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Contaminantes que comprometem a

segurança da pimenta-do-reino ao longo de


sua cadeia produtiva
Mariana Barboza Vinha1; Inorbert de Melo Lima2; Welington Secundino3

Resumo - O cultivo da pimenta-do-reino Piper nigrum L. é uma atividade econômica de grande importância para
o Estado do Espírito Santo. Contaminações impactam diretamente sobre o valor de mercado do produto e podem
ocasionar sérios riscos à saúde do consumidor. As principais causas de contaminação resultam da não adoção de
boas práticas agrícolas, de condições higiênico-sanitárias deficientes nas etapas de secagem e armazenamento
e da infestação por insetos e fungos. Os principais perigos encontrados na pimenta-do-reino preta são bactérias
patogênicas e suas toxinas, micotoxinas, resíduos de agrotóxicos, metais pesados e materias estranhos que
colocam em risco a saúde pública. Práticas de descontaminação negliciadas por indústrias de alimentos, hábitos
inadequados dos consumidores e ausência de médotos eficazes para remoção de contaminantes tornam o
monitoramento e o controle desses perigos ao longo da cadeia imprescindíveis.

Palavras-chave: Perigos. Boas práticas agrícolas. Secagem. Saúde pública.

Contaminants that compromise the safety of black pepper


through its production chain
Abstract - The cultivation of black pepper, Piper nigrum L., is an economic activity of great importance for the
state of Espírito Santo, Brazil. Contaminations have a direct impact on the market value of the product and can
pose serious risks to consumers’ health. The main causes of contamination result from the lack of good agricultural
practices, poor hygienic-sanitary conditions in the drying and storage stages as well as insect and fungal
infestations. The main hazards black pepper is exposed to are: pathogenic bacteria and their toxins, mycotoxins,
pesticide residues, heavy metals and foreign materials that can put people’s health at risk. Decontamination
practices neglected by food industries, inadequate consumer habits and absence of effective decontamination
methods make the monitoring and control of these hazards along the chain paramount.

Keywords: Hazards. Good agricultural practices. Drying. Public health.

INTRODUÇÃO estabilidade microbiológica da pimenta e garante


uma vida de prateleira mais longa do que a do fruto
A pimenta-preta (Piper nigrum L.) é uma das
in natura.
especiarias mais consumidas no mundo devido ao
O Espírito Santo é o segundo maior produtor
seu sabor e aroma diferenciados. É obtida a partir de
nacional de pimenta-do-reino com a produção
frutos completamente desenvolvidos, em diferentes
de 12,8 mil toneladas, área total plantada de 11,4
estádios de maturação e submetidos ao processo
mil hectares e área colhida de 6,8 mil hectares,
de secagem, que consiste na retirada da umidade
o que correspnde a um rendimento médio de
do fruto e acarreta mudanças físico-químicas e
1.880Kg/hectares (IBGE, 2016). A principal cultivar
sensoriais que caracterizam o produto. A redução
plantada é a Bragantina que representa mais
da atividade de água do fruto contribui para a
de 90% da área cultivada, e a inexistência de

1
Engenheira de Alimentos, M.Sc. Tecnologia de Alimentos, Extensionista do Incaper, mariana.vinha@incaper.es.gov.br,
2
Engenheiro Agrônomo, D.Sc. fitopatologia, Pesquisador do Incaper
3
Encgenhairo Agrônomo, M.Sc. Agricultura Tropical, Extensionista do Incaper

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VINHA, M. B.; LIMA, I. de M.; SECUNDINO, W.

variedades adaptadas a climas mais amenos que incluem desde a redução do valor pago pelo
justifica a concentração dos plantios em regiões produto até a rejeição e devolução de lotes. As
mais quentes no norte do Estado. A ampliação da principais causas de rejeição ou detenção de lotes de
área cultivada com pimenta foi expressiva nos especiarias por parte das autoridades sanitárias nos
últimos três anos. Ocorreu em função do aumento Estados Unidos, entre 2005 e 2013, estão relacionadas
de preço do produto e resultou em uma melhor à contaminação microbiológica e à presença de
remuneração dos produtores. Também houve sujidades (BOVAY, 2016).
um grande incremento tecnológico com o uso da Os contaminantes possuem diferentes origens
irrigação, tratos culturais e manejo da fusariose, e podem ser introduzidos em qualquer etapa
apesar de essa doença ainda se mostrar severa da cadeia produtiva. As principais causas de
à planta, diminuindo a vida produtiva em muitas contaminação envolvem falhas na implantação das
lavouras (SILVA; SECUNDINO, 2016). boas práticas no campo, durante o beneficiamento
A atividade desempenha um importantente papel e o armazenamento. A presença de contaminantes
na ocupação da mão de obra e geração de renda de qualquer natureza acima dos limites estabecidos
para as famílias rurais do norte do Estado, contribui compromete a segurança do produto e coloca a saúde
para a melhoria da qualidade de vida do produtor, do consumidor em risco (EMBRAPA, 2004a). Condições
promove o desenvolvimento da região e favorece a higiênico-sanitárias insuficientes, especialmente
permanência das futuras gerações na propriedade nas etapas de secagem e armazenamento, resultam
familiar. Estima-se que 90% da área de plantio na presença de micro-organismos e na infestação
encontra-se em propriedades rurais de base familiar, por pragas. Micotoxinas e resíduos de agrotóxicos,
e o alto rendimento por área favorece a adoção relacionados principalmente à produção primária,
da cultura em pequenas propriedades. O valor de não são eliminados nas etapas posteriores de
mercado torna a pimenta uma excelente fonte de processamento e não há métodos eficazes ou
renda e uma opção de diversificação das atividades viáveis que garantam a descontaminação durante
nessas propriedades. A produção durante todo o ano o processamento (EMBRAPA, 2004b). A presença de
é comum na região, devido ao uso da irrigação, e contaminantes físicos, como fragmentos de inseto,
permite ao produtor um maior equilíbrio da renda ao não colocam em risco a segurança do consumidor,
longo do ano (ESPÍRITO SANTO, 2015). mas indicam falhas no controle integrado de
A cadeia produtiva envolve pequenos e grandes pragas e remetem às condições higiênico-sanitárias
produtores que cultivam e beneficiam a pimenta, que insatisfatórias em uma ou mais etapas da cadeia
é vendida para atravessadores ou exportadores. A produtiva (GRACIANO et al., 2006).
maior parte da pimenta produzida tem como destino O objetivo deste trabalho é identificar os principais
o mercado externo, e 99% da pimenta exportada é do perigos associados às etapas de colheita e pós-
tipo preta (SILVA; SECUNDINO, 2016). Em maio de 2017, colheita da pimenta-do-reino e indicar as principais
o Estado exportou 2,22 mil toneladas de pimenta e medidas de controle a serem adotadas para que
obteve uma receita de US$ 12,04 milhões (IJSN, 2017). estes perigos não coloque em risco a segurança do
A competitividade no mercado internacional está produto.
diretamente relacionada à qualidade e à inocuidade
da pimenta; portanto, alterações nas propriedades PRINCIPAIS CONTAMINANTES PRESENTES NA
sensoriais e contaminações impactam diretamente PIMENTA-DO-REINO
sobre o seu valor de mercado (GRACIANO et al.,
Os contaminantes ou perigos são agentes
2006). O não atendimento às exigências do mercado
biológicos, químicos ou físicos, ou condições
internacional resulta em prejuízos econômicos
do alimento, com potencial de causar um efeito

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adverso à saúde humana. A diversidade de sistemas e Clostridium perfingens, identificado em 17%


produtivos, as diferentes condições climáticas, o uso das amostras. No Brasil, 60,6% das amostras de
de insumos agrícolas e as tecnologias implantadas pimenta-preta apresentaram contagem de bactérias
na produção agrícola contribuem para aumentar mesofílicas acima de 106 UFC/g (MOREIRA et al.,
ou diminuir os riscos dessas contaminações. Diante 2009). A alta contagem de micro-organismos aeróbios
disso, a identificação dos perigos e do risco de mesófilos indica que a pimenta foi produzida em
ocorrência irá depender das peculiaridades de cada condições higiênico-sanitárias insatisfatórias e pode
sistema de produção (EMBRAPA, 2004a). oferecer risco à saúde do consumidor. Os padrões
Perigos microbiológicos – A contaminação microbiológicos oficiais variam de um país para o
microbiológica caracteriza-se pela presença de outro; portanto, os exportadores devem atender aos
micro-organismos patogênicos ou suas toxinas e padrões estabelecidos pelo país de destino.
pode ocorrer desde o cultivo no campo até sua A presença de Salmonella spp. na pimenta-do-
utilização no preparo dos alimentos (NETO et al., reino coloca em risco a saúde do consumidor e
2009). O risco torna-se maior quando a pimenta é traz implicações relevantes de ordem econômica.
consumida in natura, sob a forma de temperos ou O rápido crescimento do comércio internacional de
adicionada diretamente sob o alimento pronto, ou produtos agrícolas propiciou a introdução de novos
quando o ingrediente é adicionado na etapa final de serovares de Salmonella nos países importadores.
elaboração, como na fabricação de embutidos. Vários A distribuição onipresente no ambiente natural,
micro-organismos podem estar presentes na pimenta- a prevalência na cadeia alimentar global, a
do-reino, entre eles, bactérias como: Bacillus cereus, adaptabilidade fisiológica, a alta virulência e o
Salmonella sp., Escherichia coli, Cunninghamella, impacto econômico deste patógeno reforçam a
Clostridium perfringens, Shigella dysenteriae, necessidade de vigilância contínua e a adoção de
Staphylococcus aureus, coliformes termotolerantes, controles rigorosos em todos os níveis da cadeia de
Bacillus coagulans, Bacillus polymyxa e Bacillus produção de alimentos (D'AOUST, 1994). A presença
subtilis; e fungos como: Aspergillus niger, Rhizopus de Salmonella sp em 25g de pimenta torna o produto
spp., (BANERJEE; SARKAR, 2003). impróprio para o consumo humano (BRASIL, 2001).
Os padrões oficiais brasileiros não determinam Estudos relatam a presença de Salmonella sp. e
um limite para a contagem de Bacillus cereus em coliformes termotolerantes em pimenta-do-reino
pimenta-do-reino. No entanto, o patógeno foi (Tabela 1). Embora os coliformes termotolerantes
detectado em amostras de pimenta comercializadas não ofereçam risco à saúde do consumidor, altas
na Bahia, o que indica que este produto pode causar contagens indicam condições higiênico-sanitárias
intoxicação alimentar caso o patógeno encontre insatisfatórias em uma ou mais etapas de produção.
condições propícias para multiplicação e produção A secagem dos grãos diminui a quantidade de
de toxinas no produto final (OLIVEIRA; TESHIMA, 2011). água livre disponível aos micro-organismos, portanto
Outros patógenos, como Staphylococcus aureus e confere maior estabilidade microbiológica à pimenta,
Escherichia coli, também não possuem limite oficial o que possibilita seu armazenamento por períodos
estabelecido, no entanto foram encontrados na mais longos. Salmonella sp. é capaz de crescer em
maior parte das amostras de pimenta comercializada pimenta-preta moída armazenada à temperatura
na feira central de Campina Grande, Paraíba (SILVA ambiente quando a atividade de água (aw) for superior
et al., 2013). Ao avaliarem amostras coletadas na a 0,9793, portanto a secagem deve garantir sua
Índia, Banerjee e Sarkar (2003) constataram alto nível redução a valores inferiores a este limite crítico, e essa
de contaminação por bactérias mesófilas aeróbicas condição deve permanecer inalterada durante seu
totais e presença de patógenos esporulados, como armazenamento. Esse rigoroso controle é necessário
B. cereus, identificado em 50% das amostras, visto que Salmonella sp. é capaz de sobreviver por

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longos períodos, que variam de oito meses a um Perigos químicos – Contaminações de ordem
ano, e pode permanecer viável durante toda a vida química na cultura da pimenta-do-reino podem estar
útil do produto (KELLER et al., 2013). Desta forma, a associadas principalmente à presença de resíduos de
pimenta-do-reino, uma vez contaminada, torna-se agrotóxicos, micotoxinas e contaminantes inorgânicos,
um ingrediente com risco potencial de causar danos como mercúrio, cádmio e chumbo (EMBRAPA, 2004b).
à saúde do consumidor. O consumo de alimentos Embora sejam produzidas por fungos, as micotoxinas
preparados com especiarias que são adicionadas após são classificadas como contaminantes químicos
a cocção é a principal forma de contrair o patógeno, pela Comissão de contaminantes em alimentos do
que, mesmo em pequenas quantidades, pode causar Codex Alimentarius, União Europeia, FDA ou outros
doença (VAN DOREN et al., 2013). organismos reconhecidos internacionalmente.

Tabela 1. Percentual de amostras em desacordo com os padrões de qualidade microbiológica (BRASIL, 2001)

Grupos microbianos Amostras impróprias (%) Origem Referência


Salmonella sp 18,2% São Paulo Moreira et al., 2009
Coliformes termotolerantes 36,3% São Paulo Moreira et al., 2009
Salmonella sp 10,5% Brasil Neto et al., 2009
Coliformes termotolerantes 18,4% Brasil Neto et al., 2009
Salmonella sp 66,7% Bahia Oliveira e Teshima, 2011
Salmonella sp 44,4% Paraíba Silva et al., e 2013
Coliformes termotolerantes 11,1% Paraíba Silva et al., e 2013
Salmonella Oranienburg 33,3% São Paulo Michelin et al., 2016
Coliformes termotolerantes 33,3% São Paulo Michelin et al., 2016

Doenças de origem alimentar associadas ao consumo As micotoxinas são metabolitos secundários


de ervas e especiarias foram relatadas em diversos produzidos por algumas espécies de fungos,
países. A maior parte dos surtos, 71%, foi causada principalmente dos gêneros Aspergillus, Penicillium e
por sorotipos de Salmonella enterica subespécie Fusarium. A contaminação dos alimentos pelo fungo
enterica. Quatro surtos foram causados por Bacillus associada a condições apropriadas de temperatura
spp. (13%) e os outros quatro foram associados a dois e umidade favorecem o seu desenvolvimento e a
ou mais organismos diferentes, múltiplos serotipos produção dessas toxinas. O consumo do alimento
de Salmonella ou múltiplas espécies de Bacillus (FDA, contaminado pelas micotoxinas traz sérios prejuízos
2013). Entre 1993 e 2010, foram registrados sete surtos à saúde humana e de animais. Esses metabólitos
de salmonelose veiculados pelo consumo de pimentas constituem um grupo de compostos de baixo peso
e ervas, que envolveu mais de 1.700 indivíduos em molecular e estrutura química diversificada (ZAIN,
países como Estados Unidos, Dinamarca e Alemanha 2011). Existem descritas cerca de 400 micotoxinas,
(ZWEIFEL, 2012). Nos Estados Unidos, surtos foram no entanto as mais comuns e de maior importância
associados ao consumo de pimenta-preta utilizada na econômica são as aflatoxinas, a ocratoxina A, as
produção de embutidos (FDA, 2013), e a provável causa fumonisinas, o desoxinivalenol, a patulina, a toxina
foi a contaminação cruzada depois que as remessas T-2 e a zearalenona (PRADO et al., 2008). No Brasil, a
de especiarias foram importadas (GIERALTOWSKI et al., Agência Nacional de Vigilância Sanitária estabelece
2013). limite máximo de contaminação para alflotoxinas
(20 µg/Kg) e ocratoxina A (30 µg/Kg) em pimenta-do-

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reino (BRASIL, 2011). em humanos (IAMANAKA et al., 2010). A citrinina


As principais micotoxinas identificadas em também possui efeito nefrotóxico e tem sua ação
pimenta-do-reino foram as aflatoxinas, ocratoxina A potencializada quando presente no mesmo alimento
e a citrinina (Tabela 2). Os efeitos causados por essas que a OTA. A sinergia entre as duas micotoxinas está
micotoxinas na saúde humana variam de acordo relacionada à carcinogênese hepatorrenal. A citrinina
com o tipo de micotoxinas. No entanto, os efeitos pode se acumular nos rins e causar insuficiência
carcinogênicos, teratogênicos e mutagênicos são renal grave. A citrinina também pode estar associada
atribuidos à exposição crônica e efeito cumulativo a falhas no sistema imunológico, fígado e trato
dessas substâncias (IARC, 2012). gastrointestinal (DOUGHARI, 2015).

Tabela 2. Ocorrência de micotoxinas em pimenta-do-reino classe preta em diferentes países do mundo

Amostras
País de coleta Micotoxina Detecção (μg/ kg) Referência
contaminadas (%)
Portugal Aflatoxinas 100 6-9 Pelto e Venancio , 2004
Morocos Aflatoxinas 47 0,09 - 0,30 Zinedine, et al, 2006
Tunísia Ocratoxina A 65,0 26 - 643 Zaied, ET AL., 2010
Malásia Ocratoxina A 75,0 0,15 - 13,58 Jalili, et al., 2010
Aflatoxina B1 30,4 0,13 - 0,46 Ozbey e Kabak, 2012
Turquia
Ocratoxina A 17,4 0,87 - 3,48 Ozbey e Kabak, 2012
Ocratoxina A 49,0 23,57 ± 2,61 Waśkiewicz et al., 2013
Polônia
Fumosinas 88,9 18,96 ± 0,83 Waśkiewicz et al., 2013
Índia Ocratoxina A 25,0 5,9 Ramesh e Jayagoudar, 2014
Irã Aflatoxina B1 100 0,063-0,54 Nejad et al., 2014
Aflatoxina B1 100 0,031-0,17 Nejad et al., 2014
Índia
Aflatoxinas 76,2 4,8-26,4 Jeswal e Kumar, 2015
Ocratoxina A 78,6 4,6-22,6 Jeswal e Kumar, 2015;
Índia
Citrinina 45,2 15,4-20,5 Jeswal e Kumar, 2015;

As aflatoxinas atingem principalmente o fígado, Embora haja necessidade de aprofundar os


podendo causar hepatite tóxica, icterícia e, em casos estudos sobre os efeitos tóxicos desses compostos
graves, levar o indivíduo à óbito. A aflatoxina B1 é a em seres humanos, os danos já comprovados
mais tóxica e possui efeito carcinogênico comprovado justificam o risco potencial que essas substâncias
em humanos (IAMANAKA, et al., 2010). O consumo oferecem à saúde humana. De posse da comprovada
recorrente de pequenas quantidades por longos toxicidade, tornou-se necessário quantificar e
períodos está associado à ocorrência de câncer no estabelecer limites de segurança para sua presença
fígado, ao comprometimento do sistema imunológico em produtos agrícolas e alimentos processados.
e à ocorrência das síndromes de Kwashiorkor e de Esses limites são determinados com base em estudos
Reye (ZAIN, 2011). A ocratoxina A (OTA) possui efeito toxicológicos, em levantamentos sobre sua ocorrência
nefrotóxico em animais de laboratório; pode estar e distribuição nos alimentos, nos aspectos políticos
relacionada ao surgimento de tumores malignos no e econômicos e nas metodologias disponíveis para
trato urinário, doenças renais crônicas e lesões renais análise e quantificação. É importante ressaltar que a

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eliminação do fungo não remove a toxina, portanto 2016). Resíduos de carbendazim e metalaxil foram
alimentos contaminados por esses fungos devem ser encontrados em 98% das amostras de pimenta;
descartados. contudo, a quantidade identificada foi inferior ao
A contaminação da pimenta-do-reino por limite máximo estabelecido pela União Europeia na
resíduos de agrotóxicos ocorre em decorrência do maior parte das amostras analisadas (REINHOLDS
não cumprimento dos princípios de Boas Práticas et al., 2017). Amostras de pimenta-preta coletadas
Agrícolas (BPA), que envolve o Manejo Integrado no mercado da Malásia apresentaram resíduos de
de Pragas. Os resíduos de agrotóxicos abrangem endossulfan, lecirahalotrina, ciflutrina e cipertina.
inseticidas, fungicidas, herbicidas, acaricidas, Todas as amostras estavam em conformidade com os
nematicidas, substâncias destinadas para uso padrões estabelecidos pela União Europeia (CHAI et
como reguladores de crescimento, desfolhantes al., 2013). Na pimenta-preta capixaba, vários resíduos
e protetores de sementes. Essas substâncias são de agrotóxicos são detectados, muitos deles não
utilizadas na agricultura para protreger as culturas registrados, mas geralmente os que apresentam
e após a colheita para evitar a ocorrência de pragas limites acima dos valores tolerados são imidaclopid
durante o armazenamento. No entanto, o uso (inseticida) e carbendazim (fungicida) (dados não
indiscriminado desses produtos aumenta o risco publicados e obtidos juntos aos exportadores, 2017).
de contaminação do ambiente, dos alimentos e dos Os efeitos que o consumo de resíduos de
trabalhadores rurais (JARDIM et al., 2009). agrotóxicos trazem para a saúde humana podem
A quantidade de resíduos de agrotóxicos em ser agudos quando os sintomas aparecem logo
produtos agrícolas não deve exceder o limite máximo após exposição acentuada de uma substância,
estabelecido pela legislação vigente (EMBRAPA, ou crônicos, quando as exposições ocorrem e
2004b). No caso da pimenta-do-reino exportada, doses relativamente baixas por longo período. O
deve ser considerado o limite estabelecido pela efeito crônico dos agrotóxicos estão relacionados
legislação do país importador. O número de ao aparecimento de tumores, ocorrência de
moléculas (agroquímicos) registradas para o manejo defeitos congênitos (JARDIM et al., 2009), além de
fitossanitário da pimenta-do-reino não atende efeitos sobre o sistema imunológico e endócrino
às necessidades da cadeia produtiva. É permitido (FRIEDRICH, 2013). Os agrotóxicos são responsáveis
apenas o uso de compostos inorgânicos à base de por causar distúrbios pisicomotores, diabetes,
cobre que possuem ação bactericia e fungicida (MAPA, obesidade e efeitos adversos sobre a reprodução.
2003); portanto, qualquer resíduo de agrotóxico não Essa diversidade de alterações decorre do
permitido para a cultura da pimenta, mesmo que envolvimento do sistema endócrino na regulação
presentes em baixas concentrações, caracterizará de processos metabólicos (FRIEDRICH , 2013).
o produto como não conforme. Também serão A contaminação de alimentos com metais pesados
caracterizados como impróprios para o consumo ou elementos-traços pode ocorrer em função da
produtos que apresentarem resíduos de agrotóxicos contaminação do solo e da água utilizados no
permitidos acima dos limites estabelecidos. cultivo. Metais tóxicos, como o arsênio (As), cádmio
Surma et al. (2017) identificaram a presença (Cd), mercúrio (Hg) e chumbo (Pb), permanecem
de ácidos perfluoralquil carboxílicos, compostos retidos no solo, solubilizam-se na água, atingem
sintéticos de alta resistência química, em pimenta- o lençol freático, são absorvidos pelas plantas e
do-reino branca originária da Eslováquia. O podem contaminar os alimentos. Esses elementos
programa de monitoramento de resíduos de não possuem papel biológico em seres vivos e
agrotóxicos da Tailândia identificou a presença podem provocar efeitos tóxicos e anomalias no
de resíduos de carbaryl, carbendazim, clorpirifós, desenvolvimento, especialmente em crianças e
cipermetrina e ethion em pimenta-preta (AMBRUS, embriões. Esses contaminantes têm sido associados

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às doenças de Alzheimer, Parkinson, autismo e câncer. estabelece critérios para avaliação da presença
Por estas razões, sua presença em produtos agrícolas de matérias estranhas nos alimentos e permite a
deve ser controlada (REINHOLDS et al., 2017). ocorrência de até 60 fragmentos de insetos, um pelo
A regulamentação dos limites de segurança para de roedor e cinco ácaros em 50g de pimenta-do-
metais pesados em alimentos pode variar conforme o reino. Cabe ressaltar que os fragmentos de insetos a
país de destino. No Brasil, a RDC 42/2013 dispõe sobre que se referem a legislação não contemplam aqueles
os limites máximos de contaminantes inorgânicos indicativos de risco à saúde, ou seja, baratas, formigas,
em alimentos, que incluem os elementos-traços moscas e outros que possam veicular doenças ao
(BRASIL, 2013). Ziyaina et al. (2014) identificaram consumidor. Assim, não há tolerância para a presença
resíduos de chumbo e de cádmio em pimenta-do- de excrementos de animais, parasitos, objetos
reino comercializada na Líbia. A quantidade de rígidos capazes de causar lesões ao consumidor e
resíduos de chumbo variou ente 0,66 e 0,90 mg/Kg fragmentos de vidro de qualquer tamanho; portanto,
e todas as amostras estavam em conformidade com esses devem estar ausentes das amostras. Amostras
padrões estabelecidos pela FAO. A quantidade de com contaminação superior ao limite estabelecido
resíduos de cádmio variou entre 0,11 e 0,39 mg/kg pela legislação são classificadas como impróprias
e excederam o limite estabelecido. Reinholds et al. para o consumo humano e podem ocasionar danos
(2017) identificaram a presença de arsênio (<0.005– severos à saúde do consumidor (BRASIL, 2014).
0.16 mg/Kg), cádmio (<0.005–0.02 mg/Kg), chumbo A presença de sujidades na pimenta-do-reino
(0.11–0.44 mg/Kg) e cromo (1.76–13.48 mg/Kg). A reflete a precariedade das condições higiênico-
contaminação por arsênio e cádmio apresentou sanitárias e evidência a negligência na implementação
valores abaixo do estabelecido pela Organização das boas práticas ao longo de sua cadeia produtiva. O
Mundial de Saúde (OMS); no entanto, a contaminação resultado é um produdo de baixa qualidade e menor
por chumbo atingiu valores inaceitáveis em 30% das valor agregado (LIMONTA et al., 2016). A presença
amostras, e o excesso de cromo foi constatado em de sujidades em pimenta-do-reino foi relatada
98% das amostras. por diversos trabalhos. Graciano et al. (2006), ao
Perigos físicos – Os contaminantes de natureza analisarem amostras de pimenta-do-reino em pó
física presentes em alimentos são caracterizados comercializada em cidades do Estado de São Paulo,
por materiais de diferentes naturezas, como observaram que 98,5% continham fragmentos de
pedras, plásticos, fragmentos de insetos, partículas insetos, 24,6% continham ácaros e 23,2% continham
metálicas, sujidades, entre outros. Podem ocorrer pelos de roedor. Atui et al. (2009) identificaram a
em função da contaminação da matéria-prima no presença de insetos (18,2%), fragmentos de insetos
campo ou pela incorporação acidental de sujidades (100%), larva (13,6%), fragmentos de larva (18,2%),
ao longo da cadeia produtiva, devido às condições de ácaros (41%), pelo de roedor (23%) e fragmentos
beneficamento e práticas inadequadas. A pesquisa de penas de ave (4,5%) em amostras de pimenta-
de matérias estranhas em alimentos tem como do-reino em pó adquiridas no comércio da cidade
objetivo monitorar sua qualidade e detectar fraudes. de São Paulo. O número de fragmentos de insetos
Neste grupo de matérias estão incluídas as sujidades encontrados variou entre 3,5 a 466 fragmentos em
leves, representadas por insetos e seus fragmentos; 50g de amostra e 21,7% estavam acima do limite de
ácaros; pelos de animais e bárbulas de aves (ATUI et fragmentos estabelecidos pela legislação. Neto et
al., 2009). al. (2009) identificaram presença de fragmentos de
A detecção de materiais estranhos em alimentos inseto (15,8%) e pelos de roedor (23,7%) em amostras
processados traz prejuízos econômicos à empresa, de pimenta-do-reino coletadas no comércio varejista.
prejudica sua imagem e resulta em perda de A presença de grande número de fragmentos de
receita (LIMONTA et al., 2016). A legislação brasileira insetos identificados nos estudos citados indica

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necessidade de adotar medidas para evitar esse


tipo de contaminação. Embora haja um limite de
tolerância estabelecido pela legislação, a presença
de pelos de roedores indica contato com essa praga
em algum ponto da cadeia produtiva. Os roedores
são potenciais transmissores de várias doenças e
seu contato com alimentos pode colocar em risco a
saúde do consumidor.

CONTROLE DE CONTAMINETES NA PRODUÇÃO E


BENEFICIAMENTO DA PIMENTA-DO-REINO

O controle de contaminantes biológicos, físicos


e químicos é imprescindível para a segurança dos
produtos agrícolas. É necessário identificar os perigos
⬅ ⬅
inerentes a cada etapa da produção e avaliar o seu
risco de ocorrência. A adoção de medidas de controle
dessas contaminações associadas ao sistema de
gestão desses perigos em toda a cadeia produtiva é ⬅
primordial para a garantia de um alimento seguro ao
conumidor.
Cuidados na pré-colheita – Os cuidados na ⬅
produção de pimenta-do-reino iniciam-se no plantio
com a aquisição de mudas sadias e a escolha da
área de cultivo (EMBRAPA, 2004a). A florada da Figura 1. Frutos contaminados com fungos e ataque de
pragas.
pimenteira ocorre, naturalmente, a partir do início
Fonte: Foto de Inorbert de Melo Lima.
da estação chuvosa, com pico entre janeiro e março.
A maturação completa dos cachos ocorre seis a oito O uso de esterco e biofertilizantes, especialmente
meses após a florada, com frutos apresentando teor de origem animal pode ocasionar introdução de
de umidade entre 80 e 85% e casca de coloração enterobactérias na pimenta em grão. Para evitar
vermelha. Nesta etapa, o ataque de pragas e fungos este tipo de contaminação é necessário realizar
(Figura 1) e a presença de contaminantes no solo e na procedimentos para redução da carga microbiana
água podem comprometer a segurança e a qualidade nos fertilizantes naturais, como por exemplo,
da pimenta-preta. compostagem, pasteurização e secagem a quente,
A contaminação dos grãos por metais pesados e radiação ultravioleta, digestão alcalina e secagem
resíduos de agrotóxicos pode estar associada aos ao sol, bem como a combinação desses tratamentos.
usos anteriores da área utilizada para o plantio e à O contato do fruto com o solo deve ser evitado; no
origem da água utilizada para irrigação. Recomenda- entanto, a coleta de frutos maduros no chão das
se que as áreas próximas aos plantios não devem ser lavouras é uma prática comum (Figura 2); neste caso,
utilizadas para armazenamento de substâncias que recomenda-se higienizar os frutos antes da secagem.
possam carrear contaminantes, como esterco fresco, A água utilizada na irrigação das plantações
produtos químicos, resíduos, águas residuais entre pode carrear perigos, como enterobactérias, metais
outras, que possam ser carreadas ao plantio por pesados e resíduos de agrotóxico. Para que isto seja
meio de enchentes e vazamentos. evitado, é necessário que a água seja captada em

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Contaminantes que comprometem a segurança da pimenta-do-reino ao longo de sua cadeia produtiva

fontes seguras e protegidas; as tubulações sejam os agricultores devem usar apenas agrotóxicos
constituídas de materiais não contaminantes e os autorizados pelos órgãos nacionais competentes
resevatórios, caso aplicável, estejam protegidos para a cultura da pimenta-do-reino e estes devem ser
e sejam limpos periodicamente. A contaminação aplicados de acordo com as instruções do receituário
microbiológica das fontes de captação deve agronômico e do fabricante do produto. Destaca-se
ser evitada por meio de barreiras para evitar o que o limitado número de moléculas registradas para
acesso de animais. Os poços de captação devem o manejo de pragas contribui para o uso de agrotóxicos
ser perfurados em locais e em profundidade não autorizados. O monitoramento da aplicação dos
que garantam a qualidade da água, devem estar agrotóxicos deve ser realizado por meio de registros
protegidos de animais, enxorradas e alagamentos. de aplicação. É importante a realização de análises
A ocorrência de químicos inorgânicos e resíduos de laboratoriais para identificação e quantificação
agrotóxico na água em concentrações que excedem desses resíduos no produto final a fim de se obter
o limite de segurança inviabiliza o uso dessa um maior controle sobre estes contaminantes. Não
água na produção primária. O monitoramento da há método eficaz para a remoção dos agrotóxicos dos
qualidade da água utilizada na irrigação é primordial alimentos, portanto evitar a contaminação durante o
para evitar a contaminação dos frutos, portanto cultivo é a única maneira de garantir a segurança do
análises microbiológicas e físico-químicas devem produto.
ser realizadas periodicamente para identificar e Colheita e debulha – A colheita é realizada
quantificar a presença dos contaminantes. manualmente, e os cachos são colocados em
baldes ou sacos de aniagem. A pimenta-do-
reino colhida deve ser retirada dos sacos de
colheita no mesmo dia para evitar que ocorra
proliferação de fungos, fermentação e perda
de qualidade do produto (SERRANO et al.,
2008), mas devido à logística de colheita, essa
recomendação nem sempre é seguida. Quanto
maior o tempo decorrido entre a colheita e o
beneficiamento dos frutos, maior o risco de
contaminação microbiana, ataque de pragas e

produção de micoxotinas. As espigas colhidas


devem ser conduzidas ao galpão para a debulha.
⬅ Nesta etapa, os frutos são retirados das espigas
com auxílio de um debulhador mecânico ou
manualmente. O debulhador mecânico separa
os grãos da espigueta através de uma chapa
Figura 2. Frutos em contato direto com solo e sujeitos a perfuradora e por isso consegue separar também
contaminações.
as sujidades maiores (SERRANO et al., 2008).
Fonte: Foto de Inorbert de Melo Lima.
Nessas etapas os principais contaminantes
A aplicação de agrotóxicos durante o cultivo, introduzidos são bactérias patogências, sujidades e
quando não realizada corretamente, pode provocar matérias estranhas. A higiene do trabalhor rural e
a contaminação dos frutos por resíduos desses dos equipamentos de debulha é a principal forma
componentes. Para evitar a presença desses de evitar essas contaminações. Os trabalhadores
resíduos no fruto e posteriormente nos grãos secos, devem lavar as mãos sempre que manusear os

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VINHA, M. B.; LIMA, I. de M.; SECUNDINO, W.

produtos e insumos químicos, após as paradas para diversas vezes ao dia para garantir uma secagem
refeições, após o uso das instalações sanitárias e homogênea. Os grãos devem ser cobertos por uma
após o manuseio de material contaminado. Os sacos lona impermeável durante a noite para evitar seu
para acondicionamento das pimentas devem estar reumidecimento. A ocorrência de chuvas aumenta
limpos e livre de sujidades. O equipamento usado na a umidade relativa do ar e o tempo necessário para
debulha deve estar limpo e higienizado. secagem, favorecendo a produção de micotoxinas.
Secagem – Os frutos debulhados são encaminhados A secagem em estufa confere maior proteção
à secagem para obtenção da pimenta-preta. A contra contaminantes ambientais e acelera o tempo
secagem pode ocorrer de forma natural, em terreiros de secagem. A estrutura fechada contribui para a
ou estufas, ou mecânica, em secadores. O tipo de preveção das contaminações oriundas do ambiente,
perigo introduzido nesta etapa varia conforme o no entanto não deve ser utilizada para outros fins, e a
tipo de secagem, o que torna necessário avaliá-los limpeza deve ser realizada após a retirada da pimenta
separadamente. Na secagem natural, os principais seca para evitar contaminações. Os produtores
perigos são a introdução de bactérias patogênicas, devem utilizar calçados limpos para entrar na estufa,
produção de micotoxinas e introdução de sujidades que deve ser isolada para evitar o acesso de animais
e matérias estranhas. Na secagem mecânica, os e pragas. Além disso, a renovação de ar dentro da
principais perigos introduzidos são de natureza estufa deve ser constante para remover a umidade
química, oriundos da fumaça utilizada ou de reações dos grãos e evitar que o ambiente dentro dela
ocorridas quando o fruto é submetido a altas permaneça úmido. Sendo assim, é necessário que
temperaturas dentro do secador. haja aberturas protegidas por telas milimétricas para
Nos terreiros, a pimenta é exposta ao sol para promover a retirada do ar úmido.
remoção da umidade, o que aumenta o risco de A secagem mecânica é realizada em equipamentos
contaminação por agentes inerentes ao ambiente, onde o ar quente, proveniente de uma fonte de calor,
como poeira, ventos, animais e pragas. A secagem é forçado a passar pela massa de grãos, removendo
em terreiros com piso de terra, atualmente raros, a sua umidade, o que permite ao produtor maior
favorece o desenvolvimento de micro-organismos indepedência das condições climáticas e redução do
na superfície dos grãos, aumenta a respiração e a tempo de secagem quando comparada à natural. Nos
temperatura do grão, comprometendo a segurança secadores com fornalha de fogo direto, a fumaça é
do produto. O uso de lonas para evitar o contato injetada diretamente sobre a massa de grãos, que
direto da pimenta com a terra reduz o risco de atingem temperaturas superiores a 120°C (SERRANO
contaminação, para isso as lonas devem ser et al., 2008), o que contribui para a introdução
trocadas periodicamente e apresentar-se limpas de contaminantes químicos no produto, como as
e bem conservadas. Os terreiros devem ser limpos antraquinonas, e para a perda da qualidade sensorial
antes de iniciar um novo ciclo de secagem para em virtude da queima dos grãos e impregnação de
evitar permanência de contaminantes oriundos odor de fumaça. Após a secagem, a pimenta deve
de secagens anteriores. Os produtores não devem ser resfriada para garantir a remoção completa da
caminhar sobre os grãos, especiamente com calçados umidade antes de ser acondicionada nas sacarias;
sujos, e os utensílios utilizados no revolvimento da caso contrario poderá ocorrer a proliferação de
pimenta devem estar limpos e em bom estado de fungos (Figura 3).
conservação. O controle da produção de micotoxinas A secagem mecânica em secadores que utilizam
consiste em evitar a contaminação e multiplicação fogo indireto é mais recomendada, uma vez que não
dos fungos durante a secagem, para isso os frutos ocorre contato entre a pimenta e a fumaça que sai
devem ser espalhados em camadas finas e revolvidos da fornalha. A temperatura neste tipo de secagem é

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Contaminantes que comprometem a segurança da pimenta-do-reino ao longo de sua cadeia produtiva

menor, varia entre 40 e 60°C, o que garante maior armazenamento deverá ser fechado, com ventilação
segurança no processo. O controle da temperatura adequada, dotados de barreiras contra entrada de
de secagem é fundamental para evitar reações praga, em condições adequadas de manutenção e
indesejáveis, perda de qualidade sensoriais e limpeza. Não devem ser utilizados para outros fins
incorporação de substâncias tóxicas provenientes da ou para a guarda de objetos em desuso (EMBRAPA,
fumaça, visto que tais componentes não podem ser 2004a).
eliminados em etapas posteriores ao processamento.
A introdução de micro-organismos e sujidades pode CONCLUSÕES
ocorrer como consequência da má higienização
Contaminações ao longo da cadeia produtiva
dos equipamentos, portanto é necessário limpar as
tornam a pimenta-do-reino um ingrediente com
instalações e os equipamentos antes e depois
potencial risco à saúde humana. A identificação
da operação. As instalações que abrigam os
e quantificação desses contaminantes
equipamentos devem estar
são fundamentais para monitorar
adequadas aos princípios das
sua ocorrência ao longo da cadeia
boas práticas de fabricação.
e detectar sua origem. Diante
Armazenamento – O principal
disto, a implantação das
perigo a ser controlado
boas práticas agrícolas e
nesta etapa é a produção
de fabricação associada
de micotoxinas. O contole
aos controles das etapas
da umidade no ambiente de
críticas ao longo da cadeia é
armazenamento é fundamental
a principal forma de garantir
para garantir a segurança do
a segurança do produto
produto. Recomenda-se que
final. Contaminações acima
a umidade relativa dos ar
do limite de segurança
nos armazéns seja menor
colocam em risco a saúde
do que 75%. A pimenta-
pública, reduzem o valor
do-reino classe preta deve
econômico do produto e
apresentar teor de umidade
prejudicam as exportações.
máximo de 14% (BRASIL, 2006).
Os surtos de salmonelose
No entanto, o armazenamento
envolvendo o consumo de
dos grãos com umidade em torno
pimenta-do-reino justificam
10,5% garante maior segurança ao
o risco pontencial que
produtor (SERRANO et al.,
este produto oferece à
2008). A pimenta seca deve ser Figura 3. Pimenta com alto nível de contaminação
por fungos após secagem. saúde pública, portanto
acondicionada em sacos de
Fonte: Foto de Inorbert de Melo Lima. é necessário que as
material poroso, como os de
indústrias adotem métodos
aniagem ou ráfia, de primeiro
eficazes para descontaminação do produto ou
uso e limpos. A sacaria deve ser armazenada sobre
garantam a eliminação do patógeno em processos
paletes e afastadas da parede e do teto cerca de 30
subsequentes. A dificuldade ou a impossibilidade de
cm para evitar condensações e favorecer a circulação
eliminação dos contaminantes químicos ao longo da
do ar no depósito. O controle químico de pragas
cadeia torna imprescindível o seu controle em todas
no armazém deve ser realizado conforme as boas
as etapas da cadeia produtiva. É necessário que os
práticas e com adoção de medidas para a prevenção
produtores rurais e demais envolvidos nesta cadeia
da contaminação química do produto. O local de

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