainda estivesse apodrecendo na sepultura. 943 De fato,
nenhuma parte da fé cristã poderia ser considerada verdadeira se Jesus nunca
tivesse ressuscitado dos mortos. Ladd afirma este fato muito bem:

Mas se Jesus está morto,944 toda a sua mensagem é negada. Se ele estiver morto,
ele não pode entrar em seu Reino... Além disso, o ensino de Jesus sobre a pre-
sença do Reino e suas bênçãos também é uma ilusão, pois a presença das bên-
çãos do Reino foi apenas uma antecipação do Reino escatológico a ser estabele-
cido. pelo celestial Filho do Homem... Se Jesus está morto, toda a sua mensa-
gem sobre o Reino de Deus é uma ilusão. Se Jesus está morto, o cerne da cristo-
logia do Novo Testamento também é uma ilusão.945

Por essas razões, a formulação moderna946 pela qual se afirma que Jesus está
vivo, embora não tenha ressuscitado literalmente dos mortos, não pode ser vá-
lida. Tal interpretação não coincide com a compreensão do Novo Testamento
sobre este evento e, portanto, não pode ser entendida como tal. O Novo Tes-
tamento apresenta uma atitude de vida ou morte em relação à ressurreição lite-
ral de Jesus. Somente se ocorreu literalmente podemos considerar válida a teo-
logia cristã. Qualquer outra compreensão deste evento, portanto, não é possível
se alguém ainda deseja abraçar a doutrina cristã.
Além disso, essa formulação moderna é bastante ilógica. Um homem morto
que não ressuscitou dos mortos não está mais vivo do que qualquer outro indi-
víduo morto. Tal homem só poderia influenciar as pessoas pela inspiração de
sua vida passada e ensinamentos. Mas tal pessoa não ressuscitou e não está vi-
va mais do que qualquer outra pessoa. Sua presente existência espiritual, por-
tanto, não seria única. Somente por meio de uma ressurreição literal um indi-
víduo pode ser proclamado ressuscitado.
Portanto, devemos concluir que David Hume e o liberalismo teológico co-
mo um todo (século XIX e XX) não oferecem uma abordagem válida para a

943
Foremberg, Jesus—Deus e o Homem, op. cit., especialmente p. 100.
944
Neste ponto da citação acima, Ladd fornece uma nota de rodapé na qual afirma sua visão de que
aqueles que acreditam que Jesus ainda está vivo, mas insistem que ele não ressuscitou corporalmen-
te da tumba, estão expressando todas as opiniões ilógicas. Jesus ressuscitou ou está morto (Ladd, op.
cit., pp. 152-53, nota de rodapé número 5).
945
Ibid., pp. 145–46.
946
Machen observa que essa interpretação também prevalecia no antigo liberalismo do século XIX e
início do século XX (op. cit., pp. 108-9).
231

ressurreição de Jesus. A metodologia e os pressupostos usados têm se mostra-


do errôneos, assim como a concepção incorreta da uniformidade da natureza.
Sem essas premissas erradas, as conclusões subseqüentes que foram postula-
das contra a ressurreição certamente não podem ser mantidas. Além disso, as
teorias naturalistas propostas como sugestões alternativas para explicar a cren-
ça na ressurreição mostraram-se inadequadas para explicar os fatos conheci-
dos. Essas teorias falham histórica, lógica e teologicamente. Além disso, os
próprios teólogos liberais mostraram que as teorias alternativas não eram váli-
das ao demonstrar as inadequações de cada uma.
Da mesma forma, foi determinado que a compreensão popular moderna de
Jesus como “ressuscitado” e “vivo” hoje, apesar de nunca ter ressuscitado dos
mortos, também é uma concepção totalmente inadequada. Deve ser rejeitado,
como mostrado acima, porque viola o entendimento cristão mais antigo deste
evento e porque é bastante ilógico.
É necessário, portanto, que a resposta dada por Hume e pela teologia liberal
contemporânea desde seu tempo seja rejeitada como uma solução inadequada
para a questão da ressurreição. Nenhuma das teorias naturalistas é historica-
mente plausível, muito menos provável, e deve, portanto, ser abandonada. Essa
teoria de que a ressurreição não ocorreu falha no ponto crucial de não ser ca-
paz de formular uma teoria alternativa provável ou de descartar adequadamen-
te a ressurreição. Qualquer teoria alternativa como essas que foram examina-
das e refutadas aqui deve, portanto, ser rejeitada.947
As questões discutidas neste capítulo são muito importantes. Toda a teolo-
gia cristã se baseia na validade da ressurreição e, portanto, é imperativo enten-
der se esse evento é uma ocorrência real. Dizer que Jesus ressuscitou ou está
vivo, mas que ele não ressuscitou literalmente dos mortos apenas agrava o di-
lema. É inadequada como resposta à questão de saber se Jesus realmente res-
suscitou. É nosso desejo avaliar as outras possibilidades para verificar se elas
podem se aproximar de uma resposta provável.

947
Tais teorias certamente seriam rejeitadas independentemente de um teólogo, historiador, filósofo
ou outro estudioso ter formulado as hipóteses. O campo da especialidade não faz diferença aqui,
pois a teoria alternativa ainda seria forçada a responder às mesmas objeções levantadas acima.
232
233

Capítulo XII
Uma avaliação da possibilidade número dois
Nos capítulos 7 e 8 foi investigada a possibilidade de que a ressurreição de Je-
sus realmente ocorreu, mas que não pode ser demonstrada como tal. Foi mos-
trado no capítulo 7 que a posição mais influente aqui foi a do teólogo e filóso-
fo Søren Kierkegaard. Também ficou óbvio, especialmente no capítulo 8, que
muitos outros o seguiram nessa crença.
Acabou de ser descoberto que a conclusão de que a ressurreição não ocor-
reu falha, pois não pode fornecer uma solução provável para os fatos ou, de
outra forma, negar adequadamente esse evento. Assim, uma resposta deve ser
encontrada em outro lugar.
Kierkegaard popularizou a conclusão de que a ressurreição (e outros mila-
gres) realmente aconteceu, mas que esse evento não pode ser provado. Só pode
ser aceito pela fé. É somente pela fé e não por qualquer tipo de demonstração
que chegamos a conhecer a Deus.
Esta posição foi desenvolvida por Karl Barth, que claramente aceitou a res-
surreição como um evento histórico que realmente ocorreu. Mas, como Kier-
kegaard, não se pode provar que esse evento tenha ocorrido. No entanto, Barth
seguiu teólogos anteriores como Martin Kähler em relegar a ressurreição para
outra história que não seja totalmente objetiva. Acreditava-se que esse evento
ocorreu em um tipo de história não verificável, removido de testes objetivos,
como a investigação histórica.
Muitos teólogos seguiram Barth nessas visões. Hoje é bastante popular
conceber a ressurreição como um evento real, mas não verificável.
A lógica por trás de tal teoria é aparentemente poder afirmar a ressurreição
como um evento real para a fé, mas ao mesmo tempo remover esse evento do
olhar crítico da historiografia moderna. Assim, parece que a intenção de Barth
(e daqueles que concordam com ele) é remover a fé cristã desse reino da meto-
dologia histórica moderna e, assim, manter o cristianismo fora de qualquer
possibilidade de ser investigado criticamente.948 Tais métodos de verificação
são vistos como opostos à apresentação da fé no Novo Testamento.949
Apesar do aparente desejo de Barth de “preservar” o cristianismo de todas
essas investigações críticas, sua formulação ainda é bastante problemática. Já
948
Ver Blaikie, op. cit., pp. 122-36 e History and Christianity, de Montgomery, op. cit., pp. 87–89 e
Para onde vai a história?, op. cit., pp. 115–16.
949
Barth faz essa afirmação, por exemplo, em seu Church Dogmatics, op. cit., vol. 4, parte 1, pp.
335–36.
234

foi constatado no capítulo 3 que a história é necessária para investigar todos os


fatos possíveis que cercam um evento a fim de encontrar a conclusão mais
provável. Concluiu-se que nem a ciência nem a história podem descartar o mi-
lagroso a priori. Em vez disso, todos os fatos devem ser investigados minucio-
samente com a conclusão que melhor apóia os fatos vistos como prováveis.
Portanto, um milagre como a ressurreição pode ser considerado a conclusão
provável e, portanto, ser visto como um evento histórico real. Por esta razão,
Barth não precisa sentir que os fatos do Cristianismo devem ser preservados de
investigações históricas ou de outros tipos. Se esses fatos forem considerados
prováveis, eles se defenderão. Caso contrário, tal evento não mereceria a fé
que o Novo Testamento afirma ser dependente dele. Barth está, portanto, erra-
do ao recomendar tal procedimento como sendo essencial.
Esta última crítica ao método de Barth se soma a outros problemas impor-
tantes que foram apontados nos capítulos 7 e 8 com relação à posição de Kier-
kegaard e de Barth (e também em relação aos estudiosos que os seguem). Re-
sumidamente, houve três grandes críticas dirigidas contra Kierkegaard. Primei-
ro, mesmo o próprio Kierkegaard não consegue construir um sistema teológico
que não seja primeiro construído sobre algum fundamento razoável. Por
exemplo, sua polêmica sobre fé e subjetividade é um tanto racional, pois ele
faz uso tanto da lógica quanto da razão. Mesmo suas convicções mostraram-se
baseadas na racionalidade. Na verdade, todo o seu sistema não poderia ser
formulado à parte da razão. Assim, mostra-se impossível ter fé sem algum tipo
de base racional. Em segundo lugar, uma vez que a fé é interpretada como
sendo temporalmente primeira e a razão não recebe um lugar real por este es-
tudioso, não é possível saber se tal fé é válida. Como não haveria critérios ob-
jetivos para examinar a fé cristã, não podemos saber se ela está correta em suas
crenças ou não. A fé deve, portanto, ser testável para determinar se é válida.
Caso contrário, nunca se saberá se ele estava certo nessa fé e se sua crença era
confiável e factual, ou se era simplesmente espúria.950
A partir das duas primeiras críticas a Kierkegaard, torna-se evidente que (1)
a razão é temporalmente primeira e (2) a fé precisa de um fundamento objetivo
para que possa ser verificada. Uma terceira crítica a Kierkegaard decorre natu-
ralmente dessas duas primeiras. Uma vez que alguma verificação razoável é
necessária sobre a qual a fé pode ser construída, um exame histórico das rei-
vindicações do cristianismo é o procedimento mais provável. De qualquer
forma, um método tão razoável não poderia ser contestado, uma vez que ape-
nas uma base objetiva é necessária.951
950
Para o raciocínio dessas duas primeiras críticas, veja o capítulo 4 acima.
951
Os passos lógicos para essas três críticas a Kierkegaard não podem ser completamente determi-
nados a partir deste breve resumo. Veja o capítulo 7 para um estudo aprofundado dessa crítica.
235

A partir desse tratamento de Kierkegaard, algumas das fraquezas dessa


abordagem proposta para a ressurreição podem ser vistas com mais clareza. Há
definitivamente uma necessidade de uma abordagem mais objetiva para este
evento.
Além da apresentada acima, quatro críticas principais também foram apre-
sentadas em relação à modificação de Barth desse método.952 Resumidamente,
a primeira crítica diz respeito ao desenvolvimento de Barth da ideia de que a
ressurreição de Jesus ocorreu na pré-história ou para-história. Envolve uma
dupla crítica. A história não conhece tal conceito onde os eventos podem ocor-
rer nos limites ou arredores da história. Este reino não pode ser medido por
métodos históricos e, portanto, é inválido. Além disso, Barth não permite ne-
nhuma verificação de eventos na pré-história, mas ainda insiste que eles são
realmente históricos. No entanto, a história real pode ser examinada e investi-
gada. Se a ressurreição ocorreu na história, deve estar aberta a tal investigação
ou não pode ser referida como história objetiva. Em segundo lugar, como Ki-
erkegaard, o método de Barth não permite nenhum meio pelo qual a fé cristã
possa ser examinada. Assim, mais uma vez, não se pode determinar se esta fé é
válida ou não. Remover o cristianismo de qualquer investigação é torná-lo tão
subjetivo que ninguém poderia realmente verificar sua confiabilidade. Não se
podia ter certeza se a crença de alguém era factual.
Terceiro, Barth aceita a morte de Jesus como um evento que ocorreu na his-
tória real no sentido moderno da palavra, enquanto a ressurreição é relegada à
pré-história. No entanto, acredita-se que ambos os eventos sejam reveladores.
Barth é, portanto, ilógico ao declarar que Deus não se revela em eventos obje-
tivos e verificáveis. Já que Ele fez isso na cruz, Ele também poderia fazer isso
com a ressurreição. Assim, a ressurreição também poderia ser logicamente his-
tória no sentido moderno, verificável e objetivo. A quarta crítica a Barth é que
ele claramente demonstrou estar errado em sua crença de que o Novo Testa-
mento nunca tenta demonstrar a ressurreição. Ao contrário, tal procedimento
ocorre várias vezes.953 Assim, ele não pode reivindicar apoio bíblico para seu
método.954
Pelas razões expostas aqui, esta segunda solução possível para a ressurrei-
ção também falha em explicar adequadamente os fatos que são conhecidos
como verdadeiros. Reconhecidamente, ele é carregado com menos problemas
952
Essas quatro críticas a Barth foram posteriormente alteradas no capítulo 8 para que também se
aplicassem aos estudiosos que o seguiram.
953
Por exemplo, veja 1 Coríntios 15:4–8, especialmente o versículo 6; Lucas 24:36–43; João 20:24–
28; Atos 1:3; 10:40–41. As doutrinas cristãs também são consideradas verdadeiras por causa da res-
surreição (ver Atos 17:30–31; Romanos 1:4).
954
Assim como com Kierkegaard, as razões para essas quatro críticas não podem ser totalmente de-
duzidas dessa breve pesquisa. Veja especialmente o capítulo 8 para a lógica aqui.
236

do que o primeiro método discutido no último capítulo. Por exemplo, esta so-
lução não é necessária para oferecer quaisquer visões alternativas naturalistas
sobre a ressurreição. Mas a abordagem adotada por Kierkegaard, Barth e ou-
tros não pode lidar adequadamente com todas as críticas levantadas aqui e de-
ve, portanto, ser rejeitada como um tratamento incorreto da ressurreição de Je-
sus.
Conforme concluído nos capítulos 7 e 8, Kierkegaard e Barth concordam
que a fé em Cristo é o elemento mais importante do cristianismo. O mesmo
também foi verificado neste estudo no capítulo 4 acima, com a fé como o ele-
mento mais crucial sendo construído sobre uma visão razoável dos fatos. Por-
tanto, sua concepção de fé pode permanecer válida, mesmo que a metodologia
pela qual eles chegam a essa conclusão seja falha. Isso porque a mesma con-
clusão, a saber, a importância da fé, também pode ser alcançada objetivamen-
te.955
Tanto para Kierkegaard quanto para Barth, o centro do cristianismo é a sal-
vação pela fé e o compromisso com Jesus como o Cristo. A salvação é alcan-
çada quando um indivíduo está convencido de que é um pecador e experimenta
uma mudança completa em sua vida pelo arrependimento. Essa experiência
espiritual consiste em o indivíduo confiar na morte de Cristo na cruz como
uma morte substitutiva para pagar por seus pecados e, como resultado, entre-
gar sua vida a Deus pela fé. Ambos os teólogos também enfatizam o compro-
misso subseqüente e a vida transformada que resultará de uma conversão ge-
nuína.956
Por causa do estudo acima mencionado da relação razão-fé, essas conclu-
sões sobre a importância primária da fé devem, portanto, ser aceitas como vá-
lidas. Eles representam fielmente a posição do Novo Testamento sobre esse
assunto e serão considerados ainda mais confiáveis se a ressurreição for um
evento histórico real, porque uma base firme e objetiva terá sido dada a esse
conceito de fé.

955
Este foi o resultado do estudo lógico da fé e da razão no capítulo 4.
956
Para a visão de Kierkegaard, veja especialmente Attack Upon “Christendom,” op. cit., pp. 149,
210, 213, 280, 287; cf. “Søren Kierkegaard” de Heinecken, em Marty e Peerman, op. cit., pp. 131,
133, 134. Para a visão de Barth, ver em particular seu Church Dogmatics, op. cit., vol. 4, parte 1, pp.
248–54.
237
238

Capítulo XIII
Uma avaliação da possibilidade número três
A terceira solução possível para a ressurreição de Jesus foi investigada nos ca-
pítulos 9 e 10, uma solução que postulava que a ressurreição realmente ocorreu
e que pode ser demonstrado como um evento histórico. Foi determinado no
capítulo 9 que Wolfhart Pannenberg é provavelmente o representante mais co-
nhecido desse ponto de vista. Vários outros estudiosos também sustentam essa
visão sem seguir Pannenberg nessas conclusões. No capítulo 10, também fo-
ram enumeradas as opiniões de três outros estudiosos importantes que também
acreditam que a ressurreição pode ter ocorrido na história.
De um modo geral, cada um desses quatro estudiosos sustenta que a história
deve ser investigada para verificar se a ressurreição ocorreu. Todos concordam
que não se deve ter preconceito sobre o que é possível ou impossível em tal
investigação. A única maneira de verificar se um evento sobrenatural como a
ressurreição realmente ocorreu é examinar os fatos e então decidir qual con-
clusão melhor se ajusta a esses fatos. Esta conclusão deve ser aceita como a
mais provável e, portanto, deve ser vista como um fato histórico, mesmo que
seja um milagre.
Depois de examinar as evidências disponíveis, cada um desses quatro estu-
diosos chega à conclusão de que a ressurreição é o evento que melhor explica
o que aconteceu. O método varia um pouco entre cada um desses homens, mas
o resultado primário é o mesmo. Os fatos são melhor explicados pela ressur-
reição e como esta é a solução mais provável, é considerada um fato históri-
co.957
Apesar da abordagem lógica adotada por esses estudiosos, algumas dificul-
dades foram detectadas em seus trabalhos. Isso foi especialmente verdadeiro
para a tese de Pannenberg. Primeiro, descobriu-se que seu conceito de Deus
era bastante arbitrário, carecendo de demonstração suficiente. Ao contrário da
crença de Pannenberg, Jesus não fala exclusivamente da obra de Deus no futu-
ro. Para ocupar tal posição, já se deve ter assumido que Deus trabalha dessa
maneira para interpretar todos os versículos à luz dessa ideia. Isso seria especi-
almente difícil com os versículos que ensinam a visão oposta. Em segundo lu-
gar, apesar da concepção de Pannenberg da auto-revelação indireta de Deus,
957
A concepção de Ladd sobre a ressurreição ocorrendo na história difere um pouco das outras, e is-
so já foi considerado acima. Todos os quatro estudiosos concordam que este evento é a melhor ex-
plicação dos fatos históricos e, portanto, também concordam em aceitá-lo como a conclusão mais
provável.
239

foi demonstrado que os judeus também viam a revelação ocorrendo diretamen-


te por meio da palavra falada dos profetas e da palavra escrita das Escrituras.
Assim, não se pode afirmar que a revelação indireta de Deus na história foi o
único meio de revelação aceito pelos judeus.
Terceiro, descobriu-se que o sistema geral de Pannenberg carece de provas
em vários pontos cruciais. É especialmente na formulação de suas sete teses
que há uma decidida falta de evidência para seus pontos de vista. Essa propen-
são talvez seja melhor evidenciada pela conexão tanto da revelação quanto do
destino de Jesus com o fim da história. Vários problemas que surgem como re-
sultado dessas formulações foram apontados acima. De fato, o arcabouço teo-
lógico de Pannenberg como um todo, embora interessante, às vezes carece da
demonstração necessária para estabelecê-lo além do reino da especulação filo-
sófica. Quarto, o tratamento de Pannenberg sobre a ressurreição falha em dois
aspectos. Primeiro, ele aceita firmemente esta ocorrência como um evento his-
tórico, mas rejeita quaisquer aparições fortemente objetivas de Jesus, mesmo
quando as evidências indicam o contrário. Mas foi demonstrado que tais con-
clusões são infundadas e que o testemunho do Novo Testamento é contrário.
No entanto, este estudioso realmente acredita que Jesus realmente ressuscitou
dos mortos e apareceu a seus discípulos.
A segunda parte desta quarta crítica diz respeito ao tratamento de Pannen-
berg das teorias naturalistas que foram compostas em oposição à ressurreição.
Com exceção da teoria da visão subjetiva, sua crítica a essas teorias alternati-
vas não é tão forte quanto poderia ser. No entanto, é imperativo que essas vi-
sões naturalistas sejam refutadas da forma mais conclusiva possível. Visto que
a ressurreição é o elemento central da fé cristã, é fundamental averiguar se esse
evento realmente ocorreu. Portanto, uma refutação completa das hipóteses na-
turalistas permitiria uma decisão mais precisa sobre a probabilidade da ressur-
reição.
Além disso, quanto mais completa for a refutação desses pontos de vista al-
ternativos, mais fácil será concluir que não há pontos de vista mais prováveis
do que a ressurreição de Jesus como um evento histórico e mais provável será
a ressurreição.
Da mesma forma, descobriu-se que Daniel Fuller, Ladd e Maier também fo-
ram vítimas dessa última crítica. Como Pannenberg, esses três estudiosos tam-
bém conseguiram refutar as principais teorias alternativas. Mas também como
Pannenberg, raramente uma refutação completa foi dada. Mais uma vez, uma
negação mais completa e completa das visões rivais por parte de todos os qua-
tro estudiosos revelaria ainda mais positivamente se houvesse outras soluções
prováveis além da ressurreição literal de Jesus. Quanto mais completa esta in-
vestigação e refutação, mais fácil é verificar que a ressurreição é a resposta
240

mais provável e mais provável se torna este evento em si. Uma vez que todos
os quatro estudiosos se esforçam para estabelecer a probabilidade desse even-
to, o objetivo deve ser fazê-lo da maneira mais precisa e completa possível.958
Além dessa crítica comum feita a todos os quatro desses estudiosos sobre
seus tratamentos incompletos das teorias alternativas, outras críticas mais indi-
viduais foram apontadas acima. Mas em todos os casos, essas críticas não anu-
laram a defesa da ressurreição apresentada por cada um dos quatro. Na verda-
de, é muito difícil anular essas abordagens quando se percebe que, para revo-
gá-las com sucesso, seria preciso propor uma solução naturalista mais provável
para a ressurreição.959
Significativamente, não foi apenas a evidência negativa (como a que foi
apresentada contra as teorias alternativas) que foi verificada para favorecer a
ressurreição como algo real mesmo na história. Também foi demonstrado que
houve fatos positivos e indícios que também indicam que esta é a explicação
mais provável dos fatos. Por exemplo, Daniel Fuller aponta para a conversão
de Paulo e a existência da missão gentia. Maier apresentou evidências históri-
cas de vários tipos para corroborar sua posição.
É por essas razões que a terceira abordagem possível da ressurreição, que
propõe que esse evento realmente ocorreu e pode ser demonstrado, apresenta-
se como a melhor solução para a questão da ressurreição de Jesus. Como será
mostrado agora, a conclusão que melhor se ajusta aos fatos é que a ressurrei-
ção literal de Jesus dentre os mortos pode ser demonstrada como um evento
histórico. A discussão a seguir no último capítulo não depende do trabalho
desses quatro estudiosos discutidos aqui, mas ainda chega a uma conclusão
semelhante.

958
O significado dessa crítica contra todos esses quatro estudiosos será explicado mais detalhada-
mente no último capítulo.
959
Ver, por exemplo, Pannenberg, Revelation as History, op. cit., pág. 147 e Maier, Primeira Pás-
coa, op. cit., pág. 120.
241
242

Capítulo XIV
Uma Demonstração Final
Foi verificado que a ressurreição literal de Jesus dentre os mortos é o evento
histórico que melhor explica os fatos conhecidos que cercam esta ocorrência.
O objetivo neste capítulo é apresentar uma demonstração final deste escritor de
que este evento é o mais provável. Conforme explicado anteriormente neste
trabalho, a palavra “demonstração” é usada aqui não no sentido de “prova ab-
soluta”, mas sim como uma referência a probabilidades. Assim, afirma-se que
a evidência factual é forte o suficiente para garantir a convicção de que a res-
surreição é a conclusão mais provável para o que ocorreu.

A. O MÉTODO HISTÓRICO

A historiografia moderna geralmente descarta a possibilidade do milagroso a


priori. De acordo com este método, a história está fechada para as obras sobre-
naturais de Deus em eventos como milagres. Apesar da popularidade desse
procedimento, deve-se reconhecer que tal posição é um pressuposto histórico.
Esse conceito moderno de história emergiu do ambiente intelectual a partir
do Iluminismo e continuou até o positivismo histórico do século XIX. Mila-
gres como a ressurreição foram descartados desde o início, muitas vezes por
causa de um suposto conflito com o conceito de história. O resultado foi uma
rejeição a priori de toda intervenção sobrenatural na história.960
Alguém pode se perguntar o quão histórica essa abordagem realmente é na
realidade. No caso de alegação de milagre, a técnica predominante é descartar
a possibilidade do mesmo antes mesmo de qualquer investigação dos fatos.
No entanto, tal foi considerado um procedimento incorreto nos capítulos 2 e
3 acima. A ciência não pode excluir o milagroso a priori porque o universo não
é mais concebido em termos de um sistema fechado no qual todos os eventos
acontecem por meio de uma regularidade prescrita. A ciência, portanto, não
pode saber de antemão que tais milagres não podem ocorrer. Portanto, não po-
de haver rejeição de milagres como a ressurreição simplesmente referindo-se a
um mundo moderno em que tais eventos sobrenaturais não ocorrem.

960
Ver Montgomery, History and Christianity, op. cit., pp. 88–89 e Para onde vai a história?, op.
cit., pp. 115-116; Blaikie, op. cit., pág. 135; Daniel Fuller, op. cit., pág. 188; Ladd, op. cit., pp. 12–
13; Maier, “O Túmulo Vazio como História”, op. cit., pág. 5.
243

Na verdade, a ciência moderna é bastante limitada quanto ao que pode dizer


sobre a ressurreição. O método científico está obviamente preocupado com
quantidades mensuráveis. Conceitos como paz, liberdade ou amor não podem,
é claro, ser medidos em um tubo de ensaio. Nem um contador Geiger pode ser
usado para verificar a existência de Júlio César. Em outras palavras, a ciência
empírica não tem instrumentos ou outros meios pelos quais a história passada
possa ser investigada. Além disso, a história não é repetível, o que também é
necessário para que a ciência faça um julgamento adequado. Portanto, tudo o
que pode ser verificado por meio da ciência empírica é que a ressurreição não
pode ser negada por causa da cosmovisão científica. Em vez disso, é necessá-
ria uma investigação histórica imparcial dos fatos para ver se esse evento re-
almente ocorreu.
É aqui que a ciência da história surge como o método mais adequado a ser
usado nesse caso. Tal como acontece com a ciência, também foi demonstrado
que a história também não pode empregar a cosmovisão científica para descar-
tar milagres a priori. Deparamo-nos assim mais uma vez com a necessidade de
investigar historicamente todos os factos para encontrar a solução mais prová-
vel. A historiografia moderna não pode negar a ressurreição como um evento
histórico sem tal exame. É claramente impossível (como mostrado nos capítu-
los 2 e 3) descartar adequadamente tal alegação de milagre de antemão.
Neste trabalho, o método histórico empregado é, portanto, aquele que in-
vestiga os fatos antes de tomar uma decisão sobre o que pode ou aconteceu. O
status de probabilidade é dado ao evento que é a melhor explicação para os fa-
tos conhecidos. Essa abordagem indutiva é, na verdade, mais científica em seu
esforço de basear a conclusão final em uma investigação histórica completa do
que se sabe ter ocorrido.

B. OS FATOS HISTÓRICOS

Ao longo deste trabalho, muitas referências foram feitas aos fatos históricos
conhecidos e como a ressurreição é a melhor explicação para esses eventos.
Quais são esses fatos? Quais são os eventos e circunstâncias que se sabe terem
acontecido em conjunto com a crença de que Jesus ressuscitou dos mortos?
Em torno do evento da ressurreição existem muitos fatos geralmente reco-
nhecidos como históricos pela maioria dos estudiosos que tratam desse assun-
to. Sabe-se que Jesus realmente morreu961 e que foi sepultado. Também histó-
rico é o fato de que, após a morte de seu Mestre, os discípulos ficaram extre-
mamente deprimidos e desiludidos. Para eles, o ministério de Jesus havia ter-
961
Há muito poucos (se houver) teólogos respeitáveis hoje que duvidam que Jesus realmente morreu
na cruz.
244

minado prematuramente pela cruz romana. É unanimemente aceito que eles es-
tavam bastante desanimados e abatidos. Posteriormente, por mais confuso que
fosse, o túmulo em que Jesus foi colocado foi encontrado vazio.962
Logo depois, a história relata que os discípulos tiveram várias experiências
que eles acreditavam serem aparições de Jesus ressuscitado. Após essas expe-
riências, houve uma mudança drástica em seu caráter - uma transformação que
os tornou pregadores ousados, mesmo na mesma cidade onde Jesus foi crucifi-
cado e sepultado. O resultado dessa pregação foi o nascimento da igreja cristã,
que começou a se reunir no domingo em vez do sábado judaico (sábado). Por
fim, é um fato histórico inquestionável que um dos mais ávidos perseguidores
da igreja cristã, Saulo de Tarso, foi convertido ao cristianismo pelo que ele
também acreditava ser uma aparição de Jesus ressuscitado.963
A partir deste resumo, um mínimo de dez fatos históricos podem ser obti-
dos, os quais são considerados históricos pela maioria dos teólogos de hoje: (1)
Jesus realmente morreu na cruz e (2) foi sepultado em uma tumba. (3) Os dis-
cípulos ficaram extremamente desiludidos e desconcertados com a morte de
Jesus, sendo desprovidos de toda esperança. (4) O mesmo túmulo em que Je-
sus foi enterrado foi encontrado vazio poucos dias depois, provavelmente com
as mortalhas ainda dentro. (5) Os discípulos foram os recipientes de várias ex-
periências que eles acreditavam serem as aparições da ressurreição de Jesus.
(6) Depois disso, os discípulos experimentaram uma transformação completa,
estando dispostos a morrer por sua nova fé. (7) A pregação resultante geral-
mente acontecia em Jerusalém, o lugar exato onde Jesus foi morto e sepultado.
(8) Essa pregação levou ao nascimento da igreja, (9) caracterizando o domingo
como o dia mais importante de adoração, em vez do sábado. (10) Mais tarde,
Paulo se converteu ao cristianismo por meio de uma experiência que ele tam-
bém acreditava ser uma aparição de Jesus ressuscitado.
Estes, então, são os fatos históricos que devem ser tratados e explicados. Os
Evangelhos e o Novo Testamento como um todo concordam com todos os dez
deles, explícita ou implicitamente. Nenhum deles é negado em nenhum dos es-
critos do Novo Testamento. Além disso, como vimos em vários pontos deste
trabalho, a maioria dos teólogos também os aceita como fatos históricos. Por-
tanto, é evidente que a explicação dada à ressurreição também deve explicar
esses eventos. A resposta postulada nesses primeiros escritos é que Jesus lite-
ralmente ressuscitou dos mortos. Qualquer explicação alternativa deve explicar
todos esses fatos adequadamente e ainda superar o obstáculo mais difícil ao
propor uma provável teoria naturalista para as aparições aos discípulos. Assim,
962
Ladd acrescenta aqui a historicidade do relato das mortalhas encontradas no túmulo vazio (op.
cit., p. 94), uma vez que a descrição delas traz as marcas do testemunho ocular.
963
Para listas semelhantes, ver Ladd, Ibid., pp. 13, 91-94, 132-33.
245

aquele que nega a ressurreição deve explicar adequadamente todos esses fatos
e oferecer uma provável visão alternativa das aparições. Mas, como vimos, não
existem tais visões alternativas prováveis, pois mesmo as teorias naturalistas
mais populares falham em explicar adequadamente os fatos que ocorreram.964
A enumeração desses fatos também torna evidente que existem fatos histó-
ricos positivos que também apóiam a crença na ressurreição. Este evento, por-
tanto, não depende apenas do que Ladd chama de “anticrítica”965 ou da rejei-
ção de todas as teorias naturalistas que foram formuladas contra a ressurreição.
Em outras palavras, não é apenas a evidência da eliminação de todas as teorias
alternativas que torna a ressurreição plausível, mas existem fatos “positivos”
reais que também demonstram que esse evento é o mais provável. Há pelo
menos sete fatos fortes que indicam que Jesus realmente ressuscitou dos mor-
tos. O primeiro e de longe o fato mais forte é a afirmação positiva do Novo
Testamento de que os discípulos realmente viram o Jesus ressurreto. Não há
apenas o testemunho ocular de Paulo para esse fato, mas os evangelhos estão
pelo menos próximos e incluem o testemunho ocular dos discípulos (veja Lu-
cas 1:1–4 como exemplo), conforme discutido acima. Paulo também registra o
fato extremamente importante de que os discípulos originais também estavam
pregando sobre as aparições de Jesus ressuscitado para eles (1 Coríntios 15:11-
15).
O poder deste testemunho do Novo Testamento é duplo. Primeiro, nenhuma
teoria alternativa é suficiente para explicar essas aparências e a subsequente
convicção de sua realidade. Mas não é apenas a rejeição dessas teorias que tor-
na essa afirmação tão importante. Em segundo lugar, os fatos conhecidos em
torno deste evento tendem a corroborá-lo e tornar a alegação altamente confiá-
vel. Por exemplo, os discípulos passaram a acreditar firmemente na ressurrei-
ção, apesar de sua esmagadora desilusão e descrença. Assim, eles passaram a
acreditar apesar de si mesmos. Outros fatos também são deixados sem explica-
ção além da ressurreição literal de Jesus.
Outros eventos além das aparições reais também são evidências positivas da
ressurreição de Jesus. Em segundo lugar, a incrível mudança na vida dos dis-
cípulos de homens desanimados que fugiram com a prisão de Jesus para pre-
gadores ousados que afirmaram os ensinamentos da vida, morte e ressurreição
de Jesus mesmo em face de sua própria morte indica inequivocamente que es-
ses os homens acreditavam firmemente que Jesus havia ressuscitado. Essa eu-
foria geralmente também não é ação de homens que foram enganados por
qualquer tipo de falsidade. Tal crença indubitável, a ponto de morrer por sua
fé, não é a marca de homens que tiveram o menor receio sobre esse evento. A
964
Voltaremos a uma avaliação final dessas teorias alternativas mais tarde.
965
Ladd, op. cit., pp. 27, 140–41, em referência ao nome de Helmut Thielicke para esta evidência.
246

transformação dos discípulos é melhor explicada pelas aparições reais de Jesus


ressuscitado.
Em terceiro lugar, a evidência do túmulo vazio, embora não forneça prova
da ressurreição, é um ponto positivo a favor daqueles que aceitam esse evento
como histórico. Ao mesmo tempo, requer uma explicação provável por parte
daqueles que rejeitam esse evento.966 Ainda mais a favor da ressurreição é a
descoberta das mortalhas dentro do túmulo, ainda desvendadas com o corpo
simplesmente desaparecido.
A atitude dos líderes judeus no livro de Atos revela um quarto conjunto de
circunstâncias históricas fortemente a favor da ressurreição literal de Jesus.
Quando os discípulos foram confrontados pelos anciãos judeus em várias oca-
siões nos primeiros capítulos deste livro (ver especialmente Atos 4–5), esses
seguidores de Jesus não foram acusados de espalhar histórias falsas sobre a
ressurreição de Jesus. Nem os judeus foram ao túmulo de Jesus, revelaram seu
corpo e, assim, esmagaram a crença central do cristianismo.967
Quinto, o próprio nascimento da igreja cristã depende da mensagem da res-
surreição de Jesus. Este evento forma o próprio centro do cristianismo e da
primeira mensagem cristã. De acordo com o testemunho mais antigo, não ha-
veria igreja hoje sem esse evento.968
Um sexto fato que aponta para a ressurreição é a comemoração desse even-
to no culto cristão no domingo, em vez do sábado, o sábado judaico. O primei-
ro dia da semana era chamado de “o dia do Senhor” porque se acreditava que
Jesus ressuscitou em um domingo (ver Ap 1:10; cf. João 20:19, 26). Os pri-
meiros cristãos judeus aparentemente ainda se reuniam na sinagoga local para
adoração no sábado, mas para o crente cristão, o domingo era o dia para práti-
cas importantes como participar da ceia do Senhor (Atos 20:7) e recolher a
oferta de alguém (1 Cor. 16:2). Logo o domingo se tornou o dia de preeminên-
cia para os cristãos. Mas algo deve explicar este dia de adoração, já que não
era o dia normal. O Novo Testamento testemunha que a mudança foi devida à
ressurreição de Jesus.
Um sétimo fato histórico que torna a ressurreição ainda mais provável é a
conversão de Paulo. Este inimigo da igreja cristã converteu-se repentinamente
à fé à qual se opusera tão avidamente. Como mostra Daniel Fuller, outras vi-
sões naturalistas que explicariam essa conversão não são convincentes e de-
966
Como foi mostrado anteriormente, mesmo aqueles que não aceitam as aparições excessivamente
objetivas de Jesus muitas vezes aceitam a crença no túmulo vazio. Ver Reginald Fuller, op. cit., pp.
48–49, 69–70, 179–80 e Pannenberg, Jesus—God and Man, op. cit., pp. 100–104.
967
Ao falar com um “agnóstico” sobre o assunto da ressurreição de Jesus, alguns anos atrás, este es-
critor foi informado de que a posição assumida pelos líderes judeus no livro de Atos era a demons-
tração mais forte da realidade desse evento.
968
Ver Atos 1:21, 22; 2:24, 32; 3:15, 26; 4:10; 5h30, etc
247

vem ser rejeitadas. Paulo afirmou que sua reviravolta foi devido a uma apari-
ção de Jesus ressuscitado e é essa visão que ainda se ajusta melhor aos fatos.969
Esses sete fatos são, portanto, evidência “positiva” para a ressurreição de
Jesus, além da evidência “negativa” fornecida por uma refutação das visões al-
ternativas.970 As aparições de Jesus ressuscitado a seus seguidores, a mudança
completa nos discípulos, o túmulo vazio, a atitude dos líderes judeus em Atos,
a existência da igreja, o dia de adoração cristã no domingo e a conversão de
Paulo são fatos fortes a favor da ressurreição. Anteriormente, outras evidências
históricas também foram fornecidas, como a tese de Daniel Fuller sobre a exis-
tência da missão gentia dependente da ressurreição971 e a apresentação de Paul
Maier de evidências históricas específicas e circunstanciais para esse evento.972
No entanto, a teologia contemporânea forneceu evidências adicionais para a
ressurreição que reforçam cada um desses outros pontos de evidência. Con-
forme explicado no capítulo 1, a aplicação da crítica da forma aos registros do
evangelho foi considerada útil para determinar o que a igreja primitiva acredi-
tava sobre Jesus. Uma das principais expectativas era descobrir como o ele-
mento milagroso se devia a acréscimos posteriores e não fazia parte da vida de
Jesus. Mas esse não era o caso.
Ao contrário do que se poderia esperar, se a origem de tudo o que é mila-
groso no Novo Testamento fosse a fé da igreja primitiva e não uma parte real
da vida de Jesus, os estudiosos não conseguem chegar a uma camada crítica da
tradição na qual a crença na ressurreição não seja presente. Em outras palavras,
a crítica da forma demonstrou que a crença na ressurreição está nos primeiros
estratos da crença cristã. Como Carl Braaten explica esses resultados:

O estudo crítico da forma das primeiras tradições cristãs estabeleceu, além de


qualquer dúvida razoável, que a fé no Cristo ressurreto é o ponto de partida e o
conteúdo essencial do querigma. Sem a fé pascal não haveria igreja cristã e o
Novo Testamento não teria sido escrito. A crença de que Deus ressuscitou Jesus
dentre os mortos no terceiro dia é tão antiga quanto a fé cristã e é agora, como
sempre antes, o artigo pelo qual a igreja permanece ou cai... Concordo que para
o Cristianismo primitivo... a ressurreição de Jesus dentre os mortos foi um even-

969
Daniel Fuller, op. cit., pp. 242–50.
970
A evidência “positiva” é uma referência a eventos que apontam diretamente para a ressurreição,
enquanto a evidência “negativa” é aquela que é recebida ao refutar as teorias naturalistas. Claro,
ambos são positivos no que diz respeito à realidade da ressurreição.
971
Daniel Fuller, op. cit., pp. 188–261.
972
Maier, Primeira Páscoa, op. cit., pp. 114–22 e “O Túmulo Vazio como História”, op. cit., pp. 4–
6.
248

to real na história, o próprio fundamento da fé, e não uma ideia mítica surgida
da imaginação criativa dos crentes.973

Outros estudiosos também concordam com Braaten nessa visão. Reginald Ful-
ler concorda que não houve tempo em que a ressurreição não fosse o centro da
pregação cristã.974 Ramm afirma que o propósito mais importante servido pela
crítica da forma foi mostrar que os milagres, e a ressurreição em particular, fo-
ram incorporados à crença cristã desde o início.975 Wand observa que quanto
mais para trás os textos são estudados, mais claro se torna que o Cristo ressur-
reto é o mesmo Jesus da história.976
Assim, a crítica da forma serviu apenas para fortalecer a crença de que a
ressurreição é a base histórica da fé cristã. Também confirmou o fato de que
este evento ocupou esta posição tão importante na teologia desde os primór-
dios do cristianismo.
Ao enumerar esses fatos históricos envolvendo a ressurreição, torna-se evi-
dente que esse evento é a melhor explicação para o que ocorreu. No entanto,
não há apenas a evidência desses fatos, mas também a evidência das teorias
naturalistas refutadas. Além disso, também foi descoberto que há pelo menos
sete grandes fatos históricos a favor da ressurreição, além daqueles listados por
estudiosos como Maier e Daniel Fuller. Essas considerações, portanto, mos-
tram que a ressurreição literal de Jesus é a conclusão mais provável para essa
questão histórica, especialmente quando se reconhece que nenhuma teoria al-
ternativa ou outros fatos militam contra esse evento.

C. O MÉTODO TEOLÓGICO

Torna-se especialmente evidente a partir do material apresentado neste capítu-


lo (bem como no restante deste trabalho) que o ponto central desta discussão
são as experiências dos primeiros seguidores de Jesus. Todos admitem que es-
sas testemunhas realmente acreditavam que Jesus realmente ressuscitou dos
mortos.977 Mas o ponto focal aqui diz respeito a se essas experiências foram
realmente aparições do Jesus ressuscitado.
Teorias naturalísticas dessas experiências foram propostas desde a primeira
proclamação dessas crenças. Das várias visões alternativas que foram refutadas

973
Carl Braaten, História e Hermenêutica, vol. 2 de New Directions in Theology Today, editado por
William Hordern, 7 vols. (Filadélfia: The Westminster Press, 1966) p. 78.
974
Reginald Fuller, op. cit., p. 48.
975
Ramm, Protestant Christian Evidences, op. cit., p. 194.
976
Wand, op. cit., p. 122.
977
Até a teologia crítica aceita essa crença por parte dos discípulos. Por exemplo, veja Bultmann,
“New Testament and Mythology,” em Kerygma and Myth, op. cit., pág. 42.
249

aqui, havia três hipóteses principais. Estas foram a teoria do desmaio populari-
zada por Heinrich Paulus, a teoria da visão subjetiva formulada por David
Strauss e a teoria da lenda ou mito ensinada por Otto Pfleiderer e outros.978
Foi uma ênfase muito importante neste trabalho fornecer uma refutação de-
talhada e completa de cada uma das teorias naturalistas, especialmente essas
três principais. Embora se possa pensar que a tendência era exagerar cada uma
das teorias, apresentando mais evidências do que o necessário para eliminá-las,
deve-se objetar veementemente que essa era a intenção exata deste escritor, e
por boas razões. A necessidade de uma refutação completa das teorias alterna-
tivas é muitas vezes negligenciada nas obras daqueles que também optam pela
crença de que a ressurreição pode ser demonstrada. Aparentemente, não é per-
cebido que quanto mais completa é tal refutação, mais provável se torna a res-
surreição.
A razão para esta afirmação é aguda. Existem vários fatos muito importan-
tes que apontam para a facticidade da ressurreição, sendo o principal deles as
aparições aos discípulos. Enquanto uma teoria alternativa fundamental perma-
necer sem refutação (no todo ou em parte), esses fatos que apontam para a res-
surreição não podem receber o impacto total que garantem. Mas, quanto mais
as teorias alternativas são refutadas, mais notáveis se tornam os fatos que favo-
recem as reivindicações dos discípulos, deixando assim a ressurreição ainda
mais provável. Segue-se então que quanto mais completamente tais teorias na-
turalistas são rejeitadas, maior se torna a probabilidade da ressurreição, pois os
fatos que demonstram a realidade desse evento são assim mostrados como vá-
lidos. Isso é especialmente verdade quando nenhuma outra teoria alternativa se
mostra provável. Portanto, percebemos a importância de refutações completas
desses outros pontos de vista.
Ao examinar as abordagens de Pannenberg, Daniel Fuller, Ladd e Maier,
descobriu-se que cada um não foi completo em sua refutação de pontos de vis-
ta alternativos (em graus variados). Isso é verdade em dois aspectos diferentes.
Primeiro, muitas das principais razões para rejeitar cada uma das principais te-
orias não foram apresentadas. Em outras palavras, raramente uma teoria foi re-
jeitada tão completa ou fortemente quanto poderia ter sido.
Em segundo lugar, cada um desses estudiosos negligenciou completamente
(ou quase) uma ou mais das três principais teorias. Na seção de Pannenberg
que trata da defesa da ressurreição contra as teorias alternativas em seu volume

978
Outras teorias naturalistas refutadas aqui, além dessas três, incluem a teoria da visão objetiva (in-
cluindo a teoria do telegrama), a hipótese da presença espiritual contínua da personalidade de Jesus
nas mentes de seus discípulos e a teoria da fraude (incluindo a hipótese do corpo roubado). . Veja
especialmente o capítulo 6 para essas refutações.
250

Jesus—Deus e o Homem, a teoria do desmaio é negligenciada.979 O tratado de


Fuller omite qualquer refutação específica da teoria da visão de Strauss ou da
lenda ou teoria do mito, embora ambas sejam citadas como hipóteses alternati-
vas. Além disso, a teoria do desmaio é rapidamente ignorada com muito pouca
refutação.980 Ladd também ignora a lenda ou teoria do mito em seu tratamento
das teorias naturalistas,981 assim como Maier.982 Embora tenha sido verificado
que esses estudiosos foram geralmente bem-sucedidos em seus tratamentos ge-
rais da ressurreição, não se pode deixar de pensar que, uma vez que era seu de-
sejo demonstrar a probabilidade da ressurreição, uma refutação mais completa
teria sido desejável.
Uma vez que uma refutação mais adequada das teorias alternativas torna a
ressurreição mais provável, o tratamento das três teorias principais e de várias
outras menores neste trabalho procurou ser completo. Na verdade, o desejo era
especificamente apresentar mais provas do que o necessário para descartar ca-
da uma delas. O Novo Testamento afirma que Jesus ressuscitou dos mortos e
demonstrou isso aparecendo a seus seguidores. Outros fatos também corrobo-
ram esse acontecimento. Com essas teorias naturalísticas demonstradas como
bastante inadequadas para explicar adequadamente o que ocorreu, os fatos da
ressurreição são altamente prováveis. Se alguém acredita que ainda é difícil
aceitar tal evento sobrenatural, é ainda mais difícil formular uma visão alterna-
tiva que logicamente, historicamente e teologicamente explique os fatos co-
nhecidos. A ressurreição é o fato histórico altamente provável que melhor ex-
plica o que ocorreu.

D. CONVENCIDO PELOS FATOS

Um ponto interessante com relação aos fatos da ressurreição é que, após um


exame das evidências, muitos estudiosos que antes rejeitavam esse evento pas-
saram a acreditar que poderia ser demonstrado que ele ocorreu. Eles foram
convencidos pelo peso dos fatos de que este evento era histórico. Isso não quer
dizer que ninguém que tenha aprendido que a ressurreição ocorreu jamais re-
jeitou tal informação posteriormente. Mas este escritor não conhece nenhuma
instância em que a ressurreição tenha sido rejeitada após um exame dos fatos,
como foi o caso daqueles que aceitaram a realidade deste evento após tal exa-
me, contra seus pontos de vista anteriores.

979
Pannenberg, Jesus—God and Man, op. cit., pp. 88–106.
980
Daniel Fuller, op. cit., ver pp. 38–39, 45–49, 67–68 para exemplos disso.
981
Ladd, op. cit., pp. 132–42.
982
Maier, Primeira Páscoa, op. cit., pp. 105–13.
251

Frank Morison, um advogado, é certamente um dos melhores exemplos de


um estudioso que se convenceu contra suas convicções anteriores depois de es-
tudar as evidências da ressurreição. Quando jovem, Morison começou um es-
tudo sério da vida de Jesus, sendo muito influenciado pelas obras da erudição
liberal alemã. Ele não aceitou os milagres na vida de Jesus e estava determina-
do a remover o que ele sentia serem conseqüências míticas.
Dez anos depois de seus primeiros estudos, ele teve a oportunidade de estu-
dar profundamente a vida de Jesus. Um exame da última semana da vida de
Jesus em particular o levou a um estudo da ressurreição. No entanto, ao tentar
escrever um livro expondo esses mitos que ele pensou que encontraria, ele foi
compelido pela evidência factual a escrever um livro bem diferente em favor
da ressurreição. Este trabalho, intitulado Quem moveu a pedra?, tornou-se uma
defesa da ressurreição contra as visões teológicas anteriormente mantidas pelo
próprio Morison. Ele explica que foi por causa de sua investigação dos fatos
que ele inverteu seus pontos de vista anteriores e isso o levou a perceber não
apenas que a ressurreição ocorreu, mas que ela poderia ser demonstrada.983
O falecido Simon Greenleaf, ex-professor de direito de Harvard e uma das
maiores mentes legais que a América já produziu, era um cético religioso. De-
safiado por seus alunos a aplicar as técnicas de sua obra-prima jurídica, Um
Tratado sobre a Lei da Evidência, à ressurreição de Jesus, Greenleaf tornou-se
um crente. Mais tarde, ele escreveu um livro, cujo longo título é An Examina-
tion of the Testimony of the Four Evangelists by the Rules of Evidence Admi-
nistered in the Courts of Justice.984 Nesta obra ele defende a ressurreição e ex-
plica como, quando julgado pelas leis da evidência legal, pode-se demonstrar
que esse evento realmente ocorreu.985
Outro estudioso que foi convencido pelo exame das evidências é o médico
Viggo Olsen. Ele se descreveu como um agnóstico que não acreditava nos
elementos sobrenaturais do cristianismo. Porém, mais do que isso, ele constan-
temente questionava a fé cristã e tentava refutá-la. Através do processo de ten-
tar expor essas crenças, ele estudou a ressurreição e outras evidências. Mais
tarde, ele se convenceu de que Deus existia e que havia demonstração mais do
que suficiente para a ressurreição. Ele percebeu que esse evento realmente
ocorreu e que, como tal, era o centro da fé cristã. É digno de nota que o livro

983
Veja o livro de Morison, Who Moved the Stone?, op. cit., especialmente o prefácio e pp. 9–12;
cf. pp. 88–102, por exemplo. O primeiro capítulo fala apropriadamente do livro original que não po-
deria ser escrito contra a ressurreição e a vida de Jesus por causa dos fatos.
984
Este trabalho foi reimpresso em 1965 (Grand Rapids: Baker Book House).
985
Veja Josh McDowell, Evidence that Demands A Verdict (San Bernardino: Publicado pela Cam-
pus Crusade for Christ International), especialmente pp. 199–200. Veja também a fita de McDowell
distribuída por esta mesma organização, intitulada “Resurrection: Fact or Fallacy?”
252

de Simon Greenleaf sobre as evidências cristãs foi uma influência fundamental


para Olsen.986
Outros estudiosos que examinaram os fatos com imparcialidade muitas ve-
zes também concluíram que a evidência da ressurreição a estabelece como um
evento histórico. Por exemplo, tal foi a conclusão do advogado Sir Edward
Clarke, KC, que também investigou a ressurreição em termos do aspecto pro-
batório. Ele observou que esse apoio factual era conclusivo, já que muitas ve-
zes garantiu um veredicto positivo em tribunais com menos evidências.987
McDowell lista vários outros casos em que outros estudiosos chegaram a con-
clusões semelhantes após um exame imparcial dos fatos.988
Ao falar de tais exemplos, as instâncias do Novo Testamento de resultados
semelhantes não devem ser ignoradas. Sabe-se, por exemplo, que o irmão de
Jesus, Tiago, quase certamente não era um crente antes da ressurreição (João
7:5; cf. Marcos 3:21, 31–34). Mas depois de uma aparição de Jesus, ele se tor-
nou um cristão e o líder da igreja de Jerusalém (1 Coríntios 15:7; cf. Gálatas
2:1–10). O exemplo de Paulo mudando de perseguidor da igreja (Atos 7:57–
59; 9:1–2) para um fervoroso seguidor de Cristo já foi mencionado acima (veja
1 Coríntios 15:8–9). Mais uma vez, foi uma aparição de Jesus ressuscitado que
causou essa mudança de coração. É opinião da erudição teológica contempo-
rânea que esses dois homens se tornaram cristãos, apesar de suas crenças ante-
riores, por causa de uma aparição do Senhor ressuscitado.989
Esta breve apresentação mostrou que muitos aceitaram a ressurreição como
um evento histórico após uma investigação cuidadosa dos dados, mesmo
quando anteriormente se opunham a essa crença. Também extremamente inte-
ressante é a posição assumida por dois “Deus-está-morto” ou teólogos secula-
res, William Hamilton e John A. T. Robinson. Apesar das posições teológicas
seculares desses dois homens, eles também reconhecem a forte evidência da
ressurreição.
Para Hamilton, a ressurreição e o túmulo vazio são altamente prováveis. De
fato, ele acredita que a ressurreição pode ser afirmada como um evento históri-

986
Viggo Olsen, O agnóstico que ousou pesquisar (Chicago: Moody Press, 1974). Para a discussão
de Olsen sobre a ressurreição, veja as pp. 36–37, 39, 46–47 deste livreto.
987
Stott registra uma carta escrita por Clarke com as afirmações acima. Veja John R. W. Stott, Basic
Christianity (Chicago: InterVarsity Press, 1965), p. 46.
988
McDowell, op. cit., pp. 196–202.
989
Ver Reginald Fuller, op. cit., pp. 37, 177-178; Raymond Brown, A Concepção Virginal e a Res-
surreição Corporal de Jesus, op. cit., pág. 94, nota de rodapé número 160, e p. 95; Ladd, op. cit., pp.
104-6 para alguns exemplos dessa crença.
253

co regular.990 Robinson admite que o túmulo vazio é muito difícil de descartar


por causa da boa evidência para este evento.991
Esta pesquisa de vários estudiosos foi apresentada a fim de mostrar quão
forte é a evidência da ressurreição para aquele que olha imparcialmente para os
fatos. Vários estudiosos que antes se opunham a essa crença foram convenci-
dos do contrário após uma investigação das evidências, assim como outros que
estudaram os dados a favor desse evento. O Novo Testamento também registra
dois exemplos de homens que foram convencidos pelas aparições da ressurrei-
ção de Jesus contra seus pontos de vista anteriores. Mesmo dois teólogos secu-
lares foram capazes de conceder alta credibilidade à ressurreição, pois um a
aceitou como um evento histórico, enquanto o outro admitiu que seria difícil
rejeitar as fortes evidências a seu favor.
Essa é a evidência convincente da ressurreição de Jesus Cristo. Como o his-
toriador da igreja Wand nos lembra sobre este evento,

Todas as evidências estritamente históricas que temos são a seu favor, e os estu-
diosos que a rejeitam devem reconhecer que o fazem com base em algum outro
fundamento que não o da história científica.992

Isso serve como um bom lembrete sobre nossa conclusão anterior de aceitar a
resposta à questão da ressurreição que melhor se ajusta aos fatos. Wand obser-
va que, se as teorias naturalistas são incapazes de explicar um evento que afir-
ma que um milagre ocorreu, então uma alternativa sobrenatural não deve ser
vista como impossível. Não é científico começar com a pressuposição de que
eventos milagrosos não podem ocorrer. Em vez disso, um historiador crítico
pode apenas examinar os fatos envolvidos na situação diante dele e decidir
com base nessas evidências. Se o evento provável é sobrenatural, então deve
ser aceito como tal, como acontece com a ressurreição. A ciência e a história
modernas não podem refutar esse evento, como vimos.993
Portanto, de acordo com este princípio histórico, a ressurreição literal de Je-
sus Cristo dentre os mortos deve ser aceita como um evento histórico real de
acordo com seu alto grau de plausibilidade. Mais uma vez, aqueles que acham
difícil aceitar essa conclusão terão ainda mais dificuldade em formular uma te-
oria alternativa que seja historicamente provável. Não só é possível refutar
completamente todas as teorias alternativas naturalistas que se opõem a uma
ressurreição literal, como mostrado acima, mas há vários fatos importantes a
990
William Hamilton, A Nova Essência do Cristianismo (Nova York: Association Press, 1961), p.
116, nota.
991
John A. T. Robinson, Exploration Into God (Stanford: Stanford University Press, 1967), p. 113.
992
Wand, op. cit., pp. 93–94.
993
Ibid., pp. 30, 51–52, 70–71, 101.
254

favor deste evento. O mais importante desses fatos é que, com toda a probabi-
lidade, Jesus apareceu empiricamente a seus seguidores após sua morte na cruz
e nenhuma outra tese além da ressurreição literal é capaz de explicar adequa-
damente essas aparições. A ressurreição de Jesus é, portanto, altamente prová-
vel.

E. O CENTRO DO CRISTIANISMO

Deve-se concluir que o conhecimento de que a ressurreição de Jesus é um fato


histórico é de extrema importância para a fé cristã. Como foi mostrado no ca-
pítulo 11, não se pode sustentar que Jesus está morto e que nunca ressuscitou
da tumba e ainda sustentar que Jesus está vivo hoje em qualquer sentido único.
Tampouco se pode sustentar que doutrinas como a cristologia e as crenças
subseqüentes relativas à salvação possam ter a mesma validade se aquele em
torno de quem tais crenças giram estiver morto, nem mesmo sendo capaz de
vencer a morte. Se fosse esse o caso, não haveria razão para suspeitar que os
cristãos também receberiam tais bênçãos. Como Paulo afirma, fora da ressur-
reição não há nenhuma fé cristã (1 Coríntios 15:12-19). Por esta razão, a reali-
dade da ressurreição é absolutamente essencial para a fé cristã.994
Portanto, a conclusão que afirma que Jesus realmente ressuscitou dos mor-
tos não é uma afirmação sem sentido. Não se trata simplesmente de afirmar a
ressurreição. Pelo contrário, é muito importante aceitar este evento como his-
tórico, pois assim fazendo o restante da fé cristã é demonstrado ser válido.
É também por isso que foi afirmado anteriormente que o conceito de fé de-
finido por Kierkegaard e Barth poderia permanecer válido, apesar das críticas
desses dois teólogos. Cada um desses estudiosos concorda com o Novo Tes-
tamento ao reconhecer que todo homem é um pecador que precisa de arrepen-
dimento ou de uma mudança total em sua vida. Uma rendição total a Deus em
fé, confiando na morte substitutiva de Jesus na cruz para perdoar esses peca-
dos, é necessária para a salvação. O resultado é uma mudança total na vida da
pessoa, um compromisso total baseado na morte de Jesus. Nesses princípios,
Kierkegaard e Barth seguem a definição de salvação do Novo Testamento. Je-
sus afirmou ter vindo a este mundo principalmente para morrer uma morte
substitutiva a fim de obter tal salvação para aqueles que entregam suas vidas
com fé a Deus por meio de Seu Filho (ver Marcos 10:45; João 1:12–13; 1 Co-
ríntios 15 :1–4).

994
Até mesmo o teólogo secular William Hamilton se opõe à visão contemporânea que dá importân-
cia existencial ao conceito de que Jesus está vivo, mas nega que ele literalmente ressuscitou dos
mortos. Hamilton também afirma que sem o evento histórico da ressurreição, a fé cristã perde todo o
sentido (op. cit., p. 116, nota). Aqui ele percebe o caso muito bem.
255

Tais ensinamentos são frequentemente ignorados hoje como produtos anti-


quados de antigas superstições. Mas, à luz de nossas conclusões sobre a ressur-
reição de Jesus, tais tendências de descartar o ensino do Novo Testamento so-
bre a salvação são injustificadas. Uma vez que a ressurreição é aceita como um
evento sobrenatural, conforme mostrado aqui, então o ministério de Jesus para
a humanidade foi por uma razão. Seria ilógico aceitar a demonstração sobrena-
tural da missão de Jesus e depois rejeitar a mensagem que é corroborada por
ela. Como o evento da ressurreição não pode ser negado, tampouco a mensa-
gem da ressurreição da subsequente disponibilidade dessa salvação.
256

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