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Capítulo I

Crítica à Teoria do Conhecimento em Walter Benjamin

O caminho do conhecimento de Benjamin, assim como seu projeto de


existência constituem-se em mais um extremo tipicamente carregado de
tensão da época, que também incentiva e estimula Wittgenstein, Cassirer e
Heidegger nos anos de 1920. No lugar do ideal de uma construção do
mundo logicamente explicada, seu modo de pensar aposta na exploração
da simultaneidade contraditória. Onde Cassirer pretende a unidade de um
sistema polifônico baseada num conceito simbólico produzido
cientificamente, Benjamin advoga por uma constelação de conhecimento
rica em contradições, eternamente dinâmica. E no lugar da angústia
heideggeriana da morte, ele estabelece o ideal de inebriação e de excesso
que celebra o instante como momento do sentir verdadeiro. Tudo
sublinhado por uma filosofia histórica carregada de religiosidade, que se
mantém aberta para a possibilidade da redenção, sem criar, nem ao
menos prever, esse momento de salvação no sentido marxista vulgar.
(EILENBERGER, Wolfram. A grande década da filosofia 1919-1929. São
Paulo: Todavia. 2019, p.39).

Ao fazer a citação acima, a preocupação foi primeiramente

contextualizar o pensamento de Walter Benjamin num momento áureo do

pensamento em língua alemã dos anos 1920. Diferentemente dos outros

pensadores citados, Benjamin parte da origem da experiência mesma do

pensar em suas singularidades momentâneas para captar aquilo que pode ser

nomeado na determinação da linguagem, como momento do sentir o

verdadeiro em sua nomeação. Não é à toa, que a sua preocupação é com a

Filosofia da Linguagem, como busca da nomeação daquilo que pode ser

experimentado como verdadeiro. Ainda na citação acima, Benjamin se

diferencia dos outros pensadores no aspecto de não buscar unidades

conceituais que assegurem uma forma de conhecimento, bem como em


relação às contradições que existem ao se elaborar um determinado tipo de

conhecimento. Para ele, o conhecimento está na própria dinâmica contraditória

de uma constelação de saberes, os quais não tem unidade propriamente dito,

mas sim interseções internas que as possibilitam dialogar infinitamente. Neste

aspecto, podemos pensar em Walter Benjamin como aquele que nos dar

abertura em nossa contemporaneidade para a elaboração de saberes

interdisciplinares. Eis o motivo da importância de se percorrer os extremos

mais distantes das diversas áreas do conhecimento.

É justamente na indecisão crônica, na diversidade extrema e na


contradição absolutamente realista de sua escrita que ele reconhece o
único caminho ainda disponível para o verdadeiro conhecimento do mundo
e, dessa maneira, de si próprio. Usando as palavras tortuosas de sua
introdução à origem do drama barroco alemão, “Questões históricas de
crítica do conhecimento”: quem filosofa deve permitir “a emergência, a
partir dos extremos mais distantes e dos aparentes excessos do processo
de desenvolvimento, da configuração da ideia enquanto Todo
caracterizado pela possibilidade de uma coexistência significativa desses
contrastes”. Mas essa representação da ideia, segundo Benjamin, “não
pode de maneira alguma ser vista como bem-sucedida enquanto o ciclo
dos extremos nela possíveis não for virtualmente percorrido”.
(EILENBERGER, Wolfram. A grande década da filosofia 1919-1929. São
Paulo: Todavia. 2019, p.38/39).

Percorrer os extremos dos saberes em suas configurações e

determinações contraditórias é o que possibilita a Benjamin apreender o

verdadeiro, que independe de conceitos e leis elaboradas por representações

unificadoras de fenômenos, isto é, daquilo que aparece para nós no tempo e no

espaço, como diria Kant, em sua Crítica da Razão Pura. Deste modo, a Teoria

do Conhecimento para o filósofo alemão é a crítica constante a supostas

representações do entendimento unificador de diferenças. Ao contrário de


Hegel, que em sua Fenomenologia do Espírito percorre os extremos do saber

que vai do senso-comum (na figura da Certeza Sensível) até ao Saber

Absoluto de um Saber Racional Teológico, Benjamin não busca uma

Identidade da Identidade e da Diferença. Não é o seu propósito desenvolver

uma ideia cuja tônica seja a Identidade como elemento unificador das

diferenças, mas, sim, as suas confluências, que ocorre àquele que está

envolvido com a experiência do verdadeiro.

(...) Quem sabe escrever pode escrever sobre qualquer coisa.


Principalmente quando o método de aproximação do autor é interpretar o
objeto em questão como um tipo de mônada, ou seja, como algo em cuja
existência se possa apresentar não menos que o universo do presente, do
passado e do futuro como um todo. Exatamente aí estão o método e a
magia de Benjamin. Sua visão de mundo é profundamente simbólica: para
ele, cada ser humano, cada obra de arte, cada objeto, por mais trivial que
seja, é um símbolo a ser decifrado. E cada um desses símbolos está numa
relação altamente dinâmica com todos os outros símbolos. Dessa maneira,
segundo suas convicções, a interpretação orientada à verdade de um tal
símbolo resulta necessariamente em mostrar sua integração ao grande
todo simbólico, em constante transformação, e analisá-lo intelectualmente:
ou seja, resulta na filosofia. (EILENBERGER, Wolfram. A grande década
da filosofia 1919-1929. São Paulo: Todavia. 2019, p.38/39).

O objeto a ser investigado dentro da metodologia benjaminiana é

compreendido como uma espécie de mônada cuja determinação temporal se

funda numa temporalidade fenomenológica de passado, presente e futuro em

um todo. É na própria temporalidade do objeto que este se apresenta como

símbolo em suas diversas expressões significativas transitórias. Eis o motivo

que o investigador de um determinado objeto precisa vivenciá-lo

simbolicamente, no sentido de experimentar as suas possibilidades simbólicas

por meio das nomeações da linguagem. Daí, como salienta Eilenberger: “Por

esse motivo, as “imagens do pensamento” de Benjamin, celebradas até hoje

(...)” (Id. P. 37).


A imagem do pensamento que ocorre ao se investigar um determinado

objeto, e que o possibilita ser nomeado como verdade pelo investigador, em

sua experimentação original, faz com que não haja nenhum plano de

superioridade em relação a qualquer objeto a ser investigado. Deste modo, a

imagem do pensamento não está simplesmente presa a determinadas

classificações categoriais dos objetos investigados. Eis o motivo de:

(...) obras como Rua de mão única (1928) ou Infância em Berlim por volta
de 1900, apresentam-se tão claramente marcadas pelos poemas do
flâneur de Baudelaire, pela predileção pelos marginais dos romances de
Dostoiévski ou pela luta de Proust pela memória. Elas testemunham uma
inclinação romântica tanto ao provisório e ao labiríntico quanto às técnicas
esotéricas de interpretação da cabala judaica. Tudo isso sublinhado à
vontade com materialismo marxista ou com o idealismo das filosofias da
natureza de Fichte e Schelling. Os textos de Benjamin atestam o
nascimento de um novo modo de conhecimento a partir do espírito de
desorientação ideológica típica de seu tempo. (EILENBERGER, Wolfram.
A grande década da filosofia 1919-1929. São Paulo: Todavia. 2019,
p.37/38).

São essas desorientações chamadas por Eilenberger de ideológicas

(embora eu prefira chamar de epistemológicas) que faz, no meu entender,

Benjamin um filósofo incompreensível para a sua época, no que se refere ao

ambiente acadêmico alemão. Ao intercruzar cabala judaica, marxismo e o

Idealismo Alemão, Benjamin dá um nó, por assim dizer, no pensamento

filosófico acadêmico, pois o que ele procura é a possibilidade de apreender a

verdade numa experiência singular do investigador, que precisa estar livre de

todas as amarras conceituais, bem com intencionais já dadas no início de uma

investigação. De certo modo, a sua postura epistemológica coincide com a de

pensadores como o Heidegger de Ser e Tempo, que também parte dessa


premissa de não partir de conceitos e métodos pré-dados no início de uma

investigação.

A tradição que assim se faz dominante, em vez de tornar acessível de


pronto e no mais das vezes o que ela “transmite”, ao contrário, encobre-o.
Ela transmuda o que a tradição legou em um-poder-ser-entendido-por-si-
mesmo, obstruindo o acesso às “fontes” originárias nas quais as categorias
e os conceitos transmitidos foram hauridos em parte de modo autêntico. A
tradição faz mesmo que essa origem seja em geral até esquecida. Faz que
se entenda dificilmente a necessidade de um tal retorno. A tradição
erradica do Dasein tão amplamente sua historicidade que ele já se move
somente no interesse pela multiplicidade de possíveis tipos, correntes e
pontos-de-vista do filosofar, em culturas as mais distantes e as mais
estranhas e, com esse interesse, procura encobrir sua falta de solo próprio.
Do que se segue que o Dasein, em todo esse interesse pelo
conhecimento-histórico e todo o zelo por uma interpretação filologicamente
“objetiva”, já não entende as condições mais elementares que possibilitam
unicamente um retorno positivo ao passado, no sentido de sua apropriação
produtiva. (HEIDEGGER, Martins. Ser e Tempo: Petrópolis/Campinas.
Editora Vozes/Editora UNICAMP, 2012, p. 85).

Como Benjamin, Heidegger quer apreender de forma original esse

vivenciar significativo do ser das coisas, daí o filósofo da Floresta Negra propor

uma destruição da tradição metafísica ocidental, no sentido de possibilitar o

retorno, no caso da investigação dele, à questão do ser. No entanto, a

diferença entre ambos é que Benjamin quer vivenciar o próprio objeto por meio

da imagem pensamento. Já Heidegger quer destruir as concepções categoriais

da tradição filosófica que obstruíram a possibilidade de se retornar a uma

pesquisa original do sentido de ser. Além disto, Benjamin não está preocupado

em investir somente em um núcleo epistemológico como Heidegger, que à

época de seu Ser e Tempo, segue o método fenomenológico do seu mestre

Edmund Husserl. Talvez o segundo Heidegger, mais vinculado à linguagem


poética possa se aproximar mais de Benjamin, mas aí é outra história para

desenvolvermos em outra ocasião. O importante por ora é nos fixarmos nessa

busca de Benjamin por uma vivência que dê abertura para as experiências do

pensamento imagem, sem fixação em qualquer núcleo epistemológico

propriamente dito.

Não é por acaso que para se ter tais experiências do pensamento

imagem, Benjamin se volta inicialmente para os temas como a infância, as

ruas, as lembranças e aos movimentos das cidades. Eis o motivo de Paris ser

o seu alvo em seu livro inacabado intitulado As Passagens.

Benjamim queria tornar frutífero um procedimento semelhante para a


apresentação da história: tratar o mundo das coisas do século XIX como
se fosse um mundo de coisas sonhadas. A história regida por relações de
produção capitalistas é, em todo caso, comparável à ação inconsciente do
indivíduo sonhador pelo fato de ser feita por homens, porém, sem
consciência e sem plano, como em um sonho. “Para compreender as
passagens a partir do fundo, nós as imergimos na camada onírica
(sonhadora) mais profunda” (F°, 34): esta aplicação do modelo onírico ao
século XIX deveria eliminar desta época o caráter de período concluso, de
passado definitivo, daquilo que literalmente se tornou história. Seus meios
de produção e formas de vida não se reduzem àquilo que foram naquele
tempo e lugar, no interior do modo de produção dominante; Benjamin
igualmente via neles em plena função o imaginário de um inconsciente
coletivo que ultrapassou em sonhos seus limites históricos, já atingindo o
presente. Ao transpor “do indivíduo para o coletivo” “o estado
essencialmente flutuante de uma consciência sempre multifacetada e
fragmentada entre a vigília e o sonho” (G°, 27), Benjamin quis mostrar, por
exemplo, que criações arquitetônicas como as passagens deviam sua
origem à ordem de produção industrial, estando a seu serviço; mas que, ao
mesmo tempo, continham em si algo que o capitalismo não satisfez e não
poderia satisfazer: a futura arquitetura em vidro que Benjamin citava
frequentemente. “Cada época” teria um “lado voltado aos sonhos, o lado
infantil” (F°,7): o olhar que dirigiu a reflexão de Benjamin deveria “liberar as
forças gigantescas da história que são acalentadas no ‘era uma vez’ da
narrativa histórica clássica (O°, 71). (TIEDEMANN, Rolf. Introdução À
Edição Alemã (1982). In: BENJAMIN, Walter. PASSAGENS: Belo
Horizonte/São Paulo. Editora UFMG/Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo. 2006, p.17).
O texto de Tiedemann acima nos fala dessa experiência do pensamento

imagem de Benjamin, em que o sonho onírico imagético se apresenta com total

força no que se refere à sua abertura para novas interpretações da história cuja

tônica não seja mais aquilo que está consagrado como saber histórico

categorizado e aceito por todos. Ao trazer o onírico para a história, Benjamin

descobre que a história objetivada, e aqui no caso, a história do Capital, não

precisa ficar somente presa as relações de produção. Benjamin, nesta linha de

raciocínio de Tiedemann, tira o homem da sua consciência no que se refere às

suas ações de relações de trabalho e o lança no inconsciente onírico,

ultrapassando assim a história consagrada pelos cânones da objetividade

científica.

Embora Benjamin abra a história para outras possibilidades

interpretativas cujo fundamento é o sonho inconsciente e fantasioso, por outro

lado, em suas anotações para As Passagens ele apresenta o

desencantamento da vida moderna ao citar o poeta Arthur Rimbaud.

“Cidade. Sou um efêmero e não muito descontente cidadão de uma


metrópole tida como moderna, porque todo gosto conhecido foi eludido nos
mobiliários e no exterior das casas tanto quanto no plano da cidade. Aqui
você não perceberia os traços de nenhum monumento de superstição. Em
suma: a moral e a língua são reduzidos à sua expressão mais simples.
Essas milhões de pessoas, que não têm necessidade de se conhecerem,
lidam com a educação, a profissão e a velhice de forma tão semelhante,
que seu tempo de vida deve ser muitas vezes menos longo que aquele
atribuído por uma estatística desvairada aos povos do continente.” Artthur
Rimbaud, OEuvres, Paris, 1924, pp.229-230 (Les Illuminations).
Desencantamento da “modernidade »! (BENJAMIN, Walter. PASSAGENS:
Belo Horizonte/São Paulo. Editora UFMG/Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo. 2006, p.417).

Este desencanto da vida moderna pode ser compreendido como o

próprio aniquilamento das experiências humanas, em que as possibilidades


das experiências oníricas vão desaparecendo. É neste aspecto que podemos

citar o texto de Didi-Huberman intitulado Sobrevivência dos Vaga-lumes, não

para apreender o aparecimento de uma ação, mas para apreender o

esvaziamento da experiência de uma (ação), compreendida no processo

histórico dos homens. Deste modo, Huberman tematiza a questão da

experiência não comunicável do homem contemporâneo. Daí ele citar Walter

Benjamin:

É como se nós tivéssemos sido privados de uma faculdade que nos


parecia inalienável, a mais segura entre todas: a faculdade de trocar
experiências (...). Uma das razões desse fenômeno salta aos olhos: o valor
da experiência caiu de cotação (...). E parece que a queda continua
indefinidamente. Basta abrir o jornal para constatar que, desde a véspera,
uma nova que foi registrada, que não apenas a imagem do mundo exterior,
mas também a do mundo moral sofreram transformações que jamais
pensamos serem possíveis. Com a guerra mundial, vimos o início de uma
evolução que, desde então, nunca mais parou. Não se constatou que, no
momento do armistício, as pessoas voltavam do campo de batalha – não
mais ricos, senão mais pobres em experiência comunicável? [...] Não havia
nisso nada de surpreendente. Pois jamais experiências adquiridas foram
tão radicalmente desmentidas do que a experiência estratégica o foi pela
guerra de trincheira, a experiência econômica pela inflação, a experiência
corporal pela batalha de material, a experiência moral pelas manobras dos
governantes. Uma geração que tinha ido à escola em bonde puxado a
cavalo encontrava-se desprotegida numa paisagem onde nada mais era
reconhecível, exceto as nuvens e, no meio, num campo de força
atravessado de tensões e de explosões destrutivas, o minúsculo e frágil
corpo humano. (2011. P 73/74 apud. Walter Benjamin – o Contador.).

A experiência não comunicável diz respeito à própria situação

destruidora e vazia da existência narrativa das ações dos homens no

contemporâneo. Mesmo não havendo uma guerra em seu sentido avassalador

como citado por Walter Benjamin (sobre a primeira Guerra Mundial), o

contemporâneo vive da escuridão, em que a metáfora do Vaga-lume expressa

a fragilidade das experiências humanas que se tornam não mais comunicáveis.


Daí a grande dificuldade para se concretizar uma forma de conhecimento como

linguagem comunicacional das experiências humanas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BENJAMIN, Walter. PASSAGENS: Belo Horizonte/São Paulo. Editora

UFMG/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. 2006).

DIDI-HUBERMAN, Georges. Sobrevivência dos Vaga-Lumes: Belo Horizonte.

Editora/UFMG, 2011.

EILENBERGER, Wolfram. A grande década da filosofia 1919-1929: São Paulo.

Todavia. 2019.

HEIDEGGER, Martins. Ser e Tempo: Petrópolis/Campinas. Editora

Vozes/Editora UNICAMP, 2012.

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