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QUESTÃO 01 – CRIMINALÍSTICA

TEMA: Local de crime, conceitos e isolamento de local


Considere a seguinte situação hipotética:

João, um pecuarista da cidade de Cachoeiro de Itapemirim,


transita desatentamente com seu automóvel pela BR-482
quando se depara com um andarilho cruzando a pista. Como
estava em alta velocidade, João tenta frear, causando marcas de
frenagem de cerca de 40 metros de comprimento antes do
provável ponto de impacto, mas acaba atropelando e matando o
indivíduo. Com medo de represálias da população local, João
evade-se com seu veículo, mas a 50km da ocorrência liga para a
polícia e confessa ter atropelado e matado o andarilho. O
primeiro policial ao chegar ao local, para verificar a existência
da ocorrência que lhe foi comunicada, adentra ao local do crime
e dirige-se ao corpo de delito pelo ponto acessível mais próximo
e em linha reta, retornando pelo mesmo caminho. Constatado o
óbito, ele comunica o fato à autoridade policial e isola o local
com a maior área possível, incluindo as marcas de frenagem,
com a finalidade de preservar os vestígios, não permitindo que
ninguém adentre à cena do crime. Ao chegar ao local, a
Autoridade Policial (delegado) decide retirar alguns pertences
da vítima para fins de identificação e dispensa a perícia, uma vez
que João já havia confessado o crime.

Baseado nessa situação, responda:

a) Classifique o local de crime quanto à natureza da área


(interno e externo), quanto à preservação (idôneo e
inidôneo) e indique o local imediato, mediato e relacionado.

b) Os termos "corpo de delito" e "vestígios" foram utilizados


corretamente?

c) De acordo com o Código de Processo Penal, os policiais


tomaram atitudes corretas com o intuito de isolar e
preservar a cena de crime?
ASPECTOS COMENTADOS

a) Classifique o local de crime quanto à natureza da área


(interno e externo), quanto à preservação (idôneo e
inidôneo) e indique o local imediato, mediato e relacionado.

Em relação à natureza da área, um local de crime pode ser classificado


como local interno e externo. O local interno refere-se ao local de delito
de acesso restrito e geralmente envolve ambientes fechados, como
interior de uma casa, escritórios ou terrenos cercados. Já locais externos
ocorre quando o delito acontece em vias públicas ou em terrenos baldios
sem obstáculos, geralmente de livre acesso. Assim, como acidente
ocorreu em um trecho de BR, o local de crime classifica-se como
externo.

Quanto à preservação, o local de crime classifica-se como idôneo


(preservado) ou inidôneo (violado). O local idôneo é aquele na qual os
vestígios não sofreram qualquer alteração após a realização do fato
delituoso, ao passo que o local inidôneo ou violado é aquele que sofreu
alguma alteração do estado das coisas após a ocorrência do fato, tais
como subtração, remoção ou adição de objetos. Assim, no caso
mencionado, o local permaneceu idôneo até a chegada da Autoridade
Policial. Entretanto, a entrada da Autoridade na cena de crime para
retirada de pertences da vítima configura violação do local, pois toda
informação pode ser pertinente para elucidação do fato delituoso.

Cabe ressaltar que nem sempre é possível manter o isolamento da área


e a preservação dos vestígios, como em casos de socorro à vítima, se
ainda estiver viva; em locais de incêndio, onde prioriza-se a atuação dos
bombeiros na extinção do fogo; e em casos de acidente de trânsito
(Artigo 1º da Lei 5970/1973), na qual é permitido ao agente policial a
imediata remoção de veículos e pessoas antes do exame de local para
evitar mal maior.

Quanto à disposição dos vestígios, o local pode ser classificado como


imediato, mediato e relacionado. O local imediato é onde ocorreu o fato
delituoso, abrangido pelo corpo de delito e seu entorno, onde se
concentra a maior parte dos vestígios. No caso em questão, é onde se
encontra a vítima e, possivelmente, muitos vestígios, tais como
fragmentos vítreos, manchas de fluídos mecânicos, pertences da vítima,
manchas de fluídos orgânicos, partes do automóvel e etc. O local
mediato é a área adjacente ao local imediato, possível de conter
vestígios relacionados ao fato delituoso, tais como pegadas, rastros e
instrumentos utilizados na prática de um crime, e por isso, também
merece a atenção do perito e também deve ser isolada. Nesse caso em
questão, seria constituído pela porção do espaço além do possível ponto
de impacto, abrangendo basicamente as marcas de frenagem. Já o local
relacionado é aquele que não guarda nenhuma relação geográfica direta
com o local de crime, mas que possa conter algum vestígio ou
informações relacionadas ao fato delituoso. No caso em questão, pode
ser compreendido ao local onde foi encontrado o carro envolvido no
acidente, a 50 Km do local de atropelamento.

b) Os termos "corpo de delito" e "vestígios" foram utilizados


corretamente?

Sim. Do ponto de vista técnico pericial, entende-se por Corpo de delito


qualquer ente material relacionado a um crime e no qual é possível a
realização de exame pericial, sendo o elemento principal de um local de
crime, em torno do qual encontram-se os vestígios. Assim, nesse caso
específico, tanto o corpo da vítima quanto e veículo envolvido no
acidente podem ser considerados corpos de delito, uma vez que será
necessário a perícia no automóvel suspeito para verificar sua
participação na ocorrência.

Já os vestígios podem ser definidos como qualquer marca, sinal ou


objetivo encontrado no local do fato delituoso e que possa ter relação
com o fato investigado, conforme o Art.158-A § 3º “Vestígio é todo
objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido,
que se relaciona à infração penal”. Portanto, dentro da cena do crime
podem haver vestígios tais como fragmentos vítreos, manchas de fluídos
mecânicos, pertences da vítima, manchas de fluídos orgânicos, partes
do automóvel que devem ser preservados para exame pericial.

Aqui é importante se atentar às definições de Evidência e Indícios.


Dentro da criminalística, evidência é um vestígio que, após analisado
pelos peritos, mostra-se diretamente relacionado com o fato
investigado. Na situação hipotética, se os fragmentos vítreos
encontrados no local do acidente forem comprovados pelo perito serem
do veículo de João, eles tornam-se uma evidencia do seu envolvimento
na cena do crime. Já outros vestígios, como algumas marcas de
frenagem, podem ser comprovados pelo perito já estarem presentes na
pista antes mesmo do fato ocorrido, sendo, portanto, vestígios, mas não
evidência.

Já o indício é um elemento de natureza processual, conforme


estabelecido pelo artigo 239 do Código de Processo Penal: “Art. 239.
Considera-se indício a circunstância conhecida e provada que, tendo
relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de
outra ou outras circunstâncias”. Logo, podemos definir indício como uma
evidência que será utilizado na fase processual, em um momento pós
perícia. Daí a expressão que toda evidência é um indício (pois pode ser
utilizado na fase processual), porém, nem todo indício é uma evidência,
pois o indício pode ser obtido por outros meios que não a fase pericial,
como na investigação policial ou testemunho de envolvidos.

c) De acordo com o Código de Processo Penal, os policiais


tomaram atitudes corretas com o intuito de isolar e preservar a
cena de crime?

O primeiro policial a chegar na cena de crime agiu de forma correta,


com o intuito de isolar o local e preservar os vestígios. Pra verificar a
existência da ocorrência que lhe foi comunicada, o ideal é que o policial
adentre o local pelo trajeto mais próximo ao corpo da vítima, em linha
reta, retornando à área externa pelo mesmo caminho, e que o percurso
seja comunicado aos peritos. Vale lembrar que nada deve ser removido
das posições que ocupavam da configuração final do crime, conforme
estabelece Art 158-A § 2º O agente público que reconhecer um
elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial
fica responsável por sua preservação. Já a preservação e isolamento do
local pela Autoridade policial estão previstos nos artigos 6º e 169 do
CPP:

“Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a


autoridade policial deverá:

I – Dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado


e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
II – Apreender objetos que tiverem relação com o fato, após liberados
pelos peritos criminais;”

“Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a
infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se
altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão
instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas
elucidativos.”

Assim, a Autoridade Policial não poderia ter retirado quaisquer


elementos da cena do crime antes de liberados pelos peritos. Ademais,
de acordo com o Art. 158 do CPP, “Quando a infração deixar vestígios,
será indispensável o exame de corpo de perito, direto ou indireto, não
podendo supri-lo a confissão do acusado”. Logo, a perícia nesse caso
seria obrigatória, independentemente da confissão de João.
Além disso, a Autoridade policial corre o risco de responder por fraude
processual, uma vez que, segundo o Art.158-C “É proibida a entrada em
locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de
crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo
tipificada como fraude processual a sua realização”

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