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A Percepcao Consciente BERGSON
A Percepcao Consciente BERGSON
SOLANGE BITTERBIER1
Resumo: Para Bergson, o corpo é uma imagem que interage com as demais, o
universo é, por sua vez, um conjunto de imagens. Entretanto, a imagem-corpo tem
um “privilégio” porque ela é um centro de indeterminação, ou seja, a resposta do
corpo a um estímulo não é determinada previamente, o que não ocorre com as
demais imagens situadas ao meu redor, imagens que tem “suas ações”
determinadas por leis invariáveis que não lhes permitem outra possibilidade de
agir. Essa condição especial do corpo em relação às demais imagens ocorre, entre
outros fatores, por ele ser capaz de conhecer-se através de afecções. Segundo
Bergson, as afecções estão presentes quando recebemos estímulos e executamos
movimentos, como uma espécie de convite a agir ou de nada fazer. A afecção está
intrinsecamente ligada à percepção que, por sua vez, é voltada à ação. Em torno do
corpo existe uma zona de indeterminação, é necessário “perceber” a que distância
o conjunto de imagens ao redor encontra-se para se saber a intensidade da ação do
corpo sobre elas, ou seja, a percepção faz com que o corpo tenha a noção a priori de
suas relações com as imagens exteriores. A percepção atua como um “medidor” da
indeterminação da ação que será tomada, o corpo decide sobre qual fonte de estímulo
irá agir e como o fará de acordo com as vantagens que pode ter. A partir do momento
que estas observações são feitas e constata-se a possibilidade de hesitação e
conseqüente escolha – indeterminação das ações – temos a percepção consciente.
1
Graduanda em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná.
Solange Bitterbier
2
BERGSON, H. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito,
1999, p. 32.
3
PRADO Jr, B. Presença e campo transcedental, 1988, p.139.
4
BERGSON, H. Op. Cit, p.02.
5
PINTO, DM. Consciência e corpo como matéria, 2000, p.31-32.
6
BERGSON, H.Op, cit, p. 11.
7
PRADO Jr, B.Op, cit, p.134.
8
Idem, ibidem, p.146.
percebe-se que “há uma [imagem] que prevalece entre as demais na medida
em que a conheço não apenas de fora, mediante percepções, mas também
de dentro, mediante afecções: é o meu corpo”9. As afecções seriam o que
me diferencia das outras imagens exteriores, que por sua vez estão
submetidas a leis invariáveis – leis da natureza. Seriam um “convite a agir,
ao mesmo tempo com a autorização de esperar ou mesmo de nada fazer”10.
A partir daí, nasce a possibilidade de hesitação perante algum estímulo e a
conseqüente capacidade de produzir o novo11, o que não ocorre com as demais
imagens que não possuem esse “privilégio” próprio ao sujeito e permanecem
em ações automáticas.
Assim, o indivíduo capaz de escolher entre as ações possíveis foge ao
automatismo e isso o caracteriza como um centro de ação: como um centro
de indeterminação, em outras palavras:
Dada essa indeterminação das ações, não vamos nos ater à teoria das
afecções. Basta-nos atentar que a afecção precisa ter como base a ação
possível da imagem-corpo com relação às demais imagens, do contrário,
não haveria hesitação e nem escolha, essa ação possível nos dá a percepção.
A indeterminação das ações será tanto maior quanto maior for o
desenvolvimento do sistema nervoso, pois assim ele poderá responder das
9
Idem, ibidem, p. 11.
10
Idem, ibidem, p. 12.
11
A novidade se produz na medida em que as ações já não são previstas como a
ação de algo submetido a leis físicas por exemplo.
12
PINTO, D.M. Espaço, percepção e inteligência, 1994, p. 79.
13
BERGSON, H. Op.Cit, p.12.
14
Idem, ibidem, p. 13.
15
PINTO, D.M. Consciencia e corpo como matéria, 2000, p. 40.
16
BERGSON, H. Op. Cit., p. 33-34.
17
Idem, ibidem, p. 16.
18
Idem, ibidem, p. 19.
que por sua vez também são modificados pelo mundo material. Ela poderia
traduzi-los visto que é também modificada pelos mesmos.
Apesar das profundas diferenças entre os realistas e os idealistas quanto
à percepção da matéria, existe algo em comum aos dois, pois para eles
“a percepção tem um interesse inteiramente especulativo; ela é
conhecimento puro”19. Já podemos perceber este equivoco pela análise do
sistema nervoso de um animal, por mais simples que ele se apresente. Um
animal primitivo reage a uma “excitação exterior” 20, sem que haja
a necessidade de possuir um sistema nervoso desenvolvido. O animal
vertebrado que o possui, por sua vez, muitas vezes diante de um estímulo,
age por causa de uma ação reflexa do sistema medular, não que o cérebro
seja dispensável, mas ele serve como “espécie de central telefônica; seu
papel é ‘efetuar a comunicação’, ou fazê-la aguardar”21. Para conduzir e
selecionar o movimento, não é preciso um conhecimento prévio sobre aquele
estímulo repentino que levou o corpo a reagir. Sendo assim, a idéia de que
a percepção seria um conhecimento puro não faz sentido, ela não é uma
interioridade do sujeito, mas sim é orientada para a ação, o que pode ser
confirmado através de uma simples análise do sistema nervoso.
Desta forma, acreditamos ter percorrido os pontos principais da análise
bergsoniana da percepção, mostrando que se há indeterminação e há escolha
das ações, há uma percepção consciente. Entretanto, é importante ressaltar
que “nascida num campo [transcendental de imagens] anterior à cisão
sujeito-objeto, a consciência não carece de cisão para nascer, nem nasce
para resolvê-la”22. O campo transcendental nos permite revelar o caráter
não intencional da consciência: Bergson não parte de um sujeito “consciente
de si” que distingue os objetos, os descreve e é capaz de fazer relações
entre eles e o corpo, até porque isso implicaria na atuação da memória e,
como foi visto, o filósofo parte de uma percepção pura – isenta de qualquer
19
Idem, ibidem, p.24.
20
Idem, ibidem, p.25.
21
Idem, ibidem, p.26.
22
CHAUÍ, M. Apresentação, 1988 p. 20.
Referencias