Você está na página 1de 1

g1 ge gshow globoplay ENTRE

POLÍTICA

As provas contra Lula: 3


mil evidências, 13 casos e
R$ 80 milhões em propina
As investigações apontam pagamentos em
dinheiro, depósitos bancários e imóveis – para o ex-
presidente e para parentes
DIEGO ESCOSTEGUY
05/05/2017 - 23h52 - Atualizado 10/05/2017 14h57

AS PROVAS CONTRA LULA


ÉPOCA analisou cerca de 3 mil evidências
contra o ex-presidente. Elas indicam que o
petista recebeu mais de R$ 80 milhões do
cartel do petrolão, em dinheiro, depósitos
bancários e imóveis – para si e para parentes
(Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo/AE)

No fim da tarde de uma segunda-feira


recente, o ex-​presidente Luiz Inácio Lula da
Silva subiu ao palco de um evento
organizado pelo PT em Brasília. Empunhou
sua melhor arma: o microfone. Aos
profissionais da imprensa que cobriam o
evento, um seminário para discutir os
rumos da economia brasileira, o ex-
presidente dispensou uma ironia: “Essa
imprensa tão democrática, que me trata
maravilhosamente bem e, por isso, eu os
amo, de coração”. Lula estava a fim de
debochar. Não demorou para começar a
troça sobre os cinco processos criminais a
que responde na Justiça. Disse que há três
anos ouve acusações sem o direito de se
defender, como se não tivesse advogados.
“Eu acho que está chegando a hora de parar
com o falatório e mostrar prova. Eu acho
que está chegando a hora em que a prova
tem de aparecer em cima do papel”, disse,
alterado. Lula repetia, mais uma vez, sua
tática diante dos casos em que é réu: sempre
negar e nunca se explicar. E prosseguiu: “Eu
quero que eles mostrem R$ 1 numa conta
minha fora desse país ou indevida. Não
precisa falar que me deu 100 milhão, 500
milhão, 800 milhão... Prove um. Não estou
pedindo dois. Um desvio de conduta quando
eu era presidente ou depois da Presidência”.
Encerrou o discurso aplaudido, aos gritos de
“Brasil urgente, Lula presidente!”.

>> Confira o especial sobre Lava Jato

A alma mais honesta do Brasil, como o ex-


presidente já se definiu, sem vestígio de fina
ironia, talvez precise consultar seus
advogados – ou seus processos. Há, sim,
provas abundantes contra Lula, espalhadas
em investigações que correm em Brasília e
em Curitiba. Estão em processos no
Supremo Tribunal Federal, em duas Varas
da Justiça Federal em Brasília e na 13ª Vara
Federal em Curitiba, aos cuidados do juiz
Sergio Moro. Envolvem uma ampla e
formidável gama de crimes: corrupção,
lavagem de dinheiro, organização
criminosa, crime contra a Administração
Pública, fraude em licitações, cartel, tráfico
de influência e obstrução da Justiça. O
Ministério Público Federal, a Polícia Federal,
além de órgãos como a Receita e o Tribunal
de Contas da União, com a ajuda prestimosa
de investigadores suíços e americanos,
produziram, desde o começo da Lava Jato,
terabytes de evidências que implicam direta
e indiretamente Lula no cometimento de
crimes graves. Não é fortuito que, mesmo
antes da delação da Odebrecht, Lula já fosse
réu em cinco processos – três em Brasília e
dois em Curitiba. Também não é fortuito
que os procuradores da força-tarefa da Lava
Jato, após anos de investigação, acusem
Lula de ser o “comandante máximo” da
propinocracia que definiu os mandatos
presidenciais do petista, desfalcando os
cofres públicos em bilhões de reais e
arruinando estatais, em especial a
Petrobras.

A estratégia de Lula é clara e simples.


Transformar processos jurídicos em
campanhas políticas – e transformar
procuradores, policiais e juízes em atores
políticos desejosos de abater o maior líder
popular do país. Lula não discute as provas,
os fatos ou as questões jurídicas dos crimes
que lhe são imputados. Discute narrativas e
movimentos políticos. Nesta quarta-feira,
dia 10, quando estiver diante de Moro pela
primeira vez, depondo no processo em que é
réu por corrupção e lavagem de dinheiro,
acusado de receber propina da OAS por meio
do tríplex em Guarujá, Lula tentará
converter um ato processual (um
depoimento) num ato político (um comício).

Se não conseguir desviar a atenção, saindo


pela tangente política, Lula terá imensa
dificuldade para lidar com as provas – sim,
com elas. Nesses processos e em algumas
investigações ainda iniciais, todos
robustecidos pela recente delação da
Odebrecht, existem, por baixo, cerca de 3 mil
evidências contra Lula. Elas foram
analisadas por ÉPOCA. Algumas provas são
fracas – palavrórios, diria Lula. Mas a vasta
maioria corrobora ou comprova os crimes
imputados ao petista pelos procuradores.
Dito de outro modo: existe “prova em cima
de papel” à beça. Há, como o leitor pode
imaginar, toda sorte de evidência: extratos
bancários, documentos fiscais,
comprovantes de pagamento no Brasil e no
exterior, contratos fajutos, notas fiscais
frias, e-mails, trocas de mensagens,
planilhas, vídeos, fotos, registros de
encontros clandestinos, depoimentos
incriminadores da maioria dos empresários
que pagavam Lula. E isso até o momento. As
investigações prosseguem em variadas
direções. Aguardem-se, apesar de alguns
percalços, delações de homens próximos a
Lula, como Antonio Palocci e Léo Pinheiro,
da OAS. Renato Duque, ex-executivo da
Petrobras, deu um depoimento na sexta-​‐
feira, dia 5, em que afirma que Lula
demonstrava conhecer profundamente os
esquemas do petrolão. Existem outras
colaborações decisivas em estágio inicial de
negociação. Envolvem crimes no BNDES, na
Sete Brasil e nos fundos de pensão. Haja
prova em cima de papel.

Trata-se até agora de um conjunto


probatório, como gostam de dizer os
investigadores, para lá de formidável.
Individualmente e isoladas, as provas
podem – apenas – impressionar.
Coletivamente, organizadas em função do
que pretendem provar, são destruidoras; em
alguns casos, aparentemente irrefutáveis.
Nesses, podem ser suficientes para afastar
qualquer dúvida razoável e, portanto,
convencer juízes a condenar Lula por crimes
cometidos, sempre se respeitando o direito
ao contraditório e à ampla defesa – e ao
direito a recorrer de possíveis condenações,
como qualquer brasileiro. Não é possível
saber o desfecho de nenhum desses
processos.

Ainda assim, os milhares de fatos presentes


neles, na forma de provas judiciais, revelam
um Lula bem diferente daquele que encanta
ao microfone. As provas jogam nova luz
sobre a trajetória de Lula desde que assumiu
o Planalto. Assoma um político que
conheceu três momentos distintos. O
primeiro momento deu-se como um
presidente da República que decidiu testar
os limites do fisiologismo e clientelismo da
política brasileira. A partir de 2003, e com
mais força em 2004, Lula começou a agir
para beneficiar, em atos sucessivos,
empreiteiras e grandes grupos empresariais,
por meio de homens de confiança em
postos-​chave no governo. Era, naquele
momento, um político cujas campanhas e
base aliada eram financiadas,
comprovadamente, com dinheiro de
propina desses mesmos empresários – entre
outros. Era um político que caíra nas graças
do cartel de empreiteiras que rapinava a
Petrobras e comprava leis no Congresso.

O segundo momento sobreveio entre 2009 e


2010, conforme o tempo dele no poder se
aproximava do fim – e, com Dilma Rousseff
como sucessora, todos, em tese,
continuariam a prosperar. Nesse ponto,
assomou um político que, pelo que as provas
e depoimentos indicam, passaria a viver às
custas das propinas geradas pelo cartel que
ajudara a criar. Entre 2009 e 2010, o cartel,
em especial Odebrecht e OAS, passou a se
movimentar para assegurar que Lula e sua
família tivessem uma vida confortável.
Faziam isso porque, como já explicaram,
deviam propina ao ex-presidente e, não
menos importante, pela expectativa de que
ele usasse sua influência junto a Dilma
Rousseff para manter o dinheiro do governo
entrando nas empresas – como fez, de fato,
em algumas ocasiões.

Nesse período de final de mandato, houve


uma série de operações fraudulentas e
clandestinas, comandadas pelo cartel, que
resultaram na multiplicação do patrimônio
de Lula. Usaram-se laranjas e intrincadas
transações financeiras para esconder a
origem do dinheiro dos novos bens do ex-
presidente. Mas, hoje, esses estratagemas
foram descobertos, com fartura de provas,
pelos investigadores. Da Odebrecht, Lula
ganhou o prédio para abrigar seu instituto,
um apartamento em São Bernardo do
Campo, onde mora até hoje, e a reforma de
um sítio em Atibaia que, todas as provas
demonstram, pertence ao petista, e não é
somente “frequentado” por ele. Da OAS,
ganhou o famoso tríplex em Guarujá, assim
como as reformas pedidas por ele – o
apartamento só ficou pronto após a Lava
Jato, de modo que não houve tempo para
que Lula e família se mudassem para lá. A
mesma OAS passou a bancar o
armazenamento do acervo presidencial do
petista. Todas essas operações – todas –
foram feitas clandestinamente, para ocultar
o vínculo entre Lula e as empreiteiras. Todas
foram debitadas do caixa de propinas que
Lula mantinha junto às empreiteiras.

Além de dar moradia a Lula, as empreiteiras


passaram a bancar o ex-presidente e sua
família, além de pessoas próximas. Havia,
segundo as provas disponíveis, pagamentos
de propina da Odebrecht a um dos filhos do
presidente, a um irmão dele, a um sobrinho
e a Paulo Okamotto, presidente do Instituto
Lula e um dos assessores mais próximos de
Lula. Havia pagamentos em dinheiro vivo e,
em alguns, casos, por meio de empresas –
como a de um filho e a de um sobrinho.
Havia, ainda, os pagamentos à empresa de
palestras de Lula e ao próprio Instituto Lula.
Na maioria dos casos, segundo as
evidências, não se tratava de doação ou
contratação para palestras, embora essas
tenham acontecido em alguns casos. Trata-
se de propina disfarçada de doação. Até que
a Lava Jato mudasse tudo, Lula e seus
familiares receberam, de acordo com as
evidências disponíveis e se obedecendo a
um cálculo conservador, cerca de R$ 82
milhões em vantagens indevidas – bens ou
pagamentos ilegais.

O terceiro momento de Lula, aquele que as


provas revelam com mais nitidez,
precipita-se em março de 2014, quando
irrompe a Lava Jato. O petista, que sabia o
que fizera e intuía o potencial da operação,
preocupou-se. É esse Lula preocupado –
quiçá desesperado – que aparece nos
processos de obstrução da Justiça. Que,
segundo depoimentos e documentos, tenta
destruir provas. Tenta, em verdade, destruir
a Lava Jato, para por ela não ser destruído.
Há semanas, dias antes do discurso de Lula
em Brasília, a voz rouca de Léo Pinheiro
sacudira Curitiba. Diante do juiz Sergio
Moro, Léo Pinheiro expunha segredos
guardados por anos. “Eu tive um encontro
com o presidente, em junho... bom, isso tem
anotado na minha agenda, foram vários
encontros.” Era 20 de abril e Léo falava de
um encontro mantido há quase três anos,
em maio de 2014, quando a Lava Jato
começava a preocupar. “O presidente,
textualmente, me fez a seguinte pergunta:
‘Léo’, e eu notei até que ele estava um pouco
irritado, ‘você fez algum pagamento a João
Vaccari no exterior?’. Eu disse: ‘Não,
presidente, nunca fiz nenhum pagamento
dessas contas que nós temos com Vaccari no
exterior’. ‘Como é que você está procedendo
os pagamentos para o PT?’. ‘Através do João
Vaccari. Estou pagando, estamos fazendo os
pagamentos através de orientação do
Vaccari, caixa dois e doações diversas que
nós fizemos a diretórios e tal’. ‘Você tem
algum registro de algum encontro, de conta,
de alguma coisa feita com o João Vaccari
com você? Se tiver, destrua. Ponto. Acho que
quanto a isso não tem dúvida’.”

Lula, como Renato Duque confirmou em


depoimento a Moro na sexta-feira, estava se
mexendo para descobrir quanto estava sob
risco. No depoimento, Duque, que fora
indicado pelo PT e pelo próprio Lula à
Diretoria de Serviços da Petrobras, destruiu
o antigo chefe. Disse, como Léo Pinheiro, que
Lula “tinha o pleno conhecimento de tudo,
tinha o comando”. Referia-se ao petrolão.
Nas últimas semanas, Duque e o ex-
ministro Palocci disputavam quem fecharia
antes um acordo de delação premiada, em
busca de pena menor. Ambos pretendiam
entregar informações sobre Lula, pois suas
defesas detectaram que a Lava Jato queria
mais elementos para cravar que o então
presidente não só sabia da existência, como
comandava o esquema de corrupção na
Petrobras. Palocci recuou duas ou três casas
em sua negociação, após a libertação do ex-
ministro José Dirceu. Duque aproveitou para
avançar. Disse que encontrou Lula
pessoalmente três vezes. “Nessas três vezes
ficou claro, muito claro para mim, que ele
tinha pleno conhecimento de tudo, tinha o
comando”, disse Duque. No último encontro,
em 2014, segundo Duque, Lula perguntou se
ele tinha recebido dinheiro na Suíça da
holandesa SBM, fornecedora da Petrobras.
Duque diz que negou. Lula, então,
perguntou: “Olha, e das sondas? Tem
alguma coisa?”. Lula se referia a negócios da
Sete Brasil, a estatal criada para turbinar o
petrolão. Duque afirma que mentiu a Lula
ao dizer que não tinha. Ouviu do então
presidente, de saída do cargo: “Olha, presta
atenção no que vou te dizer. Se tiver alguma
coisa, não pode ter, entendeu? Não pode ter
nada no teu nome, entendeu?”.

No ano seguinte, Lula prosseguiu em sua


tentativa desesperada de sabotar a Lava
Jato. Em maio de 2015, o então senador
Delcídio do Amaral foi à sede do Instituto
Lula, em São Paulo. Àquela altura, líder do
governo no Senado, Delcídio era um
interlocutor frequente de Lula sobre a
situação precária do governo Dilma no
Congresso, mas, principalmente, sobre o
avanço da Lava Jato em direção ao coração
petista. Na conversa, Lula se disse
preocupado com a possibilidade de seu
amigo, o pecuarista José Carlos Bumlai, ser
engolfado pela operação. Delcídio percebeu
que fora convocado para discutir o assunto.
Avisou que Bumlai poderia ser preso devido
às delações do lobista Fernando Baiano e do
ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.
Delcídio também tinha medo disso, pois
recebera propina junto com Cerveró. Então,
contou a Lula que, quatro meses antes,
recebera um pedido de ajuda financeira de
Bernardo, filho de Cerveró. Delcídio afirma
que Lula determinou que era preciso ajudar
Bumlai.

Assim, Delcídio passou a trabalhar. Dias


depois, encontrou-se com Maurício, filho de
Bumlai, e “transmitiu o recado e as
preocupações de Lula”. Maurício topou a
empreitada: era preciso bancar as despesas
com advogado e sustentar a família para
“segurar” a delação de Cerveró e, assim,
tentar salvar o pai de Maurício. Nos meses
seguintes, Maurício Bumlai entregou R$ 250
mil em espécie a um assessor de Delcídio,
em encontros em São Paulo. O dinheiro era
levado depois à família Cerveró. Quando, em
setembro, ÉPOCA publicou que Cerveró
fechara um acordo de delação, Maurício
interrompeu os pagamentos. Em novembro
de 2015, Delcídio foi preso, por ordem do
Supremo, por tentar obstruir a Lava Jato.

Por meio de nota, o Instituto Lula afirma


que “não há nenhum” ato ilegal nas
delações dos executivos da Odebrecht e que
as delações não são provas, mas
“informações prestadas por réus confessos
que apenas podem dar origem a uma
investigação. Por enquanto, o que existe são
depoimentos feitos aos procuradores, a
acusação, divulgados de forma espetacular”.
Sobre a “conta Amigo”, a nota afirma ser “a
mais absurda de todas as ilações no
depoimento de Marcelo Odebrecht”. “Se for
verdadeiro o depoimento, Marcelo
Odebrecht teria feito, na verdade, um
aprovisionamento em sua contabilidade
para eventuais e futuras transferências ou
pagamentos. A ser verdadeira, trata-se,
como está claro, de uma decisão interna da
empresa. Uma ‘conta’ meramente virtual,
que nunca se materializou em benefícios
diretos ou indiretos para Lula.” Sobre a
ajuda da Odebrecht a Luís Cláudio, um dos
filhos de Lula, o Instituto Lula afirma que
“mesmo considerando real o relato de
delatores que precisam de provas, Emílio
Odebrecht e Alexandrino Alencar relatam
que a ajuda para o filho de Lula iniciar um
campeonato de futebol americano foi
voluntária e após diversas conversas e
análises do projeto”. Sobre a mesada de R$ 5
mil que a Odebrecht pagou por anos a Frei
Chico, irmão do ex-presidente, a nota
afirma que “não só Lula não pediu, como
não foi dito que Lula teria pedido”. Afirma
que o principal assessor de Lula, Paulo
Okamotto, “negou ter recebido qualquer
‘mesada’ de Alexandrino Alencar”. O
Instituto diz que a Odebrecht não inventou
Lula como palestrante e que “as palestras
eram lícitas e legítimas”.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13

TAGS
LULA

MAIS LIDAS

especiais

Você também pode gostar