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EXPLORAÇÃO

ILEGAL DE RECURSOS
MINERAIS E
VIOLAÇÃO DE
DIREITOS HUMANOS
EM CABO DELGADO
Estudo de caso: Montepuez & Ancuabe

Abril de 2022

Parceiro de financiamento:

Embaixada da Suiça em Moçambique


Ficha técnica
Título : Exploração ilegal de recursos minerais e violação de direitos humanos em Cabo Delgado
Publicação : Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), no âmbito do projecto LUR
Concepção e edição : Adriano Nuvunga & Emídio Beúla (Centro para Democracia e Desenvolvimento-CDD)
Revisão linguística: Emídio Beúla
Maquetização: CDD
Tiragem: 250
Financiamento: SDC
Ano: 2022

Av. Julius Nyerere Nº 279, Maputo Rua Dar-Es-Salaam Nº 279, Bairro da Sommerschield, Maputo
+258 21 487552 +258 21487565 CP. 4669 +258 21 085 797 info@ cddmoz.org www.cddmoz.org
+258 845108505 / +258 824708431 www.cescmoz.org @ CDD_Moz @ CDDMoz @ CDD_Moz
Índice

I. Lista de tabelas........................................................................................................................................................................ 4
II. Lista de Figuras....................................................................................................................................................................... 4
III. Lista de Abreviaturas........................................................................................................................................................... 4
SUMÁRIO EXECUTIVO............................................................................................................................................................... 6
1. Introdução........................................................................................................................................................................... 8
1.1. Objectivos Específicos.........................................................................................................................................10
1.2. Metodologia...........................................................................................................................................................10
2. Cabo Delgado - População, recursos naturais, economia e desenvolvimento........................................11
2.1 População........................................................................................................................................................................11
2.2 Recursos Minerais.........................................................................................................................................................11
2.3 Recursos Florestais.......................................................................................................................................................12
3. Exploração Ilegal de Recursos Minerais e Violação de Direitos Humanos em Montepuez.................13
3.1 Garimpo ilegal e violação de direitos humanos em Montepuez................................................................13
4. Exploração Ilegal de Recursos Minerais e Violação de Direitos Humanos em Ancuabe......................16
4.1 Garimpo ilegal e violação de direitos humanos em Ancuabe.....................................................................17
5. Exploração Ilegal de Recursos Minerais e Violação de Direitos Humanos em Cabo Delgado............18
5.1. Economia Ilícita e Violação de Direitos Humanos em Cabo Delgado......................................................19
6. Exploração Ilegal de recursos naturais e eclosão do extremismo violento em Cabo Delgado.........20
7. Conclusão e Recomendações....................................................................................................................................23
7.1. Recomendações para o governo:..........................................................................................................................23
7.2. Recomendações para as empresas.......................................................................................................................23
7.3. Recomendação para a Polícia.................................................................................................................................23
REFERÊNCIAS.............................................................................................................................................................................24
I. LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Crescimento populacional nos distritos de pesquisa e em Cabo Delgado no geral.....................................10
Tabela 2: Locais de exploração mineira............................................................................................................................................11
Tabela 3: Empresas mineradoras.........................................................................................................................................................11

II. LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Cadastro mineiro da província de Cabo Delgado.....................................................................................................10


Figura 2. Mapa do Distrito de Montepuez.....................................................................................................................................12
Figura 3. Mapa do Distrito de Ancuabe...........................................................................................................................................15

III. LISTA DE SIGLAS E ACRÓNIMOS

DUAT: Direito de Uso e Aproveitamento da Terra


MRM: Montepuez Ruby Mining
MZN: Metical
PIB: Produto Interno Bruto
PRM: Polícia da República de Moçambique

EXPLORAÇÃO ILEGAL DE RECURSOS MINERAIS E VIOLAÇÃO


4 DE DIREITOS HUMANOS EM CABO DELGADO
SUMÁRIO EXECUTIVO

A mineração ilegal e de pequena escala é um obter uma melhor compreensão da natureza e


fenómeno comum em países ricos em recursos extensão do fenómeno, e pensar em maneiras
minerais, mas a sua intensidade e os seus im- de melhor responder aos desafios da mineração
pactos variam de acordo com a capacidade de ilegal a curto, médio e longo prazo. Tendo em
fiscalização e a forma como cada país lida com conta os resultados, o estudo avança as seguin-
o problema. Estando na lista dos países ricos tes recomendações chave:
em recursos minerais, Moçambique não cons-
titui excepção e, por isso, a mineração ilegal é Recomendações para o governo
uma prática presente sobretudo na província de • Reforçar a supervisão e fiscalização do sector
Cabo Delgado, mais concretamente nos distritos da mineração;
de Montepuez e Ancuabe. Nestes distritos, a mi- • Assegurar a coordenação entre os diferentes
neração ilegal é particularmente importante por ministérios e órgãos governamentais nacio-
constituir, para muitos jovens e famílias, a única nais e locais envolvidos na gestão e super-
fonte de sobrevivência e possibilidade de par- visão do sector da mineração;
ticipação na economia monetária. Entretanto, • Garantir a consulta pública regular, ampla e
esta actividade tem sido desenvolvida num am- significativa e a participação das comunidades
biente caracterizado por constantes violações afectadas pelos projectos de mineração;
de direitos humanos, que têm como protagonis- • Criar mecanismos seguros e acessíveis que
tas, em muitos casos, agentes da Polícia. os membros da comunidade podem usar
para denunciar abusos de direitos humanos.
Este estudo adoptou uma metodologia qualita-
tiva e foi desenvolvido na base da triangulação Recomendações para as empresas
de diferentes métodos e técnicas de recolha de • Realizar avaliações de impacto sobre os di-
dados que incluíram as pesquisas bibliográfica e reitos humanos para identificar potenciais
documental, as entrevistas e a observação direc- impactos sobre os direitos humanos e evitar
ta. Assim, o estudo descreve a mineração ilegal impactos negativos, em consulta activa com
e de pequena escala nos distritos de Montepuez as comunidades afectadas;
e Ancuabe, na província de Cabo Delgado, norte • Certificar-se de que a comunidade tenha
de Moçambique, tentando identificar os prin- a oportunidade de participar na definição
cipais actores e seus modus operandi, factores dos termos e condições que tratam dos im-
imediatos e subjacentes associados à violação pactos econômicos, sociais e ambientais da
de direitos humanos bem como a sua ligação exploração mineira; Criar mecanismos de
com a eclosão do extremismo violento na pro- reclamação acessíveis e independentes de
víncia. Outrossim, o estudo indica que a resposta acordo com os padrões internacionais.
repressiva da Polícia em relação aos garimpeiros
ilegais (nacionais e estrangeiros), a desordem e Recomendação para a Polícia
a fraca fiscalização podem criar condições para • Investigar e tomar medidas disciplinares
que estes grupos se revoltem contra o Estado e adequadas contra os agentes da Polícia re-
se juntem às fileiras dos extremistas violentos. sponsáveis ​​por extorsões, torturas, assassi-
O estudo alerta para a necessidade de o governo natos e outras formas de abusos de direitos
ser mais sensível e proactivo, trabalhando para humanos.

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1. INTRODUÇÃO

Durante as últimas décadas, o sector da indús- Este facto revela o quão perigosa a indústria de
tria extractiva testemunhou uma grande expan- mineração pode ser se não for adequadamente
são no continente africano. Esta expansão foi regulamentada e fiscalizada3. Assim, a existência
impulsionada pela demanda global por recursos de instituições fortes, que limitem os incentivos
naturais, indústrias de petróleo, gás e minera- à prática da corrupção e garantam que a fiscal-
ção, que registaram um crescimento significati- ização seja efectiva e os regulamentos respeit-
vo no continente, resultando em um boom de ados, torna-se uma condição sine qua non para
recursos. Este boom de recursos chegou até à que a exploração dos recursos ocorra num ambi-
África Oriental, que historicamente não teve ne- ente de respeito pelos direitos humanos e bene-
nhuma ou muito pouca extracção industrial de ficie as comunidades4. Para além dos problemas
recursos naturais, mas testemunhou aumentos económicos e sociais, quando a mineração
sem precedentes nas descobertas de petróleo ocorre sem observância dos direitos humanos
e gás natural, incluindo no Quênia, Tanzânia, pode criar um ambiente fértil para a eclosão de
Moçambique, Uganda e, mais recentemente, na conflitos violentos. Nota-se que os conflitos po-
Etiópia. Actualmente, cerca de 22 dos 55 países dem ocorrer devido a inexistência de mecanis-
africanos são considerados “ricos em recursos” mos institucionais funcionais, por via dos quais
porque a extracção de recursos naturais é re- as comunidades podem levantar as suas preocu-
sponsável por mais de 20% do Produto Interno pações e tenham os seus direitos respeitados.
Bruto (PIB)1.
O gás natural de Palma constitui um dos grandes
Em Moçambique, assistiu-se a uma onda de in- jazigos do país e do mundo, mas Cabo Delga-
vestimento estrangeiro ligada aos recursos na- do possui outros recursos naturais com grande
turais, incluindo grandes reservas de carvão e potencial para desenvolver a província e o País,
gás natural offshore, que promete novas possi- com destaque para rubi, grafite, mármore, ouro,
bilidades económicas para o país que há muito madeira e recursos marinhos. Estes recursos
é considerado um dos mais pobres do mundo. são explorados por empresas de capitais maior-
No âmbito deste boom, as empresas multina- itariamente estrangeiros e por uma rede de
cionais de mineração e gás investiram biliões garimpeiros ilegais com conexões internacionais.
de dólares em Moçambique nos últimos anos e O funcionamento das estruturas locais na gestão
o governo estima que atrairá outros cinquenta da terra e outros recursos naturais, baseado nas
biliões de dólares de investimento adicional na potencialidades existentes nas comunidades dos
próxima década. Entretanto, o crescimento ex- distritos de Montepuez e Ancuabe e na evolução
plosivo do sector de mineração, sem salvaguar- histórica de vários acontecimentos de exploração
das adequadas, pode levar à violação dos dire- ilegal com maior ênfase para rubi e madeira, con-
itos humanos e à perda de oportunidades para stitui uma preocupação nacional e internacional
reduzir a pobreza generalizada2. no que que tange à violação de direitos humanos.

1 Background Study on the Operations of the Extractive Industries Sector in Africa and its Impacts on the Realisation of Human and Peoples’ Rights under the African Charter on Human Rights and People’s
Rights.
2 ‘What is a House without Food?”: Mozambique’s Coal Mining Boom and Resettlements. Human Rights Watch, May, 2013.
3 Out of Control: Mining, Regulatory Failure and Human Rights in India. Human Rights Watch, June 2012.
4 Vários relatórios da Human Rights Watch destacam graves violações de direitos humanos na indústria de mineração. A título de exemplo, na India, evidências mostram que sem uma regulamentação eficaz,
nem todas as empresas se comportam de forma responsável. Mesmo as empresas que fazem esforços sérios para fazê-lo muitas vezes ficam aquém quando não existe supervisão governamental adequada.
No Uganda, empresas que operam na região de Karamoja, exploravam os minerais em terras pertencentes a povos indígenas. Agravando a situação, o governo uniu-se às empresas e excluiu os proprietários
consuetudinários de tomar decisões sobre o desenvolvimento de suas próprias terras e procedeu sem o seu consentimento. Situações similares são reportadas na Serra Leoa, onde verificaram-se falhas do
governo na supervisão adequada das consultas com as comunidades locais, processo de reassentamento e resposta à reclamações e operações, bem como a violência da Polícia. Mais ainda, o governo não
informou as comunidades de maneira adequada ou precisa sobre os planos que afectavam directamente os seus meios de subsistência e não investigou os alegados abusos por parte da Polícia.

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A expulsão de garimpeiros ilegais – nacionais e caz do sector de recursos minerais.
estrangeiros – das minas de pedras preciosas,
na província de Cabo Delgado, em geral, e nos A situação de insegurança que levou a Total a
distritos de Montepuez e Ancuabe, em partic- suspender as suas operações em Afungi evi-
ular, para dar lugar às empresas multinacionais dencia a necessidade de reforço da capacidade
despoletou conflitos violentos entre as comuni- do Estado. Esta situação levou as autoridades
dades e as concessionárias, culminando com as- moçambicanas a assinaram um Memorando de
sassinatos e destruição de propriedades. Conse- Entendimento com a Total para a criação de uma
quentemente, a Montepuez Ruby Mining (MRM), força conjunta de segurança com a missão de
a subsidiária da britânica Gemfields que explora proteger o complexo de operações petrolíferas
uma mina de rubis em Cabo Delgado, pediu o na península de Afungi. Apesar de importante,
apoio do Governo para travar o garimpo ilegal as acções visando a reposição da segurança de-
na concessão, depois de três (3) seguranças seus vem privilegiar a protecção das comunidades
terem sido gravemente feridos num ataque pro- locais e não apenas dos grandes investimentos.
tagonizado por garimpeiros ilegais em Fevereiro Se a capacidade do Estado já era limitada antes
de 2020. de despoletar o conflicto armado, hoje o quadro
deteriorou-se significativamente com uma man-
Antes da instalação das multinacionais do gás e ifesta ausência de fiscalização nas zonas de ocor-
das empresas de exploração de pedras precio- rência de recursos minerais e nas fronteiras ter-
sas, Cabo Delgado era visto como um eldourado restres e marítimas. O fenómeno traduz-se em
de redes criminosas que pilhavam os recursos descontentamento das comunidades locais, de-
sem a intervenção do Estado. Conforme doc- struição de habitações, da economia familiar e
umentado por relatórios internacionais, para do tecido social, e violação de direitos humanos,
além dos recursos naturais, a província serve sociais e económicos.
desde a década 90 de entreposto de tráfico de
drogas pesadas ao longo dos distritos costeiros, Com isso, urge a necessidade de identificar os
onde têm ocorrido apreensões de vulto, com principais recursos naturais existentes e as
destaque para a captura de dois navios com 15 dinâmicas de exploração ilegal, caracterizar os
toneladas de haxixe, em dezembro de 2020, pela diferentes grupos e modus eperandi, sua ligação
Marinha de Guerra de Moçambique. com as entidades do Estado, com destaque para
a Policia e outras autoridades locais, distritais e
Apesar da projeção de Cabo Delgado no mapa provinciais e a ligação da exploração ilegal de
do mundo, dos grandes investimentos que a recursos naturais com a eclosão do extremis-
província hospeda, os avanços no quadro legal mo violento. É neste contexto que o Centro de
e regulamentar ainda se mostram insuficientes Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil
para fazer face ao contexto do boom dos recur- (CESC) e o Centro para Democracia e Desenvol-
sos naturais mediante as directrizes de boa go- vimento (CDD) realizaram esta pesquisa, visando
vernação. A expectativa de que os rendimentos mapear a economia política da exploração ilegal
provenientes do sector extractivo possam atin- dos recursos naturais em Cabo Delgado, com
gir, em 10 anos, o nível do actual Orçamento de enfoque nos recursos, actores, modus operandi,
Estado torna nítida a necessidade de criação de conexão com o Estado, assim como os seus efei-
capacidades do Estado para uma regulação efi- tos na violação dos direitos humanos.

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1.1 Objectivos Específicos vas (grupos não superiores a 3 pessoas). Foram
envolvidos alguns membros da comunidade, de
• Identificar os principais recursos entre eles 4 garimpeiros e 3 cidadãos em Mon-
naturais e dinâmicas de exploração tepuez, 7 entrevistados em Pemba e, por fim,
ilegal em Cabo Delgado; 9 em Ancuabe dos quais um é agente da Polí-
• Identificar e caracterizar os diferentes cia. Importa referir que alguns entrevistados só
grupos e tipos de exploração ilegal aceitaram prestar informações sob condição de
de recursos naturais em Montepuez anonimato, por temerem represálias.
e Ancuabe;
• Compreender o modus operandi das Constituíram desafios para a realização deste
redes de exploração ilegal e sua con- estudo o equilíbrio entre o pouco tempo e os
exão com as entidades do Estado recursos escassos, bem como a necessidade
moçambicano, com destaque para a de recolher informações sólidas para conceber
Polícia, autoridades distritais e pro-estratégias de recolha de dados com base em
vinciais e sua ligação com a violação evidências. Houve limitações na ligação direc-
dos direitos humanos; e ta com os intervenientes do processo, visto que
• Compreender a ligação da ex- a actividade em análise é muito complexa e de
ploração ilegal de recursos naturais risco e que exige muita atenção para evitar pos-
com a eclosão da insurgência militar síveis situações desagradáveis. Com efeito, não
em Cabo Delgado. foi possível ter acesso à fotografias e chegar às
zonas onde decorrem as actividades do garim-
1.2. Metodologia po, para evitar gerar desconfiança por se tratar
de áreas de grande risco. O outro desafio adicio-
Este estudo adoptou uma metodologia qualita- nal foi o envolvimento da Policia no controlo e
tiva e foi desenvolvido na base da triangulação patrulhamento das áreas de concessão das min-
de diferentes métodos e técnicas de recolha de eradoras.
dados que incluíram as pesquisas bibliográfi-
ca e documental, as entrevistas e a observação A esta introdução seguem-se mais cinco capítu-
directa. A pesquisa bibliográfica baseou-se no los, i.e., (1) acerca da exploração ilegal de recur-
levantamento da literatura relevante sobre a sos minerais e violação de direitos humanos no
exploração de recursos minerais, com ênfase distrito de Montepuez; (2) sobre a exploração
na sua relação com a violação dos direitos hu- ilegal de recursos minerais e violação de direit-
manos, tendo sido consultadas tanto as fontes os humanos no distrito de Ancuabe; (3) o da ex-
primárias como as secundárias. Por sua vez, a ploração ilegal de recursos minerais e violação
pesquisa documental centrou-se na consulta de direitos humanos em Cabo Delgado; (4) so-
de documentos sectoriais e relatórios de dire- bre a exploração ilegal de recursos naturais e
itos humanos. Quanto às entrevistas, privile- eclosão do extremismo violento em Cabo Del-
giaram-se entrevistas semi-estruturadas que gado; e o último (5) que trata da conclusão e
consistiram em conversas individuais e colecti- recomendações do estudo.

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2. Cabo Delgado - População, recursos naturais, economia e desenvolvimento
2.1 População

Tabela 1: Crescimento populacional nos distritos de pesquisa e Cabo Delgado no geral

A província de Cabo Delgado localizada-se no extre- pressão sobre terras, gerando-se uma intensa
mo norte de Moçambique. A sua capital é a cidade dinâmica de obtenção de autorizações de explo-
de Pemba, localizada a cerca de 2 600 km à norte de ração. Conforme se pode notar no mapa abaixo,
Maputo, a capital do país. A província tem uma área em grande parte do Nordeste da província, foi
de 82 625 km² e com o censo da população 2017, atribuída uma “Autorização de Recursos Mine-
estima-se que tenha cerca de 2 333 278 habitantes. rais para Construção” a uma empresa da indús-
tria petrolífera. A zona do parque nacional das
2.2 Recursos Minerais Quirimbas, assim como a zona Oeste do distrito
de Mueda, onde se localiza a reserva do Niassa,
A província apresenta importantes jazigos de estão classificadas como áreas de conservação.
hidrocarbonetos, grafite, rubi, mármore, metais Na restante área da província foram concedidas
básicos e água mineral. Em virtude do interesse inúmeras licenças de prospecção e pesquisa ou
pela exploração de recursos naturais, a província de processamento mineiro, traduzindo o intenso
de Cabo Delgado tem sido alvo de uma grande processo de busca de terras5.

Figura 1: Cadastro mineiro da província de Cabo Delgado

Fonte: https://portals.landfolio.com/mozambique/pt/

5
https://omrmz.org/omrweb/wp-content/uploads/OR-101-Desenvolvimento-de-Cabo-Delgado.pdf

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2.3 Recursos Florestais menos de metade) do território da província.
Das espécies florestais existentes, destaca-se o
Os recursos florestais têm também um forte va- pau preto e o tule (madeiras preciosas), a umbi-
lor económico para as famílias, quer como ma- la, o jambire, a chanfuta, o pau-ferro e o muton-
terial de construção, quer para a produção de do. O potencial florestal existente aponta para
energia (lenha e carvão vegetal). As áreas flo- uma capacidade de abate médio anual, das di-
restais ocupam cerca de 3 milhões de hectares, ferentes espécies florestais, de cerca de 60 mil
o que corresponde a cerca de 39.4% (um pouco metros cúbicos.

Tabela 2: Locais de exploração mineira


Distrito Posto Administrativo Local de exploração
Distrito Ancuabe
Posto Administrativo Nacussa Local de exploração
Ancuabe Nacussa
Muaja
Ancuabe Mesa Nanjua
Muaja
Ancuabe Mesa Nacaca
Nanjua
Nacololo
Nacaca
Metoro Megaruma
Nacololo
Metoro
Mirate Rio Nsembia (sector)
Megaruma
Mirate
Montepuez Rio Nsembia
Riacho (sector)
do Italiano
Montepuez Macololo
Riacho do(Riacho
Italiano Ntangani)
Nairoto Ntola
Macololo (Riacho Ntangani)
Montepuez Nairoto Xixano
Ntola
Montepuez Namanhaca
Xixano
Riacho Ntonca
Namanhaca
Namanhumbir Lavodouro Namanhaca
Riacho Ntonca
Namanhumbir Barragem
LavodouroNassima
NamanhacaNsepa
Barragem Namanhumbire
Nassima Nsepa Sede
Barragem Namanhumbire Sede

Tabela 1: Empresas mineradoras


Tabela 1:
Tabela 3:Empresas
Empresasmineradoras
mineradoras
Item Nome da empresa Local de exploração
Item Nome da empresa Local de exploração
1 Ruby Maning (MRM) Montepuez e Ancuabe
1 Ruby Maning (MRM) Montepuez e Ancuabe
2 Gemrock Montepuez
2 Gemrock Montepuez
3 Fura Montepuez
3 Fura Montepuez
4 Mwiriti Montepuez
4 Mwiriti Montepuez
5 GK Ancuabe
5 GK Ancuabe

1. Exploração Ilegal de Recursos Minerais e Violação de Direitos


1. Exploração Ilegal de Recursos Minerais e Violação de Direitos
Humanos em Montepuez
Humanos em Montepuez
Figura 1: Mapa do Distrito de Montepuez
Figura 1: Mapa do Distrito de Montepuez

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VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS EM CABO DELGADO 11
3. Exploração Ilegal de Recursos Minerais e Violação de Direitos Humanos
em Montepuez
Figura 2: Mapa do Distrito de Montepuez

O distrito de Montepuez localiza-se na parte sul 3.1 Garimpo ilegal e violação de direitos


da província de Cabo Delgado, a 220 km da cida- humanos em Montepuez
de de Pemba, capital da província, com uma ex-
tensa área de 17 874  km² e a sua população está O Distrito de Montepuez é considerado o maior
estimada em 272.069 habitantes. Montepuez é em recursos minérios da Província de Cabo Del-
o maior distrito da província de Cabo Delgado gado, a destacar-se em: rubi, garnet, turmalina,
e está dividido em quatro Postos administra- safira, ouro, mármore e grafite, para além da
tivos nomeadamente, Mapupulo,  Mirate,  Nai- exploração florestal que Montepuez também
roto  e  Namanhumbir, compostos por 10 locali- é o centro de produção de madeira de maior
dades. Tem como distritos limite os seguintes: quantidade e qualidade. A corrida pelas famo-
(i) Norte - Distrito de  Mueda; (ii) Sul - Distritos sas pedras de rubis de Montepuez em Nama-
de Balama, Chiúre e Namuno; (iii) Oeste - Distri- nhumbir, levou ao fluxo de mineiros artesanais
tos de Marrupa e Mecula - Província do Niassa; e do distrito e outros pontos do país, compradores
(iv) Leste - Distritos de Ancuabe e Meluco. estrangeiros e locais não licenciados, contraban-
distas, grupos de ladrões e criminosos, todos a
A agricultura é considerada como actividade mãe tentarem tirar parte e proveito daquele precio-
praticada por todas classes sociais. De um modo so recurso, muitas vezes recorrendo à violência
geral, a agricultura é praticada manualmente e de para conseguirem as preciosas pedras em des-
pequena escala, na sua maioria em consociação taque.
de culturas e dependente da época chuvosa. As A exploração artesanal leva ao envolvimento de
culturas dominantes na região são, a mandioca, um grande número de pessoas, principalmente
feijão bóer, milho, mapira, mexoeira, amendoim e mulheres e crianças que geralmente se desdo-
feijão nhemba; o arroz é produzido em pequena bram em actividades de processamento, lava-
escala; e, a produção de algodão constitui a prin- gem, peneiramento e filtração, em busca dos ru-
cipal cultura de rendimento da região. bis altamente valorizados na região e no mundo,

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12 DE DIREITOS HUMANOS EM CABO DELGADO
principalmente para os asiáticos. Por sua vez, os rar de bens, onde as pessoas são espancadas e
compradores estrangeiros, se instalam na região até mortas como forma de silenciá-las”, confor-
em busca dos produtos adquiridos durante o ga- me relata um dos entrevistados no âmbito deste
rimpo. Eles se concentram em lugares estratégi- estudo.
cos como restaurantes, lanchonetes e barracas.
A descoberta destes recursos foi acompanhada Relatando a experiência de seu amigo, Zito Er-
por vagas migratórias descontroladas e pelo au- nesto, garimpeiro, conta que este foi captura-
mento dos preços locais, sobretudo ao nível de do pela Polícia na Montepuez Ruby Mining, nas
alojamento e produtos de primeira necessidade. suas palavras: “entramos para cavar e fomos
interpelados pela Polícia que fazia patrulha na-
A partir dos depoimentos colhidos nas entre- quele dia, quando estávamos a fugir ele foi agar-
vistas foi possível apurar que a exploração ar- rado, os policias começaram a bater e deram-lhe
tesanal ocorre num ambiente tenso, marcado uma porção de terra para capinar em seguida
por violações de direitos humanos. As práticas levaram-no para a cadeia lá mesmo no rubi’’. Por
de violação dos direitos humanos mais comuns sua vez, Momade João, ex garimpeiro, sustentou
incluem abusos sexuais, torturas físicas, deten- que nem sempre as mortes que acontecem nes-
ções arbitrárias, assassinatos e tráfico de órgãos. tas zonas, são provocadas por polícias ou guar-
A tortura a garimpeiros ocorre quando estes são das que controlam as áreas de concessão das
flagrados pelos guardas das zonas de concessão. mineradoras. Há assassinatos cometidos pelos
Estas consistem em espancamentos e, por vezes, próprios garimpeiros contra seus colegas e isso
na atribuição de uma porção de terra na qual geralmente acontece quando um encontra uma
são forçados a capinar para que sejam libertos. pedra preciosa que desperta a ambição e ga-
As detenções, geralmente arbitrárias, têm como nância dos outros colegas. Estes crimes ocorrem
um dos corolários o pagamento de somas de com recurso a objectos contundentes, como
dinheiro aos agentes da Polícia em troca da li- picaretas, pás e há casos em que as vitimas são
berdade; e, quando estes não têm dinheiro, são enterradas vivas.
sujeitos a torturas e baleamentos, em claras si-
tuações de uso excessivo da força. Os garimpeiros entrevistados deixaram claro
que estão cientes de que o trabalho que fazem
A maior parte das acções da Polícia são com re- não é seguro e acarreta enormes riscos de vida.
curso a armas de fogo e, por vezes, quando há Estes riscos são acrescidos pelo facto de não
casos de baleamentos que resultam em morte, existir confiança entre eles, a maioria são deso-
essas mortes não são comunicadas e nem justifi- nestos para com os outros, há traições, sobretu-
cadas às entidades legais. Portanto, nota-se aqui do quando alguns encontram boas pedras (rubi)
que um dos grandes perpetradores da violação em relação aos outros colegas, que apresentam
dos direitos humanos nas zonas de exploração uma conduta negativa. Em contacto com Geni-
artesanal é a Polícia. Mas, mais graves ainda, são to, um ex-garimpeiro da comunidade de Nanhu-
as acusações de envolvimento de agentes da Po- po, este reconheceu a existência de muitas práti-
lícia em redes criminosas que praticam assaltos cas que configuram a violação dos seus direitos,
a casas e estabelecimentos locais. Conforme re- mas continua na actividade devido a pobreza e
latam os depoimentos, a Polícia faz a questão de a falta de alternativas. Conforme conta, “vamos
dar cobertura aos malfeitores, porque os bens ao mato cavar à procura de algo para levar e ir
adquiridos são repartidos entre si, havendo nou- comer em casa. Nesta aldeia de Nanhupo mui-
tros casos simulações de detenção de malfeito- tas pessoas não trabalham, todas as áreas onde
res e posterior libertação. A Polícia é acusada de vamos cavar pedra são proibidas, somos manda-
cometer parte dos crimes e “muitas das vezes os dos embora. Agora, nós somos pobres e o go-
agentes alegam que estão a fazer patrulha de verno não ajuda: o que vamos fazer mais para
rotina, invadindo propriedades (casas) de cida- não ir ali arranjar problema? Logo, não temos
dãos estrangeiros e/ou nacionais para se apode- outra alternativa”.

EXPLORAÇÃO ILEGAL DE RECURSOS MINERAIS E


VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS EM CABO DELGADO 13
Quando os garimpeiros tentam criar associações locais de exploração. Os polícias e guardas de-
de garimpeiros para defenderem os seus direi- terminam a hora em que os garimpeiros devem
tos e interesses sofrem pressão do governo e das permanecer no local de exploração, de acordo
empresas mineradoras. Os garimpeiros contam com o valor recebido, independentemente da
que as terras onde decorre a exploração dos quantidade de sacos (camada) que eles conse-
minérios por parte das grandes empresas eram guirem cavar. Quando chega a hora limite os ga-
suas machambas e viviam sempre disso. Contu- rimpeiros devem retirar-se da propriedade, caso
do, de um dia para o outro foram impedidos de contrário serão eles mesmos (os polícias e guar-
fazer as machambas e cavar as pedras preciosas das) a accionar o alarme de invasão para fugir da
que lá existem e são expulsos como se a terra responsabilidade no caso de descoberta.
nunca tivesse sido sua, sob olhar impávido das
autoridades. Quanto à finalização desta actividade, a abun-
dância de fontes de água também é essencial na
Quando levantam-se tumultos, manifestações, mineração de pedras preciosas, já que os sacos
ou quando os garimpeiros são flagrados pela cheios de cascalho (camada) que contêm mine-
Polícia em plena actividade ilegal, os que saem rais precisam ser repetidamente lavados, peneira-
em vantagem são os estrangeiros pela sua po- dos e filtrados para que as pedras, muitas vezes
sição financeira. Na verdade, as operações no minúsculas, fiquem visíveis. No entanto, embora
garimpo ocorrem num ambiente de extorsões a mineração ilegal dependa da disponibilidade
como ficou dito acima, de acordo com um dos de água, chuvas excessivas levam a paralizações,
garimpeiros entrevistado: “quando vamos cavar, pois as minas/túneis são inundados, tornando o
os nossos patrões nos entregam dinheiro para acesso impossível ou muito perigoso, uma vez
pagar a Polícia, assim como os guardas, entra- que o solo fica muito húmido, as estruturas sub-
mos e cavamos até encontrar camada (solo ver- terrâneas ficam em grande risco de entrar em co-
melho), não interessa quantos metros, depois lapso que muitas vezes provoca mortes. Importa
de a encontrar fazemos circulo para ter melhor referir que mesmo os garimpeiros legais, recla-
posição e continuar a cavar. Para abrir uma cova mam acerca das mesmas dificuldades dos ilegais
pagamos 10.000,00 MZN a 15.000,00 MZN aos acima descritas, queixando-se de serem usados
guardas, polícias ou nacatanas”. como mão-de-obra barata. Outrossim, lamentam
o facto de passarem muito tempo fora das suas
O processo consiste em ir às zonas de escavação, famílias, de modo a garantir acesso a alimentação,
cavar e colocar em sacos a terra (camada), onde saúde, educação e habitação. Muitas das vezes
em média fazem 30 a 50 sacos por dia/por pes- acabam não tendo uma participação activa nas
soa. Em seguida os sacos são levados para uma suas famílias, direito esse que é silenciado pelo
fonte de água, rio ou barragem onde se faz a la- trabalho estafante, onde alguns acabam perden-
vagem e a peneiração. Se este processo culminar do a vida nessas minas.
com a existência de uma pedra rubi, estes levam O envolvimento das autoridades locais e provin-
o saco para o patrão que, por sua vez, paga um ciais, em particular a PRM, procuradores e juízes,
valor não superior a 100,000,00 MZN de acordo sem deixar de lado outras individualidades de
com o tamanho e peso da pedra. Ou seja, ven- alto nível, faz parte do sistema de pilhagem ilegal
dem os sacos com camada e os próprios donos dos minérios e outros recursos. Sendo detentores
é que fazem o processo de lavagem. Por outro de informações confidenciais acerca de opera-
lado, estes “donos” pagam os guardas ou polí- ções de patrulha da Polícia para fins de detenção
cias que controlam o perímetro dos DUAT’s das e apreensão, assim como sobre fiscalização das
mineradoras, para facilitar a entrada do(s) seu(s) áreas onde os ilegais actuam, estes antecipam a
garimpeiro(s) nas zonas privadas de exploração comunicação e estas operações, na sua maioria,
das concessionarias na zona e, por vezes, os “do- resultam sem sucesso. Em contrapartida, essas in-
nos” acompanham os seus garimpeiros até aos formações são dadas em troca de dinheiro.

EXPLORAÇÃO ILEGAL DE RECURSOS MINERAIS E VIOLAÇÃO


14 DE DIREITOS HUMANOS EM CABO DELGADO
4. Exploração Ilegal de Recursos Minerais e Violação de Direitos Humanos
em Ancuabe

O Distrito de Ancuabe localiza-se na região sul da trito. Administrativamente, o Distrito tem 3 Postos
Província de Cabo Delgado, a 100 km da cidade administrativos, nomeadamente: Ancuabe-Sede,
de Pemba, capital da província. Ocupa uma área Metoro e Mesa, com 9 Localidades a destacar: An-
de 4,606 km² e tem uma densidade populacional cuabe-Sede, Gihote, Nacuale, Metoro-sede, Salaue,
de 34.6 habitantes/Km². Este distrito é atravessado Mesa-Sede, Nanjua, Campine e Minheuene e 78
pelos principais corredores rodoviários, que ligam Aldeias; e é delimitado pelos seguintes distritos:
as cidades de Nampula, Montepuez e Pemba aos (i) Norte - Distrito de Meluco; (ii) Sul - Distrito de
distritos do norte da Província, o que facilita o de- Chiúre; (iii) Este - Distritos de Metuge e Quissan-
senvolvimento de actividades económicas no dis- ga; e (iv) Oeste - Distrito de Montepuez.

Figura 3: Mapa do Distrito de Ancuabe

Cerca de 87% da população do Distrito de An- promovam a exploração destas terras aráveis
cuabe dedica-se a agricultura, tendo como prin- para a prática da agricultura comercial que iria
cipais culturas praticadas, a mandioca, milho, impulsionar o desenvolvimento local. Denota-
mapira, feijão bóer, amendoim, feijão nhemba, -se, igualmente, que a mão-de-obra que traba-
hortícolas, algodão e gergelim; enquanto 13% lha nestas terras, é encontrada ao nível da pró-
dos habitantes dedica-se a prática de activida- pria comunidade.
des comerciais, criação de animais de pequena
espécie (aves e caprinos) e prestação de servi- Para além da agricultura, o distrito possui gran-
ços. O algodão constitui a principal cultura de des reservas de grafite, pedras preciosas e ma-
rendimento da região. O tipo de agricultura pra- deira, que podem catapultar o seu desenvol-
ticada pelos membros da comunidade é manual vimento. Existem ainda potencialidades de
e em áreas muito pequenas, em regime de con- desenvolvimento no que concerne ao turismo,
sociações de culturas com base em variedades visto que, uma parte norte do distrito é ocupada
locais. Denota-se a falta de organizações que pelo Parque Nacional das Quirimbas.

EXPLORAÇÃO ILEGAL DE RECURSOS MINERAIS E


VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS EM CABO DELGADO 15
Agricultura Potencialidades Minérios/Turismo
Económicas do Distrito

4.1. Garimpo ilegal e violação de direitos hu- Existem casos em que alguns homicídios são pra-
manos em Ancuabe ticados entre garimpeiros porque alguns são in-
divíduos de má-fé. Nem todos são amigos, existe
O local onde decore a exploração ilegal dos re- uma mistura de grupos onde acontecem confu-
cursos, fica desprovido de responsabilidade so- sões entre garimpeiros na disputa de uma cova/
cial, visto que o “inimigo sem rosto” - a pessoa túnel. O recrutamento dos garimpeiros baseia-se
responsável pelos actos da prática ilegal que não na aliciação por valores monetários; por vezes são
é conhecida e nem localizável pelas autoridade recrutados por amigos e em seguida seleciona-
da região - pratica esta actividade de forma clan- dos; depois das devidas negociações, são criadas
destina. Esta actividade, contudo, contribui para condições de alimentação e providenciados os
o aumento da corrupção, visto que as autorida- instrumentos básicos de trabalho, mesmo consi-
des policiais que trabalham nestes locais, ficam derando a escassez destes como descrito acima.
envolvidas em esquemas em que, muitas vezes,
exigem valores monetários ou se apoderam dos Importa referir que com a chegada dos desloca-
recursos adquiridos ilicitamente para o seu uso dos devido ao extremismo violento, a situação
pessoal. O baixo custo do crime, a impunidade, tende a ficar mais complexa. Como descreve um
combinados com a possibilidade de altas mar- dos garimpeiros, “com o aumento da população,
gens de lucro, formam uma poderosa estrutura a vida nos obriga a praticar coisas impossíveis
de incentivo que atrai criminosos de todos os ní- para cumprir com alguns deveres, como o auto-
veis, que operam no mercado ilegal tornando a -sustento, sem deixar de lado a exigência actual
actividade cada vez mais forte e complexa. de acolher os nossos familiares deslocados das
zonas de conflito. Por esta razão, com a falta de
Na região, a exploração dos recursos acontece emprego, as comunidades locais assim como as
sem o uso de instrumentos adequados, caso de vindouras, submetem-se à prática do garimpo
máscaras, botas apropriadas, picaretas, pás, en- ilegal que continua a crescer nas minas, mesmo
xadas, baldes, luvas, capacete, sacos, máquinas com as devidas consequências, não têm como
de perfuração, óculos, lanternas, carinhas de se abster dessa triste realidade”. Um aspecto le-
mão e outros instrumentos, tornando esta práti- vantado por outro garimpeiro, está ligado ao
ca bastante perigosa. Os garimpeiros vão cavan- facto do garimpo ocupar a pessoa durante todo
do a terra na vertical até uma certa profundida- o dia. Esta forma de trabalhar deve-se ao facto
de, com uma corda amarrada à cintura e depois, de se tratar de uma actividade ilegal, portanto,
na horizontal em forma de túneis, levam com precisa-se de mais tempo para conseguir atingir
eles balde e picareta; o balde serve para tirar os os objectivos pretendidos e adquirir bons resul-
solos para fora da superfície. No topo da terra tados sem a intervenção da Polícia que vigia a
fica alguém esperando pelo sinal que é para reti- área de protecção. Mesmo com tanto esforço
rar o balde com terra (camada). por parte dos garimpeiros, não há garantia de
compensação razoável pelo trabalho.
Segundo explica um ex-garimpeiro e actualmen-
te taxista de mota, durante a actividade de esca- Num cenário de fragilidade institucional, de corrup-
vação e quando um garimpeiro encontra uma ção generalizada e de oportunismo dos agentes do
pedra, geralmente, tem que ficar em silêncio sem Estado, desenvolveu-se práticas furtivas e ilegais de
manifestar nada ao ponto de outros descobrirem. exploração de recursos naturais, particularmente de

EXPLORAÇÃO ILEGAL DE RECURSOS MINERAIS E VIOLAÇÃO


16 DE DIREITOS HUMANOS EM CABO DELGADO
madeira, marfim, pedras preciosas e semi-precio- ameaças para intimidar os flagrados nestes crimes
sas. À semelhança do que sucede em Montepuez, a ponto de estes disponibilizarem dinheiro ou qual-
agentes da Polícia fazem cobranças ilícitas, usam quer outro bem em troca de liberdade.

5. Exploração Ilegal de Recursos Minerais e Violação de Direitos Humanos


em Cabo Delgado

A exploração ilegal dos recursos minerais consti- do circuito de tráfico de drogas, órgãos humanos,
tui um grande prejuízo para os cofres do Estado contrabando e outros tipos de crime. Extensas
sob ponto de vista de arrecadação de receitas, áreas da província de Cabo Delgado não são pro-
visto que são actividades não licenciadas nas pensas a actividades normais de desenvolvimen-
quais se regista fuga ao fisco. O Estado moçam- to há já algum tempo e não existem indicações
bicano depende da ajuda externa para cobrir ou de que isso se altere para breve. Nota-se que a
satisfazer as despesas públicas inerentes ao seu maior parte dos comerciantes formais e informais
orçamento. A Autoridade Tributária através da da cidade de Montepuez, praticam actividades
unidade da indústria extractiva, tem envidado ilícitas usando licenças de barracas, tabacarias,
esforços de modo a mobilizar e licenciar os su- boutiques, salões de cabeleireiros, mercearias,
jeitos passivos que se dedicam a esta actividade, hotéis e outros, como fonte de branqueamento
facto este difícil de materializar dada a natureza de capital. A título de exemplo os estrangeiros re-
da actividade e modus operandi, assim como pela sidentes e outros empresários locais, apresentam
falta ou quase ausência de consciência fiscal, mui- ou ostentam uma vida de luxo que não condiz
to menos dos prejuízos que acarreta ao país. O com a situação real do seu negócio.
garimpo ilegal é praticado pelas comunidades lo-
cais e indivíduos provenientes de diversos pontos O lucro gerado pelos mercados ilícitos, produz
da província de Cabo Delgado, do resto do país e renda e riqueza para os criminosos, ao mesmo
do estrangeiro. Esta actividade ilegal é impulsio- tempo em que produz sofrimento e prejuízo às
nada por cidadãos estrangeiros, mormente nige- comunidades, para o Estado e para o meio am-
rianos, somalianos, tanzanianos e malianos, mas biente. E no que tange aos investidores ilegais
também com a presença de nacionais. externos, têm contribuído na economia ilícita,
visto que, os mesmos não possuem licença de
Nos últimos anos, a província de Cabo Delgado exploração mineira, flagrados acabam aliciando
tornou-se o centro de discussão no País e fora com dinheiro e bens as autoridades policiais no
dele. A descoberta de riquezas minerais, sejam terreno, autoridades distritais e por vezes pro-
pedras, grafite, gás e petróleo tem atraído para a vinciais se a detenção for mais além do distrito.
Província todo tipo de pessoas, negócios e pro- O garimpo ilegal é incentivado por compradores
jectos, alterando a vida das populações locais, externos sem título passado e carimbado pelas
sem a devida atenção por parte de quem devia estruturas responsáveis da área mineira para
cuidar deste processo. A competição pelo aces- compra e acabam por ganhar o espírito da práti-
so a recursos naturais agudiza manifestações de ca da economia ilícita.
violência de diversos tipos: desde as tomadas de
decisão de maneira ilegal, sem ter em conta as Nestas áreas para além dos minérios que têm
comunidades até à violência armada que apare- maior destaque na exploração ilegal, o corte
ceu no Norte da província em Outubro de 2017. de madeira é outro ponto de atenção para as
autoridades locais. Verifica-se um número con-
Após a descoberta de recursos minerais, o Distri- siderável de camiões carregados de toros de
to de Montepuez, tornou-se o epicentro de pes- madeira sem a devida documentação. O nível
soas estrangeiras e de outras regiões dentro do de corrupção no País em geral, tem criado um
pais. Na sua maioria, estes indivíduos fazem parte sistema de desequilíbrio no que tange à fiscali-

EXPLORAÇÃO ILEGAL DE RECURSOS MINERAIS E


VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS EM CABO DELGADO 17
zação mineira assim como de outros recursos. As órgãos humanos usam para vender.
políticas de fiscalização apenas beneficiam um
grupo de pessoas ligadas às elites governamen- No distrito de Ancuabe, estas situações não são
tais que quando encontradas cometendo ilega- frequentes; tendo acontecido tal situação, desde
lidades, “apenas uma chamada telefónica já está’’ o segundo semestre de 2021, apenas uma vez em
em prejuízo do desenvolvimento local e da ar- que foi encontrado um corpo sem vida na aldeia
recadação de receitas para os cofres do Estado. de Nacaca. A economia ilícita acontece quando os
Várias vezes são capturadas cargas de madeira, garimpeiros ilegais são flagrados pela Policia de
espécies marinhas e outros recursos naturais va- protecção mineira escalada naquele ponto e na
liosos sem documentação, pela Policia de fiscali- sua actuação, esta dedica-se à cobrança de dinhei-
zação, quer por denuncia ou flagrados, mas têm ro ou bens para o seu próprio benefício. Em Nama-
sido libertos de imediato por envolvimento de nhumbir, por exemplo, a Polícia às vezes tem de-
pessoas de alto nível do governo. monstrado perante os garimpeiros flagrados uma
conduta corruptora, onde sempre que estes não
De acordo com a reportagem do Jornal Notícias tenham dinheiro ou bens, são torturados e por ve-
de 14 de Fevereiro 2021, o Procurador-chefe pro- zes baleados ou detidos. Por outro lado, quando
vincial, reagindo ao desaparecimento de 83 con- as pessoas se apercebem de um negócio valioso
tentores de madeira não processada no porto de (venda de rubi), na calada da noite vão para a casa
Pemba, disse que para além de ter havido factores do indivíduo, em conexão com ladrões, para se
que indicam a existência de crimes de corrupção e apoderarem do valor ganho.
de desobediência, há ainda o crime de falsificação
de documentos. Este cenário, assemelha-se a ou- As estruturas locais de justiça, têm recebido liga-
tros fenómenos que evidenciam fraca capacidade ções anónimas por falhas de negociação entre os
de fiscalização ou fragilidade do Estado. Portanto, intervenientes; isto é, no acto das negociações de
há um conjunto de questões que fazem com que venda têm acontecido desavenças que acabam
muitos moçambicanos vejam este fenómeno com por chamar a atenção da Polícia ou das estrutu-
grande preocupação, sobretudo considerando ras locais, ou mesmo porque um dos garimpeiros
que os recursos estão, claramente, à saque. toma a iniciativa de comunicar o facto às entidades
responsáveis. Estes casos, contudo, nem sempre
5.1. Economia Ilícita e Violação de Direitos terminam em detenção, porque os polícias são ali-
Humanos em Cabo Delgado ciados com dinheiro. Segundo Saide, garimpeiro,
as vezes são apanhados pela Polícia, mas quando
A economia ilícita interliga-se com a violação dos “sabes conversar segundo eles, podes muito bem
direitos humanos. Existem pessoas que durante corromper ou aliciar os responsáveis da deten-
a noite ficam na mata a cavar a terra em grandes ção com promessas de tirar dinheiro a posterior
profundidades para alcançar a pedra preciosa e te deixam”. Mas, há situações em que os polícias
e depois entregam-na a estrangeiros. Em tro- conduzem os infractores à cadeia e legalizam a
ca, recebem um valor insignificante, sendo que sua detenção; incluindo casos que até chegam ao
o estrangeiro, por sua vez, ganha milhões com tribunal e os infractores são condenados a pagar
o negócio. Conforme revelou um cidadão local grandes multas ou cumprir penas. Importa referir
de Montepuez (funcionário do Município), que que, quanto à economia ilícita, esta é menos sa-
falou em anonimato, têm-se verificado activida- liente no distrito de Ancuabe. Sob ponto de vista
des de criminalidade e tráfico de seres humanos, do desenvolvimento socioeconómico (Infra-es-
certas vezes na aldeia de Ntola localizada em truturas, vias de acesso, capital humano e outros
Nairoto, porque a intervenção da Polícia nesta indicadores), vale destacar que Ancuabe possui
zona é fraca e as vias de acesso são precárias. Por grandes proporções de garnet e grafite que não
vezes, é normal encontrarem-se corpos sem vida têm muita procura para as redes de compradores
nas lixeiras ou mato, com algumas partes dos não licenciados e contrabandistas por estes miné-
órgãos do corpo decepadas (seios, sexo, olhos, rios terem um valor comercial baixo e que exige
entre outros), que os criminosos e traficantes de grandes quantidades para a sua comercialização.

EXPLORAÇÃO ILEGAL DE RECURSOS MINERAIS E VIOLAÇÃO


18 DE DIREITOS HUMANOS EM CABO DELGADO
6. Exploração Ilegal de recursos naturais e eclosão do extremismo violento
em Cabo Delgado

Desde 5 de outubro de 2017 que a província Todos estes desenvolvimentos, por um lado,
de Cabo Delgado é assolada pelo extremismo alargam o exército de desempregados e de pes-
violento, que já assumiu proporções desestabili- soas sem perspectivas e, por outro lado, aumen-
zadoras das vidas da população local e do tecido tam o fosso entre os que têm e os que não têm e
social e económico da província. Há um grande consequentemente alimentam tensões que, por
debate sobre as causas e a natureza do extre- sua vez, geram outras tensões reais ou latentes
mismo violento em Moçambique. Uma primeira de índole diversa (tribais, étnicas, religiosas, polí-
dimensão do debate diz respeito à natureza reli- ticas, de classe, etc.). O fenómeno reveste-se ain-
giosa do conflito. Contudo, vários autores, como da de maior gravidade por afectar sobretudo os
Joseph Hanlon, argumentam que a causa do jovens. O desemprego e a frustração dos jovens
conflito é a privação material, particularmente a constitui-se numa bomba-relógio, estando em
pobreza, a marginalização e a falta de perspecti- níveis insustentáveis. Um dos domínios que so-
vas no seio dos jovens, com a religião a funcio- fre com esta situação são as áreas de concessão
nar apenas como “ponto de encontro” ou capa. das mineradoras protegidas que são invadidas
para exploração.
As concessões mineiras para pedras preciosas
e semi-preciosas na província e não necessaria- No caso de Cabo Delgado, isso é agravado pelo
mente as concessões de gás, podem ser uma das facto de que, as licenças de mineração e senhas
principais fontes do conflito que existe na zona mineiras, só podem ser obtidas por cidadãos
norte. Muitas dessas pedras e minas eram explo- moçambicanos. Isso, na verdade, significa que as
radas pelos nativos, obedecendo a esquemas centenas, se não milhares de estrangeiros, como
próprios, ainda que mal estruturados. A exclusão nigerianos, somalis, malianos e outros que estão
e expropriação dos utilizadores e exploradores envolvidos na mineração, acabaram vivendo e
tradicionais desses recursos, sem que sejam ofe- trabalhando ilegalmente nas minas. Actualmen-
recidas outras alternativas viáveis e justas, pode te, todas as áreas de exploração estão na posse
estar a catalisar o conflito. Com feito, a expulsão de empresas, isto é, foram concessionadas a mi-
dos exploradores de pedras preciosas e semi- neradoras, sem se ter em conta a comunidade
-preciosas é um dos vectores mais associados ao local, que tinha na mineração ilegal a sua fonte
conflito, dada a lucratividade destes recursos e a de subsistência. Estas áreas serviam também
diferença que faz nos modos de vida dos expro- para agricultura e habitação, onde por herança
priados. ou compra viveram os seus antepassados e que
podiam servir para as gerações vindouras. A des-
A falta de transparência, a corrupção e o clien- truição do tecido económico e social traduz-se
telismo com que as licenças são concedidas e as em mais descontentamento e aumenta a vulne-
explorações feitas, agrava a situação, num con- rabilidade das comunidades locais. Este descon-
texto em que frequentes vezes os novos “explo- tentamento das comunidades e de outras partes
radores legais” também desrespeitam as regras interessadas, frustração de expectativas e graves
e não trazem valor agregado à economia local violações de direitos humanos, criam um forte
e nacional. A exploração florestal e sobretudo sentimento de exclusão e revolta, que resultam
de madeiras preciosas tem estado em destaque em ações potenciadores de tensões sociais e de
nos últimos pouco mais de trinta anos, sendo conflitos.
uma das áreas em que as elites internas, aliadas
a parceiros externos, têm estado a proceder a A falta de controlo dos recursos naturais por par-
desmandos sem contrapartidas nem para os uti- te das autoridades resulta em conflitos de dife-
lizadores tradicionais desses recursos nem para rentes categorias, tais como: conflito entre locais
a economia nacional. e empresas, que consiste na usurpação de terras

EXPLORAÇÃO ILEGAL DE RECURSOS MINERAIS E


VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS EM CABO DELGADO 19
das comunidades; falta de produção agrícola e desestrutura os sistemas montados em torno
consequentemente, fome; falta de emprego; in- desses modelos de exploração que existiam e
vasão das terras por parte dos locais e estrangei- modos de vida que fomentavam. Por um lado, as
ros, para a exploração ilegal de minerais e vio- comunidades locais vinham usando a extração
lência contra as comunidades. Em 2017 foram mineira, pese embora a sua ilegalidade. Por ou-
extraditados milhares de garimpeiros ilegais e tro lado, esta relação tensa é agravada pelo fac-
outros expulsos pela Polícia. Entretanto, de acor- to de muitos mineradores ilegais invadirem as
do com alguns relatos, muitos outros estão es- áreas de exploração da empresa de mineração
condidos ou mudaram para áreas de mineração de MRM. Esta empresa detém uma concessão
mais distantes e inacessíveis, onde a presença governamental de 34.000 hectares e dedica-se à
das autoridades policiais é quase inexistente. extração de rubi e safira.
Isto levou à criação e crescimento de campos
de mineração em locais como Ntola e Xixano no Apesar desta ser uma actividade perigosa para os
Posto Administrativo de Nairoto, no distrito de garimpeiros ilegais, é lucrativa, pelo menos, em
Montepuez, e Poço de Muaja, em Ancuabe. comparação às fontes alternativas e proporciona
à população local renda considerável em dinhei-
Os efeitos psicológicos, com potencial deses- ro. A exclusão dos garimpeiros ilegais à favor das
tabilizador, dos movimentos repentinos e des- empresas mineradoras, agrava a exploração ile-
controlados da população, a manifesta ilegali- gal e degradação dos recursos naturais com des-
dade das actividades de mineração e a agitação taque para florestas, fauna e recursos minerais
causada pela Polícia, entre outros elementos, (principalmente pedras preciosas e semi-precio-
parecem ter levado muitas pessoas a associar o sas). Aliás, os desmandos em torno dos recursos
garimpo a uma infinidade de conflitos sociais. naturais são descritos, por muitos analistas do fe-
Conforme citado pelo Jornal Noticias, o Coman- nómeno do terror em Cabo Delgado, como sendo
dante-geral da PRM, Bernardino Rafael, afirmou uma das razões da desestabilização, incluindo a
que os supostos líderes do grupo dos insurgen- hipótese de a mineração ilegal ser uma das fontes
tes que vêm criando terror no norte da provín- do financiamento e sustentação do extremismo
cia, revoltaram-se contra as medidas tomadas violento. Ainda que isso não tenha um carácter
pelo governo com vista a acabar com a explo- linear também existe, em certos sectores, a per-
ração ilegal de minérios. Portanto, “foram esses cepção sobre tratamentos e estatutos diferencia-
que estavam como cabecilhas daqueles crimi- dos entre etnias e religiões incluindo sub-grupos
nosos, que pegavam a nossa pedra preciosa, existentes dentro destas últimas.
rubi e outras pedras e iam entregar aos jovens,
carregavam e iam para o litoral, depois levavam Os relatórios da United Nations Office on Drugs
para fora do país. E com ódio, quando fizemos a and Crime, revelam a consolidação de rotas de
operação contra o garimpo, viraram inimigo, co- tráfico de heroína no Canal de Moçambique, mas
meçaram a nos combater”. também de seres humanos, madeira ilegal e pe-
dras preciosas. Como forma de branqueamento
A relação entre as empresas mineradoras e as de capitais, parte das receitas são localmente
populações locais manteve-se tensa e confli- aplicadas no sector de construção hoteleiro e no
tuosa. Durante o processo de extradição dos financiamento à comercialização de mercado-
estrangeiros, houve destruição de propriedades rias exportáveis, ou no financiamento de campa-
e vandalização das viaturas das empresas de nhas de políticos, em particular os mais próximos
segurança da MRM. Quando as terras são con- do poder central, de uma forma discreta, mas
cessionadas, formalmente, a operadores (muitas observável. Pode haver ramificações internas
vezes estrangeiros - ainda que possam ter por não só de empresários financiadores, mas tam-
detrás cidadãos nacionais - influentes e ligados bém de elites políticas e militares associadas ao
ao poder) os exploradores tradicionais são ex- assunto e interessadas no próprio conflito para
pulsos sem consulta, nem informação, nem ne- a abertura de um corredor que facilite esse trá-
gociação de contrapartidas. Isso, naturalmente, fico. A titulo de exemplo, no inicio do ano foram

EXPLORAÇÃO ILEGAL DE RECURSOS MINERAIS E VIOLAÇÃO


20 DE DIREITOS HUMANOS EM CABO DELGADO
apreendidas duas cargas de droga entre as quais numa pesquisa feita no norte de Moçambique
efidrina e cocaína na cidade de Pemba, num dos em janeiro e fevereiro de 2021, ficou anotado
armazéns do empresário Minoji e numa das re- que há poucas evidências de que as economias
sidências pertencentes ao empresário Osman ilícitas se tornaram de facto uma importante fon-
Yacub. Esta situação alimenta debates em torno te de renda para os insurgentes. “Os combates
de disputas de controlo dos diferentes tráficos e em curso tiveram um efeito de arrastamento nas
relações com o extremismo violento que já vem várias rotas de tráfico - de heroína, rubis, ouro,
tomando proporções gigantes a nível da região madeira, vida selvagem - e rotas de contraban-
norte da província. Muitos eventos associados a do de migrantes - que estão enraizadas em Cabo
este processo são percebidos como tendo efei- Delgado há décadas”.
tos negativos sobre a estabilidade. O conflito em
curso em Cabo Delgado pode ter, em parte, rela- Pode afirmar-se que as concessões de terras, flo-
ção com este aspecto em particular. restas e minas a exploradores formais nacionais
e/ou estrangeiros, incluindo parcerias entre eles,
Havia um entendimento de que os insurgentes estão associadas a diversos aspectos alimenta-
ganhavam financiamento com o comércio ilegal; dores de tensões sociais e de conflito. Segundo
mas há quem argumenta que “as redes de tráfico Palmira, uma activista local, a violência contra
mudaram para rotas novas e mais seguras, fora os locais no que refere à exploração de recursos
da área controlada pelos insurgentes, que é alta- motiva a luta social pela justiça e direitos iguais,
mente militarizada”. Com efeito, de acordo com razão pela qual uma parte dos jovens desempre-
um relatório, de 28 de Abril, da Global Initiative gados e com futuro incerto, juntou-se à seita dos
Against Transnational Organized Crime (GI-TOC), insurgentes, como forma de revindicação.

7. Conclusão e Recomendações

O objectivo deste estudo era mapear a econo-cuabe mostrou que este fenómeno ocorre, so-
mia política da exploração ilegal dos recursos
bretudo, em zonas de mineração artesanal e
naturais em Cabo Delgado, com enfoque nos re-
as principais vítimas são os garimpeiros ilegais.
cursos, actores, modus operandi, conexão com o
Trata-se, na verdade, de uma teia complexa que
Estado, assim como os seus efeitos na violação
envolve algumas estruturas locais e a própria
dos direitos humanos. Apesar da enorme rique-
Polícia. A desordem, a anarquia que caracteri-
za em recursos naturais, com destaque para os
za as zonas de mineração e a fraca fiscalização
minerais e florestais, a sua dinâmica de explora-
das entidades responsáveis pela gestão dos re-
ção tem estado muito aquém do desejável. Porcursos minerais cria incentivos para práticas de
um lado, não se verifica uma exploração condu-
corrupção por parte dos agentes da Polícia, que
cente ao desenvolvimento, mas sim uma explo-se aproveitam da vulnerabilidade dos garimpei-
ração voltada para a geração de riqueza para as
ros ilegais para extorsão de valores em benefício
elites e para empresas, em prejuízo das comu-
próprio. A mineração artesanal é praticada por
nidades locais. Por outro lado, esta exploração
jovens pobres e desempregados, que vêm nessa
ocorre num ambiente de graves violações dos actividade a sua única fonte de subsistência
direitos humanos, que se manifestam de dife-e cidadãos estrangeiros. A postura altamente
rentes formas, desde torturas físicas, assassina-
repressiva da Polícia ao expulsar estes grupos
tos, detenções arbitrárias e até tráfico de órgãos
das zonas de mineração ilegal, sem a criação de
humanos. outras alterativas, aumenta a sua vulnerabilida-
de e propensão para engrossar as fileiras dos ex-
A pesquisa nos distritos de Montepuez e An- tremistas violentos.

EXPLORAÇÃO ILEGAL DE RECURSOS MINERAIS E


VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS EM CABO DELGADO 21
7.1. Recomendações para o governo impactos sobre os direitos humanos e evitar
impactos negativos, em consulta activa com
• Reforçar a supervisão e fiscalização do sector as comunidades afetadas;
da mineração; • Certificar-se de que a comunidade tenha a
• Assegurar a coordenação entre os diferentes oportunidade de participar na definição dos
ministérios e órgãos governamentais nacio- termos e condições que tratam dos impac-
nais e locais envolvidos na gestão e super- tos econômicos, sociais e ambientais da ex-
visão do sector da mineração; ploração mineira;
• Garantir a consulta pública regular, ampla e • Criar mecanismos de reclamação acessíveis
significativa e a participação das comunidades e independentes de acordo com os padrões
afectadas pelos projectos de mineração; internacionais.
• Criar mecanismos seguros e acessíveis que
os membros da comunidade podem usar 7.3. Recomendação para a Polícia
para denunciar abusos de direitos humanos.
• Investigar e tomar medidas disciplinares
7.2. Recomendações para as empresas adequadas contra os agentes da Polícia re-
sponsáveis ​​por extorsões, torturas, assassi-
• Realizar avaliações de impacto sobre os di- natos e outras formas de abusos de direitos
reitos humanos para identificar potenciais humanos.

EXPLORAÇÃO ILEGAL DE RECURSOS MINERAIS E VIOLAÇÃO


22 DE DIREITOS HUMANOS EM CABO DELGADO
REFERÊNCIAS

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Agosto 2019.

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