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Reflexões sobre a essência da economia socialista

Autor(es): Ribeiro, J. J. Teixeira


Publicado por: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
URL URI:http://hdl.handle.net/10316.2/26085
persistente:
Accessed : 11-Jan-2023 16:49:28

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Reflexões sobre a essência
da economia socia1ista (*)

1. As palavra~ são meios de expressão do pensa-


mento. Portanto, têm o sentido que lhes quizermos dar.
Todavia, uma de duas: ou lhes damos o sentido corrente,
e nessa altura podemos ser imediatamente compreendidos
pela generalidade das pessoas; ou lhes damos sentido
diverso do corrente e nessa altura, se quizermos ser
compreendidos, temos de indicar primeiro qual esse outro
sentido seja.
Vem isto a propósito da palavra socialismo.
Por ela tem-se entendido coisas diferentes (1). Tem-se
entendido um corpo de ideias, um ideário, como quando se
fala de socialismo marxista ou de socialismo democrático;
tem-se entendido um movimento político, como quando se
refere um partido que se reclama do socialismo: é o caso de
um partido socialista ou de um partido comunista; tem-se
entendido, fmalmente, um sistema económico, como
quando se alude ao sistema socialista soviético ou ao sistema
socialista yugoslavo.
Mostra a história uma certa relação entre esses três
sentidos. Na verdade foram os corpos de ideias que

(*) Comunicação apresentada à Academia das Ciências de Lisboa,


em Sessão da Classe de Letras de 18 de Maio de 1989, e aqui publicada
com notas.
(I) Cfr. HUNT and SHBRMAN, ECOII Ol/l;CS, 4. ' ed. , Harper & Row,
Nova York, 1981 , p. 665.
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modelaram os movimentos políticos, e foram os movi-


mentos políticos que levaram a cabo, em algillls países, a
instauração de sistemas económicos ditos socialistas.
É que a fmalidade última dos movimentos socialistas,
tais como eles se desenvolveram na Europa na segilllda
metade do século XIX e princípios do século XX, atravé~ de
partidos que ora se denominavam sociais-democratas, ora
socialistas, foi sempre a de criar um novo sistema
económico, um sistema que se contrapunha ao sistema então
vigente nos seus países, e que era o sistema capitalista.
Lograram-no em 1917, ainda durante a 1. a Guerra Mundial,
110 Império Russo; e voltaram a lográ-lo logo depois da
2. a Guerra, mas agora sobretudo através de partidos
comunistas, em vários outros Estados, desde a Checoslo-
váquia à China, quer por força de apenas movimentos
internos, quer com o auxílio de exércitos estrangeitros.
Os sistemas económicos assim implantados recondu-
ziam-se a um certo tipo, que já foi por nós definido em
1960, aquando de uma conferência sobre «Capitalismo e
Socialismo em um millldo só» (2). Caracterizámos nessa
altura por estes três traços fundamentais o tipo de sistema
vigente nos chamados países comurustas: apropriação social
dos meios de produção, plano imperativo, satisfação de
necessidades. Isto os distinguia do tipo de economia vigente
nos países capitalistas, o qual se caracterizava pelos traços
contrários: apropriação individual dos meios de produção,
mercado, obtenção de lucros.
Pretendíamos dessa forma desenhar sistemas abstractos,
e não exprimir sistemas concretos, os quais s6 correspon-
diam àqueles nos seus elementos preponderantes. Basta

(2) Publicada no Bolt til/l de Ciê"cias Econ6/11 icQs, vol. VIII 1959-)
1964) , pp. 1 55., e em separata .
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dizer-se que nos países capitalistas havia e há um sector


público, mais ou menos extenso, e, portanto, uma
apropriação social de meios de produção, de bens capitais;
e que nos países socialistas subsisitia e subsiste um sector
privado, também mais ou menos extenso, e, portanto, uma
apropriação individual daqueles bens.
Falamos de países socialistas, não obstante sabermos
que muitos lhes recusavam e recusam esse qualificativo, por
entenderem que lá não se realizou nem realiza o socialismo.
Repare-se, porém, que sobretudo o fazem não por negarem
ser de tipo socialista o sistema econ6mico instaurado nesses
países, e sim por negarem sê-lo o sistema político. Ora, n6s
tratamos aqui apenas do sistema econ6mico.
Independentemente disso, não se esqueça que o sistema
econ6mico capitalista tem sido e é compatível com diversos
regimes políticos: tanto tem havido e há capitalismo em
países de regime democrático como em países de regime
autoritário. Porque não admitir também que o sistema
econ6mico socialista é compatível com diversos regimes
políticos, pelo que podemos ter, ambos economistas
socialistas, um socialismo democrático e um socialismo
autoritário?

2. Deixamos a pergunta no ar, para observarmos que


actualmente já não é correcto contrapor a economia capi-
talista à economia socialista por aquela ser de mercado e
esta ser de plano imperativo.
Quando o fizemos em 1960 o sistema socialista que
tínhamos em mente era o estabelecido nos países em que o
Estado, além de titular dos bens capitais, organizava ele
próprio a produção, sobretudo nos sectores da indústria, do
comércio e dos transportes. Podia, assim, falar-se ("m
socialismo de Estado, visto ser ao Estado, dono dos ele-
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mentos materiais da produção, que pertencia reuni-los ao


trabalho para se obterem os produtos e serviços (3). Estava
ainda incipiente o sistema yugoslavo de autogestão, e isso
nos permitiu não o distinguir devidamente do socialismo de
Estado dos restantes países comunistas. Mas se era descul-
pável fazê-lo então, já o não é hoje, em que o sistema
yugoslavo adquiriu foros de sistema socialista de mercado.
Não há, pois, que considerar o mercado como exclusivo da
economia capitalista. Também existe um socialismo de
mercado, embora com plano, mas plano meramente indi-
cativo, o qual, aliás, igualmente se encontra em algumas
economias capitalistas.
O que fica, portanto, a distinguir uma economia
capitalista de uma economia socialista é, por um lado, a
propriedade dos meios de produção: propriedade individual
no capitalismo, propriedade social, no socialismo; e, por
outro, a finalidade da produção: obtenção de lucros, no
capitalismo, satisfação de necessidades, no socialismo.
Claro que a economia capitalista também satisfaz
necessidades, e nenhuma economia atingiu até hoje tanto
êxito como ela em tal donúnio. Basta reparar no alto ruvel
de vida alcançado nos países capitalistas desenvolvidos. Mas
há uma diferença: na economia capitalista a satisfação de
necessidades é um meio, e não um fim; é o meio de a
empresa, vendendo os seus artigos, ganhar nessa venda,
obter lucros; enquanto na economia socialista a satisfação
de necessidades é ela própria o fim da actividade econó-
nuca.

(3) Outros &.1aram e falam em capitalismo de Estado, como se


pudesse haver capitalismo sem propriedade individual dos meios de
produção. Trata-se, como diz PERROUX (ú capitalis/IIe, 3.' ed., Qu~
sais-j~?, Paris, 1958, p. 29), de uma contradição nos termos.
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A distinção tem importância: pois, se a satisfação de


necessidades é um meio e não um fim, sempre que seja
conveniente sacrifica-se o meio à realização do fim,
procurando alcançar-se mais lucro mesmo à custa de
satisfazer menos necessidades.

3. Acabámos de ver que os traços característicos


do sistema económico socialista são a propriedade so-
cial dos meios de produção e a satisfação de necessi-
dades.
Porquê a propriedade social? Se a satisfação de necessi-
dades é o fim, decerto porque se entende que a propriedade
social é o melhor meio de o alcançar. Mas necessidades de
quem?
As necessidades satisfazem-se mediante a utilização de
bens que se adquirem com os rendimentos obtidos na
produção. Ora, em economia socialista, como os bens
capitais são propriedadç social, não existem rendimentos
individuais da propriedade obtidos na produção, pelo que
não se distribuem rendas a proprietários, juros a capitalistas,
lucros a empresários. As rendas, os juros e os lucros (estes
quando os haja) pertencem ao Estado, que é o fornecedor
dos meios de produção. De modo que os únicos rendi-
mentos individuais são os distribuídos aos trabalhadores,
isto é, os salários.
Acontece assim não só numa economia de socialismo de
Estado, do tipo da da União Soviética, como numa
economia de socialismo de autogestão, do tipo da da
Yugoslavia. Com efeito, ainda numa economia de auto-
gestão são os salários os únicos rendimentos individuais
distribuídos, uma vez que os rendimentos líquidos das
empresas cabem aos trabalhadores a título de salários e
não de lucros.
200

Com rendimentos que lhe são afectos vai o Estado


satisfazer neces idades colectivas. Mas isso não é pr6prio da
economia socialista, pois necessidades colectivas satisfaz
igualmente o Estado na economia capitalista. E se essas
necessidades podem ser diferentes, também podem ser
idênticas, e no mesmo ou em diverso grau. O que é pr6prio
da economia socialista é o ela propor-se satisfazer necessi-
dades mediante a apropriação social dos meios de produção .
E como essa apropriação faz com que os únicos rendimentos
individuais distribuídos a produtores sejam salários, daí que a
economia socialista tenha especificamente em mira a
satisfação das necessidades dos titulares dos salários, isto é,
dos trabalhadores. pelo que a economia socialista não se
compadece com a satisfação de necessidades dos que,
podendo trabalhar, não trabalham.
Perguntámos há pouco de quem são as necessidades
que a economia socialista visa satisfazer. Sabemo-Io agora:
são dos trabalhadores. O fim pr6prio, pois, da economia
socialista é satisfazer as necessidades destes. É-o pela razão
elementar de que nessa economia os únicos rendimentos
individuais distribuídos na produção são os salários. Por
conseguinte, o que há de essencial à economia socialista é a
existência de rendimentos individuais tão-somente do tra-
balho ou - o que diz a mesma coisa - a inexistência de
rendimentos individuais da propriedade obtidos na pro-
dução.
Repare-se: obtidos na produção. Pois que, fora dela,
podem subsistir na economia socialista rendimentos indi-
viduais da propriedade. É o caso dos juros dos empréstimos.
Nada obsta, com efeito a que qualquer trabalhador ceda a
crédito parte do seu salário e exija o correspondente juro;
como nada obsta a que o Estado emita empréstimos públi-
cos com juro a fim de captar aforros. Mas trata-se de juros
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que não são rendimentos distribuídos na produção, que ~ão


antes rendimentos redistribuídos.
De qualquer forma, o facto é que estes rendimentos
individuais da pr priedade porventura persistentes numa
economia socialista nem nunca podem assumir relevo
importante, nem são da essência dela.

4. Mas caracterizar tal economia pela eXlstencia de


rendimentos individuais distribuídos apenas ao trabalho é ir
contra a ideia, presente em muitos, de que é a realização da
igualdade que constitui o fim do socialismo. Teríamos, na
esfera económica, igualdade de riqueza c de rendimentos.
Decerto que não pode negar-se o pendor igualitário da
economia socialista: uma vez abolidos os rendimentos sem
trabalho, ficam os rendimentos da produção reduzidos a
salários, e o natural é que as diferenças entre os salários
sejam muitos menores do que as diferenças entre eles e as
rendas, os juros e os lucros. Calcula-se que nos anos 60 o
rendimento mais alto era nos Estados Unidos 11000 vezes o
mais baixo e 7000 vezes o rendimento médio; por essa
mesma altura, o cálculo que acusava maiores diferenças na
União Soviética dizia que lá o rendimento mais alto era 300
vezes o mais baixo e 100 vezes o rendimento médio (4).
Tanto basta para mostrar a importância que tem a abolição
dos rendimentos sem trabalho. Ela não leva, por si, à
igualdade dos rendimentos, mas leva a uma considerável
redução das desigualdades.

(4) efr. DAVID LANE, The Elld of IlIequnlity?, Penguin Books,


1971, p. 74.
Em 1960, e pelos dados oficiais, enquanto nos Estados Unidos cabia
às 10% de fanúlias com os maiores rendimentos 30 vezes aquilo que cabia às
10% de famílias com os rendimentos menores, na União Soviética a
relação era de 4,8 para 1, embora pareça que posteriormentt: tal relação
tenha aumentado (HUNT and SHERMAN, Econolllics, 4. ' ed. , cit., p. 711).
202

o problema e tá, pOlS, em saber se - além deHa


redução da de iau Idades que r ulta da aboliçã d s
rendimento sem trabalho - a economia socialista se
propõe a eliminaçao delas.
Sucede que a igualdade dos rendimentos faz diminuir as
desigualdade de riqueza: com efeito, send os rendimentos
todos iguais, natural é que os pobres aforrem maiores
montantes do que s ricos; daí que os patrim6nios dos ricos
tendam a crescer men s do que os dos pobres, o que reduz as
diferenças entre eles. pelo mesm motiv , também sucede
que a igualdade de riqueza s6 pode manter-se enquanto
houver igualdade de rendimentos: c m efeito, se os
rendimento forem desiguais, decerto que serão desiguais os
aforros e, portanto, os acréscimos de patrim6nio. Donde se
conclui que o que decisivamente intere sa é a igualdade dos
rendimento .
Ora, o facto é que os partidos q ue se reclamam do
socialismo não costumam propugnar pela eliminação das
desigualdades de rendimentos. Manifestam geralmente
aspirações à igualdade, mas sem a definir, pelo que isso
pode bem entender-se como voto de menos desigualdade.
E compreende-se que seja de menos desigualdade de ren-
dimentos, e não de igualdade absoluta, pois esta teria con-
sequências econ6micas desastrosas. Efectivamente, quando
todos soubessem que ganhariam o mesmo quer trabalhassem
muito ou pouco, quer desem.penhassem com diligência ou
com desleixo as suas tarefas, é claro que a maior parte
procuraria trabalhar o menos possível e não poria nenhum
zê lo no trabalho. Isto, até que se encontra sem sucedâneos
para os incentivos materiais, o que se tem tentado, mas com
pouco êxito.
Não pode ser, pois, objectivo do socialismo a instaura-
ção da igualdade de rendimentos. Mas, e não pode ser
essa, não pode ser ao menos a da igualdade de oportu-
nidades?
Também não, já que é irrealizável. Com efeito, só
haverá verdadeira igualdade de oportunidades quando não
apenas forem abertas a todos, em paridade de condições, as
portas das diversas tarefas, empreendimentos e emprego,
mas ainda for possível a todos transpor essas portas. Ora,
muitas vezes não o é. Assim, permite-se a todos, qualquer
que seja a sua compleição física, participar em corridas; mas
que oportunidade abre isso aos paralíticos, se estão
impedidos de andar? Permite-se a todos, sejam ricos ou
pobres, aceder aos empregos de hoje e de amanhã; mas que
oportunidade oferece isso aos pobres de acederem aos
empregos de amanhã que sejam melhores do que os de hoje,
se a sua situação de pobreza não os deixa esperar e os obriga
a preferir os actuais empregos, ainda que menos vantajosos?
As diferenças entre os indivíduos, quer de qualidades
físicas (inteligência, habilidade, compleição) quer de quali-
dades familiares (educação, fortuna), não consentem, pois, a
realização de uma autêntica igualdade de oportunidades.
Enquanto não nascermos todos iguais, não recebermos
todos a mesma educação, não djspuzermos todos da mesma
riqueza, as oportunidades hão-de continuar a ser diferentes.
Aliás, se fosse possível deixarem de o ser, teríamos a selecção
apenas pelo mérito, e é duvidoso que tal selecção seja
desejável (5) .
Mas, se não podem eliminar-se as desigualdades de
oportunidades, podem ao menos reduzir-se. E reduzi-Ia~ é
da alçada da economia sociali ta, visto que essas desigual-

(5) Ver CROSLAND, T/'e Future (lf Socialism, onathan Cape,


Londres, 1956, pp. 232 SS .; JAN PEN, I"co",e Distriblltioll, Penguin Book ,
1971 , p . 315.
dades sa fruto, em boa parte, das desigualdades de riqueza e
rendimentos. De modo que a economia socialista, do
mesmo passo que faz diminuir as desigualdades de riqueza e
rendimentos, também faz diminuir as desigualdades de
oporttmidades.

5. Apurámo há pouco que o fim específico da


economia socialista é :l satisfação das necessidades dos
trabalhadores, o que ela se tem proposto conseguir, tanto em
socialismo de Estado como em socialismo de autogestão,
mediante a propriedade social dos bens capitais. Eliminadas
as rendas, os juros e os lucros dos individuos, a estes apenas
se distribuem salários dos resultados da produção e, através
dos salários, poderes de compra em mercadorias.
A propriedade social dos bens capitais é, pois, um
simples meio para o conseguimento do fim da economia
socialista. Pode-se pelguntar, portanto, se não será possível
obter o mesmo fim por outro meio, isto é, se não será
possível eliminar as rendas, os juros e os lucros dos
indivíduos sem proceder à apropriação s cial dos meios de
produção.
Vejamos. Os meios de produção (terras, equipamentos,
matérias-primas) continuariam na mãos dos seus donos, e o
Estado proibiria os proprietários de exigirem rendas pela
cedência dos seus terrenos e os capitalistas de exigirem
juros pela cedência do seu dinheiro ou bens. Que sucederia?
O natural é que os proprietários se recusassem a ceder as
terras de graça. Tinham a opção de as deixarem em pousio
ou de as cultivarem eles próprios. Ora, se as cultivassem eles
próprios, desapareceriam as rendas como preços, mas não
como rendimentos, pois que elas são rendimentos dife-
renciais e que, portanto, existem independentemente de
serem exigidas pelos proprietários.
205

Quanto a proibição dos juros, também o natural é que


os capitalistas se recusassem a ceder o dinheiro ou bens de
graça. E se não preferissem utilizá-los em consumo ou em
entesouramento, tinham a alternativa de os investirem eles
próprios. Mas, nessa altura, não deixariam de incluir um
juro no custo de produção das suas empresas.
Não se conseguiria, pois, eliminar, através da proi-
bição, os rendimentos individuais da propriedade. Simples-
mente, se não dessa forma directa, porque não tentá-lo de
forma indirecta, procurando absorver tais rendimentos
através de impostos?
O Estdo deixava os proprietários e capitalistas rece-
berem rendas e juros, deixava os empresários ganharem
lucros, e depois tributava com taxas de 100 % esses rendi-
mentos, de sorte que os seus titulares ficavam sem nada deles
nas mãos.
Não há dúvida de que dessa forma, e abstraindo das
dificuldades de ordem prática, se conseguia absorver os
rendimentos da propriedade. Mas com a desagradável
consequência de eles desaparecerem, por desaparecer a
produção. Efectivamente, e uma vez que o Estado tributava
com 100 % os lucros das empresas, estas deixavam de
ter interesse em existir. Fechavam as portas e não se cons-
tituiam outras. O Estado matava, pois, a fonte dos ren-
dimentos .

6. Como se vê, nem é possível elüninar os rendimentos


individuais da propriedade através da sua proibição, nem é
desejável absorvê-los através de impostos. Tem de con-
cluir-se, portanto, que o único processo admissível de
realizar a fmalidade da economia socialista - existência de
rendimentos individuais distribuídos apenas ao trabalho - é
a apropriação social dos meios de produção.
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A c nclusã p de p,ueccr e tranh.l quando se abe


que muito d p rtid s que se reclamam d ocialismo
- denominado partid s socialista partidos OClalS-
-democratas - têm n últimos decénios renunciado,
expressa ou tacitam.ente, à apropriação ocial da maior
parte dos meio de produção. O caso mais fri ante é o do
p deros partido social-dem crata alemão, o qual em 1959,
no Congresso de Bad Godesberg, aprov u um pr grama
em que, além de nã se preconizarem naci nalizações, se
afirma que a propriedade privada d s meio de pr dução
merece a protecçã da sociedade desde que não impeça a
instauraçao da justiça social (b).
Mas isso apenas significa que tais partidos desistiram
de implantar um sistema económico socialista. Na verdade,
ele contentam-se agora com o aperfeiçoamento do actual
sistema de economia mista existente nos seus países e que é
um sistema em que coexistem, a título permanente, sector
público e sector privado e, portanto, elementos de
socialismo e de capitalismo. Este sistema pode aproximar-se
d sistema socialista, sem dúvida; mas enquanto nele
predominar a propriedade individual dos meios de pro-
dução, como até hoje tem sucedido, corresponde ao sistema
ca pi talista.

J. J. TEIXEIRA RIBI!IRO
F.kuJd. d. de Direho de Coimbra

(6) Cfr. KJLROy-SIl.K, O socialismo II partir J( Marx, trad., Ulisseia,


Lisboa, 1974, p. 308 .

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