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ILEGAL DE RECURSOS
MINERAIS E
VIOLAÇÃO DE
DIREITOS HUMANOS
EM CABO DELGADO
Estudo de caso: Montepuez & Ancuabe
Abril de 2022
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Índice
I. Lista de tabelas........................................................................................................................................................................ 4
II. Lista de Figuras....................................................................................................................................................................... 4
III. Lista de Abreviaturas........................................................................................................................................................... 4
SUMÁRIO EXECUTIVO............................................................................................................................................................... 6
1. Introdução........................................................................................................................................................................... 8
1.1. Objectivos Específicos.........................................................................................................................................10
1.2. Metodologia...........................................................................................................................................................10
2. Cabo Delgado - População, recursos naturais, economia e desenvolvimento........................................11
2.1 População........................................................................................................................................................................11
2.2 Recursos Minerais.........................................................................................................................................................11
2.3 Recursos Florestais.......................................................................................................................................................12
3. Exploração Ilegal de Recursos Minerais e Violação de Direitos Humanos em Montepuez.................13
3.1 Garimpo ilegal e violação de direitos humanos em Montepuez................................................................13
4. Exploração Ilegal de Recursos Minerais e Violação de Direitos Humanos em Ancuabe......................16
4.1 Garimpo ilegal e violação de direitos humanos em Ancuabe.....................................................................17
5. Exploração Ilegal de Recursos Minerais e Violação de Direitos Humanos em Cabo Delgado............18
5.1. Economia Ilícita e Violação de Direitos Humanos em Cabo Delgado......................................................19
6. Exploração Ilegal de recursos naturais e eclosão do extremismo violento em Cabo Delgado.........20
7. Conclusão e Recomendações....................................................................................................................................23
7.1. Recomendações para o governo:..........................................................................................................................23
7.2. Recomendações para as empresas.......................................................................................................................23
7.3. Recomendação para a Polícia.................................................................................................................................23
REFERÊNCIAS.............................................................................................................................................................................24
I. LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Crescimento populacional nos distritos de pesquisa e em Cabo Delgado no geral.....................................10
Tabela 2: Locais de exploração mineira............................................................................................................................................11
Tabela 3: Empresas mineradoras.........................................................................................................................................................11
Durante as últimas décadas, o sector da indús- Este facto revela o quão perigosa a indústria de
tria extractiva testemunhou uma grande expan- mineração pode ser se não for adequadamente
são no continente africano. Esta expansão foi regulamentada e fiscalizada3. Assim, a existência
impulsionada pela demanda global por recursos de instituições fortes, que limitem os incentivos
naturais, indústrias de petróleo, gás e minera- à prática da corrupção e garantam que a fiscal-
ção, que registaram um crescimento significati- ização seja efectiva e os regulamentos respeit-
vo no continente, resultando em um boom de ados, torna-se uma condição sine qua non para
recursos. Este boom de recursos chegou até à que a exploração dos recursos ocorra num ambi-
África Oriental, que historicamente não teve ne- ente de respeito pelos direitos humanos e bene-
nhuma ou muito pouca extracção industrial de ficie as comunidades4. Para além dos problemas
recursos naturais, mas testemunhou aumentos económicos e sociais, quando a mineração
sem precedentes nas descobertas de petróleo ocorre sem observância dos direitos humanos
e gás natural, incluindo no Quênia, Tanzânia, pode criar um ambiente fértil para a eclosão de
Moçambique, Uganda e, mais recentemente, na conflitos violentos. Nota-se que os conflitos po-
Etiópia. Actualmente, cerca de 22 dos 55 países dem ocorrer devido a inexistência de mecanis-
africanos são considerados “ricos em recursos” mos institucionais funcionais, por via dos quais
porque a extracção de recursos naturais é re- as comunidades podem levantar as suas preocu-
sponsável por mais de 20% do Produto Interno pações e tenham os seus direitos respeitados.
Bruto (PIB)1.
O gás natural de Palma constitui um dos grandes
Em Moçambique, assistiu-se a uma onda de in- jazigos do país e do mundo, mas Cabo Delga-
vestimento estrangeiro ligada aos recursos na- do possui outros recursos naturais com grande
turais, incluindo grandes reservas de carvão e potencial para desenvolver a província e o País,
gás natural offshore, que promete novas possi- com destaque para rubi, grafite, mármore, ouro,
bilidades económicas para o país que há muito madeira e recursos marinhos. Estes recursos
é considerado um dos mais pobres do mundo. são explorados por empresas de capitais maior-
No âmbito deste boom, as empresas multina- itariamente estrangeiros e por uma rede de
cionais de mineração e gás investiram biliões garimpeiros ilegais com conexões internacionais.
de dólares em Moçambique nos últimos anos e O funcionamento das estruturas locais na gestão
o governo estima que atrairá outros cinquenta da terra e outros recursos naturais, baseado nas
biliões de dólares de investimento adicional na potencialidades existentes nas comunidades dos
próxima década. Entretanto, o crescimento ex- distritos de Montepuez e Ancuabe e na evolução
plosivo do sector de mineração, sem salvaguar- histórica de vários acontecimentos de exploração
das adequadas, pode levar à violação dos dire- ilegal com maior ênfase para rubi e madeira, con-
itos humanos e à perda de oportunidades para stitui uma preocupação nacional e internacional
reduzir a pobreza generalizada2. no que que tange à violação de direitos humanos.
1 Background Study on the Operations of the Extractive Industries Sector in Africa and its Impacts on the Realisation of Human and Peoples’ Rights under the African Charter on Human Rights and People’s
Rights.
2 ‘What is a House without Food?”: Mozambique’s Coal Mining Boom and Resettlements. Human Rights Watch, May, 2013.
3 Out of Control: Mining, Regulatory Failure and Human Rights in India. Human Rights Watch, June 2012.
4 Vários relatórios da Human Rights Watch destacam graves violações de direitos humanos na indústria de mineração. A título de exemplo, na India, evidências mostram que sem uma regulamentação eficaz,
nem todas as empresas se comportam de forma responsável. Mesmo as empresas que fazem esforços sérios para fazê-lo muitas vezes ficam aquém quando não existe supervisão governamental adequada.
No Uganda, empresas que operam na região de Karamoja, exploravam os minerais em terras pertencentes a povos indígenas. Agravando a situação, o governo uniu-se às empresas e excluiu os proprietários
consuetudinários de tomar decisões sobre o desenvolvimento de suas próprias terras e procedeu sem o seu consentimento. Situações similares são reportadas na Serra Leoa, onde verificaram-se falhas do
governo na supervisão adequada das consultas com as comunidades locais, processo de reassentamento e resposta à reclamações e operações, bem como a violência da Polícia. Mais ainda, o governo não
informou as comunidades de maneira adequada ou precisa sobre os planos que afectavam directamente os seus meios de subsistência e não investigou os alegados abusos por parte da Polícia.
A província de Cabo Delgado localizada-se no extre- pressão sobre terras, gerando-se uma intensa
mo norte de Moçambique. A sua capital é a cidade dinâmica de obtenção de autorizações de explo-
de Pemba, localizada a cerca de 2 600 km à norte de ração. Conforme se pode notar no mapa abaixo,
Maputo, a capital do país. A província tem uma área em grande parte do Nordeste da província, foi
de 82 625 km² e com o censo da população 2017, atribuída uma “Autorização de Recursos Mine-
estima-se que tenha cerca de 2 333 278 habitantes. rais para Construção” a uma empresa da indús-
tria petrolífera. A zona do parque nacional das
2.2 Recursos Minerais Quirimbas, assim como a zona Oeste do distrito
de Mueda, onde se localiza a reserva do Niassa,
A província apresenta importantes jazigos de estão classificadas como áreas de conservação.
hidrocarbonetos, grafite, rubi, mármore, metais Na restante área da província foram concedidas
básicos e água mineral. Em virtude do interesse inúmeras licenças de prospecção e pesquisa ou
pela exploração de recursos naturais, a província de processamento mineiro, traduzindo o intenso
de Cabo Delgado tem sido alvo de uma grande processo de busca de terras5.
Fonte: https://portals.landfolio.com/mozambique/pt/
5
https://omrmz.org/omrweb/wp-content/uploads/OR-101-Desenvolvimento-de-Cabo-Delgado.pdf
O Distrito de Ancuabe localiza-se na região sul da trito. Administrativamente, o Distrito tem 3 Postos
Província de Cabo Delgado, a 100 km da cidade administrativos, nomeadamente: Ancuabe-Sede,
de Pemba, capital da província. Ocupa uma área Metoro e Mesa, com 9 Localidades a destacar: An-
de 4,606 km² e tem uma densidade populacional cuabe-Sede, Gihote, Nacuale, Metoro-sede, Salaue,
de 34.6 habitantes/Km². Este distrito é atravessado Mesa-Sede, Nanjua, Campine e Minheuene e 78
pelos principais corredores rodoviários, que ligam Aldeias; e é delimitado pelos seguintes distritos:
as cidades de Nampula, Montepuez e Pemba aos (i) Norte - Distrito de Meluco; (ii) Sul - Distrito de
distritos do norte da Província, o que facilita o de- Chiúre; (iii) Este - Distritos de Metuge e Quissan-
senvolvimento de actividades económicas no dis- ga; e (iv) Oeste - Distrito de Montepuez.
Cerca de 87% da população do Distrito de An- promovam a exploração destas terras aráveis
cuabe dedica-se a agricultura, tendo como prin- para a prática da agricultura comercial que iria
cipais culturas praticadas, a mandioca, milho, impulsionar o desenvolvimento local. Denota-
mapira, feijão bóer, amendoim, feijão nhemba, -se, igualmente, que a mão-de-obra que traba-
hortícolas, algodão e gergelim; enquanto 13% lha nestas terras, é encontrada ao nível da pró-
dos habitantes dedica-se a prática de activida- pria comunidade.
des comerciais, criação de animais de pequena
espécie (aves e caprinos) e prestação de servi- Para além da agricultura, o distrito possui gran-
ços. O algodão constitui a principal cultura de des reservas de grafite, pedras preciosas e ma-
rendimento da região. O tipo de agricultura pra- deira, que podem catapultar o seu desenvol-
ticada pelos membros da comunidade é manual vimento. Existem ainda potencialidades de
e em áreas muito pequenas, em regime de con- desenvolvimento no que concerne ao turismo,
sociações de culturas com base em variedades visto que, uma parte norte do distrito é ocupada
locais. Denota-se a falta de organizações que pelo Parque Nacional das Quirimbas.
4.1. Garimpo ilegal e violação de direitos hu- Existem casos em que alguns homicídios são pra-
manos em Ancuabe ticados entre garimpeiros porque alguns são in-
divíduos de má-fé. Nem todos são amigos, existe
O local onde decore a exploração ilegal dos re- uma mistura de grupos onde acontecem confu-
cursos, fica desprovido de responsabilidade so- sões entre garimpeiros na disputa de uma cova/
cial, visto que o “inimigo sem rosto” - a pessoa túnel. O recrutamento dos garimpeiros baseia-se
responsável pelos actos da prática ilegal que não na aliciação por valores monetários; por vezes são
é conhecida e nem localizável pelas autoridade recrutados por amigos e em seguida seleciona-
da região - pratica esta actividade de forma clan- dos; depois das devidas negociações, são criadas
destina. Esta actividade, contudo, contribui para condições de alimentação e providenciados os
o aumento da corrupção, visto que as autorida- instrumentos básicos de trabalho, mesmo consi-
des policiais que trabalham nestes locais, ficam derando a escassez destes como descrito acima.
envolvidas em esquemas em que, muitas vezes,
exigem valores monetários ou se apoderam dos Importa referir que com a chegada dos desloca-
recursos adquiridos ilicitamente para o seu uso dos devido ao extremismo violento, a situação
pessoal. O baixo custo do crime, a impunidade, tende a ficar mais complexa. Como descreve um
combinados com a possibilidade de altas mar- dos garimpeiros, “com o aumento da população,
gens de lucro, formam uma poderosa estrutura a vida nos obriga a praticar coisas impossíveis
de incentivo que atrai criminosos de todos os ní- para cumprir com alguns deveres, como o auto-
veis, que operam no mercado ilegal tornando a -sustento, sem deixar de lado a exigência actual
actividade cada vez mais forte e complexa. de acolher os nossos familiares deslocados das
zonas de conflito. Por esta razão, com a falta de
Na região, a exploração dos recursos acontece emprego, as comunidades locais assim como as
sem o uso de instrumentos adequados, caso de vindouras, submetem-se à prática do garimpo
máscaras, botas apropriadas, picaretas, pás, en- ilegal que continua a crescer nas minas, mesmo
xadas, baldes, luvas, capacete, sacos, máquinas com as devidas consequências, não têm como
de perfuração, óculos, lanternas, carinhas de se abster dessa triste realidade”. Um aspecto le-
mão e outros instrumentos, tornando esta práti- vantado por outro garimpeiro, está ligado ao
ca bastante perigosa. Os garimpeiros vão cavan- facto do garimpo ocupar a pessoa durante todo
do a terra na vertical até uma certa profundida- o dia. Esta forma de trabalhar deve-se ao facto
de, com uma corda amarrada à cintura e depois, de se tratar de uma actividade ilegal, portanto,
na horizontal em forma de túneis, levam com precisa-se de mais tempo para conseguir atingir
eles balde e picareta; o balde serve para tirar os os objectivos pretendidos e adquirir bons resul-
solos para fora da superfície. No topo da terra tados sem a intervenção da Polícia que vigia a
fica alguém esperando pelo sinal que é para reti- área de protecção. Mesmo com tanto esforço
rar o balde com terra (camada). por parte dos garimpeiros, não há garantia de
compensação razoável pelo trabalho.
Segundo explica um ex-garimpeiro e actualmen-
te taxista de mota, durante a actividade de esca- Num cenário de fragilidade institucional, de corrup-
vação e quando um garimpeiro encontra uma ção generalizada e de oportunismo dos agentes do
pedra, geralmente, tem que ficar em silêncio sem Estado, desenvolveu-se práticas furtivas e ilegais de
manifestar nada ao ponto de outros descobrirem. exploração de recursos naturais, particularmente de
A exploração ilegal dos recursos minerais consti- do circuito de tráfico de drogas, órgãos humanos,
tui um grande prejuízo para os cofres do Estado contrabando e outros tipos de crime. Extensas
sob ponto de vista de arrecadação de receitas, áreas da província de Cabo Delgado não são pro-
visto que são actividades não licenciadas nas pensas a actividades normais de desenvolvimen-
quais se regista fuga ao fisco. O Estado moçam- to há já algum tempo e não existem indicações
bicano depende da ajuda externa para cobrir ou de que isso se altere para breve. Nota-se que a
satisfazer as despesas públicas inerentes ao seu maior parte dos comerciantes formais e informais
orçamento. A Autoridade Tributária através da da cidade de Montepuez, praticam actividades
unidade da indústria extractiva, tem envidado ilícitas usando licenças de barracas, tabacarias,
esforços de modo a mobilizar e licenciar os su- boutiques, salões de cabeleireiros, mercearias,
jeitos passivos que se dedicam a esta actividade, hotéis e outros, como fonte de branqueamento
facto este difícil de materializar dada a natureza de capital. A título de exemplo os estrangeiros re-
da actividade e modus operandi, assim como pela sidentes e outros empresários locais, apresentam
falta ou quase ausência de consciência fiscal, mui- ou ostentam uma vida de luxo que não condiz
to menos dos prejuízos que acarreta ao país. O com a situação real do seu negócio.
garimpo ilegal é praticado pelas comunidades lo-
cais e indivíduos provenientes de diversos pontos O lucro gerado pelos mercados ilícitos, produz
da província de Cabo Delgado, do resto do país e renda e riqueza para os criminosos, ao mesmo
do estrangeiro. Esta actividade ilegal é impulsio- tempo em que produz sofrimento e prejuízo às
nada por cidadãos estrangeiros, mormente nige- comunidades, para o Estado e para o meio am-
rianos, somalianos, tanzanianos e malianos, mas biente. E no que tange aos investidores ilegais
também com a presença de nacionais. externos, têm contribuído na economia ilícita,
visto que, os mesmos não possuem licença de
Nos últimos anos, a província de Cabo Delgado exploração mineira, flagrados acabam aliciando
tornou-se o centro de discussão no País e fora com dinheiro e bens as autoridades policiais no
dele. A descoberta de riquezas minerais, sejam terreno, autoridades distritais e por vezes pro-
pedras, grafite, gás e petróleo tem atraído para a vinciais se a detenção for mais além do distrito.
Província todo tipo de pessoas, negócios e pro- O garimpo ilegal é incentivado por compradores
jectos, alterando a vida das populações locais, externos sem título passado e carimbado pelas
sem a devida atenção por parte de quem devia estruturas responsáveis da área mineira para
cuidar deste processo. A competição pelo aces- compra e acabam por ganhar o espírito da práti-
so a recursos naturais agudiza manifestações de ca da economia ilícita.
violência de diversos tipos: desde as tomadas de
decisão de maneira ilegal, sem ter em conta as Nestas áreas para além dos minérios que têm
comunidades até à violência armada que apare- maior destaque na exploração ilegal, o corte
ceu no Norte da província em Outubro de 2017. de madeira é outro ponto de atenção para as
autoridades locais. Verifica-se um número con-
Após a descoberta de recursos minerais, o Distri- siderável de camiões carregados de toros de
to de Montepuez, tornou-se o epicentro de pes- madeira sem a devida documentação. O nível
soas estrangeiras e de outras regiões dentro do de corrupção no País em geral, tem criado um
pais. Na sua maioria, estes indivíduos fazem parte sistema de desequilíbrio no que tange à fiscali-
Desde 5 de outubro de 2017 que a província Todos estes desenvolvimentos, por um lado,
de Cabo Delgado é assolada pelo extremismo alargam o exército de desempregados e de pes-
violento, que já assumiu proporções desestabili- soas sem perspectivas e, por outro lado, aumen-
zadoras das vidas da população local e do tecido tam o fosso entre os que têm e os que não têm e
social e económico da província. Há um grande consequentemente alimentam tensões que, por
debate sobre as causas e a natureza do extre- sua vez, geram outras tensões reais ou latentes
mismo violento em Moçambique. Uma primeira de índole diversa (tribais, étnicas, religiosas, polí-
dimensão do debate diz respeito à natureza reli- ticas, de classe, etc.). O fenómeno reveste-se ain-
giosa do conflito. Contudo, vários autores, como da de maior gravidade por afectar sobretudo os
Joseph Hanlon, argumentam que a causa do jovens. O desemprego e a frustração dos jovens
conflito é a privação material, particularmente a constitui-se numa bomba-relógio, estando em
pobreza, a marginalização e a falta de perspecti- níveis insustentáveis. Um dos domínios que so-
vas no seio dos jovens, com a religião a funcio- fre com esta situação são as áreas de concessão
nar apenas como “ponto de encontro” ou capa. das mineradoras protegidas que são invadidas
para exploração.
As concessões mineiras para pedras preciosas
e semi-preciosas na província e não necessaria- No caso de Cabo Delgado, isso é agravado pelo
mente as concessões de gás, podem ser uma das facto de que, as licenças de mineração e senhas
principais fontes do conflito que existe na zona mineiras, só podem ser obtidas por cidadãos
norte. Muitas dessas pedras e minas eram explo- moçambicanos. Isso, na verdade, significa que as
radas pelos nativos, obedecendo a esquemas centenas, se não milhares de estrangeiros, como
próprios, ainda que mal estruturados. A exclusão nigerianos, somalis, malianos e outros que estão
e expropriação dos utilizadores e exploradores envolvidos na mineração, acabaram vivendo e
tradicionais desses recursos, sem que sejam ofe- trabalhando ilegalmente nas minas. Actualmen-
recidas outras alternativas viáveis e justas, pode te, todas as áreas de exploração estão na posse
estar a catalisar o conflito. Com feito, a expulsão de empresas, isto é, foram concessionadas a mi-
dos exploradores de pedras preciosas e semi- neradoras, sem se ter em conta a comunidade
-preciosas é um dos vectores mais associados ao local, que tinha na mineração ilegal a sua fonte
conflito, dada a lucratividade destes recursos e a de subsistência. Estas áreas serviam também
diferença que faz nos modos de vida dos expro- para agricultura e habitação, onde por herança
priados. ou compra viveram os seus antepassados e que
podiam servir para as gerações vindouras. A des-
A falta de transparência, a corrupção e o clien- truição do tecido económico e social traduz-se
telismo com que as licenças são concedidas e as em mais descontentamento e aumenta a vulne-
explorações feitas, agrava a situação, num con- rabilidade das comunidades locais. Este descon-
texto em que frequentes vezes os novos “explo- tentamento das comunidades e de outras partes
radores legais” também desrespeitam as regras interessadas, frustração de expectativas e graves
e não trazem valor agregado à economia local violações de direitos humanos, criam um forte
e nacional. A exploração florestal e sobretudo sentimento de exclusão e revolta, que resultam
de madeiras preciosas tem estado em destaque em ações potenciadores de tensões sociais e de
nos últimos pouco mais de trinta anos, sendo conflitos.
uma das áreas em que as elites internas, aliadas
a parceiros externos, têm estado a proceder a A falta de controlo dos recursos naturais por par-
desmandos sem contrapartidas nem para os uti- te das autoridades resulta em conflitos de dife-
lizadores tradicionais desses recursos nem para rentes categorias, tais como: conflito entre locais
a economia nacional. e empresas, que consiste na usurpação de terras
7. Conclusão e Recomendações
O objectivo deste estudo era mapear a econo-cuabe mostrou que este fenómeno ocorre, so-
mia política da exploração ilegal dos recursos
bretudo, em zonas de mineração artesanal e
naturais em Cabo Delgado, com enfoque nos re-
as principais vítimas são os garimpeiros ilegais.
cursos, actores, modus operandi, conexão com o
Trata-se, na verdade, de uma teia complexa que
Estado, assim como os seus efeitos na violação
envolve algumas estruturas locais e a própria
dos direitos humanos. Apesar da enorme rique-
Polícia. A desordem, a anarquia que caracteri-
za em recursos naturais, com destaque para os
za as zonas de mineração e a fraca fiscalização
minerais e florestais, a sua dinâmica de explora-
das entidades responsáveis pela gestão dos re-
ção tem estado muito aquém do desejável. Porcursos minerais cria incentivos para práticas de
um lado, não se verifica uma exploração condu-
corrupção por parte dos agentes da Polícia, que
cente ao desenvolvimento, mas sim uma explo-se aproveitam da vulnerabilidade dos garimpei-
ração voltada para a geração de riqueza para as
ros ilegais para extorsão de valores em benefício
elites e para empresas, em prejuízo das comu-
próprio. A mineração artesanal é praticada por
nidades locais. Por outro lado, esta exploração
jovens pobres e desempregados, que vêm nessa
ocorre num ambiente de graves violações dos actividade a sua única fonte de subsistência
direitos humanos, que se manifestam de dife-e cidadãos estrangeiros. A postura altamente
rentes formas, desde torturas físicas, assassina-
repressiva da Polícia ao expulsar estes grupos
tos, detenções arbitrárias e até tráfico de órgãos
das zonas de mineração ilegal, sem a criação de
humanos. outras alterativas, aumenta a sua vulnerabilida-
de e propensão para engrossar as fileiras dos ex-
A pesquisa nos distritos de Montepuez e An- tremistas violentos.
• Background Study on the Operations of the Extractive Industries Sector in Africa and its Impacts
on the Realisation of Human and Peoples’ Rights under the African Charter on Human Rights
and People’s Rights.
• ‘What is a House without Food?”: Mozambique’s Coal Mining Boom and Resettlements. Human
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Agosto 2019.