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TEORIA DA PERCEPÇÃO

VISUAL
AULA 05

Prof. André Luiz Pinto dos Santos


CONVERSA INICIAL

Diferentes teorias da percepção visual

Olá, alunos!
Nesta aula, trabalharemos outras abordagens da percepção visual.
No primeiro tema, é feita uma breve apresentação de quais seriam essas
abordagens e as diferentes definições de percepção visual para cada uma delas.
Já no segundo tema, o foco será sobre as constâncias perceptivas, que é um
elemento comum às várias abordagens, para que, no terceiro tema, seja iniciada
a apresentação da teoria construtivista.
No quarto tema, o foco será sobre a abordagem ecológica, e, para
finalizar, no último tema, será apresentada a teoria computacional da percepção.
Bons estudos!

TEMA 1 – TEORIAS DA PERCEPÇÃO VISUAL

Além das teorias da percepção visual já apresentadas nas aulas


anteriores, existem outras que permeiam historicamente o conhecimento
científico sobre a percepção visual, conforme Schieferdecker (2021).
As diferentes teorias possuem pontos de aproximação metodológica em
determinados pontos dos estudos da percepção visual, assim como podem
divergir de maneira abrupta, em outras oportunidades, acerca de concepções e
compreensões.
Com base em Santos e Mesquita (1991), podem ser citadas como teorias
da percepção visual a teoria construtivista, a teoria gestaltista (que já foi
apresentada em momentos anteriores), a abordagem ecológica e a teoria
comportamental.
De acordo com Santos e Mesquita (1991), a definição de percepção para
o construtivismo é uma interpretação de uma realidade externa, inacessível e
caótica, enquanto que a Teoria da Gestalt é uma atribuição de sentido a uma
realidade externa, inacessível e caótica, a partir de leis de organização inatas ao
indivíduo.
Na Abordagem Ecológica, é considerada como uma atividade direta e
automática de extração de informações. Já na Teoria Computacional, a

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percepção é um sistema complexo de processamento de informação gerador de
representações.
Santos e Mesquita (1991) consideram que os modelos teóricos clássicos,
como o construtivismo e a Teoria da Gestalt, são "e sempre foram, logicamente
inconsistentes e têm contradições internas nunca resolvidas pelos seus autores".

De acordo com o paradigma construtivista a imagem projetada na


retina tem que ser interpretada, o que exige a presença de um pequeno
homem dentro do sujeito, observando a imagem retiniana
correspondente a realidade exterior, dentro do qual deverá estar, por
sua vez, um homenzinho ainda mais pequeno, observando e
interpretando a imagem retiniana do pequeno homem, e assim
sucessivamente, numa regressão infinita. Por sua vez, as leis de
organização gestaltista substanciam um modelo explicativo
particularmente apreciado pelos psicólogos, mas conduzem-nos a uma
circularidade explicativa da qual é difícil sair, salvo se rejeitarmos a
teoria no seu conjunto: os estímulos perceptivos são organizados
segundo princípios empiricamente verificáveis, como os de
simplicidade ou de complemento, porque existem leis de organização,
inatas, que levam os sujeitos a organizá-los dessa forma. No terreno
empírico, tanto os construtivistas como os gestaltistas utilizam
estímulos visuais tão simplificados e condições de visionamento tão
constrangedoras que, como resultado experimental, só é possível
obter uma validação, e não um teste das teorias. (Santos; Mesquita,
1991, p. 157)

Outra teoria da percepção visual é a abordagem ecológica proposta por


James Gibson. De acordo com Santos e Mesquita (1991), esse seria um modelo
teórico coerente e testável empiricamente, que fez uma revisão das concepções
de estímulo visual, da relação sujeito-objeto e das situações experimentais,
definindo a percepção enquanto atividade direta e automática de extração de
informações, e se opõe as contradições do construtivismo e da teoria da Gestalt.

Este postulado base da abordagem gibsoniana contraria radicalmente


o nosso bom-senso, a nossa cultura ocidental e os paradigmas
clássicos da Filosofia e da Psicologia. Em contrapartida, permite
superar as contradições internas do construtivismo e gestaltismo e, em
matéria de inteligibilidade das situações quotidianas, é muito mais
promissor. (Santos; Mesquita, 1991, p. 157)

Quanto à teoria computacional, esta segue a mesma linha e é compatível


com a abordagem ecológica.

Marr (1982) propõe que a visão é um processo de produção, a partir


de imagens do mundo externo, de uma descrição que é útil para quem
vê, e não juncada de informações irrelevantes. Isto depende de se
construir estas descrições a partir de coisas e matérias reais da
realidade externa. Segundo sua teoria computacional, a mente é um
sistema de órgãos de computação, projetados pela seleção natural
para resolver os tipos de problemas que os seres enfrentam no curso
de sua vida, em especial no caso do ser humano, para entender e
superar através de estratégias objetos, animais, plantas e outras

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pessoas. O sistema visual, de mesma forma, é um módulo de
processamento especializado, mas que não é dedicado a alimentar de
informação concernente a um tipo específico de comportamento.
(Matsushima, 2001)

Essas diferentes teorias contribuíram para a evolução dos estudos da


percepção visual e utilizam de elementos em comum, como as constâncias
perceptivas, mesmo divergindo na definição do conceito de percepção.
Antes de realizar a apresentação mais aprofundada sobre as teorias
construtivista, abordagem ecológica e a teoria computacional, será apresentado
o conceito e exemplos das constâncias perceptivas, elemento presente em
ambas teorias.

TEMA 2 – CONSTÂNCIAS PERCEPTIVAS

As constâncias perceptivas são sensações ilusórias acerca de


determinado objeto ou da representação gráfica desse objeto. Essas sensações
de ilusão acontecem em nosso cérebro e são geralmente demonstradas por
meio de representações gráficas criadas para comprovar aspectos levantados
por diferentes teorias da percepção. Trata-se de distorções de percepção
normalmente relacionadas às dimensões, às formas, às cores e aos contrastes
observados em imagens.
Esse fenômeno é conhecido como “constâncias perceptivas” e ocorre
porque, ainda que observemos uma imagem que sofra determinadas alterações,
acabamos por compreendê-la como se o objeto em questão permanecesse
constante (Schieferdecker, 2021).

Ainda em relação à percepção visual, Sternberg (2000) refere-se à


constância perceptiva, um processo que se dá quando, mesmo que o
objeto nos pareça ter mudado de tamanho à medida que nos
aproximamos ou nos afastamos dele, ainda assim sabemos que o seu
tamanho real não foi alterado. Este conceito também é compartilhado
por McConnell (op.cit.) segundo o qual os olhos veem o mundo
exatamente como ele aparece para as pessoas, mas o encéfalo utiliza-
se de todos os mecanismos possíveis para interpretá-lo de maneira
correta, valendo-se de todas as memórias a que ele puder recorrer.
(Carvalho, 2014, p. 16)

As constâncias perceptivas são classificadas de acordo com o aspecto


visual específico de cada fenômeno. Os diferentes tipos de constâncias
perceptivas podem ser categorizados em três modalidades: de forma, de
tamanho e de cor.

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2.1 Constância de forma

De acordo com Schieferdecker (2021), a constância perceptiva de forma


é responsável pela percepção da forma de um determinado objeto como sendo
constante, ainda que a posição dele seja modificada. Quando mudamos a
posição de um objeto, alteramos a imagem dele em nossa retina.
A possibilidade de compreendermos as formas de um objeto, ainda que
tenhamos uma percepção momentânea a partir de ângulos que não contemplem
integralmente as dimensões desse objeto, deve-se à capacidade cerebral de
mesclar aquilo que é percebido visualmente com as experiências anteriores.
Essa capacidade também é aliada à visão binocular, que nos permite
deduzir a distância dos objetos e até a distância entre as diferentes partes de um
objeto.

2.2 Constância de tamanho

A constância de tamanho é a responsável pela percepção do tamanho de


um objeto como sendo o mesmo, ainda que em formatos diferentes, ou seja,
perceber os objetos com tamanho constante, apesar de que, na retina, a imagem
se torna menor quanto mais o objeto se distancia (Carvalho, 2014).
É uma ilusão que acontece quando se observa representações
tridimensionais de diferentes dimensões de um mesmo objeto. As duas
representações possuem formatos bem diferentes, se levar em consideração as
dimensões reais (Schieferdecker, 2021).

2.3 Constância de cor

Para exemplificar a constância de cor, pode-se utilizar o exemplo dado


por Schieferdecker (2021), que pede para imaginar a observação de uma banana
sob baixas condições de luz, como a emitida por uma vela, por exemplo.
A intensidade da luz da vela pode ser considerada baixa, mas a
temperatura da luz emitida por ela é considerada quente, dessa forma a cor da
banana parece mais avermelhada. Já essa mesma banana, em condições de
superexposição de luz branca, apresenta uma coloração amarelada mais clara.
A constância perceptiva da cor é a responsável por considerarmos a cor
da banana exatamente a mesma, ainda que em condições de luz completamente
diferentes. Simplesmente, sabemos que uma banana é amarela. Isso se deve
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ao fato de termos a cor da banana armazenada em nosso cérebro, a partir de
experiências anteriores.
Dessa form,a ainda que nosso aparelho ótico tenha duas percepções
diferentes da superfície do objeto, cada qual sob uma condição de luz, acabamos
por fazer uso da referência do objeto em nossa memória.
Resumindo, conforme o que Carvalho (2014) afirma, a percepção visual
depende das relações entre as características do estímulo captadas pelos
órgãos do sentido visual e as experiências passadas do sujeito.
Nos próximos capítulos, serão apresentadas teorias que se baseiam
nesses princípios da constância perceptiva, como a Teoria Construtivista, a
Abordagem Ecológica e a Teoria Computacional. Além dessas três citadas, a
Teoria da Gestalt também aplica esses princípios mencionados, mas já foi
devidamente apresentada nas aulas anteriores.

TEMA 3 – TEORIA CONSTRUTIVISTA

De acordo com Schieferdecker (2021), a teoria construtivista é uma das


teorias clássicas da percepção visual, tendo como principal referência o médico,
matemático e músico alemão Hermann von Helmholtz (1821-1894). É também
denominada como empiricismo ou abordagem cognitivista da percepção.

Os autores da teoria construtivista interessaram-se, no campo


experimental, pelo estudo das ambiguidades projetivas, das ilusões e
dos fenômenos de constância perceptiva, enquanto domínios
privilegiados para aceder a compreensão da inferência perceptiva,
recorrendo a representações gráficas, em situações laboratoriais
controladas (Gordon, 1989; Hagen, 1980). Importa referir desde já
duas implicações da teoria construtivista, para o estudo da percepção
de representações (Hagen, 1980): imagem retiniana e imagem gráfica
são idênticas, logo a explicação dos processos perceptivos implicados
é também comum; e os estilos artísticos dependem da complexidade
e sofisticação das diferentes culturas na conceitualização dos
processos perceptivos. (Santos; Mesquita, 1991, p.157)

Helmholtz, um dos pesquisadores que mais contribuiu para os estudos da


percepção visual, buscou produzir dados de maneira empírica, ou seja, através
de hipóteses, sobre o funcionamento da nossa visão e a comprovação por meio
de experimentos científicos.
O rigor do método empregado fez com que o autor chegasse a conclusões
precisas sobre diferentes mecanismos da visão humana, e, outras vezes, a
exigência metodológica acabou se tornando um obstáculo, sendo o método
criticado por outros autores.

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A teoria desenvolvida por Helmholtz é considerada construtivista porque
considera a relação do observador com o ambiente que o circunda no momento
da interpretação desse ambiente pelo sujeito (Schieferdecker, 2021).
Segundo Santos e Mesquita (1991):

Para os construtivistas, os estímulos visuais são mutáveis e não


estruturados, sem uma significação própria, e as sensações, as
imagens retinianas, são, por si só, insuficientes para aceder a uma
percepção. A atividade perceptiva tem que basear-se, por isso, num
processo probabilístico de inferência, dependente de associações e da
experiência prévia do sujeito. Em suma, trata-se de um processo de
natureza indireta e construtiva.

Um dos pontos também apresentado por Silveira (2015) era que, para
Helmholtz, o fenômeno da constância da cor era uma maneira de manter-nos
coerentes na percepção em geral.
A abordagem construtivista contribuiu para a abertura de caminhos
importantes para pesquisadores posteriores, que puderam comprovar, mais
tarde, com o auxílio de novas tecnologias, as teorias e as probabilidades
propostas por Helmholtz. Por outro lado, algumas probabilidades foram
refutadas posteriormente por pesquisadores, que apresentaram outras
perspectivas ao tema.
Schieferdecker (2021) cita três principais contribuições de da Teoria
Construtivista por meio de Helmholtz: a teoria centrífuga, as inferências
inconscientes e a teoria tricromática.

3.1 Teoria centrífuga

A teoria centrífuga, proposta por Helmholtz, foi originalmente chamada de


teoria do outflow.

Essa teoria "sugere que os sinais de movimento da retina são anulados


por sinais de comando (eferentes) para movimento dos olhos por
intermédio de um centro interno." (Gregory, 1979, p. 99). Segundo o
pesquisador Helmholtz, o cérebro envia sinais aos olhos com base nos
movimentos da cabeça, como em uma espécie de compensação de
movimento. Conforme Gregory (1979, p. 99), "As experiências feitas
favorecem mais a teoria do outpow (centrífuga)", sendo essa teoria,
portanto, uma das probabilidades propostas por Helmholtz que
acabaram sendo comprovadas mais tarde pela ciência.
(Schieferdecker, 2021)

Partindo de um exemplo dado por Schieferdecker (2021), verifica-se que,


quando movimentamos os olhos, realmente não ficamos tontos, nem perdemos

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o equilíbrio, ainda que a relação dos nossos olhos com os planos que nos
circundam mude consideravelmente.
Quando fixamos nosso olhar em um ponto específico e movimentamos a
cabeça, não temos que pensar como vamos movimentar nossos olhos para que
eles não se desviem do ponto observado, ou seja, esse movimento acontece de
maneira involuntária.
É justamente esse funcionamento que é explicado por Helmholtz por meio
da teoria centrífuga.

3.2 Inferências inconscientes

Como já apresentado anteriormente, a visão é geralmente estudada em


sua relação com outros sentidos, pois não funciona de maneira independente. A
teoria das inferências inconscientes nos explica de que maneira o ser humano
toma conclusões inconscientes a partir dos estímulos percebidos por meio do
sentido da visão.
Isso se dá porque temos um determinado ponto de vista sobre o mundo
que nos cerca e, uma vez que o percebemos, também por meio de outros
sentidos, tendemos a interpretar os objetos e esboçar possibilidades de ações e
reações diante das situações vividas.
Os estudos de Hermann von Helmholtz deram origem a uma proposta de
conceito de percepção visual baseada na inferência inconsciente. De acordo
com Schieferdecker (2021), Helmholtz chamou atenção às conclusões
realizadas pelo cérebro diante de determinado objeto ou situação de
inconscientes, uma vez que não se reflete racionalmente sobre oportunidades
anteriores nas quais estivemos em contato com esse objeto, mas se conclui de
maneira intuitiva.
Nessa teoria, o indivíduo percebe a realidade a partir de experiências
anteriores, sendo um processo indutivo, e também considera as sensações
como ponto de partida para a percepção. Conforme explica Sousa (2009):

Em 1866, Hermann von Helmholtz, afirma que as sensações são o


ponto de partida para a percepção e que são combinadas com as
associações adquiridas. Helmholtz defende a existência daquilo que
designou por Princípio da Probabilidade. Este princípio traduz a ideia
de que os elementos sensoriais irão organizar-se no objeto mais
provável ou evento no ambiente, consistente com os dados sensoriais.
A sua teoria deu importância aos processos mentais na interpretação
da ambiguidade dos estímulos. Para Helmholtz, é utilizando o
conhecimento prévio que tem do ambiente que um observador deduz

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hipóteses acerca da forma de como as coisas realmente são. Neste
sentido, a percepção é um processo indutivo, onde se parte de
imagens específicas para inferências acerca de uma classe de objetos
ou eventos que as imagens podem representar. A este processo, deu
o nome de inferência inconsciente. (Sousa, 2009, p. 37)

As observações de Helmholtz, a partir da teoria das inferências


inconscientes, forneceram importantes contribuições para pesquisas
posteriores. De acordo com Schieferdecker (2021), os gestaltistas, por exemplo,
também consideravam os estudos da visão relacionada com outros sentidos do
corpo humano.

3.3 Teoria tricromática

Conforme já foi apresentado no tema da percepção das cores, a teoria


tricromática foi criada pelo físico Thomas Young, em 1801, e consiste na redução
de todas as cores a três cores básicas: o vermelho, o verde e o azul. E dessa
teoria que se desdobra o sistema de cores RGB – Red, Green, Blue (vermelho,
verde, azul) –, utilizado em projetores de imagens e telas de dispositivos
eletrônicos. Essa teoria se desenvolveu graças às contribuições de Hermann von
Helmholtz, que relacionou a ideia do reducionismo dos receptores cromáticos de
nossos olhos a formas de estímulo.
De acordo com Silveira (2015), a teoria tricromática foi o pontapé inicial
para a óptica fisiológica. Essa teoria foi retomada por Hemann Lugwig Ferdinand
von Helmholtz, que, com seus colaboradores, levantou dados sobre a influência
das cores nas fibrilas nervosas da retina, tendo uma colaboração muito
significativa para a Teoria da Cor.

Helmholtz e seus colaboradores, dentre eles Arthur König, recolheram


dados sobre a influência das diferentes cores nas três categorias de
fibrilas nervosas (os chamados cones) da retina. Estes dados
resultaram em curvas representativas que são divididas de acordo com
as espécies de fibrilas: as pertencentes ao primeiro tipo apresentam- -
se energicamente estimuladas pela luz vermelha, as do segundo tipo
são muito sensíveis à ação da luz verde e as fibrilas do terceiro tipo
são facilmente sensibilizadas pela luz azul. A produção e a reprodução
de todas as cores naturais em televisão, fotografia ou impressão
gráfica podem ser obtidas através destes princípios, fundamentados na
existência de três tipos de receptores visuais destinados à captação
das seguintes luzes coloridas primárias: vermelho (R: red), verde (G:
green) e azul (B: blue). (Silveira, 2015)

Contrapondo a ideia defendida por Helmholtz, Edwald Hering trazia


opiniões contrárias e consistentes, estabelecendo uma diferença entre as cores
primárias percebidas e as cores primárias que funcionam como estímulo.

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De acordo com Silveira (2015), “nas cores-luz, seriam estímulos: o
vermelho, o verde e o azul e; nas cores-pigmento opacas, seriam: o vermelho, o
amarelo e o azul, mesmo sabendo da inexistência de receptores retinais
específicos para o amarelo”.
Com o passar do tempo, optou-se por uma mescla das partes principais
das duas teorias.
Essa contribuição pode ser estendida para aplicações práticas. De acordo
com Schieferdecker (2021), em diferentes momentos da história da arte, artistas
exploraram a lógica da formação de cores a partir da sensação visual que elas
causam em nossos olhos.

TEMA 4 – ABORDAGEM ECOLÓGICA

A teoria ecológica está relacionada à obra de um psicólogo muito


conhecido, James Gibson, que é tido como fundador da abordagem ecológica
dentro da percepção visual. Nessa abordagem, Gibson considera a relação de
percepção do espaço, de percepção de tamanho-distância e de percepção e
ação.
Ela pode ser sintetizada pelo conceito apresentado por ele, em que afirma
que perceber é uma realização do indivíduo, não uma apresentação no teatro da
sua consciência. É um contato com o mundo, um experienciar das coisas ao
invés de ter experiências. Para a abordagem ecológica, a percepção ocorre sem
mediação cognitiva.
Dessa forma, segundo Schieferdecker (2021), a teoria ecológica possui
uma compreensão da percepção visual como fenômeno indissociável do habitat
do observador, ou seja, segundo essa teoria, a percepção depende não somente
das condições de luz ou da forma como a imagem se forma na retina, mas
principalmente das ações que o sujeito desenvolve em determinado ambiente.
James Gibson também questionou as formas de trabalho tradicionais,
pois acreditava que elas não poderiam fornecer dados fiéis, uma vez que isolam
os sujeitos dentro de situações irreais.
Até a década de 60, os estudos em percepção basicamente aconteciam
com o sujeito estático olhando para a tela do computador, em que ele responde
a estímulos dessa projeção.

Nos paradigmas tradicionais, a percepção visual é concebida como


indireta, mediatizada por uma entidade sensorial: a imagem retiniana.

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Estudar a percepção visual consiste, pois, em considerar as imagens
visuais, projetadas na retina (ponto de partida), procurando descobrir
como os sujeitos acedem a uma percepção com base nessas unidades
sensoriais. Esta concepção determina um modelo específico de
investigação (Gordon, 1989): os sujeitos, em laboratório, com as suas
posturas, movimentos de cabeça e oculares controlados, são
confrontados com apresentações breves de imagens; com base nos
registos experimentais, os investigadores procuram, depois,
determinar como é que cada imagem é memorizada, que tipos de
memória operam, e como é que a informação, referente às imagens
sucessivamente apresentadas, é organizada para aceder a uma
percepção. (Santos; Mesquita, 1991)

Para Gibson, as formas de pesquisa baseadas em representações


gráficas não permitem uma leitura contextualizada dos problemas visuais, pois
essas representações se tratam de situações simuladas às quais são
submetidos os sujeitos pesquisados.

Gibson rejeita, radicalmente, a concepção de uma imagem retiniana


como base ou ponto de partida para a percepção. Na retina projetam-
-se fluxos luminosos, estruturados pelas superfícies dos objetos, que
transportam informações sobre essas superfícies e objetos, sobre os
movimentos no ambiente e do próprio observador. (Santos; Mesquita,
1991)

Três conceitos foram criados por Gibson para elucidar pontos importantes
de sua teoria: 1) invariante; 2) affordance; 3) attunement (Santos; Mesquita,
1991).

O conceito de invariante é trazido para explicar que, ainda que haja


variações de luz, dependendo do ambiente, da estação, do horário do
dia, entre outros fatores, essas variações acontecem de maneira
regular, ou seja, sem alterações bruscas de luminosidade. O conceito
de affordance é o mais importante dentre os três e se refere ao
"significado direto e sem mediação cognitiva, que os objetos e o meio
têm para o ser vivo, e que orienta a sua atividade" (Santos; Mesquita,
1991, p. 162). Esse mesmo conceito é destacado por Sillmann (2010,
p. 109) "para designar as estruturas ambientais disponíveis a um
animal, permitindo sua ação". O conceito de attunement significa
"sintonização" e é utilizado para explicitar a capacidade que os seres
possuem em perceber as invariantes e affordances em seu habitat.
(Schieferdecker, 2021)

Na teoria ecológica, o ser humano é um ser visual, que busca sobreviver


e se desenvolver através da interação com o ambiente. A abordagem ecológica
considera de suma importância as texturas visuais das superfícies que nos
cercam, pois elas nos ajudam a presumir dados importantes do local. A
percepção só pode ser compreendida se associada às possíveis ações dos
seres que habitam determinado local.
De acordo com Kogler (2015), as ideias de Gibson, com a abordagem
ecológica, e David Marr, por meio da teoria computacional, produziram forte

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influência nas ciências e filosofia da percepção, em particular no que se refere à
percepção visual. Ainda hoje essas ideias continuam inspirando trabalhos
nessas áreas e suscitando discussões.
No próximo tema, será apresentado o que seria a teoria computacional.

TEMA 5 – TEORIA COMPUTACIONAL


A teoria computacional, também conhecida como abordagem
computacional da percepção visual, vêm se desenvolvendo desde a década de
1950 por pesquisadores como Warren McCuIloch (1898-1969) e David Marr
(1945-1980), sendo este um dos responsáveis pela popularização da abordagem
computacional da visão.
Essa abordagem não se trata necessariamente de uma teoria posta em
prática por meio de computadores, ainda que esses elementos possuam suma
importância para o desenvolvimento dessa área. Segundo Santos e Mesquita
(1991, p. 163):

Uma abordagem é computacional quando exige e defende uma


operacionalização rigorosa da teoria, ou teorias, segundo algoritmos
(modelos de resolução dos problemas, descriminando os passos
lógicos e sucessivos), como condição necessária ao reconhecimento
da sua cientificidade". Isso significa afirmar que a abordagem
computacional se baseia em modelos matemáticos e científicos para a
explicação do funcionamento de nossa percepção visual.

De acordo com Schieferdecker (2021), os estudos de Marr apontam que


o reconhecimento de objetos é consideravelmente mais complexo do que se
pensava. Por consequência, desenvolveu um modelo computacional abrangente
dos processos envolvidos no reconhecimento de objetos.
A distinção de Marr entre representações que dependem do ponto de vista
e representações que não dependem do ponto de vista serviu como foco para
um corpo de pesquisa substancial.
Na abordagem computacional, David Marr apresenta três níveis de
análise de como a informação seria processada: o computacional, o algorítmico
e o implementacional. Leopoldo (2018) detalha cada um desses níveis, tendo
como base os estudos de Marr.
Sobre o nível computacional, Leopoldo (2018) explica:

Se refere, basicamente, à função global do sistema (visão, audição,


tomada de decisão etc.) estudado. Os processos e rotinas neuronais
que ocorrem continuamente no sistema nervoso exercem uma função
na interação do organismo com o ambiente. A todo momento,

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observamos o entorno e nossos olhos focam-se em uma amostra
pequena das possibilidades visuais. O próprio foco visual, assim como
as suas constantes mudanças, exige o controle de processos
cognitivos atencionais, conscientes ou não (Dehaene & Naccache,
2001), e de rotinas de ajuste da musculatura dos olhos e do pescoço
(Land, 2006; Westheimer & Blair, 1975). Uma caracterização desses
fenômenos, no nível computacional, precisa levar em conta as tarefas
visuais executadas e a informação extraída a partir de tais tarefas.
Assim, não é tarefa do sistema visual contar e transmitir a quantidade
de fótons que recai em cada fotorreceptor a cada momento. Antes,
muito do que é feito nas primeiras etapas de processamento visual é a
avaliação de contraste, isto é, das diferenças de luminância de uma
porção da cena visual em relação à outra (para uma discussão, ver
Barlow, 1972). A partir dessa informação inicial, circuitos visuais
secundários e integrativos no cérebro constroem uma análise do
entorno, transmitida a centros volitivos e motores para a tomada de
decisão atencional e execução voluntária de movimentos oculares. No
sistema visual, portanto, entender qual é o tipo de informação extraída
é essencial para compreender a tarefa e função dos processos visuais
(Leopoldo, 2018)

Sobre o nível do algoritmo:

O nível do algoritmo se refere ao modus operandi do sistema estudado,


ou seja, aquilo que o sistema faz para cumprir sua função. De modo
geral, um algoritmo é definido, nas ciências da computação, como um
método determinístico e finito (Blass & Gurevich, 2003), cujo intuito é
solucionar um problema explícito. Para uma tarefa especificada, o
algoritmo delineia, clara e exaustivamente, todas as etapas
computacionais que deverão ocorrer para finalizá-la. A caracterização
algorítmica do sistema nervoso deve levar em conta, portanto, a
estruturação e a metodologia das etapas computacionais. No sistema
visual, essa caracterização algorítmica está fortemente presente em
estudos que visam entender como diferentes células da retina ou do
cérebro respondem preferencialmente a diferentes características do
estímulo visual (Gollisch & Meister, 2010; Hubel & Wiesel, 1963;
Masland, 2012a). (Leopoldo, 2018)

Já sobre o nível da implementação:

O nível da implementação, por fim, refere-se às estruturas físicas


envolvidas em determinada função. São elas que executam os
algoritmos necessários para a execução das tarefas daquele sistema.
Sendo uma entidade física, qualquer sistema que processe informação
deve estar instanciado no tempo e no espaço. A exemplo, um
computador digital é implementado, de maneira geral, de forma a
possuir uma unidade de processamento e uma unidade de memória.
Entender como ocorre o procedimento de mudança dos estados físicos
do processador e da memória de tal computador a partir de
determinados dados de entrada é entender como ele implementa
fisicamente os algoritmos que devem ser executados para dar
continuidade a uma desejada computação. A partir disso, pode-se
adquirir entendimento das estruturas do computador e da relação entre
elas. No sistema visual, o entendimento da implementação é parte
essencial dos estudos que visam compreender a estrutura do sistema
nervoso, por meio, por exemplo, de análises morfológicas (Masland,
2011, 2012a). (Leopoldo, 2018)

Kogler (2015) complementa que Marr defendia que a percepção visual é


uma atividade de processamento de informações, que constrói descrições

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relevantes de propriedades do ambiente, adequadas aos propósitos do
observador, partindo de imagens do mundo exterior e transformando-as através
de processos assimiláveis a algoritmos, organizados de forma modular.
Para a teoria computacional, a visão pode ser decomposta em estágios
consecutivos de processamento, e cada estágio recebe dados do anterior e
produz resultados que serão os dados para um ou mais estágios seguintes.

A proposta de Marr é construtivista: parte de uma imagem do ambiente,


dela extrai informações, com as quais constrói representações
adequadas. Admite a hipótese de que a informação acerca dos
elementos do ambiente contida na imagem é incompleta. Concebe a
percepção visual como sendo indireta, envolvendo a complementação
da informação proveniente do estímulo, com estimativas obtidas
através de inferências. As transformações entre representações são
expressas por algoritmos organizados em módulos, que podem ser
executados sequencial ou paralelamente ou de ambas as formas.
(Kogler, 2015)

Se, por um lado, a abordagem computacional da percepção visual produz


resultados com alto grau de exatidão quando os parâmetros são conhecidos, por
outro, a desvantagem está justamente no desconhecimento de alguns fatores
relacionados ao funcionamento da visão.
A ciência também poderia ser aplicada às artes visuais com base na teoria
computacional, por meio de diferentes possibilidades.

NA PRÁTICA

A partir da constância perceptiva e das imagens abaixo, elabore, por meio


da linguagem da colagem, imagens que criem a sensação de ilusão de
movimento de sua configuração.

Créditos: iulias/Shutterstock

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Créditos: vchal/Shutterstock

FINALIZANDO

Nesta aula, foram trabalhadas outras abordagens da percepção visual. No


primeiro tema, foi feita uma breve apresentação de quais seriam essas
abordagens e as diferentes definições de percepção visual para cada uma delas.
Já no segundo tema, o foco foi sobre as constâncias perceptivas, que é
um elemento comum as várias abordagens.
No terceiro tema, foi iniciada a apresentação da teoria construtivista.
No quarto tema, o foco foi sobre a abordagem ecológica, e, para finalizar,
no último tema, foi apresentada a teoria computacional da percepção.

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REFERÊNCIAS

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