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Miopatia tóxica e necrose hepática aguda causada por ingestão de

Senna obtusifolia em bovinos


Damasceno, E., Schenkel, D.M., Oliveira, L.P., Silva, L.A., Ducatti, K.R., Colodel, E.M., Riet-Correa, F., Furlan, F.H.

Autor Correspondente: fhfurlan@gmail.com (Furlan, F.H.). Laboratório de Patologia Veterinária, HOVET-UFMT,


Av Fernando Correa da Costa s/ nº, CEP 78060-900, Cuiabá, MT.

PALAVRAS CHAVE: Necrose muscular, Plantas tóxicas, Miopatia

INTRODUÇÃO: Um amplo grupo de agentes químicos e biológicos são responsáveis por causar degeneração e
necrose muscular esquelética em animais de laboratório e humanos, no entanto, em medicina veterinária,
intoxicações naturais são limitadas a síndromes associadas a ingestão de ionóforos e plantas tóxicas. Os agentes
comumente envolvidos na miopatia tóxica em bovinos são o fedegoso e ionóforos, apesar de outros como
gossipol, Ageratina altissima, Isocoma pluriflora, Labarnum anagyroides, Lupinus sp e Thermopsis montana serem
também descritos [7]. No Brasil, a única planta responsável por causar miopatia tóxica em bovinos era S.
occidentalis [1], mas recentemente surtos de intoxicação por S. obtusifolia tem sido relatados [3,4,8]. O objetivo
deste resumo é descrever a epidemiologia, sinais clínicos e lesões de intoxicação natural e experimental por S.
obtusifolia em bovinos através da administração de folhas verdes e vagens.

MATERIAL E MÉTODOS: O histórico e sinais clínicos de surtos naturais foram obtidos durante as visitas nas
fazendas onde houve ocorrência da doença. Oito bovinos que adoeceram espontaneamente e morreram foram
necropsiados (Bovinos 1-8). Para a reprodução experimental da intoxicação, partes aéreas da planta foram
administradas aos Bovinos 9 e 10 (15 g/kg coleta da planta em dezembro de 2012), 11 e 14 (20 e 30 g/kg coleta
em dezembro de 2013) e 12 e 13 (20 g/kg coleta em março de 2014). Os Bovino 9 e 10 ingeriram a planta
através de administração forçada, os Bovinos 11 e 14 foram alimentados via sonda gástrica com S. obtusifolia
batida com água no liquidificador. Os bovinos 12 e 13 ingeriram espontaneamente S. obtusifolia misturada com
capim napier. Os animais foram eutanasiados com uma overdose intravenosa de barbitúricos no 5º dia (Bovino
14), 8º dia (Bovinos 9, 10 e 11) e 20º dia (Bovinos 12 e 13) de experimento. Fragmentos de tecidos foram fixados
em formalina a 10% durante 48 horas. As amostras foram processadas rotineiramente para o exame histológico
e corados com hematoxilina e eosina.

RESULTADOS: A doença ocorreu em seis propriedades nos municípios de Sinop, Santa Helena, Cuiabá, Santo
Antonio de Leverger e Comodoro. Em todas as propriedades os piquetes não apresentavam forragem de boa
qualidade e estavam invadidos por S. obtusifolia. Nessas propriedades 30 bovinos adoeceram e morreram e
desses, 8 foram necropsiados. A morbidade variou entre 2 e 28% e a letalidade foi de 100%. Em todos os surtos
os sinais clínicos e lesões foram similares. Clinicamente, os bovinos apresentavam relutância em movimentar-se,
fraqueza muscular e queda quando forçados à movimentação. Os animais em decúbito demonstravam-se alertas
e se alimentavam durante o estágio final da doença. Os Bovinos 1 e 5 apresentaram urina de coloração escura
acastanhada. À necropsia, em todos os bovinos, havia áreas pálidas na musculatura esquelética, principalmente
em membros posteriores e Longissimus dorsi. Os rins dos Bovinos 1 e 5 apresentavam coloração enegrecida. O
Bovino 6 apresentou evidenciação do padrão lobular hepático. Microscopicamente, na musculatura esquelética
de todos os bovinos, foi observado necrose segmentar de miofibras. Adicionalmente, no rim do Bovino 5 havia
nefrose hemoglobinúrica e no fígado do Bovino 6 havia necrose centro-lobular com hemorragia nas áreas
adjacentes. No estágio inicial da doença experimental os bovinos apresentaram diarreia. Os sinais clínicos
progrediram para relutância ao movimento e fraqueza muscular. Em adição a estes sinais clínicos, o Bovino 10
apresentou urina levemente amarronzada. Os Bovino 12 e 13 não mostraram sinais clínicos e foram
eutanasiados no 20º dia do experimento. Os principais achados macroscópicos e microscópicos foram
observados principalmente na musculatura esquelética e foram semelhantes aos observados na doença natural.
Nos bovinos 9 e 10 as lesões foram de intensidade severa, nos bovinos 11 e 14 foram moderadas e nos bovinos
12 e 13 as lesões foram discretas. Adicionalmente o Bovino 14 apresentou evidenciação do padrão lobular que
microscopicamente correspondeu a necrose centro-lobular difusa de hepatócitos com perda da arquitetura
sinusoidal.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO: Neste estudo, o diagnóstico de intoxicação por Senna obtusifolia foi baseado na
identificação da planta nas pastagens, observação de necrose muscular e reprodução experimental da doença. A
baixa disponibilidade de forragem de boa qualidade nas pastagens e a alta taxa de infestação de S. obtusifolia
foram fatores determinantes para induzir a ingestão da planta e a intoxicação. Estas condições têm sido relatadas
em outros surtos de intoxicação por S. obtusifolia [3,4,8]. O exame macroscópico e microscópico revelou que os
casos de intoxicação espontânea e experimental apresentam lesões similares. Lesões musculares são típicas da
intoxicação por S. obtusifolia ou S. occidentalis, como observada nesse estudo, e ocorrem principalmente nos
músculos dos membros posteriores e Longissimus dorsi [1,3,4,8]. Estas lesões podem ser resultado de dano
mitocondrial [1], levando a desarranjo metabólico mitocondrial [2,6]. As miotoxinas de S. obtusifolia são
hidrosolúveis, mas não foram completamente identificadas [5]. As antraquinonas isoladas de S. obtusifolia
incluem o ácido crisofânico, emodina, obtusina, auriantobtusina, crisobtusina, fisiciona e questina [6]. Alguns
destes componentes causam o desarranjo do metabolismo mitocondrial e podem ser responsáveis pelo efeito
miotóxico da S. obtusifolia e S. occidentalis. Estas observações são consistentes com dano mitocondrial da
musculatura e possível desacoplamento da fosforilação oxidativa em casos de intoxicação experimental por S.
occidentalis [2]. Neste estudo, lesões hepáticas não foram observadas frequentemente e afetaram apenas os
Bovinos 6 e 14. Necrose centro-lobular hepática foi também encontrada em outros relatos de intoxicação por S.
obtusifolia e foram atribuídos ao consumo de grandes quantidades da planta. Como observado neste estudo, em
casos espontâneos de intoxicação por S. obtusifolia, onde as lesões hepáticas estavam presentes, não haviam
invasão por outras plantas tóxicas potencialmente responsáveis pela injúria [4,8]. O mecanismo de injúria
hepática e muscular são semelhantes, pois, assim como ocorre nos miócitos, os hepatócitos também exibem
lesões mitocondriais [5]. Esta observação sugere que os danos musculares e hepáticos são causados pelo mesmo
princípio tóxico e desenvolvimento dependendo da quantidade de planta consumida. A coloração acastanhada da
urina se deve a presença de mioglobina liberada, pelo dano muscular, na circulação sanguínea e sua excreção por
depuração renal [3,8]. Embora a mioglobina seja observada em casos de intoxicação por Senna spp [3,8], poucos
autores descrevem a ocorrência de nefrose. Estas lesões têm sido atribuídas a mioglobina [8]. Embora a
hemoglobina e mioglobina não serem nefrotoxinas primárias, elas podem contribuir para a injúria renal através
da hipotensão [7]. A quantidade de planta necessária para reproduzir a doença nos bovinos deste estudo, com
exceção do Bovino 10, foi maior que a relatado por Froehlich [4], além disso, houve variação na toxicidade das
plantas coletadas em diferentes épocas na mesma região o que sugere a variação da toxicidade de S. obtusifolia
em diferentes regiões e épocas do ano. O diagnóstico diferencial para intoxicação em bovinos por S. obtusifolia
deve incluir intoxicação por S. occidentalis, ionóforos e miopatia nutricional por deficiência de vitamina E e
Selênio. A intoxicação por S. obtusifolia é responsável por alta mortalidade de bovinos na região central do Brasil
e causa doença muito semelhante à intoxicação por S. ocidentalis, se fazendo necessária a identificação da planta
para confirmação do diagnóstico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. Barros C.S.L. et al. Intoxicação por Senna occidentalis (Leg. Caesalpinoideae) em bovinos em pastoreio.
Pesq. Vet. Bras. 19 (2), 68-70, 1999.
2. Calore, E.E. et al. Experimental mitochondrial myopathy induced by chronic intoxication by Senna
occidentalisseeds. J. Neurol. Sci. 27, 146 (1), 1-6, 1997.
3. Carvalho, A.Q. et al. Intoxicação espontânea por Senna obtusifolia em bovinos no Pantanal Sul-Mato-
Grossense. Pesq. Vet. Bras. 34 (2), 147-152, 2014.
4. Froehlich, D.L. Intoxicação espontânea e experimental por folhas e vagens da planta Senna obtusifolia
(Leguminosae) em bovinos. Dissertação de Mestrado, Universidade do estado de Santa Catarina. Centro
de Ciências Agroveterinárias, Lages, SC. 38p, 2010.
5. Graziano, M.J. et al. Effects of a Cassia occidentalis extract in the domestic chicken (Gallus
domesticus). Am. J. Vet. Res. 44, 1238–1244, 1983.
6. Lewis, D.C., Shibamoto, T. Effects of Cassia obtusifolia (sicklepod) extracts and anthraquinones on muscle
mitochondrial function. Toxicon 27 (5), 519-529, 1989.
7. Maxie, M.G. (Ed.), Jubb, Kennedy, and Palmer's Pathology of Domestic Animals. 5. ed. SaundersElsevier,
Philadelphia., 2007.
8. Queiroz, G.R. et al. Intoxicação espontânea de bovinos por Senna obtusifolia no estado do Paraná. Pesq.
Vet. Bras. 32 (12), 1263-1271, 2012.

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