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Livro Do Médico de Família 2008
Livro Do Médico de Família 2008
ORGANIZADORES
Anamaria Cavalcante e Silva
Helena Maria Barbosa Carvalho
Jocileide Sales Campos
Tales Coelho Sampaio
Fortaleza, 2008
© 2008 Copyright by Anamaria Cavalcante e Silva,
Helena Maria Barbosa Carvalho, Jocileide Sales Campos e Tales Coelho Sampaio
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Todos os direitos reservados
Designer Gráfico
Roberto Santos
Ficha catalográfica
Carmem Araújo
Tiragem
200 exemplares
Impressão
CDD – 610.696
Este livro é dedicado:
Comissão Editorial
Álvaro Jorge Madeiro leite JoCileide SaleS CaMpoS
Pediatra. Mestre em Epidemiologia Clínica pela Es- Pediatra. Mestre em Saúde Pública pelo Istituto
cola Paulista de Medicina / UNIFESP. Doutor em Superiore di Sanità, Roma, Itália. Doutoranda em
Pediatria pela Escola Paulista de Medicina / UNI- Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da
FESP. Professor Adjunto da Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo. Professora da Faculdade
da UFC. de Medicina Christus. Presidente do Departamento
Científico de Cuidados Primários da Sociedade Bra-
anaMaria CavalCante e Silva sileira de Pediatria.
Pediatra. Mestre em Saúde Pública pela Universidade
Federal do Ceará. Doutora em Ciências pela Faculdade JoSé eduilton girão
de Medicina da Universidade de São Paulo. Professo- Médico. Especialista em Clínica Médica pela AMB /
ra Titular da Faculdade de Medicina de Juazeiro do CFM. Membro da Academia Cearense de Medicina.
Norte e Faculdade de Medicina Christus. Presidente Membro e Fallow da American College of Physicians.
da Sociedade Cearense de Pediatria. Membro do Comitê de Clinica Médica da Secretaria
de Saúde do Estado do Ceará. Membro da Câmara
antônio Carlile Holanda lavor Técnica de Clínica Médica do Conselho Regional de
Médico Sanitarista. Ex-professor da Universidade Medicina do Ceará.
de Brasília. Docente da Escola de Saúde Pública
liduina de alBuquerque r. e SouSa
do Ceará.
Ginecobstetra. Especialista em ultrasonografia gineco-
lógica. Preceptora de Residência Médica em Ginecobs-
gilSon de alMeida Holanda
tetrícia do Hospital Geral Dr. César Cals. Mestranda em
Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria pela PUC-
Saúde Pública pela Universidade Estadual do Ceará.
RS. Mestre em Saúde Pública pelo Istituto Supe-
riore di Sanità, Roma, Itália. Doutorando em Saúde taleS CoelHo SaMpaio
Pública da Faculdade de Saúde Pública da Univer- Médico de Família e Comunidade. Especialista em
sidade de São Paulo. Diretor da Escola de Saúde Pú- Medicina de Família e Comunidade. Pós-graduado em
blica do Ceará. Saúde da Família, Saúde do Idoso, Geriatria e Medici-
na de Família e Comunidade. Presidente da Associa-
Helena Maria BarBoSa CarvalHo ção Cearense de Medicina de Família e Comunidade.
Pediatra. Neonatologista. Mestre em Saúde da Crian-
ça e Adolescente pela Universidade Estadual do Ce- verôniCa Said de CaStro
ará. Doutoranda em Saúde Pública da Faculdade de Pediatra. Especialista em Perinatologia e Saúde Re-
Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Profes- produtiva. Mestre em Saúde Pública pela Universi-
sora da Faculdade de Medicina Christus. dade Estadual do Ceará.
Prefácio
Atenção Primária, Medicina promoção do suprimento de alimentos e nutrição
de Família e Comunidade adequada; abastecimento de água e saneamento
básico apropriados; atenção materno-infantil, in-
Paulo Marchiori Buss*
cluindo o planejamento familiar; imunização con-
tra as principais doenças infecciosas; prevenção e
controle de doenças endêmicas; tratamento apro-
Colaboradores
adriana valéria aSSunção raMoS ana auguSta Monteiro CavalCante
Especialista em Medicina de Família e Comunidade Nutricionista. Graduada em Ciências da Nutrição pela
pela SBMFC/AMB. Preceptora de Medicina de Fa- Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Espe-
mília e Comunidade e Coordenadora da Regional IV cialista em Ciência da Nutrição e da Alimentação pela
da Residência de Medicina de Família e Comunidade Universidade do Estado de Ghent na Bélgica. Pesqui-
do Sistema de Saúde Escola de Fortaleza. Preceptora sadora Visitante (Visiting Research Fellow) na Unida-
do Internato de Saúde Comunitária da Universidade de de Saúde Pública e Nutrição da London School of
Federal do Ceará. 1ª Secretária da Associação Cea- Hygiene and Tropical Medicine em Londres – Ingla-
rense de Medicina Família e Comunidade. terra. Mestre em Ciências da Nutrição pelo Departa-
mento de Nutrição e Saúde da Universidade Federal
ana CeCília Silveira linS SuCupira de Viçosa – Minas Gerais. Doutoranda do Programa
Pediatra. Médica Sanitarista. Doutora em Ciências de Pós-Graduação em Cirurgia da Faculdade de Me-
pela Faculdade de Medicina da Universidade de São dicina da Universidade Federal do Ceará.
Paulo. Professora do Departamento de Pediatria da
Faculdade de Medicina da USP. antônio Carlile Holanda lavor
Médico Sanitarista. Ex-professor da Universidade de
andréa de Souza gonçalveS pereira Brasília. Docente da Escola de Saúde Pública do Ceará.
Pediatra. Especialista em Saúde da Família. Precep-
tora e Coordenadora da Residência de Medicina de
Família e Comunidade da Secretaria Municipal de CíCera BorgeS MaCHado
Saúde de Fortaleza. Médica Sanitarista. Técnica do Núcleo de Epidemio-
logia da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará.
alBerto novaeS raMoS Junior
Médico. Professor Assistente, Departamento de Saúde ClóviS de Souza BarBoza neto
Comunitária Faculdade de Medicina Universidade Fe- Médico. Especialista em Medicina de Família e Co-
deral do Ceará. Membro do Colegiado de Coordenação munidade. Secretário Geral da Associação Cearense
do Internato em Saúde Comunitária e da Residência de Medicina de Família e Comunidade. Residência
em Medicina de Família e Comunidade pela Univer- em Cirurgia Geral pelo Hospital Getúlio Vargas em
sidade Federal do Ceará. Diretor de Pesquisa da Asso- Recife/PE.
ciação Cearense de Medicina Família e Comunidade.
diana CarMeM a. n. de oliveira
aline piol SÁ
Farmacêutica. Mestre em Saúde da Comunidade.
Médica. Especialista em Medicina de Família e Co-
Coordenadora da Política de Vigilância Sanitária da
munidade. Diretora Científica e de Publicação da As-
Secretaria Estadual de Saúde do Ceará. Graduada em
sociação Cearense de Medicina de Família e Comuni-
Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal
dade. Diretora de Exercício Profissional da Sociedade
do Ceará. Especialista em Gestão de Sistemas de Saú-
Brasileira de Medicina de Família e Comunidade.
de pela Escola de Saúde Pública do Ceará. Mestrado
alCideS Silva de Miranda Community Healthy na Tropical Medicine School at
Médico. Professor Adjunto, Departamento de Saúde Liverpool na Inglaterra.
Comunitária, Faculdade de Medicina, Universidade
Federal do Ceará. Membro do Colegiado de Coorde- dina Cortez liMa FeitoSa villar
nação do Internato em Saúde Comunitária e da Resi- Médica Pediatra. Supervisora de Vigilância Epide-
dência em Medicina de Família e Comunidade pela miológica do Núcleo de Epidemiologia da Secretaria
Universidade Federal do Ceará. da Saúde do Estado do Ceará.
HéSio Cordeiro MarCo túlio aguiar Mourão riBeiro
Doutor em Medicina Preventiva pela Universidade Médico. Especialista em Medicina de Família e Co-
de São Paulo. Coordenador do Mestrado Profissional munidade. Vice-Coordendor Geral e Preceptor de
em Saúde da Família da Universidade Estácio de Sá. Medicina de Família e Comunidade da Residência
de Medicina de Família e Comunidade do Sistema
iSaBel tHoMaz diaS Saúde Escola de Fortaleza. Preceptor do Internato de
Economista. Especialista em Economia da Saúde. Saúde Comunitária da Universidade Federal do Cea-
Mestre em Gestão de Negócios Turísticos. Mestran- rá. Vice Presidente da Associação Cearense de Medi-
da em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde cina Família e Comunidade.
Pública. Gerente do Núlceo Administrativo e Finan-
ceiro da Escola de Saúde Pública do Ceará. Maria gurgel de MagalHãeS
Médica Pediatra. Mestranda em Saúde da Criança e
ivana CriStina Barreto do Adolescente pela Universidade Estadual do Ceará.
Médica. Doutora em Pediatria pela Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo. Mestre Maria Helena liMa SouSa
em Saúde Pública pela Universidade Federal do Economista. Mestre em Saúde Pública. Supervisora de
Ceará. Professora Assistente da Faculdade de Me- Economia da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará.
dicina da UFC.
Maria zélia rouquayrol
JoSé roBerto pereira de Souza Mestre em Epidemiologia pela Tulane University Lou-
Médico. Especialista em Medicina de Família e isiana, EUA. Doutora Livre-docente pela Universida-
Comunidade. Especialista em Ginecologia e Obste- de Federal do Ceará. Professora Titular do Departa-
trícia. Mestre em Saúde Pública pela Universidade mento de Saúde Comunitária da Universidade Federal
Federal do Ceará. Preceptor da Residência de Medi- do Ceará. Professora Emérita da Universidade Federal
cina de Família e Comunidade do Hospital Univer- do Ceará. Epidemiologista da Célula de Vigilância
sitário Walter Cantídio - UFC. Membro da Câmera Epidemiológica da Secretaria de Saúde de Fortaleza.
Técnica de Medicina de Família e Comunidade do
Conselho Regional de Medicina do Ceará. Diretor MoiSéS goldBauM
Financeiro da Associação Cearense de Medicina Fa- Professor. Doutor do Departamento da Medicina
mília e Comunidade. Preventiva da Faculdade de Medicina da Universi-
dade de São Paulo. Ex-consultor Nacional da Organi-
Jurandi FrutuoSo Silva zação Pan-Americana da Saúde (OPAS). Ex-coorde-
Médico. Especialista em Gestão de Sistemas Locais de nador da coordenação dos Institutos de Pesquisa da
Saúde Pública pela Escola de Saúde Pública do Ceará. Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.
50. Atenção integral à saúde do adolescente 60. Serviço de Atenção Domiciliar – SAD
alMir de castro neves Filho luís carlos reBouças de França
Francisca leonete BorGes de alMeida cristiane rodriGues de sousa .......................545
helena Fernandes Guedes raFael
Maria antonildes daMasceno caxilé .........471 61. Saúde Bucal
leni lúcia leal noBre
caroline Ferreira Martins lessa ................551
Coordenadores
Álvaro Jorge Madeiro leite alMir de CaStro neveS FilHo
Pediatra. Mestre em Epidemiologia Clínica pela Es- Pediatra. Professor de Pediatria da Faculdade de Me-
cola Paulista de Medicina / UNIFESP. Doutor em dicina da Universidade Federal do Ceará. Médico do
Pediatria pela Escola Paulista de Medicina / UNI- Hospital Infantil Albert Sabin, da Secretaria de Saú-
FESP. Professor Adjunto da Faculdade de Medicina de do Estado do Ceará. Especialista em Medicina do
da UFC. Adolescente. Mestre em Saúde Pública. Doutorando
em Pediatria. Coordenador do Ambulatório de Ado-
lescentes do Hospital Universitário Walter Cantídio,
da Universidade Federal do Ceará.
Colaboradores
alMir de CaStro neveS FilHo antônio CarvalHo da paixão
Pediatra. Professor de Pediatria da Faculdade de Me- Doutor. Professor adjunto do Departamento de Me-
dicina da Universidade Federal do Ceará. Médico do dicina da Faculdade de Medicina da Universidade
Hospital Infantil Albert Sabin, da Secretaria de Saú- Federal de Sergipe, Aracajú-SE.
de do Estado do Ceará. Especialista em Medicina do
Adolescente. Mestre em Saúde Pública, Doutorando antônio FranCelino de CarvalHo
em Pediatria. Coordenador do Ambulatório de Ado- Médico Residente de Infectologia Pediátrica do Hos-
lescentes do Hospital Universitário Walter Cantídio, pital Universitário Walter Cantídio da Universidade
da Universidade Federal do Ceará. Federal do Ceará.
21
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
ramente, por causas econômicas, e terminante- E ainda Engels7 cita o que Morgan relata
mente proibida às mulheres. O vínculo conjugal sobre o progresso da evolução da família:
era frágil, podendo ser desfeito sem dificuldade
“Se reconhece o fato de que a família tenha
por qualquer uma das partes e a guarda dos fi- atravessado sucessivamente quatro formas e se
lhos era da mãe. O matrimônio não era indis- encontra atualmente na quinta forma, coloca-se
a questão de saber se esta forma pode ser du-
solúvel, mas pressupunha a fidelidade. Surgiu
radoura no futuro. A única coisa que se pode
nessa fase uma inovação: junto à mãe foi posto responder é que a família deve progredir na
o verdadeiro pai. Temos ainda nessa fase o des- medida em que progrida a sociedade, que deve
modificar-se na medida em que a sociedade se
moronamento do direito materno e a mulher modifique; como sucedeu até agora. A família
reduzida a instrumento de luxúria do homem e é produto do sistema social e refletirá o estado
reprodução. de cultura desse sistema. Tendo a família mo-
nogâmica melhorado a partir dos começos da
civilização e, de uma maneira muito notável,
nos tempos modernos, é lícito pelo menos su-
A família monogâmica por que seja capaz de continuar seu aperfeiçoa-
mento até que chegue à igualdade entre os dois
sexos. Se, num futuro remoto, a família mono-
A família monogâmica baseia-se na supre- gâmica não mais atender às exigências sociais,
é impossível predizer a natureza da família que
macia masculina. A finalidade da família é pro-
lhe sucederá”.
criar dentro de um padrão em que a paternidade
é indiscutível. Aqui o matrimônio é sólido e só
pode ser rompido pelo homem. Ao homem, con-
A família e sua evolução psico-social
cede-se o direito à infidelidade conjugal (Código
de Napoleão). A mulher infiel é castigada. A mu-
De acordo com Rodrigues21, abordando a
lher legítima deve ser casta e fiel. A monogamia
análise de Roudinesco22, destacam-se três formas
só para a mulher e a existência da escravidão são
de organização familiar em períodos diferentes.
características marcantes dessa fase, o que propi-
A primeira é tradicional, pautada na preocupa-
ciou a figura da mulher abandonada e conseqüen-
ção da transmissão do patrimônio o que vem ao
temente o inevitável surgimento do adultério.
encontro da nota de Engels7:
Para resolver o problema da paternidade o Código
de Napoleão dispôs em seu artigo 312: “L´enfant “Em toda a antigüidade, são os pais que combi-
nam os casamentos, em vez dos interessados; e
conçu pendant le mariage a pour père le mari. estes conformam-se, tranqüilamente. O pouco
(“O filho concebido durante o matrimônio tem amor conjugal que a antigüidade conhece não é
por pai o marido). Nesse período surge ainda um uma inclinação subjetiva, e sim, mais concreta-
mente, um dever objetivo; não é a base, e sim o
elemento novo: o amor sexual individual. complemento do matrimônio. O amor, no sen-
A monogamia foi a primeira forma de fa- tido moderno da palavra, somente se apresenta
mília acostado em condições não naturais, pri- na antigüidade fora da sociedade oficial”.
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Capítulo 4 • Família: do resgate histórico às competências e cuidados
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Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
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Capítulo 4 • Família: do resgate histórico às competências e cuidados
induz ao compartilhamento das vivências, ense- econômica, emocional e/ou relacional, que acon-
jando mudanças contextuais. tecem de maneira simultânea e sucessiva, em
Nesse processo há um aprofundamento do vários membros. São as famílias multiproble-
conhecimento sobre a realidade de cada família máticas, cujas vidas se singularizam por múlti-
e a compreensão e identificação das diferenças plos problemas severos, tais como a negligência,
culturais, experiências, saberes, fragilidades, a delinqüência, a depressão, o desemprego e a
força e liderança dos seus membros e das rela- habitação precária. A situação de risco familiar
ções familiares. Apossados desse conhecimento, é encontrada em todos os grupos sociais e eco-
é que podemos trabalhar no sentido de desen- nômicos, mas a sua situação é mais preocupante
volver mais efetivamente as potencialidades de quando associado à pobreza.
cada um dos componentes familiares.
A equipe do PSF tem que estar pronta
para interferir, entendendo a subjetividade do As variáveis de risco mais freqüentes
contexto familiar, as repercussões na saúde de
seus membros, reconhecendo a importância dos Pobreza, família numerosa, precária su-
fatores socioeconômicos e identificar ocorrên- pervisão sobre os filhos, separação dos pais, dis-
cias estruturais que possam intervir na conquis- tanciamento da figura paterna, relacionamentos
ta da sua autonomia. marcados por agressões físicas e psicológicas,
A habilidade técnica aliada à ação de pro- precário diálogo intra-familiar, história familiar
moção, prevenção, tratamento e reabilitação da de agravos à saúde (alcoolismo, seqüela física,
saúde, conjugada à postura ética, maleável e ca- câncer, aids, dependência de drogas), história
tivante, induzem a transformações de comporta- familiar de acidentes e violências (agressões, as-
mento individual, familiar e comunitário. sassinatos, mortes prematuras).
O domicílio representa o sítio ideal para Sousa24 recomenda ainda que os profis-
conhecer e compreender as necessidades das sionais devam reconhecer que eles não são os
pessoas. É o local onde elas são mais espontâne- detentores das soluções dos problemas das famí-
as, suas crenças e valores se manifestam natural- lias, mas deverão ser capazes de ajudá-las a mo-
mente e suas práticas são questionadas. bilizar as suas competências para solucionar os
A ética e a habilidade profissional instru- seus problemas.
mentalizam a escuta da família como estratégia
para reorganizar e reatualizar o núcleo familiar,
buscando envolvê-lo no processo de promoção Formas de abordagens da família
de saúde15.
“Do discurso para a prática, da norma para Ao trabalhar com a família, as oportunida-
a real efetivação das ações há um longo caminho, des como cadastro, consulta, nascimento, morte,
tendo como resultado a reprodução de práticas agravos crônicos ou agudos, visita domiciliar
assistencialistas, compartimentalizadas e medi- devem ser aproveitadas. Nessa ocasião, o profis-
calizantes pelas equipes de saúde da família”1. sional de saúde utiliza o momento para estreitar
o vínculo com o paciente e seus familiares.
A execução do trabalho norteia-se pela re-
Fatores de risco familiar alidade local buscando melhorar os indicadores
de saúde da população atendida e satisfação não
Na opinião de Sousa24, algumas famílias só da comunidade assistida, como também dos
estão expostas a problemas complexos de ordem profissionais envolvidos.
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Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
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Capítulo 4 • Família: do resgate histórico às competências e cuidados
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Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
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Capítulo 4 • Família: do resgate histórico às competências e cuidados
Conclusão Referências
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integral e sistêmica, propiciando o desenvolvi-
artigo1.pdf (acesso em 26 de set. 2006).
mento pessoal e comunitário, identificando as re-
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lações intrafamiliares e destas com a comunidade,
100 compromissos para uma política da família:
que, por ser um processo dinâmico, está sujeito a
iniciativa apresentada pelo Primeiro-Ministro.
criticidades. A abordagem da família deve ser pla- (acesso em 04 out. 2006). Disponível em:http://
nejada, acostada na participação multidisciplinar www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Governos/Gover-
e intersetorial e incitando a co-responsabilidade nos_Constitucionais/GC15/Ministerios/MSST/
do usuário no processo do cuidado. Os preceitos Comunicacao/Programas_e_Dossiers/200422_
legais e éticos vigentes devem ser observados. MSST_Doss_Familia.htm.
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vem privilegiar a continuidade e a estabilidade
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Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
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Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. 199 pp. ISBN:
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http://www.nates.ufjf.br/novo/revista/pdf/v6n2/
Pesquisa3.pdf.
30
Capítulo 2
Programa Saúde da Família: vissareiro na medida em que houve um compro-
história, princípios, desafios metimento de recursos federais para a expansão
da rede assistencial local e uma autonomia mu-
atuais e futuros
nicipal na orientação do programa, entretan-
luiz odorico Monteiro andrade
to é inegável que o PSF também impôs novas
roBerto cláudio rodriGues Bezerra
ivana cristina Barreto responsabilidades de gestão e demanda por pro-
fissionais qualificados e comprometidos com a
filosofia inovadora inaugurada por essa política.
Esse dilema de superar a etapa da expansão
Introdução quantitativa do acesso ao PSF e passar para uma
discussão mais formuladora da consolidação da
31
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
tenciais de menor complexidade que possam ser profissionais envolvidos na cadeia de assistên-
resolvidas com o aparato físico e humano dispo- cia integral e primária à saúde. Normalmente,
nível no nível comunitário. Entretanto, o papel a equipe de saúde da família é composta de um
fundamental de uma rede de atenção básica é a médico generalista, um enfermeiro, um auxiliar
coordenação de todo o espectro assistencial em de enfermagem e quatro a seis agentes comuni-
saúde, quando através da atenção básica se iden- tários de saúde que são primariamente respon-
tificam as necessidades de atendimentos mais sáveis pela cobertura de aproximadamente 800
especializados, coordenam-se as referências para famílias (3.450 indivíduos) residentes em terri-
os profissionais adequados e acompanham-se os tório urbano ou rural, com limites geográficos
resultados terapêuticos e evolução clínica dos definidos1,3. Tem existido um esforço governa-
pacientes acompanhados5. Em suma, a existên- mental recente para a inclusão de odontólogos
cia da uma rede de atenção básica permite não nessas equipes para a contemplação de todos os
somente a prevenção de um importante univer- espectros de atenção à saúde bucal.
so de patologias de relevância epidemiológica e Atenção básica à saúde: é aquele nível
a resolutividade direta de até 90% da demanda de um sistema de saúde que oferece a entrada
comunitária1, como também auxilia a condu- no sistema para todas as novas necessidades e
ção clínica e o manejo terapêutico de pacientes problemas, fornece atenção sobre a pessoa (não
com demanda de saúde especializada, os quais à enfermidade) no decorrer do tempo, fornece
são primariamente orientados por profissionais atenção sobre todas as situações de saúde, exce-
de saúde de um nível assistencial mais comple- to as incomuns, e coordena ou integra a aten-
xo. Logo, acredita-se que uma rede universal de ção fornecida em algum outro lugar ou por
atenção básica, como está sendo buscado pelo terceiros30,33. É o tipo de atenção à saúde que or-
modelo brasileiro de PSF, possibilita um melhor ganiza e racionaliza o uso de todos os recursos,
controle do desperdício de recursos de saúde, re- tanto básicos como especializados, direcionados
dução da duplicação da oferta de serviços, esta- para a promoção, manutenção e melhora da saú-
bilidade e confiança na relação entre o usuário e de. Em resumo, pode ser compreendida como
o sistema de saúde e maior eficácia no alcance de uma tendência, relativamente recente, de se in-
resultados de saúde30. verter a priorização das ações de saúde, de uma
Buscando uma conceitualização mais am- abordagem curativa, desintegrada e centrada no
pla dessa política, definimos o PSF como um papel hegemônico do médico para uma aborda-
modelo de atenção básica, operacionalizado atra- gem preventiva e promocional, integrada com
vés de ações primariamente preventivas e pro- outros níveis de atenção e construída de forma
mocionais das equipes de saúde da família, com- coletiva com outros profissionais de saúde. Bár-
prometidas com a integralidade da assistência à bara Starfield, numa adaptação de Vuori, ilustra
saúde, focado na unidade familiar e consistente de forma efetiva as dissimilaridades essenciais
com o contexto sócio-econômico, cultural e epi- entre a atenção básica à saúde e a atenção médica
demiológico da comunidade em que está inseri- convencional30,33.
do. Para a melhor compreensão da organização e
operacionalização desse modelo de atenção bási-
ca, entendemos como fundamental a revisão de
alguns desses conceitos que compõe a essência
da definição do Programa de Saúde da Família.
A equipe de saúde da família: é composta
essencialmente de um grupo interdisciplinar de
32
Capítulo 1 • Programa Saúde da Família: história, princípios, desafios atuais e futuros
33
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
de atenção básica caracterizaram esse contexto formá-los em ação efetiva. O PSF veio essencial-
determinante da implementação do PSF. Uma mente como uma oportunidade de se expandir
discussão mais detalhada do papel de cada um acesso à atenção básica para a população brasilei-
desses elementos institucionais é resumida pela ra, de consolidar o processo de municipalização
tabela 2 e descrita abaixo: da organização da atenção à saúde, de facilitar o
processo de regionalização pactuada entre mu-
Determinante Influência nicípios adjacentes e de se coordenar a integra-
- Necessidade de expandir lidade de assistência à saúde. Em resumo, a de-
aceso à saúde cisão de se implementar o PSF foi coerente com
- Necessidade de consoli-
dar a descentralização os princípios doutrinários do SUS de se alcançar
Evolução do SUS
- Busca da integridade de universalidade de acesso, integralidade de aten-
atenção à saúde
ção à saúde e descentralização do planejamento
- Incorporação efetiva do
controle social do SUS e da gestão política e administrativa de aspectos
- Tensão com o modelo relacionados à saúde dos munícipes1. Destaca-se
Experiências inovadoras
hegemônico de assistên- também o papel fundamental do PSF na organi-
de atenção à saúde
cia à saúde
• Em Defesa da Vida zação dos processos de participação popular e sua
- Amadurecimento de pro-
• Ação Programática em
Saúde
postas centradas numa respectiva influência na consolidação do papel
perspectiva coletiva de moderador e monitorador das comunidades14.
• Silos
atenção básica à saúde
- Necessidade de supera-
ção das desigualdades
regionais relacionadas Experiências Brasileiras Inovadoras de
Perfil epidemiológico
ao acesso à saúde, oferta
brasileiro
de serviços de saúde,
Atenção à Saúde
financiamento da saúde
e indicadores de saúde A gestação do PSF não pode ser grosseira-
- Popularidade de mo- mente simplificada como uma súbita replicação
delos internacionais de de modelos internacionais de saúde da família. A
atenção básica centrados
Contexto internacional na comunidade construção do PSF foi conseqüência de um pro-
- Pressão de financiamen- cesso lento e contínuo de tensão com o modelo
to das agências interna-
cionais de saúde
hegemônico de assistência à saúde (vide tabela
1). Nessa perspectiva exploratória de busca de
Tabela 2. Contexto Institucional que precedeu a implementação
do PSF
modelos assistenciais que superassem a incapa-
cidade do modelo hegemônico tecnicista de res-
ponder efetivamente às demandas individuais
A Evolução do Sistema Único de e coletivas, algumas experiências tiveram uma
Saúde (SUS) discussão teórica e aplicação prática que antece-
deram e inspiraram a discussão do modelo atual
A implementação do PSF no Brasil ocor- de saúde da família.
reu claramente como uma estratégia de consoli- A proposta Em Defesa da Vida surgiu em
dação dos princípios do sistema único de saúde Campinas, ao final da década de 80, por um gru-
(SUS). A breve existência do SUS e os conflitos po de profissionais envolvidos no processo no
filosóficos e pragmáticos advindos dos aspectos Movimento da Reforma Sanitária, que propu-
inovadores incorporados por esse sistema gera- nham um modelo tecnoassistencial baseado na
ram um ambiente propício para a implementa- gestão democrática, saúde como direito de cida-
ção de políticas de saúde que viessem melhor dania e serviço público de saúde voltado para a
estruturar esses princípios organizativos e trans- defesa da vida individual e coletiva16.
34
Capítulo 1 • Programa Saúde da Família: história, princípios, desafios atuais e futuros
Outro grupo paulista, coordenado por pro- O Brasil enfrentava um momento conhecido
fessores do Departamento de Medicina Preven- por transição epidemiológica, caracterizado pela
tiva da USP, propuseram um modelo conhecido crescente importância epidemiológica das doen-
por Ação Programática em Saúde que oferecia ças crônico-degenerativas, típicas do processo
uma perspectiva organizacional e administrati- demográfico de envelhecimento e urbanização
va inovadora em saúde. O foco essencialmente da nação brasileira, enquanto ainda tinha que
coletivo dado à definição conceitual de saúde e lidar com a realidade das doenças infecto-con-
o foco no aprimoramento da sistematização dos tagiosas, especialmente relevantes durante a in-
processos de planejamento, organização, gestão fância21. Associado a esse perfil epidemiológico
e avaliação, em busca de ganho de efetividade, desafiador, os indicadores nacionais de atenção
representaram a peculiaridade desse modelo28,19. básica, tanto os de acesso como os de resultado,
Entretanto foi um modelo conhecido demonstravam a falta de comprometimento po-
como Sistema Locais de Saúde (Silos) que teve lítico com as ações de promoção de saúde22. As
a oportunidade de ser efetivamente operaciona- próprias taxas nacionais de mortalidade infantil
lizado em maior escala com o advento do SUS, e de cobertura vacinal para poliomielite e sa-
de forma mais intensa nos estados do Ceará rampo, apresentadas na tabela 3, ilustram esse
e Bahia. A proposta do Silos foi centrada em quadro de descaso com a atenção básica, onde
formulações-chave como território e problema. faltava um compromisso essencial com as ações
No caso propunha-se que todo o processo de preventivas e assistenciais básicas relacionadas
planejamento e gestão de aspectos relaciona- à saúde da mulher e da criança22. Idealmente, o
do à saúde devesse ser construído localmente país deveria buscar patamares de mortalidade
e operacionalizado para estruturar a oferta de infantil bem mais baixos, pelo menos inferiores
serviços e atender a demanda epidemiologica- a 20 por 1000 nascidos vivos, compatíveis com o
mente identificada18,19. Em resumo, era uma seu nível de desenvolvimento sócio-econômico,
proposta de consolidação da descentralização enquanto as taxas de cobertura vacinal deveriam
preconizada pelo SUS. se aproximar de 100%.
Aliado a esses modelos tecnoassistenciais,
as experiências pontuais de equipes de saúde da Indicador Estimativa
família atuando de forma pouco sistematizada
Resultado
em alguns municípios brasileiros e a implanta-
Taxa de mortalidade in-
ção do Programa de Agentes Comunitários de fantil (mortes < 1 ano de
41.01
Saúde (PACS) desde 199120 serviram de substra- idade por 1.000 nascidos
vivos)
to complementar na discussão e formulação do
Acesso
modelo atual do PSF no Brasil, na medida em
Percentual de cobertura
que informações empíricas adquiridas através vacinal para sarampo
80.36%
da experimentação desses modelos foram absor- Percentual de cobertura
vidas no processo formulador do PSF. vacinal para poliomielite- 65.39%
(VOP)
35
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
36
Capítulo 1 • Programa Saúde da Família: história, princípios, desafios atuais e futuros
Esse processo veio associado a uma busca ecológica, em virtude da grande diversidade de ex-
incessante da compreensão da potencial eficiên- periências e peculiaridade de cada experimento de
cia dos modelos de atenção primária. Uma série implementação. Em resumo, para se compreender
de estudos avaliativos foi então desenvolvida para o modelo de atenção à saúde inaugurado pelo PSF
compreender a extensão do impacto dos inves- no Brasil deve-se inicialmente estar consciente de
timentos em saúde primária nos indicadores de que o PSF de uma comunidade específica é um PSF
acesso e resultado em saúde. Ao mesmo tempo, distinto dos demais, com suas próprias prioridades
as agências internacionais de saúde procuravam de ação, potencialidades e limitações. Em outras
um modelo único de atenção básica que pudesse palavras, o PSF encontrado nas mais diversas co-
ser replicado em países em desenvolvimento a um munidades brasileiras é simplesmente o resulta-
custo de investimento e manutenção comparáveis do do processo de adaptação local do modelo de
à disponibilidade de recursos desses países6. No atenção básica familiar proposto e primariamente
seio desse processo de compreensão e estruturação financiado pelo governo federal. Compreendemos
internacional dos modelos de atenção primária, os que essa diversidade de experiências do PSF nas
quais foram primariamente motivados e fomenta- cidades brasileiras é especialmente resultante da
dos por investimentos de agências internacionais variedade de tempo de implementação, compro-
de desenvolvimento social, se inicia no Brasil uma misso dos gestores, estabilidade de financiamento
discussão a respeito da necessidade de se estrutu- e do nível de apoderamento comunitário.
rar uma rede efetiva de atenção básica consistente Logo, resolvemos simplesmente descre-
com os princípios organizativos do SUS e poten- ver a proposta nacional de atenção à saúde do
cializadora das ações primárias, algumas vezes PSF, mesmo estando conscientes dos riscos de
ainda rudimentares, já existentes no país. Dentro generalização que essa caracterização possa tra-
dessa perspectiva, o PACS passa a ser financiado zer. A organização das ações de uma equipe de
amplamente no Brasil, o que serviu como grande saúde da família é basicamente construída sob
norte orientador da formulação do PSF20. esses onze pilares estruturantes1,29:
• Definição e descrição do território de
abrangência
O Modelo de Atenção • Adscrição da clientela
• Diagnóstico de saúde da comunidade
Como apresentado anteriormente, o PSF • Organização da demanda
encontrado no Brasil atualmente não representa • Trabalho em equipe multiprofissional
um projeto acabado de atenção básica, mas pelo • Enfoque da atenção à saúde da família e
contrário é uma política pública em processo evo- da comunidade
lutivo. Nos últimos anos houve uma expansão re- • Estímulo à participação e controle social
levante do acesso ao PSF, aumento da cobertura do • Organização de ações de promoção de
PSF nas zonas urbanas e em cidades com maior saúde
densidade populacional, uma consolidação da in- • Resgate da medicina popular
terdisciplinaridade das ações de saúde, maior in- • Organização de um espaço de co-gestão
tegração das ações do PSF com as ações de saúde coletiva na equipe
secundárias e terciárias e uma intensificação dos • Identificação dos serviços de referência
processos de participação comunitária1,4. Entretan- no nível secundário e terciário
to, qualquer simplificação da descrição das especi-
ficidades do modelo de atenção à saúde incorpo- Esses pilares estruturantes delimitam
rado pelo PSF seria um típico exemplo de falácia um modelo inovador de atenção à saúde, o qual
37
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
sencialmente numa perspectiva de saúde inclu- Tabela 5. Diferenças entre o modelo hegemônico de atenção à saú-
de e o PSF brasileiro.
siva e multidimensional. Um resumo didático e
esclarecedor da clara dicotomia entre o modelo
clássico e hegemônico anterior à implantação do
PSF e o modelo proposto pelo PSF brasileiro foi O Modelo de Gestão
apresentado por Andrade e outros1 (Tabela 5).
O PSF brasileiro inaugurou não somente
Modelo Hegemônico PSF
um modelo inovador de atenção à saúde, como
também contribuiu para a consolidação de uma
• Saúde como ausência de • Saúde como qualidade
doença de vida nova perspectiva de gestão de saúde no Brasil, a
• �ase em práticas freqüen-
Base em práticas freqüen- • Prestação de serviços de qual foi iniciada com a fundação formal do SUS.
temente clientelistas, em saúde como um direito O marco regulatório do nosso sistema de saúde
que a prestação de servi- de cidadania
ços de saúde era realizada é representado pela constituição federal brasilei-
como um favor e não ra de 1988, a qual determina a construção de um
como um direito cidadão
sistema único de saúde, caracterizado pelos prin-
• Atenção centrada no • Atenção centrada no
cípios norteadores de universalidade de acesso à
indivíduo coletivo
saúde, equidade de atenção à saúde, hierarquiza-
• Centrado em ações • Centrado na atenção in-
Centrado na atenção in-
curativas tegral à saúde, incluindo ção das atribuições governamentais entre as três
ações de promoção, pro- esferas do poder público, integralidade da atenção
teção, cura e recuperação
à saúde, estímulo à descentralização das ações de
• Hospital como serviço • Hierarquização da rede
de saúde dominante de atendimento, ou planejamento e gestão e controle social das ações
seja, garantindo níveis governamentais de saúde30. A perspectiva inova-
de atenção primária,
dora e a complexidade intrínseca ao conjunto des-
secundária e terciária
articulados entre si ses princípios impõem um grande desafio à opera-
• Serviços de saúde con-
Serviços de saúde con- • Serviços de saúde cionalização efetiva dos mesmos. Especialmente
centrados nos centros distribuídos em todo o em virtude da necessidade de comprometimento
urbanos dos municípios território dos municí-
pios, permitindo acesso de recursos financeiros públicos, de expansão da
de toda a população rede de infraestrutura física de atendimento à saú-
• Predomínio da inter-
Predomínio da inter- • Predomínio da inter-
Predomínio da inter- de, de realinhamento das filosofias de atenção à
venção do profissional venção de uma equipe saúde, de capacitação dos gestores nos três níveis
médico interdisciplinar
de governo e da própria educação e informação do
• Planejamento e progra-
Planejamento e progra- • Planejamento e pro-
Planejamento e pro-
mação desconsiderando gramação com base em usuário, o processo de absorção desses princípios
o perfil epidemiológico dados epidemiológicos e no âmbito do SUS vinha sendo alcançado de for-
da população priorizando as famílias
ou grupos com maior ris-
ma desestruturada e pouco sistematizada, muitas
co de adoecer e morrer vezes tensionada pelo status quo que questionava
• Não-consideração da • Estimulação da participa-
Estimulação da participa- continuadamente a relevância, efetividade e até a
realidade e autonomia ção comunitária, garantin- justiça social de um sistema de saúde com as ca-
local, não-valorização da do autonomia nas ações de
participação comunitária planejamento do nível dos racterísticas organizativas e ideológicas do SUS.
territórios das equipes de Aliado a isso, a falta de profissionalização nos
saúde de família
processos decisórios de seleção e implementação
38
Capítulo 1 • Programa Saúde da Família: história, princípios, desafios atuais e futuros
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Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
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Capítulo 1 • Programa Saúde da Família: história, princípios, desafios atuais e futuros
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Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
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Capítulo 1 • Programa Saúde da Família: história, princípios, desafios atuais e futuros
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Capítulo 3
Medicina de Família e Comunidade tegral e coordenada, da saúde das pessoas, indi-
no Brasil: uma aproximação do ferente da idade, sexo ou afecção, considerando
seu contexto familiar e comunitário1.
contexto histórico
Para tanto, o bom exercício dessa especia-
José roBerto Pereira de souza
lidade exige adequada utilização do Método Clí-
nico, do Método Epidemiológico e Social. Isto
porque esse especialista não acompanha apenas
a pessoa enferma, mas também a pessoa saudá-
vel, a que está em risco, a que apresenta seqüelas
A Especialidade
Os Primeiros Especialistas
Medicina de Família e Comunidade (MFC)
é uma especialidade médica com foco privilegia- Podemos afirmar que desde muito antes
do na Atenção Primária de Saúde (APS), que se da oficialização da “Medicina de Família e Co-
caracteriza por cuidar de forma longitudinal, in- munidade” (MFC) como especialidade médica,
45
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
46
Capítulo 2 • Medicina de Família e Comunidade no Brasil: uma aproximação do contexto histórico
a perspectiva global do antigo Médico Geral, a de pontuar “uma especialidade, que incorporas-
visão da história natural da enfermidade, a pers- se o conhecimento, as habilidades e os ideais que
pectiva dos problemas de saúde no seio familiar eles conheciam como tratamento primário”17.
e social e sua prevalência real, a integração da É assim que, seguindo uma postura con-
dimensão psíquica, física e social do paciente, a tra-hegemônica, em 1947, 147 médicos america-
promoção da saúde e a prevenção das enfermi- nos fundam a Academia Americana de Médicos
dades na atividade da clínica diária, etc16. de Família (AAFP), cuja missão era preservar e
O chamamento para a criação da Medicina promover a ciência e a arte da medicina da famí-
Familiar não significava uma oposição à medici- lia e assegurar o cuidado de saúde de alta qua-
na moderna, com suas múltiplas especialidades, lidade, custo-efetivo para pacientes de todas as
mas, pelo contrário, caracterizava-se como res- idades. Um movimento que se faz em diferentes
posta para garantir uma integração entre os di- regiões do mundo, de tal forma que em 1964, no
versos serviços de saúde, garantindo simultane- Canadá, se realiza a I Conferência Mundial de
amente uma atenção integral e contextualizada Colégios, Academias e Associações Acadêmicas
ao paciente. Vejamos as palavras de Francis Pea- de Médicos de Família7.
body, Professor de Medicina da Havard Medical A especialidade Medicina de Família co-
no período de 1921 a 1927, citado por Rakel17: meça a ganhar adeptos que acreditam em sua
“Nunca o público precisou tanto de con- importância para as futuras gerações e, contan-
selheiros inteligentes e bem treinados quanto do com o apoio de membros da Organização
hoje em dia para guiá-lo através do complicado Mundial de Saúde, se difunde em muitos países
labirinto da medicina moderna. O extraordi- desenvolvidos. De tal forma que em 1972, além
nário desenvolvimento da ciência médica, com da realização da Quinta Conferência Mundial de
sua conseqüente diversidade de especialidades Medicina Familiar, em Melbourne – Austrália,
clínicas e as limitações cada vez maiores na deli- tivemos a fundação da Organização Mundial de
mitação de cada uma dessas especialidades – na Colégios Nacionais, Academias e Associações
realidade, os muitos fatores que estão criando Acadêmicas de Médicos de Família (WONCA)
especialistas, por si só criam uma nova deman- e a realização de sua I Conferência Mundial7.
da, não de especialistas com horizontes estreitos, O momento mais significativo dessas
mas de médicos com muitos horizontes”. primeiras iniciativas no Brasil, provavelmente,
É o que se vê no Brasil, quando em 1967 acontece em 1973 na Faculdade de Medicina de
estrutura-se um modelo hospitalocêntrico, cen- Petrópolis-RJ, com a realização, por iniciativa da
trado na assistência médica especializada e co- Organização Mundial de Saúde (OMS) e da As-
mercializada9. “Na realidade, promoveu-se uma sociação Brasileira de Ensino Médico (ABEM),
completa separação entre o campo da assistência de um seminário intitulado “A Formação do
médica e o da saúde pública, com maciços inves- Médico de Família”2.
timentos no primeiro e o sucateamento do se- Surge, em 1976, os primeiros Programas
gundo. Neste novo contexto, foi implementado de Residência em Medicina Geral Comunitária
um projeto privatizante e medicalizante”11. do Brasil5:
Certamente o percurso transcorrido para o • Centro de Saúde Escola Murialdo (Por-
surgimento da Medicina de Família e Comunida- to Alegre - RS);
de como especialidade médica, não poderia ter essa • Projeto Vitória (Vitória de Santo Antão
mesma trajetória. Assim, nas décadas de 40 a 60, - Pernambuco);
principalmente nos EUA, na Europa e no Canadá, • Serviço de Medicina Integral da UERJ
alguns clínicos gerais reconhecem a necessidade (Rio de Janeiro - RJ).
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Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
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Capítulo 2 • Medicina de Família e Comunidade no Brasil: uma aproximação do contexto histórico
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Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
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Capítulo 2 • Medicina de Família e Comunidade no Brasil: uma aproximação do contexto histórico
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Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
52
Capítulo 4
Competências do médico paciente, e a quem o paciente pode se dirigir no
de família dia a dia, para as suas consultas de saúde.
Na tentativa de sistematizar as caracte-
aline Piol sá
rísticas da figura do Médico de Família, inicial-
clóvis de souza BarBoza neto
mente deve ficar claro que este profissional deve
reunir um conhecimento amplo e profundo da
Medicina Interna e do manuseio das principais
patologias da Clínica Médica. É necessário sa-
ber bastante de tudo para agir com competência.
Introdução Ao mesmo tempo deve ser um profissional com
permanente atualização nos modernos métodos
53
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
uma especialidade clínica bastante abrangen- A Sra. Maria de Fátima estava preocupada
te, que requer habilidades, conhecimentos e porque o Sr. Antônio Carlos estava muito assustado,
atitudes singulares em sua prática. Fornece pois o médico do hospital disse que seria difícil ele
tratamento abrangente e contínuo, de forma recuperar a fala e a força da perna e que se ele não se
personalizada, aos pacientes de todas as idades cuidasse, poderia ter um outro “derrame” com conse-
e às suas famílias, independente da existência qüências ainda mais graves.
de doença ou da natureza da queixa inicial. O que a Dra. Carolina deverá fazer diante
São responsáveis por todas as necessidades de dessa situação?
saúde de um indivíduo, ao mesmo tempo em Inicialmente, a médica necessita realizar
que mantêm uma relação de confiança e intimi- uma abordagem ampla e objetiva do caso em
dade com ele e sua família. Deve atender com conjunto com toda a sua equipe, avaliando as
qualidade e resolutividade cerca de 80% dos falhas na condução deste (sejam profissionais e/
problemas de saúde do paciente, no âmbito da ou do indivíduo e de sua família em questão);
atenção primária, e selecionar adequadamente objetivando metas para sua condução da melhor
especialistas aptos a solucionar o restante dos forma possível, inserindo a família e a comuni-
problemas, agindo como coordenador de todos dade em que vive, levando em consideração os
os profissionais de saúde envolvidos, manten- seguintes tópicos:
do responsabilidade contínua pelo tratamento • Avaliação do indivíduo como um todo: há-
do paciente. bitos de vida (tabagismo, uso de álcool, dieta
No Brasil, a Medicina de Família e Co- adequada, atividade física regular), acompa-
munidade foi reconhecida como especialidade nhamento com exames laboratoriais de roti-
médica pelo Conselho Federal de Medicina em na, IMC, uso regular dos medicamentos pres-
2003 e em 2004 foi realizada a primeira prova critos, relação com familiares e pessoas de sua
para obtenção de Título de Especialista. comunidade.
• Quais os reais motivos que o fizeram não ade-
rir aos medicamentos regularmente?
Caso Clínico • Qual o tipo de relação que o mesmo possui
com sua família, no seu trabalho e com as pes-
Dra. Carolina é médica de família da co- soas de sua comunidade?
munidade de Nova Vida há 04 anos. Ao chegar em • Como criar as melhores estratégias de aderên-
sua unidade de saúde, na última segunda-feira, foi cia do indivíduo ao tratamento preventivo de
abordada por uma de suas agentes comunitárias de novas complicações e de manutenção de um
saúde, Sra. Maria de Fátima, que a aguardava para quadro clínico estável?
comunicar que o Sr. Antônio Carlos, um paciente de • Comandar sua equipe na conduta de referên-
58 anos, hipertenso, diabético e tabagista, bastante cias específicas (cardiologista, neurologista,
resistente ao tratamento medicamentoso e comporta- fisioterapeuta, fonoaudiólogo, psicólogo, en-
mental, estivera internado no final de semana devido tre outros) para seu quadro clínico, no que
a um Acidente Vascular Cerebral. concerne a seu restabelecimento dos níveis
Informou que o mesmo sofrera um desmaio pressóricos e de sua reabilitação motora e da
na sexta-feira à noite, dando entrada na emergência fala, mantendo um acompanhamento bas-
do hospital municipal com a pressão muito elevada tante próximo através de toda sua equipe de
(230x120mmHg) e que recebera alta no domingo à saúde da família; utilizando todos os dados
noite com “fraqueza” na perna direita e com dificul- de seu prontuário familiar e individual e
dade para falar. procurar saber com detalhes toda sua evolu-
54
Capítulo 3 • Competências do médico de família
ção desde a entrada no hospital até sua alta, te. Trata-se de reunir a ciência com a arte médi-
avaliando e discutindo seu caso com todos os ca, oferecer ao paciente o melhor conforto técni-
profissionais envolvidos no seu período de co e humano possível.
internação. Diversos autores descreveram de formas
• Inserí-lo de volta ao seio familiar, de sua co- diferentes, porém complementares, as compe-
munidade e de seu trabalho da forma mais tências do Médico de Família. Listaremos uma
adequada possível. compilação dessas descrições, tentando abran-
• Organizar os grupos de diabetes e de ajuda. ger todos os aspectos envolvidos.
Impõe-se a necessidade de que o médico con- • Deve o médico possuir um conhecimento
sulte e estude o paciente como um todo, em uni- amplo e profundo da Medicina Interna - da
dade, numa abordagem geral e completa. Clínica Médica, se preferirmos o termo - e do
manuseio das principais patologias, daquelas
O paciente deve ser trabalhado e tratado que têm maior prevalência. O Médico de Fa-
até chegar, quando necessário, ao especialista, a mília não é aquele que sabe um pouco de al-
quem devem ser encaminhados somente os ca- gumas coisas, mas é necessário saber bastante
sos necessários. Isto é administração racional de tudo; do contrário resulta a incompetência
dos recursos, aproveitar o tempo do especialista para a função desejada. Não é alguém que se
para o que é da sua estrita competência. As ques- limita a receitar sintomáticos, nem um palia-
tões ordinárias – ou extraordinárias – de saúde tivo para uma situação que demanda compe-
devem ser consultadas ao Médico de Família. É tência científica.
dele a responsabilidade pelo paciente. É o seu • Deve também procurar uma permanente atu-
médico, aquele que “coordena o caso”, traça os alização nos modernos métodos diagnósticos
programas a seguir e convoca os especialistas e nos avanços terapêuticos para conduzir os
quando necessários. É quem traduz em lingua- casos corretamente, oferecendo ao paciente o
gem compreensível para o paciente, o que com melhor possível. Não ser especialista não sig-
ele está se passando e as perspectivas diagnós- nifica desconhecer os progressos da técnica,
ticas e terapêuticas. O paciente sente-se seguro viver alheio a eles, e tratar os pacientes com
sabendo que alguém cuida dele, que é responsá- terapêutica superadas ou anacrônicas. O per-
vel pelo seu estado e que procurará os melhores fil moderno – fruto dessa constante atualiza-
recursos para atendê-lo. ção e estudo – significa tratar o paciente com
“Tão importante como conhecer a doença os melhores recursos técnicos do momento.
é conhecer a pessoa que tem a doença”. Ou tam- • O esforço por adquirir uma sólida formação
bém: “Não existem doenças, mas doentes”. Sem humanística e cultural que permite conser-
esquecer de William Osler, um grande médico, var a visão do homem no seu conjunto, in-
que afirmava: “Mais importante do que o mé- tegrado no meio social e familiar é elemento
dico faz, é o que o paciente pensa que o médico imprescindível. É preciso levar em conta as
está fazendo”. peculiaridades do paciente, idade, cultura,
dependência. E, sempre, uma perspectiva re-
alista da situação: fazer o que é possível de
Características do Médico de Família fato, sem perder-se em sonhos de possibili-
dades que estão fora do alcance do momento.
Uma função de origem antiga com perfis Uma relação médico-paciente proveitosa de-
modernos. Um papel que requer características pende em grande parte desta preparação do
peculiares, para desempenhá-lo satisfatoriamen- médico que deve ser, além de cientista, um
55
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
56
Capítulo 3 • Competências do médico de família
57
Capítulo 5
Atenção ao paciente no Rute, agente comunitária de saúde, visitou
contexto familiar Fabiana diversas vezes e orientou que ela procurasse
o Centro de Saúde para iniciar o pré-natal. Fabiana
tatiana Monteiro Fiuza
recusou-se, alegando que não vê problemas em não
Marco túlio aGuiar Mourão riBeiro
adriana valéria assunção raMos realizar o pré-natal, pois não o fez em sua primeira
KilMa Wanderley loPes GoMes gestação e João “nasceu normal”.
Ao chegar ao centro de saúde, João foi atendi-
“Não é mais possível exercer uma clínica exclusivamente do como “urgência”, pois estava com febre elevada.
médica, de enfermagem, fisioterápica ou psicológica, quando se O médico diagnosticou amidalite e prescreveu amo-
está em contato com as necessidades de saúde de uma população
ou comunidade. A clínica precisa ser muito mais do que um xicilina de 8/8 horas e dipirona.
profissional fazendo diagnósticos de doenças, prescrevendo
ou administrando medicamentos, orientando normas de vida,
Fabiana deixou o Centro de Saúde com a
exercícios físicos, interpretando comportamentos, solicitando medicação para o tratamento de João, mas an-
ou colhendo exames. Em outras palavras, faz-se necessário
repensar-se a clínica quando se está em contato tão próximo gustiada por ser “sozinha para criar o filho em um
das adversidades da vida e das pessoas, de suas famílias e suas bairro tão violento”. No entanto, não foi “diagnos-
comunidades. Torna-se necessário compreender o todo dos
sujeitos, a singularidade de suas vidas e de suas famílias e sua ticada” mais uma gestante sem acompanhamento
realidade social e comunitária.” Fernando césar chacra pré-natal, mais uma família vulnerável e mais uma
pessoa necessitando de apoio. Fabiana resolveu ad-
ministrar a medicação só à noite, pois, para traba-
59
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
se inicia ao nascer estende-se ao longo de toda a níveis de vida.” (VIII Conferência Nacional de
vida, a partir dos diferentes lugares que se ocupa Saúde, 1986)
na família. Funciona como espaço privilegiado Entender saúde dentro de um conceito
para a construção de relações entre os indivídu- ampliado, como resultado de interações com-
os e de elaboração das experiências vividas. plexas de determinantes biológicos, físicos, psi-
Cada família constrói uma história que é cológicos, socioeconômicos, culturais, enfatiza a
enriquecida dia a dia com as vivências e leituras unicidade dos vários níveis de organização do
da realidade de cada integrante. A família, como homem: como indivíduo, como parte de uma
o mundo social, não é uma soma de indivíduos, família e como ator social que participa ativa-
mas sim um universo de relações. mente de uma comunidade. Essa visão sistêmica
O termo família foi definido de diversas caracteriza o processo saúde-doença como uma
maneiras, de acordo com a estrutura de referên- ordem dinâmica de partes e processos que per-
cia familiar do indivíduo, o julgamento de valo- manecem em permanente interação recíproca.
res ou a disciplina que o define. Quase todas as Uma visão holística do processo saúde-doença,
sociedades conferem uma posição elevada para o abordando os problemas, incluindo todas as
estado marital e para a família patriarcal, porém, suas conexões importantes, torna-se necessário
na sociedade moderna, é necessária uma defini- que o médico e a equipe de saúde encarem a fa-
ção mais ampla de família. Famílias estendidas, mília do paciente como contexto problema ou
monoparentais, domicílios intergeracionais, recurso terapêutico.
instituições, casamento homossexual, entre ou- Segundo Bastos (1996), análises de práticas
tras conformações familiares, integram a socie- de cuidado à saúde no contexto do PSF apontam
dade contemporânea. na direção de um papel ativo das famílias (das
Para Patterson (1995), família é um grupo mães, particularmente) na administração de cui-
de pessoas vivendo juntas ou em íntimo conta- dados à saúde, mediante a adoção de estratégias
to, que cuidam uns dos outros e proporcionam alternativas que tentam dispensar o recurso ao
orientação para seus membros independentes. sistema oficial de assistência, na medida em que
De uma forma mais importante para um deter- este reiteradamente se revela inacessível, frus-
minado paciente, família é aquilo que ele consi- trante, hostil e ineficaz.
dera como tal. A doença ocorre e frequentemente é re-
solvida no contexto da família. A família ajuda
a definir o comportamento da doença e muitas
A família e o processo saúde-doença – Um vezes, influencia a decisão de procurar cuidados
conceito ampliado de saúde médicos e na adesão ao tratamento. As famílias
podem influenciar a aceitação do quadro e facili-
“Saúde é o estado de completo bem estar tar o tratamento e os esforços de reabilitação.
físico, mental e social, e não apenas ausência de A família compõe uma rede de conexão na
doença.” (OMS). qual, também o processo de produção da saúde
“Saúde como a resultante das condições se realiza. Os diferentes estilos de vida, as rela-
de alimentação, habitação, educação, renda, ções e modos de compartilhar de uma família
meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, podem ser fatores que contribuem na promoção
lazer, liberdade, acesso e posse de terras, acesso da saúde.
a serviços de saúde. É assim o resultado das É imprescindível não simplificar um obje-
formas de organização social da produção, as to tão complexo como a família no momento de
quais podem gerar grandes desigualdades nos definir e avaliar práticas de saúde. É necessário
60
Capítulo 5 • Atenção ao paciente no contexto familiar
perguntar de que família falamos, enfatizando o suem problemas complexos que inúmeras vezes
desenvolvimento de análises sobre práticas cultu- se expressam por sintomas vagos ou indefinidos,
rais e representações sobre saúde-doença no âm- que não conseguem ser explicados pela ciência
bito da família, e de seu próprio modo de vida. médica, porque sua (s) origem está nas dificulda-
des que existem em seu ambiente (ecossistema),
onde a família possui papel central. Esta adquire
A Estratégia de Saúde da Família (ESF) e a importância fundamental, visto que pode cons-
atenção ao paciente no contexto familiar tituir-se em fonte geradora de problemas e an-
tagonicamente de recursos terapêuticos. O mau
A Estratégia de Saúde da Família é um êxito terapêutico, muitas vezes, é conseqüência
modelo de organização dos serviços de Atenção da não-avaliação da situação problema dentro
Primária à Saúde peculiar do Sistema Único do contexto vivencial familiar.
de Saúde brasileiro (SUS); baseado em equipes Nem sempre os profissionais de saúde es-
multiprofissionais que priorizam ações de pro- tão preparados para lidar com a dimensão subje-
moção da saúde, sem com isto desprezar a clíni- tiva, ou seja, com os sentimentos, sentidos, afe-
ca, visto que a integralidade das ações é um dos tos, medos e emoções. Cada pessoa ou grupo lida
princípios doutrinários do SUS. de maneira diferente com as informações que
O médico de família e comunidade (MFC) recebe no dia a dia, o que interfere nas ações e
é o profissional com formação específica para no modo de compreender o mundo.
atuar na ESF. A Medicina de Família e Comuni- Outro problema é o modelo de atenção
dade (MFC) é uma especialidade médica carac- centrado na relação queixa-conduta, ou seja, a
terizada pela atenção integral à saúde e por levar queixa é o que determina o procedimento e não
em consideração a inserção do paciente na fa- um olhar integral do sujeito. Por exemplo, se o
mília e na comunidade, e que o processo saúde- indivíduo é hipertenso, se é deprimido ou não,
doença é fortemente influenciado pelo contexto se está desempregado ou não, se possui apoio
social e familiar. familiar e social ou não, tudo isto interfere no
O Trabalho em saúde da família deve con- prognóstico da doença e não pode ser deixado de
siderar a família como lócus básico de atenção. lado no atendimento à saúde. Uma pessoa pode
A compreensão da rede social na qual está inse- ser influenciada de várias maneiras, pelas ten-
rida a família permite ao médico de família vis- sões do dia a dia, pelos problemas sociais, eco-
lumbrar os apoios e as crenças da família. Faci- nômicos e familiares. O atendimento deve levar
lita a identificação das pessoas-chave para apoio em conta tudo isso e não somente a queixa do
e em que universo cultural estará interagindo o momento, porque essa queixa pode ser apenas a
paciente e sua família. “ponta do iceberg”.
A visita domiciliar é uma das ações prio-
ritárias da ESF. A incorporação do atendimen-
to domiciliar aponta para uma reestruturação Trabalhando com famílias
e reorganização das práticas de saúde para
além dos muros dos serviços de saúde, deslo- Caso clínico
cando seu olhar para o espaço-domicílio das
famílias e comunidades nas quais as práticas A Senhora SBFF, 64 anos, viúva, aposenta-
estão enraizadas. da, reside sozinha no domicílio, em Patos de Minas
Na prática diária do MFC, muitas são as (MG). SBFF é mãe de quatro filhos, todos homens e
situações que além da doença, os pacientes pos- avó de quatro netos sendo uma menina e 3 meninos.
61
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
A Sra. SBFF vem à unidade de saúde pela sexta pelho da família, apesar de muito ciumento fazendo
vez no último trimestre a procura de consulta médi- com que a Sra. SBFF vivesse mais dentro de casa.
ca. A mesma apresenta-se indiferente, apática, “cara Freqüentava apenas a igreja católica e reuniões fe-
fechada”, “poliqueixosa” e tendo como queixas prin- mininas exclusivas. Há cinco anos descobriu que es-
cipais: “Dores nas pernas e nas costas, dor de cabeça, tava sendo traída pelo Sr. OF, o que culminou com
dor na veia do pescoço à esquerda, dor nos ossos e a separação do casal e com a saída de OF da casa.
braços, enjôo, tonturas, esquecimento, dor nos ouvi- Antes e após a separação ocorreram muitas discus-
dos pulsando e insônia”. Sra. SBFF relata que tudo sões, brigas, agressões físicas e até mesmo ameaças de
em sua vida começou errado, pois o pai faleceu no morte contra Sra. SBFF por OF.
dia do seu nascimento devido a acidente de trabalho. O filho mais velho JC tem bom relacionamen-
Aos nove anos começou a trabalhar como babá em to com a Sra. SBFF sendo casado com D 37 anos
casa de família onde: dormia, comia e trabalhava de tendo dois filhos: T 15 anos e I 14 anos e moram em
segunda a domingo tendo apenas a tarde e a noite do Unaí (MG). O segundo filho EF trabalhava como
domingo para ficar em casa, referindo não ter tido gerente auxiliar em revendedora de veículos, casa-
infância. Aos doze anos passou a trabalhar em ou- do com V 33 anos tendo dois filhos: H 14 anos e V
tra residência novamente como babá, pois o emprego 10 anos. EF, após a separação dos pais, apresentou
anterior explorava a mesma, onde tinha que levantar quadro depressivo, levando à perda do emprego e es-
de madrugada para lavar jardins. Neste novo empre- tando em tratamento psiquiátrico até o momento. EF
go fazia de tudo e estava sempre disponível, pois em tem um bom relacionamento com a Sra. SBFF. O
casa a situação financeira era precária. Estudou ape- terceiro filho WF casado com J 32 anos, advogado,
nas o primeiro ano primário. Apesar do pouco estudo recém formado e desempregado, apresenta dificulda-
apresenta boa comunicação. de de relacionamento com a Sra. SBFF. WF não
A Sra. SBFF devido a preconceito da época, concorda, na maioria das vezes, com a opinião da
pois segundo sua mãe - “Filha de viúva casa cedo mesma, desequilibrando a estrutura familiar e culpa
para não ficar falada”- casou-se aos 16 anos com o o irmão EF pela morte do pai, pois o mesmo permitiu
Sr. OF que veio a falecer há um ano, aos 65 anos, de que o Sr. OF fosse levado para hospital público e não
infarto do miocárdio. particular. O quarto filho UF 24 anos é ex-jogador
O Sr. OF e a Sra. SBFF tiveram quatro fi- de futebol e reside atualmente na Inglaterra. Atual-
lhos: JC 45 anos, EF 43 anos, WF 33 anos e UF 24 mente, após acidente de trabalho onde fraturou a per-
anos. Após o casamento sua vida teve uma pequena na encontra-se impossibilitado de trabalhar e sob os
melhora, pois, OF ajudava em casa e a Sra. SBFF cuidados da namorada G de 32 anos. A Sra. SBFF
não precisava trabalhar fora, ficando por conta do não aprova o relacionamento devido à diferença de
serviço da casa. Quanto aos filhos, puderam estudar idade e acha que o filho ficará com ela apenas por
e com 14 anos o mais velho já trabalhava ajudando gratidão chegando a dizer: “Onde já se viu meu filho
no sustento da casa. tão bonito ficando com uma mulher mais velha”.
OF trabalhava como marceneiro onde foi ví- A Sra. SBFF recebe visitas dos filhos, netos
tima de dois acidentes de trabalho. O primeiro levou e vizinhos, porém gosta de ficar sozinha assistindo
à seqüela com perda praticamente de toda mão direi- novelas e jornais. Não gosta de ouvir rádio prefere
ta. Nesta época a situação ficou precária recebendo conversar com vizinhas no portão.
ajuda dos filhos maiores e dos religiosos capuchinhos No momento, faz uso de Sertralina 50mg e
para o sustento da casa. O Sr. OF se aposentou após Rivotril 5 gotas, referindo melhora com o uso da me-
o acidente. A família “vivia com muita humildade, dicação. A Sra. SBFF não sente angustia pela morte
mas conseguia dar educação a todos os filhos”, exis- de OF e o seu sustento provém da aposentadoria do
tindo um bom relacionamento entre eles. OF era o es- ex-marido e ajuda financeira do filho UF. Hoje, o
62
Capítulo 5 • Atenção ao paciente no contexto familiar
que mais angustia a Sra. SBFF, é a desunião de WF lhora da comunicação e compreensão da origem
e EF e o fato de não poder estar ao lado do filho UF dos problemas pela Sra. SBFF e sua família.
que se encontra no exterior. Para aumentar a efetividade na constru-
É comum, na prática do médico da aten- ção do processo terapêutico, faz-se necessário
ção primária, pacientes com múltiplas queixas que os profissionais da atenção primária à saúde
somáticas, nas quais faltam – ou parece faltar- desenvolvam competências para trabalhar com
uma base orgânica e os fatores psicossociais e famílias. Para isto é necessário que conheçam
familiares são mais relevantes que as condições métodos e técnicas de acolher o paciente e sua
médicas. É comum ao atendimento de pacientes família, de associação a estes; de avaliação da es-
como a Sra. SBFF, que apesar de esforços por trutura, dinâmica e ciclo vital familiar; de edu-
parte do médico e do paciente, o atendimento cação em saúde; para facilitação da comunicação
não alcance os resultados esperados gerando entre seus integrantes e, se necessário, referen-
frustração para ambos e, não raramente, pode ciar o paciente e sua família a níveis de maior
acabar vítima de iatrogenias, por exames com- complexidade.
plementares e/ou prescrição de medicamentos, Doherty e Baird, citado por Duncan Ven-
indicados com pouco ou nenhum critério. tura descreveram cinco possíveis graus de en-
A Sra. SBFF apresentava um padrão de volvimento do médico com as famílias durante
queixas somáticas múltiplas, recorrentes e cli- sua intervenção:
nicamente significativas geradas por múltiplas • Grau 1 - ênfase mínima nos assuntos
causas como: disfunções na conectividade (os familiares. Existem apenas o contato
filhos WF e EF são hostis e não conversam en- necessário por questões práticas ou de
tre si; SBFF não aprova o relacionamento do fi- natureza médico-legal.
lho mais novo); no controle reativo que o filho
WF exerce sobre ela; na dificuldade de SBFF • Grau 2 - colaboração com a família
expressar suas angústias e compartilhar os pro- para trocar informações ou aconselhar.
blemas com os demais membros da família; dos Não requer um conhecimento especial
relacionamentos conflituosos e culpas não su- sobre o desenvolvimento da família ou
blimados. Trata-se de uma família nuclear, em sobre fatores estressores. O profissional
envelhecimento, na qual a comunicação, a solu- deve estar disposto a obter a colabora-
ção de problemas e as atividades rotineiras, com ção da família, informá-la das opções
bastante freqüência, são inibidas ou atrapalha- de tratamento, ouvir suas angústias e
das por conflitos não resolvidos; há dificuldades preocupações.
de se adaptar a situações de estresse e a transi-
ções, como o adultério de OF, a mudança de UF • Grau 3 - abordagem de apoio entendendo
para outro país e a morte de OF. A tomada de os sentimentos da família. O profissional
decisões é só intermitentemente competente e necessita de conhecimentos sobre desen-
efetiva; nessas situações, observa-se a rigidez e volvimento familiar e sobre como as fa-
falta significativa de estrutura. mílias reagem a situações de estresse.
A avaliação da estrutura e dinâmica fami-
liar, utilizando instrumentos de acesso às famí- • Grau 4 – abordagem sistêmica da fa-
lias, ofereceu inúmeras informações fundamen- mília com avaliação sistemática e pla-
tais para o médico de família elaborar um plano nejamento de intervenção. Implica co-
terapêutico mais efetivo, além de melhorar a re- nhecimentos sobre sistemas familiares,
lação médico-paciente. Este foi baseado na me- preparo para convocar e coordenar uma
63
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
64
Capítulo 5 • Atenção ao paciente no contexto familiar
profiláticas quanto às disfunções excessivas ge- uma ação em saúde mais integral e mais adequada
radas pelas crises evolutivas. à vida da população, famílias e indivíduos.
Ferramentas como o FIRO (Fundamental
Interpersonal Relations Orientations), o PRAC- • Facilitação da comunicação: Outro passo
TICE, (Presenting Problem [Referente ao prob- importante para a atenção à pessoa no con-
lema apresentado], Roles and Structure [Referente texto familiar é a facilitação da comunicação
aos papéis de cada membro dentro da estrutura fa- entre seus membros, tarefa que necessita uma
miliar], Affect [Afeto, como a família se comporta adequada compreensão da estrutura e dinâ-
diante do problema apresentado], Communica- mica familiar, e da maneira de se comunicar
tion [Informa qual o tipo de comunicação dentro que o agrupamento apresenta.
da estrutura familiar], Time in Life Cycle [Men-
ciona em qual fase do ciclo de vida a família se • Elaboração de um plano terapêutico: A
encontra], Illness in Family [História de doença construção de um plano terapêutico utilizan-
na família, passado e presente], Coping with do a família amplia recursos terapêuticos e
Stress [Como os membros da família enfrentam diagnósticos. Uma estratégia que pode ser uti-
o estresse da vida], Ecology [Quais os recursos lizada é a pactuação de tarefas e/ou metas en-
que a família possui para enfrentar o problema tre paciente, médico e integrantes da família.
em questão]), o genograma são exemplos de ins-
trumentos para avaliação da estrutura e dinâmi-
ca familiar, não sendo objetivo deste capítulo Conclusão
aprofundar na interpretação dessas ferramentas.
O médico de família está em posição única
• Educação em saúde: Todas as pessoas, pelo que de desenvolver uma relação de longo prazo com
fazem ou deixam de fazer, interferem no sentir/ as famílias, podendo observar o funcionamento
pensar/agir de outras pessoas. Por isso todas as daquelas famílias durante este tempo. A partir
pessoas são educadoras. É nesse sentido que se dessa relação e conhecimentos, o médico de famí-
diz que toda relação é, necessariamente, uma lia e a equipe de saúde podem exercer a atenção ao
relação pedagógica. Para o setor saúde, o papel paciente no contexto familiar. Ao identificar difi-
dos pais, principalmente da mãe, é fundamental culdades familiares durante uma consulta, visita
na formação do saber sanitário (Sales, 1999). domiciliar, acolhimento ou qualquer ação em saú-
de, é papel do médico abordá-las com a família.
A educação em saúde, baseada no campo te- Segundo Wagner, Oliveira e Talbot (2001),
órico da educação popular constitui passo impor- “Trabalhar com Famílias” se dá por múltiplas
tante para a atuação dos profissionais de saúde no intervenções curtas ao longo do tempo e va-
contexto da saúde da família. Atuando a partir de lendo-se das estruturas da família; é uma arte
problemas de saúde específicos ou de questões li- desenvolvida através da compreensão do funcio-
gadas ao funcionamento global dos serviços, busca namento sistêmico da família e da aplicação do
entender, sistematizar e difundir a lógica, o conhe- método clínico centrado no paciente.
cimento e os princípios que regem a subjetividade Construir uma atenção integral à família
dos vários atores envolvidos, de forma a superar considerando a diversidade de modelos de famí-
as incompreensões e mal-entendidos ou tornar lia e estilos de vida, através de uma visão antro-
conscientes e explícitos os conflitos de interesse. pológica e dialética, tem trazido desafios teóri-
A partir deste diálogo, soluções vão sendo deline- cos, éticos e práticos, marcantes para as equipes
adas. É, assim, um instrumento de construção de de saúde da família.
65
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
Bibliografia
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Capítulo 6
O Acolhimento e a Estratégia zes do SUS: universalidade, eqüidade, integrali-
Saúde da Família dade e participação popular.
O que é preciso mudar para se conseguir
ana cecília silveira lins sucuPira
uma atitude diferente, acolhedora para o novo
modelo de atenção que se pretende implantar?
Como está o atendimento nas unidades de saú-
de? A seguir relata-se uma situação que pode ser
identificada, ainda hoje, em muitos serviços de
saúde e expressa o modelo antigo dominante.
67
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
68
Capítulo 6 • O Acolhimento e a Estratégia Saúde da Família
69
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
Embora seja importante o paciente ser re- dos pelo usuário na unidade de saúde. O acolhi-
cepcionado em um ambiente agradável, ou que mento pode ser entendido de forma mais ampla
haja a necessidade de uma triagem, esses proces- pelo modo como a unidade assume o paciente,
sos têm de estar vinculados a uma proposta mais estabelecendo um compromisso que impõe a
ampla de mudança de atitude e, principalmente, responsabilidade da unidade frente a todas as
das relações entre os trabalhadores e os usuários, suas necessidades de saúde. Nessa perspectiva,
que ampliem a possibilidade de atendimento das insere-se outro princípio do SUS, a integrali-
necessidades de saúde da população, não necessa- dade, significando que ao acolher/assumir o
riamente expressas como doenças e que garantam indivíduo, o serviço de saúde deve dar conta
a responsabilização do serviço por seus pacientes. de atendê-lo em todas as suas necessidades de
Neste texto, o Acolhimento enquanto saúde, seja no próprio serviço ou responsabi-
uma forma de relação, que envolve uma pos- lizando-se pelo encaminhamento e o atendi-
tura ética, de compromisso e respeito, não se mento em outros serviços. Além disso, a inte-
restringe à recepção, mas permeia todos os mo- gralidade significa que é preciso compreender
mentos de atendimento do usuário na unidade e acolher o sujeito que traz uma queixa ou uma
e confunde-se com o processo de humanização necessidade de saúde, na sua totalidade. Dito
do atendimento na unidade de saúde. O acolhi- em outras palavras, para além da queixa que é
mento será enfocado na perspectiva do direito à referida pelo paciente, há um sujeito que sofre
saúde, da qualidade do atendimento e da neces- e precisa ser ouvido, acolhido.
sidade de reformulação do processo de trabalho Essas considerações determinam duas pre-
e da reorganização dos serviços de saúde, tendo missas básicas para o acolhimento à população:
como base a experiência da autora na realização o compromisso dos profissionais com a saúde da
de oficinas de acolhimento em vários municí- população e a qualidade na atenção à saúde.
pios brasileiros. O acolhimento implica uma nova postura
As considerações que serão feitas têm e a construção de novas formas de relação entre
como fundamento a necessidade de reconhe- os gestores e os trabalhadores e entre estes e os
cer o paciente/cliente/usuário como um cida- usuários, visando a autonomia e o protagonismo
dão de direitos. dos sujeitos.
Não se restringindo a um espaço ou a um A Estratégia de Saúde da Família facilita
momento – a recepção – o acolhimento implica em esse compromisso ao delimitar um território de
mudanças nos processos de trabalho e no estabe- responsabilidade da equipe de saúde e permitir
lecimento de novas relações entre trabalhadores a criação de um vínculo entre os trabalhadores
e usuários. É preciso reforçar que o acolhimento da unidade e as famílias. A proposta de mudan-
é um aspecto fundamental para a humanização ça do modelo de atenção nessa estratégia amplia
do atendimento nos serviços de saúde. os objetivos do atendimento, gerando a necessi-
O acolhimento da pessoa que procura o dade de entender o indivíduo na sua totalidade.
cuidado de saúde se expressa na relação entre o Outra condição que se impõe é a necessidade de
usuário e o profissional que o atende. Uma rela- atender não só a demanda programada, como
ção que deve ser pautada pelo respeito, pela soli- também a clientela não agendada que apresenta
dariedade, mas principalmente pelo reconheci- alguma forma de sofrimento ou de necessidade
mento do direito ao atendimento de qualidade. de saúde. O acolhimento passa a ter um sentido
Enquanto uma relação, o acolhimento mais resolutivo, ao se identificar que diferentes
não se restringe à recepção do paciente, mas tipos de queixas necessitam modos diferentes
está presente em todos os momentos vivencia- de atendimento.
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Capítulo 6 • O Acolhimento e a Estratégia Saúde da Família
71
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
profissionais no exercício do seu trabalho. Daí a quem deve ter prioridades no atendimento em
importância de se ouvir também o trabalhador função do sofrimento que apresenta é uma das
nas suas necessidades e desejos. propostas colocadas para o acolhimento. Essa
A qualidade do atendimento, mesmo con- proposta tem sido dirigida com maior especifi-
siderada sob o ponto de vista da atenção, de- cidade, para os serviços de urgência, na proposta
pende fundamentalmente da organização dos do PNH de “Acolhimento com classificação de
serviços e dos processos de trabalho resultantes risco”. Entretanto, também na Unidade Básica
dessa organização, como será visto mais adiante. de Saúde o atendimento deve ocorrer em função
É nessa perspectiva que a proposta do Humani- do sofrimento e necessidade apresentados.
za-SUS preconiza mudanças no processo de tra- O atendimento não é um favor que o ser-
balho que garantam “a participação coletiva no viço faz ao indivíduo, mas o cumprimento de
processo de gestão e a indissociabilidade entre uma obrigação desse serviço para com um direi-
atenção e gestão”.7 to da população.
Essas considerações permitem afirmar
que ao se falar em acolhimento nos serviços de
O Acolhimento como expressão do direito saúde, na verdade está se falando de um direito
à saúde da população. A população tem direito a ser aco-
lhida ao procurar os serviços de saúde porque
A saúde é definida, na Constituição de esse direito está garantido na constituição.
1988, como direito de todos e dever do Estado. É preciso ressaltar as diferenças existentes
É por meio do SUS que o Estado cumpre o seu em relação ao exercício dos outros direitos. Ao
dever de garantir a saúde para todos. Apesar se tratar de um direito que diz respeito a ques-
das dificuldades de implantação e das falhas no tões como saúde/doença, vida/morte, o direito à
funcionamento dos serviços, o SUS é reconhe- saúde é exercido por pessoas que se encontram
cido internacionalmente por ser um dos siste- fragilizadas por um sofrimento. Muitas vezes a
mas mais universais do mundo. Enquanto nos insegurança, a ansiedade, o medo diante do que
Estados Unidos mais de 40 milhões de pessoas pode vir a significar aquele sofrimento torna o
não têm direito à assistência à saúde, no Brasil, paciente carente ou impaciente. Outras vezes ele
todos os cidadãos têm direito ao SUS, o sistema se apresenta confuso gerando impaciência nos
de saúde de todos os brasileiros. profissionais que o atendem.
De acordo com o princípio da universali- Outro aspecto importante é o não reco-
dade, o indivíduo que chega a qualquer serviço nhecimento pelos profissionais dos direitos dos
público de saúde tem direito de ser atendido. Isso usuários. A noção da relação de direitos e deve-
não significa consulta médica no mesmo dia. O res que se estabelece entre os trabalhadores da
atendimento deverá acontecer de acordo com as unidade e os usuários determinam muitas das
necessidades de saúde que o indivíduo apresen- práticas de atendimento observadas.
ta, respeitando-se o princípio da eqüidade. Os Os direitos reivindicados pelos profissio-
serviços de saúde devem atender todos e deter- nais da unidade são, muitas vezes, o espelho dos
minar o tipo de atendimento que será prestado deveres deles para com os pacientes. Isso fica cla-
a cada um, considerando que alguns apresentam ro quando um profissional reclama respeito por
necessidades mais urgentes que outros, mas que parte do paciente. É direito do trabalhador ser
todos devem ter alguma forma de resposta a sua respeitado, assim como é seu dever respeitar o
demanda naquele momento. Avaliar os riscos, usuário. Da mesma forma, é dever do usuário res-
por meio da escuta qualificada e determinar peitar o profissional e direito seu, ser respeitado.
72
Capítulo 6 • O Acolhimento e a Estratégia Saúde da Família
Outras relações dialéticas entre direitos e deveres tamento devem ser respeitados pelos profissionais
podem ser apontadas. Os profissionais queixam- que participam do atendimento.
se do atraso dos pacientes, os quais podem ser pu- É preciso reconhecer que o usuário tem
nidos com a perda do atendimento naquele dia. direito a sentar-se quando no consultório, a ter
Entretanto, o dever dos trabalhadores de chegar um biombo ou uma proteção para se despir, a ter
no horário não é sequer comentado. um lençol para cobri-lo durante o exame, enfim,
Acolher com respeito, solidariedade e pequenos detalhes que têm um impacto grande
compromisso passa necessariamente pelo reco- no processo do acolhimento.
nhecimento de que o usuário é portador de di- O usuário tem direito a esperar pelos pro-
reitos. Direito a ser bem atendido; direito a ter cedimentos dentro da unidade em locais confor-
explicações sobre o seu diagnóstico e condutas táveis, sentado e sabendo que não vai demorar
tomadas; direito a discutir as prescrições, En- muito para ser atendido.
fim, o usuário, sujeito de direitos, deve ser pro- A negação dos direitos do usuário se ex-
tagonista do seu atendimento, posicionando-se pressa, também, quando se proíbe o pai de entrar
e construindo junto com a equipe de saúde o seu na consulta do filho, colocando-se uma placa:
processo de saúde. É no exercício desses direitos “apenas um acompanhante por paciente”. Tanto
e no compartilhamento do cuidado que o usuá- o pai, como a mãe, devem ter garantido o seu
rio pode adquirir a autonomia que lhe permita direito de participar da consulta do seu filho.
assumir os cuidados com a sua saúde. Algumas situações observadas são bastan-
O não reconhecimento do usuário como te explícitas na negação do direito ao atendimen-
um sujeito de direitos chega ao extremo de negá- to. A colocação de placas que restringem as con-
lo até enquanto pessoa. A negação dos usuários dições para que a população seja atendida é um
enquanto pessoas, portadoras de subjetividades, desses exemplos. “Marcação de consultas só no
não permite reconhecer nesses indivíduos senti- próximo mês” “pacientes de bermudas ou shorts
mentos, desejos, pudores, sofrimentos. não serão atendidos”. Mas, o mais comum é a
A privacidade do momento da consulta placa “Não há vagas”... Sem qualquer escuta, já
não é considerada como um direito do paciente, se descarta, na porta, qualquer possibilidade de
quando muitas vezes o paciente é examinado na atendimento. Nega-se o direito à escuta. Mesmo
recepção. De um modo geral, as portas fechadas não havendo vagas para consultas, o indivíduo
nas unidades não têm nenhum significado, cons- deve ser ouvido nas suas necessidades.
tituem apenas pequenos obstáculos que podem ser O usuário tem direito a ter um prontuá-
facilmente removíveis. Os trabalhadores, de qual- rio no qual se registre sua história sanitária. Os
quer nível hierárquico, entram e saem nos consul- atendimentos que são realizados devem ser re-
tórios sem a menor manifestação de percepção do gistrados para que o seu atendimento tenha uma
que essa atitude pode significar para o paciente, continuidade. O fato de não ser feita nenhuma
que pode naquele momento estar sendo examina- anotação dos atendimentos realizados represen-
do. Antes de entrar, batem na porta, como se isso ta uma dupla negação: do profissional e do usu-
representasse alguma forma de respeito com quem ário. O profissional nega o seu trabalho na medi-
está sendo consultado, mas não se espera nenhu- da em que não há registro do seu atendimento, o
ma autorização para abrir a porta. Do ponto de qual não pode ser recuperado e há a negação do
vista do paciente, essa falta de respeito representa usuário na medida em que não há registro de sua
um grande sofrimento, por ter sua privacidade in- história sanitária, de sua passagem naquele ser-
vadida. O direito à privacidade tanto na realização viço de saúde.6 O registro é importante para que
da consulta como em relação ao diagnóstico e tra- se possa recuperar a seqüência do atendimento
73
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
proposto. Esse aspecto de continuidade diz res- repensar a estrutura físico-funcional da unida-
peito também à personalização do atendimento, de de saúde, visando a atender tanto as necessi-
pois o usuário sente que seu problema de saú- dades da população como dos profissionais que
de é conhecido pelos trabalhadores da unidade. nela trabalham. Em última instância, essa reor-
Além disso, no modo como se organiza o atendi- ganização visa à humanização do atendimento e
mento nos serviços de saúde, as anotações feitas à efetivação dos princípios do SUS.
no prontuário são importantes para socializar as Para isso é preciso exercitar o olhar e a
informações, uma vez que vários profissionais escuta dos profissionais na sua relação com a
podem atender um mesmo indivíduo. população. Escutar as expectativas, as queixas
A relação de direitos que fundamenta o e o modo como os usuários avaliam a unidade.
acolhimento tem de ser discutida por todos os Olhar também para a unidade e enxergá-la na
trabalhadores junto com os usuários, para que se sua dinâmica de funcionamento.
consiga construir uma relação de respeito entre É fundamental que o profissional de saúde
esses atores. repense o compromisso daquele serviço de saú-
de com a população, e mais especificamente, o
seu compromisso com o trabalho e com a clien-
O Acolhimento e a Organização dos tela. Isso implica refletir sobre a missão da uni-
Serviços de Saúde dade de saúde, na estratégia da Saúde da Família
e no contexto do SUS. Recuperar a história das
As relações entre os trabalhadores, entre unidades de saúde à luz das políticas nacionais
esses e os gestores e, ainda, entre os trabalhadores de saúde e do modo como essas políticas efetiva-
e os usuários acontece em contextos específicos. ram-se no estado e no município.
Não dependem apenas da vontade individual É preciso entender as mudanças pelas
de cada um, mas estão fortemente influenciadas quais a unidade passou ao deixar de ser o posti-
pelas condições objetivas em que essas relações nho, ou a unidade de pronto atendimento, para
ocorrem. Pode-se afirmar, então, que dependem incorporar os princípios que norteiam o mode-
de como os serviços se organizam determinando lo de atenção na estratégia da Saúde da Famí-
processos de trabalho específicos. lia. Constata-se ainda, mesmo nas unidades de
A organização de muitas das unidades de Saúde da Família, o conflito sobre que tipo de
saúde gera processos de trabalho que de formas atendimento deve ser priorizado pela unidade.
sutis ou explícitas negam o direito à saúde e Alguns, ao entenderem que a promoção da saú-
impedem que o acolhimento do usuário ocorra de é a atividade central, não criam as condições
de acordo com os princípios da humanização para o atendimento daqueles que apresentam
que se pretende. queixas e necessidades de saúde não programa-
A rotina diária do trabalho vai impedindo das. Rompe-se assim, o compromisso da unida-
que as pessoas consigam enxergar as situações de em atender a todas as necessidades de saúde
inadequadas de organização da unidade as quais da população, seja diretamente, ou por meio da
comprometem a qualidade do atendimento. Há referência a outros serviços.
uma naturalização dos problemas, tanto estru- Um aspecto importante no repensar a
turais como funcionais, os quais só são percebi- unidade é a reflexão sobre a lógica que rege o
dos por quem está de fora e utiliza os serviços funcionamento da unidade na organização do
da unidade. A discussão da qualidade do aten- atendimento. Identificar se essa lógica é em fun-
dimento e, do acolhimento, remete à reavaliação ção apenas dos funcionários ou contempla as
das condições de trabalho e, necessariamente a necessidades e especificidades de quem procura
74
Capítulo 6 • O Acolhimento e a Estratégia Saúde da Família
o atendimento. O fato de a unidade estar orien- Outra fonte de tumulto é a recepção ocor-
tada basicamente pelos interesses dos trabalha- rer no mesmo local em que está o SAME, no
dores não significa que os processos de trabalho mesmo local onde são fornecidas às informações
tragam satisfação para esses trabalhadores. Uma sobre a unidade, no mesmo local onde são retira-
vez que essa forma de organização do trabalho dos os prontuários, no mesmo local de marcação
não dá conta de atender adequadamente as ne- de consultas para os especialistas, e assim por
cessidades de saúde da população, ela gera in- diante. A confusão se estabelece e algumas vezes
satisfação e conflitos entre os usuários e os tra- saem até brigas.
balhadores. É preciso, portanto, repensar essa É evidente que a recepção é um lugar estra-
organização para contemplar os interesses de tégico e que muitas vezes define a relação que o
todos os sujeitos envolvidos. usuário vai ter nos demais pontos de atendimen-
É comum observar o modo como a orga- to na unidade. Isso porque ao ser mal acolhido,
nização dificulta o acesso aos serviços que ela o usuário pode ficar impaciente, “nervoso” e até
oferece. As filas imensas, as necessidades buro- agressivo. Esses sentimentos são gerados também
cráticas criadas para o atendimento parecem ter nos trabalhadores, dificultando qualquer possibi-
a finalidade de, ao dificultar o acesso, auto-regu- lidade de diálogo. Ter locais diferentes para os di-
larem as filas e a demanda. Ou seja, o tamanho ferentes procedimentos é possível para a grande
da fila e as burocracias tem o efeito de fazer o maioria das unidades. Um local logo na entrada
usuário desistir do atendimento, sem ser neces- da unidade, que se chame de recepção, e que basi-
sário ao serviço negá-lo explicitamente. camente ofereça informações e oriente a clientela
Um dos grandes problemas observados nas para os caminhos que deve seguir na unidade, que
unidades é o fluxo de funcionamento. Às 7 horas encaminhe aqueles sem agendamento para con-
da manhã há super fluxo de usuários, ao passo que sulta, é fundamental para que se possa ter uma
depois das 10 horas o movimento cai bastante. À boa relação de acolhimento com os usuários.
tarde o número de pessoas que buscam algum Em geral, as filas organizam-se pelo cri-
atendimento é bem menor e depois das 16 horas, tério de chegada, supondo-se ser este um pro-
em muitas unidades, praticamente o atendimen- cedimento democrático. Nega-se a equidade, ao
to já se encerrou. A questão é: será que todas as se negar o fato de que todos não têm a mesma
pessoas precisam chegar às 7 horas da manhã? Se chance de serem os primeiros da fila. Aqueles
enumerarmos todos os cuidados e serviços que que moram mais longe, que têm mais filhos ou
são ofertados, veremos que é possível distribuí-los que têm dificuldades de locomoção, com freqü-
ao longo do dia. Na verdade, apenas a coleta de ência, não conseguem chegar primeiro. É pre-
exames, quando o material tem de ser remetido ciso abrir a unidade, para que todos tenham a
para o laboratório, obriga as pessoas a chegarem oportunidade de serem ouvidos e terem suas
cedo. Outras atividades como curativos, exame de demandas e necessidades escutadas. A partir
Papanicolau, aferição agendada de pressão, entre do princípio da equidade é possível organizar
outros, podem ser marcados para depois das 10 e orientar os diferentes modos de atendimento
horas ou mesmo à tarde. Dessa forma, os trabalha- que cada um necessita.
dores rendem muito mais e o tumulto na unidade A implantação da escuta qualificada para os
é evitado. Quem já foi a uma unidade de saúde na usuários, possibilitando identificar os sofrimen-
segunda-feira de manhã, reconhece que no modo tos e as necessidades de atendimento do usuário,
como tais unidades funcionam é muito difícil que permite organizar as diversas formas de resposta
os trabalhadores tenham condições de acolher que podem ser dadas ao usuário, inclusive o en-
bem a clientela em todas atividades que realizam. caminhamento responsável para outros serviços.
75
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
Uma forma interessante de realizar essa busca de um cuidado, é preciso que também se
escuta qualificada é por meio da triagem reali- sintam cuidados.
zada por profissionais capacitados e discutida Outros elementos devem ser também
de forma coletiva sobre o caráter da necessidade considerados. A comunicação constitui uma
de atendimento imediato do paciente ou de um das principais tecnologias utilizada no trabalho
atendimento que pode ser marcado para o dia dos profissionais na unidade de saúde, assim, é
seguinte ou para outra semana. Esse processo é preciso comentar os aspectos que compõem os
mais democrático quando feito de forma cole- diferentes modos de comunicação. Inicialmen-
tiva, no qual se discute porque uns deverão ser te, identificar a diferença nos discursos, a qual
atendidos e outros poderão esperar. Além disso, não se trata de um problema semântico, ou seja,
é possível diversificar os profissionais que irão da diferença de compreensão das palavras, mas
fazer atendimento, desfazendo-se assim o mo- de diferentes modos de pensar a sua realidade e
delo centrado no médico. Na medida em que de se expressar sobre ela. No acolher o usuário,
mais profissionais podem participar, amplia-se é preciso considerar as experiências de vida e a
a capacidade de atendimento, o que não ocorre cultura daquela comunidade, como elementos
quando tudo é dirigido para o médico. Experi- importantes na construção da fala da clientela.
ências como o GORD (Grupo de Orientação e Algumas vezes se desqualifica o discur-
Organização da Demanda) que ocorreu em São so do paciente alegando-se exageros na descri-
Paulo no período de 89/92, mostraram como é ção do problema ou da necessidade de saúde.
possível dar conta da demanda, diversificando Exageros na avaliação do profissional, porém,
as possibilidades de atendimento. o modo como o paciente percebe e sente o seu
sofrimento. Não se pode negar a fala do usuário,
mas entender os fatores que estão dando o tom à
A Relação Profissional de Saúde/Clientela descrição de seus padecimentos.
A escuta e o olhar são importantes formas
Para se implementar o acolhimento, pen- de comunicação, assim como a comunicação ges-
sando a qualidade e a satisfação do usuário, é im- tual e corporal, e expressam os diferentes modos
portante analisar aqui os fatores que interferem de acolher o usuário.
na relação entre gestores, trabalhadores e usuá- O diálogo entre trabalhadores e usuários
rios. Para isso, é necessário pensar a democra- reproduz o modo como ambos reconhecem seus
tização das relações de trabalho e a valorização direitos na relação que se estabelece no aten-
dos trabalhadores da saúde, com processos de dimento. Dessa forma, a escuta atenta, o olhar
educação permanente. compreensivo e o toque respeitoso, que expres-
Além disso, é importante a valorização do sam formas de comunicação, devem ser pauta-
ambiente, com espaços de trabalho que sejam dos pelo reconhecimento da presença de direitos
agradáveis e acolhedores. em todos os momentos da relação entre os traba-
De acordo com a PNH, é fundamental lhadores e a clientela.
“ampliar o diálogo entre os trabalhadores, entre A relação profissional/clientela constitui
os trabalhadores e a população e entre os traba- um instrumento importante para a qualidade e
lhadores e a administração, promovendo a ges- o compromisso dos profissionais com a cliente-
tão participativa, colegiada e a gestão comparti- la. As características da relação profissional de
lhada nos cuidados/atenção”.7 saúde/clientela permitem entendê-la como uma
Para que os trabalhadores tenham uma re- relação de poder. Poder que se fundamenta na
lação de respeito para com aqueles que vêm em desigualdade entre os membros da relação tanto
76
Capítulo 6 • O Acolhimento e a Estratégia Saúde da Família
pela diferença dos saberes como pela diferença estudo sobre o modo como os médicos identi-
de classe. Relação de poder que ganha legitimi- ficam a “agenda” de queixas que o paciente traz
dade pela singularidade desse saber que diz res- para a consulta, observaram que o tempo médio
peito à saúde/doença e à vida/morte.8 disponível para o paciente, inicialmente ex-
É possível identificar dois tipos de rela- pressar suas queixas, antes de o médico fazer o
ção de poder: uma relação de autoridade, fun- primeiro redirecionamento da anamnese, foi de
damentada no reconhecimento de que um dos 23,1 segundos. De acordo com esses autores, essa
membros da relação possui um saber que é le- interrupção do paciente ocorre, na maioria das
gitimado como o saber oficial. E a relação auto- vezes (76%), após a primeira queixa. Os médicos
ritária que é sustentada pela diferença de classe comumente redirecionam o foco da entrevista
entre os membros da relação e é legitimada pela clínica antes de dar ao paciente a oportunidade
instituição na qual ocorre a relação. de expressar todas as suas queixas.
A relação de autoridade, necessária para Transformar a consulta, de modo a perce-
se fazer cumprir as regras e a dinâmica de fun- ber o indivíduo, na sua totalidade tem sido um
cionamento do serviço, deve ser conquistada, dos pilares do que Campos10 chama de Clínica
compartilhando-se os saberes, respeitando-se a Ampliada.
cultura e os modos de vida da clientela. Da mes- Na perspectiva da clínica ampliada, o pro-
ma forma, as condutas e as orientações devem fissional tem de acolher o indivíduo procurando
ser discutidas e assumidas por ambos os partici- entendê-lo para além da queixa que ele traz. Não
pantes da relação. se pode restringir o atendimento à doença, mas
Na perspectiva das relações entre trabalha- pensar o sujeito na sua integralidade. Ou seja,
dores e usuários, o acolhimento implica ainda, procurar compreendê-lo na sua subjetividade,
respeitar as especificidades da clientela, enten- na sua singularidade. Entender que o indivíduo
dendo as suas expectativas, temores e desejos. A com uma queixa aparentemente de natureza ape-
compreensão desses sentimentos que podem se nas orgânica, apresenta outros sofrimentos e an-
expressar sob diversas formas de insegurança, gustias, muitas vezes originados por essa suposta
dificuldade de entendimento das orientações ou doença que o fez procurar um atendimento.
mesmo resistência a essas orientações possibilita Inicialmente, é importante identificar as
ao profissional ter atitudes mais compreensivas repercussões da queixa para o paciente. Quais as
e de maior respeito com o usuário. hipóteses diagnósticas que o indivíduo já formu-
lou e que o levaram a procurar ajuda. As pessoas,
ao perceberem alguma alteração no funciona-
Um novo olhar para o atendimento mento do seu corpo, costumam levantar suspei-
tas do que pode ser a causa do problema apresen-
O acolhimento deve fazer parte da consulta tado. É preciso identificar essas suspeitas para
propriamente dita. Consulta que é realizada por que o profissional possa esclarecer as possíveis
diferentes profissionais em função do problema causas, desfazer medos incompatíveis e conse-
apresentado pelo usuário. Escutar o paciente em guir tranqüilizar o paciente. Para saber quais
todas as suas queixas é um procedimento funda- as hipóteses diagnósticas que o paciente já fez,
mental para que o indivíduo se sinta acolhido. é preciso perguntar-lhe diretamente. Quando se
Muitas vezes, só se permite ao paciente colocar pergunta o que o paciente acha que pode ser a
apenas uma queixa, não deixando que ele relate causa dos seus sintomas, em geral, ele responde
todos os seus sofrimentos, dúvidas e ansiedades. que não sabe. Na segunda vez que lhe é feita a
Marvel, Epstein, Flowers & Beckman9, em um pergunta, ele ainda repete que não sabe. É pre-
77
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
ciso, então, mudar a pergunta: o que o senhor(a) ela vai se expressar, tanto em agudizações, como
tem medo que seja? Em geral, na terceira vez que nas diferentes manifestações de complicações.
se indaga, o paciente costuma dizer qual a sua A PNH chama atenção para a capacidade
hipótese diagnóstica, ou os seus receios sobre os do indivíduo de “inventar-se” apesar da doença.
sintomas que tanto o preocupam.11 “É muito comum nos serviços ambulatoriais que
A compreensão que o paciente tem da sua o descuido com a produção de vida e o foco ex-
doença/sofrimento indica ao profissional que cessivo na doença acabe levando usuários a tor-
tipo de explicações deverão ser dadas e a forma narem-se conhecidos como ‘poliqueixosos’ – com
como essas informações devem ser repassadas. muitas queixas – ou ‘refratários’, pois a doença
O modo como cada um reage diante de (ou o risco) torna-se o centro de suas vidas”.12
uma queixa é bastante diverso e é determinado Na Estratégia da Saúde da Família, é pos-
pelas experiências anteriores de doenças, pelo sível pensar um modelo de atenção diferente que
grau de instrução e informação sobre as doen- contemple os principais pontos aqui abordados
ças e pela estrutura psíquica do indivíduo. Por- para que realmente o usuário se sinta acolhido.
tanto, uma mesma doença pode se expressar por A perspectiva de um trabalho em equipe permite
vários tipos de queixas e com diferentes graus de que diferentes olhares (do médico, da enfermei-
sofrimento. É preciso entender que o problema ra, dos auxiliares de enfermagem e dos agentes
expresso na queixa deve ser compreendido para comunitários de saúde - ACS) enxerguem dife-
além da dimensão física, nos seus aspectos psi- rentes aspectos da realidade das famílias aten-
cológicos, sociais e culturais. Além disso, muitos didas. As visitas domiciliares feitas pelos ACS,
problemas de ordem psicológica expressam-se trabalhadores que são parte da comunidade, per-
por meio de sintomas que podem sugerir doen- mitem ampliar a anamnese incorporando infor-
ças. Dessa forma, no modelo “queixa conduta”, mações preciosas que os interrogatórios feitos
o reducionismo que leva o médico a já fazer um no momento do atendimento da consulta não
diagnóstico, a partir da queixa inicial, e insti- conseguem identificar. Pode-se dizer que tais vi-
tuir imediatamente o tratamento, não permite sitas constituem uma extensão do olhar sobre o
realmente conhecer não só o diagnóstico, mas paciente. Um exemplo disso pode ser observado
principalmente, o paciente e os demais aspectos quando um usuário com problemas respirató-
ligados a essa queixa, contribuindo para a pouca rios procura atendimento. Toda a investigação
resolubilidade da consulta. feita na unidade e os tratamentos prescritos se
A PNH destaca, entre seus princípios, a completam com a visão do domicílio que a equi-
“clínica ampliada”, que tem como um de seus pe pode ter. Visões diferentes que privilegiam
aspectos fundamentais a capacidade de equi- aspectos diferentes no que se refere aos possíveis
librar o combate à doença com a produção de fatores intervenientes no problema
vida. Nessa perspectiva, “a clínica ampliada pro- O vínculo entre a equipe e a família possi-
põe que o profissional de saúde desenvolva a ca- bilita o conhecimento mais profundo de cada um,
pacidade de ajudar as pessoas não só a combater de tal modo que a equipe pode estender seu olhar
as doenças, mas a transformar-se, de forma que para além da queixa e considerar os determinan-
a doença, mesmo sendo um limite, não a impeça tes dos sofrimentos que cada um apresenta.
de viver outras coisas na sua vida”.12 Um novo olhar, que se expresse em uma
Isso é particularmente importante quando nova atitude diante do usuário, que lhe garanta
se lida com doenças crônicas ou muito graves. É ser acolhido, é possível esperar desse novo mo-
sabido que o modo como o indivíduo vivencia delo de atenção à saúde que se pretende para a
sua doença é determinante para a forma como Estratégia Saúde da Família.
78
Capítulo 6 • O Acolhimento e a Estratégia Saúde da Família
Referências
79
Capítulo 7
Atenção médica efetiva na – Uma espinha em meu nariz, logo hoje que...
prática da Atenção Primária – sendo interrompido pelo Dr. Augusto.
– Há quantos dias surgiu? Já usou algum
Marco túlio aGuiar Mourão riBeiro
tatiana Monteiro Fiuza medicamento? Tem história familiar de “espinhas”?
KilMa Wanderley loPes GoMes É diabético ou hipertenso? Fuma? Consome bebidas
alcoólicas?
– Não tenho nenhum problema de saúde, que eu
saiba. Mas hoje eu teria um encontro e esta espinha...
Após examinar Sr. Saul:
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Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
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Capítulo 7 • Atenção médica efetiva na prática da Atenção Primária
e do tempo; sua determinação não tem caráter profissionais, dentro e fora do setor saúde, cuja
universal. atuação conjunta deverá potencializar a integra-
A eficiência é um princípio, é a relação lidade da atenção à saúde.
existente entre os resultados obtidos em uma
atividade e os recursos empregados.
Atenção Primária em Saúde (APS)
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Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
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Capítulo 7 • Atenção médica efetiva na prática da Atenção Primária
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Capítulo 7 • Atenção médica efetiva na prática da Atenção Primária
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Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
Bibliografia
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Capítulo 8
Atenção Domiciliar na prática efetivação desse elo ESF e família assistida. Para
do médico de família tornarmos o capítulo mais facilmente compreen-
sível, vamos avaliar a necessidade da visita domi-
tales coelho saMPaio
tãnia de araúJo BarBoza ciliar dentro dos diversos ciclos de vida.
89
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
de puericultura e sua periodicidade estimulando da pelo enfermeiro e/ou médico de acordo com
a mesma a aderir a este acompanhamento. Uma o diagnóstico situacional discutido pela equipe.
outra visita domiciliar deve ser feita caso haja É importante que a ESF saiba ouvir, não cri-
falta a estas consultas, ou se houver atraso do ticar, respeitar a privacidade do adolescente, e
esquema vacinal. Também devem ser lembradas reconhecer os dois momentos da consulta, um
as crianças de risco, que devem ser monitoradas onde há a participação dos pais e outro com o
mais amiúde pelo ACS e se necessário for, por adolescente sozinho, onde ele terá a liberdade e
visitas do enfermeiro e/ou do médico. oportunidade de externar preocupações íntimas
Toda criança até cinco anos que apresen- e solicitar orientações, nunca esquecendo do si-
tar internamento hospitalar também deve ser vi- gilo profissional, e garantindo o mesmo ao ado-
sitada nas primeiras 72h após a alta, pelo médico lescente assistido, conforme as normas éticas.
e enfermeiro da ESF. Sabemos que as doenças
diarréicas e as infecções respiratórias são doen-
ças prevalentes nesta faixa etária, e a visita se Visita ao adulto
torna imprescindível para a avaliação do estado
atual da criança, a orientação sobre a medicação A oportunidade de realizar a visita domi-
em uso ou se necessário for, realizar a prescri- ciliar ao adulto ocorre em situações diversas tan-
ção de medicamentos e/ou solicitação de exames to patológicas como também fisiológicas.
complementares, orientando também sua ali-
mentação e cuidados higiênicos.
Atualmente é responsabilidade da ESF a Hipertensos e diabéticos
detecção de crianças vitimas de maus tratos. A
equipe deve estar familiarizada e treinada para A alta prevalência da doença hipertensiva
a abordagem de tal problema, fazendo visita do- e do diabetes e sua elevada morbimortalidade,
miciliar para confirmar a suspeição dos mesmos atingindo principalmente adultos em fase de
e comunicar aos órgãos competentes para que vida produtiva, gerando afastamento do traba-
atitude imediata seja tomada. lho, aposentadorias precoces e o uso extenso dos
serviços hospitalares, demonstraram o quão im-
portante se torna a intensificação das ações que
Visita ao adolescente venham detectar tais problemas precocemente e
de se atuar na sua prevenção e também evitan-
A adolescência é uma faixa etária extre- do suas complicações. O aumento da população
mamente vulnerável a várias intercorrências obesa devido aos maus hábitos alimentares, que
que levam ao sofrimento e morte, sendo de ca- inclui aumento da ingestão de açúcares, sal e
pital importância àqueles adolescentes vitimas gorduras saturadas, vem antecipando cada vez
de exploração sexual, órfãos, moradores de rua, mais a ocorrência do diabetes não insulino- de-
portadores de necessidades especiais, grávidas pendente, aumento dos níveis tensionais e au-
e usuários de substâncias psico-ativas. É neces- mento das taxas do colesterol, que já atingem
sário que a ESF adeque os serviços da UBASF crianças e adolescentes.
às necessidades do adolescente para que estes se Por se tratar de doenças assintomáticas
sintam mais propensos a recorrer a ela. ou paucisintomáticas, é difícil que tais usuários
A visita domiciliar ao adolescente é reali- venham à UBASF, dificultando seu diagnóstico
zada pelo ACS que vai verificar se há a necessi- precoce. Devido a isso, é necessário haver grande
dade de consulta ou que uma visita seja agenda- habilidade por parte das ESF para a busca e detec-
90
Capítulo 8 • Atenção Domiciliar na prática do médico de família
ção destes casos. Outra dificuldade por que passa introdução da infecção pelo HIV, aumentando a
a equipe é a aderência ao tratamento, pois tais pa- preocupação do serviço de saúde em diagnosticar
cientes devem ser convencidos quanto à mudança e tratar o mais precocemente possível os novos
radical de seu estilo de vida, devendo haver gran- casos. A população jovem ainda apresenta cer-
de capacidade de convencimento pela ESF. ta resistência ao comparecimento ao serviço de
A visita domiciliar se fará necessária em saúde, para tanto, é necessário que haja um bom
quatro momentos: treinamento dos ACSs para que saibam detectar
• No caso do acompanhamento dos hiperten- os sintomáticos respiratórios em seu domicílio e
sos e diabéticos que faltarem à consulta médi- estes sejam precocemente encaminhados à con-
ca. A visita deve ser realizada pelo ACS, que sulta médica. Se houver resistência a este com-
vai detectar o motivo do não comparecimen- parecimento, uma visita deve ser agendada pelo
to e agendar uma nova consulta. Se houver enfermeiro para que o devido esclarecimento
qualquer problema que não possa ser resol- seja feito para toda a família e a captação deste
vido pelo ACS, este agendará uma visita pelo usuário seja garantida.
enfermeiro e/ou médico, após a avaliação do Nos novos casos, se não houver o compa-
problema detectado. recimento de todos os contactantes à consulta
• Pós alta hospitalar: naqueles usuários inter- após a sua solicitação, cabe novo agendamento
nados por doenças cardiovasculares ou co- de visita para uma busca ativa dos mesmos.
morbidades de uma das doenças. Deve ser Faz-se também necessária uma visita
realizada pelo médico e/ou enfermeiro, que domiciliar nos casos dos faltosos à consulta de
avaliará o estado atual do usuário, dará expli- acompanhamento na UBASF, inicialmente pelo
cações sobre a medicação em uso e fará altera- ACS que vai avaliar o motivo do não compare-
ções, se necessário. cimento e agendar uma nova consulta o mais rá-
• No acompanhamento de usuários que não pido possível, alertando ao restante da ESF se se
têm acesso à UBASF por dificuldade de loco- faz necessário ou não uma visita pelo enfermeiro
moção. Tais visitas serão realizadas pelo mé- e/ou médico.
dico e/ou enfermeiro, para acompanhamento Na abordagem da Hanseníase, sabemos
periódico do usuário, com todas as orienta- que o principal contágio se dá dentro do domi-
ções cabíveis para o controle da doença. cílio. Após o diagnóstico da mesma, é impres-
• �usca ativa de casos – deve ser realizada em cindível que o ACS, assim como nos casos de
todo usuário que não tiver comparecido a Tuberculose, visite periodicamente a família,
consulta agendada pelo ACS como suspeito. orientando e reforçando a necessidade de agen-
Pode ser realizada pelo auxiliar de enferma- damento de consulta médica caso haja a percep-
gem e/ou enfermeiro que monitorarão os ção de qualquer suspeita da doença.
níveis tensionais, de glicemia capilar, peso, Deve ser agendada consulta para todos os
altura e IMC e darão orientação acerca da im- contactantes e uma busca ativa aos faltosos, atra-
portância da consulta e, se necessário, sobre vés de visita domiciliar, deve ser implementada.
mudanças do estilo de vida. Também se faz necessária a visita nos casos de
falta à consulta médica com reforço à orientação
dada preliminarmente.
Tuberculose e hanseníase Atualmente, ambas as doenças estão
sendo acompanhadas pela Estratégia do Tra-
A tuberculose acomete preferencialmente tamento Supervisionado (DOTS), o que vem
adultos jovens, e seu incremento ocorreu com a reduzindo cada vez mais as taxas de abandono
91
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
92
Capítulo 8 • Atenção Domiciliar na prática do médico de família
verem em idade ou apresentarem fatores de risco aqueles com doenças graves e progressivas, que
para doenças crônicas degenerativas, garantindo necessitam de um acompanhamento mais in-
assim uma abordagem precoce e eficaz. tenso, havendo necessidade da programação de
visitas mais freqüentes por parte da equipe, mui-
tas vezes com aplicação de medicações, curati-
Visita domiciliar ao idoso vos, monitoração e orientações indispensáveis
ao cuidador. A ESF deve estar bem integrada e
Como causa do envelhecimento popu- fazer um planejamento de suas ações para que
lacional, observa-se um número crescente de não altere sua rotina, pois outros programas e
condições crônicas coexistentes entre as pesso- atividades devem ser cumpridos. Nestes casos,
as idosas. Geralmente tais patologias necessi- deve haver interação entre a ESF e a assistência
tam de acompanhamento permanente para seu social, o hospital e outros níveis de assistência
controle, e muitas vezes levam à incapacidade que se fizerem necessários.
e comprometimento do nível de independência
do geronte.
Todo idoso que apresentar dificuldade ou
impossibilidade de locomoção por doenças crô-
nico degenerativas deve ser acompanhado roti-
neiramente em seu domicílio pela ESF. Nesta
consulta domiciliar deve-se realizar a avaliação
global do idoso, inclusive no que tange à sua au-
tonomia, ou seja, sua capacidade de se autocui-
dar e de atender às denominadas necessidades
básicas diárias, ou seja, as Atividades de Vida
Diárias (AVDs). Assim será possível avaliar este
idoso quanto à sua dependência, e então traçar
um plano para seu acompanhamento.
Deve-se ser cauteloso e minucioso com as
devidas orientações sobre os cuidados pessoais,
alimentares, prescrição dos medicamentos, soli-
citação de exames, pareceres especializados e te-
rapêutica complementar. Deve ser monitorada a
pressão arterial, os níveis glicêmicos, peso, IMC,
e exame clínico minucioso deve ser efetuado. É
importante o apoio aos familiares, que muitas
vezes se sentem aturdidos com a situação vigen-
te, devendo a ESF buscar alternativas possíveis
para facilitar o cuidado e valorizar o cuidador.
O objetivo em foco deve ser a manutenção da
autonomia do idoso e melhoria de sua qualidade
de vida dentro do quadro atual.
Muitas vezes a ESF se depara com condi-
ções delicadas dentro da necessidade de cuidado
domiciliar no que tange o paciente terminal e
93
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
Bibliografia
94
Capítulo 9
Planejamento das ações e qualidade de vida, a atenção humanizada e a parti-
práticas em Atenção Primária cipação individual responsável e autônoma7.
Assim, os sistemas de saúde modernos e
Paola colares de BorBa
roGério saMPaio de oliveira mais efetivos concebem a organização do serviço
yana Paula coelho correia saMPaio sob a ótica da atenção primária em saúde (APS),
que coordena uma rede integral de assistência.
A proximidade com o usuário permite que a
APS seja a porta de entrada para o serviço, que
organize o cuidado às pessoas, que identifique
Introdução e proponha intervenções para o enfrentamento
de fatores de risco, permitindo uma visão global
95
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
prevalecer sobre a vigilância à saúde, voltada para vesse sendo assistida por equipes do PSF, o PAB
a proteção e promoção da saúde, prevenção e tra- variável seria repassado pelo valor máximo. Ha-
tamento das doenças e reabilitação das pessoas. via, portanto, interesse em instalar um número
As ações governamentais advindas da nova de equipes que se aproximasse desse percentual.
política de saúde resultaram em considerável ex- Em 2003, duas novas equipes foram for-
pansão dos serviços de saúde, principalmente dos madas para atender a duas áreas no Bairro Vila
serviços de atenção primária a partir da implan- Alta, ambas com situações demográfica e sócio-
tação do Programa de Saúde da Família (PSF). econômica similares. No dia anterior ao início
Tal expansão permitiu maior acesso ao serviço das atividades, os profissionais (médicos e en-
pela população, melhoria de alguns indicadores fermeiros, pois ainda não havia infra-estrutura
básicos de saúde e também grande visibilidade do para a saúde bucal nas unidades de saúde dessas
serviço1. A lacuna de conteúdo voltado para a vi- duas equipes) participaram de uma reunião com
gilância à saúde na formação da maioria dos pro- o Coordenador da Atenção Básica para que lhes
fissionais desse serviço tem resultado em inade- fossem repassadas as instruções de trabalho. Em
quação de sua funcionalidade, contribuindo para aproximadamente meia hora, os profissionais
a manutenção da visão distorcida sobre a efetivi- ouviram as seguintes orientações:
dade da atenção primária e, portanto, do PSF4. • Carga horária a ser cumprida;
O presente Capítulo tem o propósito de • Prazos para a entrega dos consolidados
provocar uma reflexão em torno da organização dos programas e outras informações;
do serviço por uma equipe de PSF. Para tanto, • Os indicadores de saúde que não po-
serão inicialmente apresentadas duas situações dem cair;
reais de equipes de PSF que tiveram abordagens • Prioridade para o atendimento à po-
diferentes na organização das ações e práticas pulação.
(o nome do município e do bairro de ocorrên- Uma profissional pediu a palavra e expli-
cia dessas situações são fictícios). A seguir, se- citou sua intenção de fazer o reconhecimento da
rão abordados elementos para a organização das área e o esclarecimento da população sobre a pro-
ações e práticas de trabalho que podem contri- posta de trabalho da equipe, porém foi desacon-
buir para a implementação de uma atenção pri- selhada a fazer isso, pois era preciso dar resposta
mária efetiva e de qualidade. No final do Capítu- à população que pressionava muito por atendi-
lo, as duas situações apresentadas anteriormente mento, especialmente o atendimento médico.
serão revistas, dois anos mais tarde. No dia seguinte as novas equipes inicia-
ram seu trabalho.
96
Capítulo 9 • Planejamento das ações e práticas em Atenção Primária
97
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
98
Capítulo 9 • Planejamento das ações e práticas em Atenção Primária
equipe entre si, explicitar sua expectativa em dos problemas priorizados e a elaboração de um
relação aos resultados esperados, vinculando plano para seu enfrentamento.
esses resultados à integração interdisciplinar e Especificamente para a organização do ser-
também promovendo encontro da equipe com a viço no PSF, a equipe pode começar com a análise
comunidade para as devidas apresentações. da situação para a definição de um cronograma
Planejamento é um processo de organi- de trabalho coerente com as necessidades da po-
zação das atividades desenvolvidas por um de- pulação. As informações básicas são encontradas
terminado grupo de trabalho. Na área da saúde na Ficha A do SIAB ou Cadastro Familiar, de res-
e, mais especificamente, na atenção primária, ponsabilidade dos ACS. A equipe pode solicitar
a organização das atividades deve ser feita em à Coordenação da Atenção Básica da Secretaria
conjunto com os membros da equipe e repre- Municipal de Saúde, o relatório consolidado da
sentantes da comunidade da área de abrangên- Ficha A (Relatório das Condições Sócio-Econô-
cia. Essa atividade – a de planejamento – não micas) ou, se houver possibilidade, pode proces-
foi ainda incorporada na rotina de trabalho das sar os dados dos cadastros no Programa de com-
equipes do PSF, provavelmente pelos motivos, putador Epi-Info para consolidação dos dados2.
ainda atuais, listados por Rifkin e Annett8 em As seguintes informações são essenciais para o
notas sobre a metodologia de estimativa rápida: conhecimento mínimo da população:
o lapso desse conteúdo no processo de formação
dos profissionais; a falta de hábito de trabalhar • Distribuição da população por sexo e faixa
em equipe; a sobrecarga de trabalho gerada pela etária: identificação do quantitativo das pes-
visão pouco abrangente em relação às novas prá- soas pertencentes a grupos de risco: crianças
ticas de saúde; a falta de divulgação de experiên- menores de 2 anos, mulheres em idade fértil,
cias bem sucedidas com a utilização de métodos idosos (> 60 anos). Essa informação permite
de planejamento participativo disponíveis e; a à equipe pensar em termos de capacidade de
dificuldade que a própria comunidade tem para cobertura da assistência e da necessidade de
se envolver em ações com as quais não foi acos- redefinir critérios de priorização.
tumada. Planejar foi, por muito tempo, função
técnico-administrativa e dos gestores de instân- • Agravos e condições referidas: análise da
cias centralizadas, como as estadual e federal. percepção que a população tem sobre o seu
Hoje, porém, o planejamento das atividades próprio estado de saúde. Com esse conheci-
a serem desenvolvidas por uma equipe de PSF é mento a equipe poderá refletir sobre a abor-
imprescindível para a organização da atenção de dagem que precisará ter para a identificação
forma eficiente, integral e eqüitativa. A percepção de doenças crônicas e das condições que exi-
cada vez maior das equipes a respeito da necessi- gem acompanhamento contínuo.
dade de planejamento, as discussões em torno do
tema em cursos e treinamentos para profissionais • Índice de alfabetização da população maior
da atenção primária e a disponibilidade de infor- de 15 anos: a relação entre alfabetização e cuida-
mações têm, de certa maneira, diminuído o misti- dos com a saúde já está bem estabelecida, sendo
cismo em torno das dificuldades de planejar. o analfabetismo um fator de risco geral. Em po-
Um bom planejamento pressupõe um pro- pulações socioeconomicamente desfavorecidas,
cesso mais ou menos sistematizado de passos. O o analfabetismo tende a aumentar com a idade.
primeiro deles é a análise da situação, depois a Esse dado é importante para que a equipe fique
identificação dos problemas, a seguir, a prioriza- atenta à assistência ao idoso, principalmente no
ção desses problemas e, finalmente, a explicação que diz respeito ao auto-cuidado.
99
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
100
Capítulo 9 • Planejamento das ações e práticas em Atenção Primária
101
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
Referências
102
Capítulo 10
A construção de novas práticas processo permanente, onde a categoria experi-
em saúde da família a partir da ência se constitui como aspecto fundamental.
Diante disso, a educação popular se apre-
interação com os sujeitos populares
senta como um campo de práticas dialógicas que
vera lúcia de azevedo dantas
potencializa a inclusão dos movimentos de orga-
andréa de souza Gonçalves Pereira
KilMa Wanderley loPes GoMes nização popular, partindo das práticas de âmbito
local, articulando-as e transformando essa parti-
cipação popular em espaços de controle social.
A educação popular oferece um instru-
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Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
104
Capítulo 10 • A construção de novas práticas em saúde da família a partir da interação com os sujeitos populares
mento se juntam a diarréia, a tuberculose, a han- das pessoas, “em roda”, para tratar de temas pre-
seníase. As oportunidades de acesso ao esporte e viamente acordados, de acordo com os interesses
ao lazer também são quase inexistentes, mas par- dos participantes e da coletividade. Numa equi-
te dos jovens se reúne nos grupos de “hip-hop” pe de saúde da família devem fazer parte da roda
como estratégia de resistência. Muitos buscam todos os membros da equipe e representantes
nas igrejas evangélicas, católicas e nos terreiros da comunidade, elegendo-se um coordenador-
de umbanda e candomblé, ajuda para os proble- mediador, que deve garantir a participação igua-
mas do corpo e da alma. As famílias dessa comu- litária de todos e um relator, com a função de
nidade apresentam estruturas muito diversas, registrar falas e encaminhamentos, que devem
mas um traço importante é ter as mulheres como ser realizados com a participação dos sujeitos
chefes de família e a presença de agregados. envolvidos, conforme calendário estabelecido.
Diante de realidades tão diversas, pensar A roda trabalha as dimensões político-adminis-
as singularidades e semelhanças entre os cami- trativa, pedagógica e terapêutica, pela explici-
nhos a serem trilhados por esses personagens, tação de interesses, conflitos, desejos, relações
nos remete a algumas reflexões sobre a constru- interpessoais e necessidades sociais de pessoas e
ção dos processos de trabalho dos profissionais instituições, pretendendo construir a democra-
de saúde da família, de forma sintonizada com cia institucional, a descentralização do poder e a
seu território de atuação, sob a ótica dos princí- criação de espaços de participação dos profissio-
pios orientadores desse campo da saúde coletiva nais e usuários, garantindo a interação do saber
e do Sistema Único de Saúde. popular com as aspirações dos profissionais de
saúde da família, bem como a co-participação no
processo de gestão4.
A co-construção da autonomia dos sujeitos Nesta mesma perspectiva, há a idéia de
um olhar ampliado sobre a clínica, apontada por
Para Campos3 a autonomia poderia ser tra- Campos, no seu Método Paidéia, onde se obje-
duzida como “um processo de co-constituição de tiva articular clínica, saúde pública e gestão em
maior capacidade dos sujeitos de compreende- busca de uma síntese representada pelo respeito
rem e agirem sobre si mesmos e sobre o contexto, ao saber técnico e ao popular, mas considerando
conforme objetivos democraticamente estabele- sobretudo os interesses e os desejos dos agrupa-
cidos”. Ou ainda, como a capacidade do sujeito mentos. Dessa forma é possível combinar lógi-
de lidar com sua rede de dependências. De vá- cas distintas, colocando os objetivos institucio-
rios fatores dependem o grau de autonomia de nais em questão, mas nunca paralisando a ação
um indivíduo ou de um grupo, como: o grau de social, assumindo, portanto, a defesa da vida e
informação, as leis que o(s) regem, os valores cul- ampliando a análise e a intervenção dos indiví-
turais, a capacidade crítica e o poder de interferir duos e agrupamentos envolvidos nas ações das
diante das situações do quotidiano, entre outros. organizações de saúde.
O exercício na construção de um processo
de trabalho, de fato coletivo, deve estar presente
no modo de vivenciar o trabalho da equipe de Trilhas a percorrer: profissionais e
saúde da família. Na perspectiva de construir o comunidade compartilhando saberes e
fortalecimento e a autonomia das pessoas e dos tecendo redes no campo da saúde
grupos, tornando-os capazes de conhecer seus
problemas e agir sobre eles, vem sendo utilizado Atualmente, a prática diária dos pro-
o Método da Roda. Este preconiza o “encontro” fissionais de saúde da família, em sua grande
105
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
maioria, está limitada à tentativa de resolução vem construindo como possibilidades de trans-
das demandas clínicas dos usuários que conse- formação da vida do lugar com base nas poten-
guem ter acesso às unidades de saúde, onde não cialidades locais. As situações-limite6, são aqui
há espaço para a compreensão das histórias de entendidas como aquilo que dificulta a concre-
vida, riscos e vulnerabilidades, ou sua forma de tização dos sonhos, desejos e necessidades e que
integração na comunidade. Além do mais, tam- propõe uma ação compartilhada, onde atores
bém não é habitual a inserção do profissional sociais e institucionais constroem co-respon-
na comunidade, de forma que são perdidas mui- sabilidade social, em um processo que inclui a
tas oportunidades de saber como estas pessoas discussão, a reflexão crítica e a possibilidade de
vivem, trabalham, adoecem, produzem saúde, ajudar a resolver.
privando os profissionais de um olhar mais am- Essa retomada crítica das lutas da comuni-
plo sobre a comunidade e seu contexto sócio- dade, entendidas como as respostas aos desafios
político-cultural. Desta forma, se constroem mais prementes da realidade, as festas populares,
indicadores e análises equivocadas da realidade, a arte e a cultura em suas celebrações, potencia-
que muitas vezes vão constituir barreiras para liza o compartilhamento de saberes e incorpora
intervenções mais efetivas. a visão da integralidade a partir do trabalho com
As justificativas para este modo de fazer a memória social, buscando construir imagens
saúde vão desde a demanda excessiva, a quanti- de transformação e uma análise coletiva sobre o
dade insuficiente de profissionais com formação processo, onde as potencialidades e as subjetivi-
em saúde da família, as dificuldades na organiza- dades possam ter espaço e onde atores diversos
ção dos serviços até o modelo de formação atual, podem tecer redes de solidariedade e trilhar ca-
centrado na doença e voltado para o consumo de minhos de interdisciplinaridade, propiciando na
serviços e insumos, que desconsidera os contex- prática a descentralização das ações de saúde e
tos sociais e as noções sobre território. conferindo aos sujeitos coletivos populares, voz
Torna-se imprescindível despertar os pro- e espaço de reflexão-ação (práxis), continuados.
fissionais de saúde à incorporação de um olhar Esse processo de aproximação tem na
ampliado sobre a comunidade, bem como de fer- observação participante um dos instrumentos
ramentas necessárias para a compreensão da di- fundamentais para os profissionais por enfatizar
mensão do contexto comunitário e do território as relações informais do profissional no campo
como um espaço de superação de situações de considerando sua implicação com a comunida-
risco, conflito e vulnerabilidades, aproximando de, já que a proposta de atuação da saúde da fa-
os serviços de saúde das reais necessidades da mília implica a longitudinalidade e a construção
comunidade. de vínculos. Barbier1 discute a implicação “sob
A Política Nacional de Humanização tem o ângulo da vida psico-afetiva do sujeito e de seu
apontado alguns dispositivos como o acolhi- imaginário”. Para ele, implicar-se consiste em
mento, a ambiência, a clínica ampliada e a gestão reconhecer simultaneamente que, à medida que
compartilhada, que direcionam para práticas de alguém implica o outro, também é implicado
saúde pautadas na ótica do cuidado e do prota- por ele. A implicação promove o engajamento
gonismo dos diversos atores do campo da saúde, profundo, uma espécie de radiografia do ser, par-
inclusive o usuário9. ticularmente, quando o profissional está lidando
Diante disso, um ponto de partida é a re- cotidianamente com pessoas em situação-limite.
constituição da história coletiva da comunidade, Neste contexto, a implicação de que falamos está
suas lutas, as situações – limite que vivencia e ligada à interação dos sujeitos-atores na sua rela-
as estratégias de resistência que historicamente ção com as suas realidades concretas.
106
Capítulo 10 • A construção de novas práticas em saúde da família a partir da interação com os sujeitos populares
Nesse percurso uma outra ferramenta fissionais e população, através dos corpos, falas,
importante diz respeito aos testemunhos e nar- culturas, que são matrizes fundamentais da nos-
rativas de vida que trazem as possibilidades de sa identidade e que por sua capacidade de per-
um saber coletivo carregado de historicidade, manecer vinculada às fontes da vida e da morte
subjetividade e sentidos. As narrativas incor- das comunidades, podem estimular a criação
poram a oralidade e potencializam a atualiza- de laços solidários e comprometidos com a li-
ção temporal e espacial desses atores-sujeitos bertação, constituindo-se como elo que articula
em seus discursos. saberes diferenciados, sensibiliza os diferentes
Trabalhar com as narrativas e a observação atores envolvidos e exprime as representações
participante pressupõe uma escuta sensível que, que o homem constrói a partir da sua leitura do
segundo Barbier1, está ligada à compreensão “do mundo na perspectiva de conhecer e intervir so-
universo afetivo, imaginário e cognitivo do ou- bre a realidade7.
tro, reconhecendo-o e respeitando-o, entretan- Nesse sentido, Merhy8, traz à cena a noção
to, sem aderir às suas opiniões, apoiando-se na de “trabalho vivo em ato” onde o conjunto de
empatia e na totalidade complexa da pessoa”. atores sociais possam, efetivamente, instituir-
Essas ferramentas vão potencializar a se como construtores e produtores de saúde,
construção de uma abordagem multi-referencial permitindo-se e permitindo a criação de novos
dos acontecimentos, situações e práticas indivi- processos de trabalho a partir da convivência e
duais e coletivas1 que permitirá a construção de complementaridade de saberes.
interfaces com os diversos campos e setores que Finalmente não podemos esquecer que o
atuam no âmbito do território. território vivo em sua complexidade traz consi-
A construção dessas trilhas pelo universo go uma trama complexa de cenários e contextos,
de comunidades tão singulares em suas culturas de micro-poderes constituídos, de concepções
implica uma aproximação com essas dimensões de mundo e de saúde, com as quais será neces-
tão significativas para a compreensão dos pro- sário contracenar, explicitando situações confli-
cessos do adoecer e do viver daqueles com quem tuosas e aprender cotidianamente a enfrentá-las
os profissionais trabalham sua ação cotidiana. de forma coletiva, tentando fazer uma suspen-
Nesse sentido, as várias linguagens da arte, são crítica sobre a realidade, tecer conexões en-
da comunicação popular, as práticas populares tre os micro-universos das comunidades e seus
de cuidado, a caminhada dos grupos e movi- sujeitos-atores, buscando fazer o movimen-
mentos organizados, permitem tocar dimensões to dialético de desvelar o mundo partindo da
mais totalizadoras do sujeito e, em geral esqueci- ação-reflexão-ação que nos remete à percepção
das nos processos de conhecer, como a do corpo, da nossa incompletude6.
da estética, da ética, da espiritualidade, da afeti-
vidade – em um construto que vincula desejo e
cognição, intuição e sensibilidade e nos remete
a algumas questões chave para a construção das
práticas de saúde: a humanização e o nosso pa-
pel como educadores.
Para Freire6, educar é tornar os sujeitos
mais humanos e humanizar seria situar os pro-
cessos e práticas de saúde nos anseios e nas lutas
dos setores populares partindo do diálogo, da
convivência e interação de saberes entre pro-
107
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
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11. Santos M, Silveira ML. O Brasil: território e so-
ciedade no início do Século XXI. Rio de Janeiro.
108
Capítulo 11
A pesquisa na medicina de dos bem definidos, estruturados a partir de teorias
família e comunidade e de hipóteses, com a finalidade de explicar fatos.
Essa sistematização de teoria e de hipóteses em
ricardo José soares Pontes
alBerto novaes raMos Junior um sistema de proposições descritivas da realida-
renan MaGalhães MonteneGro Junior de é que dá corpo e constitui a teoria científica.
alcides silva de Miranda O objetivo maior não é saber como os con-
textos realmente são, mas sim o de desenvolver ex-
plicações que auxiliem em uma interação dinâmica
com o mundo, seja a partir da previsão (o que vai
Introdução à pesquisa acontecer), seja da ação (como se pode intervir).
De uma forma geral, pode-se classificar a
109
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
110
Capítulo 11 • A pesquisa na medicina de família e comunidade
111
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
munidade) onde a exposição da população a ris- de qualquer associação estatística (acaso, viés,
cos pode ser minimizada ou onde capacidades confusão) e julgar se a associação estatística en-
individuais ou coletivas podem ser potencializa- contrada representa uma relação de causa-efeito.
das; 2) o sistema de saúde (incluindo serviços
sociais e de saúde); 3) outros setores (trabalho,
educação, judiciário, ambiente etc) e 4) políticas Pesquisa no contexto da atenção básica
macro-econômicas.
Ao longo dos últimos 16 anos, o Fórum A Medicina de Família é uma especiali-
Global de Pesquisas em Saúde define como dade médica que privilegia a Atenção Primária
prioridades de pesquisa em saúde o estudo de de Saúde que tem a responsabilidade de lidar
determinantes/condicionantes e fatores de risco com questões e problemas que envolvem gran-
à saúde: sistemas e políticas de saúde; sistemas de complexidade. É de esperar, portanto, que a
de informação em saúde; desigualdades econô- formação de especialistas e a pesquisa nessa área
micas e de gênero; eqüidade em saúde; finan- envolva aspectos igualmente complexos.
ciamento e custo em saúde, desenvolvimento de No Brasil, o Programa Saúde da Família
capacidades para políticas de saúde; pesquisa (PSF) surge como uma estratégia de reorientação
em saúde mental; impacto do desenvolvimento do modelo assistencial a partir da atenção básica,
de outros setores na saúde; sustentabilidade e em conformidade com os princípios do Sistema
desenvolvimento da pesquisa em saúde; degra- Único de Saúde (SUS). Traduz uma nova manei-
dação ambiental; pesquisa em nutrição infantil; ra de trabalhar a (e na) saúde, tendo a família
segurança alimentar; educação formal; gestão de como centro de atenção e não somente o indi-
alimentos e água; pesquisa em justiça social; saú- víduo doente. Espera-se que as equipes de PSF,
de do trabalhador; reprodução e contracepção e funcionando adequadamente, tenham uma reso-
dinâmica populacional. Esse mesmo fórum defi- lubilidade de aproximadamente 85% em termos
niu como prioridades de pesquisa em doenças e dos problemas de saúde em sua comunidade.
agravos: doenças tropicais (malária, leishmanio- O PSF propõe, portanto, uma nova dinâ-
ses, doença de Chagas, esquistossomose, hanse- mica para a estruturação dos serviços de saúde,
níase etc); co-infecção tuberculose-infecção pelo promovendo uma relação dos profissionais mais
HIV; doenças infantis (respiratórias e diarréi- próximos do seu objeto de trabalho. Essa relação
cas); doenças sexualmente transmissíveis; den- é estruturada a partir do compromisso de pres-
gue; mortalidade materna; câncer e diabetes; tar assistência integral e resolutiva a toda popu-
doenças cardiovasculares; transtornos mentais lação, a qual tem seu acesso garantido por meio
e neurológicos; acidentes-violência e seqüelas; de uma equipe multiprofissional e interdiscipli-
doenças crônico-degenerativas em geral. nar, que presta assistência de acordo com as re-
Do ponto de vista da pesquisa epidemioló- ais necessidades dessa população, identificando
gica, parte-se de uma suspeita em relação a uma os fatores de risco aos quais ela está exposta e
possível influência de um fator na ocorrência de neles intervindo de forma apropriada.
uma doença (prática clínica, análise de padrões Nessa perspectiva abrem-se inúmeros
da doença, observações laboratoriais ou especu- espaços para o desenvolvimento de pesquisas.
lações teóricas) para a partir daí formular uma Dentro da Política Nacional de Atenção Básica
hipótese específica e testá-la por meio de estudos de 2006, definiu-se que cabe ao governo federal
epidemiológicos que incluem grupos adequados promover o intercâmbio de experiências e esti-
de comparação. A idéia é determinar a existência mular o desenvolvimento de estudos e pesquisas
de uma associação estatística, avaliar a validade que busquem o aperfeiçoamento e a dissemina-
112
Capítulo 11 • A pesquisa na medicina de família e comunidade
113
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
114
Capítulo 11 • A pesquisa na medicina de família e comunidade
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115
Capítulo 12
A medicina de família serviços de saúde. O que pode parecer uma re-
e a tecnologia de informação dundância contempla, na verdade, objetivos di-
ferentes. Só o direito conquistado não garante
Marcello dala Bernardina dalla
que a informação vai estar disponível de forma
facilitada. Ainda impera o desafio de se atender
plenamente aos princípios citados.
Historicamente as medidas do estado de
saúde da população não são novidade, reporta-
se inicialmente ao registro de dados de mortali-
Introdução dade e de sobrevivência (estatísticas vitais), mas
que hoje se ampliou com a melhor compreensão
Vive-se na era da informação, o que não do processo saúde – doença – cuidado, buscando
necessariamente significa estar na era da comu- mensurar os complexos aspectos desse trinômio.
nicação. O uso da informática, apesar de inten- Nesse sentido o SUS pode ser entendido como
sificado nos últimos anos, não resolveu eternos um grande sistema de informação com vários
problemas inerentes à espécie humana. Moder- subsistemas, que contempla desde a circulação
namente passa-se a idéia de que basta ter um de recursos financeiros como dados demográfi-
computador e todos os problemas estão resolvi- cos e epidemiológicos.
dos. A saúde, como área de conhecimento hu- Os registros do Departamento de Infor-
mano, não foge dessa constatação. mática do SUS (DATASUS), que integram em
Os recursos da tecnologia da informação rede Sistemas de Informação em Saúde (SIS),
mais conhecidos, acessíveis pela Internet, são as têm servido de fonte de dados para produção
bibliotecas virtuais, bases primárias de informa- cientifica de ótima qualidade, como monogra-
ção médica, revistas eletrônicas, a telemedicina, fias, dissertações de mestrado, teses de doutora-
sítios especializados em medicina baseada em do e artigos científicos, mas não têm sido uma
evidências ou de especialidades médicas, listas ferramenta cotidiana para as equipes que atuam
e fóruns de discussão. Várias são as possibilida- em atenção primária.
des, o que tem estimulado o exercício do bom
senso na busca de informação adequada para
tomada de decisão, tanto clínicas como para o Situação Problema
planejamento em saúde.
Uma das expressões mais marcantes do O Dr. Ricardo foi convidado para ocu-
uso da tecnologia de informação é o próprio par um tempo numa reunião da associação de
Sistema Único de Saúde (SUS), cuja implanta- moradores da comunidade em que atua como
ção conciliou o forte desejo de abertura políti- médico de família e comunidade. O Presiden-
ca e liberdade de expressão de idéias em todos te adiantou para ele que gostaria de algumas
os meios e o momento de ampliação do uso da informações sobre a saúde daquela população,
informática em todo o mundo. Democratizar as especialmente se morrem muitas crianças, se as
informações atende a dois princípios do SUS; mulheres fazem preventivo, se as crianças estão
um deles é o direito à informação e outro a di- vacinadas e do que ficam doentes as pessoas da-
vulgação de informações sobre o potencial dos quela comunidade.
117
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
118
Capítulo 12 • A medicina de família e a tecnologia de informação
rede mundial de computadores, pode oferecer Apesar de pouco utilizado e de não desa-
subsídios para análise objetiva da situação sani- gregar informações até o ponto de atuação das
tária, tomada de decisões baseadas em evidên- equipes de saúde, o DATASUS, como pode ser
cias e programação de ações de saúde; quando visto, oferece um amplo leque de possibilidades
utilizado racionalmente trata-se de uma excep- para o médico de família. Um exemplo extre-
cional ferramenta para a realidade do médico mamente útil são os Cadernos de Informação
de família brasileiro disponibilizando dados para Saúde organizados em planilhas, séries
de morbidade, demográficos, rede assistencial, históricas e gráficos, em que se disponibilizam
condições ambientais e de vida da população dados demográficos, saneamento, rede assis-
proporcionando a possibilidade de construção tencial (ambulatorial e hospitalar), dados sobre
de indicadores que instrumentalizam o planeja- assistência e morbidade hospitalar, informações
mento em todos os níveis de atenção. sobre nascimentos, mortalidade e imunizações.
Suas principais linhas de atuação são: Há uma planilha específica sobre atenção básica
• Manutenção das bases nacionais do Sis- usando o SIAB como fonte. Inclui dados de co-
tema de Informações de Saúde; bertura de PACS, PSF, visitas domiciliares, co-
• Disseminação de Informações em Saú- bertura vacinal, aleitamento materno, cobertura
de para a Gestão e o Controle Social do de pré-natal, mortalidade infantil por diarréia,
SUS bem como para apoio à Pesquisa prevalência de desnutrição, hospitalização por
em Saúde; pneumonia e desidratação, além desses, infor-
• Desenvolvimento de sistemas de infor- mações sobre pagamentos e transferências, e or-
mação de saúde necessários ao SUS; çamentos públicos. (vide o passo-a-passo para o
• Desenvolvimento, seleção e dissemina- acesso aos Cadernos de Informação na resposta à
ção de tecnologias de informática para a situação problema no final do capítulo)
saúde, adequadas ao país; Entre os serviços oferecidos encontram-
• Consultoria para a elaboração de siste- se Cursos à Distância (disponíveis em outubro
mas do planejamento, controle e opera- de 2006):
ção do SUS; • Análise da Situação de Saúde.
• Suporte técnico para informatização dos • Noções básicas sobre Tabwin.
sistemas de interesse do SUS, em todos • Sistemas de Informações em Saúde - SIS.
os níveis; • Informação no Planejamento e no Con-
• Normatização de procedimentos, sof- trole Social do SUS.
twares e de ambientes de informática • Capacitação em Tutoria e Monitoria.
para o SUS;
• Apoio à capacitação das secretarias esta- É oferecido no espaço ambientes colabo-
duais e municipais de saúde para a ab- rativos os seguintes grupos (disponíveis em ou-
sorção dos sistemas de informações no tubro de 2006):
seu nível de competência; • Manejo Clínico
• Incentivo e apoio na formação da RNIS • Multiplica SUS
- Rede Nacional de Informações em • Informações em Saúde
Saúde na Internet, e outros serviços • Curso �ásico sobre o SUS
complementares de interesse do SUS • DST/AIDS - Aconselhamento
como redes físicas (InfoSUS), BBS e • Ambiente Tecnologias em EAD
vídeo-conferência. • Vigilância ambiental
119
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
Por que os sistemas de informação não são todos os níveis de gestão e gerência, seguindo
uma ferramenta de trabalho no cotidiano a lógica do “médico tem que atender”.
das equipes?
• Registro médico: Os vícios observados em
• Educação: Os currículos de graduação não prontuários escritos acabam por se repetir
enfatizam o acesso a tecnologias de informa- nos eletrônicos, exceto pela legibilidade. Os
ção como relevantes para a prática médica. registros dos serviços de saúde são muito pre-
Há ausência, em grande parte, das institui- cários, ininteligíveis e há uma diversidade de
ções de Ensino Superior (IES), de labora- formatos, o que torna impossível a compre-
tório de informática em número suficien- ensão. A rotatividade dos profissionais das
te, e usados em momentos inadequados da equipes de PSF favorece a desorganização
formação, geralmente em fases iniciais do pela variação de registro em um mesmo pron-
curso de medicina, dissociando-se da prá- tuário. O resultado é a impossibilidade em se
tica clínica. Assim, o aluno acaba por não realizar qualquer análise ou estudo tomando
enxergar as tecnologias como ferramentas por base o prontuário escrito.
de uso cotidiano. Nas fases mais avançadas
exalta-se a atenção ao paciente e pratica- • Falta de investimento em informática: De
mente não existem atividades programadas um modo geral não há computadores em
nos laboratórios. Unidades de Saúde, e quando existem, não
se disponibiliza acesso à Internet de maneira
• Desinteresse por parte dos profissionais: adequada, ou só pode ser utilizada pela coor-
Há uma aversão ao uso da informática pelo denação das equipes e em alguns raros casos
profissional de saúde, do qual espera-se dedi- para registro em prontuário eletrônico.
cação apenas à atenção e quando tenta ampliar
seu papel, acaba divergindo dos interesses da • Falta de retorno de relatórios: Invariavelmen-
equipe e das gerências, invariavelmente foca- te não há retorno de relatórios dos sistemas de
das na manutenção da produtividade. informação, e quando acontece, os relatórios
ficam em poder da coordenação, não chegando
• Desarticulação das esferas municipal, es- ao profissional que os produziu. Entre as vá-
tadual e federal: A maior parte dos sistemas rias repercussões ocorre a frustração por “pre-
de informação em saúde (SIS) federal foram encher tanto papel e não saber para onde vai”.
concebidos sem a participação efetiva dos
municípios e estados o que pode contribuir • Entendimento de pesquisa como exclusiva
historicamente para a divergência de interes- da academia: De fato, torna a produção de
ses e entendimento de processo de dimensão informação como uma ação distante do mé-
nacional e a sua integração crescente. dico que atua em APS. As unidades de saúde
foram concebidas como local exclusivamen-
• Enfoque na atenção: O profissional de saúde te de trabalho, não há espaço adequado para
não está preparado para planejar sua prática, estudo individual ou em grupo, o que reflete
busca em geral dar conta da demanda de con- uma prática superada em grande parte pelos
sultas, sobretudo em municípios de pequeno hospitais ao se criar centros de estudo. A di-
porte em que o gestor exerce ainda uma função ficuldade para o uso dos sistemas de informa-
patriarcal sobre os serviços de saúde, compor- ção pode afastar ainda mais o profissional de
tamento reproduzido hierarquicamente em pesquisas para compreensão de sua realizade.
120
Capítulo 12 • A medicina de família e a tecnologia de informação
• Defasagem e erros dos dados: Um dos moti- de equipamentos podem ser proporcionadas
vos do uso incipiente das tecnologias de infor- pelos gestores estadual ou municipal. Outra
mação pelas equipes de saúde é o argumento possibilidade é a aquisição de quantidades
de que os dados são defasados e incorretos, maiores quando compradas em grupo, o que
esquecendo-se que são disponibilizados o que pode baratear o custo, mas não dispensa o
municípios e estados informam, e após revisão gestor de disponibilizar equipamentos nas
em vários níveis dos sistemas, minimizando as Unidades de APS.
falhas. Os argumentos dos erros e da desatu-
alização são utilizados por empresas privadas • Aproveitar aqueles que se interessam pelo
da área de informática, que não têm a mesma uso da informática como multiplicadores:
responsabilidade dos gestores do sistema e que Alguns profissionais avançam no conheci-
invariavelmente não conseguem dar continui- mento da informática e do Sistema de In-
dade a sistemas alternativos implantados. formação e podem ser úteis para os demais
colegas, desde que dispostos a compartilhar
conhecimentos e tendo tempo garantido pe-
Como superar essas limitações? los gestores e gerentes para tal função.
121
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
a percepção da inexistência da distância físi- vimento das comunidades em que atua, mesmo
ca e a facilidade em comunicar-se com outros que não se esforce para isso, pois seu papel trans-
profissionais, formando-se uma rede que atua cende o de atender doenças. Em outras palavras,
de forma sistêmica e ganha vida própria. Tra- a demanda por ferramentas de informática pode
ta-se de uma revolução invisível e silenciosa ajudar a encontrar alternativas que em pouco
que, como qualquer uma por que passaram os tempo trarão benefícios para todos.
seres humanos, corre o risco das exclusões. Apesar do tempo curto, é importante que
Somente democratizando o acesso às tecnolo- o Dr. Ricardo não esqueça de utilizar seu pa-
gias e ao seu uso racional e pacífico é possível pel de comunicador com a população, e mesmo
superar esse limite. que não consiga as informações necessárias é
importante que diga a verdade. Mesmo assim,
• Informação como ferramenta de decisão o que o presidente da Associação solicita é fun-
política: O uso adequado da informação faz damental para pactuar determinadas ações com
parte do processo de amadurecimento dos a comunidade.
gestores e conselhos de saúde. Quanto mais Caso seja possível o acesso à Internet e ao
democrático o processo de tomada de deci- DATASUS, vale lembrar que o Sistema acessa-
são mais sentir-se-á a necessidade de deci- do pela rede não permite a desagregação além
dir sustentado em evidências e informações do município; mas pode ser útil como primeira
apropriadas. apresentação, sugerindo-se na reunião a neces-
sidade de se aprofundar as informações sobre a
O uso intensificado das tecnologias de comunidade local. Usar os dados do município
informação vem demonstrando que não é uma para comparação e demonstrar a diversidade
panacéia, mas um dos grandes aliados na prática das populações num mesmo município e dentro
do médico de família e comunidade. Além dis- de um mesmo bairro, pode facilitar o entendi-
so, quanto mais se incorpora tecnologias duras mento sobre micro áreas de risco no processo de
à prática clínica, mais se exalta a necessidade territorialização e definir prioridades no plane-
de médicos que tenham sua prática centrada na jamento local.
pessoa. Desse profissional contemporâneo exi- Seria importante que, mesmo sem a pre-
ge-se um amplo leque de conhecimentos, mas sença do responsável pela digitação dos dados, o
que precisa, sobretudo, saber onde buscá-los Dr. Ricardo estivesse apto a retirar relatórios do
de forma eficiente para ser cada vez mais reso- SIAB ou dos outros sistemas implantados, e nem
lutivo. Nesse sentido, o exercício do bom senso sempre é preocupação nos cursos de residência e
na tomada de decisões vem sendo revalorizado, pós-graduação a inclusão desse conteúdo.
pois nada substitui a sensibilidade humana na No Site www.datasus.gov.br, acesse na bar-
interação pessoa-pessoa. ra de rolagem Informações de Saúde, depois In-
dicadores de Saúde, selecione a opção Caderno
de Informações De Saúde, clique em OK, e es-
Sugestão de resposta para “situação problema” colha entre as opções descritas (Brasil, Regiões
do Brasil ou o Estado) ou clique no MAPA do
Primeiramente esse tipo de situação é mais BRASIL o estado sobre o qual deseja informa-
comum do que se imagina, mas a necessidade ções. Ao clicar em um Estado, abrirá nova janela
faz com que o Médico de Família possa ser reco- em que se pode escolher o Caderno do Estado ou
nhecido como um recurso para a comunidade, por Município. A fonte de dados é o SIAB.
e a sua atuação pode potencializar o desenvol-
122
Capítulo 12 • A medicina de família e a tecnologia de informação
Cohn A, Westphal MF, Elias PE. Informação e de- Vaughan JP, Morrow RH. Epidemiologia para os
cisão política em saúde. Rev. Saúde Pública. 2005; Municípios: manual para gerenciamento dos dis-
39(1) [Acesso em: 19 Out 2006]. Disponível tritos sanitários. Tradução: Carlos Dora, Iná dos
em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ Santos Hallal, César Gomes Victora. 3. ed. São
arttext&pid=S0034-89102005000100015 - Paulo: Hucitec, 2002. Tradução de: Manual of
&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 19 Out 2006. epidemiology for district health management.
123
Capítulo 13
Complexo produtivo da saúde os grupos médicos. Neste complexo de relações
hésio cordeiro caberá, ainda, analisar o papel das empresas de
seguro privado como segmento do capital finan-
ceiro articulado aos grupos médicos, a níveis na-
cional e internacional.
Finalmente, o recorte analítico das em-
presas médicas deverá levar em conta as relações
fundamentais que se estabelecem com os demais
segmentos do complexo médico-empresarial e
Introdução estatal, tais como hospitais particulares, labora-
tórios e clínicas de imagem.
Os estudos sobre as articulações entre a Ao definir tal objeto procuramos dar ma-
prática médica e outras práticas sociais na socie- tizes ao que habitualmente tem sido chamado de
dade capitalista brasileira têm indicado uma ten- medicina privatizada ou medicina empresarial.
dência a subordinar as prestações de serviços de O conceito aqui estudado presume a existência
saúde às relações sociais de produção, às práticas de formas ou “modos” diversos de prestação de
ideológicas e políticas em uma perspectiva de assistência médica, cuja unidade e heterogenei-
transversalidade. Estas pesquisas ora se voltam dade traduzem processos contraditórios de su-
para o processo de “privatização” cujo motor bordinação da prática médica ao Capital.
principal tem sido o neoliberalismo que a partir Para se entender o processo de subordina-
dos anos 90 substituiu as políticas previdenciá- ção deve-se estudar o papel das políticas estatais
rias dos anos 60-8417,12, ora se dirigem à análise de saúde e a influência dos organismos inter-
das transformações do processo de trabalho mé- nacionais de cunho multilateral na difusão das
dico que envolvem relações entre os agentes do políticas neoliberais dos países “centrais” aos
trabalho médico, os meios de trabalho e o objeto periféricos,em desenvolvimento ou de desenvol-
da intervenção médica14. vimento capitalista tardio4.
O objeto central de nossas reflexões é um Outro aspecto é a dinâmica endógena do
aspecto particular da penetração das relações processo de constituição e expansão das empre-
capitalistas na prática médica: o surgimento e sas médicas, procurando identificar suas estraté-
desenvolvimento das empresas médicas. Tais gias de consolidação e desenvolvimento.
empresas têm como expressão mais destacada os Os primeiros grupos médicos foram or-
grupos médicos ou Medicina de Grupo concei- ganizados nos Estados Unidos da América, na
tuada como o modo de prestação de cuidados de segunda metade do século XIX. Iniciaram-se
saúde mais tipicamente capitalista10. Este setor com o atendimento a empregados das compa-
médico-empresarial apresenta múltiplas e com- nhias ferroviárias que faziam a ligação da costa
plexas facetas que representam, talvez, formas do Atlântico à do Pacífico, o que implicou em
de transição de um processo de subordinação deslocamentos de grande massa de trabalhado-
formal à subordinação real19 da prática médica res para regiões inóspitas e carentes de recursos
no capitalismo. As formas mencionadas são as médico-assistenciais.
cooperativas médicas e os hospitais privados lu- A adoção deste modelo assistencial con-
crativos ou filantrópicos, aos quais se acoplam teve, desde seu inicio, o financiamento dos cui-
125
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
dados à saúde através dos sistemas de pré-paga- to de serviços médicos. Para o atendimento dos
mento, estipulado a partir de cálculos atuariais, assalariados urbanos ligados ao complexo agro-
segundo os riscos da população a ser atendida. exportador pareciam suficientes os hospitais das
Posteriormente esta modalidade foi incorporada Santas Casas de Misericórdia que se concentra-
pelos setores industriais de ponta, constituindo vam nas áreas mais ativas do complexo cafeei-
uma alternativa às mutualidades operárias e à ro, bem como o atendimento médico dirigido
previdência estatal. Durante quase toda a primei- à burguesia comercial e financeira, à oligarquia
ra metade do século XX, a medicina de grupo nos rural, a assalariados e funcionários públicos de
EEUU sofreu críticas e pressões políticas por par- renda mais alta.
te da Associação Médica Americana, em virtude A etapa correspondente a um novo padrão
do assalariamento do trabalho médico que vio- de acumulação levando ao aumento da popula-
lentava a ideologia liberal e a prática autônoma ção assalariada no setor industrial e no comer-
da Medicina. Somente em 1943 a Suprema Corte cio e outros serviços resultou em concentração
Americana estabeleceu o reconhecimento legal nos principais centros urbanos. Assim há duas
da Medicina de Grupo, normalizada e reconheci- hipóteses possíveis: a) o movimento do capital,
da pela Associação Médica apenas em 197311. ao subordinar a prática médica, decorreria de
No Brasil, Barbosa3 relata que as primei- investimentos oriundos dos lucros obtidos por
ras empresas de Medicina de Grupo foram or- capitalistas dos setores produtivos ou da esfera
ganizadas entre 1925 e 1935 tendo à frente Luiz de serviços? Ou b) existiriam outras formas que
Gonzaga Vianna Barbosa (Instituto de Medicina desencadeariam a capitalização da prática médi-
e Cirurgia, em Campinas e Beneficência Médica ca, preparando as condições para uma penetra-
Brasileira S/A, em São Paulo, João Penido Bur- ção intensiva do capital no emergente complexo
nier (Instituto Penido Burnier, em Campinas) e médico-empresarial?
Leonel Tavares Miranda de Albuquerque (Insti-
tuto Clínico de Madureira, no Rio de Janeiro).
Contudo, os grupos médicos só viriam a O conceito de serviços e os serviços de saúde
se consolidar como modalidade assistencial após
1956 quando foi criada, em São Paulo, a Policlí- Os serviços podem ser diferenciados em
nica Geral. O hiato identificado necessita de um dois ramos de atividades: 1) aqueles relaciona-
trabalho de pesquisa para estudar as razões da dos diretamente a esfera da circulação de bens
não persistência dos “precursores” e a transição materiais como os serviços bancários envolvidos
para o surgimento dos grupos médicos em plena na circulação do capital-dinheiro como meio
etapa desenvolvimentista e de expansão da in- circulante e meio de pagamento7,26; 2) o con-
dustrialização pesada do país. junto de serviços “strictu sensu” ou serviços de
Como enunciado geral, carente de compro- consumo como propôs Singer28. Os serviços de
vação histórica, podemos sugerir que os primei- consumo englobariam uma heterogeneidade de
ros grupos médicos não encontraram condições práticas tais como serviços prestados por empre-
adequadas para se consolidar dada a inexistência gados domésticos, os de reparação de bens du-
de grandes massas operárias e de outras catego- ráveis, de consumo, de lazer, de educação e de
rias assalariadas vinculadas a setores industriais saúde, entre muitos outros.
ou de serviços, o florescimento das Caixas de Em ambos inclui-se um conceito abs-
Pensões e Aposentadorias após 1923 e a carência trato que diz respeito ao conjunto de práticas
de excedentes capitalistas que pudessem ser ca- que permita ou facilite o consumo de qualquer
nalizados pelas próprias empresas para contra- valor de uso, ou seja, que “constitua a efetiva
126
Capítulo 13 • Complexo produtivo da saúde
127
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
volvimento capitalista tardio como uma “incha- produtivos, nos quais o capital pode trabalhar
ção” patológica do setor. Ao contrário, é a forma novamente as diversas etapas de desenvolvi-
histórica em que se estabeleceram as relações en- mento, até que também começa a explorar-se
tre as esferas de produção, da circulação e do con- em escala social, esses novos ramos da atividade.
sumo nos ciclos de desenvolvimento capitalista. É esse um processo contínuo. Simultaneamente,
Portanto, o setor serviços não deve ser compre- a produção capitalista tende a conquistar todos
endido como um setor extra-econômico que não os ramos industriais dos quais até agora não se
guarde nenhuma relação com a produção. apropriara e nos quais ainda existe a subordina-
As atividades não-produtivas que o cons- ção formal.”
tituem não nos autorizam a excluí-las da esfera A preocupação de Marx estava centrada no
das práticas econômicas, situando-as exclusiva- movimento do capital em relação à produção de
mente como práticas político-ideológicas diri- mercadorias, à circulação, às transformações do
gidas ao controle social e à instauração de uma capital mercantil e financeiro, com indicações
hegemonia de classe27. As transformações capi- bastante gerais sobre a subordinação às relações
talistas da prática médica representam uma situ- sociais capitalistas no setor serviços de consu-
ação peculiar das transformações do serviços na mo, um das quais destacamos:
sociedade brasileira. “A produção capitalista, por um lado à
produção dos produtos como mercadorias e, por
outro, a forma do trabalho como trabalho assa-
Subordinação formal e subordinação real lariado se absolutizam. Uma série de funções
da prática médica e atividades, envoltas outrora por uma auréola
e consideradas como fins em si mesmo, que se
No ramo dos serviços de saúde constata- exerciam de maneira honorária ou se pagavam
se, pelo senso comum, uma heterogeneidade obliquamente (como todos os profissionais...
aparentemente caótica de formas de organiza- médicos, advogados... se transformam direta-
ção da Medicina caracterizada pela coexistência mente em trabalhos assalariados...)19.
de clínicas de médicos autônomos, de hospitais A extensão da apropriação, privada a to-
privados lucrativos e filantrópicos, estatais, de dos os meios de produção, ampliando a subordi-
empresas de pré-pagamento e de operadoras de nação real dos processos de trabalho e tendendo
seguro-saúde. Na realidade, esta multiplicidade a liquidar as formas de subordinação formal,
de organizações representam um corte, em dado tem como conseqüência a generalização do tra-
momento, da dinâmica contraditória do proces- balho assalariado. Este mesmo processo colocou
so de subordinação da prática médica às relações para Marx a necessidade de distinguir, entre os
sociais capitalistas. diversos trabalhos assalariados, aqueles direta-
O movimento de subordinação dos modos mente ligados à produção de valor, a geração de
de prestação de serviços ao capital já fora indica- mais-valia.
do por Marx19 como uma tendência do capitalis- Daí a distinção entre o trabalho produtivo
mo em expandir-se a todas as esferas da produ- e o trabalho improdutivo. O caráter indicativo
ção e circulação: desta distinção provoca, ainda hoje, uma infin-
“Precisamente a produtividade do traba- dável polêmica que inclui a natureza do trabalho
lho, a massa da população e a massa da superpo- médico.1 Dentre os diversos autores que aborda-
pulação, desenvolvidas por este modo de produ- ram o tema aderimos à proposição de Gonçal-
ção, suscitam incessantemente – com o capital ves14 que esclarece que o trabalho empregado na
e o trabalho agora disponíveis – novos ramos produção de serviços médicos não deriva seu lu-
128
Capítulo 13 • Complexo produtivo da saúde
cro de uma função econômica imediata mas sim neração dos serviços médicos, subsídios, etc)
o obtém pela repartição e transferência para sua quer indireta (incentivos fiscais a capitalistas
órbita de uma parcela da mais-valia global pro- para deduzir do imposto de renda de pessoa ju-
duzida, a título de remuneração de serviços, não rídica os gastos de assistência médica). Também
gerando, portanto, mais-valia. decorre das possibilidades de barganhas diretas
Assim o trabalho médico em si mesmo im- com empresários, valendo-se de pressupostos
produtivo, cumpriria certas funções no processo ideológicos de que a compra de serviços médicos
de acumulação e reprodução ampliada do modo reduz o absenteísmo, aumenta a produtividade
de produção. Dentre elas, permitiria a redução e promove a paz social. Naturalmente que o su-
dos custos da reprodução da mão de obra tan- cesso deste “marketing” das empresas médicas
to dos trabalhadores do setor produtivo quanto dependerá da situação econômico- financeira
do improdutivo, mas todos necessários à repro- dos setores aos quais dirige suas propostas, tais
dução do modo de produção. Também permite como a capacidade de endividamento, lucros
a realização da mais-valia gerada pelos capitais médios e outros.
industriais cujos produtos são consumidos ex- As taxas de lucro das empresas médicas
clusiva ou preferencialmente pelos serviços mé- poderão ser reduzidas pela capacidade de reivin-
dicos (medicamentos e equipamentos). dicação dos assalariados deste setor para evitar a
Outra função seria a de aumentar a pro- tendência à diminuição real dos salários.
dutividade da força de trabalho com redução do O movimento do capital para os serviços
absenteísmo, maior higidez do trabalhador, con- médicos depende de forma considerável da taxa
tribuindo para o aumento da mais-valia relativa. de lucro do setor situar-se acima da taxa geral de
Esta função tem uma importância relativa quan- lucro médio, o que não é a regra geral. Disto decor-
do comparada com o processo de automação que re um processo mais lento e tardio de subordina-
está sendo crescente nos diversos ramos da pro- ção da prática médica comparativamente a outros
dução e dos serviços. Além disso, o investimento serviços e explica, em parte, porque tal prática não
de capitais particulares na produção de serviços assume necessariamente a forma empresarial.
médicos preserva o capital do setor produtivo A penetração das relações capitalistas nos
das funções improdutivas referentes à prestação serviços de saúde e no setor serviços em geral
direta ou indireta dos serviços médicos. provoca uma crescente divisão social do traba-
Concordamos com Nogueira22 quando ele lho e a reprodução da divisão social entre traba-
diz que o empresário dos serviços médicos, ao lho intelectual e o trabalho manual e essa mes-
fazer circular a força de trabalho e ao transfor- ma divisão dentro da categoria de trabalhadores
má-la em produtora de valores de uso, age como intelectuais, traduzindo-se em uma hierarquia
qualquer empresário produtor da circulação de de trabalhos e em uma distribuição desigual de
mercadorias. Portanto o capital nos serviços poder em favor de categorias de trabalhadores
médicos é uma variedade do capital mercantil. em que há maior componente intelectual. Há
Como tal, uma parcela do lucro dos capitalistas concentração do saber técnico-científico ou dos
do complexo médico-empresarial origina-se da saberes normativo e administrativo em segmen-
baixa remuneração dos assalariados do setor. tos deste corpo social, transformando-se em
Além disso, a taxa média de lucro das empresas “trabalho intelectual em cadeia”26.
médicas dependerá da capacidade dos empresá- O trabalho médico, por exemplo, se fra-
rios do setor de garantir a repartição das parce- ciona em atividades político-administrativas de
las adequadas dos lucros globais do capital, quer gestão, supervisão e controle, e em atividades
seja através da intervenção estatal direta (remu- diretamente ligadas à prestação do cuidado mé-
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Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
130
Capítulo 13 • Complexo produtivo da saúde
tecnológicas somente ocorrem sob certas relações do como elos unificadores o Sistema Único de
sociais. Por exemplo, o extraordinário avanço tec- Saúde e as operadoras de seguro-saúde regula-
nológico ocorrido após a II Grande Guerra, no das pela Agência Nacional de Saúde Suplemen-
campo da Medicina teve como marco histórico o tar (ANS). As políticas de saúde mobilizam os
desenvolvimento da indústria farmacêutica e de recursos humanos, tecnológicos, financeiros e
equipamentos, especialmente os elétricos e eletro- organizacionais para fazer com que tais elos te-
eletrônicos, viabilizada a incorporação pela forma- nham certa coerência no funcionamento do sis-
ção de novos conglomerados médico-hospitalares, tema de saúde.
de diagnóstico e tecnologias de tratamento. A in-
corporação de novos instrumentos diagnósticos e
terapêuticos determina a elevação dos custos de Políticas de saúde e o complexo estatal e
aquisição e manutenção, com rápida obsolescência empresarial da saúde
do setor relacionada às estratégias de acumulação
no segmento mencionado20. É responsável pelos O movimento de formação e desenvolvi-
custos elevados acompanhada de dificuldades de mento do complexo produtivo de saúde, denomi-
substituição de peças de reposição. nação que vem sendo crescentemente mais usada
Estas transformações levaram a que a inclusive pelo BNDES não é o resultado natural,
prática médica concentrasse em determinado decorrente de exigências técnicas da base econô-
momento os procedimentos mais complexos mica da sociedade. É um processo dinâmico, polí-
nas unidades hospitalares públicas (anos 50-60) tico-jurídico (SUS), ideológico (Reforma Sanitá-
mais recentemente com a abertura econômica ria) e econômico (complexo médico-empresarial
(anos 90) no setor privado. anteriormente assim denominado), envolvendo
Com o recente desenvolvimento da mi- interesses e lutas de grupos sociais, apoios em
crotecnologia e futuramente da nanotecnologia, oposições às políticas transformadoras no seio da
há tendência de desconcentração em unidades sociedade civil e do Estado. Até 1988 as políticas
ambulatoriais ou eventualmente nas unidades de assistência médica se concentravam no apa-
de saúde e residências. De qualquer modo a mo- relho previdenciário. Com a aprovação da nova
bilização dos recursos tecnológicos não depende Constituição Federal neste ano, embora aprova-
de uma decisão isolada do médico no colóquio do no texto constitucional a criação da Segurida-
singular, mas sim de um conjunto complexo de Social, a sua implementação não ocorreu e o
de procedimentos e protocolos onde intervém motor do SUS deslocou-se para o Ministério da
o “trabalhador coletivo de saúde” com diver- Saúde e de seus complexos processos decisórios
sos graus de especialização. Há um progressivo com o Ministério da Fazenda e do Planejamento.
deslocamento do espaço hospitalar tecnificado O papel do Ministério da Previdência Social foi
e racionalizado para uma rede de unidades de encolhendo progressivamente perdendo impor-
complexidade tecnológica variável. tância na dinâmica do complexo.
Nos setores estatais dirigidos ao atendi- Estas indicações apontam para uma ques-
mento das camadas de população de baixa renda tão teórico-metodológica: os aparelhos de Esta-
e nas empresas médicas especializadas para a co- do não são locais neutros a serem ocupados por
bertura destas camadas assalariadas (tipo convê- uma ou outra fração de classe ou grupo social em
nio - empresa) identificam-se unidades hospita- uma dada conjuntura. O Estado não pode ser
lares com menor grau de densidade tecnológica. reduzido a aparelhos, pois são também relações
Ao interior do complexo médico-empre- sociais, ideológicas, jurídico-políticas e econômi-
sarial se estabelecem funções especializadas ten- cas, simultaneamente, a partir de um conceito de
131
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
transversalidade institucional. De acordo com a com concentração do poder com os grupos mais
conjuntura, as lutas políticas pelo controle dos identificados com as ideologias da racionalização
centros de decisão geram modificações, transmu- e do tecnocratismo. Entre estes destacavam-se a
tações, duplicações, deslocamentos e contradi- Federação Brasileira de Hospitais, a Associação
ções na implementação e nos resultados das po- Brasileira de Medicina de Grupo e a Associação
líticas públicas, ainda que a burocracia estatal as Médica Brasileira.
justifique como necessidades técnicas neutras. A comparação que era feita entre o regime
A burocracia de estado não se constitui autoritário brasileiro e outros regimes da Amé-
em uma fração de classe, nem dispõe do poder rica Latina destacam que a dominação de classe
de Estado. O peso político que possa ter tido ou não pode ser entendida apenas pela repressão
ainda tenha deve ser entendido dentro dos limi- no caso brasileiro mas sim que são ações auto-
tes específicos da autonomia relativa do Estado protetoras, preventivas, não predominando um
frente às classes sociais. sistema de violência orgânica permanente. Há
No período de hegemonia do modelo pre- coerção e consenso, as políticas sociais assu-
videnciário com INAMPS, o limite de ação da mindo o papel de legitimação e normalização
burocracia se alargaria ou se reduziria sob a for- das relações sociais, segmentando as massas
ma de um leque de alternativas de políticas de populares ao identificar seus interesses com os
assistência médica, dependendo da articulação de interesses gerais da sociedade24,1. Constatam-se
interesses, das pressões e dos compromissos sela- estas funções com a expansão das empresas mé-
dos entre os vários segmentos da medicina priva- dicas, com a prestação de serviços aos setores
da, das frações da massa de trabalhadores segu- mais diferenciados e especializados dos traba-
rados e da burocracia previdenciária. A relativa lhadores do ABC de São Paulo, com a criação
estabilidade deste quadro ao longo da história da do Plano de Pronta Ação (PPA) da Previdência
Previdência Social correspondeu a uma certa ho- Social e a cobertura dos trabalhadores rurais
mogeneidade político-ideológica deste grupo, o pelo FUNRURAL10.
que lhe assegurou alguma autonomia e preservou A expansão das políticas sociais, com au-
o aparelho previdenciário como campo de sua mento do gasto público real foram criadas bre-
prática social e base de sua reprodução material6. chas estruturais entre receitas e despesas estatais,
Como propõe Cardoso6 os quadros buro- gerando uma situação latente de crise fiscal no
cráticos funcionavam no período nacional-po- sistema previdenciário e de saúde que se prolon-
pulista como um sistema difuso, segmentado, gou desde 1990 a 2006. As crises fiscais tendem a
articulando interesses múltiplos em anéis que resultar em decisões estatais que visam transfor-
entrelaçavam os interesses civis através de suas mar as despesas sociais em despesas de capital
organizações devido à inexistência de Partidos social23,5. O Estado intervem no sentido de pro-
e de organizações classistas. Daí pode-se enten- mover a penetração do capital em novos ramos
der que a persistência de tais quadros nas crises do sistema produtivo e de serviços de consumo,
políticas e mas mudanças de cúpula preservava daí ocorrendo a formação e desenvolvimento do
os anéis de interesses bem articulados inclusive complexo produtivo de saúde.
nos níveis intermediários de decisão. Com a ilusão da igualdade e com a eficiência
Somente após o movimento militar de empresarial há reivindicações de cuidados médi-
1964 e com a exclusão das massas populares cos em moldes de autonomia ou empresariamento
viria ocorrer uma reestruturação dos aparelhos porém com padrões de hotelaria e de atendimento
institucionais do Estado. Ocorreram processos das classes médias. É uma malha de dispositivos
de centralização e racionalização autoritários não-estatais de fixação do trabalhador ao sistema
132
Capítulo 13 • Complexo produtivo da saúde
produtivo, como técnicas de controle do corpo so- segundas seriam as de porte menor, de origem
cial que entrelaçam, em um duplo movimento, o quase-familiar ou vinculadas às instituições fi-
público e o privado, daí podendo resultar a priva- lantrópicas ou beneficentes.
tização das políticas públicas. Ao mesmo tempo Algumas interrogantes são apontadas por
em que se concentram os núcleos de decisão sobre Braga e Barros Silva4 a respeito da lucratividade
os investimentos e financiamentos das políticas das empresas do setor saúde, industriais e de ser-
estatais, amplia-se a capacidade normativa sobre viços, comparada a outros setores no Brasil e em
os capitais particulares que se movem no comple- outros países. Como os recursos do SUS em ní-
xo produtivo da saúde. veis federal, estadual e municipal se repartem no
O processo da Reforma Sanitária brasileira pagamento das prestações de serviços de saúde
e a criação do Sistema Único de Saúde modificou dos diversos segmentos do complexo produtivo.
profundamente o quadro que se desenhava com A regulação pelo Estado das prestações
a hegemonia do setor médico-hospitalar priva- médico-assistenciais em termos normativos ou
do, estabelecendo um novo equilíbrio entre os diretamente na realização dos cuidados de saú-
diversos segmentos do setor. A reforma tem sido de. O modelo regulatório do Estado brasileiro
estudada internacionalmente15 e nacionalmen- em relação ao SUS envolve as comissões bipar-
te21, indicando as características dos processos, tites nos municípios e estados e a comissão tri-
os desafios ainda presentes, particularmente em partite incluindo a União (Ministério da Saúde),
relação à qualidade dos cuidados de saúde e os secretarias estaduais de saúde e secretarias mu-
matizes da descentralização. nicipais de saúde. O Conselho Nacional de Saú-
de, até então presidido pelo Ministro da Saúde,
tem um limitado poder regulatório. As entida-
Conclusões provisórias des profissionais como os Conselhos Nacionais
das diversas profissões (Medicina, Enfermagem,
O complexo produtivo da saúde, em seu Fisioterapia, etc) têm poder auto-regulatório das
componente médico-assistencial, pode caracteri- práticas profissionais. A Agência Nacional de
zar nos ramos do capital monopolista a formação Saúde Suplementar é uma inovação no campo
de conglomerados financeiros e de internacio- dos mecanismos regulatórios do setor privado
nalização, traduzindo-se no chamado processo relacionado às operadoras de seguros-saúde20.
de globalização. Ao tempo em que instituiu o Estas estruturas, para a compreensão mais
direito à saúde como direito universal criou-se a detalhada de seus papéis e limites de abrangência,
partir desta conquista social, uma retradução do remetem a campos de pesquisa de dentro das es-
“Estado acima das classes sociais” que em con- pecificidades nacionais, regionais e locais da saú-
fronto com o não cumprimento destes direitos de sugerem uma agenda de temas de pesquisa.
poderá provocar um confronto direto entre as Não é nossa intenção considerar nesse
massas populares e o Estado. momento os componentes relacionados às ino-
Supõe-se um processo de concentração e vações e à indústria de medicamentos e de equi-
unificação com tendência à formação de gran- pamentos sugerindo para isto a obra de Negri e
des empresas médicas, coexistindo com em- Di Giovanni21, organizadores de uma profunda
presas menos dinâmicas. As primeiras parti- análise destes aspectos como parte do complexo
ram de maiores investimentos em capital fixo produtivo da saúde.
(hospitais, ambulatórios complexos, unidades
com maior densidade de equipamentos) que se
articulam com ramos do setor financeiro. As
133
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
134
Capítulo 14
Pacto pela saúde: União, Estados coletiva, auxiliando-os na tomada de decisão, por
e Municípios meio da disseminação das definições dos papéis
e responsabilidades das três esferas de gestão do
Jurandi Frutuoso silva
SUS quanto a: Regionalização, com ênfase na
conformação de redes de atenção à saúde; Planos
Diretores de Regionalização (PDR); Planos Dire-
tores de Investimento (PDI); o Financiamento; a
Programação Pactuada e Integrada (PPI); a Re-
gulação Assistencial; o papel das Secretarias Es-
Introdução taduais na coordenação das referências intermu-
nicipais e da Gestão dos Prestadores de Serviços.
135
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
136
Capítulo 14 • Pacto pela saúde: União, Estados e Municípios
Portaria GM 1395, de 10 de Dezembro de 1999, foi alcançcada em 2005, mas o componente neo-
criou a Política de Saúde do Idoso, instituiu, natal, que responde por mais de 60% destes óbi-
recentemente, a Atenção Domiciliar à Pessoa tos, precisa ser mais trabalhado, melhorando a
Idosa. No Ceará, foi de 14% o aumento desse qualidade do pré-natal e a assistência ao parto.
seguimento populacional nos últimos 10 anos. A meta estruturante para a Razão de Mor-
Isto evidencia a necessidade de implementação talidade Materna no Ceará para 2006 é de 63 por
de políticas voltadas para esta área. 100.000 nascidos vivos. Observa-se a permanên-
• Melhorar o acolhimento da pessoa idosa nas cia da razão elevada de mortalidade materna nos
unidades de saúde; últimos 10 anos. A vigilância epidemiológica da
• Instituir a Caderneta da Pessoa Idosa; mortalidade materna e a capacitação de profis-
• Instituir a atenção domiciliar à pessoa idosa sionais na assistência ao parto tem sido a estraté-
(já implantada). gia fundamental para implementação das inter-
venções de atenção à saude materna objetivando
Saiba mais!
População cearense de idosos: 713.515 (8,8% da popu- a sua redução.
lação). • Reduzir, em 2006, a mortalidade neonatal
Doenças prevalentes: Acidente Vascular Cerebral, In-
farto Agudo do Miocárdio e Diabetes Melitus.
em 5%;
Expectativa de vida em 2005: 67 anos. • Reduzir, em 2006, em 50% a mortalidade infan-
til por doença diarréica e 20%, por pneumonia.
137
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
a taxa de prevalência classifica o Estado como de Nacional de Promoção da Saúde foi implantada
média endemicidade. em 30 de Março de 2006, pela Portaria GM/MS
• Atingir a meta de menos de 1 caso de Hanse- 687 de 30 de Março de 2006.
níase por 10 mil habitantes em todos os mu-
nicípios;
• Atingir pelo menos 85% de cura de casos novos Fortalecimento da Atenção Básica
de Tuberculose diagnosticados a cada ano;
• Reduzir em 15% a malária na região da Ama- • Consolidar a Estratégia da Saúde da Famí-
zônia Legal, em 2006. lia como modelo de atenção básica à saúde,
tornando-a o centro ordenador das redes de
Saiba mais! atenção à saúde do SUS, devendo o seu de-
Porque se Tuberculose e Hanseníase ainda persistem senvolvimento considerar as diferenças entre
como doenças preocupantes?
Tuberculose as regiões;
• 1/3 da população mundial está infectado com o bacilo • Ampliar as áreas estratégicas da atenção �ási-
da tuberculose;
• 45 milhões de brasileiros estão infectados;
ca (Saúde da Criança, Saúde da Mulher, Saúde
• No Ceará: do Idoso, Controle de Tuberculose, Elimina-
- Incidência de TB pulmonar 2005 foi de 30,5/1000.000 ção da Hanseníase, Controle de Hipertensão,
(3.974 casos novos)
- Prevalência no Ceará em 2005 foi de 3,7/10.000 ha- Controle de Diabetes Mellitus, Saúde Bucal e
bitantes Ações de Promoção da Saúde e Eliminação da
- Número de pacientes que abandonaram o tratamento
em 2005: 16 pacientes
Desnutrição Infantil), na busca de assegurar o
acesso da população às ações e serviços resolu-
Hanseníase tivos, impactando de maneira positiva na re-
• Prevalência no Ceará em 2005: 1,75/10.000 habitantes
• Pacientes em abandono de tratamento no ano de 2005: dução dos problemas de saúde da população;
1.272 (32%) • Consolidar e qualificar os profissionais da
atenção primária atuantes na Estratégia da
Onde encontrar o IDB? www.saude.ce.gov.br/informa-
ções em saúde/publicações Saúde da Família por meio programas de
Onde encontrar o Plano Nacional de Saúde? www.portal. educação permanente.
saude.gov.br
138
Capítulo 14 • Pacto pela saúde: União, Estados e Municípios
car melhor seus profissionais para fazer frente às • Elaborar e divulgar a carta dos direitos dos
dificuldades ainda existentes para consolidar o usuários do SUS.
modelo de organização da atenção básica.
Saiba mais!
Saiba mais! Leia a Portaria GM/MS 675 (30 de Março de 2006), que
Leia a Portaria GM/MS 1.097 (22 de Maio de 2006), que lança a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde.
define o processo de Programação Pactuada e Integrada www.saude.pb.gov.br/web_data/saude/copasems/
- PPI e aponta seus objetivos e eixos orientadores, bem portaria_675.doc
como os parâmetros para programação das ações priori-
tárias da Atenção Básica.
www.saude.pb.gov.br/web_data/saude/copasems/
Gastos do SUS por entes federados em valores no-
portaria_1.097.doc
minais totais e percentuais, 2000 a 2004
*
Em R$ milhões nominais
139
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
140
Capítulo 14 • Pacto pela saúde: União, Estados e Municípios
tados e municípios terão maior autonomia para A regulação assistencial não é prerroga-
alocação dos recursos de acordo com as metas e tiva de uma esfera de governo, exclusivamen-
prioridades estabelecidas nos respectivos planos te. Nessa premissa, é relevante o papel funda-
de saúde. mental das Secretarias Estaduais na garantia
Os recursos de cada bloco de financia- do acesso do cidadão às ações e aos serviços de
mento devem ser aplicados exclusivamente nas saúde. O Pacto de Gestão fortalece o papel do
ações e serviços de saúde relacionados ao bloco. estado de coordenador do processo de organi-
Aos recursos oriundos da prestação de serviços zação da rede de serviços, de forma a garantir
de média e alta complexidade ambulatorial e a atenção integral ao indivíduo. A regulação
hospitalar resultante da produção das unidades das referências intermunicipais é responsabi-
públicas não se aplica essa restrição. No bloco lidade do gestor estadual, que é exercida na co-
de financiamento da assistência farmacêutica, ordenação do processo de construção da PPI,
os recursos devem ser aplicados exclusivamente de regionalização e no desenho das redes de
nas ações definidas em cada componente. A uti- atenção à Saúde.
lização dos recursos federais deve obedecer ao
planejamento dos projetos/atividades constan-
tes do Plano Municipal de Saúde aprovado pelo Termo de Compromisso de Gestão
Conselho Municipal de Saúde.
A União, os Estados e os municípios vão
Saiba mais! formalizar suas responsabilidades e atribuições
Os blocos de financiamento para o custeio são: a respeito das metas e dos resultados estipula-
- Atenção Básica
- Atenção de Média e Alta Complexidade dos pelo Pacto pela Vida e de Gestão por meio
- Vigilância em Saúde de um instrumento público chamado de Termo
- Assistência Farmacêutica
- Gestão do SUS
de Compromisso de Gestão que consubstanciará
O uso dos recursos federais para o custeio fica restrito os indicadores de monitoramento e avaliação,
a cada bloco, atendendo as especificidades previstas nos devidamente regulamentados em cada esfera de
mesmos, conforme regulamentação específica.
O repasse, fundo a fundo, é definido como modalidade governo, considerando as pactuações realizadas
preferencial de transferência de recursos entre os gestores. nas CIBs e aprovação nos Conselhos de Saúde.
O financiamento de custeio com recursos federais são
constituídos, organizados e transferidos, em blocos de
recursos. Saiba mais!
Conheça na íntegra a Portaria nº 699 GM, de 30 de Mar-
ço de 2006, que regula as diretrizes operacionais do Pac-
to pela Vida e do Pacto de Gestão.
Regulação da Atenção à Saúde e Regulação site: www.saude.ce.gov.br/sas/portarias/port2006/gm-699
Saiba como entender o Pacto pela Vida no site: www.
Assistencial conass.com.br
141
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
conteúdo e muita dedicação para vencer os de- ensejando uma maior aproximação às realidades
safios que a gestão da saúde impõe. regionais e, conseqüentemente, das necessida-
O SUS, por ser amplo, suprapartidário e des de saúde da população.
aberto tem favorecido o surgimento de práticas Nesta perspectiva, a Estratégia Saúde da
inovadoras capazes de impactar positivamente a Família é entendida, como um movimento dina-
saúde da população, mostrando que é possível mizador e de reorientação do modelo assistencial
termos um sistema descentralizado e gerido com do SUS, operacionalizada mediante a implanta-
responsabilidade. O seu futuro reside no cum- ção de equipes multiprofissionais em unidades
primento de um ajustado Pacto Federativo; na básicas de saúde, constituindo uma estratégia
busca do fortalecimento e qualificação da Aten- estruturante dos sistemas municipais de saúde.
ção Primária; na regulamentação da Emenda A velocidade de expansão da ESF compro-
Constitucional número 29; na destinação de re- va a adesão de gestores estaduais e municipais
cursos necessários para atender os princípios da aos seus princípios. A consolidação dessa estra-
integralidade e da universalidade no sistema de tégia precisa, entretanto, ser sustentada por, no
saúde; numa nova política de alocação de recur- mínimo, três processos que envolvem os profis-
sos que contemple a redução das desigualdades sionais de saúde atuantes nos programas, quais
regionais e sociais; na imediata pactuação das sejam: a constante aquisição de conhecimento
responsabilidades referentes ao programa de técnico-científico atualizado; a substituição da
medicamentos de dispensação em caráter excep- visão curativa pela visão prognostica, no sentido
cional e na efetivação do Pacto pela Saúde 2006, da prevenção e promoção da saúde individual e
com o fortalecimento do papel das secretarias coletiva e, por último, a capacidade de produ-
municipais, das secretarias estaduais e das Co- zir resultados positivos que impactem sobre os
missões Intergestores Bipartite. principais indicadores de saúde e de qualidade
A mudança do enfoque para resultados, de vida da população.
conforme estabelece o Pacto pela Vida, fortale-
ce a capacidade de gestão e permite o alcance
de respostas efetivas, uma vez que as metas se-
rão definidas considerando as realidades locais
e regionais.
O Termo de Compromisso de Gestão deve
expressar os compromissos sanitários dos gesto-
res da saúde federal, estadual e municipal e as
metas definidas e pactuadas nas CIBs que terão
papel fundamental na consecução do pacto pela
saúde, pois passam a definir os modelos orga-
nizacionais a serem implementados de acordo
com as realidades de cada estado; analisar os
processos administrativos de credenciamentos
de serviços e estabelecer critérios para a alocação
de recursos financeiros, entre outros. O fortale-
cimento das CIBs, portanto, é fundamental com
a constituição de câmaras técnicas para apoiar
este processo de descentralização, que incorpora
um novo processo de aprimoramento do SUS,
142
Capítulo 14 • Pacto pela saúde: União, Estados e Municípios
Bibliografia
143
Capítulo 15
Epidemiologia, história natural • Proporcionar dados essenciais para o planeja-
e prevenção de doenças mento, execução e avaliação das ações de pre-
venção, controle e tratamento das doenças,
Maria zélia rouquayrol
bem como para estabelecer prioridades.
Moisés GoldBauM
• Identificar fatores etiológicos na gênese das
enfermidades.”
145
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
a epidemiologia: é o processo saúde-doença. Muitas doenças, cujas origens até bem re-
Segundo Laurell30, o processo saúde-doença centemente não encontravam explicação, têm
da coletividade pode ser entendido como “o tido suas causas esclarecidas pela metodologia
modo específico pelo qual ocorre, nos grupos, epidemiológica, que tem por base o método
o processo biológico de desgaste e reprodu- científico aplicado da maneira mais abrangente
ção, destacando como momentos particulares possível a problemas de doença ocorrentes em
a presença de um funcionamento biológico nível coletivo.
diferente, com conseqüências para o desen- Hiroshi Nakajima, então diretor da Orga-
volvimento regular das atividades cotidianas, nização Mundial de Saúde, por ocasião da 12ª
isto é, o surgimento da doença”. Reunião Científica Internacional da Associação
Internacional de Epidemiologia (1990)40, ana-
Colocada neste contexto, a expressão lisando o alcance da epidemiologia e concen-
saúde-doença é um qualificativo empregado trando seus comentários sobre a epidemiologia
para adjetivar genericamente um determinado na AIDS, comenta que: “O descobrimento des-
processo social, qual seja o modo específico de ta enfermidade devemo-lo à epidemiologia! A
passar de um estado de saúde para um estado de AIDS foi reconhecida pela primeira vez como
doença e o modo recíproco. Descontextualizada, uma enfermidade em 1981, antes que o vírus da
a expressão saúde-doença refere-se a uma ampla imunodeficiência humana, dois anos mais tar-
gama que vai desde “o estado de completo bem- de, fosse identificado, ou que se suspeitasse que
estar físico, mental e social” até o de doença, era o agente causador da AIDS. A observação
passando pela coexistência de ambos em propor- epidemiológica anotou a prevalência de uma
ções diversas. A ausência gradativa ou completa combinação curiosa e inexplicável de manifes-
de um destes estados corresponde ao espaço do tações clínicas de outros estados patológicos:
outro e vice-versa; astenia, perda de peso, dermatose, deterioração
• Entende-se por distribuição o estudo da va- do sistema imunológico e o sarcoma de Kapo-
riabilidade da freqüência das doenças de si, assim como a presença de ‘infecções oportu-
ocorrência em massa, em função de variáveis nistas’, como a pneumonia por Pneumocystis
ambientais e populacionais, ligadas ao tempo carinii. Ainda hoje em dia, é este complexo de
e ao espaço; sinais clínicos, em combinação com o resulta-
• A análise dos fatores determinantes envolve a do positivo da prova de HIV, o que define um
aplicação do método epidemiológico ao estu- ‘caso de AIDS’. Pode-se ser HIV positivo e,
do de possíveis associações entre um ou mais ainda assim, não ser portador da AIDS. Ade-
fatores suspeitos e um estado característico mais, foi através da análise epidemiológica que
de ausência de saúde, definido como doença; inicialmente a síndrome foi relacionada com
• A prevenção visa empregar medidas de profi- certos grupos de população e comportamentos
laxia a fim de impedir que os indivíduos sa- de risco conexos. Se enfocamos a AIDS como
dios venham a adquirir a doença; o controle uma epidemia mundial, ela se nos apresenta
visa baixar a incidência a níveis mínimos; a como algo novo e súbito; porém, se o nosso
erradicação, após implantadas as medidas de ponto de vista é a AIDS como doença, e o vírus
controle, consiste na não-ocorrência de do- como sua causa, concluímos que nenhum dos
ença, isto significa permanência da incidên- dois são novos; pelo menos datam dos anos 50.
cia zero (a varíola está erradicada do mundo Fizeram falta as ferramentas da epidemiologia
desde 1977 e a poliomielite está erradicada do para nos dizer que enfrentávamos uma patolo-
Brasil desde 1990). gia discreta e letal.”
146
Capítulo 15 • Epidemiologia, história natural e prevenção de doenças
147
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
148
Capítulo 15 • Epidemiologia, história natural e prevenção de doenças
em coletividades humanas, estão de tal forma go uma maior ou menor incidência de doenças,
interligadas e, na sua tessitura, são tão interde- modificações na variação cíclica e no seu caráter,
pendentes, que seu conjunto forma uma estru- epidêmico ou endêmico.
tura reconhecida pela denominação estrutura San Martin50 põe em relevo o sistema forma-
epidemiológica. Por estrutura epidemiológica, do pelo ambiente, população, economia e cultura,
que tem funcionamento sistêmico, entende-se designando este conjunto de sistema epidemiológi-
o conjunto formado pelos fatores vinculados ao co-social. Segundo esse autor, qualidade e dinâmica
suscetível e ao ambiente, incluindo aí o agente do ambiente socioeconômico, modos de produção
etiológico, conjunto este dotado de uma orga- e relações de produção, tipo de desenvolvimento
nização interna que define as suas interações e econômico, velocidade de industrialização, desi-
também é responsável pela produção da doen- gualdades socioeconômicas, concentração de ri-
ça. É, na realidade, um sistema epidemiológi- quezas, participação comunitária, responsabilidade
co. Cada vez que um dos componentes sofrer individual e coletiva são componentes essenciais e
alguma alteração, esta repercutirá e atingirá os determinantes no processo saúde-doença.
demais, num processo em que o sistema busca Pode-se entender esse sistema a partir do
novo equilíbrio. Um novo equilíbrio trará consi- detalhamento dos fatores que o compõem.
149
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
150
Capítulo 15 • Epidemiologia, história natural e prevenção de doenças
151
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
152
Capítulo 15 • Epidemiologia, história natural e prevenção de doenças
Esta tem sido a essência de nossa cultura que abrange todos os seres vivos, inclui também
política, bem como a de outros povos subdesen- a sociedade envolvente, sede das interações so-
volvidos, reforçada através de nossa história pe- ciais, políticas, econômicas e culturais.
los estratos político e econômico, em benefício Agressores ambientais são agentes que, de
de alguns, com prejuízo para o todo. Têm sido forma imediata, sem mais intermediações, po-
pré-patogênicos na medida em que a sociedade dem pôr-se em contato direto com o suscetível.
abrangente se vê frustrada em controlar e fisca- Quanto à sua forma de surgimento ou por sua
lizar os investimentos públicos. A Constituição presença, podem ser inseridos em uma das se-
de 1988 gerou possibilidades de participação da guintes categorias:
comunidade na gerência das ações e serviços • Agentes presentes no ambiente de forma ha-
públicos de saúde. Agora, há que se lutar por bitual, em convivência natural ou tradicional
desenvolver, como padrões de comportamento, com o homem;
atitudes de comprometimento e participação. • Agentes pouco comuns e que, mercê de situ-
ações novas, alterações impostas por novos
hábitos ou por modificações na maneira de
Fatores Psicossociais viver, por má administração ou manipulação
inábil de meios e recursos, por importação,
Dentre os fatores psicossociais aos quais passam a se fazer presentes de forma percep-
pode ser imputada a característica de pré-pato- tível, como agentes, em algum evento epide-
gênese, encontram-se: marginalidade, ausência miológico;
de relações parentais estáveis, desconexão em • Agentes que e�plodem em situações anormais
relação à cultura de origem, falta de apoio no de grande monta como são as macropertur-
contexto social em que se vive, condições de tra- bações ecológicas, os desastres naturais e as
balho extenuantes ou estressantes, promiscuida- catástrofes.
de, transtornos econômicos, sociais ou pessoais,
falta de cuidados maternos na infância, carência São componentes do ambiente físico: si-
afetiva de ordem geral, competição desenfreada, tuação geográfica, solo, clima, recursos hídricos
agressividade vigente nos grandes centros urba- e topografia, agentes químicos e agentes físicos.
nos e desemprego. Estes estímulos têm influên- Em situações ecológicas desfavoráveis,
cia direta sobre o psiquismo humano, com con- algumas produzidas por fatores naturais, outras
seqüências somáticas e mentais danosas. produzidas artificialmente pela ação do homem,
algumas permanentes, outras contingentes, têm
desenvolvimento os fatores físicos, químicos e
Fatores Ambientais biológicos que, por terem acesso à organização
interna de seres vivos, podem funcionar, para
Para efeito de análise estrutural epide- estes, como agentes patogênicos.
miológica, por ambiente deve ser entendido o Modernamente, o estudo da influência
conjunto de todos os fatores que mantém re- exercida pelos fatores naturais do ambiente fí-
lações interativas com o agente etiológico e o sico na produção de doenças tornou-se menos
suscetível, incluindo-os, sem se confundir com importante do que o conhecimento da ação de-
os mesmos. O termo tem maior abrangência do senvolvida pelos agentes aí agregados artificial-
que lhe é dado no campo da ecologia. Além de mente. O progresso e o desenvolvimento indus-
incluir o ambiente físico, que abriga e torna pos- trial criaram problemas epidemiológicos novos,
sível a vida autotrófica e o ambiente biológico, resultantes da poluição ambiental. O ambiente
153
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
físico que envolve o homem moderno condicio- ros meses da gestação. Estudos em animais con-
na o aparecimento de doenças cuja incidência firmaram a ação teratogênica da talidomida38.
tornou-se crescente a partir da urbanização e da Estrógenos de diferentes estruturas quí-
industrialização. As doenças cardiovasculares, micas podem causar tumores em animais de
as alterações mentais e o câncer pulmonar estão experimentação. Embora a importância desta
também associados a fatores do ambiente físico. observação para o homem não tenha sido deter-
Publicação da Organização Pan-america- minada com clareza, convém advertir que alguns
na de Saúde41 menciona que, com a industria- informes epidemiológicos indicam que a admi-
lização crescente e a modificação dos costumes, nistração de estilbestrol a mulheres grávidas au-
há um grande número de substâncias carcino- menta de maneira considerável o risco de que
gênicas que se ingerem, inalam, absorvem por suas filhas venham a ter adenocarcinoma vagi-
via cutânea ou que se introduzem no organismo nal27. Além desses fatos publicados, há inúmeros
como medicamento ou por acidente. casos encobertos, não notificados, decorrentes
No estudo de fatores agressivos presentes do uso indiscriminado de medicamentos.
no ambiente físico e aí colocados através de ati- Sob o ponto de vista da estrutura epide-
vidade do homem, não deve ser esquecido o uso, miológica, o ambiente biológico está constituí-
às vezes exagerado, de pesticidas na proteção dos do por todos os seres vivos que possam ter in-
cultivos. Os alimentos, tanto os vegetais quanto fluência sobre o agente etiológico e o suscetível.
os de origem animal, veiculam estas substâncias Ecologicamente, fazem parte da biota. Para efei-
em concentrações mínimas. O seu acúmulo gra- to de análise, são colocados em destaque e tra-
dual no organismo humano, devido à sua relativa tados como elementos interagentes no sistema
estabilidade, pode trazer sérios danos para a saú- ambiente-agente-suscetível.
de dos consumidores. Outro problema bastante A influência mais geral que qualquer fator
sério são os aditivos alimentares, sob forma de biológico possa ter sobre o estado de saúde ou
sabores artificiais, corantes, conservantes e até de doença das populações humanas se faz sobre
hormônios sintéticos. Seus efeitos, a longo pra- seu estado nutricional. Solo, clima e recursos hí-
zo, por exposição contínua, podem ser nocivos. dricos confluem para a riqueza de recobrimento
Não seria demais lembrar que o ambiente físico vegetal e esta será propícia à abundância da vida
dos locais de trabalho, pelos fatores presentes, animal. O homem depende tanto dos animais
está associado à produção de doenças. quanto dos vegetais para sua sobrevivência. Co-
No ambiente humano (OPS, 1962), o uso munidades relativamente saudáveis são aquelas
de medicamentos é outro fator importante que que, em princípio, dispõem de capacidade para
pode compor a estrutura epidemiológica de do- produção de alimento em seu próprio benefício.
enças não-infecciosas. As características normais No outro extremo da rede de influências e
do feto poderão sofrer alterações se uma nova de ações que se centram no ambiente biológico,
droga passar a ser comercializada sem provas estão os microssistemas bioclimáticos propícios
suficientes de sua inocuidade. Tal fato aconte- à manutenção dos vetores e dos reservatórios de
ceu. A partir de 1959, observou-se que, repetidas bioagentes patogênicos.
vezes, em vários consultórios pediátricos, uma
síndrome fora do comum, a focomelia, anterior-
mente um fato raro, passou a ser notificada de Fatores Genéticos
modo inusitado: 30 a 70 vezes mais. Em um es-
tudo com 46 mães chegou-se à certeza de que 41 Os fatores genéticos provavelmente de-
delas havia feito uso de talidomida nos primei- terminam a maior ou menor suscetibilidade das
154
Capítulo 15 • Epidemiologia, história natural e prevenção de doenças
pessoas quanto à aquisição de doenças. O fato é ciação dos fatores é sinérgica, isto é, dois fatores
que, em relação à incidência de doenças, perce- estruturados aumentam o risco de doença mais
be-se que, quando ocorre uma exposição a um do que faria a sua simples soma. O estado final
fator patogênico externo, alguns dos expostos provocador de doença é, portanto, resultado da
são acometidos e outros permanecem isentos. sinergização de uma multiplicidade de fatores
políticos, econômicos, sociais, culturais, psicoló-
gicos, genéticos, biológicos, físicos e químicos.
Multifatorialidade O agregado total resultante da estrutura-
ção sinérgica de todas as condições e influências
Ao serem consideradas as condições para indiretas – próximas ou distantes – socioeconô-
que a doença tenha início em um indivíduo sus- micas, culturais e ecológicas, e pelos agentes que
cetível, é necessário ter-se em conta que nenhuma têm acesso direto ao bioquimismo e às funções
delas será, por si só, suficiente. A eclosão da doença vitais do ser vivo, perturbando-o, constituem o
é, na verdade, dependente da estruturação dos fato- ambiente gerador de doença.
res contribuintes, de tal forma que se possa pensar São denominados agentes patogênicos os
em uma configuração de mínima probabilidade ou que levam estímulos do meio ambiente ao meio
mínimo risco e em uma configuração de máxima interno do homem, por sua presença ou ausên-
probabilidade ou máximo risco, e, entre elas, es- cia, como verdadeiros mensageiros de uma pré-
truturações de fatores cujo risco varia entre os dois patologia gerada e desenvolvida no ambiente e
extremos. Quanto mais estruturados estiverem os como iniciadores e mantenedores de uma patolo-
fatores, maior força terá o estímulo patológico. gia que passará a existir no homem. São de natu-
reza física, química, biológica ou psicológica. Os
bioagentes, os fatores nutricionais e os fatores ge-
néticos estão na categoria de agentes biológicos.
O estudo das diarréias propicia uma boa
ilustração da estruturação sinérgica dos fatores
que conduzem à doença e a mantêm (Fig. 2-2).
Destaca-se em posição central a interação sinér-
gica entre a síndrome diarréica e a desnutrição.
Behar11 chama a atenção para a magnitude
desse problema, dando ênfase ao fato de que as
infecções entéricas constituem fatores precipi-
tantes e agravantes da desnutrição e esta, por sua
vez, influi na patogenia dos processos diarréi-
cos. Segundo este autor, essa interação explica a
razão pela qual as doenças diarréicas constituem
a causa básica mais importante da mortalidade
na infância de regiões subdesenvolvidas.
Fig. 2-2. Sinergismo multifatorial na produção e manutenção das
Na figura apresentada, a seta bissagitada
doenças diarréica. («) indica que um dos fatores, além de produzir
efeito por si, age ainda dando realce à contribui-
A estruturação de fatores condicionantes ção causal do outro fator e vice-versa, comple-
da doença, denominada multifatorialidade, não tando o mecanismo sinérgico. Assim, dentro de
é um simples resultado de justaposição. A asso- um mesmo nível, seja socioeconômico, cultural
155
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
ou ambiental, os fatores são estruturados e agem rios para a sua ocorrência estão presentes. Al-
sinergicamente na produção tanto da diarréia guns fatores agem predispondo o organismo à
quanto da desnutrição. O mútuo realce dos fa- ação subseqüente de outros agentes patógenos.
tores existe também entre os níveis. O socioe- A má nutrição, por exemplo, predispõe à ação
conômico, o cultural e o ambiental também se patogênica do bacilo da tuberculose; altas con-
sinergizam na produção da doença. O entendi- centrações de colesterol sérico contribuem para
mento da existência do sinergismo multifatorial o aparecimento da doença coronariana; fatores
é importante, mas não deve obnubilar a causa genéticos diminuem a defesa orgânica, abrindo
mais profunda da manutenção do status quo da a porta do organismo às infecções.
morbidade por diarréias, a qual reside no desní- Algumas doenças são resultado da ação
vel econômico existente entre as classes sociais. cumulativa de fatores de naturezas diversas. O cân-
cer de pulmão, por exemplo, tem sua probabilidade
bastante aumentada por ação do asbesto associada
Período de Patogênese à ação dos componentes da fumaça de cigarro.
Nesta etapa a doença ainda não tomou Acima do horizonte clínico os sinais ini-
desenvoltura, porém todos os fatores necessá- ciais da doença, ainda confusos, tornam-se níti-
156
Capítulo 15 • Epidemiologia, história natural e prevenção de doenças
dos, transformam-se em sintomas. É o estágio blica como uma tecnologia, mais do que como
chamado de clínico, iniciado ao ser atingida uma ciência, isto é, adaptando Winslow, saúde
uma massa crítica de alterações funcionais no pública é técnica e é arte.
organismo acometido. A evolução da doença Por outro lado, parece-nos que saúde pú-
encaminha-se então para um desenlace; a doen- blica e epidemiologia são indissociáveis quanto
ça pode passar ao período de cura, evoluir para a seus objetivos sociais e quanto à sua prática,
a cronicidade ou progredir para a invalidez ou sendo a epidemiologia o instrumento privile-
para a morte (Fig. 2-1B e C). giado para orientar a atuação da saúde pública.
Se a saúde pública é a face tecnológica, a epide-
miologia será a face científica. A saúde pública
Cronicidade intervém buscando evitar doenças, prolongar a
vida e desenvolver a saúde física e mental e a
A evolução clínica da doença pode pro- eficiência. A epidemiologia persegue a observa-
gredir até o estado de cronicidade ou conduzir ção exata, a interpretação correta, a explicação
o doente a um dado nível de incapacidade física racional e a sistematização científica dos eventos
por tempo variável. Pode também produzir le- de saúde-doença em nível coletivo, orientando,
sões que serão, no futuro, uma porta aberta para portanto, as ações de intervenção.
novas doenças. Do estado crônico, com incapa- A prática da saúde pública, ao contrário,
cidade temporária para desempenho de alguma apesar de assentar grande parte de suas decisões
atividade específica, a doença pode evoluir para sobre o conhecimento epidemiológico, não dei-
a invalidez permanente ou para a morte. Em ou- xa de ser uma prática de intervenção social pla-
tros casos, para a cura. nejada e, como tal, uma parte ponderável de suas
ações é resultante de decisões pessoais ou cole-
giadas, é limitada pela estrutura socioeconômica
Prevenção então vigente e é determinada por uma multipli-
cidade de fatores não-científicos, entre os quais
Winslow, citado por Leavel & Clark31, de- se alinham a ideologia, a decisão política, as con-
fine: “Saúde pública é a ciência e a arte de evitar veniências contingentes, o nível de autoridade
doenças, prolongar a vida e desenvolver a saúde de pessoas ou de grupos, a experiência de vida de
física e mental e a eficiência, através de esforços seus agentes e a falta ou presença de bom senso.
organizados da comunidade para o saneamento
do meio ambiente, o controle de infecções na Técnica e Arte
comunidade, a organização de serviços médicos MEDICINA
PREVENTIVA
e paramédicos para o diagnóstico precoce e o
tratamento preventivo de doenças, e o aperfei-
çoamento da máquina social, que irá assegurar a
MEDICINA MEDICINA
cada indivíduo, dentro da comunidade, um pa- PREVENTIVA PREVENTIVA
drão de vida adequado à manutenção da saúde.” DE SAÚDE INDIVIDUALIZADA
Aprofundando a definição formulada por PÚBLICA
157
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
Assim considerada a Saúde Pública, seus termos genéricos, na sua vertente de promoção
pressupostos e a sua prática podem e devem ser ex- da saúde, com vistas a uma sociedade sadia, só
ternamente e internamente criticados, ponderados parcialmente depende da ação dos especialistas.
e até mesmo contestados a partir de pontos de vista No coletivo, a ação preventiva deve começar ao
– inclusive não-científicos – de caráter opinativo, nível das estruturas socioeconômicas e políticas.
filosófico, ideológico e científico e de vivências. Antes que haja uma prevenção primária,
A Epidemiologia é a ciência que estabelece há de haver uma prevenção de caráter estrutu-
ou indica e avalia os métodos e processos usados ral. A prevenção deve anteceder a ação dos es-
pela saúde pública para prevenir as doenças. pecialistas em saúde. Deve começar ao nível das
Por outro lado, a saúde pública como tecno- estruturas políticas e econômicas. Também as
logia pode ser inserida como parte em uma tecno- ações dos especialistas devem andar pari passu
logia mais abrangente, a medicina preventiva. Esta às situações sociopolítico-econômicas. Ao pro-
última, se definida como a técnica e a arte de evitar fissional de saúde é importante fazer prevenção
doenças, prolongar a vida e desenvolver a saúde a partir do nível de conscientização da comuni-
física e mental e a eficiência, deverá abranger tam- dade envolvida. À comunidade como um tudo
bém o componente preventivo da medicina indi- cabe perguntar se suas instituições sociais e eco-
vidualizada (Fig. 2-3). Nessa figura, a medicina nômicas são favorecedoras de saúde ou de doen-
preventiva, abrangente, envolve a saúde pública e ça. É a ela que cabe rever-se, propor e lutar pelas
a medicina individual. Esta, a clínica, tem como soluções políticas abrangentes sem as quais, às
ciência básica primordial a patologia. O suporte vezes, as soluções preventivas nos âmbitos eco-
científico da saúde pública é a epidemiologia. lógico e médico não são mais do que paliativos.
A prevenção é abrangente, incluindo a Prevenir e prever antes que algo aconteça,
ação dos profissionais em saúde, mas não só. A ou mesmo cuidar para que não aconteça. Preven-
estes cabe uma importante parcela da ação pre- ção em saúde pública é a ação antecipada, tendo
ventiva: a decisão técnica, a ação direta e parte por objetivo interceptar ou anular a evolução de
da ação educativa. O sucesso da prevenção em uma doença.
PROMOÇÃO
DE SAÚDE
PROTEÇÃO
ESPECÍFICA
DIAGNÓSTICO REABILITAÇÃO
PRECOCE E
TRATAMENTO LIMITAÇÃO DE
IMEDIATO INCAPACIDADE
158
Capítulo 15 • Epidemiologia, história natural e prevenção de doenças
159
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
160
Capítulo 15 • Epidemiologia, história natural e prevenção de doenças
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162
Capítulo 15 • Epidemiologia, história natural e prevenção de doenças
163
Capítulo 16
Vigilância Epidemiológica to de informações para melhor desempenho do
cícera BorGes Machado profissional médico, como integrante do SNVE.
dina cortez liMa Feitosa villar Neste capítulo, ao mesmo tempo em que é apre-
sentado ao profissional quais são as funções da
VE, procurou-se mostrar a importância da atua-
ção dele no sistema.
165
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
1980, a VE passa a focalizar as doenças emergen- medidas de controle são adotadas. A ênfase, por-
tes e reemergentes, além de manter o controle tanto, deste documento é na coleta dos dados, pois
das demais. Lembrando, as doenças emergentes a equipe do Programa de Saúde da Família (PSF)
“são as que surgiram recentemente (nas últimas deve ser capacitada para notificar o caso suspeito,
duas décadas) numa população ou as que ame- ou confirmado, ou surto e, participar da investi-
açam se expandir num futuro próximo”14. Ex.: gação epidemiológica, com a finalidade de tomar
AIDS, hantavirose, Doenças de Chagas (emer- medidas oportunas de prevenção e controle.
gindo em áreas anteriormente livres da doença).
Doenças infecciosas reemergentes “São aquelas
causadas por microorganismos bem conheci- Normatização
dos que estavam sob controle, mas tornaram-se
resistentes às drogas antimicrobianas comuns A VE segue as normas do MS que constam
(por exemplo, malária, tuberculose) ou estão se no Guia de Vigilância Epidemiológica (BRA-
expandindo rapidamente em incidência ou em SIL, 2005a). Para cada doença ou agravo, o Guia
área geográfica (cólera nas Américas)”14. traz características clínicas e epidemiológicas,
aspectos clínicos e laboratoriais, vigilância epi-
demiológica e medidas de controle.
Funções ou atividades da Vigilância Na normatização da VE, o enfoque do Guia
Epidemiológica é para a definição de caso (suspeito, confirmado,
descartado), notificação, investigação, análise de
A operacionalização da VE consiste em dados e normas para procedimentos laboratoriais.
uma série de atividades ou funções específicas e É muito importante observar as definições de ca-
intercomplementares, realizadas de modo con- sos suspeitos no Guia para uniformização de con-
tínuo. Essas atividades possibilitam o conheci- ceitos. Essas definições, no entanto, podem sofrer
mento do comportamento da doença ou agravo alterações dependendo do momento epidemioló-
objeto da VE, a cada momento, para que medi- gico, ou seja, se a VE precisa de uma definição mais
das de intervenção pertinentes sejam desencade- sensível ou mais específica. Por exemplo, a defini-
adas17. Essas funções são: ção de caso suspeito de sarampo em 1992, com a
• Coleta dos dados; implantação do Plano de Eliminação do Sarampo,
• Processamento de dados coletados; era mais sensível (paciente com febre e exantema)
• Análise e interpretação dos dados pro- para se detectar o maior número de casos possí-
cessados; vel. Hoje, a definição é mais específica (todo pa-
• Recomendação das medidas de controle ciente que, independente da idade e situação vaci-
apropriadas; nal, apresentar febre e exantema máculo-papular,
• Promoção das ações de controle indi- acompanhados de um ou mais dos seguintes sinais
cadas; e sintomas: tosse, coriza e conjuntivite).
• Avaliação da eficácia e efetividade das Quanto às medidas de controle, a equi-
medidas adotadas; pe do PSF deve observar quais as doenças que
• Divulgação das informações pertinentes. precisam de tomada de medidas de controle
junto aos contatos, familiares ou não, depen-
Essas funções são competências dos níveis dendo da doença e da situação. São exemplo de
municipal, estadual e federal, embora as ações medidas de controle, segundo algumas doenças
executivas sejam inerentes ao nível municipal. É transmissíveis: difteria (vacinação de bloqueio
neste nível que são produzidos os dados e onde as e quimioprofilaxia), doença meningocócica
166
Capítulo 16 • Vigilância Epidemiológica
167
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
168
Capítulo 16 • Vigilância Epidemiológica
• Regulamento Sanitário Internacional nesse processo. Toda unidade de saúde deve ter
(RSI): estabelecido no âmbito da Organiza- um setor responsável pela notificação de doen-
ção Mundial de Saúde tem como finalidade ças ou agravos de notificação, que não só notifi-
“prevenir a propagação internacional de do- que, nas participe ativamente das investigações
enças, proteger contra esta propagação, con- epidemiológicas juntamente com a equipe de
trolar e oferecer uma resposta de saúde públi- VE da SMS. É fundamental a participação ativa
ca proporcionada e restrita aos riscos para a do médico nesse processo.
saúde pública e evitando, ao mesmo tempo, as
interferências desnecessárias com o tráfego e
comércio internacional”10 (BRASIL, 2005b). Instrumento de coleta de dados
São de notificação compulsória internacional
pelo RSI: cólera, peste e febre amarela. O Sinan tem dois instrumentos de cole-
• Ocorrência de epidemias, surtos e agravos ta de dados que são a base do sistema: a ficha
inusitados: todas as suspeitas de surtos, epi- de notificação e a ficha de investigação. A ficha
demias e agravos inusitados devem ser noti- de notificação deve ser preenchida em todas
ficados pelo meio mais rápido de notificação as doenças ou agravos, com exceção de: Aids –
aos níveis hierárquicos superiores, para que adulto e infantil –, hepatite B e C, hanseníase,
sejam realizadas investigação e medidas de gestante HIV e crianças expostas, tuberculose e
controle e prevenção necessárias. leishmaniose tegumentar americana. Nestes ca-
sos, preenche-se apenas as fichas de investigação
específicas. Os instrumentos de coleta de dados
Fluxograma da notificação (fichas de notificação e investigação) podem ser
acessados em: www.saude.gov.br/svs na opção
O médico, ao atender o paciente com do- sistema de informação link Sinan.
ença suspeita de DNC, comunica ao responsável
pela vigilância epidemiológica da unidade de
saúde, que notificará para a Secretaria Munici- Periodicidade da notificação
pal de Saúde – SES. Nos municípios do interior
do Estado, as SMS notificam para as Células A notificação deve ser feita semanalmente,
Regionais de Saúde – CERES, seguindo poste- por meio do Sistema de Informação de Agravos
riormente para a Secretaria de Saúde do Estado de Notificação – SINAN, exceto para as doenças
– SESA e desta para a Secretaria de Vigilância e agravos de notificação imediata, que constam
em Saúde do MS. No caso do município de For- no anexo II da Portaria de DNC, a seguir espe-
taleza, entre as unidades de saúde e a SMS exis- cificadas. Essas doenças devem ser notificadas
tem as Secretarias Executivas Regionais – SER. imediatamente, pelo meio de comunicação mais
Neste caso, as unidades de saúde notificam para rápida, aos níveis hierárquicos superiores e, in-
as SER, seguindo o fluxo semelhante ao interior cluídas no Sinan para a notificação semanal.
do estado, posteriormente.
Toda unidade de saúde deve ter um setor
responsável pela notificação de doenças ou agra- Notificação negativa
vos de notificação, que não só notifique, nas par-
ticipe ativamente das investigações epidemioló- A unidade notificante deve acompanhar
gicas juntamente com a equipe de VE da SMS. sistematicamente a ocorrência ou não de casos
É fundamental a participação ativa do médico de DNC, encaminhando a notificação negativa,
169
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Capítulo 16 • Vigilância Epidemiológica
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Capítulo 16 • Vigilância Epidemiológica
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Capítulo 16 • Vigilância Epidemiológica
Sistema de Vigilância Epidemiológica das três conseqüente suspensão do repasse dos recursos
esferas de governo. Utilizando uma rede infor- do Teto Financeiro de Vigilância à Saúde.
matizada, apóia o processo de investigação e de Os dados do Sinan originam os indicado-
subsídios à análise das informações de vigilân- res de morbidade (incidência e prevalência) e
cia epidemiológica das doenças de notificação as informações sobre a caracterização clínica e
compulsória10. comportamento epidemiológico das doenças ou
São utilizadas fichas de investigação epi- agravos, objetos da vigilância epidemiológica.
demiológica padronizadas para cada doença.
Antes da digitação, o técnico faz a análise do
preenchimento das fichas de notificação e de Sistema de informações sobre Mortalidade – SIM
investigação epidemiológica, corrigindo dados
e buscando completar informações, caso ainda O Sistema de Informação sobre Mortali-
estejam incompletas. As fichas devem ser digi- dade (SIM), foi implantado pelo Ministério da
tadas até no máximo 15 dias após a notificação, Saúde em 1975, para aprimorar as estatísticas de
contendo informações clínicas, epidemiológicas mortalidade. O instrumento de coleta de dados
e laboratoriais. do SIM é a Declaração de Óbito - DO (anexo),
O caso é encerrado com o preenchimento, padronizada para o País.
nas fichas, do diagnóstico final e da data do en-
cerramento. O encerramento das investigações
referentes aos casos notificados como suspeitos Tipos de óbito
e/ou confirmados deverá ser efetuado até o prazo
máximo de 60 dias da data de notificação, exceto Por ocasião do preenchimento da DO é
para os casos de: importante haver distinção entre óbito fetal e
• Hanseníase e Tuberculose; não fetal, considerando que um erro desta natu-
• Síndrome da Rubéola Congênita, reza poderá originar problemas no Direito das
Leishmaniose Tegumentar Americana Sucessões como também afetar os indicadores
e Leishmaniose Visceral - o prazo para de saúde que, na sua estrutura de cálculo, utili-
encerramento será de 180 dias, após a zam esses tipos de óbitos (fetal e não fetal). Na
notificação; análise das estatísticas de mortalidade, é reali-
• Sarampo e Rubéola - o prazo para encer- zado um estudo em separado dos óbitos fetais e
ramento será de 30 dias, após a data da não fetais.
notificação; • Óbito fetal: é a morte de um produto da con-
• Hepatites Crônicas (�, C e D) - o pra- cepção antes da expulsão ou de sua extração
zo para encerramento será de 240 dias, completa do corpo materno, independente da
após a data da notificação. duração da gravidez. Indica o óbito o fato de
depois da separação, o feto não respirar nem
A falta de encerramento, na proporção de apresentar nenhum sinal de vida, como bati-
80%, em 60 dias e, na proporção de 100%, em mentos do coração, pulsações do cordão um-
120 dias, dos casos de DNC nacional, excluídas bilical ou movimentos efetivos dos músculos
as exceções no 1 e 2, citadas no parágrafo an- voluntários.
terior, ensejará a suspensão das transferências • Aborto: é o fim da gravidez, com a extração do
dos recursos do Piso de Atenção Básica – PAB embrião ou feto morto (que não respire ou dê
e o cancelamento da certificação para gestão das qualquer outro sinal de vida) antes da 20ª se-
ações de Epidemiologia e Controle de Doenças e mana de gestação ou abaixo de 500g de peso.
177
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
• Natimorto: é o óbito fetal intermediário (20 a • Em caso de mortes violentas ou não natu-
28 semanas) ou tardio (28 semanas ou mais), rais: A declaração de óbito deverá obrigatoria-
ou seja, o óbito antes da expulsão ou extração mente ser fornecida pelos médicos legistas.
completa do corpo materno, de um produto • Em caso de óbito hospitalar: É da compe-
da concepção que tenha alcançado 20 semanas tência do hospital o fornecimento de atesta-
completas ou mais de gestação (no momento dos para todos os casos de óbito hospitalar,
da extração o natimorto não deve respirar ou definido pelo Ministério da Saúde como
dar qualquer outro sinal de vida). “óbito que se verifica no Hospital após o
• Peças anatômicas: retiradas do ser humano registro do paciente” ou seja, mesmo que o
vivo na ocasião do ato cirúrgico ou membro paciente tenha se internado há menos de 48
amputado. Não preencher DO, pois não se horas, não elimina a competência do hospital
trata de um óbito, mesmo que o destino des- no fornecimento do documento. Se o óbito
tas peças seja o enterramento. Neste caso, o ocorre na ambulância do hospital, o médi-
hospital deverá elaborar um documento, se- co do hospital que encaminhou o paciente
melhante a um laudo em papel timbrado do preenche a DO. A ambulância é considera-
hospital, relatando o procedimento realizado, da uma extensão do hospital e o doente da
o qual deverá ser levado ao cemitério. responsabilidade do hospital5. Onde existe
o SVO, os hospitais devem encaminhar os
óbitos por morte natural que têm causa mal
Responsabilidade do preenchimento da DO definida para investigação da causa.
178
Capítulo 16 • Vigilância Epidemiológica
- Causa ignorada, desconhecida ou sem as- O médico deve declarar a causa básica na
sistência médica e não sintomas e modos última linha da parte I e acima dela as complica-
de morrer se o diagnóstico não é conhecido ções ou causas intervenientes.
pelo médico que atesta; A causa básica de óbito é definida como: a
- Quando a morte ocorrer por complicações doença ou lesão que iniciou a sucessão de even-
tardias ou efeito tardio de uma lesão con- tos mórbidos que levou diretamente à morte, ou
seqüente de acidente, declarar o que tenha “as circunstâncias do acidente ou violência que
decorrido entre o acidente e a morte. Exem- produziu a lesão fatal”.
plo: Septicemia oriunda de broncopneu- Em caso de óbito fetal, anotar a causa do
monia devido à tetraplegia em decorrência óbito e não especificar “natimorto”.
de acidente automobilístico há cinco anos; - Parte II - causas que contribuíram para a
- As mortes em conseqüência de complica- morte, mas não relacionadas com a doença
ção de fraturas de fêmur ou colo do fêmur que a produziu, chamadas de causas contri-
necessitam ser bem esclarecidas, com a fi- buintes.
nalidade de ter o conhecimento da causa:
conseqüência de queda ou decorrente da
fragilidade óssea, devido a osteoporose. Anemia
• Variáveis: A DO é composta por nove blocos
e sessenta e duas variáveis, a seguir descritas: Exemplos de preenchimento com casos
- Bloco I – Destinado ao Cartório; clínicos5 (Laurenti; Mello Jorge, 2004):
- Bloco II – Identificação do falecido (se óbito
fetal, no item 11 (nome do falecido), anotar • História clinica: masculino, 8 meses.
“natimorto” ou “nascido morto de (nome da “Dia 3/12 começou a apresentar diarréia
mãe)”, pois a mãe é paciente do hospital); e vômitos de moderada intensidade até o dia 6,
- Bloco III – Local de residência do falecido; quando o quadro se intensificou e foi internado
- Bloco IV – Local de ocorrência do óbito; no Pronto Socorro. Estava desidratado (2º para
- Bloco V – Óbito fetal ou menor de um ano o 3º grau) e apresentava sinais de desnutrição
(deve ser obrigatoriamente preenchido). São moderada. No dia 7 apresentou aspiração de
informações sobre a mãe (idade, grau de es- vômitos, tendo desenvolvido quadro típico de
colaridade, ocupação, gestação, tipo de par- broncopneumonia, comprovada pelo RX, dia 8.
to) e peso do filho ao nascer - dez variáveis; O quadro se agravou, apresentando-se febril e
- Bloco VI – Condições e causas do óbito diarréico. Faleceu no dia 10.”
(preencher em caso de óbito fetal e não fe-
tal). É o atestado médico da DO, constituí- Desnutrição moderada
do por duas partes I e II;
- Bloco VII – Identificação do médico que Atestado original
assina;
- Bloco VIII – Causas externas; I – a) Desidratação
- Bloco IX – Localidade sem médico. b) -
• Como preencher o Bloco VI – atestado c) -
médico d) -
- Parte I – linhas: “a”, “b”, “c” e “d”. II -
- Sob as linhas “a”, “b” e “c” está escrita a Obs: o médico não declarou a causa básica
frase: “devido ou como conseqüência de”. (gastroenterite).
179
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
180
Capítulo 16 • Vigilância Epidemiológica
2005, a proporção de óbitos por causas mal de- • Quando há suspeita de melioidose: aspirar
finidas foi de 25%. Reflete não só a baixa qua- pus ou secreção do pulmão, colocar em frasco
lidade da informação sobre mortalidade, como estéril sem conservante, enviar imediatamen-
também dificuldade de acesso da população à te para a microbiologia do Lacen, juntamente
assistência médica. O médico precisa conscien- com relatório de necropsia.
tizar-se da importância legal e epidemiológica
da Declaração de Óbito (DO), esforçando-se
para preenchê-la completa e corretamente. Se Sistema de Informação sobre Nascidos
o médico vinha acompanhando o paciente e Vivos - SINASC
este morre no domicílio, não havendo suspei-
ta de morte violenta, a causa do óbito pode ser O Sistema de Informação sobre Nascidos
descrita na DO. No entanto, esses óbitos terão Vivos foi implantado oficialmente no Brasil em
melhor esclarecimento se encaminhados ao 1990 e no Ceará em 1993. O Sinasc capta dados
Serviço de Verificação de Óbitos (SVO), a se- sobre as condições da gravidez, parto e nasci-
guir descrito. mento. Tem como documento padrão a Decla-
ração de Nascido Vivo – DN, elaborada pelo
Ministério da Saúde, previamente numerada,
Serviço de Verificação de Óbito – SVOS contendo três vias.
181
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
182
Capítulo 16 • Vigilância Epidemiológica
Anexo
Exames laboratoriais de interesse da saúde pública realizados no Lacen/laboratório de referência nacional
Suspeita clínica Material Técnicas
Aids/Infecção por Soro • Elisa, IFI, Western �lot, CD4, CD8, carga viral e genotipagem
HIV
Botulismo Soro • Detecção de to�ina botulínica por meio de bioensaio em
Fezes ou conteúdo intestinal camundongo e outras;
Lavado gástrico • Isolamento de Clostridium botulinum de cultura das amostras.
Exudado do ferimento
Citomegalovirose Soro • Sorologia (IgM, IgG)
Cólera Fezes • Coprocultura para Vibrio cholerae
Conjuntivite de Raspado conjuntival • Imunoflorescência direta
inclusão do adulto
e recém-nascido
(Tracoma)
Coqueluche Soro • Cultura (pesquisa de Bordetella pertusis)
Dengue Soro • Sorologia (MAC - Elisa)
Vísceras • Cultura de células
• PCR
• Imunohistoquímica (envia para o Lab. de Referência – Insti-
tuto Evandro Chagas)
Difteria Secreção naso e orofaringe • �acterioscopia e cultura (bacilo diftérico)
Doença de Chagas Soro • Hemaglutinação e Elisa
• Xenodiagnóstico (UFC)
• Outras técnicas de diagnóstico: Imunofluorescência indireta,
pesquisa de tripomatigota em gota espessa e em creme leucocitário
DST • �acterioscopia (pesquisa de Trichomonas, Candida e Gardnerela)
Síndrome de corri- Secreção vaginal • Cultural (pesquisa de gonococo, Clamídia)
mento vaginal • IFD (Clamídia)
Síndrome de corri- Secreção, uretral • PCR (Clamídia e gonococo protocolos de pesquisa)
mento uretral
• VDRL, FTA-A�S, TPHA
Sífilis Soro
Bacterioscopia: pesquisa de H. ducreyi (gram); herpes simples
Lesões ulceradas Raspado da lesão (giemsa), T pallidum (campo escuro)
Febre amarela Soro e vísceras IEC, MAC - Elisa, inibição de hemaglutinação teste de neu-
tralização e imunohistoquímica RT - PCR e isolamento viral
(Laboratório de referência - Instituto Evandro Chagas)
Febre Tifóide Sangue • Hemocultura
Aspirado de medula óssea • Mielocultura
Fezes • Coprocultura
Soro • Sorologia - Reação de Widal
Gastroenterites Fezes • Coprocultura (pesquisa de: Salmorella, Vibrio Shigella, E. coli,
Aeromonas, Yersinia)
Hantavirose Soro e víceras • Elisa-IgM, Elisa-IgG (pareado), RT-PCR, imunohistoquímica
Em caso de óbito, sangue do serão encaminhados aos laboratórios de referências.
coração, inclusive coágulos
Hepatite Soro • Hepatite A, � e C (IgM, IgG-Elisa)
• Hepatite � (HbsAg, HbeAg, Anti-H�s, Anti-H�c total, anti-Hbe)
• Hepatite C (PCR e genotipagem)
Infecção sistêmica Sangue • Hemocultura
bacteriana
183
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
184
Capítulo 16 • Vigilância Epidemiológica
Microorganismo
Material Referência Método Legislação
(patógenos)
AOAC Internacional, 17th ed.,
Salmonella sp 2000. Staphylococcus aureus in foo-
ds, Vol I, Chapter 17, p 52 and 53.
Escherichia coli
International Comission on
Clostridium perfringes Microbiological Specification for RDC nº 12, DE
Alimento Cultura
Foods. Microorganisms in foods 02/01/01
Sthaphylococcus 2: sampling for microbiological
aureus analysis - principals and specifi-
cal applications. 2 ed. Toronto:
Bacillus cereus University of Toronto Press,
1986, 293p.
Fonte: Ceará, 2005
185
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
• Mortalidade: variável característica das 10. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilân-
comunidades de seres vivos, referem-se ao cia em Saúde. O novo Regulamento Sanitário
conjunto dos indivíduos que morreram num Internacional. In: Boletim Epidemiológico Ele-
dado intervalo de tempo4,2. trônico 2005b 5(2).
• Piso da Atenção Básica (PAB): um instru- 11. Mota E, Carvalho DM. Sistemas de informação
em saúde. In: Rouquayrol MZ, Almeida FIlho
mento importante para dar suporte ao PSF
N. Epidemiologia & saúde. Rio de Janeiro: Med-
foi criado, em 1998, pelo governo federal, Piso
si. 2003. p.605-628.
Assistencial Básico (PAB), uma estratégia de
12. Organização Mundial de Saúde. CID-10. Tradu-
financiamento da atenção primária à saúde6. ção Centro Colaborador da OMS para a Classifi-
cação de Doenças em Português. 5 ed. São Paulo:
Referências Editora da Universidade de São Paulo, 1999.
13. Secretaria da Saúde do Estado (CE) Manual de
1. Almeida Filho N, Rouquayrol MZ. Elementos vigilância epidemiológica hospitalar. Fortale-
de metodologia epidemiológica. . In: Rouquayrol za; 2005.
MZ, Almeida Filho N. Epidemiologia & saúde. 14. Rouquayrol MZ, Façanha MC, Veras FMF. Aspec-
Rio de Janeiro: Medsi. 1999. p. 149-177. tos epidemiológicos das doenças transmissíveis. In:
2. Barbosa, LMM. Glossário de epidemiologia & Rouquayrol MZ, Almeida Filho N. Epidemiologia
saúde. In: Rouquayrol MZ, Almeida Filho N. & saúde. Rio de Janeiro: Medsi. 2003. p. 229-288.
Epidemiologia & saúde. Rio de Janeiro: Medsi. 15. Rouquayrol MZ, Goldbaum M. Epidemiologia,
1999. 707p. p. 649-686 história natural e prevenção de doenças. In: Rou-
3. Conselho Federal de Medicina. Resolução quayrol MZ, Almeida Filho N. Epidemiologia &
n°1601/00 de 9 de agosto de 2000. Dispõe sobre saúde. Rio de Janeiro: Medsi. 2003. p. 17-35.
a responsabilidade médica no fornecimento da 16. Tauil PL. Controle de agravos à saúde: consis-
declaração de óbito. Brasília, DF: Diário Oficial tência entre objetivos e medidas preventivas.
União; 2000. In:Informe epidemiológico do SUS. Brasília:
4. Kerr Pontes LG, Rouquayrol MZ. Medida da Fundação Nacional de Saúde, 1998. 104 p.
saúde coletiva. In: Rouquayrol MZ. Almeida Fi- 17. Teixeira MG, Risi Jr JB, Costa MCN. Vigilância
lho N. Epidemiologia & saúde. Rio de Janeiro: epidemiológica. In: Rouquayrol M. Z, Almeida
Medsi. 2003. p. 37-82. Filho N. Epidemiologia & saúde. Rio de Janeiro:
5. Laurenti R, Mello Jorge MHP. O atestado de óbi- Medsi; 2003. p. 313-356.
to. 5. ed. São Paulo: Centro da OMS para classifi- 18. Universidade Federal de São Paulo. Escola Pau-
cação de doenças em português. 200. 97 p. (Série lista de Medicina. Níveis de biossegurança e
Divulgação nº 1). processamentos laboratoriais. [Acesso em 1º nov.
6. Mendes EV. A atenção primária à saúde no SUS. 2006]. Disponível em: http://www.unifesp.br/rei-
Fortaleza. Escola de Saúde Pública do Ceará, toria/orgaos/comissoes/cibio/nivel.htm.
2002. 92p.
7. Ministério da Saúde (BR). Fundação Nacional de
Saúde. Manual de instruções para o preenchimento
da declaração de óbito. 3ª ed. Brasília; 2001. 44 p.
8. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilân-
cia em Saúde. Curso Básico de Vigilância Epide-
miológica. 2005c. [Acesso em 30 out. 2006]. Dis-
ponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/svs/
default.cfm.
9. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilân-
cia em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica.
6ª ed. Brasília, DF; 2005a. 815p.
186
Capítulo 17
Vigilância Sanitária e Ambiental de protocolos existentes sobre as ações de ins-
diana carMeM alMeida nunes de oliveira peção sanitária no Brasil e, particularmente, no
ana auGusta Monteiro cavalcante estado do Ceará.
Conceitos
187
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
• Imunobiológicos e suas substâncias ativas, sangue e ter acesso ao conjunto da legislação de vigilância
hemoderivados; sanitária, é um instrumento de fundamental im-
• Órgãos, tecidos humanos e veterinários para uso em
transplantes ou reconstituições;
portância para todas as organizações do Sistema
• Radioisótopos para uso diagnóstico in vivo, radiofár- Nacional de Vigilância Sanitária, para o setor
macos e produtos radioativos utilizados em diagnóstico regulado e para a sociedade.
e terapia;
• Cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produ-
to fumígero, derivado ou não do tabaco; Saiba mais!
• Quaisquer produtos que envolvam a possibilidade de Consulte a legislação em vigilância sanitária – VISA-
risco à saúde, obtidos por engenharia genética, por outro LEGIS
procedimento ou ainda, submetidos a fontes de radiação. Base de dados com legislação relacionada à Vigilância
Sanitária nos âmbitos federal, estadual e municipal, ali-
São serviços submetidos ao controle e fiscalização sa- mentada e atualizada pela ANVISA e pelas Vigilâncias
nitária: Sanitárias Estaduais e Municipais.
• Aqueles serviços voltados para a atenção ambulatorial, Disponível nos sites:
sejam de rotina ou de emergência, os realizados em re- www.anvisa.gov.br/e-legis
gime de internação, os serviços de apoio diagnóstico e www.saude.ce.gov.br/nuvis
terapêutico, bem como aqueles que impliquem a incor-
poração de novas tecnologias;
• As instalações físicas, equipamentos, tecnologias,
ambientes, inclusive os do trabalho, e procedimen- Sistema de Vigilância Sanitária
tos envolvidos em todas as fases de seus processos de
produção dos bens e produtos submetidos ao controle
e fiscalização sanitária, incluindo a destinação dos res- Compreende o conjunto de instituições,
pectivos resíduos.
políticas e métodos que formam a estrutura
organizacional-administrativa da área governa-
Em nível estadual estão os órgãos de co- mental de Vigilância Sanitária.
ordenação estadual, suas regionais e os municí- A Vigilância Sanitária é uma atividade
pios, que seguem as estruturas de organização multidisciplinar que regulamenta e controla
existentes que variam nas diferentes unidades a fabricação, produção, transporte, armazena-
da federação. gem, distribuição e comercialização de pro-
Dentro dos preceitos do SUS, que privi- dutos e a prestação de serviços de interesse da
legia o município como o espaço de ação das saúde pública.
práticas de saúde, a Vigilância Sanitária deve ser Instrumentos legais, como notificações e
descentralizada e municipalizada. multas, são usados para punir e reprimir práticas
Municipalizar as ações de Vigilância Sani- que coloquem em risco a saúde dos cidadãos. As
tária significa adotar uma política específica com ações de vigilância sanitária são importantes na
a finalidade de operacionalizá-la recorrendo-se a medida em que fiscalizam e protegem a popula-
novas bases de financiamento, criação de equi- ção das situações de risco extremo a que a saúde
pes e demais infra-estruturas, visando o controle individual, coletiva e ambiental são expostas, in-
dos riscos sanitários. cluídos também, usuários dos sistemas de saúde
Como prática de saúde do Sistema Único público e privado, garantindo a qualidade dos
de Saúde – SUS, e por referência ao preceito ins- produtos e serviços que são disponibilizados à
titucional de equidade, isto é, princípio de igual- população em geral.
dade, a Vigilância Sanitária insere-se no espaço Fica a cargo do município, de acordo com
social que deverá abranger uma atuação sobre o as suas possibilidades financeiras, recursos hu-
que é público e privado, indistintamente, na de- manos e materiais, e segundo o quadro epide-
fesa do cidadão e da população em geral. miológico-sanitário existente, definir as ações
A base da atuação da Vigilância Sanitária que ele vai implementar e as que serão compar-
é a norma legal que fundamenta cada ato. Assim, tilhadas ou complementadas pelo Estado.
188
Capítulo 17 • Vigilância Sanitária e Ambiental
189
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
190
Capítulo 17 • Vigilância Sanitária e Ambiental
• Projeto: O Desafio da Ação Intersetorial para Os alimentos, assim como seu processo de
a Saúde, o Trabalho e o Ambiente: Construin- produção, são submetidos ao controle e fiscali-
do Rede e Tecendo Nós. zação referentes ao registro, produção, distribui-
• Programa de Vigilância da Qualidade da ção e comercialização, incluindo as bebidas, a
Água de Consumo Humano. fim de garantir a identidade, eficácia, qualidade
• Atividade de Vigilância Ambiental para Me- e segurança apropriadas para o uso pretendido,
lioidose. necessários ao sustento e nutrição humana.
• Programa de Vigilância de Solos Contaminados.
• Programa de Fiscalização dos Ambientes do Saiba mais!
Trabalho. Resolução – RDC Nº 216, de 15 de Setembro de 2004
Dispõe sobre Regulamento Técnico de Boas práticas
para Serviços de Alimentação.
191
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
192
Capítulo 17 • Vigilância Sanitária e Ambiental
193
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
194
Capítulo 17 • Vigilância Sanitária e Ambiental
195
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
196
Capítulo 17 • Vigilância Sanitária e Ambiental
197
Capítulo 18
Gestão e Para a Organização Mundial da Saúde
Economia de Saúde (OMS), a aplicação da economia da saúde tem
por objetivo quantificar, por períodos de tempo,
Maria helena liMa sousa
os recursos empregados na prestação de serviços
vera Maria câMara coêlho
isaBel thoMaz dias de saúde, sua organização e financiamento, a efi-
ciência com que se alocam e utilizam esses recur-
sos para fins sanitários, e os efeitos dos serviços
de saúde para a provisão, a cura e a reabilitação
na produtividade individual e nacional19.
Introdução
199
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
Municípios para área da saúde a partir de 2000 armazena e processa as informações referentes
até 2004, e estabelece que as três esferas devam aos gastos em saúde das três esferas de governo.
elevar seus gastos com ações e serviços de saúde As diretrizes para a sua operacionalização foram
de forma gradativa. definidas pelo Ministério da Saúde através da
No caso da União, ficou definido, para o Portaria GM nº 2.047/02. A questão maior, hoje,
ano de 2000, o montante empenhado em ações é a definição do que são ações e serviços de saúde
e serviços de saúde no exercício financeiro de para efeito do cálculo dos recursos aplicados de
1999, acrescido de no mínimo 5% (cinco por conformidade com a EC nº 29/2000.
cento), para os anos 2001 a 2004, o valor apurado Com o objetivo de orientar os gestores do
no ano anterior, corrigido pela variação nominal SUS, o Conselho Nacional de Saúde – CNS, atra-
do Produto Interno Bruto (PIB), assegurando a vés da Resolução nº 316/03, definiu diretrizes
correção dos recursos para saúde com base no em relação à base de cálculo para definição dos
crescimento nominal da economia. recursos mínimos a serem aplicados em saúde,
No caso dos Estados e Municípios, eles aos instrumentos de acompanhamento, fiscali-
devem destinar, no primeiro ano, pelo menos 7% zação e controle, e às ações e serviços públicos
(sete por cento) das receitas de impostos, com- em saúde consideradas elegíveis para apuração.
preendidas as transferências constitucionais, Estas diretrizes são vistas como recomendações
sendo que esse percentual aumentará anualmen- essenciais para operacionalização da Emenda,
te, em pelo menos 1/5, até atingir, em 2004, 12% que de certo modo esclarecem alguns textos que
para os estados e 15% para os municípios, como deixam dúvidas na interpretação.
o é atualmente. E determina que as três esferas No Ceará, o Tribunal de Contas dos Muni-
de governo não possam diminuir o percentual cípios, através da Instrução Normativa nº 03/01,
de aplicação dos seus recursos. Corrigindo, em dispõe sobre a orientação e fiscalização da apli-
parte, o problema de retração no aporte de re- cação dos recursos mínimos no financiamento
cursos financeiros para a saúde, em especial nos das ações e serviços públicos de saúde, para os
governos estaduais. municípios cearenses. Dentre outras, definem
A referida Emenda define a base de cálcu- as despesas com ações e serviços de saúde para
lo para efeito da apuração dos recursos gastos em efeito de apuração dos percentuais de gastos.
ações e serviços públicos em saúde pelos Estados Tramitou no Congresso Nacional o Subs-
e Municípios. titutivo do Projeto de Lei Complementar nº
01 de 2003, de autoria do Deputado Roberto
Conheça as receitas de impostos dos estados e muni- Gouveia e relatoria do Deputado Guilherme
cípios, para calcular os percentuais de vinculação dos Menezes, com o objetivo de regular o percen-
gastos com saúde, lendo a Emenda Constitucional nº
29/2000, no endereço: www.saude.gov.br tual mínimo de 10% das receitas correntes da
União para ações e serviços públicos de saúde,
Um aspecto que merece ser destacado é a e manter a mesma definição (EC nº 29) para os
fiscalização da aplicação da Emenda Constitu- Estados e Municípios, 12 e 15% respectivamen-
cional 29, de responsabilidade dos Conselhos te. Em termos monetários, tomando como base
de Saúde, das Assembléias Legislativas, das Câ- o exercício financeiro de 2002, isso representa
maras Municipais, dos Tribunais de Contas e do cerca de 34 bilhões de reais, valor superior se
Ministério Público. E para o acompanhamento adotado como base de cálculo o percentual de
dos gastos públicos com saúde, deverá ser uti- 11,5% sobre o total de receitas de impostos e
lizado o Sistema de Informações sobre Orça- contribuições descontadas as transferências
mentos Públicos em Saúde – SIOPS, que coleta, constitucionais da União (28 bilhões de reais).
200
Capítulo 18 • Gestão e Economia de Saúde
Definem ainda, o critério básico para nortear a de pela população do município fornecida pelo
distribuição dos recursos a “necessidade de saú- IBGE. Atualmente, o valor mínimo do PAB -
de” e que o rateio dos recursos deve ser definido Fixo é de R$ 15,00 (quinze reais) e o máximo é
pelas instâncias gestoras do SUS: Comissão In- de R$ 18,00 (dezoito reais) / habitante por ano.
tergestores Tripartite e Comissões Intergestores O PAB – Variável é composto pelos incenti-
Bipartite. Estabelece a delimitação do campo a vos das estratégias: Saúde da Família, Agentes Co-
que corresponde às ações e serviços públicos de munitários de Saúde, Saúde Bucal, Compensação
saúde. No tocante à fiscalização e controle da de especificidades regionais, Fator de incentivo da
aplicação dos recursos são propostas medidas Atenção Básica aos Povos Indígenas, e Incentivos
que incluem a divulgação das informações para à Saúde no Sistema Penitenciário. Esses recursos
a população. serão repassados aos municípios mediante adesão
às estratégias específicas a que se destina.
Destacam-se os incentivos da Saúde da
Financiamento da Atenção Básica de Saúde Família que são organizados em 02 (duas) moda-
lidades de financiamento. Na modalidade 1 (R$
As ações e serviços básicos de saúde são 8.100,00): são enquadradas as Equipes de Saú-
financiados com recursos federais, estaduais e de da Família cadastradas por municípios que
municipais. Os recursos federais para o custeio possuem o Índice de Desenvolvimento Humano
deste nível de atenção só podem ser gerenciados (IDH) igual ou inferior a 0,7 e população de até
pelos municípios, cujos recursos são transferidos 30 mil habitantes, exceto os municípios da Ama-
mensalmente, de forma regular e automática, do zônia Legal que é de 50 mil habitantes; ou as que
Fundo Nacional de Saúde - FNS para o Fundo estiverem implantadas em municípios que inte-
Municipal de Saúde - FMS. gram o Programa de Interiorização do Trabalho
O Pacto Pela Saúde 2006 estabelece a em Saúde (PITS); ou as que atendam à popu-
organização e a transferência dos recursos fe- lação remanescente de quilombos ou residente
derais de custeio, através de blocos de finan- em no mínimo 70 (setenta) pessoas, respeitando
ciamento, e cria 05 (cinco) blocos: Atenção o número máximo de equipes por município,
Básica, Atenção de Média e Alta Complexidade de conformidade com as normas específicas vi-
Ambulatorial e Hospitalar, Vigilância à Saúde, gentes. Na modalidade 2 (R$ 5.400,00) são en-
Assistência Farmacêutica, e Gestão do SUS. Os quadradas as equipes implantadas nos demais
recursos de cada bloco só devem ser aplicados, municípios brasileiros, que não se enquadram
exclusivamente, nas ações e serviços de saúde na modalidade 1.
relacionados ao bloco. Os incentivos dos Agentes Comunitários
de Saúde – ACS são calculados com base no nú-
Leia a Portaria GM nº399 de 22/02/2006 que divulga o mero de ACS, registrados no Sistema de Infor-
Pacto Pela Saúde 2006 mação de Atenção Básica-SIAB, multiplicado
pelo valor unitário estabelecido. É importante
O bloco da Atenção Básica é composto de destacar que este incentivo é o único que o Mi-
dois componentes; o Piso de Atenção Básica - nistério da Saúde repassa uma parcela extra, no
PAB Fixo e Piso da Atenção Básica Variável - último trimestre da cada ano.
PAB Variável. As Equipes de Saúde Bucal são financia-
O PAB - Fixo é um montante de recursos das em função da sua composição. As que dis-
destinados ao custeio da Atenção Básica, e são põem de no mínimo um cirurgião – dentista e
calculados pela multiplicação do valor per capi- um auxiliar de consultório, são enquadrados na
ta definido por portaria do Ministério da Saú-
201
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
202
Capítulo 18 • Gestão e Economia de Saúde
proposta de alocação de recursos para a aten- que faz o elo de ligação entre as ações de planeja-
ção primária com recursos do Tesouro do Es- mento e as funções executivas da organização.
tado (TE). Atualmente a Secretaria de Saúde Para Premchand18, nos anos mais recen-
contribui no financiamento da atenção básica, tes, alguns países têm superado as emergências
principalmente por meio do pagamento dos fiscais da década passada. Entretanto, têm man-
Agentes Comunitários de Saúde nos municí- tido a preocupação por um uso mais eficiente
pios cearenses, exceto Fortaleza. Reconheci- dos recursos públicos e em conter a expansão
damente, esta não é a maneira mais adequada do Estado. Em tais circunstâncias, o orçamento
para distribuir recursos. tem sido visto como um exercício compreensi-
A proposta desenvolvida por Dias & Sou- vo de alocação de recursos e de gestão pública,
9
sa para esses municípios propõe que 50% dos enfatizando-se a análise de custos e desempenho
recursos do TE sejam distribuídos de acordo de programas governamentais.
com o número de ACS nos municípios e que os Como orçamento integrado ao orçamen-
outros 50% sejam alocados segundo um índice to público, o orçamento da saúde deve estar
de Atenção Primária (IAP). Este índice foi de- enquadrado dentro dos princípios que o regem
senvolvido através da técnica multivariada de para atuar como instrumento de controle das
análise fatorial, pelo método de componentes atividades financeiras do governo, que são: uni-
principais, e é composto por 4 componentes: versalidade (incorpora todas as receitas e despe-
econômico (desenvolvimento econômico retra- sas das instituições que formam os poderes da
tado no Índice Socioeconômico [ISE] desen- união – art. 165, CF); anualidade (têm periodi-
volvido pela SESA/2004 e a população estimada cidade anual – art. 34 da Lei 4.320); unidade (o
em 2004[IBGE]); Atuação do PSF (cobertura orçamento deve ser único); especificidade (devem
populacional do PSF (ago. 2004-SIAB) e % de 4 discriminar claramente, no mínimo por elemen-
ou mais consultas de pré-natal (SINASC-2003); to de despesa, para facilitar a análise por parte
Atenção à criança (% de cobertura vacinal da das pessoas – art. 15 da Lei 4.320); publicidade
tetravalente em crianças menores de 1 ano (PNI- (deve ser divulgado em veículo oficial); exatidão
2003), % de crianças que só são aleitados ao peito e sinceridade (realizar despesas de acordo com os
com idade entre 0 e 3 meses e 29 dias (SIAB- dados); clareza (fácil entendimento); equilíbrio (a
2003); Óbito (% de óbito de menores de 5 anos despesa não pode exceder as receitas); progra-
não ocasionado por diarréia (SESA/2001-2003). mação (interação com o planejamento); legalida-
A partir deste método foram hierarquiza- de (aprovado por autoridade competente) e flexi-
dos os municípios segundo o método acima des- bilidade (permite ajustes durante sua execução).
crito para a distribuição dos recursos do Estado A Constituição Federal de 19881 estabe-
do Ceará para os municípios cearenses. Embora lece como processo de elaboração do orçamen-
a proposta represente um avanço, ainda não foi to público, nas três esferas de governo (federal,
assumido pelo gestor da saúde estadual este cri- estadual e municipal), um processo que envolve
tério de distribuição da atenção primária. três instrumentos:
203
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
pital e outras delas decorrentes e para as rela- • A Lei Orçamentária (LO): A Lei Orçamen-
tivas aos programas de duração continuada. tária estabelece o programa de trabalho com
respectiva alocação de recursos para o exer-
Tem prazo de quatro anos, iniciado no cício financeiro seguinte, sendo elaborada de
segundo ano de mandato e vigência até o pri- conformidade com o Plano Plurianual e a Lei
meiro exercício financeiro do mandato subse- de Diretrizes orçamentárias.
qüente. Na realidade, o PPA pretende ser um
projeto de desenvolvimento, e por ser elaborado • Fundamentos do Orçamento da Saúde Pú-
pelo executivo no primeiro ano de mandato, o blica: O orçamento da saúde está fundamen-
Legislativo pode participar, não só das discus- tado nos princípios que regem o Orçamento
sões para sua aprovação, mas exercer um mo- Público e no Sistema Único de Saúde (SUS),
nitoramento constante de sua execução através estabelecidos na Constituição de 19881 e faz
dos orçamentos anuais. parte de um sistema mais amplo, o da Seguri-
dade Social.
• A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO):
Estabelecida pelos artigos 165 e 169 da Cons- São princípios fundamentais do SUS: a
tituição Federal de 1988, a LDO define metas universalidade (direito de todos à saúde pública);
e prioridades das despesas, incluindo capital, eqüidade (a rede de serviços de saúde deve estar
para o exercício financeiro subseqüente, que atenta para as desigualdades em saúde e deve ser
orientará a elaboração da lei orçamentária ajustada às necessidades de cada parcela da po-
anual e disporá sobre as alterações na legisla- pulação); e integralidade (acesso aos serviços de
ção tributária. No caso da união, também so- saúde de acordo com suas necessidades, de modo
bre o estabelecimento da política de aplicação que os serviços de saúde devem estar organiza-
das agências financeiras oficiais de fomento. dos para atender a essa demanda e desenvolver
Além destas matérias pertinentes a CF, a Lei ações sobre o ambiente e sobre o indivíduo à
de Responsabilidade Fiscal atribuiu à LDO a promoção, proteção e recuperação da saúde, bem
responsabilidade de tratar de outras matérias como à reabilitação). Além disso, o SUS esta-
como: estabelecimento de metas fiscais; fixa- belece a participação social através da lei 8.142,
ção de critérios para limitação de empenho e sendo instituídos como instâncias colegiadas, as
movimentação financeira; publicação da ava- Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde.
liação financeira e atuarial dos regimes geral Atualmente, além das leis que regem o
de previdência social e próprio dos servidores SUS, está vigente a Emenda Constitucional nº
civis e militares; avaliação financeira do Fun- 29/2000 e das diretrizes e responsabilidades sa-
do de Amparo ao Trabalhador e as projeções nitárias sobre a Gestão e o Financiamento das
de longo prazo dos benefícios de amparos ações e serviços de saúde definidas no Pacto pela
assistenciais; margem de expansão das des- Saúde, portaria GM nº 399/20065.
pesas obrigatórias de natureza continuadas e O orçamento da saúde no Ceará é orga-
avaliação dos riscos fiscais. nizado por Programa e Ações, que obedecem à
Política de Saúde vigente que atua na atenção
A LDO representa o elo de ligação entre primária através do Programa Saúde da Famí-
o Plano Plurianual e a Lei Orçamentária Anual. lia (PSF), a atenção secundária está organizada
Para o IBASE11, o principal mérito da LDO é via- através dos pólos microrregionais de saúde (22);
bilizar a participação mais efetiva do Poder Legis- e a atenção terciária por meio dos pólos macror-
lativo no processo de aprovação do orçamento. regionais de saúde (Fortaleza, Sobral e Cariri).
204
Capítulo 18 • Gestão e Economia de Saúde
Os recursos para a saúde são provenien- Este conceito de custos é importante para
tes da União através do Fundo Nacional de se apurar os custos de um departamento ou pro-
Saúde (FNS) e de recursos próprios do Tesouro cedimento de uma unidade de saúde, de um pro-
do Estado e estão distribuídos entre programas grama ou de uma tecnologia sanitária. Para isto,
e ações por grupo de despesas e fonte de recur- têm-se vários métodos que podem ser utilizados
sos, segundo estabelecido no Plano Plurianual para realizar uma análise de custos.
(PPA) vigente e da Lei de Diretrizes Orçamen- Os custos podem ser classificados de duas
tárias (LDO). formas: 1) em relação à apropriação dos custos
em relação aos serviços produzidos; e, 2) em re-
lação ao nível de produção.
Gestão de Custos: Qual a importância da Em relação aos serviços produzidos, os
Gestão de Custos na área da saúde pública? custos são classificados em diretos e indire-
tos. Os diretos correspondem aos custos que se
A importância em se apurar custos em identificam diretamente com os serviços (pro-
saúde se deve a uma série de razões: porque os duto) ou um departamento. Exemplo, medi-
gastos em saúde têm crescido muito nestes úl- camentos. Os custos indiretos são aqueles que
timos vinte anos, devido à complexidade que não estão claramente associados aos produtos
envolve a produção dos serviços de saúde; pe- ou departamentos. Exemplo, energia elétrica
las particularidades que envolvem o mercado de de um hospital.
serviços de saúde; pelo avanço tecnológico; pela Em relação ao nível de produção, os cus-
mudança no perfil demográfico da população re- tos se dividem em fixos e variáveis. Os custos
duzindo a mortalidade infantil e aumentando a fixos são aqueles que não variam com o aumen-
expectativa de vida das pessoas; pela mudança to da produção, ou seja, mesmo que aumente o
no perfil epidemiológico, dentre outros. Daí a fluxo de atendimento aos usuários do sistema de
necessidade de se investir na eficiência do siste- saúde, os custos não variam. Para Drummond10,
ma para que ele possa trazer melhores resultados são os custos que variam com a quantidade de
em termos de saúde da população. produção (output) a curto prazo (em torno de
Existem duas formas de abordar custos um ano). Esses custos variam com o tempo e
em saúde: uma na perspectiva de gestão dos não com a quantidade. Para Matos13, correspon-
serviços de saúde (visão contábil) e outra na dem aos custos vinculados com infra-estrutura.
dimensão econômica (custo de oportunidade), Exemplo: aluguel. Os custos variáveis estão di-
que é utilizada na avaliação econômica de tec- retamente ligados ao volume de produção, ou
nologias em saúde. seja, quanto maior o número de pacientes aten-
didos, maior o custo variável. Exemplo: medica-
mentos, material médico-hospitalar etc.
Visão Gerencial dos Custos Os métodos mais conhecidos para se apu-
rar custos em saúde são: custeio por absorção,
Na perspectiva da gestão, o conceito de custeio por procedimento, custeio direto ou va-
custos está diretamente correlacionado à ques- riável e custeio por atividade - ABC.
tão contábil (contabilidade de custos), e corres- A metodologia de custeio por absorção
ponde ao valor de todos os bens e serviços efe- representa um instrumento mais tradicional de
tivamente utilizados para a produção de outros gestão dos custos. Trata-se de uma abordagem de
bens e serviços assistenciais ou ações de saúde, custeio sob os fundamentos da contabilidade de
num determinado tempo. custos13. O método consiste em procurar identi-
205
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
206
Capítulo 18 • Gestão e Economia de Saúde
De acordo com Couttolenc & Zucchi8, a 101 de 04.05.2000 que é o principal instrumento
busca da eficiência e a auto-sustentação são os regulador das conta públicas no Brasil, estabe-
dois principais objetivos da nova gestão finan- lecendo metas, limites e condições para gestão
ceira nos serviços de saúde, pois são a garantia das Receitas e Despesas, corroborando para o
da melhoria da eficiência e a garantia da estabi- controle de gastos do setor público e conseqüen-
lidade e sustentação econômica. te otimização da execução financeira. A LRF se
Para realização da gestão financeira faz-se apoia em quatro eixos: planejamento que é feito
necessário o orçamento, elo para execução finan- por intermédio de mecanismos como Plano Plu-
ceira. A entrada de recursos no Fundo de Saúde rianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias
se materializa por meio de repasse da Tesoura- (LDO) e Lei Orçamentária Anual, que estabe-
ria, da conta bancária central (órgão de finanças) lecem metas para garantir uma eficaz adminis-
para conta vinculada ao programa existente no tração de gastos públicos; transparência que é
fundo. O resultado financeiro da arrecadação das a ampla divulgação dos relatórios nos meios de
receitas destinadas ao setor saúde deve ser repas- comunicação para acompanhamento de todos
sado automaticamente pela Secretaria de Fazen- de como é aplicado o dinheiro público; controle
da ou Finanças, ou outro órgão correspondente. que é a exigência de uma ação fiscalizadora mais
As despesas da Saúde Pública devem ser efetu- efetiva e contínua dos tribunais de contas e por
adas seguindo as exigências legais requeridas a fim, a responsabilização do mau uso dos recur-
quaisquer outras despesas da administração pú- sos públicos estabelecendo sanções para os res-
blica, ou seja, processamento; licitação quando ponsáveis pelo crimes de responsabilidade fiscal
necessário; contrato ou empenho; liquidação e o (Lei 10.028, de 19 de outubro de 2000)6, 12.
pagamento que é a efetiva despesa. Através dos demonstrativos sobre a exe-
A contabilidade é um instrumento para cução, as despesas com a saúde, gastos em ações
gestão financeira, sendo um sistema de infor- e serviços de saúde, financiados com recursos
mações destinado a registrar todas as movi- do tesouro estadual, apurados para fins de ve-
mentações ou transações financeiras de uma rificação do cumprimento do limite mínimo
organização. Todas as operações registram siste- constitucionalmente estabelecido, contribuem
maticamente a vida desta organização. No setor certamente para reforçar alicerces do desenvol-
público trabalha-se usualmente com três tipos vimento econômico sustentável.
de demonstrações relacionadas com três sub-
sistemas contábeis: orçamentárias – relativas à
execução do orçamento, financeira – referente a
recebimentos e pagamentos efetuados e patrimo-
niais – no tocante à composição do patrimônio.
O Estado do Ceará adotou, desde 1980, um
sistema para gerir sua administração através do
Decreto nº 14.222, chamado Sistema Integrado
de Contabilidade – SIC, centralizado na Secre-
taria da Fazenda – SEFAZ, todos os órgãos da
Administração têm seu acompanhamento orça-
mentário, financeiro e contábil e o desembolso
financeiro controlados individualmente.
Deve-se, ainda, ressaltar a Lei de Respon-
sabilidade Fiscal – LRF ou Lei Complementar
207
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
208
Capítulo 19
O futuro da medicina na Atenção dade promissora e que poderia ser incentivada
Primária à Saúde: algumas para a melhor qualificação do médico do “Saú-
de da Família”, sem perigo de engessar as ino-
reflexões a propósito da Medicina
vações do programa brasileiro, principalmente
de Família e Comunidade no tocante à interdisciplinaridade e ao trabalho
José roBerto Pereira de souza multiprofissional.
neuMa soBreira de oliveira Percurso semelhante está fazendo o sis-
tema de saúde suplementar com a implantação
“Só uma vida vivida em função dos outros vale a pena” de serviços aos moldes do “saúde da família”,
alBert einstein
dando ênfase às ações de prevenção, ao relacio-
namento médico-paciente, ao trabalho estrutu-
209
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
reformas que vêm acontecendo nos sistemas de sua comunidade. Ao negociarem planos de ação
saúde nacionais de todo mundo, na busca de res- com os seus pacientes, integram fatores físicos,
ponder satisfatoriamente às mudanças demográ- psicológicos, sociais, culturais e existenciais, re-
ficas, aos avanços médicos, à economia da saúde correndo ao conhecimento e à confiança gerados
e às necessidades e expectativas dos pacientes16. pelos contatos repetidos. Exercem o seu papel
Inicialmente, pode-se pensar que o médico profissional promovendo a saúde, prevenindo a
de família venha pôr um fim na diversidade de doença e prestando cuidados curativos, de acom-
especialidades médicas ou que seja uma proposta panhamento ou paliativos, quer diretamente,
que venha a crescer apenas no espaço de políti- quer através dos serviços de outros, consoante
cas compensatórias da saúde pública (assistência as necessidades de saúde e os recursos disponí-
pobre para os pobres). Essas duas proposições veis no seio da comunidade servida, auxiliando
inverídicas, ao nosso modo de analisar, apontam ainda os pacientes, sempre que necessário, no
para um cenário péssimo: médico que muitas ve- acesso àqueles serviços”16.
zes não é reconhecido pelos seus próprios pares Essa atitude de acompanhamento e aco-
e fadado a um trabalho árduo e muitas das vezes lhimento das necessidades dos pacientes, cuida-
mal remunerado. Contudo, cada vez mais há uma do precípuo de uma boa Atenção Primária, é de
maior compreensão de que essa especialidade, à extrema importância para que o paciente sinta-
semelhança da própria atenção primária, deverá se amparado diante dos seus problemas de saúde
exercer um papel fundamental para a qualidade e, de forma mais expressiva, quando necessita
e a melhoria da assistência à saúde. ser abordado por um profissional ou serviço in-
Este profissional, além de sua atuação clí- teiramente diverso de seu cotidiano, seja para
nica no setor privado ou no público, diminuindo uma abordagem diagnóstica complementar ou
a fragmentação dos pacientes e até auxiliando-os terapêutica especializada, específicas das outras
em suas demandas junto a outras especialidades, especialidades.
tem penetrado no campo da gestão de serviços Ao pensarmos no aspecto custo-efetivida-
de saúde, espaço que na maioria dos setores pú- de da assistência à saúde da população, um dos
blicos vinha sendo ocupado por outros profissio- grandes desafios do MFC, além de assegurar que
nais. Também no campo de ensino médico, com os pacientes recorram ao profissional e serviço
a instituição das Diretrizes Curriculares Nacio- de saúde mais apropriado ao seu problema, é ga-
nais do Curso de Graduação de Medicina, é mar- rantir, junto aos gestores, as condições estrutu-
cante a procura por médicos especialistas em rais compatíveis com as prioridades de cuidados
MFC, pois é o profissional que apresenta o per- básicos de saúde de qualidade para essa popula-
fil mais semelhante com o exigido ao formando ção. Daí surge a necessidade de um relaciona-
egresso: “formação generalista, humanista, crí- mento melhor e mais próximo com o gestor de
tica e reflexiva, capacitado a atuar, pautado em saúde, bem como com os Conselhos de Saúde,
princípios éticos, no processo de saúde-doença quando o MFC pode desempenhar um papel
em seus diferentes níveis de atenção, com ações pivô no aprofundamento das discussões para a
de promoção, prevenção, recuperação e reabili- tomada de decisões.
tação à saúde, na perspectiva da integralidade da Outro grande desafio da Medicina na
assistência, com senso de responsabilidade so- Atenção Primária, a partir de um conceito de
cial e compromisso com a cidadania, como pro- saúde como qualidade de vida, é a exigência da
motor da saúde integral do ser humano”2. passagem de um trabalho uniprofissional para
“Os médicos de família reconhecem ter uma ação coletiva. O médico deve assumir a
uma responsabilidade profissional para com a importância do trabalho em equipe, nessa nova
210
Capítulo 19 • O futuro da medicina na Atenção Primária à saúde: algumas reflexões a propósito da medicina de família e comunidade
compreensão integral do ser humano e do pro- cadeado aos esforços moderados, mas que não a im-
cesso saúde-doença, coerente com uma ótica da pedia de trabalhar e algumas vezes acompanhado
produção social da saúde e da criação de am- do mesmo desconforto epigástrico, mas de intensida-
bientes saudáveis14. “Essa compreensão coloca de menor. Como o médico da emergência havia lhe
o trabalho interdisciplinar e multiprofissional falado em algum problema relacionado com o trato
como necessidade fundamental e uma estratégia digestório, ela procurou marcar uma consulta com
mais exeqüível e desejável do que a tentativa de o gastroenterologista. Procurou várias unidades
criar superprofissionais de saúde, formar profis- de saúde do serviço público, conseguindo marcar a
sionais competentes para o atendimento de toda consulta com esse especialista após 6 (seis) meses de
e qualquer necessidade dos usuários, mesmo as persistente procura (descobrir onde havia, chegar em
não percebidas”4. tempo de pegar uma ficha). O gastroenterologista,
mesmo achando que o quadro não era compatível
com os dois diagnósticos sugeridos pelo médico que
Caso Clínico lhe havia atendido na emergência, solicitou uma
gastroduodenoscopia para melhor conclusão. Apro-
D. Maria Lúcia, 59 anos, solteira, trocadora veitou para encaminhá-la ao endocrinologista, pois
de ônibus, nulípara, tabagista, menopausada há 10 permanecia com um peso muito acima do normal
anos, acompanhada de familiares procurou a emer- (IMC = 31), fato que, segundo ele, poderia ser a
gência do Hospital X por volta das 13 horas com causa do cansaço da paciente.
quadro de desconforto epigástrico e sensação de can- Dona Maria recomeçou sua “via sacra”, em
saço. Relata que tudo começou após uma discussão busca da endoscopia e da consulta do endocrinologis-
com um usuário de ônibus que havia acontecido cer- ta. Neste ínterim, por apresentar várias faltas ao em-
ca de 30 minutos antes. Tinha antecedentes de uma prego, a paciente foi demitida por justa causa, mesmo
internação hospitalar há cerca de 11 anos quando relatando que havia faltado porque estava doente e
apresentou um distúrbio menstrual. Relata que man- em busca de tratamento.
tinha contato periódico com o serviço de saúde, pois Mesmo assim e sentindo que seu quadro se
realizava exame de prevenção de câncer ginecoló- agravara, dona Maria Lúcia continuou insistindo
gico anualmente. O médico de plantão não consta- nos exames e na consulta médica. Apresentou a en-
tou nenhuma alteração ao exame físico da paciente, doscopia ao gastroenterologista que constatou não se
além da obesidade (IMC = 31) e uma PA de 150 X tratar de quadro gástrico e, ao ver seu quadro dispnéi-
85mmhg. Foi realizado um ECG que se apresentou co resolveu encaminhá-la ao cardiologista.
dentro da normalidade. A paciente teve melhora do Antes de conseguir a consulta com o cardiolo-
quadro após a administração de medicação antiemé- gista e com o endocrinologista, um ano após a últi-
tica e o repouso. A mesma teve alta com a explicação ma entrada na emergência, dona Maria Lúcia deu
de que seu quadro era provavelmente fruto de uma entrada novamente na emergência do Hospital X
resposta do organismo ao estresse, poderia ser também em razão de que há três dias havia piorado da falta
um sintoma ligado a um quadro de refluxo ou gastri- de ar que se apresentava mesmo em repouso. Com
te. Como a paciente relatara que não se sentia bem diagnóstico de Infarto do Miocárdio e insuficiência
para voltar ao trabalho, o médico lhe deu um atesta- cardíaca foi admitida na UTI cardiológica. No in-
do recomendando repouso de três dias. Foi também ternamento também foi constatado que a paciente
orientada a realizar uma dieta para diminuir o peso e era portadora de diabetes tipo II e hipertensão ar-
que deveria verificar novamente a pressão arterial. terial crônica.
A paciente passou os três dias em repouso e
retornou ao trabalho. Evoluiu com cansaço desen-
211
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
212
Capítulo 19 • O futuro da medicina na Atenção Primária à saúde: algumas reflexões a propósito da medicina de família e comunidade
atenção, voltados para as necessidades de saúde e sionais da saúde – médico de família e o médico
não apenas para a demanda espontânea e ou para da emergência, levando a um prejuízo incomen-
a oferta de serviços de saúde14. Assim, nessa atua- surável para o paciente, como por exemplo, a
ção organizada de forma diferente do que (antes) simples descontinuidade do seu tratamento.
se vê nos serviços de pronto-atendimento, dona Portanto, estamos diante de um outro desafio,
Maria Lúcia teria, além de um acompanhamen- que há muito urge enfrentamento mais efetivo,
to multidisciplinar, um acompanhamento con- a comunicação entre todos os especialistas que
tínuo que deve incluir também suas demandas consultaram a dona Maria Lúcia.
pessoais. Em um trabalho conjunto que inclui
ativamente o indivíduo, a família e a própria • Política de Saúde e a Gestão: Para nós é bas-
comunidade, esses profissionais ganham força tante claro que mesmo com todos os esforços
sinérgica para o bom êxito de seus propósitos. que os profissionais de saúde possam fazer,
Ah! Se dona Maria Lúcia fosse assistida sem uma política de saúde nacional, estadual
por uma equipe com “clima quente”, motivada e e municipal condizentes com a proposta de
integrada, seria uma história totalmente diferente. saúde para todos e, saúde associada à qualida-
Uma equipe com um bom clima organizacional de de vida, pouco se poderia fazer para modi-
potencializa a integração e o sucesso destes profis- ficar a história de tantas donas Maria Lúcia.
sionais na sua atuação com o paciente. Esse clima, Não estamos falando apenas de uma políti-
como a cultura, é o conjunto de pressupostos bási- ca assumida em discursos ou nos papéis assinados
cos inventados, descobertos ou desenvolvidos por (leis, normas, portarias, planos), mas verificada em
um grupo na medida em que aprendeu a lidar com atitudes concretas: decisão de fazer acontecer.
os problemas da adaptação externa e integração Esse acontecimento passado pela dona
interna14. Sem falar que, quanto maior a integra- Maria Lúcia, deixando-a a mercê de seu debi-
ção entre os membros desta equipe, clima quente, litado esforço na conquista de uma assistência
maior satisfação no trabalho, melhores resultados médica, sendo ainda vivido por muitos outros
e mais tranqüila seria a dona Maria Lúcia. que precisam de assistência médica, como se
percebe ainda no nosso país (no setor público e
• A importância da Integração entre os diver- também no setor privado), nos remete, entre ou-
sos serviços de saúde: Tudo indica que dona tras coisas, a uma questão de suma importância
Maria Lúcia não tinha um médico assisten- percebida no dia-a-dia dos profissionais de saú-
te. Ela procurou a emergência e foi referen- de: a necessidade de gestores capacitados/ quali-
ciada, quase abandonada num labirinto que ficados para a gestão da saúde. Estamos falando
é comum nos “sistemas de saúde” sem uma de limites que separam as Responsabilidades e
Atenção Primária forte e, principalmente, as Atribuições dos Gestores de um Sistema de
com pouca integração com todos os níveis de Saúde ou de um Serviço, qualquer que seja ele, e
atenção (ou redes assistenciais). as Competências dos Profissionais de Saúde.
Partindo do pressuposto, muito longín- Além da necessidade de um gestor capa-
quo, que Dona Maria Lúcia fosse acompanhada citado para sua função, um outro grande desafio
por uma ESF, ela sofreu as conseqüências das aqui posto é o de promover um repensar sobre
disfunções organizacionais de um serviço (ou os critérios utilizados para a escolha deste gestor
profissionais) que não estava integrado com a do futuro, pontuando alguns pré-requisitos para
equipe de saúde que a acompanhava8. cada cargo e desvinculando a gestão de saúde dos
É o que se percebe, ainda em nossa rea- processos políticos partidários; obedecendo ver-
lidade, uma falta de comunicação destes profis- dadeiramente os princípios e diretrizes do SUS.
213
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
“Precisamos dedicar pouco espaço aos ausência de políticas para assegurar a universali-
efeitos prejudiciais da política sobre as organiza- dade e a responsabilidade pública pelo financia-
ções. Ela é decisiva e onerosa: consome energias mento dos serviços de saúde leva a uma situação
que poderiam ser dedicadas ao atendimento aos em que os que são capazes de pagar pelo serviço
clientes. Ela também pode conduzir a todos os obtém a maior parte dos serviços15.
tipos de aberrações: a sustentação de centros de “A distribuição natural dos bens não é
poder superados ou a introdução de novos cen- justa ou injusta; nem é injusto que os homens
tros injustificados ou mesmo a paralisia de um nasçam em algumas condições particulares den-
sistema até o ponto em que o funcionamento é tro da sociedade. Estes são simplesmente fatos
interrompido. Afinal, a finalidade de uma orga- naturais. O que é justo ou injusto é o modo como
nização é produzir bens e serviços e não produ- as instituições sociais tratam destes fatos”13.
zir uma arena nas quais as pessoas possam lutar Nessa perspectiva de atitude política, está
entre si”11. posto para os profissionais de saúde, juntamen-
Provavelmente ao ver se repetir tantos qua- te com as muitas donas Marias, ser audaciosos
dros semelhantes ao da nossa querida senhora, o e cobrar dos diversos atores um comprometi-
plantonista da emergência ou mesmo o gastroen- mento com estas ações, assumindo, como diria
terologista deveriam já ter consciência dessas fa- Leonardo Boff2, a função dos políticos: crer na
lhas do sistema. Contudo, por que os profissionais verdade e nortear sua prática através dela, trazê-
guardam para si tais avaliações e muitas vezes não la à tona para todos e agir em coerência com ela,
a põe para as chefias dos serviços? Pensando nisso mostrando-se disposto a suportar os sacrifícios
e dentro de nossa proposta de pontuar aspectos que tal postura comporta.
simples, não poderíamos deixar de falar do exer-
cício da liderança pelos chefes, principalmente • Qualidade assistencial e Incentivo à Pes-
quando se trata das relações vividas nas chefias quisa: Diabetes, hipertensão, obesidade, ta-
diretas; como dentro das equipes de Saúde da Fa- bagismo, entre outros problemas de saúde
mília, as relações devem sair do autoritarismo e que podem ter contribuído para o desfecho
transmutarem em atitudes de auxílio e coopera- desfavorável na história de nossa paciente,
ção, pois só assim levará a uma melhoria contínua são agravos que vêm há muito sendo priori-
e a aceitação do feedback de seus subordinados, zados nos planos de saúde nacionais. Temos
assumindo riscos e reduzindo a distância entre o já protocolos validados, tanto realizados por
que se é e o que se precisa mudar9. Sociedades de Medicina de Família e Comu-
É claro que no Brasil muitas donas Ma- nidade bem como por outras entidades, que
rias, diferentemente do caso em estudo, estão aplicados na Atenção Primária demonstra-
se beneficiando com uma atenção de qualidade; ram uma alta influência na diminuição de co-
lembremos que, como discutida em Alma Ata, morbidades e da taxa de mortalidade devido
a atenção primária evolui a partir das condições a tais circunstâncias.
econômicas e características políticas e sócio- Para que a nossa paciente possa se benefi-
culturais de um país e suas comunidades17. Cabe ciar de tais procedimentos, impõe que o Médico
a nós, profissionais da saúde, pelo menos assu- de Família e Comunidade tenha acesso e procu-
mirmos um papel de educador, incentivando o re caminhar lado a lado com os avanços cientí-
reconhecimento de que o bem comum é mais ficos em sua própria área de atuação, somente
bem servido quando o bem-estar de todos os desta forma será possível alcançarmos e man-
grupos da população é maximizado, o que é re- termos nossos serviços com a qualidade exigida
forçado através do princípio da eqüidade e que, a pela população, em conformidade com a melhor
214
Capítulo 19 • O futuro da medicina na Atenção Primária à saúde: algumas reflexões a propósito da medicina de família e comunidade
215
Livro do Médico de Família • Seção 1 – Medicina de Família e Comunidade
216
Seção 2
Saúde da Criança e
do Adolescente
Capítulo 20
Puericultura na promoção prevenção de doenças na criança. Relaciona a
da saúde da criança evolução da criança nos aspectos físicos, sociais
e psíquicos, com o meio ambiente onde ela está
Jocileide sales caMPos
inserida, inclusive com o comportamento das
anaMaria cavalcante e silva
João JoaquiM Freitas do aMaral pessoas que lhe prestam cuidados nas etapas do
seu desenvolvimento21.
Nestes conceitos percebe-se a presença
dos determinantes, dos elementos que consti-
tuem os campos de saúde definidos nos estudos
219
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
220
Capítulo 20 • Puericultura na promoção da saúde da criança
há uma consciência mais forte e uma busca pela da existência dos riscos, menos ou mais inten-
redução das desigualdades sociais reconhecidas sos, presentes na vida das crianças. Assim pode
como fatores que exercem mais frequentemen- ser definida a melhor programação, o melhor
te que os ambientais e mesmo os biológicos, a plano para situações mais gerais ou mais especí-
causalidade dos desvios da saúde14,13. Da mesma ficas desde o nascimento. Ou desde o pré-natal?
forma é reconhecida a necessidade e o valor da Ou desde a pré-concepção?
criação de políticas públicas com reorientação Estudos epidemiológicos, permitem co-
dos serviços de saúde, participação comunitária, nhecer informações sobre indicadores sociais
promoção de ambientes favoráveis e o desenvol- de saúde, enfermidades mais freqüentes no ciclo
vimento de habilidades pessoais que melhorem de vida infantil (até dez anos) para uma atuação
a saúde das pessoas. Essas políticas enfatizam competente no controle dos mesmos. Ao mesmo
ações preventivas baseadas na visão ampliada de tempo esse conhecimento deve ser usado para
saúde e integração efetiva com a comunidade15. uma boa comunicação e orientação aos cuidado-
Neste aspecto, a Puericultura se apresenta res da criança, vigiar a criança sadia para que esta
como relevante na influência do processo saúde- condição seja mantida e para que a criança seja
doença, sem banalizar os fenômenos doença e estimulada na sociedade, no domicílio, na escola,
morte, mas dedicando-se, com mais entusiasmo, nos serviços de saúde, considerando que saúde é
ao desenvolvimento de uma real cultura de saú- um bem construído a cada momento, em cada
de fundamentada na paz, na eqüidade, no com- lugar por meio do uso dos fatores que lhe são
portamento pessoal e social e na criação de uma protetores e o controle ou eliminação daqueles
relação positiva com o ambiente por meio das que são de risco à sua conquista e manutenção22.
ações de promoção e de prevenção. A puericultura tem, portanto, influências
Há hoje o reconhecimento científico de concretas nas diferentes fases da construção do
que os primeiros anos são decisivos para estru- ser humano, seja no planejamento familiar, na
tura da personalidade do ser em si e de que a concepção, no pré-natal, no nascimento e no pe-
influência do contexto de vida é crucial para in- ríodo pós-natal (crescimento e desenvolvimento
dicar a melhor conduta dos profissionais e dos infantil) durante os quais se somam os processos
cuidadores de crianças. Vejamos um exemplo de construção da vida humana saudável22.
contextualizado. Em Jucás, cidade do interior E assim, se pode concluir que atenção pre-
do Ceará, foi identificada, por uma agente de coce para promover saúde e prevenir doenças
saúde, uma criança de cerca de dois anos, con- começa muito cedo para que sejam obtidos os
siderada “retardada mental”. A criança passava melhores resultados sobre o desenvolvimento e
o dia sozinha pois sua mãe lavava roupa no rio, o crescimento do ser humano.
distante de casa, mas deixava-a numa rede com
um frasco (de coca-cola) cheio de leite para que
não passasse fome. Não falava, não andava. Ao Puericultura pré-concepcional – cuidando
descobri-la, o agente de saúde organizou uma daquele que há de chegar e crescer
pequena “rede de cuidados” com a vizinhança
e cada dia uma família ficava com a criança e Esta parte da puericultura refere-se as ex-
procurava estimulá-la. Em cerca de três meses a periências, conhecimento e desejos que tem as
criança andava e começava a falar. pessoas antes de conceber um filho1.
Desta forma, um programa de ações para Entende-se que planejamento familiar
acompanhamento do crescimento e do desen- não é tão somente impedir uma gravidez. Mas é,
volvimento infantil não é possível dissociar-se sobretudo um período de maturação pessoal, de
221
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
organização de vida e do ambiente que acolherá de gestação em situação instável pode não signi-
esse novo ser, de modo a garantir-lhe as condi- ficar uma contribuição favorável, trazendo crise
ções para seu crescimento e desenvolvimento. pessoal ou familiar e prejudicar a relação entre a
Os futuros pais devem estar preparados criança e a relação desta consigo mesma.
para assumir a criação, o cuidado com seus fi-
lhos. Esse preparo se dá no campo biológico, so-
cial e psicológico3. Aspectos biológicos
O médico juntamente com os demais inte-
grantes da equipe de saúde da família ao elaborar São aspectos muito importantes e se refe-
um programa de atuação para jovens de modo a rem desde o potencial genético dos pais e mesmo
informá-los, discute com eles sobre os aspectos de seus antecessores, os quais interagindo com o
da procriação e assim possibilita decisões mais ambiente podem desenvolver problemas para a
apropriadas sobre a geração de seus filhos1. criança que tenha herdado alguma característica
de transmissão hereditária.
Conhecer o estado de saúde, sobretudo da
Temáticas de um programa de saúde para mulher é fundamental para que seja possível atuar
futuros pais sobre algumas situações cujo risco se eleva durante
a gestação quer para a mulher quer para o concep-
to. Infecção, diabetes, hipertensão arterial repre-
Aspectos Sociais sentam algumas dessas importantes condições.
O estado vacinal da mulher é de extrema re-
• Identificar formas de compromisso com a pa- levância. Preferencialmente ela deve ser protegida
ternidade e a maternidade; antes de engravidar contra doenças imunopreve-
• Avaliar situação econômica que possa ofertar níveis que podem causar graves danos ao feto e ao
o mínimo necessário ao cuidado da criança e recém-nascido, como rubéola, hepatite B e tétano.
até mesmo, antecipadamente, com a mulher Uso de ácido fólico dois a três meses antes de
no período gestacional e no parto; engravidar pode prevenir alguma malformação17.
• Analisar aspectos afetivos que influenciarão na Outro aspecto é relativo ao fator RH dos
construção do ambiente de vida da criança; pais ou futuros pais. Se a mãe é RH negativo e o
• Discutir e criar compreensão, sobre a impor- pai for RH positivo, o conhecimento antecipado
tância da criação para auto-estima, autono- cria possibilidades de intervenção pelo médico
mia, plenitude do bem estar da criança; prevenindo a iso-imunização.
• Trata-se de uma tentativa para obter um com- Aconselhamento sobre testes para HIV e
portamento mais responsável e afetivo que sífilis, importantes para os cuidados pessoais, do
possa resultar em equilíbrio biopsicosocial casal e do futuro concepto5.
para o crescimento e o desenvolvimento dos Não menos importante é conhecer sobre o
filhos, de preparar um ambiente acolhedor uso de medicamento e outras drogas como fumo
para a criança. e álcool, cujos efeitos negativos sobre o concepto
são amplamente reconhecidos. Devem ser con-
trolados por meio de decisão compartilhada18.
Aspectos emocionais Acrescenta-se ainda questões como alimen-
tação e nutrição da mulher as quais terão influ-
A formação do vínculo afetivo já começa a ência na nutrição do feto e, de importância con-
ser construído antes da concepção. Um começo siderável esta também a idade dos pais; quando
222
Capítulo 20 • Puericultura na promoção da saúde da criança
muitos jovens, não têm maturidade orgânica e psi- ações específicas, sobretudo quando vítima de
cológica para a concepção, a criação e os cuidados violência doméstica ou sexual. Deve participar
com a criança. Também quando idosos é preciso de atividades lúdicas, de exercícios físicos que
que se analise o risco maior de alterações genéticas também irão facilitar o nascimento da criança.
no desenvolvimento fetal e mesmo em relação a É importante a participação do pai nas de-
grande diferença de idade entre pais e filhos e os cisões de gerar um filho, nas consultas do pré-
efeitos na interação emocional e psicosocial. natal e de puericultura do bebê e no processo do
Para completar, não pode ser esquecida a seu desenvolvimento21,26,7,4.
orientação sobre o intervalo interpartal de dois
anos, importante para o restabelecimento fisio-
lógico da mulher e os cuidados com a criança – A consulta do “bebê” no início do último
aleitamento e maior dedicação5,25. trimestre da gestação
223
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
224
Capítulo 20 • Puericultura na promoção da saúde da criança
225
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
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Capítulo 20 • Puericultura na promoção da saúde da criança
227
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
- A pega correta não é dolorosa, se estiver do- • Verificação das narinas do bebê, se estão obstru-
endo a pega estará incorreta. Ajude a mãe a ídas: se sim, orientar o uso de soro fisiológico
aproximar mais o bebê de seu corpo. nasal ou soro feito em casa: 100ml + 1 pitada
• Informar à mãe que acariciar, conversar, cantar é de sal, ferver bem e deixar esfriar coberto; usar
muito bom para o desenvolvimento da criança; 1 ml em cada narina com conta-gotas ou serin-
• Informação também sobre os cuidados com ga sem agulha. Trocar a solução após 24 horas;
excesso de pano próximo ao rosto o bebê - • Verificação e orientação, sobre o teste do
pode sufocá-lo; pezinho;
• Orientação para colocar o bebê no local mais • Orientação sobre as vacinas e higiene;
arejado e menos barulhento de casa, tendo • Demonstração a mãe sobre o uso da Caderne-
cuidado com animais e acidentes domésticos. ta da Criança no auxílio para acompanhar o
Informar que é bom para o bebê ter um canti- desenvolvimento e a saúde do seu bebê;
nho para ele, que será reconhecido e lhe dará • E�plicação sobre a importância das consultas
confiança, segurança; de puericultura para acompanhar a saúde do
• Orientação que ao trocar a fralda, deve fazer bebê;
uma limpeza com algodão ou pano limpo mo- • Elogiar a mãe pelo que estiver fazendo corre-
lhados e evitar os produtos industrializados; to, encorajá-la a melhorar caso ela não esteja
• Informação sobre a facilidade com que o bebê cuidando corretamente do bebê; lembrando
se assusta e que no 1º mês de vida já olha e se- que a casa deve ser a mais limpa possível; que
gue com os olhos um rosto que se movimenta o fumo e o álcool são extremamente prejudi-
muito próximo; ciais à saúde da mãe, do bebê e sua família e,
• Orientação para pendurar brinquedos de for- portanto, devem ser evitados;
mas e cores variadas no berço ou na rede, para • Verificação se a mãe ou familiares tem alguma
estimular o bebê; dúvida ou pergunta a fazer e orientá-los, se
• Orientação para que o pai também embala, for o caso, consulta na puericultura na Uni-
acaricia e conversa com o bebê; dade de Saúde.
Egressos hospitalares
Procura espontânea e das urgências
não sim
Avaliação de doenças respiratórias
acompanhar de acordo com definições locais Atendimento pelo médico
Atendimento pela equipe
avaliação integral do crescimento/desenvolvimento e de acordo com as definições
manutenção do calendário de acompanhamento locais
Avaliação de distúrbios nutricionais
228
Capítulo 20 • Puericultura na promoção da saúde da criança
Acolhimento
229
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
• Solicita a Caderneta da Criança, realiza o e�a- saúde requerem a realização de atos em cadeia
me físico da criança, faz análise das anotações funcionando em rede, desde o cuidado no domi-
anteriores como peso, vacinas, estatura, even- cílio até a mais complexa intervenção no sistema
tos importantes. Registra os achados do exa- de saúde. Essa dinâmica fundamentada na inte-
me atual na ficha ou prontuário e no Cartão gralidade – uma diretriz doutrinária do SUS que
ou Caderneta da Criança; objetiva a atenção à saúde desde a promoção de
• Conversa com a mãe ou acompanhante infor- saúde até sua recuperação e que tem lugar no do-
mando sobre a avaliação realizada; elogia as micílio, na unidade básica, no hospital e mesmo
atitudes positivas; orienta, explica e verifica em outros equipamentos sociais.
sua compreensão sobre as informações e con- Uma boa observação clínica depende do
dutas necessárias para o bom desenvolvimento grau de observação do médico, da escuta atencio-
e manutenção do estado de saúde da criança; sa, do estímulo para que a mãe tenha liberdade
reforça a importância do próximo retomo; e confiança de falar, enfim, de uma boa comuni-
• Quando for indicado, providencia encami- cação com a mãe, com a família, ou outros acom-
nhamento para consulta com especialistas, panhantes e com a criança. Compreende quatro
informa e orienta a mãe e/ou acompanhante fases: anamnese ou história do paciente, com o
sobre a necessidade desta consulta. interrogatório detalhado sobre a situação atual
da criança em relação aos focos ou elementos da
A consulta da criança apresenta diferen- consulta de puericultura; exame físico completo
ças em relação a do adulto. Em geral as informa- que utiliza desde a simples observação à marcha,
ções são obtidas por meio da comunicação dos postura, comportamento, fala, comunicação da
pais ou acompanhantes, complementadas pelo criança, toques, pesquisas de determinadas
próprio paciente seja na dedicada observação do respostas aos estímulo utilizados, até o uso de
médico com vistas à relação familiar, no próprio instrumentos que auxiliam na complementação
comportamento da criança ou, quando for pos- do exame; formulação de hipóteses diagnósticas; e
sível pela voz da criança que apresentará suas prescrições, que somam desde orientações sobre
queixas reais. Diferente do adulto que em geral condutas relacionadas à vacinação, higiene, pro-
busca atendimento quando adoece, as crianças teção contra acidentes e violências, alimentação
são levadas ao atendimento para o “acompanha- e estímulo ao desenvolvimento da criança até a
mento” ou avaliação do seu desenvolvimento, solicitação de exames, consultas com especialis-
crescimento, vacinação, alimentação e para es- tas e prescrição de medicamentos16.
clarecimento às mães sobre determinada con-
duta para a qual ela apresente-se insegura ou
mesmo total desconhecimento sobre a impor-
tância da mesma.
O atendimento médico da criança tem a
peculiar característica de envolver, no mínimo,
uma tríade: médico-criança-mãe ou família16.
O melhor atendimento à criança deve se
dar na oferta de uma atenção integral, à manu-
tenção da sua saúde - orgânica, psíquica, consi-
derando sempre sua inserção no ambiente fa-
miliar e social16. Muitas vezes a criança adoece
e o atendimento objetivando a recuperação da
230
Capítulo 20 • Puericultura na promoção da saúde da criança
231
Capítulo 21
Crescimento e Crescimento da Criança
desenvolvimento infantil
De maneira geral, é facilmente compreen-
Jocileide sales caMPos
sível que as crianças dependam dos adultos para
álvaro JorGe Madeiro leite
anaMaria cavalcante e silva sobreviver. Crianças são pessoas humanas experi-
mentando as delícias e as dores de um tempo em
todas as direções. Elas têm um passado – as expec-
tativas e valores da família e da cultura – vivem
num tempo que se refere ao presente e às bases
233
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
234
Capítulo 21 • Crescimento e desenvolvimento infantil
235
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
perda de irmãos ou parentes próximos, separação superfície plana e dura utilizando antropômetro
dos pais, mudança de escola) a criança pode alte- cuja parte fixa deve tocar a cabeça da criança e
rar sua vitalidade, seu apetite e assim, comprome- a parte móvel é deslocada até tocar a planta dos
ter a absorção na quantidade ou na qualidade dos pés que devem estar em ângulo reto com as per-
alimentos ingeridos. A repercussão na saúde da nas estendidas firmemente. As crianças maiores
criança que estes agravos promovem está na de- devem ser medidas em pé e descalças, utilizando
pendência da intensidade e duração dos mesmos. balança com antropômetro ou se preciso colocá-
la ereta encostada em uma parede plana, marcar
o ponto da altura na parede utilizando esquadro
Evolução do peso ajustado à parede e à superfície superior da cabe-
ça da criança. Medir com fita métrica a distância
A criança costuma perder cerca de 10% do do chão até o ponto marcado.
peso do nascimento até o 10º dia de vida com
boa recuperação logo em seguida. No 1º trimes-
tre de vida ganha de 25 a 30 gramas por dia (750 Crescimento estatural esperado
- 900g/mês); no 2º trimestre, 20 a 25 gramas por
dia (600 - 750g/mês) e no 3º trimestre a incorpo- No primeiro ano de vida, a criança cresce em
ração de peso é de cerca de 15 a 20 gramas por média 25cm, sendo 15cm no 1º semestre e 10cm no
dia (450 - 600g/mês). Ao completar um ano de 2º semestre, o que equivale dizer que o aumento da
idade, espera-se que a criança tenha triplicado o estatura da criança corresponde a cerca de metade
peso de nascimento. Do 2º ano de vida em dian- do seu comprimento ao nascer alcançando 75cm.
te, o ganho deve ser de aproximadamente 2 a 3 No segundo ano de vida, o aumento é de 10cm ao
quilos por ano14. ano entre 1 e 3 anos. Assim, com 4 anos de idade a
A aferição do peso deve ser feita com a criança alcança cerca de um metro, o que equivale a
criança despida, sempre que possível, e em ba- dobrar o comprimento do nascimento. Até o início
lança apropriada para a idade – pesa-bebês (até da puberdade, o crescimento é de 6cm ao ano14.
15 kg) e balança de adultos, devidamente tarada. Algumas crianças apresentam uma parada
Atentar para os períodos de repleção, quan- transitória no crescimento próximo ao início da
do a criança parece mais gordinha, de zero a dois puberdade – 10 anos para as meninas e doze anos
anos, sobretudo até nove meses quando a crian- para os meninos, para logo após iniciar o segundo
ça mais engorda do que cresce. estirão, próprio desta fase ou ciclo vital, quando
a velocidade de crescimento aumenta progressi-
vamente até alcançar de 9 a 10 cm por ano, até a
Estatura ocorrência da menarca na menina que pode cres-
cer ainda 3 a 6 cm e, os meninos crescem com esta
A estatura é uma medida do crescimento velocidade, até os 15 anos e continuam crescendo
que se altera mais lentamente. É necessário um de modo mais lento, em geral, até 18 a 21 anos.
agravo intenso ou duradouro para que os efeitos Vale lembrar que o primeiro estirão ocorre entre
negativos sobre a estatura sejam detectáveis. O dois a cinco anos, após um período de repleção14.
comprometimento da estatura freqüentemente O Cartão ou Caderneta da Criança do Mi-
traduz um processo de longa duração com pe- nistério da Saúde não contém o gráfico de esta-
quenas possibilidades de recuperação. tura/idade ou altura/idade.
A medição da estatura da criança menor O fato de problemas agudos não afetarem
de dois anos deve ser feita deitada de costas em o crescimento estatural e a necessidade de pes-
236
Capítulo 21 • Crescimento e desenvolvimento infantil
soal mais capacitado para proceder às mensura- Como saber se uma determinada criança está
ções da estatura tem inibido tal iniciativa. No com peso e estatura normais?
entanto, para uma avaliação mais abrangente do
crescimento da criança é fundamental ter medi- O problema é entender a variabilidade do
das seriadas da estatura. É possível encontrá-lo crescimento saudável; não há uma única ma-
no Cartão ou Caderneta utilizadas por algumas neira de crescer ou se desenvolver. No entanto,
secretarias de saúde estaduais ou municipais. todos estamos sempre desejando saber se uma
O Cartão ou Caderneta da Criança é en- determinada criança está crescendo “normal”.
tão concebido como carteira de identificação Na família, os pais afirmam que um primo da
da criança, instrumento educativo, motivador, mesma idade é mais alto que o filho; na escola, a
cidadania. Útil como instrumento que permite criança pode se sentir magoada por que os ami-
à família compreender o crescimento e o desen- gos a chamam de baixinha e assim por diante.
volvimento de sua criança e dialogar com o pro- A lógica que serve de base para lidarmos
fissional sobre o assunto. com o problema da variabilidade do crescimen-
O objetivo da avaliação da estatura é acom- to é a seguinte: crianças de mesma idade e sexo,
panhar o crescimento linear da criança e identi- de condições sócio-econômicas adequadas ao
ficar aquelas que apresentam baixa estatura. O crescimento, apresentam um modo muito pare-
percentil 3 é o limite abaixo do qual uma criança cido de crescer e as variações encontradas entre
pode ser considerada com baixa estatura. estas podem ser consideradas aceitáveis, estando
todos dentro de uma faixa de normalidade.
Esta faixa de normalidade pode ser me-
Perímetro Cefálico lhor compreendida da seguinte maneira: ao ali-
nharmos, por ordem crescente de estatura, 100
É a medida da circunferência cefálica ou crianças sadias da mesma idade e sexo, teremos
perímetro craniano. Utilizar fita métrica que uma fila de crianças dispostas da maior para a
passe anteriormente na altura das arcadas su- menor. A medida da estatura de cada criança
pra-orbitárias e posteriormente na maior proe- representa 1% do total, o que equivale na lin-
minência do osso occipital. guagem estatística a um centil (percentil). Con-
A criança tem ao nascimento cerca de 34 sideram-se valores aceitáveis crianças com peso
- 35 centímetros de perímetro cefálico e ao fi- ou estatura que estão compreendidos entre os
nal do primeiro ano, 45 - 46cm. A partir daí, o percentis 3 e 97. Essa faixa corresponde a 94%
crescimento é de pouca expressão. Em crianças das crianças da população estudada, valor que
menores de dois anos, também se devem medir reflete a variabilidade do potencial genético en-
a circunferência cefálica ou perímetro craniano. tre as crianças saudáveis.
Esta medida fornece informações indiretas so- Crianças com medidas de altura situadas
bre o crescimento do cérebro e sobre as estrutu- abaixo do percentil 3 da população de referência
ras que estão protegidas dentro da cabeça14. são consideradas como portadoras de baixa esta-
tura. Este fato, no entanto, não expressa necessa-
riamente um problema ou significado de doença;
Fontanelas pode ser uma característica do crescimento da
criança, ou seja, o canal normal de crescimento
A fontanela anterior fecha entre o 9º e o da criança, geralmente de caráter familiar. Para a
18º mês e a posterior fecha mais cedo - aos dois altura, mais importante do que uma faixa de per-
meses de idade14. centil de vigilância é o seguimento longitudinal
237
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
para observar o canal normal de crescimento da- nutrição da criança mesmo sem saber qual a sua
quela criança6. idade correta. Útil para detectar casos de desnu-
Comparação entre as medidas antropomé- trição aguda (onde apenas perde-se peso) bem
tricas de uma determinada criança com medidas como excesso de peso.
de uma população de referência permite descre-
ver se a maneira como a criança está crescendo
pode ser considerada satisfatória. Estatura para idade ou altura para idade
Do ponto de vista populacional, o cresci-
mento somático é um indicador muito sensível Representa o crescimento linear, só se alte-
do estado de saúde e de nutrição de uma popu- ra quando uma deficiência ocorre por um longo
lação. Quanto mais as crianças de uma determi- período de tempo ou com períodos cumulativos.
nada região apresentam crescimento satisfatório Está sendo considerado como indicador mais
menor a ocorrência de doenças e de mortes pre- sensível para monitorar a qualidade de vida de
coces na comunidade25. uma população. A altura parece ser o melhor pa-
râmetro, em maiores de seis meses, para avaliar
o crescimento quando comparada ao peso, pois
Índices antropométricos os níveis alcançados não são perdidos14.
Uma maneira adequada de estudar se uma
Os médicos também utilizam a relação criança está crescendo de maneira satisfatória é
existente entre a idade, o peso e a estatura da medir e registrar o peso no Gráfico Peso/Idade
criança para estudar mais detalhadamente o no Cartão ou Caderneta da Criança, conforme
crescimento e fazer umavigilância do estado apresentado no anexo 1(A, B, C e D). Essas me-
nutricional. São os índices antropométricos, dições e registros devem ser realizadas em todas
que relacionam mais de uma medida. Permitem as consultas nos serviços de saúde. Procedendo
comparar a evolução do peso ou da estatura com desta forma, obtémse a velocidade de cresci-
a idade cronológica da criança ou mesmo entre mento da criança, uma vez que esta representa
seu peso e a sua estatura7, 27. o crescimento linear dela, criança, em um deter-
minado período de tempo.
Cada medida antropométrica – peso, altu-
Peso para idade ra – deverá ser plotada no gráfico. O ponto re-
presenta o encontro da linha correspondente ao
Representa a relação entre a massa corpó- peso ou a altura observado (eixo vertical) com
rea e a idade cronológica da criança. Constitui o a linha correspondente à idade da criança (eixo
índice mais sensível para monitorar o crescimen- horizontal).
to de menores de um ano quando o comprometi- O gráfico de Peso/Idade tem três linhas
mento da altura ainda não foi evidenciado16. dispostas paralelamente de cima para baixo e
com os seguintes significados: a primeira linha
superior representa os valores do percentil 97; a
Peso para estatura ou peso para altura segunda linha representa o percentil 10 e a linha
mais inferior corresponde ao percentil 316.
Avalia o peso em relação à estatura da Para interpretar a curva de crescimento
criança, tomando-se como base a estatura média no gráfico, e assim, avaliar o estado nutricio-
da população de referência. Uma vantagem des- nal, o Ministério da Saúde recomenda os se-
sa avaliação é que se pode conhecer aspectos da guintes critérios:
238
Capítulo 21 • Crescimento e desenvolvimento infantil
Se a criança estiver sendo pesada pela pri- criança e consultórios pediátricos para triagem
meira vez ou sem nenhuma anotação anterior, de crianças e adolescentes com excesso de peso,
deve-se observar a posição do peso em relação um problema de saúde pública com tendência
às linhas superior e inferior. Três situações são crescente no nosso país20.
possíveis:
• Se o peso estiver acima do percentil 97 a mes- IMC = peso em quilos dividido pela altura em metros ao
ma está com sobrepeso. quadrado (IMC = Peso/Estatura2).
• Se o peso estiver entre os percentis 97 e 3,
considera-se que a criança está numa faixa de
normalidade nutricional. Fatores que influenciam o crescimento
• Se o peso estiver abai�o do percentil 3, a infantil
criança pode estar com Peso Baixo ou Peso
Muito Baixo. O crescimento, como também o desenvol-
vimento das crianças, começa na vida intra-ute-
Se a criança estiver sendo acompanhada, e rina. Assim, é fácil imaginar a multiplicidade de
várias medidas já tiverem sido tomadas deve-se fatores que podem alterar o crescimento infantil
observar o sentido do traçado da curva de cresci- adequado. É a herança genética que determina
mento (ascendente, horizontal ou descendente). o potencial de crescimento de uma determina-
Crianças em aleitamento materno exclu- da criança (potencial genético). Mas, existe um
sivo recebem menos calorias que aquelas que conjunto de fatores que interferem ou condicio-
recebem outros alimentos e apresentam normal- nam o crescimento, que são: fatores genéticos,
mente um crescimento, em relação ao peso, mais relacionados à saúde e nutrição das gestantes;
lento a partir dos três meses o que pode determi- relacionados à alimentação e nutrição das crian-
nar falsas interpretações da curva de crescimen- ças; e relacionados à vida emocional da família
to. Recentemente foram desenvolvidas curvas de e das relações afetivas com a criança. Segundo
crescimento com crianças de diferentes países, Marcondes10, são fatores instrínsecos aqueles
alimentadas exclusivamente com leite materno relacionados ao sistema neuroendócrino e he-
até os seis meses14. reditariedade e são fatores extrínsecos os que se
referem ao meio como relações mãe-filho, ali-
mentação, condições sócio-econômicas14, 10.
Índice de massa corporal (IMC)
239
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
mento: síndrome de Down, acondroplasia, car- caso, a criança precisa de alimentos comple-
diopatia congênita grave, rubéola etc. mentares adequados à sua idade. Uma alimen-
Importante salientar que algumas crianças tação inadequada tem impacto considerável
podem ter um pequeno potencial de crescimen- sobre o peso (efeito agudo), a estrutura (efeito
to determinado geneticamente. São conhecidas de carência crônica) e sobre o crescimento do
como Pequenas para a Idade Cronológica. São cérebro da criança.
crianças pequenas para a idade que têm e que Os profissionais que atuam na avaliação
não são decorrentes de doenças ou qualquer pro- do crescimento e desenvolvimento são médi-
blema orgânico. Sua baixa estatura não precisa cos, enfermeiros, psicólogos, assistentes so-
tratamento. Por outro lado, existem crianças ciais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeu-
com potencial genético de crescimento acima de tas ocupacionais, odontólogos, nutricionistas,
média das crianças para sua idade e, portanto, formando uma rede de atendimento em divers-
com estatura final elevada. sos pontos do sistema de saúde e atuando em
uma abordagem interdisciplinar. Os professo-
res também devem estar inseridos nesta rede
Saúde e nutrição da gestante: crescimento que ultrapassa então o enfoque que passa a ser
intra-útero intersetorial. Neste caso também se incluem a
justiça, a comunicação, a sociedade, a família –
Condições relacionadas com a saúde da todos pela criança21.
gestante podem, já no princípio da vida, com-
prometer o crescimento e desenvolvimento das
crianças. Assim, algumas condições ou doenças
maternas (gravidez em mulheres muito jovens
ou com idade avançada, doença hipertensiva
da gravidez, diabetes, desnutrição materna) po-
dem restringir o crescimento do feto, fazendo
com que alguns bebês já nasçam desnutridos ou
com graves prejuízos em seu potencial de cresci-
mento. Em nosso meio, cerca de 3% dos recém-
nascidos apresentam algum grau de retardo de
crescimento intra-uterino - CIUR.
Nutrição da criança
240
Capítulo 21 • Crescimento e desenvolvimento infantil
241
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
242
Capítulo 21 • Crescimento e desenvolvimento infantil
243
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
244
• Estimulação para desenvolvimento mental Referências
e social;
• Vacinação nas datas previstas; 1. Andraca I et al. Factores de riesgo para el desa-
• Destino adequado das fezes, higiene das mãos rollo psicomotor en lactantes nacidos en ópti-
após defecação e antes de alimentação; mas condiciones biológicas - Rev Saúde Pública.
• Proteção contra malária e dengue; 1998;32(2):138-47.
2. Caballero CC. Crecimiento y desarollo del ninõ.
• Prevenção contra doenças se�ualmente trans-
In: Caballero CC. La niñez, la familia y la comu-
missíveis, principalmente HIV/AIDS;
nidad. Washington, DC: Organização Panameri-
• Manutenção da alimentação e aumento de lí-
cana da Saúde; 2004.
quidos para crianças doentes;
3. Campos J. Atenção à saúde da criança e do ado-
• Uso correto de tratamento no domicílio; lescente: a família e o desenvolvimento infantil.
• Prevenção de maus tratos, reconhecer e cui- In: López FA, Campos Jr. D, Tratado de pedia-
dar adequadamente; tria. São Paulo: Manole; 2007.
• Prevenção de acidentes domésticos; 4. Correa EG, Mamede MM. O que podemos fazer
• Garantia da participação do homem no cui- juntos: desenvolvimento global e atividades das
dado da criança e na saúde reprodutiva; crianças até 3 anos, Brasília, DF: Ministério da
• Reconhecimento de sinais de gravidade na Saúde; 1992.
riança e busca de cuidados; 5. Dobbing J. Vulnerable, periods in developing
• Seguimento das recomendações do pessoal brain. In: Davison AND Dobbing J ed Applied
da saúde, inclusive referência para outro neuro chemestry. Oxford Blackwell, 1968.
6. Escola de Saúde Pública do Ceará. Educação
serviço;
com saúde: noções básicas de saúde. Fortaleza;
• Garantia para que toda gestante faça pré-natal
2005. Módulo 2: crescimento e desenvolvimen-
e tenha assegurado o local do parto e o apoio
to infantil.
da família e da comunidade inclusive para
7. Giugliani, ERJ Aerts DRGC. Vigilância do esta-
amamentar. do nutricional da Criança. In: Duncan BB, Sch-
midt MI e Giugliani ERJ et al. Medicina ambu-
É importante ressaltar que o apoio às fa- latorial: condutas clínicas em atenção primária,
mílias, fortalecendo suas competências para Porto Alegre: Artes Médicas Sul; 1996.
estimular as crianças, apresenta um valor reco- 8. Guimarães Rosa J. Grande sertão: veredas. Rio
nhecidamente elevado, sendo considerado mais de Janeiro: Nova Fronteira;1986.
efetivo o apoio à melhor relação mãe-filho no 9. Kishimoto, TM. Jogo, brinquedo e a educação.
domicílio do que os programas tradicionais de São Paulo: Cortez; 1988.
estímulo psicomotor fora do lar6, 27. 10. Marcondes E et al. Pediatria básica, São Paulo:
Mesmo crianças nascidas em boas condi- Sarvier; 2002.
11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Políticas
ções biológicas, em presença de condições am-
de Saúde. Saúde da Criança: acompanhamento
bientais adversas, sem estímulos, têm o seu de-
do crescimento e desenvolvimento infantil. Bra-
senvolvimento psicomotor afetado1.
sília, DF; 2002.
12. Morley, D. Lovel H. My name is today: an illus-
trated of child health, society and poverty in less
developed countries. London: Macmillan; 1996.
13. Morley D, Woodland M. See how they grow: mo-
nitornig child growth for appropriate health care
in developing countries. New York: oxford uni-
versity press; 1979.
245
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
14. Murahovschi, J et al. Esta criança é normal? In: 29. Zuluaga JAG. Neurologia del desarollo: hacia
Murahovschi, J et al Pediatria: Diagnóstico + nuevas concepciones de la individualidad. In:
Tratamento. São Paulo: Sarvier; 2003. Zuluaga JAG La niñez, la familia y la comuni-
15. Organização Panamericana da Saúde. 16 práticas dad, Washington, DC, OPS; 2004.
chaves para o crescimento e desenvolvimento
saudáveis. Washington, DC; 2000.
16. Organização Panamericana da Saúde. La fami-
lia y la salud. Washington, DC; PS 132ª Sesión
del comitê PS del comité ejecutivo, 23-27 Ju-
nio, 2003.
17. Organização Panamericana da Saúde. Pro-
moção do crescimento e desenvolvimento
integral de crianças e adolescentes. Wa-
shington, DC.: OPS;1999. Módulos de
aprendizagem.
18. Secretaria da Saúde do Estado (CE) Projeto de
fortalecimento das competências familiares: pro-
movendo a saúde da criança. Fortaleza; 2003.
19. Silva, AC et al. Viva criança; os caminhos da so-
brevivência infantil no Ceará. Fortaleza: Funda-
ção Demócrito Rocha; 1999.
20. Silva AC, Campos JS. A criança e o Sistema Úni-
co de Saúde. In: López FA, Campos Jr. D, Trata-
do de pediatria. São Paulo: Manole; 2007.
21. Silva RRF, Madeira JR. Acompanhamento do
crescimento e do desenvolvimento. In: López
FA, Campos Jr. D. Tratado de pediatria. São Pau-
lo: Manole; 2007.
22. Sucupira ACL, Werner Jr. J, Resegue R. Desen-
volvimento In: Sucupira ACL et al. Pediatria em
consultório. São Paulo: Sarvier; 2000.
23. Unicef. Situação da infância brasileira: criança
de até 6 anos: o direito à sobrevivência e ao de-
senvolvimento. Brasília, DF; 2005.
24. Unicef. Situação da infância brasileira: desenvol-
vimento infantil: os primeiros seis anos de vida.
Brasília; 2001.
25. Victora CG, Barros FC. Epidemiologia da saúde
infantil: um manual para diagnósticos comunitá-
rios. São Paulo: Hucitec; 1991.
26. Wajskop G. Brincar na pré-escola. São Paulo:
Cortez, 1997.
27. Wasik BH, Bryant DM e Lyons CM. Home vi-
siting procedures for helping families, London.
Sage Publications, 1991.
28. Winnicott, DW. A família e o desenvolvimento
individual. São Paulo: Martins Fontes; 1997.
246
Capítulo 22
Assistência evolutiva na criança 6”) outros leites (soja). Máximo de higiene da
nos seus primeiros dez anos de vida preservação e conservação. Usar, de preferên-
cia, bico ortodôntico na mamadeira. Oferecer
JayMe Murahovschi
chá e/ou água fervida nos intervalos das ma-
madas.Fazer a criança arrotar após as mama-
das; deitá-Ia na cama sobre o lado esquerdo.
• Vacinas: BCG intradérmico (em crianças
que vivem em ambientes contaminados ou
suspeitos). Hepatite B, se as condições soro-
Alimentação
1 MÊS
• Leite materno exclusivo, horário livre (apro-
ximadamente a cada 2 horas); não dar chá nem • Desenvolvimento: é capaz de erguer a ca-
água. Não complementar com mamadeira. beça, quando de bruços; fixa o rosto da mãe,
• Observar uma mamada: verificar a pega quando ela lhe fala.
(bico + aréola). Corrigir a técnica, se indica- • Alimentação natural: igual à do 1º mês (leite
do. Recomendar/fornecer Cartílha da Ama- materno exclusivo). Não dar água, nem chás,
mentação de Jayme Murahovschi (Almed). nem suco, nem complemento vitamínico.
Recomendar comunicação telefônica para as • Alimentação artificial: leite em pó adaptado
dúvidas. Marcar retorno após 3-7 dias, se as ao 12 semestre, a cada 3 horas aproximada-
condições de amamentação estiverem instá- mente. Máximo de higiene na preparação e
veis; verificar ganho ponderaI. conservação.
• Na ausência absoluta de leite materno, usar, • Vacinas: considerar BCG e hepatite B.
em ordem de preferência: 1º) leite de ama; • Orientação
2º) leite humano ordenhado; 3º) leites em pó - Estimular e orientar a amamentação ao
modificados; 4º) leite em pó integral, diluído a seio. Ensinar a ordenhar o leite e conservá-
10%; 52) leite de vaca ín natura, diluído a 2/3; lo em congelador.
247
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
- Banho de sol pela manhã; ar livre, passeios. febre alta após alguns dias de doença, se-
- Móbiles coloridos, musiquinha, chocalho. creção purulenta.
- Dar a mamadeira com a criança no colo, e - Convulsão + febre = Iiquor (não faça diag-
não na cama. nóstico de “convulsão febril”).
- Proibido fumar no ambiente da criança.
- Transportar a criança em assentos apropria-
dos, presos no banco de trás. 3 MESES
• Doenças
- Processos febris com abatimento eviden- • Desenvolvimento: vira a cabeça em direção
te, no 12 trimestre de vida, exigem pes- aos ruídos e à conversação. Acompanha com
quisa cuidadosa (meningite, broncop- o olhar um objeto em movimento.
neumonia, infecção urinária). Solicitar, • Verificar com atenção sinais suspeitos de
inicialmente, leucograma e bacterioscó- retardo motor: posição assimétrica obrigató-
pico de urina; Iiquor. ria do corpo, mãos fechadas, excessivamente
- Evacuações do tipo diarréico em lactentes assustadiça, pobreza de movimentos, defi-
alimentados com leite materno: absoluta- ciente controle de cabeça, rigidez, dificulda-
mente normal; idem para o caso de evacua- des de sucção e de deglutição.
ções moles a cada 2-3 dias. • Verificar audição: a um ruido desperta, arre-
- Dermatite seborréica. gala os olhos, pára de mamar.
- Evacuações com muco e sangue: colite ge- • Vacinas: considerar BCG, hepatite B e menin-
ralmente por alergia ao leite de vaca mesmo gocócica C. Esta última não integra o calendário
em crianças amamentadas ao peito. de vacinação de rotina do Ministério da Saúde.
• Orientação aos pais: a mesma para 1 mês.
Pendurar no berço um brinquedo (chocalho,
2 MESES argola, bola, bichinho) atraente e colorido
(vermelho) ao alcance das mãos, para trei-
• Desenvolvimento: sorriso social. nar sua movimentação e percepção. Pegar no
• Alimentação natural: igual à de 1 mês. colo, mas evitar exagero. Viagens de carro:
• Alimentação artificia: leite em pó adaptado andar no banco de trás em cadeiras especiais.
ao 1º semestre. Mudar a criança de quarto.
• Vacinas: tríplice, antipólio e Haemophílus • Doenças: veja 1 mês e 2 meses.
(Hib); contra Rotavírus, pneumocócica. a
vacina pneumocócica ainda não está incluída
nocalendário de vacinação de rotina do Mi- 4 MESES
nistério da Saúde.
• Orientação: a mesma para 1 mês. • Crescimento: dobra o peso do nascimento.
• Doenças • Desenvolvimento: segura um chocalho, ri
- Veja 1 mês. alto; se colocada sentada, segura a cabeça fir-
- Infecção das vias aéreas superiores (IVAS) me um pouco dirigida para a frente.
como resfriado ou bronquiolite. Etiologia • Alimentação natural: continuar leite mater-
viral (não usar antibióticos). Cautela no no exclusivo.
tratamento sintomático (usar pouco remé- • Alimentação artificial: leite em pó adaptado
dio; nunca usar nafazolina nasal). Observar ao 1º semestre. Se necessário, antecipar papi-
sinais de infecção bacteriana secundária: nha de frutas e de legumes.
248
Capítulo 22 • Assistência evolutiva na criança nos seus primeiros dez anos de vida
249
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
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Capítulo 22 • Assistência evolutiva na criança nos seus primeiros dez anos de vida
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
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Capítulo 22 • Assistência evolutiva na criança nos seus primeiros dez anos de vida
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
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Capítulo 22 • Assistência evolutiva na criança nos seus primeiros dez anos de vida
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
- Ensinar a não mexer em animais estranhos - Permitir a posse (com exclusividade) de al-
e nunca provocar um animal: guns objetos.
- Remédios, tóxicos e armas fora do seu alcance. - Se possível, semanada, adaptada à criança e
- Instruir a criança para não seguir estranhos de uso livre.
nem aceitar que lhe toquem. - Elogios merecidos (reforço positivo).
- Se distúrbios de linguagem - fonoaudióloga. - Quando a criança mentir, explicar a desne-
• Doenças: o primeiro e o segundo anos de es- cessidade e inconveniência da mentira.
cola se acompanham de infecções virais fre- - Ambiente agradável à mesa e da rotina de ir
qüentes das vias aéreas respiratórias superio- para a cama (leitura, histórias).
res; asma, constipação. - Visita anual ao dentista.
- Sexo: curiosidade sexual e exploração geni-
tal são normais; informar adequadamente;
5 ANOS indicar livros apropriados.
• Prevenção de acidentes
• Desenvolvimento: é capaz de manter-se na pon- - Venenos e armas de fogo fora do alcance.
ta dos pés alguns segundos; consegue saltar; sabe - Ensinar a nadar; observação contínua
dar laço no sapato; veste-se e despe-se; conhece quando na água ou perto dela.
4-5 cores; é capaz de executar 3 ordens; conta - Cinto de segurança.
história simples; copia um quadrado; desenha - Capacete para bicicleta.
um homem com cabeça, corpo, braços e pernas. - Ensinar a deitar e rolar em caso de fogo nas
• Perfil de comportamento: segurança em si vestes.
mesma, confiança nos demais, conformida- - Ensinar a criança a não seguir nem aceitar
des sociais. Amadurecimento, responsável, nada de estranhos e a dizer “não” a eles.
independente. Desejo de aprender. Brinca-
deiras criativas e cooperativas com amigos.
Começa a entender o que é correto ou errado. 6 ANOS
Intensificação do sexo (menino ou menina?).
• Sinais de alarme: excessivamente tímida, • Teste de acuidade visual com o quadro dos “Es”.
medrosa, passiva; birras agressivas ou destru- • Perfil do comportamento: idade dispersiva
tivas; encoprese, enurese diurna. - criança extremamente ativa, excitável, im-
• Orientação aos pais pulsiva, pula de um extremo a outro. Quer
- Mostrar interesse pelas atividades das ganhar sempre.
crianças na escola; demonstrar afeto. • Conduta: contemporizar, evitando choques.
- Equilíbrio entre desejo de independência e Aos 6 anos e meio, o entusiasmo e a energia pas-
necessidade de limites. Ordens claras com sam a se expressar de maneira positiva e não ne-
explicações simples. Respeitar as preferên- gativa, e a criança parece feliz consigo mesma.
cias da criança. Férias sem os pais mas com • Desenvolvimento: conta até 10; escreve seu
adulto achegado à família. Não interferir nome (letras de forma); distingue lado D do
nas iniciativas; orientar, se solicitado. E; dá laço; pedala bicicleta; distingue manhã
- Brincar com amigos; atividade física. de tarde; copia um losango; desenha uma
- Estimular a realização de pequenas tarefas pessoa vestida e com 6 partes do corpo.
domésticas. • Perfil do comportamento: idade um pouco
- TV e cinema limitados, compatíveis com a dispersiva: ativa, excitável, impulsiva. Auto-
idade. confiança. Habilidade para fazer amigos. Re-
256
Capítulo 22 • Assistência evolutiva na criança nos seus primeiros dez anos de vida
conhece necessidades de regras. Aos 6 anos e ou penicilina oral por 10 dias); escarlatina;
meio, a energia passa a se expressar de manei- asma; varicela; escabiose (sarna) e pedicu-
ra mais positiva. lose (piolho), vulvovaginites, GNDA, he-
• Alimentação: 4 refeições, sendo 2 de leite. patite A; enurese noturna, constipação.
Evitar excesso de doces, gulodices e gorduras
animais. Estimular fibras vegetais.
• Orientação aos pais 7 ANOS
- Mostrar interesse pelas atividades da criança.
- Reforçar independência e auto-responsa- • Crescimento: início da 2ª repleção.
bilidade. • Observação: fazer o exame geral com a crian-
- Elogiar; mostrar afeição. ça de calcinha ou cueca; realizar o exame geni-
- Encorajar leitura e “hobby”. tal no fim da consulta, na presença dos pais.
- Estabelecer regras quanto a hora de deitar, • Desenvolvimento: escreve o nome, copia vo-
ver TV, tarefas domésticas. gais. É capaz de dar o endereço.
- Algum tempo dedicado exclusivamente à • Alerta: desenvolvimento conjunto de mamas
criança, diariamente se possível. e pêlos axilares: investigar puberdade preco-
- Não recorrer à chantagem emocional nem ce (meninas).
material (pode-se prometer algo cobiçado, • Perfil de comportamento: interiorização (ida-
desde que para auxiliá-la a galgar um de- de pensativa). Mais calma, menos expansiva,
grau evolutivo). mais perseverante. É uma idade agradável.
- Se mentir ou furtar - pedir explicação, • Sinais de alarme: baixa auto-estima; falta
explicar o desacerto do comportamento; de amigos. Ansiedade, agressividade, de-
na reincidência, castigo (retirada de um pressão. Enurese; encoprese. Baixo rendi-
privilégio). mento escolar.
- Não discutir os problemas da criança na sua • Alimentação: “dieta prudente”.
presença, mas pequenas reuniões informais • Teste de acuidade visual: quadro dos “Es”.
podem ser feitas para resolver o assunto. • Orientação aos pais
- Nas reações explosivas da criança - contem- - Convém apresentar para a mãe, na sala de
porizar, evitar choques. espera, um questionário para a detecção de
- Ensinar a atravessar a rua. problemas emocionais em escolares.
- Atualizar a mesada; ensinar a fazer peque- - Ser um bom modelo (atitudes).
nas compras. - Reforçar a independência e a responsabili-
- Limitar e selecionar programas de TV. dade de acordo com a idade.
- Posse de objetos e animais de estimação e - Elogiar e encorajar as atividades da criança.
orientação sobre seus cuidados. - Demonstrar afeto; reforço positivo.
- Escovar os dentes; visita ao dentista. - Ordens e regras precisas; insistir na sua re-
- Prevenção de acidentes - bicicletas adequa- alização. Exigir que mantenha o material
das (usar capacete), regras do trânsito; cin- escolar em ordem.
to de segurança; ensinar a nadar e boiar; - Providenciar tempo com o pai, a mãe e irmãos.
ensinar a atravessar a rua. - Incentivar aproximação da criança com o
• Prevenção de acidentes: veja 2 anos. genitor do mesmo sexo (atividades de inte-
• Doenças no período escolar resse comum).
- Amigdaliles (agora sim, são freqüentemen- - Livros, recortes, colagens, pinturas, jogos
te estreptocócicas) (penicilina benzatina de cartas e dados, quebra-cabeça; coleções.
257
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
8 ANOS 9 ANOS
258
Capítulo 22 • Assistência evolutiva na criança nos seus primeiros dez anos de vida
259
Capítulo 23
Habilidades de comunicação na Numa mesma manhã de trabalho, Dr. Pedro,
teve que lidar com diferentes situações clínicas
consulta com crianças
e, também, apesar de todas serem crianças, elas
álvaro JorGe Madeiro leite
são muito diferentes entre si. Cada uma com ca-
racterísticas peculiares, ora na função da idade
Ser médico era travar uma batalha ininterrupta. De um lado a
doença, sempre a entrar no corpo das pessoas; do outro, a saúde, cronológica, do estágio e da normalidade de seu
sempre querendo ir embora. E depois, havia mil espécies de desenvolvimento, da gravidade clínica do pro-
doença e uma única saúde.
A doença usava todo tipo de máscara para que blema atual, dentre outros. Cada criança inseri-
não a pudessem reconhecer: um verdadeiro carnaval. da numa específica família com sua dinâmica e
Era preciso desmascará-la, desanimá-la, pô-la para fora, e ao
mesmo tempo, atrair a saúde, segurá-la, impedi-la harmonia próprias; uma relação muito particu-
de fugir. Maurice druon, O menino do dedo verde
lar com seus pais, e em especial, com suas mães.
Lembrar aqui que crianças estão em pro-
cesso contínuo de desenvolvimento, aprendiza-
Introdução gem e relacionamento com o mundo e as pes-
soas, num período marcado pelas características
261
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
• Para captar e desvendar a natureza dos pro- quais não podem ser compreendidos imediata-
blemas trazidos à consulta por intermédio mente, senão, mediante procedimentos cautelo-
de outra pessoa, um intérprete – frequente- sos aprendidos ao longo da carreira profissional.
mente, a mãe - com um grau de envolvimento
afetivo e sentimentos de responsabilidade de
grande proporção; A prática clínica com crianças e suas famílias
• Para compreender as especificidades da co-
municação com as crianças em suas dife-
rentes circunstâncias, incluindo a fase pré- As crianças e suas mães
verbal e a mobilização de distintos graus de
medo e ansiedade. A prática clínica com crianças é muito dife-
rente de qualquer dos campos da Medicina. São,
Nesse sentido, a consulta com crianças no mínimo, duas as perspectivas a considerar:
envolve uma efetiva comunicação tanto com a • A criança doente e a doença da criança “real-
criança como com o adulto que lhe acompanha. mente” existente, com todos os componentes
A consulta é descrita como a unidade essencial de sofrimento físico e emocional, bem como
da prática clínica seja no ambulatório ou am- o impacto desse sofrimento sobre a criança e
biente hospitalar. Realizar uma boa consulta tal- a família.
vez seja uma das atividades mais relevantes da • Uma parte dessa agenda refere-se a perspec-
prática médica. Todas as outras ações, de alguma tiva ou quadro de referência do médico e seu
maneira, derivam dela. saber; a outra perspectiva é a representada
O médico que atende crianças deve pos- pela estrutura de referência (ou agenda) ma-
suir competências e habilidades específicas na terna; esta agenda costuma assumir impor-
comunicação com as crianças e seus pais ou tância e especificidades que não podem ser
responsáveis, na recepção, na coleta de informa- contidas apenas no espaço convencional da
ções, no exame físico, no raciocínio diagnóstico, abordagem biomédica.
na negociação do plano terapêutico.
Estas habilidades devem ser ajustadas Com o adoecimento da criança, as mães
em função da gravidade do problema clínico da sentem, de forma consciente ou não, de manei-
criança, do local onde o atendimento está sendo ras distintas e graus de intensidade, ruir o edi-
realizado (unidade básica de saúde/consultório, fício de competência que elas gostariam de ver
pronto-socorro, hospital), das aflições e angús- reafirmado com a saúde, o desenvolvimento e o
tias que estão mobilizadas pelas famílias, das ex- bem-estar de seus filhos. Diferentes graus de an-
pectativas e necessidades dos pais, da idade de siedade e sentimentos de culpa podem dominar
cada criança, de sua capacidade de comunicação, as emoções maternas e distorcer a percepção dos
das características do profissional que a atende, incômodos do filho.
dentre outras. Experiências prévias e expectativas ne-
Circunstâncias atuais e pregressas da vida gativas na família ou em conhecidos próximos
da família, da criança e do contexto em que vi- podem fazer com que os pais superestimem os
vem modificam substancialmente as atitudes no sintomas que o filho apresenta, ou mesmo de-
acolhimento da criança e sua família, exigindo monstrem um grau de ansiedade que pode ‘con-
diferentes habilidades de compreensão e comuni- taminar’ o ambiente da consulta.
cação com ambos, pais e crianças. São múltiplos Às vezes, aspectos subjacentes relacionados
e complexos os cenários possíveis, muitos dos à percepção e às preocupações maternas podem
262
Capítulo 23 • Habilidades de comunicação na consulta com crianças
não ser tão óbvios, o que irá exigir do médico, ha- a família estão imersas: primeiro filho, gravidade
bilidades diferenciadas de escuta. Se tal habilidade da doença, experiências prévias, situação atual da
não estiver desenvolvida, podem advir várias con- família, grau em que o cotidiano da família po-
seqüências de uma consulta nessas condições: dis- derá ter alterações, características emocionais da
cernimento inadequado do problema clínico com mãe, dentre outros. Com o sofrimento da crian-
reflexos na tomada de decisão clínica – solicitação ça, com as limitações à sua rotina diária, os pais
de exames complementares desnecessários, exces- podem ser tomados por sentimentos de culpa, de
so de medicamentos sintomáticos ou de qualquer fracasso, de fragilidade, de pânico, às vezes.
natureza etc. Outras vezes, o perigo é a negação ou Algumas famílias podem enfrentar a expe-
subestimação do sintoma ou problema real que a riência da doença de maneira muito estressante,
criança apresenta. O crucial é sempre perceber a inclusive, com sérias perturbações em seus me-
relação existente entre a capacidade de discrimina- canismos de vitalidade. Sentimentos de culpa,
ção da realidade objetiva da doença do filho com a divergências sobre as origens da doença, sobre a
realidade subjetiva dos familiares e, em particular maneira de enfrentar os problemas, podem alte-
das mães, face às angústias, medos, equilíbrio emo- rar a dinâmica da família e do casal, bem como
cional e a história pessoal (e conjunta) dos adultos alterar a vida dos outros filhos. Freqüentemente,
envolvidos. Uma mãe tomada por um estado de a mãe apresenta maior ansiedade. Seus projetos
angústia muito grande tem pouca capacidade de maternos e, às vezes, os pessoais ficam ameaça-
discriminar, assimilar, perceber determinadas dos, revirados de cabeça para baixo. Nesse mo-
noções, orientações, idéias. Sua capacidade de mento, a mãe precisa se sentir apoiada por seu
pensar com clareza pode estar comprometida. companheiro ou por outros membros da família
A abordagem do médico ao atender tais para se sentir mais fortalecida, tomar iniciativas
crianças é acolher essas duas perspectivas: da para alcançar um senso de controle muito claro
criança enferma e da percepção que esta condi- diante os infortúnios trazidos pela doença.
ção – o filho enfermo – produz na auto-estima Cuidar da criança doente pode implicar
materna e a intensidade desse impacto em suas aprendizagem dolorosa, penosa, percebida como
percepções e comportamentos. Fato esse exem- extenuante. Para outras famílias, o enfrentamen-
plificado no relato abaixo. to pode ser mais realístico, com pequenos abalos
Logo cedo, pela manhã, Dr. Maurício re- na vitalidade da família.
cebe um telefonema: Os pais nessa situação buscam apoio um do
“Oh! Dr. Maurício, que bom falar com o se- outro, em familiares ou amigos. Alguns necessi-
nhor. Eu cometi uma atrocidade. O Pedrinho está tam de apoio mais concreto, social ou psicológico.
que é uma crise só: nariz entupido, tosse cheia e já Se ocorrer uma grave perturbação na dinâmica da
com cansaço. É que eu mandei pintar as portas do família, maiores cuidados devem ser dispensados
apartamento e está um cheiro horrível. Ah! Como aos pais e os irmãos. Estes devem receber dos pais
me arrependo!” mensagens coerentes em relação ao que está ocor-
rendo. À medida que a família se reorganiza para
enfrentar a doença e seus distúrbios de maneira
A criança doente e seu impacto na vida da família serena, ocorrem a redução da carga de sofrimento
e estresse sobre todos. Para que o médico possa
Quando uma criança adoece, imediatamen- adequar suas mensagens, sua habilidade de bom
te, se produzem alterações na dinâmica da família. ouvinte deve culminar numa percepção, a mais
A intensidade e o sentido dessas alterações estão correta possível, acerca do impacto que a doença
relacionados com o contexto no qual a criança e traz para a criança e seus pais e a família.
263
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Assim, parte da tarefa do médico de crian- Utilizar habilidades que valorizem e in-
ças é apoiar e encorajar a mãe, oferecer estímulos corporem a criança, ativamente, à todas as eta-
para que ela possa recuperar a auto-estima. Os pas da consulta. Crianças de mais idade sentem-
efeitos da doença do filho sobre a parte subjetiva se valorizadas quando podem contribuir com
da mãe têm importante impacto em sua capaci- informações relevantes e estabelecer um diálogo
dade de perceber, adequadamente, a gravidade próprio com o médico acerca de seus problemas;
da doença e as necessidades do filho e, em con- isto resulta em aumenta da satisfação com a con-
seqüência, de articular as iniciativas que devem sulta e maior adesão às recomendações.
ser assumidas para o enfrentamento da doença. De forma semelhante a qualquer pessoa,
Ao considerar a repercussão que a doença as crianças se sentem mais confortáveis quando
traz para a criança e sua família, o médico pode são cumprimentadas pelo nome e envolvidas em
compreender melhor a aflição da família, a ansie- interações agradáveis antes de serem inquiridas
dade dos pais e reconhecer os mecanismos sub- com perguntas delicadas ou ameaçadas com pro-
jetivos de defesa que estão mobilizados, e, assim, cedimentos ou exames. Crianças pequenas sen-
lançar mão de palavras mais acolhedoras. Uma tem-se mais seguras próximas à mãe ou apoiadas
escuta atenta para a repercussão que a doença está em seu colo e, dessa maneira, podem participar
trazendo para a família e a criança faz com que da conversa.
o médico seja capaz de acolher, genuinamente, Com o desenvolvimento da entrevista, o
as necessidades decorrentes das circunstâncias médico deve ser capaz de distinguir o problema
atuais da família. Tornando prudente suas pala- clínico real que a criança apresenta e a eventual
vras, sua gestualidade, suas intervenções verbais percepção inadequada que possa ter a mãe so-
e não verbais, evitando emitir juízos de valor ou bre a saúde de sua criança; aqui é fundamental
fazer comentários apressados, inadequados, ino- ajudar a mãe a ajustar melhor sua percepção do
portunos, ‘agressivos’, desrespeitosos. problema de sua criança.
As crianças devem ser valorizadas e ter
participação ativa em todas as fases da consulta.
O processo de comunicação e a estrutura bási- Atenção integral à saúde da criança
ca da consulta médica segundo modelo de Cal-
gary-Cambridge (http://www.gp-training.net/ Do ponto de vista médico, as crianças
training/theory/calgary/guide.htm) reconhece apresentam demandas de atenção que devem ser
as três funções básicas da consulta médica e en- contempladas mediante um programa longitudi-
volve as seguintes etapas: nal de acompanhamento ao longo de seu desen-
• Funções básicas: volvimento. Assim, por exemplo, no primeiro
- Construção do relacionamento contato pode-se fazer uma abordagem geral da
- Coleta de dados criança e seu contexto familiar e, nas consultas
- Negociação do plano de tratamento de seguimento, focalizar os aspectos específicos
dos problemas que vão surgindo.
• Etapas: A atenção integral inclui ações e práticas
- Iniciando a entrevista de assistência que respondam às necessidades
- Obtendo informações globais do desenvolvimento da criança: ali-
- Estruturando a entrevista mentação, estado nutricional, desenvolvimento
- Construindo o relacionamento (crescimento somático e desenvolvimento sócio-
- Explicando e planejando afetivo), estado vacinal, estado sensorial (acui-
- Concluindo a consulta dade visual e auditiva), saúde oral, situações de
264
Capítulo 23 • Habilidades de comunicação na consulta com crianças
risco para acidentes, relações afetivas, atividades • Obtenha as primeiras impressões, in-
escolares, qualidade do cuidador. cluindo, aflição, temores, preocupações.
• Obtenha uma visão geral do humor da
criança (temerosa, brincalhona, dis-
A consulta médica com crianças ponível?).
265
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
crianças na fase de estranhamento e birra e, se fala muito pouco. No entanto, pede-se a con-
para as que estão mais adoentadas são fun- cordância da criança para os procedimentos do
damentais. Maior sucesso desta abordagem é exame físico! ‘Deite na cama’. ‘Abra a garganta’.
alcançado com crianças maiores de 2-3 anos. ‘Respire fundo’.
• Pode-se perguntar por assuntos relevantes Um aspecto nada banal diz respeito a per-
que guardem coerência com a idade ou com o da de oportunidade de ir desenvolvendo, gradu-
desenvolvimento atual da criança e com con- almente, um senso de responsabilidade na crian-
texto de vida da criança. ça para o cuidado da própria saúde. Mensagens
apoiadas na dimensão acolhedora do encontro,
(...) nome dos amiguinhos, da professora, com empatia, podem repercutir favoravelmente
do que gosta de comer, sobre a escova dentária. no comportamento da criança. Mensagens sobre
uso de chupeta, escovação dental, alimentação
saudável, necessidade de tomar os medicamen-
Coleta de informações tos nos horários certos, cuidados no andar de
bicicletas, dentre outras, podem ser mais facil-
Os pais devem ser encorajados para per- mente incorporadas pela criança e pela família.
mitir que seus filhos possam expressar o que Exemplos de algumas perguntas que po-
sentem, apresentar suas interpretações, seus de- dem facilitar o início da aproximação com a
sejos, seus receios. criança. Perguntas que guardam coerência com
A estrutura da consulta por ter questiona- o contexto de vida da criança, sua idade, classe
mentos que investigam condições do passado, social, etc: (...) “cadê o papai?”; “qual o nome do
por articular nexos com o presente – algumas papai”, “o nome da mamãe”, “do irmãozinho”.
perguntas só podem ser respondidas por adultos “Se escova dentes, faz acenos de tchau, bate pal-
– neste caso destina-se um lugar secundário à mas” e coisas assemelhadas. Perguntar por ami-
criança, considerando-a como interlocutor dis- gos na escola, qual o esporte que praticam que
pensável. música gosta de ouvir e dançar.
As crianças podem fornecer orientações so-
bre sua condição e, deveriam ser envolvidas nas
decisões sobre seu próprio cuidado com a saúde. Exame Físico
Deveriam ter papel ativo na consulta, isto cons-
titui um momento de aprendizado para a vida. Para realizar o exame físico é útil compre-
A criança precisa se sentir valorizada, reconhe- ender algumas características básicas das crian-
cida em sua condição humana. Muitas crianças ças em função da idade cronológica.
são capazes de fornecer informações relevantes e • Crianças pequenas, menores de um ano de
compreender as orientações durante uma consul- idade (em torno de 10-12 meses) são de abor-
ta médica. Tem sido demonstrado que as crian- dagem fácil e simples.
ças ficam menos ansiosas quando se é explicado • Crianças de idade compreendida entre 10-12
claramente e honestamente o que irá acontecer meses e 2-3 anos costumam demonstrar re-
com eles durante as várias fases da consulta. ceios, com estranhamentos e crises de birra e,
Um erro muito comum é o comportamen- assim, demandar alguma dificuldade.
to de excluir a criança de uma participação mais • Crianças maiores de 2-3 anos de idade, cos-
ativa na consulta. São poucas as iniciativas de tumam se comunicar de maneira tranqüila,
diálogo destinadas especificamente à criança. gostam de conversar e costumam ser de fácil
Não se ‘fala’ com a criança durante a consulta ou abordagem.
266
Capítulo 23 • Habilidades de comunicação na consulta com crianças
267
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
O momento do exame físico é de valor in- • Estabelecer algum diálogo com a criança.
comensurável para a percepção, por parte do pa- Uma voz calma é tranqüilizadora, mesmo se
ciente, de que o médico está, de modo autêntico, não pára o choro da criança, ajuda a deixá-la
interessado na pessoa que está à sua frente. mais segura durante o exame;
(...) “o doutor nem examinou ela”. • Algum tipo de engajamento dos pais durante
(...) “o doutor a examinou de maneira tão o exame físico da criança é desejável.
rápida que...”
A percepção do paciente (ou dos acom-
panhantes e responsáveis) é de que a consul- O que o médico não deve fazer
ta - mais acertadamente, o comportamento do
médico – foi de descompromisso, menosprezo, • Fazer promessas que não possa cumprir ou
desatenção para com seus problemas, seu sofri- declarações que não são verdadeiras: “Isso
mento, sua vida. não irá doer”.
O EXAME FÍSICO deve ser feito na pre- • Usar linguagem comple�a ou termos médicos.
sença da mãe ou pessoas próximas da criança. Se necessário, teste a compreensão da criança
Em algumas situações é mais adequado e efi- pedindo para ela explicar o que você disse.
ciente examinar a criança no colo da mãe ou • Utilizar-se de “subornos ou pequenos pre-
de algum familiar próximo. Crianças pequenas sentes”. A criança irá constantemente espe-
ou temerosas podem ser examinadas no colo da rar uma recompensa após o tratamento ou
mãe. Não se deve separar, desnecessariamente, a medicação.
criança de sua mãe ou familiares. Deve-se man- • Dei�ar a criança sozinha em um lugar não fa-
ter uma proximidade com a criança que não seja miliar ou com pessoas desconhecidas para ela.
percebida como ameaçadora. É conveniente ser • Encorajar a criança para ser “boa” ou “forte”.
mais flexível na técnica e numa seqüência ‘obri- Ao contrário, permita que chore e demonstre
gatória’ do exame físico. seus anseios e angústias.
A fase de observação e inspeção das con-
dições clínicas gerais pode ser prolongada; o A mãe deve possuir capacidade de trans-
mesmo se pode fazer para avaliar sinais gerais mitir noções adequadas para a criança, e assim,
de perigo, bem com alguns detalhes específicos conseguir acalmá-la a partir da transmissão de
exame físico (avaliar freqüência respiratória, ti- confiança. Se isto não ocorre, a criança pode per-
ragem subcostal, cor da pele); após essa fase, ge- ceber o ambiente como ameaçador ou desenca-
ralmente se tem mais condições para realizar o deador de sofrimentos, dores.
exame físico de forma mais detalhada. Alguns procedimentos técnicos devem
ser explicados antes de sua realização; pode-se
utilizar bonecos para demonstrar a natureza do
O que médico deve fazer durante o exame físico: procedimento que será executado – palpação ab-
dominal, foco luminoso em direção ao ouvido,
• Estabelecer uma apro�imação inicial com a em direção à boca da boneca.
criança buscando criar algum tipo de vínculo Não explicar para a criança o que lhe vai
ou ganhar a sua confiança, antes de tocá-la ou suceder, qual procedimento irá ser realizado au-
examiná-la; menta sua ansiedade, da mesma maneira que se-
• E�plicar os procedimentos antes de fazê-los. parar desnecessariamente a criança de sua mãe
• Utilizar uma linguagem que criança com- ou familiares ou deixar a criança sozinha em
preenda; ambiente desconhecido para ela.
268
Capítulo 23 • Habilidades de comunicação na consulta com crianças
Uma atenção abrangente à saúde das crian- Brazelton TB, Cramer BG. As primeiras relações.
ças envolve os tópicos fundamentais próprios do São Paulo: Martins Fontes.
campo da Medicina: motivo da consulta, a di- Campos GWS. A clínica do sujeito: por uma clíni-
mensão temporal das queixas e suas articulações ca reformulada e ampliada. In: Saúde Paidéia. São
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to, do desenvolvimento (neurológico e psico- Maldonado MT, Canella P. Recursos de relaciona-
afetivo), da alimentação, da imunização, do mento para profissionais de saúde: a boa comu-
ambiente físico, saúde oral, saúde sensorial nicação com clientes e seus familiares em consul-
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Reichmann & Affonso Editores; 2001.
• Prescrição pediátrica: os itens da prescrição
devem corresponder aos problemas identifi- Marcondes, Krinsky. Dinâmica das relações fami-
cados na abordagem integral. Como conteúdo liares. In: Alcântara P. Pediatria básica; 1974.
mínimo, deve-se abordar: alimentação, imu- Sucupira ACSL. Relações Médico-Paciente nas Ins-
nização, orientações/recomendações educa- tituições de Saúde Brasileiras. Dissertação de Mestra-
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os pacientes e médicos. Os médicos identificam
Zimmerman, DT Fundamentos psicanalíticos,
mais adequadamente os problemas de seus pa-
técnica e clínica, Porto Alegre: Artmed; 1999.
cientes; os pacientes ficam mais satisfeitos com
os cuidados que estão recebendo; são capazes de
compreender melhor seus problemas e as opções
de investigação e tratamento; têm mais propen-
são a seguir as prescrições médicas; os médicos
ficam mais satisfeitos com sua performance1.
269
Capítulo 24
Alimentação da criança nutricional adequado capaz de garantir o cres-
reGina lúcia Portela diniz cimento e desenvolvimento da criança e do ado-
christiane arauJo chaves leite lescente em sua plenitude.
rui Gouveia soares neto Amamentar é muito mais que nutrir a
Juliana Barros Mendes criança. É um processo que envolve interação
profunda entre mãe e filho, com repercussões
no estado nutricional da criança, em sua habi-
lidade de se defender de infecções, em sua fi-
siologia, e no seu desenvolvimento cognitivo
Aleitamento Materno Exclusivo: os e emocional, além de ter implicações na saúde
primeiros seis meses de vida física e psíquica da mãe.
Apesar da tendência ascendente nas taxas
271
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
bebê, porém o contato pele a pele, por si só, traz • Higiene dos • Engurgitamen- • Compressas
mamilos com to mamário geladas 2/2h.
benefícios, tais como: maior prevalência do alei- água. (peitos cheios e • Esvaziar
tamento materno de 1 a 3 meses, maior duração doloridos amamentando ou
ordenhando.
do aleitamento materno, melhor regulação da
• E�posição ao • Fissuras no • Corrigir técni-
temperatura corpórea e dos níveis de glicose san- sol para tornar mamilo ca, aplicar o leite
guínea do recém-nascido, choro menos frequente os mamilos mais sobre mamilos.
do bebê e maior escore na interação mãe-bebê. resistentes.
• Mastite • Amo�ilina ou
amplicilina.
272
Capítulo 24 • Alimentação da criança do nascimento aos cinco anos
273
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
274
Capítulo 24 • Alimentação da criança do nascimento aos cinco anos
275
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
276
Capítulo 24 • Alimentação da criança do nascimento aos cinco anos
277
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
mais nutritivos, bem como os “salgadinhos” e No entanto, sabe-se que é comum entre os ado-
alimentos artificiais e corantes. Chá e café tam- lescentes o mau hábito de “pular refeições”,
bém são desaconselháveis porque podem inter- especialmente o café da manhã, além de subs-
ferir na absorção de ferro. tituição do almoço e do jantar por lanches ou
O momento da refeição deve ser realizado refeições rápidas, compostas por embutidos,
em ambiente calmo, sem pressões e na compa- doces e refrigerantes. Hábitos alimentares ade-
nhia dos familiares. quados, com aumento da ingestão de produtos
de origem vegetal, como é o caso das legumi-
nosas, cereais integrais, verduras e frutas, com
Alimentação do pré-escolar seu elevado teor de fibras, associados à redução
do consumo de gorduras e açúcar, são muito
Nesta fase o crescimento sofre uma de- importantes para diminuir o risco de doenças
saceleração fisiológica, de modo que o apetite é crônicas na idade adulta.
menor que o observado no lactente e no adoles-
cente. Freqüentemente isto não compreendido
pelos familiares, que acabam forçando a criança Suplementação de ferro e de vitaminas
a comer ou substituindo alimentos saudáveis
por alimentos mais calóricos, gerando hábitos • Ferro: O Departamento Científico de Nutri-
alimentares inadequados e distúrbios nutri- ção da Sociedade Brasileira de Pediatria re-
cionais como obesidade, anemia e desnutrição. comenda que, profilaticamente, seja dado ao
Aconselha-se que as refeições e lanches tenham recém-nascido a termo e com peso adequado
horários estabelecidos, com pelo menos 2 a 3 ho- para a idade gestacional, dos 6 aos 24 meses de
ras de intervalo. vida, 1 mg/kg/dia de ferro elementar, ou dose
semanal de 45 mg, exceto para as crianças re-
cebendo fórmulas infantis fortificadas com
Alimentação do escolar ferro. Para os prematuros e recém-nascidos
de baixo peso, a recomendação é dar, a partir
O dia alimentar da criança nesta idade do 30º dia, 2 mg/kg/dia durante 2 meses. Após
deve acompanhar a rotina da família, conforme esse período, a recomendação é semelhante a
a disponibilidade de alimentos e preferências dos recém-nascidos normais94.
oriundas dos hábitos e costumes da família. A • Vitamina D: Organizações internacionais
criança deve ter como refeições diárias pelo me- como o UNICEF reconhecem que a suple-
nos o café da manhã ou desjejum, o almoço e o mentação de vitamina D (200 a 400 UI/dia)
jantar. A merenda escolar deverá ser adequada é necessária quando a exposição à luz solar é
aos hábitos regionais, evitando-se guloseimas e inadequada e que alguns bebês têm um risco
alimentos isentos de valor nutricional. mais alto de deficiência de vitamina D que
outros98. Entre os fatores de risco para defici-
ência de vitamina D encontram-se: deficiên-
Alimentação do adolescente cia materna de vitamina D durante a gravidez,
confinamento durante as horas de luz diurna,
A nutrição adequada tem papel funda- viver em altas latitudes, viver em áreas urba-
mental no desenvolvimento físico dos ado- nas com prédios e/ou poluição que bloqueiam
lescentes, pois esta é uma fase de crescimento a luz solar, pigmentação cutânea escura, uso
rápido do chamado “estirão da puberdade”. de protetor solar, variações sazonais, cobrir
278
Capítulo 24 • Alimentação da criança do nascimento aos cinco anos
muito ou todo o corpo quando em ambiente a deficiência de zinco é relevante para os países
externo e substituição do leite materno por em desenvolvimento3, devido aos hábitos ali-
alimentos pobres em cálcio ou alimentos que mentares que se caracterizam por baixo teor de
reduzem a absorção de cálcio99. proteína animal e altos teores de fitatos4,5.
O diagnóstico da carência de zinco é feito,
preferencialmente, pelas manifestações clínicas,
Pirâmide dos alimentos para faixa etária como dermatite, retardo de crescimento, hipo-
dos 2 aos 6 anos gonadismo, alterações do paladar e anorexia6,7.
A determinação dos níveis plasmáticos consti-
tui-se em importante meio para se conhecer o
estado nutricional de zinco em crianças8. Há
evidências de que crianças desnutridas ganham
peso mais rapidamente quando suplementadas
com zinco9,10.
279
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
E/I
Parâmetro avaliado • IMC
> 95% > 95%
- > percentil 85 e < percentil 95 = SO-
Desnutrição
> 90% Eutrófico
Pregressa
BREPESO
P/E - > percentil 95 = OBESIDADE
Desnutrição Desnutrição
< 90%
Aguda Crônica
Escore Z
Dep
Parâmetro Dep leve Dep grave
moderado
-3 ≤ escore Escore Z
Peso/ -2 ≤ escore
Z < -2 < -3
estatura Z<-1
(70 - 79%) (< 70%)
Baixa estatura Baixa estatura Baixa estatura
Leve Moderada Grave
-3 ≤ escore Escore Z
Estatura/ -2 ≤ escore
Z < -2 < -3
idade Z<-1
(85 - 89%) (< 85%)
DEP = desnutrição energético protéica
280
Capítulo 24 • Alimentação da criança do nascimento aos cinco anos
281
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
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282
Capítulo 25
Avaliação do nem sempre são suficientes ou dignas da con-
desenvolvimento infantil dição humana e podem ter como conseqüência,
ritmos e conquistas de desenvolvimento aquém
álvaro JorGe Madeiro leite
de suas potencialidades ou adaptações social-
diva de lourdes de azevedo Fernandes
mente inadequadas.
Em 1995, a UNESCO divulgou um do-
cumento intitulado “Medidas Vitais: um
desafio de comunicação”. Nesse documento
chama atenção para “todos aqueles que podem
283
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
284
Capítulo 25 • Avaliação do desenvolvimento infantil
285
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
No entanto, alguns cuidados precisam ser “médias” que a escola – instituição e professo-
tomados para evitar uma rotulação indevida da res – esperam, não devem ser estigmatizadas
criança que apresenta aspectos de desenvolvi- como crianças problemáticas. Na maioria das
mento em ritmos diferentes ou habilidades pró- vezes, tais crianças expressam desenvolvimen-
prias do modo de vida da família ou comunidade to ou potencial de desenvolvimento adequados
onde a criança está inserida. para o conjunto de experiências já vividas e
A prática da utilização de instrumentos são capazes de superar eventuais dificuldades
para medida do desenvolvimento, principal- a partir da acolhida individualizada da estru-
mente, as escalas ou testes, em sua maioria, tura escolar.
elaborados para crianças de outras formações Em 2002, a Área Técnica de Saúde da
culturais ou sociais pode ser inadequada para Criança do MS coordenou a elaboração de um
avaliar as crianças com outras experiências, ou- documento sobre avaliação do Crescimento e
tras condições de vida e, portanto, com outro do Desenvolvimento para ser utilizado por to-
leque de habilidades, por vezes, inexistentes dos os profissionais de saúde, de uma Ficha de
nessas escalas. Cada criança tem seu próprio Acompanhamento do Desenvolvimento com o
ritmo e velocidade na aquisição de novas capa- objetivo de identificar precocemente as crian-
cidades. Uma criança específica pode ser capaz ças com possíveis problemas de desenvolvi-
de demonstrar habilidades e domínios numa mento. Nesta ficha estão os marcos do desen-
enorme variedade de situações de seu cotidia- volvimento esperados para a criança de zero a
no concreto e cultural e não possuir habilidades seis anos de idade.
de outras configurações – uma criança da zona
rural ou em situação de rua possui habilidade
motoras, cognitivas diferentes de crianças de
classe média urbana que reside em apartamento
e tem convívio escolar. Estamos diante de uma
dimensão CULTURAL (inserção da criança
num contexto de experiências dependentes da
diversidade cultural) e, de outra dimensão SO-
CIAL (inserção da criança num contexto de ex-
periências dependentes da diversidade de opor-
tunidades sociais).
Todo rigor e cuidado devem ser tomados
para evitar que crianças com ritmos e aquisi-
ções diferentes em seu processo de desenvol-
vimento sejam rotuladas como portadores de
deficiências ou portadoras de problemas de
desenvolvimento. Esse aspecto torna-se ain-
da mais grave quando os aparentes problemas
comprometem o desempenho escolar, princi-
palmente quando os problemas que as crianças
parecem ter, de alguma forma estão localizados
na área comportamental ou do desenvolvimen-
to psico-afetivo. Assim, crianças que não se
adaptam ou não correspondem às expectativas
286
Capítulo 25 • Avaliação do desenvolvimento infantil
287
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Período em que 90% das crianças adquirem o marco P = presente; A = ausente; NV = não verificado
Presentes até o 4º mês Elaborado por Brant, J. C.: Jerusalinsky, A. N. e Zannon, C. M. L. C.
Fonte: Ministério da Saúde. Saúde da criança: acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil.
288
Capítulo 25 • Avaliação do desenvolvimento infantil
Rola da posição supina para Colocar a criança em superfície plana na posição supina. Incentivá-la a
prona virar para a posição prona.
Levantada pelos braços, ajuda Posição supina. Segurar as mãos da criança. Puxar suavemente ten-
com o corpo tando sentá-la.
Vira a cabeça na direção de
Falar ou fazer ruído por trás da criança na altura dos seus ouvidos.
uma voz ou objeto sonoro
Reconhece quando se Observar se a criança reage quando a mãe fala com ela, quando a mãe
dirigem a ela coloca-a no colo, etc.
Colocar a criança em superfície plana, sentada. Observar se ela man-
Senta-se sem apoio
tém-se com as costas eretas e sem apoiar as mãos na superfície.
Segura e transfere objetos de Colocar objeto na mão direita da criança. Na ausência de resposta, ten-
uma mão para a outra tar a mão esquerda.
Observar expressões faciais da criança dirigidas ao profissional e a
Responde diferentemente mãe. O profissional deve segurar a criança no colo e a mãe chamá-la
a pessoas familiares e ou com os braços.
estranhos Perguntar a mãe se a criança estranha outras pessoas de fora do seu
ambiente familiar.
Imita pequenos gestos ou Instigar a criança a imitar os gestos de bater palmas, de adeus, caretas,
brincadeiras de esconde-esconde.
Colocar a criança em posição prona, em uma superfície plana. Colo-
Arrasta-se ou engatinha car e oferecer objeto colorido na mesma superfície, longe da mão da
criança.
Pega objetos usando o polegar
Colocar na mão da criança algum objeto pequeno da sala de exame.
e o indicador
Instigar. Apontar a mãe e perguntar quem é esta? Na ausência de res-
Emprega pelo menos uma
posta, perguntar a mãe se a criança fala alguma palavra com sentido
palavra com sentido
(qual?).
Faz gestos com a mão e a Observar se a criança faz espontaneamente. Ao final da consulta, des-
cabeça (tchau, não, bate perdir-se dando “tchau” a criança. Perguntar a mãe se a criança faz
palmas, etc.) algum gesto.
Postura de pé solicitar a colaboração da mãe para pedir a criança para
Anda sozinha, raramente cai caminar: ou colocar a criança no chão durante a coleta da história clí-
nica.
Na hora do exame físico, pedir a criança que sozinha tire alguma peça
Tira sozinha qualquer peça do
(a blusa por exemplo). Em caso de recusa, solicitar a colaboração da
vestuário
mãe no pedido.
Combina pelo menos 2 ou 3 Instigar, tentar observar a resposta da criança em conversa com a mãe.
palavras Na ausência da resposta, perguntar a mãe.
Colocar a criança no chão. Oferecer um objeto à distância e ver se ela
Distancia-se da mãe sem
se afasta da mãe para pegar este objeto e se volta o seu olhar para a mãe
perdê-la de vista
durante o seu percurso.
Observar durante a consulta se a criança come biscoitos ou frutas (ou
Leva os alimentos à boca com
outro alimento que a mãe traz) com a própria mão. Não sendo possível,
sua própria mão
perguntar à mãe.
Pedir a criança para correr ou subir a escadinha da sala de exame, se
Corre e/ou sobe degraus baixos
houver. Na ausência de resposta, perguntar a mãe.
Aceita a companhia de
outras crianças mas brinca Tentar observar na sala de espera - Perguntar sempre a mãe.
isoladamente
Perguntar a criança como ela se chama. Perguntar para a criança de
Diz seu próprio nome e
quem é o sapato, a blusa, etc (peças do vestuário que a criança está
nomeia objetos como sendo seu
vestindo). Solicitar a colaboração da mãe.
289
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Veste-se com auxílio Depois do exame clínico, pedir a mãe que ajude a criança a vestir-se.
Fica sobre um pé, Postura de pé. Solicitar a criança para levantar um pé, dobrando o jo-
momentaneamente elho. Utilizar imitação.
Usa frases Conversar com a criança. Se a criança não colaborar, perguntar a mãe.
Começa o controle Perguntar à mãe se a criança já usa o penico ou já avisa se quer ir ao
esfincteriano banheiro (mesmo se já tenha feito as suas necessidades nas fraldas).
Usar objeto da sala de exame. Verificar se separa objetos por cores, sem
Reconhece mais de duas cores
necessariamente nomeá-los.
Postura de pé. Solicitar a criança para levantar um pé, dobrando o jo-
Pula sobre um pé só
elho. Utilizar imitação.
Brinca com outras crianças Observar na sala de espera. Perguntar à mãe.
Imita pessoas da vida cotidiana Perguntar à mãe se em suas brincadeiras a criança imita o pai, a
(pai, mãe, médico, etc.) mãe, etc.
1 a 2 meses
O bebê fica protegido pelo leite materno e raramente adoece. No colo da mãe, se sente seguro e acalentado. Ele
gosta de ficar em várias posições e olhar para objetos coloridos. Mas sobretudo, gosta de ver o rosto da mãe.
Responde ao sorriso.
3 a 4 meses
O bebê está bem mais ativo: olha para quem o observa, acompanha com o olhar e responde com balbucios
quando alguém conversa com ele. Gosta de olhar e por as mãos na boca. Aprecia a companhia da mãe e gosta
de trocar de lugar, mas atenção, porque já não fica quieto, pode cair.
De bruços, levanta a cabeça e ombros.
5 a 6 meses
O bebê sabe quando se dirigem à ele e gosta de conversar. Quando ouve uma voz, procura com o olhar. Ele já
rola, senta com apoio e leva os seus pés à boca. Para que ele se movimente melhor, a mãe ou quem cuida dele,
deve colocá-lo no chão. Para evitar quedas, não se deve deixá-lo em lugares altos.
Vira a cabeça na direção de uma voz ou objeto sonoro.
290
Capítulo 25 • Avaliação do desenvolvimento infantil
7 a 9 meses
Mesmo estando amamentando, o bebê começa a querer provar outros alimentos. Ele gosta de brincar com
a mãe e com os familiares. Às vezes, estranha pessoas de fora de casa. Não gosta de ficar só. Já fica sentado e
também pode se arrastar ou engatinhar, pode até mesmo tentar se por de pé. É muito curioso, por isso não se
deve deixar ao seu alcance: remédios, inseticidas e pequenos objetos.
Já fica sentado sem apoio.
10 a 12 meses
O bebê está crescido, gosta de imitar os pais, dá adeus, bate palmas. Fala, pelo menos, uma palavra com senti-
do e aponta para as coisas que ele quer. Come comida da casa, porém precisa comer mais vezes que um adulto.
Gosta de ficar em pé apoiando-se nos móveis ou nas pessoas.
Engatinha ou anda com apoio.
13 a 18 meses
A criança está cada vez mais independente: quer comer sozinha e já se reconhece no espelho. Anda alguns
passos mas sempre busca o olhar dos pais ou familiares. Fala algumas palavras e, às vezes, frases de duas ou
três palavras. Brinca com brinquedos e pode ter um predileto.
Anda sozinho.
19 meses a 2 anos
A criança já anda com segurança, dá pequenas corridas, sobe e desce escadas. Brinca com vários brinquedos.
Aceita a companhia de outras crianças, porém brinca sozinha. Já tem vontade própria, fala muito a palavra
não. Sobe e mexe em tudo: deve-se ter cuidado com o fogo e cabos de panelas.
Corre e/ou sobe degraus baixos.
2 a 3 anos
A criança gosta de ajudar a se vestir. Está ficando sabida: dá nomes aos objetos, diz seu próprio nome e fala
“meu”. A mãe deve começar, aos poucos, a tirar a fralda e ensinar, com paciência, o seu filho a usar o peniqui-
nho. Ela já demonstra suas alegrias, tristezas e raivas. Gosta de ouvir histórias e está cheia de perguntas.
Diz seu nome e nomeia objetos como sendo seus.
3 a 4 anos
Gosta de brincar com outras crianças. Tem interesse em aprender sobre tudo o que a cerca, inclusive contar
e reconhecer as cores. Ajuda a vestir-se e a calçar os sapatos. Brinca imitando as situações do seu cotidiano e
os seus pais.
Veste-se com auxílio.
4 a 6 anos
A criança gosta de ouvir histórias, aprender canções, ver livros e revistas. Veste-se e toma banho sozinha. Es-
colhe suas roupas, sua comida e seus amigos. Corre e pula alternando os pés. Gosta de expressar as suas idéias,
comentar o seu cotidiano e, às vezes, conta histórias.
Conta ou inventa pequenas histórias.
291
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
ência visual ou auditiva), e que exigem Escolas inclusivas precisam reconhecer e responder
uma educação inclusiva; às necessidades diversificadas de seus alunos, acomo-
• O outro grupo é o de crianças com alte- dando os diferentes estilos e ritmos de aprendizagem
rações no relacionamento interpessoal ou e assegurando educação de qualidade para todos me-
psicossocial. Tais alterações podem ocor- diante currículos apropriados, mudanças organiza-
rer na presença ou na ausência de proble- cionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parce-
mas orgânicos estruturais. São exemplos: rias com suas comunidades”.
a presença de alguma doença ao nasci-
mento que deturpe a expectativa dos pais É comum crianças desse grupo ter suas
de ter um filho saudável (filho desejado - necessidades de desenvolvimento negligencia-
filho real); transtorno psíquico decorren- das na família e na escola com conseqüências
te de perturbações na relação mãe-filho. nocivas às suas possibilidades de recuperação ou
de vida nas melhores condições possíveis.
A tendência a emitir prognósticos de-
A criança com deficiência finitivos – ele nunca vai aprender a ler –, como
também atitudes de menosprezo e de ridicula-
rizar comportamentos e habilidades da criança
A inclusão de crianças com necessidades especiais estabelece baixas expectativas familiares e para
a própria criança, bem como padrões de relacio-
Necessidades especiais devem ser consi- namento interpessoal que podem comprometer
deradas como necessidades de equiparação de a dinâmica das trocas afetivas e o investimento
oportunidades para a garantia de inclusão de psicossocial para a criança.
todas as pessoas com suas diferenças e singulari- Aqui, lembrar do efeito devastador sobre
dades aos bens e serviços da comunidade. a vitalidade global da criança que pode ter com-
A Declaração de Salamanca – UNESCO portamentos estigmatizantes e depreciativos ou
(1994) representou um marco no compromisso de exclusão psicossocial, principalmente, por
com a Educação para Todos. Tal Declaração afir- parte dos responsáveis pela criança (pais) e, na
ma a necessidade e a urgência de ser o ensino idade escolar, também os professores.
ministrado a todas as crianças, jovens e adultos Ao contrário, expectativas podem e devem
com necessidades educativas especiais. ser alimentadas tomando como referência conhe-
Atualmente, uma abordagem inclusiva cimentos oriundos de múltiplos campos. A neuro-
tem sido a tônica da maioria das instituições e ciência delimitando o fenômeno da plasticidade
profissionais que lidam com tais crianças: cerebral – capacidades adaptativas do cérebro, ha-
“As escolas devem acomodar todos os alunos bilidades para modificar sua organização estrutural
independentemente de suas condições físicas, intelec- e assim, seu funcionamento – faz com que a cada
tuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. O nova experiência existencial, redes de neurônios
desafio para uma escola inclusiva é o de desenvolver sejam rearranjadas, sinapses reforçadas e múltiplas
uma pedagogia centrada no aluno, uma pedagogia possibilidades de respostas ao ambiente tornam-se
capaz de educar com sucesso todos os alunos, incluin- possíveis. No campo da psicologia e psicanálise,
do aqueles com deficiências severas”. sabe-se da influência extremamente positiva que o
“O princípio fundamental da escola inclusi- acolhimento afetivo e interpessoal produz sobre a
va consiste em que todas as pessoas devem aprender vida intramental e emocional da criança.
juntas, onde quer que isto seja possível, não impor- Os portadores de deficiência têm uma sensibi-
tam quais dificuldades ou diferenças elas possam ter. lidade especial na compreensão do meio e dos que os
292
Capítulo 25 • Avaliação do desenvolvimento infantil
rodeiam, sendo capazes de perceber o interesse ou não Problemas relacionados à gravidez, o par-
do profissional, mesmo nos casos mais graves. to e o nascimento (hipoxia neonatal) e infecções
Secretaria Estadual de Saúde - Paraná congênitas (citomegalovírus, toxoplasmose, sífi-
lis, rubéola, AIDS) são as causas mais importan-
Procure conhecer e ter disponíveis os endereços
tes, seguidos por síndromes genéticas, tais como,
dos grupos de apoio e associações de portadores de de-
síndrome de Down, síndrome do X frágil e, erros
ficiências de sua cidade. Essas associações costumam
inatos do metabolismo (hipotiroidismo, fenilce-
prestar um trabalho muito especial para estas famílias
tonúria). Estes últimos, atualmente, podem ser
na aceitação da deficiência, e muitas mantém servi-
detectados precocemente nas primeiras semanas
ços de intervenção precoce e reabilitação excelentes.
Secretaria Estadual de Saúde - Paraná de vida através do denominado teste do pezinho.
Tal teste deve ser realizado em todos recém-nas-
Assim, necessidades especiais devem ser cidos (teste de triagem) com o objetivo de detec-
consideradas como necessidades de equiparação tar algumas doenças precocemente, antes que os
de oportunidades para a garantia de inclusão de sintomas de deficiência mental deixem seqüelas
todas as pessoas com suas diferenças e singulari- invalidantes ou se instalem de maneira definiti-
dades aos bens e serviços da comunidade. va. Com a identificação precoce o tratamento pos-
Diferentemente do processo de integra- sibilita um desenvolvimento normal.
ção social em que a inserção depende exclusiva- Os portadores de deficiência mental são
mente das condições pessoais para participar, ou geralmente bem dispostos, alegres, carinhosos e
seja, da capacidade pessoal máxima para se adap- gostam de se comunicar.Têm uma sensibilida-
tar às demandas sociais da maneira que elas se de aguçada e, muitas vezes, uma esperteza fora
impõem, a inclusão constitui-se num processo do habitual para avaliar o ambiente e as pessoas
bilateral pelo qual as pessoas excluídas, deficien- que os cercam.
tes ou não, e a sociedade buscam em parceria, [http://www.mj.gov.br/sedh/dpdh/corde/corde.htm]
melhorar suas condições, equacionar problemas, • Naturalidade e palavras afetuosas são o melhor
decidir sobre propostas e ações para garantir caminho para que eles façam vínculos, permi-
oportunidades de participação para todos. tam o exame clínico e aceitem o tratamento.
• Observe sempre que o portador de deficiên-
cia mental não é um doente mental, ele tem
A Criança com Necessidades Especiais uma conseqüência de uma doença ou agravo
– é uma “condição de ser”.
• Tratem-nos como criança quando forem
Predomínio da deficiência mental crianças e como adolescentes quando adoles-
centes, respeitando sua sexualidade e orien-
A deficiência mental pode ser definida tando suas famílias para fazerem o mesmo.
como o rebaixamento das funções intelectuais [http://www.mj.gov.br/sedh/dpdh/corde/corde.htm]
que tem como conseqüência limitações nas habi-
lidades adaptativas (habilidades de comunicação
interpessoal, de autocuidado, de realizar a con- Predomínio da deficiência física
tento as atividades da vida diária, habilidades
sociais, aptidões escolares, de lazer e trabalho) – Aqui o principal problema é representado
duas ou mais habilidades estão comprometidas. pela PARALISIA CEREBRAL. A forma mais
Este grupo corresponde a cerca de 50% do total comum é a criança apresentar um distúrbio
das crianças com necessidades especiais. motor, como conseqüência de uma agressão ao
sistema nervoso central. Assim, são freqüentes
293
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
distúrbios da movimentação voluntária, do tono dromes genéticas, infecções tipo meningite, oti-
muscular, associados com distúrbios de apren- tes de repetição, traumatismos crânio-encefálicos
dizagem, de comunicação ou fala. A criança que e o uso de drogas ototóxicas. Em nosso meio, uma
tem paralisia cerebral pode ter nível de inteli- doença prevenível por vacinação – a rubéola – ain-
gência normal, e a gravidade do problema mo- da continua sendo responsável por alguns casos.
tor nem sempre corresponde ao mesmo nível de Suspeita de deficiências auditivas deve ser feita
comprometimento das funções cognitivas. em todas as crianças que não reagem a sons, que
Deve-se ter bastante cuidado na aborda- tem atraso na aquisição da fala, que estão sempre
gem de crianças portadoras de paralisia cere- preferindo por sons altos, e com características de
bral. Comentários e prognósticos transmitidos distração constante e desatenção.
aos pais na presença da criança ou adolescentes
deve ser cautelosos, pois o portador de deficiên-
cia física nem sempre tem suas capacidades cog- Deficiência visual
nitivas comprometidas.
Para prevenir a deficiência visual uma sé-
rie de medidas médica vem sendo tomada:
Predomínio da deficiência sensorial • Toda criança deve ser cuidadosamente e�a-
(visão, audição) minada por profissional treinado nos primei-
ros dias após o nascimento. Já nas primeiras
horas de vida, um colírio de nitrato de prata
Deficiência auditiva (credê) é utilizado em todos os RN para pre-
venir uma infecção ocular grave causado por
Com a elevação das taxas de sobrevivência
uma bactéria responsável por uma doença se-
de recém-nascidos internados em unidades de
xualmente transmissível (gonorréia).
terapia intensiva, cada vez mais vemos crianças
• E�ame ocular bem realizado é capaz de identi-
com deficiência auditiva; cerca de dois a quatro
ficar diferença no tamanho dos globos oculares,
para cada 100 crianças neonatos que necessita-
alterações nas pupilas, na conjuntiva, no fun-
ram de internação em UTI, ocorrência muito
do do olho, piscar de olhos constante, aversão
maior que a encontrada em bebês saudáveis (1 a
à luz, movimentos oculares anormais e capaci-
3 para cada 1.000 nascimentos).
dade que todo bebê já apresenta ao nascimento
A conseqüência assistencial é que todos os
de fixação e acompanhamento de objetos colo-
recém-nascidos, em particular, os de risco ou nos
ridos colocados a cerca de 30 centímetros de
que estiveram em UTI neonatal devem ser sub-
seu ângulo de visão. Bebês muito prematuros
metidos a triagem auditiva até o terceiro mês de
apresentam risco de desenvolver um problema
vida para que o início da intervenção aconteça
grave na retina e portanto, devem ser exami-
antes do sexto mês. A intervenção até essa idade
nados periodicamente (ao menos dois exames
melhora significativamente as possibilidades de
de fundo de olho, sendo o primeiro realizado
aquisição da linguagem.
entre a quarta e a sexta semana de vida).
A falta de estímulo auditivo poderá ampliar
as seqüelas para níveis mais profundos do cérebro,
O portador de deficiência visual desenvolve uma per-
(a córtex), o que poderá impossibilitar a audição cepção auditiva e tátil muito maior que a população em geral.
para toda vida. São crianças de maior risco para
deficiência auditiva aquelas com história familiar Quando estiver tratando com uma criança defi-
de deficiência auditiva, filhas de pais consangüí- ciente visual maior ou adolescente, na presença dos pais,
neos, portadoras de anomalias craniofaciais, sín- pergunte a ela se deseja tocar seu rosto para conhecê-lo.
294
Capítulo 25 • Avaliação do desenvolvimento infantil
295
Capítulo 26
Atenção ao recém-nascido sentar distúrbios capazes de interferir na sua
João osMiro Barreto qualidade de vida.
helena Maria BarBosa carvalho São considerados como critérios de risco
obrigatórios:
• Peso ao nascer < 2.500 g;
• Morte de irmão < 5 anos;
• Internação após alta materna.
Para o recém-nascido de baixo risco, o
atendimento na unidade de saúde deve ser feito
Introdução nos primeiros 15 dias após a alta. A família deve
ser orientada sobre a importância do acompa-
297
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
região periumbilical sugere infecção; terno exclusivo com suas vantagens, sejam elas
• Higiene/�anhos; de natureza afetiva, imunológica e econômica,
• Cólicas do recém-nascido: a partir da terceira chamando a atenção da não existência de leite
semana de vida, é comum o bebê apresentar “fraco” (cada leite é apropriado para o RN em
choro contínuo que muitas vezes é confun- questão, daí a diferença na composição do leite
dido com fome. Ao ser colocado para mamar de mãe de RN a termo e pré-termo).
o bebê se acalma temporariamente voltando
logo em seguida a chorar. Não há uma expli-
cação fisiopatológica definitiva para as cóli- Desenvolvimento da Atenção
cas. A conduta deve ser no sentido de acal-
mar a criança. É contra-indicado prescrever • Uma boa anamnese materna fornecerá subsí-
medicação pelos efeitos colaterais das drogas dios para um exame físico completo e deta-
utilizadas. As cólicas costumam desaparecer lhado do recém-nascido.
entre o terceiro e quarto mês de idade.
História materna
Exame Físico Neonatal
• Antecedentes maternos (uso de drogas, taba-
gismo, álcool), informações sobre gestações,
Caso Clínico planejamento e desejo pela gravidez atual,
número de filhos, trabalho de parto e partos
João é o terceiro filho de dona Izabel, nasceu anteriores, intercorrências na gravidez.
no hospital da cidade, onde sua mãe compareceu a
oito consultas de pré-natal sem intercorrências, seu
parto foi normal e em boas condições, saiu de alta História familiar
após 24 horas de vida, esteve durante esse período
internado no alojamento conjunto, hoje está no 5º dia • Pesquisa-se a e�istência de enfermidades atu-
de vida, é alimentado com leite da própria mãe e fór- ais e significantes em membros da família,
mula, pois a mãe acha que seu leite é fraco e que após consangüinidade.
a mamada o bebê continua com fome.
Comentários: pelo exposto acima se con-
clui que a gestação de dona Izabel foi tranqüila e História neonatal
sem alterações, o fato de o parto ter sido normal
e em boas condições, revela que o recém-nascido • Ocorrências no pré-parto e por ocasião do
teve uma nota de Apgar acima de 7, e seu pri- parto, avaliação da vitalidade do RN (boletim
meiro exame físico foi normal, o que é confirma- de Apgar), necessidade de reanimação em
do pela sua presença em alojamento conjunto e sala de parto, intercorrências no pós-parto
por sua alta precoce. Após conversar com a mãe imediato e tipo de alimentação.
a respeito de sua história familiar e gestacional
e obter informações sobre o João, com ênfase na
alimentação, nas eliminações, na vacinação, no Avaliação da idade gestacional
banho de sol com tempo de duração, realiza-se o
exame físico completo (que será abordado poste- Utilizando-se a data da última menstru-
riormente). Observa-se a pega do peito na mãe, ação, ultra-som precoce e finalmente o exame
salientando a importância do aleitamento ma- somático. O conhecimento da idade gestacio-
298
Capítulo 26 • Atenção ao recém-nascido
299
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
• Linfomas císticos: presentes em qualquer RN normais e deve medir até 0,5 cm.
parte do corpo. • Crânio-tabes: diminuição da consistência
• Escleredema: freqüentemente visto em in- dos ossos do crânio. A palpação assemelha-se
fecções neonatais graves e cardiopatias com a uma bola de ping-pong. É encontrado em
débito cardíaco diminuído. Não depressível e recém-nascidos normais. A sua persistência
endurecido. até três meses requer investigação.
• Petéquias e púrpuras: não desaparecem à di- • Encefalocele: exteriorização de tecido nervo-
gito-pressão. São de etiologia mecânica (toco- so por defeito nos ossos crânio, mais comum
traumatismo), fragilidade capilar (infecção) e a nível occipital.
plaquetopenia. • Cartilagem da orelha e pálpebras: a carti-
• Hemangioma: são manchas vermelho-vio- lagem da orelha torna-se mais firme com o
láceas mais comumente observadas na nuca decorrer da gestação.
região frontal e pálpebras superiores. Desapa-
recem em alguns meses. Face
• Superfície plantar: avaliam-se as rugas que se
dirigem dos dedos para o calcanhar. Na presen- Verificar assimetria, aparência sindrômi-
ça de oligoidrânmio, acentuam-se as rugas. ca, implantação das orelhas, distância entre os
olhos, tamanho do queixo, nariz e língua.
Crânio
Olhos
Pode ocorrer micro, macro, hidro, e hi-
dranencefalia. Observar a presença de secreções, palpar
• Craniossinostose: fechamento precoce das globo ocular, pregas epicânticas, verificar o reflexo
suturas. vermelho (só e possível com o uso oftalmoscópio,
• Céfalo-hematoma: é um derrame sanguineo hemorragia subconjuntival, estrabismo (freqüente
subperiósteo decorrente da rotura de vasos no RN), pupila branca (catarata congênita, retino-
do periósteo pela pressão dos ossos cranianos blastoma, fibroplasia retrolental), opacificação da
contra a bacia materna. Se distingue da bossa córnea (glaucoma congênito, rubéola congênita).
pelo seu rebordo periférico palpável, e pelo
fato de não ultrapassar a sutura. Localiza-se
geralmente na região parietal, apresenta re- Ouvidos
gressão espontânea com calcificação em algu-
mas semanas a meses. Pode ser bilateral ou Verificar a implantação da orelha, sua forma
volumoso e causar icterícia. e tamanho, audição, apêndice pré-auriculares. Alte-
• Bossa serossanguínea: é de aparecimento rações na forma e implantação da orelha se relaciona
mais rápido que o céfalo-hematoma. É um à agenesia renal e anormalidades cromossômicas.
edema serossanguíneo de couro cabeludo,
com limites imprecisos, e de rápida involução.
Localiza-se ao nível da apresentação cefálica. Nariz
• Fontanelas: anterior mede de 1 a 4 cm e tem for-
mato de losango. Abaulamentos estão presentes Observar a forma, tamanho, permeabili-
na meningite, hipertensão intracraniana, hemor- dade, canal nasolacrimal, secreção nasal (se se-
ragia intracraniana, hidrocefalia, edema cerebral rossanguinolenta e unilateral, pensar em sífilis
e insuficiência cardíaca congestiva. A posterior congênita).
tem formato triangular, está presente em 3% dos
300
Capítulo 26 • Atenção ao recém-nascido
• Palpar: Mamas
- A parte mediana para detectar a presença
de bócio, fístulas, cistos e restos de arcos Verificar assimetria e distância interma-
branquiais; milar. Ao nascer é comum o aumento das glân-
- A lateral para pesquisar hematoma de es- dulas mamárias com a eliminação de secreção
ternocleidomastoídeo, torcicolo congênito, leitosa ou sanguinolenta em ambos os sexos, que
pele redundante ou pterigium coli. regride espontaneamente. Podem ser observa-
• E�plorar mobilidade e tônus cervical. dos mamilos extranumerários.
• Torcicolo congênito: contratura do múscu-
lo esternocleidomastóideo que é de resolução
espontânea na maioria dos casos, podendo Exame Cardiovascular
evoluir para assimetria facial e posição vicio-
sa da cabeça. • A freqüência cardíaca varia normalmente de
• Higroma cístico: tumoração cística de ta- 120 a 160 batimentos por minuto, de acordo
manho variado. Crescimento rápido. Invade com a atividade do RN.
o assoalho da boca, o mediastino a as axilas. • A presença de sopros em recém-nascidos é
Pode causar obstrução respiratória. comum nos primeiros dias e podem desapa-
• Bócio congênito: causa idiopática ou filho de recer em alguns dias. Se o sopro persistir por
mãe que recebe iodo na gestação. Consistência algumas semanas é provável que seja mani-
elástica em forma de colar cervical, pouco mó- festação de malformação congênita cardíaca.
vel, podendo causar obstrução respiratória. • A palpação dos pulsos femurais é obrigatória, pois
sua ausência é sugestiva de Coarctação da Aorta.
• Inspeção: cianose, padrão respiratório (ta-
Tórax quipnéia, dispnéia, amplitude respiratória),
abaulamento precordial, turgência jugular,
O perímetro torácico do RN a termo é em ictus (mais propulsivo em sobrecarga de vo-
média de 1 a 2cm menor que o cefálico. Verificar lume e persistência do canal arterial (PCA).
assimetria, maior dimensão é a antero-posterior. • Palpação: pulsos nos quatro membros, com-
Discretas retrações sub e intercostais são co- paração dos superiores com os inferiores (sin-
muns em RN sadios pela elasticidade das pare- cronia, ritmo e intensidade). Palpação do pre-
córdio (ictus, sua impulsividade, frêmitos).
301
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Ausculta Pontuação:
• Dificuldade Respiratória Leve: 1 - 3
• Dificuldade Respiratória Moderada: 4 - 6
• Sopro: Identificar o tipo de sopro, que pode • Dificuldade Respiratória Grave: > 7
ser sistólico, diastólico ou contínuo. Quanti-
ficar de 1+ a 6+. Quanto ao timbre, informar • Ausculta: deve ser bilateral e comparativa.
se suave, rude ou aspirativo. Poderão estar au- Auscultar as regiões axilares. Avaliar a pre-
sentes ao nascimento mesmo em cardiopatias sença de crepitações, roncos e diminuição do
graves; 60% dos RN normais terão sopro nas murmúrio vesicular.
primeiras 48h de vida.
Abdome
Exame Pulmonar • Inspeção: observar a forma do abdome (ge-
• A respiração normal do RN é abdominal; ralmente cilíndrico e 2 a 3 centímetros menor
quando predominantemente torácica e com que o cefálico; se escavado (hérnia diafragmá-
retração indica dificuldade respiratória. tica), se abaulado supra umbilicalmente (obs-
• A freqüência respiratória média é de 40 movi- trução intestinal alta ou distensão gástrica).
mentos no recém-nascido de termo e de 60 no • Palpação: deve ser iniciada com uma leve
pré-termo. A respiração é mais periódica que re- pressão de baixo para cima, a fim de delinear
gular, por isso os movimentos são contados du- os bordos do fígado e baço.
rante um minuto. A taquipnéia (FR > 60 rpm) • O fígado é palpável normalmente até 2 cm
é altamente sugestiva de doença respiratória. abaixo do rebordo costal. Uma ponta de baço
• Estertores bolhosos logo após o nascimento pode ser palpável na primeira semana. Na
normalmente são transitórios e desaparecem presença de aumento destas duas vísceras, a
nas primeiras horas de vida. Sua persistência causa deverá ser investigada.
obrigará a verificar a ausência de patologias • Os rins podem ser palpados principalmente o
pulmonares, bem como diminuição global e esquerdo.
assimetria do murmúrio vesicular. Verificar diastáse (afastamento) dos mús-
• Inspeção: Verificar o padrão respiratório culos reto-abdominais – é observação frequente
quanto à freqüência, amplitude dos movimen- e sem significado patológico. São 3 as principais
tos, tiragem, retração xifoidiana, batimentos causas de distensão abdominal no RN: ascite,
de asas do nariz (BAN), estridor expiratório, visceromegalias e distensão gasosa. Pesquisar a
gemido. Utilizar o Boletim de Silverman-An- presença de massas abdominais.
derson (quadro abaixo). • Ausculta: procurar ruídos hidroaéreos. Sua
ausência é significativa para íleo paralítico.
Pontuação de Silverman-Andersen para avaliar a
magnitude da dificuldade respiratória
Parâmetros 0 1 2 Genitália
Audível com Audível sem
Gemência Ausente
estetoscópio estetoscópio • Masculina: medir o comprimento do pênis;
Batimentos de no RN a termo, o tamanho normal é de 35 a
Ausente Discreto Acentuado
asa do nariz
40 mm, orifício uretral (hipospádia ou epis-
Tiragem 3 últimas Mais de 3
Ausente pádia), prepúcio, localização dos testículos,
intercostal intercostais intercostais
Retração presença de hérnias e hidroceles.
Ausente Discreta Acentuada
esternal • Feminina: medir o tamanho do clitóris (não
Balancim Ausente Discreto Acentuado deve ultrapassar 5 mm), fusão dos grandes
Quadro 1. Boletim de Silverman-Anderson.
302
Capítulo 26 • Atenção ao recém-nascido
303
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
304
Capítulo 27
Vacinação – uma medida nignos; antibioticoterapia; gravidez no
de proteção domicílio (acreditando-se, de modo equi-
vocado, que o agente vacinal possa ser
eliane cesário MaluF
disseminado e trazer complicações para o
Jocileide sales caMPos
nilce de Matos nunes feto); prematuridade; alergias inespecífi-
anaMaria cavalcante e silva cas; história familiar de convulsões;
• Dificuldade de acesso
• Desinformação (profissionais de saúde
e população em geral)
Introdução • Má conservação das vacinas
• Resistência a e�cesso de injeções
to, e não apenas no abastecimento de vacinas, que Tem sido observado também que grande par-
se consegue alcançar elevadas coberturas vacinais. te dos profissionais de saúde tem freqüentemente
É de grande importância identificar e pro- dúvidas relacionadas às seguintes questões:
curar superar os obstáculos que impedem que o • A administração simultânea de vacinas não
programa alcance seu objetivo – proteger a po- resulta em redução da resposta ou aumento
pulação contra as doenças imunopeveníveis. das reações adversas. A vacinação simultânea
Um calendário vacinal deve ser operacional- aumenta a probabilidade de a criança conse-
mente factível e socialmente aceitável. Por razões guir completar todo o esquema preconizado.
operacionais, deve-se prever um número mínimo • Quando duas vacinas de antígenos vivos, que
de sessões e a administração simultânea de vacinas. deveriam ser aplicadas simultaneamente, não
Do ponto de vista epidemiológico, é pre- o são, deve-se aguardar quatro semanas entre
ferível não deixar passar um grande intervalo a aplicação (pela possível interferência imu-
entre as doses sucessivas e vacinar a criança o nológica na replicação do vírus). Porém se as
mais rápido possível. duas vacinas são inativadas ou uma é inati-
Um calendário vacinal, no entanto, não vada e a outra é de antígeno vivo, não há ne-
pode deixar de considerar8: cessidade de limite de intervalo (elas podem
• O cotidiano da comunidade. ser aplicadas a qualquer momento). Entre a
• As alterações climáticas sazonais. anti-polio oral e a anti-sarampo ou a tríplice
• As crenças e costumes de ordem cultu- viral também não há limite de intervalo.
ral, que podem implicar em obstáculo • O intervalo mínimo recomendado entre as
para o programa de vacinação. doses deve ser seguido, caso contrário a efi-
cácia pode ficar comprometida (se acontecer
Os obstáculos mais freqüentemente iden- não deve ser contada como dose válida).
tificados no nosso meio para imunizar as pes- • O número de doses necessárias para cada va-
soas são8: cina induzir imunidade também é definido
• E�cesso de contra-indicações (falsas con- por estudos soro-epidemiológicos. A regra
tra-indicações): presença de quadros be- geral é que as vacinas de vírus vivo atenuado
305
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
produzem imunidade por longo tempo com cer a vacinação, tanto na rotina como por meio
uma única dose. de estratégias diferenciadas – campanhas, blo-
• As vacinas inativadas, em geral, requerem queios, busca ativa, vacinação de grupos de ris-
múltiplas doses e reforços para manter a imu- co, etc, da população de sua área de abrangência,
nidade. Para as vacinas inativadas, o título tendo sempre em mente a proteção individual e
dos anticorpos pode decrescer abaixo do ní- o alcance de coberturas vacinais elevadas e ho-
vel protetor em poucos anos. Esse fenômeno mogêneas em todas as localidades.
é mais observado na vacina contra tétano e
contra a difteria, havendo necessidade de re-
forços periódicos. Nem todas as vacinas ina- Caso Clínico
tivadas requerem reforços durante a vida. A
vacina anti-Haemophillus influenzae b, por Jailson tem seis meses de idade, 1º filho, saudá-
exemplo, não implica em reforços a partir dos vel, peso e desenvolvimento psicomotor compatível com
5 anos de idade, pois a doença é muito rara o esperado para a idade. Aleitamento materno exclusi-
acima desta faixa etária19. vo. Nunca teve doenças. Sua situação vacinal é a se-
guinte: BCG, VCHepB1, VOP 1e2 e Tetra1e2. Estas
Por outro lado, é importante considerar últimas (VOP2 e Tetra2) tomadas aos quatro meses.
que atualmente as doenças preveníveis por va- Reflexões:
cinas estão sob controle no Brasil, com a polio- a) Jailson está com a vacinação em dia?
mielite erradicada, sendo o último caso notifi- b) Quais as vacinas que não foram aplica-
cado em 1999. Desde o ano 2000 não ocorrem das na idade correta?
casos autóctones de sarampo no País, estando, c) Quais as vacinas que Jailson precisa to-
portanto a doença, na consolidação do processo mar hoje?
de sua erradicação, graças ao Plano de Erradica- d)Para quando deverá ser aprazada a
ção do Sarampo e Eliminação da Rubéola, estan- VcHepB3?
do, portanto, esta última controlada, com redu-
ção do número de casos da doença na sua forma Se você conhece bem o calendário vacinal
adquirida e da síndrome da rubéola congênita. deve ter respondido “não” à primeira questão e
Difteria, meningite por Haemophilus influenzae b, sabe que não foram aplicadas na idade definida
meningite tuberculosa, tétano acidental, tétano a VcHepB2 que seria aos 30 dias e a VORH1 aos
neonatal e demais doenças preveníveis por vaci- dois e a VORH2 aos quatro meses. Hoje, ele pre-
na estão sob controle no país. cisa receber VOP3, Tetra3, VcHepB2. A VORH
No entanto, nos últimos anos, observa-se não poderá ser administrada, porque a idade li-
uma tendência nacional acentuada e progressiva mite para a 2ª dose da VORH é cinco meses e
de redução dos percentuais de coberturas vaci- meio. Já a VcHepB3 requer um intervalo de dois
nais, que ameaça concretamente o estado de er- meses da segunda para a terceira dose.
radicação da poliomielite, a consolidação do pro-
cesso de erradicação do sarampo e o controle das Comentários:
demais doenças imunopreveníveis, sinalizando O profissional da sala de vacina deve-
falta de priorização das ações de imunizações em rá analisar atentamente a caderneta da criança
grande número de municípios. (situação vacinal) para evitar as oportunidades
A equipe de Saúde da Família tem, por- perdidas de vacinação como aconteceu no caso
tanto, no cumprimento de suas atribuições, a relatado; esclarecer a mãe sobre as vacinas apli-
responsabilidade fundamental de fazer aconte- cadas, contra quais doenças elas previnem, in-
306
Capítulo 27 • Vacinação – uma medida de proteção
formar sobre as possíveis “reações”; retornar se rias. Nas áreas com elevada prevalência de infec-
necessário; aprazar (à lápis) as próximas vacinas, ção pelo vírus da imunodeficiência humana vem
informando as respectivas datas. Orientar a mãe ocorrendo aumento do número de casos e óbitos
sobre as vacinas que ela própria precisa tomar. por tuberculose26, 14, 41.
No Brasil, a vacina BCG é indicada para
Vacinas que compõem o calendário – crianças com menos de cinco anos de idade. A re-
Programa Nacional de Imunização (PNI): comendação do PNI é de que seja administrada
precocemente, de preferência a recém-nascidos
(Quadro 1), sempre que possível na maternidade,
Vacina contra Hepatite B desde que tenham peso igual ou superior a 2Kg14.
Durante alguns anos o PNI passou a reco-
A prevalência de hepatite B tem sido re- mendar uma segunda dose da vacina BCG na ida-
duzida em países onde a vacinação foi implan- de escolar. Entretanto, em junho de 2006, o PNI
tada, porém permanece alta em populações de enviou nota técnica para todas as Unidades Fede-
risco e em países onde a transmissão vertical e radas, orientando a suspensão da segunda dose. A
horizontal intradomiciliar não é controlada31,40. decisão foi fundamentada em resultados de estu-
No Brasil, a vacina contra Hepatite B dos científicos, realizados inclusive no Brasil, para
está incluída no esquema de vacinação de roti- avaliar o efeito da segunda dose da vacina BCG em
na para toda a população até 19 anos de idade14 crianças em idade escolar. Os estudos apontaram
(Quadros 1 e 3). baixa proteção em adolescentes e adultos jovens5,25.
As vacinas contra hepatite B disponíveis
no Brasil são as produzidas por engenharia ge-
nética. Essas vacinas induzem resposta satisfa- Vacina contra Poliomielite
tória, aplicadas em qualquer idade, inclusive em
recém-nascidos, logo após o nascimento14,22. Po- No Brasil utiliza-se a vacina anti-polio
rém, para manter títulos de anticorpos elevados oral trivalente, de vírus vivos atenuados26,14.
são necessárias 3 doses (0, 30 e 180 dias)14. A vacina anti-polio oral induz imunidade
Vários estudos mostraram que a aplicação celular, imunidade local (IgA secretora) e imu-
isolada da vacina contra Hepatite B em recém-nas- nidade sérica (IgM e IgG). À semelhança do que
cidos de mães AgHBs e AgHBe positivos, até 12 ocorre com a infecção natural, a imunidade in-
horas de vida, previne entre 80% e 95% a infecção duzida pela vacina é permanente40.
perinatal. Ao associar a imunoglobulina à vacina, O PNI prevê o emprego da vacina anti-
na situação acima descrita, a proteção aumenta para polio oral (Sabin) no segundo, quarto e sexto
até 98%. Essa informação é de grande importância, mês de vida. Dois reforços são obrigatórios: o
e justifica plenamente o empenho para que todas as primeiro um ano após a terceira dose e o segun-
maternidades se organizem para oferecer a primei- do entre quatro a seis anos de idade (Quadro 1).
ra dose desta vacina o mais precoce possível22.
307
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
intervalos de oito semanas, a partir da oitava se- A vacina de células inteiras, de uso rotinei-
mana de vida14. ro no Brasil, é constituída de uma suspensão da
• Vacina contra difteria: A resposta imunoló- Bordetella pertussis inativada pela formalina41.
gica ao toxóide diftérico é satisfatória desde o De acordo com estudos científicos sobre a
nascimento, mesmo em presença de anticor- vacina anti-pertussis de células inteiras, a idade
pos específicos (antitoxinas) transferidos por mínima para se iniciar a vacinação é a sexta sema-
via transplacentária19. Esta vacina é comumen- na de vida, sendo necessárias três a quatro doses
te administrada na forma combinada, com a para a proteção32. O intervalo preconizado entre
vacina anti-pertussis, anti-tetânica e anti Hae- as doses, para se obter resposta imunológica sa-
mophilus influenzae b (DPTHib). A aplicação tisfatória, é de quatro a oito semanas (Quadro 1).
da primeira dose é realizada somente após a Vários autores referem acreditar que a proteção
sexta semana de vida, para a obtenção de me- conferida por essa vacina vai decrescendo com o
lhor resposta ao componente Pertussis. tempo, mas a taxa de redução não está estabeleci-
da. Alguns estudos demonstram uma eficácia de
Para que a imunidade antidiftérica seja 80% três anos depois da última dose, 50% quatro
satisfatória é necessária a aplicação de três a sete anos após a última dose, e praticamente
doses com intervalo de quatro a oito semanas nenhuma proteção após 12 anos15,17.
(Quadro 1). É de fundamental importância que São recomendados dois reforços do com-
essas doses sejam aplicadas durante o primeiro ponente Pertussis, que acompanham o crono-
ano de vida14. grama da vacina tríplice bacteriana (Quadro 1).
Os reforços são realizados com a vacina A vacina contra a coqueluche, de células in-
tríplice bacteriana (DPT), sendo o primeiro de- teiras, está contra indicada a partir dos sete anos
les um ano após a ultima dose e o segundo aos de idade em virtude de reações adversas. Por essa
quatro anos (Quadro 1). razão o PNI recomenda a aplicação da vacina du-
Devido à redução dos títulos de anti-to- pla (contra difteria e tétano) para população com
xina, a maioria dos indivíduos tem nível abaixo mais de sete anos de idade14.
do ótimo após dez anos da última dose. Por essa Nos países desenvolvidos, a vacina DPT
razão é recomendada uma dose de reforço a cada de células inteiras foi substituída pela DPaT
dez anos, e esses reforços são realizados com a (componente pertussis acelular)15. Esta última
vacina dT (dupla tipo adulto)15,16. contém apenas os componentes da Bordetella
pertussis relevantes para a indução de proteção,
• Vacina contra tétano: O tétano é doença de resultando em elevada eficácia e em menor fre-
alta letalidade, e que dispõe de uma vacina qüência de eventos adversos.
(toxóide tetânico) de elevada eficácia e de bai-
xo custo. No calendário oficial de imunização • Vacina contra Haemophilus influenzae b
no primeiro ano de vida, a vacina antitetânica (Hib): No Brasil, destaca-se que antes da in-
segue o esquema da vacina tetravalente bacte- trodução da vacina contra Hib, este agente
riana (Quadro 1). Na seqüência, a imunização ocupava o segundo lugar dentre as meningites
contra o tétano segue o esquema preconizado bacterianas especificadas. Hoje, os dados dis-
contra a difteria8,13,17. poníveis apontam para um impacto altamente
• Vacina contra conqueluche: Atualmente positivo dessa vacina, com uma redução de 95%
existem no mercado basicamente dois tipos na incidência de meningites por Haemophilus
de vacina contra a coqueluche: a vacina de cé- influenzae b em menores de 5 anos, quando
lulas inteiras e a vacina pertussis acelular32. comparados os anos de 1998 e 200031, 36, 37.
308
Capítulo 27 • Vacinação – uma medida de proteção
A vacina contra Haemophilus influenzae b é vacina tríplice viral entre 4 e 6 anos de idade19,14
produzida a partir do componente polissacáride da (Quadro 1).
cápsula da bactéria, conjugado a uma proteína car-
readora6, 37. Esta vacina é preconizada para crianças • Vacina contra caxumba: A vacina contra
menores de 5 anos de idade, por constituir-se o grupo caxumba, também composta de vírus vivo
de maior risco, como mencionado anteriormente. atenuado, é recomendada para crianças com
O calendário oficial para a criança brasi- um ano de idade ou mais (Quadro 1). A pre-
leira inclui três doses da vacina anti Haemophi- sença, no sangue do lactente, de anticorpos
lus influenzae b durante o primeiro ano (contida específicos transferidos da mãe para o feto
na vacina tetravalente bacteriana)6, com inter- durante a gravidez pode neutralizar o efeito
valos de oito semanas, a partir da oitava sema- imunizante da vacina14.
na de vida (Quadro 1)14. Se a criança perdeu a
oportunidade de receber essa vacina no referido O PNI recomenda a segunda dose da vaci-
período, a recomendação é que uma única dose na contra caxumba (tríplice viral entre 4 e 6 anos
é suficiente para induzir imunidade a partir dos de idade)14. (Quadro 1).
12 meses19.
• Vacina contra rubéola: A vacina contra a ru-
Vacina Tríplice Viral (contra Sarampo, Caxumba e béola também é preparada a partir de vírus
Rubéola) vivo atenuado e proporciona a formação de
anticorpos em 95% dos indivíduos vacina-
• Vacina contra sarampo: Na imunização dos9. Esta vacina é recomendada para a fai-
contra o sarampo, emprega-se atualmente no xa etária maior de 12 meses (Quadro 1). Em
Brasil e na maioria dos países, a vacina consti- crianças com menos de um ano os anticorpos
tuída por vírus vivo atenuado, na formulação específicos transferidos da mãe para o feto,
associada ao vírus da caxumba e da rubéola. via transplacentária, podem neutralizar o
efeito da vacina. O PNI recomenda a segunda
Vários estudos mostram uma baixa res- dose da vacina contra rubéola (tríplice viral
posta imunológica à vacina contra sarampo em entre 4 e 6 anos de idade)14. (Quadro 1).
crianças com idade inferior a 12 meses17,24. Isto
acontece porque nos primeiros meses de vida há A rubéola foi introduzida na lista de doen-
interferência dos anticorpos maternos, passados ças de notificação compulsória no Brasil somen-
via trans-placentária, na resposta à vacina10. te na segunda metade da década de 90. Os dados
Em 2001 o Brasil alcançou a eliminação da epidemiológicos têm demonstrado importante
circulação do vírus autóctone do sarampo. Esse decréscimo no número de ocorrência da doença
resultado é atribuído à adoção da estratégia de após a introdução da vacina no PNI.
eliminação da doença na região das Américas, Deve-se destacar a importância no con-
que prevê as seguintes ações: atingir coberturas trole da rubéola com a realização de uma
vacinais de rotina acima de 95% em crianças de campanha de vacinação em massa dirigida às
1 ano; realizar uma campanha de vacinação in- mulheres em idade fértil em todo o país e a in-
discriminada para os menores de 5 anos e repe- trodução da vacina dupla ou tríplice viral no
tir essa campanha a cada 5 anos ou menos, a de- calendário básico de imunização, processo ini-
pender da situação epidemiológica, de maneira ciado em 199214.
a impedir o acúmulo de suscetíveis14. Em 2004,
o PNI passou a recomendar a segunda dose da
309
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
310
Capítulo 27 • Vacinação – uma medida de proteção
311
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
e pós exposição à agentes infecciosos e aos que, esfera sexual e experimentação de drogas.
por outros motivos clínicos não podem receber Essa é também uma das razões pelas quais
produtos disponíveis na rede básica, como por o adolescente não costuma freqüentar os serviços
exemplo a vacina contra raiva obtida de células de saúde. Levar a carteira de vacina é mais raro
diplóides humanas43. ainda. Nem ele nem a mãe sabem onde a carteira
de saúde se encontra, e quando ela existe está tão
deteriorada que mal se enxerga as anotações.
Importância das vacinas combinadas Por outro lado, os profissionais de saúde
estão habituados a solicitar a carteira de vacina e
As vacinas combinadas representam gran- fazer orientação sobre o assunto somente para as
de avanço e têm excelente aceitação. São inúme- crianças menores de 5 anos.
ras as suas vantagens: administração facilitada Culturalmente, os pais estão sensibilizados
necessitando menos sessões, melhorando as taxas a levar somente as crianças menores de 5 anos para
de cobertura vacinal, principalmente em regiões vacinar. O setor público vinha também negligen-
nas quais a população tem dificuldade de acesso ciando o adolescente nas campanhas de vacinação
aos serviços de saúde. Representam menor espa- em massa, bem como na rotina dos programas1,7.
ço para armazenamento, redução do número de Todos esses fatores contribuem para que a
injeções, menor probabilidade de erros durante cobertura vacinal desse grupo seja desconheci-
a aplicação, maior agilidade do serviço e menor da, e supostamente baixa21,28,.34.
sofrimento para a criança e para a família19,39.
Apesar de todas essas vantagens, o preço
muitas vezes é fator limitante para a sua dispo- Dificuldades freqüentes na vacinação do
nibilização de forma gratuita nos serviços públi- adolescente
cos de saúde.
Várias possibilidades de combinações de O Calendário de Vacinação do adolescente
vacinas estão sendo estudadas. Uma das últimas (PNI) é apresentado no Quadro 3.
vacinas combinadas licenciada nos EUA foi a Freqüentemente observa-se grande difi-
vacina tetravalente viral: contra caxumba, sa- culdade em se obter a informação correta sobre
rampo, rubéola e varicela35,39. o estado vacinal do adolescente. Algumas orien-
tações frente a algumas dessas situações são
abordadas na seqüência.
Vacinação de Adolescentes
• O desconhecimento da situação vacinal pré-
O adolescente é considerado por alguns via: Nesse caso, na maioria das vezes a informa-
autores o grupo etário mais difícil de ser sensibi- ção verbal é duvidosa, e a melhor opção nesse
lizado a respeito da importância da vacinação12,13. momento é aplicar as vacinas preconizadas (essa
Por essa razão merece uma abordagem diferen- norma vale também para outras faixas etárias).
ciada. Uma das razões da dificuldade de vacinar Diante dessa situação a norma geral é de
o adolescente deve-se à sensação de invulnerabi- que não há necessidade de realização de testes pré-
lidade e imortalidade e dificuldade de compreen- vacinação1,7. É importante ressaltar que o fato do
der as conseqüências desse comportamento para adolescente apresentar imunidade prévia (ou pela
o seu futuro. Isso, muitas vezes, é conseqüência vacina ou pela doença) não representa risco ao re-
da influência negativa ao seu redor, da propen- ceber a vacina específica. O único inconveniente é
são a ser incentivado a correr riscos, incluindo a desperdiçar a dose aplicada. Vale lembrar que além
312
Capítulo 27 • Vacinação – uma medida de proteção
de desnecessária a realização prévia dos testes, sua Por todas as peculiaridades já mencionadas,
realização representará um custo adicional muitas as estratégias de vacinação do adolescente devem
vezes superior ao da própria vacina1,21. incluir: o trabalho educativo na escola para moti-
var os adolescentes; a integração entre a escola e
• O esquema básico de vacinação inter- a Unidade de Saúde de referência propiciando a
rompido: Nesse caso não há necessidade aplicação de vacinas na própria escola; por ocasião
de reiniciar o esquema, e sim, dar a con- das consultas médicas, ou para orientação do uso
tinuidade na seqüência com o objetivo de de anticoncepcional, não perder a oportunidade
completá-lo (essa norma vale também para para a abordagem e o encaminhamento do adoles-
outras faixas etárias)12,14. cente para a sala de vacinação16; mobilizar a im-
prensa e os veículos de comunicação em geral para
Ressaltamos que, a partir dos sete anos de divulgação de informações esclarecedoras para a
idade não é recomendada a aplicação da vacina população como um todo sobre a necessidade de
tríplice (DPT)33. A mesma deve ser substituída incluir o adolescente nos programas de vacinação.
pela dT (dupla tipo adulto)16 ou pela vacina trí- Não devemos esquecer dos adolescen-
plice acelular (dpaT)15. tes de rua e daqueles que por alguma razão
não estão na escola. Essas crianças, com ele-
• Necessidade do consentimento dos pais: vada freqüência, encontram-se incluídas em
Alguns serviços de saúde deixam de atender o grupos de risco, por estarem ociosas, nas ruas
adolescente porque o mesmo não está acompa- das cidades. Grande parte desse grupo tem di-
nhado dos pais ou responsáveis, e muitas vezes ficuldade de acesso aos serviços de saúde1,13.
perdem a oportunidade de ajudá-lo em situação
de risco importante. O atendimento do adoles- • Vacinação da Adolescente Grávida: A gravi-
cente deve ser considerado como oportunidade dez na adolescência representa um importan-
ímpar para a adoção de medidas de prevenção te e crescente problema de saúde pública. Por
e detecção dos mais diferentes agravos. isso é fundamental incluir esse grupo dentro
de um enfoque especial em relação à imuniza-
Com relação às vacinas para o adolescen- ção20. A adolescente grávida deve ser vacinada
te, o Centro de Vigilância Epidemiológica e a com toxóides (difteria e tétano), e vacinas ina-
Comissão Permanente de Assessoramento em tivadas. A gestante não pode receber vacinas
Imunizações da Secretaria de Estado da Saúde de vírus vivo, uma vez que há possiblidade de
de São Paulo recomendam16: causar danos ao feto. O esquema de vacinação
da gestante está apresentado no Quadro 4.
- O adolescente, desde que identificado como
capaz de se responsabilizar pela sua saúde e
cuidados com seu corpo, tem o direito de Qualidade do Imunobiológico
ser vacinado com os produtos próprios para
a idade, não se exigindo a presença e/ou au- No Ceará, desde 1987, todos os equipa-
torização dos pais ou responsáveis; mentos onde são armazenados os imunobiológi-
- Em situações consideradas de risco (por cos o são de uso exclusivo. Esses refrigeradores
exemplo, mordeduras de animais, ferimen- passaram a dispor de termômetros para facilitar
tos graves) procede-se a vacinação e ime- a avaliação e a regulação da temperatura no seu
diatamente providenciar a comunicação e interior. Essa foi uma decisão embasada na ne-
presença de pais e/ou responsáveis16. cessidade de manter a conservação das vacinas,
313
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
no nível local, entre dois a oito graus centígrados de fato cumpre o objetivo de controlar, eliminar
e, assim, assegurar qualidade, eficácia da respos- ou erradicar doenças. Mesmo contemplando as
ta imunológica nos indivíduos que as recebe. diferenças regionais, eles devem reunir algumas
Outras medidas adotadas para conservar características em comum8,19.
a eficácia dos produtos têm sido: organização • Ser eficaz, quer dizer, que realmente proteja
das “vacinas do dia” em isopor com tempera- contra as doenças às quais se propõe.
tura controlada, impedindo a freqüente aber- • Ser sensível: simplificando ao má�imo as do-
tura da geladeira, o que induziria aumento da ses e as visitas necessárias aos serviços, com
temperatura interior; cumprimento nos prazos recomendações claras e concisas.
de validade, inclusive quanto ao período de uso • Ser amplamente aceito pelos profissionais de
após abertura dos frascos. Nesse caso observar saúde e pela sociedade.
as seguintes recomendações28: descartar, 24 ho- • Ser adaptado às necessidades da população e
ras após abertura, os frascos que não contenham suas características epidemiológicas, demo-
agentes bacteriostáticos (os que contêm esses gráficas e sócio-econômicas.
agentes podem ser usados até o prazo de vali- • Ser unificado na área geográfica no qual se aplica.
dade registrado, desde que se utilizem agulhas • Ser atualizado permanentemente com base
estéreis na sua manipulação); descartar oito ho- no desenvolvimento de novas vacinas, apare-
ras após reconstituição a vacina tríplice viral, cimento de novas doenças, recrudescimento
30 minutos a vacina contra varicela e 24 horas ou desaparecimento de outras já existentes19.
após reconstituição, a vacina tetravalente (DTP
– Hib). As medidas para o descarte dos produtos O Brasil tem um programa de vacinação que
também devem ser observadas quando ocorrem tem grandes méritos, entretanto há o que melhorar,
acidentes que alterem a temperatura para me- principalmente em relação às coberturas vacinais de
nos de zero ou para mais de 15 graus no interior varias regiões do país. Só conseguiremos avançar se
dos equipamentos. Quando essa alteração for somarmos os esforços das entidades governamen-
superior a um período de 48 horas é importan- tais, dos profissionais da área da saúde, da mídia, das
te considerar a quantidade de imunobiológicos lideranças comunitárias e da população em geral.
armazenados para tomar uma decisão eficiente.
Se o número de vacinas for pequeno, elas devem
ser descartadas. Porém se for uma quantidade Mobilização e Participação Social pela
grande, deve-se proceder análise da potência dos Vacinação Universal
produtos para decidir sobre sua inutilização28.
Neste caso deve ser contada a coordenação mu- As metas de coberturas vacinais não têm
nicipal ou estadual de vacinação para as orienta- sido alcançadas em algumas localidades bra-
ções apropriadas ao descarte dos produtos. sileiras, seja por difícil acesso seja pela crença
Além dessas medidas de caráter organiza- que as doenças imunopreveníveis já estão sob
tivo, também se impõem aquelas de qualidade na controle. Mesmo em alguns grandes municípios
habilidade profissional no momento do preparo é possível detectar um certo desinteresse pela
e da administração do produto e na observação vacinação que já foi “paixão” de muitos como
da necessidade do indivíduo que o receberá, in- disse Reinaldo Martins no livro dos 30 anos do
cluindo avaliação do seu estado de saúde. PNI, 2003 “A vida e a história nos ensinam que o
Calendário vacinal ideal que se levam décadas (ou séculos) para construir
pode ser destruído num dia”20.
O calendário vacinal ideal é aquele que Por isso, é preciso que não deixemos apagar
314
Capítulo 27 • Vacinação – uma medida de proteção
essa chama do compromisso, do crédito à vacina- de saúde, valorizando o beneficio da vacina na pre-
ção. Logo, além do conhecimento técnico apri- venção de doenças, utilizando formas de comuni-
morado, da indicação de cada profissional para cação mais locais respeitando as características das
vacinar crianças, adolescentes, adultos e idosos é populações. É preciso compreender que as mudan-
preciso que a população seja mobilizada, seja in- ças na rotina da vacinação são baseadas na situação
formada e esclarecida para uma participação cons- epidemiológica, na oferta dos imunobiológicos e na
ciente em busca da proteção à saúde das pessoas. capacidade de agir de cada País, de cada pessoa.
É preciso honrar a referência do ex Ministro O programa de vacinação do Brasil tem
da Saúde Waldyr Arcoverde, o PNI é a expressão grandes méritos, embora haja ainda o que me-
maior da utilização dos meios de comunicação, como lhorar, principalmente em relação às cobertu-
veículos para o despertar de uma nova consciência ras vacinais em municípios de várias regiões do
sobre a saúde e a qualidade de vida das pessoas20. país. Só conseguiremos avançar se somarmos os
Porém, além da mídia de massa, é importan- esforços das entidades governamentais, dos pro-
te uma ação multisetorial saúde, trabalho, educação fissionais da área da saúde, da mídia, das lide-
e multidisciplinar nas ESF e apoio dos conselhos ranças comunitárias e da população em geral.
315
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Dose 1ª dose 2ª dose DF), área de transição (alguns municípios dos estados: PI, BA,
MG, SP, PR, SC e RS) e área de risco potencial (alguns muni-
Preconizado 2 meses 4 meses cípios dos estados: BA, ES e MG. Em viagem para essas áreas,
Limites Mínimo e máximo vacinar 10 (dez) dias antes da viagem.
(4)
Adolescente que tiver duas doses da vacina Tríplice Viral
Dose 1ª dose 2ª dose (SCR) devidamente comprovada no cartão de vacinação, não
Semanas 6 - 14 14 - 24 precisa receber esta dose.
(5)
Adolescente grávida, que esteja com a vacina em dia, mas re-
1M 1/2 - 3M e 3M e 7 dias - 5M cebeu sua última dose há mais de 5 (cinco) anos, precisa receber
Meses
7dias 1/2 uma dose de reforço. Em caso de ferimentos graves, a dose de
reforço deve ser antecipada para cinco anos após a última dose.
Quadro 2. Esquema de vacinação contra Rotavirus preconizado no
Brasil(PNI/SVS/MS)17. Quadro 3. Calendário Básico de Vacinação do adolescente17.
316
Capítulo 27 • Vacinação – uma medida de proteção
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318
Capítulo 28
Conduta para a proteção dos identifica-se o bacilo de Koch nas secreções das
contatos com doenças vias respiratórias5.
Uma das mais importantes formas de im-
transmissíveis
pedir a transmissão da doença é tratar o pacien-
eliane cesário MaluF te bacilífero. Com o tratamento antimicrobiano
Jocileide sales caMPos
eficaz o doente deixa de ser bacilífero num curto
espaço de tempo, em geral 15 dias após o início
da terapêutica.
Apresentaremos a seguir a conduta a ser
Introdução adotada em relação aos contatos de pacientes
com tuberculose (bacilífero), em diferentes cir-
319
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Coqueluche
Indicações de quimioprofilaxia
Doença altamente transmissível na fase
catarral, antes mesmo da tosse paroxística; após • Comunicantes íntimos menores de 1 ano, in-
a terceira semana de evolução, a transmissão é dependente da situação vacinal e de apresen-
quase nula. A transmissão se dá através do con- tar quadro de tosse.
tato direto com secreções das mucosas respirató- • Comunicantes íntimos menores de 7 anos
rias de pessoas infectadas. não vacinados, com situação vacinal desco-
É de extrema importância a avaliação da nhecida ou que tenham tomado menos de 4
situação vacinal dos contatos9,10: doses da vacina DTP ou DTPa.
• Contatos menores de sete anos: • Comunicantes adultos que trabalham em
- Com a vacinação completa: se a última profissões que envolvem o contato direto e
dose foi há mais de 3 anos, aplicar um re- freqüente com menores de 1 ano ou imuno-
forço da DPT. deprimidos.
- Com a vacinação incompleta: comple- • Comunicantes adultos que residam com me-
tar o esquema básico. Para os menores de nores de 1 ano.
um ano, indica-se a vacina tetravalente • Comunicantes íntimos de pacientes imuno-
(DTP+Hib) deprimidos.
• Contatos maiores de sete anos: A vacina trí-
plice não é mais recomendada a partir de sete
anos de idade. Difteria
320
Capítulo 28 • Conduta para a proteção dos contatos com doenças transmissíveis
321
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
efeito protetor absoluto e prolongado, tem sido • Para as fai�as etárias menores, nas quais se
adotada como eficaz medida na prevenção de ca- inclui o grupo mais suscetível às meningites,
sos secundários, devendo ser administrada em a eficácia das vacinas polissacarídicas é mui-
dose adequada e simultaneamente a todos os to reduzida, e a duração da imunidade é de
contatos íntimos, no prazo de 48 horas da expo- aproximadamente dois anos.
sição à fonte de infecção5. Agente
Dose Intervalo Duração
Os contatos íntimos de um paciente com etiológico
322
Capítulo 28 • Conduta para a proteção dos contatos com doenças transmissíveis
323
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
contra nas fezes dos indivíduos infectados e sua meiras doze horas de vida e completar o es-
concentração chega ao máximo 1 a 2 semanas quema de vacinação aos 2 e 6 meses, além
antes de iniciarem os sintomas e diminuem ra- de receber imunoglobulina 0,5ml, IM, tam-
pidamente após o surgimento da disfunção he- bém nas primeiras 12 horas de vida11.
pática ou das manifestações clínicas12. – Recém-nato de mãe HBs Ag negativo deve
receber as doses preconizadas da vacina (0,
um e 6 meses de vida)11.
Proteção individual e coletiva
Como a maioria dos serviços de pré-natal
Em situações de surtos de hepatite A, que em nosso meio não faz de rotina a investigação
são de transmissão fecal-oral, logo no primeiro sorológica para hepatite B, o ideal é que a vaci-
caso é importante avisar os familiares e a comuni- na contra a hepatite B seja aplicada na mater-
dade, visando cuidados com a água de consumo, nidade, nas primeiras horas de vida da criança.
manipulação de alimentos e vetores mecânicos11. A literatura demonstra que mesmo usando so-
• Comunicantes: é recomendado o isolamen- mente a vacina o índice de proteção é elevado
to/afastamento do paciente de suas atividades (em torno de 90%), em casos de mãe HBs Ag
normais (principalmente se forem crianças positivo (em situações onde a imunoglobulina
que freqüentam creches, (pré-escolas ou es- não é disponível)11.
cola) durante as primeiras duas semanas da Os parceiros sexuais e comunicantes
doença, e não mais que um mês após início domiciliares susceptíveis devem ser investiga-
da icterícia. Esta situação deve ser reavaliada dos, através de marcadores sorológicos para o
e prolongada em surtos em instituições que vírus da hepatite B, e vacinados contra a he-
abriguem crianças sem o controle esfincteria- patite B, se indicado. Iniciar imediatamente o
no (uso de fraldas), onde a exposição entérica esquema de vacinação contra a hepatite B nos
é maior. Nestes casos de hepatite também se não vacinados ou completar esquema dos que
faz necessária a disposição adequada de fezes, não completaram (não aguardar o resultado
urina e sangue, com os devidos cuidados de dos marcadores sorológicos). Indica-se utili-
desinfecção e máxima higiene. Várias expe- zar preservativo de látex (camisinha) nas rela-
riências com resultados positivos têm sido ções sexuais7.
publicadas sobre a eficácia da vacinação de
bloqueio (utilizando a vacina de vírus A ina- • Aleitamento materno: o HBsAg pode ser
tivado) nestas situações3,4. encontrado no leite materno de mães HBsAg
positivas; no entanto, a amamentação não traz
riscos adicionais para os seus recém-nascidos,
Hepatite B desde que tenham recebido a primeira dose
da vacina e imunoglobulina nas primeiras 12
A hepatite B pode ser transmitida através horas de vida11.
do sangue e hemoderivados, do sêmen e secreção
vaginal. É considerada uma doença grave que Os Quadros 4 e 5 mostram algumas indi-
pode se tornar crônica, evoluindo para cirrose cações da profilaxia da hepatite B.
ou câncer hepático. A imunoglobulina humana anti-hepati-
• Conduta frente aos contatos: te tipo B (IgHAHB) é indicada para pessoas
– Recém-nato de mãe HBs Ag positivo deve não vacinadas após exposição ao vírus da he-
receber a primeira dose da vacina nas pri- patite B.
324
Capítulo 28 • Conduta para a proteção dos contatos com doenças transmissíveis
325
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
a todas as parturientes desde o início do trabalho de fatores de risco implicados, especialmente aque-
parto, e mantida até a ligadura do cordão umbilical. les relacionados ao ambiente social13.
A zidovudina solução oral (xarope) deverá ser ad- A via de eliminação dos bacilos é a via aérea
ministrada para todos os recém-nascidos expostos superior sendo o trato respiratório a mais provável
ao HIV, durante 6 semanas (42 dias), devendo ter via de entrada do Mycobacterium leprae no organis-
início até oito horas de vida. As crianças cujas mães mo. Não se pode deixar de mencionar a possibili-
não receberam o AZT intravenoso deverão receber dade de penetração do bacilo pela pele com solução
o AZT oral nas duas primeiras horas de vida. Os de continuidade. Devido ao longo período de incu-
ARV vêm sendo disponibilizados, gratuitamente, bação (2 a 7 anos) a Hanseníase é menos freqüente
na rede pública de saúde desde 199411. na infância. Contudo, em áreas de alta prevalência,
a exposição precoce em focos domiciliares aumen-
ta a incidência de casos nessa faixa etária11.
Assistência médica às gestantes/parturientes e
puérperas e à criança verticalmente exposta ao HIV
Conduta frente aos contatos8
A primeira ação diz respeito ao oferecimento
no pré-natal do teste anti-HIV, com aconselhamento É considerado contato toda e qualquer
pré e pós-teste para todas as gestantes10; para as par- pessoa que resida ou tenha residido com o doen-
turientes, no momento do parto e para as nutrizes, te nos últimos 5 anos.
quando for o caso. As mulheres portadoras do HIV Deve-se fazer o exame de todos os contatos.
devem ser aconselhadas a não amamentar. E a lacta- Afastado o diagnóstico de Hanseníase o contato é li-
ção deve ser inibida nas puérperas comprovadamen- berado. O contato deve receber 2 doses de BCG com
te HIV+. A fórmula infantil deverá ser instituída intervalo de 6 meses entre as doses. Quando existe a
para todos os recém-nascidos expostos ao HIV. cicatriz da BCG, esta é considerada como primeira
É importante lembrar que a transmissão dose, independente da data que foi aplicada. Na dú-
perinatal é a principal fonte de infecção pelo HIV vida aplicar as duas doses recomendadas5.
na população infantil. Estima-se que 20 a 40% das Uma vez identificados, os contatos do
crianças nascidas de mães HIV positivas tornam- portador de hanseníase devem ser submetidos
se infectadas na gestação, durante o trabalho de ao exame dermatoneurológico e se o diagnóstico
parto, no parto ou através da amamentação. de hanseníase for confirmado devem receber o
Vários estudos têm demonstrado uma re- tratamento específico6.
dução na taxa de transmissão vertical em torno
de 70% com o uso de AZT na gestação, parto e
no recém-nato13. Dengue
326
Capítulo 28 • Conduta para a proteção dos contatos com doenças transmissíveis
Tétano
A raiva humana ainda ocorre em algu-
mas regiões do país, sendo doença de altíssima
Profilaxia do tétano pós-exposição gravidade e letalidade.
Por essa razão incluímos neste capitulo a
É importante lembrar que atualmente é indicação da aplicação de vacina e/ou imunoglo-
mais freqüente a ocorrência de tétano acidental bulina pós-exposição (quadro 7)8,11.
327
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Exposição Grave: Aplicar uma dose de vacina nos dia 0, 2 Iniciar o tratamento com soro e uma
• Mordedura na cabeça, pescoço e e 4, observar o animal até o 10º dia após dose diária de vacina até completar
mãos; a agressão. Permanecendo sadio, encer- 10 doses e mais três reforços, sendo o
• Mordedura múltipla e/ou profunda ra o caso. Se o animal adoecer, desapa- primeiro no 10º dia, o segundo no 20º
em qualquer região do corpo; recer, morrer ou for sacrificado durante dia e o terceiro no 30º dia após a última
• Arranhadura profunda provocada o período de observação, aplicar soro e dose da série. Em caso de agressão por
por gato; completar a vacinação para 10 deses e cão ou gato, se o animal estiver vivo e
• Lambedura de mucosas. mais 03 reforços, sendo o primeiro no sadio no 5º dia da vacina, suspender o
10º dia, o segundo no 20º dia e o tercei- tratamento e observá-lo até o 10º. Per-
ro no 30º dia após a última dose. manecendo sadio, encerrar o caso. Se
o animal adoecer, desaparecer, morrer
ou for sacrificado durante o período de
observação, completar o tratamento.
Quadro 07. Imunização contra Raiva pós-exposição - (fonte Ref. 7)
Considerações Finais
328
Capítulo 29
Infecções das vias aéreas grande atenção médica. Na sua maioria, estes
superiores episódios são infecções virais simples, auto-li-
mitadas e que podem se curar espontaneamente
verônica said de castro
necessitando apenas de cuidados domiciliares.
Um problema que nos defrontamos no dia
a dia, em relação às IVAS é o excessivo uso de
antibiótico nestas infecções, quando as evidên-
cias científicas nos mostram que na sua maioria
elas são de etiologia viral. Mesmo nos países de-
Introdução senvolvidos o quadro não é diferente. Mais de
60% das crianças que chegam a um serviço de
329
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
a aproximadamente 60% dos casos de IRA aten- O grau da febre, porém, isoladamente não
didos nos ambulatórios das unidades básicas. Os é sinônimo de infecção bacteriana, e sim da in-
principais vírus que podem causar estas infec- tensidade da resposta imune do indivíduo, pela
ções são: vírus sincicial respiratório, rinovírus, presença de um processo infeccioso viral ou
coxackievírus, echovírus, adenovírus, corona- bacteriano.
vírus, vírus Epstein-Barr. Dentre as bactérias o Nas IVAS, as complicações mais comuns
Streptococcus beta-hemolítico do grupo A é o e motivos de diagnósticos equivocados são a
mais temido por ser responsável por potenciais OMA, a FTA e as RSA. Algumas evidências
complicações supurativas e não supurativas. científicas mostram que:
Em relação a patogenia, os efeitos deletérios • As RSA e a OMA, em cerca de 70 a 80% dos
dos vírus no epitélio respiratório, como, alteração casos podem regredir espontaneamente sem
da resposta imune, destruição de mecanismos lo- o uso de antibióticos.
cais de defesa, diminuição da atividade mucoci- • No caso de dúvida inicialmente, especifica-
liar e do “clearance com acúmulo de secreções, mente, no diagnóstico da FTA por estrepto-
facilitam a ocorrência de infecções bacterianas, coco do grupo A, pode-se esperar 2 a 3 dias
porém nem sempre isto ocorre. Pode haver ainda para esclarecimento do caso, pois sabemos
um aumento da expressão dos receptores de de- que apenas 1% das FT não tratadas podem
terminadas bactérias no epitélio respiratório e no levar à ocorrência de Febre Reumática.
muco secretado facilitando a ocorrência de infec- • Não há benefício no uso de antibiótico profi-
ções bacterianas no seguimento de infecções vi- lático durante processos virais.
rais, porém isso não deve ser interpretado como • Observou-se que crianças que chegam na
presença de uma infecção bacteriana. emergência com complicações de processos
Clinicamente, podemos observar algu- nasossinusais ou otológicos já vem utilizando
mas diferenças entre as infecções virais e as antibiótico, portanto essa complicação estaria
bacterianas: mais vinculada à virulência das bactérias e a
• Infecções virais: duram em média sete dias capacidade imune do hospedeiro do que ao
e em geral há uma melhora acentuada entre retardo na administração de antibiótico.
o 4º e o 7º dia. O estado geral está conserva- • Uma revisão sistemática de 4.860 trabalhos
do. As secreções amareladas que ocorrem no sobre o uso de antibióticos nas OMA, rea-
curso da infecção viral são decorrentes da de- lizado por van Buchem e col., mostrou que
teriorização dos polimorfonucleares e de suas somente 2 casos desenvolveram mastoidite,
enzimas, e em geral a secreção esverdeada só as quais foram curadas com miringotomia e
ocorre mais pela manhã devido a estase das amoxicicilina oral.
secreções nas vias aéreas durante a noite, por-
tanto, não deve ser interpretada de imediato Diante do exposto, é prudente, muitas
como uma complicação bacteriana. vezes em situações de dúvida no diagnóstico
• Infecções bacterianas: a recaída de sinais e diferencial entre infecções virais e bacterianas,
sintomas é um dos parâmetros para se pensar tomar uma conduta expectante até se configu-
em complicação bacteriana. A secreção esver- rar melhor o quadro. O médico de família pode
deada nasal é constante durante todo o dia e traçar um plano de seguimento para os casos de
muitas vezes têm um odor fétido. Há um cer- IVAS atendidos na unidade básica e, portanto,
to grau de toxemia. A febre em geral persiste tomar uma conduta mais adequada quanto à ne-
por mais de cinco dias ou pode aumentar de cessidade do uso de antibióticos.
intensidade no decurso da infecção.
330
Capítulo 29 • Infecções das vias aéreas superiores
331
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Terapêutica
Sintomatologia
A vacinação é o principal método de
Nas crianças, a gripe manifesta-se de acor- prevenção e controle da infecção gripal.
do com o grupo etário. A prostação é encontrada Ela é eficaz porque, em até 75% das situ-
em 50% das crianças com idade inferior a 4 anos ações, evita o aparecimento da gripe e, em 90%
e só 10% no grupo dos 5 aos 14 anos. Dentre os dos casos diminui a gravidade da doença. No en-
sintomas presentes predominam a tosse seca, tanto, não dá proteção a longo prazo porque o ví-
obstrução laríngea e, ocasionalmente, a rigidez rus muda constantemente, através de pequenas
de nuca. Os sintomas gastrointestinais (náusea, mutações. Ela é elaborada a partir de vírus de
vômitos, diarréia, dor abdominal) são freqüen- influenza cultivados em ovos de galinha e apre-
tes e ocorrem em mais de 40% dos casos. A febre senta na sua composição pequenas quantidades
tende a ser mais elevada. A otite média pode ser de timerosal e neomicina. Está contra-indicada
uma complicação freqüente no grupo de 1 a 3 em pessoas que apresentaram antecedentes de
anos. Os sinais clínicos são mínimos na gripe reação grave a uma dose anterior da vacina e as
não complicada. Pode haver conjuntivite, obs- pessoas que tem alergia ao ovo.
trução nasal, amígdalas congestionadas sem ex- A vacina não protege contra o vírus in-
sudato e faringe muito hiperemiada. fluenza C e nem contra outros vírus respirató-
De um modo geral, quando não há com- rios (adenovírus, rinovírus, vírus parainfluenza)
plicação, este quadro tem uma duração de 3 a que podem causar doenças semelhantes à gripe,
5 dias e a maioria dos doentes está totalmente embora de menor gravidade.
recuperada ao fim de uma semana. Recomenda-se as seguintes medidas de
tratamento:
- Isolamento de outras pessoas para diminuir o
Complicações contágio;
- Repouso, ingestão de muitos líquidos, manu-
Nas pessoas idosas ou debilitadas por do- tenção da alimentação;
enças crônicas as complicações podem ser graves, - Evitar mudanças de temperatura;
inclusive no caso de acometimento de gestantes - Uso de antitérmicos e/ou analgésicos se ne-
podem haver repercussões no recém-nascido. As cessário;
complicações respiratórias mais freqüentes, que - Aplicar soro fisiológico para desobstruir o nariz;
podem levar à hospitalização são: traqueobron- - Evitar o uso de antitussígenos;
quite, pneumonia bacteriana secundária e mais - Somente usar antibióticos recomendado pelo
raramente pneumonia primária por influenza. médico no caso de complicações;
Outras complicações possíveis são: miocardite - Evitar vacinar no período de doença.
332
Capítulo 29 • Infecções das vias aéreas superiores
• Rinites: As Rinites se caracterizam por infla- ciação de especialistas que estuda a rinite alérgi-
mações da mucosa nasal (rinite infecciosa) ou ca e seu impacto sobre a asma, a rinite alérgica
reações fisiológicas dessa mucosa decorren- pode ser classificada de acordo com a duração,
tes de uma resposta aumentada ou exagerada intensidade dos sintomas e parâmetros de quali-
para um ou mais alérgenos (rinite alérgica). dade de vida em:
333
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
em que a criança mora, com ênfase na presença, e níveis de IgE sérica não são dados exclusivos
principalmente de ácaros e animais domésticos e de doença alérgica.
agentes irritantes (fumaça de cigarro). Uma boa O tratamento da Rinite Alérgica tem os
resposta ao tratamento com anti-histamínicos seguintes objetivos:
H1 fala a favor de rinite alérgica. • Reduzir os sintomas
Ao exame físico, o paciente pode apre- • Modificar o curso da doença
sentar: palidez facial associada a olheiras, pre- • Evitar os efeitos adversos induzidos pelo pró-
gas de Dennie-Mogan (dupla linha em pálpebra prio tratamento
inferior) e sulco nasal transverso decorrente do • Orientar o paciente ou familiares sobre a ne-
hábito de coçar a ponta do nariz (“saudação do cessidade de ampliarem seus conhecimentos
alérgico”). Os olhos podem estar avermelhados sobre a doença o que pode melhorar a adesão
por conjuntivite e a pele apresentar sinais de ao tratamento
dermatite atópica ou eczema. • Melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
A avaliação interna da parte inferior do
nariz pode ser visualizada facilmente pedindo- A base do tratamento, portanto, se assenta
se à criança que olhe para cima e elevando-se a em quatro pilares:
ponta do nariz com o dedo, com a ajuda de uma I. Evitar a exposição aos alérgenos
luz focada internamente. Encontraremos con- No controle da exposição a alérgenos a hi-
chas nasais hipertrofiadas, edemaciadas, pálidas giene do ambiente é fundamental. Os ácaros, o
e com rinorréia aquosa. principal alérgeno doméstico, podem ser encon-
A congestão nasal persistente nos pacien- trados na poeira e proliferam em temperaturas
tes com rinite mal conduzida, é uma das causas acima de 27ºC e nível de umidade relativa acima
do aparecimento da respiração bucal, o que pode de 50%. As seguintes recomendações podem di-
levar, a longo prazo, alterações nos ossos maxi- minuir os ácaros do ambiente:
lares, nas arcadas dentárias e no posicionamento • Uso de travesseiros e colçhões com ca-
correto dos dentes. pas impermeáveis;
A respiração bucal, hoje, pelo conjunto de • Remoção de travesseiros, cobertas de lã
sinais e sintomas associados a ela, é conhecida e protetores de berço, substituindo-os
como Síndrome do Respirador Bucal. A criança por objetos de tecido sintético que de-
com essa síndrome apresenta uma face caracte- vem ser lavados toda semana;
rística com nariz estreito, narinas afiladas, lábio • Remoção de carpetes;
inferior curto, boca entreaberta e olheiras acentu- • Evitar objetos que acumulam pó;
adas. Também pode apresentar baixo rendimento • Evitar criar animais domésticos.
escolar, ser irriquieta, sonolenta, apresentar can-
saço fácil, roncar e babar à noite e é forte candida- II. Farmacoterapia
ta a apresentar apnéia do sono, ainda na infância. Anti-histamínicos H1 denominados de
Quanto ao diagnóstico alergológico da ri- primeira geração foram desenvolvidos para re-
nite, os teste cutâneos como o PricK teste e a duzir as queixas dos pacientes decorrentes da
intradermorreação demonstram a existência de liberação de histamina pelos mastócitos (pruri-
IgE específica, porém nem todos os pacientes do nasal, espirros e a rinorréia aquosa). Eles têm
com testes positivos apresentam manifestações menos efeitos sobre a congestão e a obstrução
clínicas, portanto, não se pode realizar o diag- nasal. Estes medicamentos são lipofílicos e, por-
nóstico de alergia com base exclusiva nesses tes- tanto, podem cruzar a barreira hematocefálica,
tes. Como também a determinação de eosinofilia causando várias reações indesejáveis. Os efeitos
334
Capítulo 29 • Infecções das vias aéreas superiores
335
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
mente com a família estabeleçam um plano de nagem gravitacional das secreções em direção ao
tratamento factível de ser executado, que inclua interior do nariz. Em relação aos seios etmoidais
um acompanhamento regular da criança com o por serem constituídos por células múltiplas de
objetivo final de obter uma melhora da qualida- ar separadas entre si por finíssimas lâminas ós-
de de vida dessa criança. seas, mesmo uma infecção leve de vias aéreas
superiores pode obstruí-las. O frontal apesar de
• Rinossinusites: A rinossinusite pode ser de- não ser uma sítio freqüente de infecção, é impor-
finida como um processo inflamatório que tante, pois, pode ser uma fonte para a dissemi-
acomete a mucosa que reveste a cavidade na- nação da infecção desta cavidade para o sistema
sal e os seios paranasais. nervoso central e a órbita.
Classificação: A rinossinusite pode ser
Há três elementos chaves que são básicos classificada de acordo com a duração dos sinto-
para a fisiologia normal desse aparelho: a per- mas e com a freqüência dos episódios em:
meabilidade do óstio, a função do aparelho mu- • Aguda: duração dos sintomas até 4 semanas
cociliar, a qualidade e a quantidade da secreção. • Subaguda: duração dos sintomas até 4 a 12
O que leva, portanto, a retenção de secreções nas semanas
cavidades paranasais deve ser conseqüência de • Crônica: duração dos sintomas por mais de
obstrução do óstio, redução no número ou na 12 semanas
função dos cílios e produção excessiva ou mu- • Recorrente: mais de 4 episódios por ano, com
dança da viscosidade das secreções. duração de 7 a 10 dias e resolução completa
Anatomia das cavidades paranasais: A nos intervalos
maioria dos seios paranasais é rudimentar ou • Complicada: complicação local ou sistêmica
ausente ao nascimento. Os seios maxilares, ao em qualquer fase.
nascimento apresentam tamanho de 3-4mm,
apresentando crescimento lento até a puberda- Etiologia: Em relação à microbiologia da
de. Os seios frontais e esfenoidais estão ausentes, sinusite aguda observa-se que o Streptococcus
ao nascimento; os frontais começam a se desen- pneumoniae representa aproximadamente 30%
volver após os dois anos. Os seios etmoidais (ou dos isolados, Haemophilus influenzae 20% e
células etmoidais) são pequenos antes dos dois Moraxella catarhalis 20% das cepas isoladas.
anos de idade, e apresentam desenvolvimento Diagnóstico: A Academia Americana de
rápido após os seis a oito anos. Os seios esfenoi- Pediatria propõe que o diagnóstico de rinossinu-
dais são formados a partir das células etmoidais site bacteriana aguda deve ser feita com base em
posteriores, a partir dos anos de vida. critérios clínicos, em crianças que apresentam
Nas paredes laterais do nariz temos os cor- sintomas de vias respiratórias superiores que se-
netos inferior, médio e superior. Entre o corneto jam persistentes ou graves.
inferior e o médio há o meato médio que drena o No curso de uma infecção viral das vias
seio maxilar, as células etmoidais anteriores e o aéreas superiores, que apresente sintomas como,
seio frontal. As células etmoidais posteriores e o secreção nasal de qualquer qualidade (purulen-
esfenóide drenam no meato superior. ta, mucóide ou serosa), obstrução nasal, dor à
Algumas características anatômicas des- pressão facial, dor de garganta, mialgias, halito-
sas cavidades vão influir na predisposição para se, febre, tosse diurna que normalmente piora à
desenvolver infecção bacteriana secundária. Em noite ou ambas (dia e noite), deve-se suspeitar
relação ao seio maxilar, o posicionamento do ós- de rinossinusite aguda bacteriana se estes sinto-
tio de drenagem do meato médio impede a dre- mas persistem por mais de 7 a 10 dias ou quando
336
Capítulo 29 • Infecções das vias aéreas superiores
337
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
338
Capítulo 29 • Infecções das vias aéreas superiores
a cefalexina. É importante lembrar que 2 a 15% • Ângulo da tuba auditiva: a criança tem uma
dos pacientes alérgicos à penicilina também o tuba auditiva mais curta, horizontal e de
são às cefalosporinas, e que estes antibióticos in- maior calibre do que a do adulto. Além dis-
duzem rapidamente, à resistência bacteriana. A so, a parede tubária tem uma tendência ao
associação sulfa-trimetropina deve ser evitada, colabamento, ocasionando sua obstrução. O
pois não erradica o estreptococo da faringe. costume de se alimentar as crianças com ma-
Não está indicado o uso de antiinflama- madeira, na posição horizontal, pode levar a
tórios, pois os mesmos não vão alterar o curso um escoamento do leite, por gravidade, ao
da doença. orifício da tuba auditiva, o mesmo podendo
A complicação não supurativa da infecção ocorrer com secreções, o que predispõe à con-
por SGA mais temida é a Febre Reumática. Sua taminação por germes e posterior infecção;
incidência anual em países em desenvolvimento é • Hipertrofia e infecções das adenóides: a
de 100 a 200 casos para cada 100.000 crianças e é a obstrução causada pela hipertrofia da adenói-
afecção que mais causa mortalidade cardiovascular. de e a sua colonização por bactérias aumen-
Pode-se esperar até 48h para iniciar o tra- tam as chances de OMA;
tamento com antibiótico na tentativa de erradi- • Creches e berçários: crianças que passam
car o estreptococo e ainda se consegue prevenir muito tempo em contato com várias outras
a febre reumática. crianças têm mais infecções de ouvido:
• Fumante passivo: já foi demonstrado a ação
• Otite Média Aguda (OMA): A OMA é um deletéria da fumaça de cigarro à função muco-
dos diagnósticos mais freqüentes em crian- ciliar e à competência imunológica do trato res-
ças. É mais comum entre 6 e 36 meses de piratório, predispondo às infecções de ouvido.
idade com um pico entre 4 a 7 anos. Todas
as crianças têm pelo menos um episódio até Etiologia: A OMA é, na maioria das vezes,
completarem 3 anos de idade e 20% delas têm causada por infecção viral das vias aéreas supe-
múltiplos episódios. Quando o número de riores seguida de infecção bacteriana secundária
episódios chega a três em seis meses ou ainda no ouvido médio. Os vírus mais freqüentemente
quatro em um ano diríamos tratar-se de otite associados são: o vírus sincicial respiratório, ade-
média aguda recorrente. novírus e influenza. Dentre as bactérias encon-
tramos o Streptococcus pneumoniae (15 a 35%), o
Essa prevalência aumentada nas crianças Haemophilus influenzae (15 a 25%) e a Moraxella
pequenas pode ser explicada por vários fatores catarhalis (10 a 20%). Muitas das cepas de hae-
de risco a que estas crianças estão sujeitas. Os mophilus e moraxella são produtoras de betalac-
principais são: tamases (enzimas que hidrolisam a penicilina e
• Incidência aumentada de infecções das seus derivados, transformando estes antibióticos
vias aéreas superiores (IVAS): 25 a 30% das em substâncias inativas), como também já encon-
crianças com IVAS complicam com OMA; tramos pneumococos com resistência intermedi-
• Idade: o risco de otites recorrentes é maior ária às penicilinas (decorrentes de mutações cro-
em crianças que tem o primeiro episódio de mossômicas e alterações nas proteínas ligadoras
OMA antes dos seis meses de vida; do antibiótico na parede celular da bactéria), o
• Imunocompetência: as imunodeficiências que pode resultar em falhas no tratamento com os
primárias em geral e imunodeficiências sele- antibióticos mais acessíveis à atenção primária.
tivas de IgA e de subclasses de IgG levam a Quadro Clínico: No lactente os sinais su-
otite média recorrente; gestivos de OMA são muitas vezes sinais indire-
339
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
tos como, irritabilidade, recusa alimentar, febre, a secreção) deve-se pensar em bactéria produto-
diarréias e vômitos. ra de betalactamase ou pneumococo resistente
Na criança maior o sintoma mais freqüen- à amoxicilina. Uma nova opção de tratamento
te é a dor, normalmente localizada, podendo seria dobrar a dose da amoxicilina na tentativa
surgir outros sintomas tais como febre (1/3 dos de cobrir os pneumococos de resistência inter-
casos), diminuição da audição ou uma sensação mediária, e caso não se obtenha sucesso, tentar
de “ouvido entupido” e até vertigem. Se houver a associação de amoxicilina (dose dobrada) mais
perfuração do tímpano pode ser vizualizada a clavulanato de potássio.
saída de secreção purulenta pelo canal auditivo Além dos antibióticos devem ser utiliza-
externo (otorréia). dos somente analgésicos e antitérmicos.
Diagnóstico: A otoscopia estabelece o Quando encaminhar ao especialista?
diagnóstico definitivo. Ao exame da membrana • Crianças com OMA e otalgia importan-
timpânica esta se apresenta abaulada, hiperemia- te, mau estado geral e toxemia.
da, opaca, com aumento da vascularização. Pode • Crianças com OMA e suspeita clínica
se observar a secreção purulenta no conduto audi- de abscesso.
tivo externo quando há perfuração da membrana. • Resposta insatisfatória à terapia empre-
Tratamento: Algumas considerações de- gada corretamente.
vem ser feitas em relação ao tratamento da OMA: • OMA em neonato ou em paciente imu-
• Os critérios de diagnóstico devem ser bastan- nodeficiente.
te precisos, com sintomas e sinais locais su-
gestivos acompanhados de comprometimen- • Laringites Agudas: A laringite, juntamen-
to sistêmico (febre, mal-estar, mialgias, dor), te com a laringotraqueíte e a laringotraque-
pois sabe-se que a maioria dos episódios de obronquite formam um grupo de doenças
otite média aguda curam espontaneamente; que caracterizam a “síndrome do crupe”, e
• Crianças maiores de dois anos com sinto- recebem as denominações acima descritas,
mas leves devem ser observadas por 48 horas de acordo com o grau de extensão de envol-
antes de se iniciar o antibiótico (exceto os vimento das vias aéreas. Elas se manifestam
menores de dois anos devido a imaturidade clinicamente por rouquidão, tosse ladrante,
imunológica); estridor predominantemente inspiratório e
• A secreção no ouvido médio ainda pode per- graus variáveis de desconforto respiratório.
sistir por vários dias mesmo após o término
do tratamento, não significando que se deva Quanto a etiologia da síndrome é princi-
fazer nova medicação; palmente viral, sendo os principais agentes os
vírus parainfluenza, influenza e o vírus respira-
O antibiótico de escolha para tratar a tório sincicial.
OMA é a amoxicilina, na dose de 50 mg/Kg/ A Laringotraqueobronquite (compro-
dia de 12/12horas. A criança deve ser vista no- metimento da laringe, traquéia e brônquios) é
vamente com cinco a sete dias para decisão de a causa mais comum de obstrução das vias aé-
concluir o tratamento (com exceção em crian- reas superiores em crianças, respondendo por
ças menores de dois anos) ou completar 10 dias, 90% dos casos de estridor. A faixa etária aco-
conforme a resposta clínica. Os pais devem ser metida é de 1 a 6 anos com pico de incidência
informados que a melhora dos sintomas ocorre, aos 18 meses.
em média, com 48 a 72 horas. Caso a criança pio- A infecção se inicia com o acometimen-
re (mantenha febre alta, piore da dor, aumente to viral da nasofaringe e o processo se estende
340
Capítulo 29 • Infecções das vias aéreas superiores
pelo epitélio respiratório até a árvore bronco- da temperatura corporal. Em geral os sintomas
alveolar. Há formação de edema significante na cedem entre 3 a 7 dias. A maioria das crianças
região suglótica (1mm de edema nesta região, tem sintomas leves que não progridem para obs-
causa 50% de diminuição do calibre da traquéia) trução progressiva das vias aéreas.
com restrição ao fluxo de ar e aparecimento de Alguns casos são de risco potencial para o
estridor inspiratório. desenvolvimento de falência respiratória: crian-
O quadro clínico se inicia com rinorréia ças menores de 6 meses de idade, pacientes com
clara, faringite, tosse leve e febre baixa. Após 12 estridor em repouso ou alteração do nível de
a 24 horas, iniciam-se os sintomas de obstrução consciência. A tabela abaixo mostra um escore
de vias aéreas superiores, com progressão dos clínico de detecção de gravidade do quadro de
sinais de insuficiência respiratória e aumento insuficiência respiratória.
SINAL 0 1 2 3
Estridor Ausente Com agitação Leve em repouso Grace em repouso
Retração Ausente Leve Moderado Grave
Entrada de ar Ausente Normal Diminuída Muito diminuída
Cor Normal Normal Cianótica com agitação Cianótico em repouso
Nível de consciência Normal Agitação sob estímulo Agitação Letárgico
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
342
Capítulo 30
Pneumonia na infância mortalidade são decorrentes nos países em de-
álvaro JorGe Madeiro leite senvolvimento de fatores relacionados à condi-
ção de pobreza de amplas parcelas da população;
deficiências na habitação; aglomeração e polui-
ção domésticas; demora e dificuldade de acesso
aos serviços de saúde; características clínicas da
criança baixa idade; baixo peso ao nascer; des-
nutrição moderada a grave; aleitamento mater-
no por curtos períodos; déficit de vitamina A;
Introdução anemia ferropriva; tabagismo domiciliar.
No início dos anos 80, a Organização Mun-
343
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
nasal, tosse e febre baixa e, desde ontem, apresenta Primeiro trimestre de vida
dificuldade para respirar, piora da tosse e elevação
da temperatura corporal – no momento com 39.2ºC. Além das bactérias gram-negativas, exis-
Ao examiná-la, você constata palidez cutânea, certo te um grupo de microorganismos que causam
grau de irritabilidade, FR = 54 rpm, ausência de pneumonias em crianças com idade compreendi-
tiragem subcostal e de sibilância. A mãe lhe pergunta da entre um e três meses de vida. É a denomina-
se o filho tem pneumonia e se será necessário hospi- da “pneumonia afebril do lactente” causada por
talizá-lo. Clamidia trachomatis, Ureaplasma urealyticum.
Na situação clínica apresentada acima,
podemos especular que a mãe procurou ajuda
assim que notou a piora da criança; em lingua- Lactentes com mais de três meses de idade
gem médica, na mudança do padrão da evolução
natural de um quadro de IVAS. Por ordem de freqüência, os agentes cau-
sais são os vírus, sobretudo o respiratório sinci-
cial, o Streptococcus pneumoniae e o Haemophylus
Etiologia influenzae, sobretudo o tipo b e as cepas não-ti-
páveis, e S. aureus.
Na prática clínica diária são muitas as difi-
culdades para se identificar os microorganismos
responsáveis pelo acometimento pulmonar, além Pré-escolares
do que, na maioria dos casos atendidos em ABS,
esse passo assistencial não é necessário. Vírus po- Os agentes bacterianos principais seguem
dem ser identificados rapidamente por métodos sendo o Streptococcus pneumoniae e o Haemophylus
de imunofluorescência. Bactérias exigem méto- influenzae, mas com progressivo destaque para os
dos onerosos, alguns com riscos colaterais ele- primeiros. Staphylococcus aureus reduz-se e, come-
vados e pouca utilidade em ABS (hemocultura, ça a assumir importância M. pneumoniae, que se ele-
aspiração transtraqueal e punção pulmonar). A va paulatinamente a partir de quatro e cinco anos.
idade continua sendo o melhor parâmetro na de-
finição da etiologia dos quadros pneumônicos.
Escolares e adolescentes
344
Capítulo 30 • Pneumonia na infância
345
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
O sinal mais precoce de gravidade clínica identificar precocemente crianças sob condição
é a tiragem ou retração subcostal, que dever ser de risco de vida.
definitiva, presente todo o tempo (Figura 1) o
que isoladamente é indicativo da necessidade de
referir a criança para melhor avaliação ou trata- Radiografia do Tórax
mento hospitalar. Cianose é sinal tardio; pode
haver hipoxemia sem cianose. Palidez cutânea Não é necessária para confirmar a maio-
é um sinal mais precoce de hipoxemia do que a ria dos casos de leve e moderada gravidade. No
cianose. Crianças pequenas têm maior risco de entanto, em crianças com quadro clínico mais
desenvolver insuficiência respiratória e apnéia. grave ela deve ser solicitada:
Ausculta: murmúrio vesicular diminuído • Para avaliar a e�tensão do processo pneumônico
no local da área comprometida é um dos acha- • Quando houver suspeita de complicações
dos mais freqüentes, associado à presença de es- (pneumatoceles, derrame, abscesso)
tertores crepitantes. Sibilância sugere fortemen- • Para orientar o diagnóstico diferencial e con-
te etiologia viral ou asma; a ausculta pode estar tribuir na decisão de internar ou não o pa-
normal em até 30% dos casos. ciente e na escolha do antimicrobiano.
346
Capítulo 30 • Pneumonia na infância
347
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
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Capítulo 30 • Pneumonia na infância
Bibliografia
349
Capítulo 31
Bronquiolite viral aguda Caso Clínico
Maria das Graças nasciMento e silva
álvaro JorGe Madeiro leite Criança de seis meses chega à Unidade de Saú-
de com queixas de tosse, febre e dificuldade para respi-
rar. A mãe relata que o quadro teve inicio há três dias
com febre, tosse discreta e coriza. Nas ultimas horas
passou a apresentar “cansaço”.
Ao exame: a criança está hidratada e aceita o
seio materno normalmente.
Introdução FR = 50 irpm; tiragem subcostal leve e sibilos
expiratórios audíveis em ambos os pulmões;
351
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Na maioria das vezes o quadro clínico é Sinais clínicos de gravidade ou que predizem
leve, podendo a criança ser liberada para o do- insuficiência respiratória (Quadro 1)
micílio. Apenas 2 - 5% dos casos necessita de
hospitalização, com 1 - 2% destes pacientes ne- Na ausência de medidas objetivas da oxi-
cessitando de UTI. genação tecidual (oximetria de pulso, gasome-
tria arterial), pode-se avaliar os sinais precoces
de hipóxia e hipercapnia segundo os conheci-
Elementos essenciais ao diagnóstico mentos fisiopatológicos:
• inicialmente, a criança aumenta a freqü-
• idade da criança (mais freqüente nos pri- ência respiratória; nas fases seguintes,
meiro ano de vida, em especial no primeiro utiliza musculatura acessória - tiragem
semestre); intercostal, e depois, tiragem subcostal;
• início com quadro de infecção das vias aéreas tais aspectos correspondem a hipoxemia
superiores febril e tosse seca; (baixa saturação), e em seguida, reten-
• evolução em curto período com dificuldade ção de CO2; correlatos de irritabilidade,
respiratória, predominantemente, expiratória; sonolência, torpor e coma.
• freqüência
freqüência respiratória elevada, ausculta pul-
respiratória elevada, ausculta pul-
monar com estertores finos (às vezes, sibilân-
cia expiratória), uso de musculatura acessória
– tiragem intercostal e subcostal; batimentos Quando solicitar exames complementares
de asa do nariz.
• estado geral da criança, frequentemente bom; O diagnóstico é, fundamentalmente, ba-
ausência de toxemia ou com grau leve. seado na clínica, ficando os exames comple-
mentares (RX de tórax, leucograma e avaliação
da dificuldade respiratória) reservados para
Quando hospitalizar? os casos de maior gravidade ou na suspeita de
complicações.
A maioria dos casos pode ser manejado em Os achados radiológicos são rebaixamen-
ambulatório. No entanto, é possível identificar to das cúpulas diafragmáticas, retificação ou
um grupo de crianças mais vulnerável. Crianças mesmo inversão das cúpulas diafragmáticas,
com qualquer dos fatores de risco abaixo são de aumento do espaço aéreo retro-esternal, hori-
risco para quadros mais graves, inclusive com zontalização dos arcos costais e focos de atelec-
risco de morte: tasia (condensçaões segmentares ou segmenta-
• menores de três meses de idade; res e lobares).
• prematuros (idade gestacional < 34 se-
prematuros (idade gestacional < 34 se- A saturação de O2, por oximetria de pul-
manas), particularmente, aqueles com so, é muito útil na classificação da gravidade do
displasia broncopulmonar; quadro, tornando-se imprescindível nos casos
• doenças congênitas, particularmente de maior gravidade. Saturometria < 90% em ar
cardiopatias ambiente é indicativo de gravidade.
• doenças hereditárias, tipo fibrose cística. A classificação da gravidade pode ser
• crianças com sinais clínicos de gravida-
crianças com sinais clínicos de gravida- realizada mediante a utilização de parâmetros
de (Quadro 1) clínicos e laboratoriais conforme se observa no
Quadro 1.
352
Capítulo 31 • Bronquiolite viral aguda
353
por piora clínica e 2% destas podem evoluir para Galvão CES, Castro FFM. Infecções Virais e Bac-
bronquiolite obliterante (sibilância persistente terianas na Asma. In: Naspitz CK, et al. (Coord.)
com distintos graus de gravidade, ou seja, doen- Alergias Respiratórias. São Paulo: Vivali, 2003.
ça pulmnar de pequenas vias aéreas com ou sem 356 p. Cap. 14, p. 205-220.
hipoxemia e/ou cor pulmonale). Godfrey S, Barnes PJ, Naspitz CK. Asma e Si-
bilância em Crianças. Reino Unido: Martin Du-
nitz, 1997. 92 p.
Sibilância pós-BVA Leite AM. Bronquiolite Viral Aguda - Tratamen-
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• A criança evolui com episódios repetidos de 58, 2001, Recife, Resumos de Aulas, Nestlé Nu-
sibilância que tendem a se tornar menos gra- trition, 2001, p. 59-62.
ves e menos freqüentes com o decorrer do Mallia P, Johnston SL. Respiratory viruses: do
tempo e cessam após os 2 - 3 anos de idade they protect from or induce Asthma? Allergy, [S.
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A probabilidade de asma é maior em crian- Martinez F, et al. Asthma and wheezing in the
ças com história pessoal e/ou familiar de atopia, first six years of life. N Engl J Med, [S. l.], v. 332,
níveis séricos de IgE elevados, e sensibilidade p. 133-138, 1995.
para aeroalérgenos. Nakaie CMA, Bussamra MH, Rozov T. Lacten-
Portanto, a resposta à pergunta “Esta do- te com sibilância. In: Grumach AS, et al. (Ed.).
ença pode ser asma?” deverá ser baseada na clí- Alergia e Imunologia na Infância e na Adoles-
nica, na evolução dos sintomas e nos fatores de cência. São Paulo: Atheneu, 2001. 661 p. Cap. 9,
risco associados à doença. p. 97-112.
Rozov T, Bresolin AMB. A Síndrome do Lacten-
te Chiador. In: Carneiro-Sampaio MMS, Gruma-
Bronquiolite obliterante ch AS. Alergia e Imunologia em Pediatria. São
Paulo: Sarvier, 1992, p. 51-69.
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Sant Anna CC, D’elia C. Bronquiolite. In: Ben-
episódios de piora clínica alternados com me-
guigui Y, et al. (Ed.) Infecções Respiratórias em
lhora parcial.
Crianças. Washington DC: [s.n.], 1998. 496 p.
• Rx
R� tóra� - hiperinsuflação pulmonar, atelec-
tórax - hiperinsuflação pulmonar, atelec-
Cap. 13, p. 263-281.
tasias, espessamento de paredes brônquicas e
Santos RV. Bronquiolite Viral Aguda e Seqüelas.
bronquiectasias.
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tologia Pediátrica. [S.l.]: Sociedade Paranaense
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– um tema ainda controvertido. J. pediatr, Rio de
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de Pronto Atendimento. Recife: [s.n.], 2004. 440
p., p. 65-71.
Capítulo 32
Asma Caso Clínico
Maria das Graças nasciMento e silva
Criança de 8 anos com queixas de tosse e “di-
ficuldade para respirar”. Os sintomas ocorrem de
modo recorrente, com intervalos variáveis desde o 1º
ano de vida. A mãe relata que há melhora com o uso
de “xarope para cansaço”. Há também relato de obs-
trução nasal persistente e espirros matutinos. Já teve
“2 pneumonias”. História familiar – Pai tem tosse e
Introdução espirros freqüentes. Convive com pessoas fumantes no
domicílio.
355
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
pouco estudado em crianças, também pode contri- tar dados quando se está diante de uma criança
buir para o mecanismo obstrutivo das vias aéreas. com provável asma: IDENTIFICAR ASMA (iní-
HIPER-RESPONSIVIDADE BRÔNQUI- cio, desencadeantes, evolução, número de crises,
CA reflete a resposta brônquica exagerada dian- tratamentos realizados, internação, fatores asso-
te de diferentes estímulos como poeira, ácaros, ciados – otite, sinusites – intercrise (sintomas
fungos, polens, alérgenos animais, ar frio e seco, noturnos, exercícios), crises (sintomas, duração),
exercício físico, poluentes, infecções virais, solu- atopia no paciente (dermatite, rinite), alergia ali-
ções hipo e hipertônicas. mentar, resposta a broncodilatadores; amigdalec-
A INFLAMAÇÃO está presente em todos tomia/adenoidectomia, sensibilidade aos alérge-
os pacientes asmáticos, inclusive naqueles com nos, moléstias associadas, atopia familiar.
asma de início recente, nas formas leves da doen- Na criança, o diagnóstico de asma nem
ça e mesmo entre os assintomáticos. Caracteriza- sempre é fácil de ser confirmado, principalmen-
se por infiltração eosinofílica, degranulação de te em crianças pequenas, tanto pelos sintomas
mastócitos, ativação de linfócitos Th2, que pro- que podem não ser clássicos como pela existên-
duzem citocinas, que promovem o recrutamento cia de outras doenças que cursam com sibilân-
celular para as vias aéreas (mastócitos, eosinófi- cia, o que vai exigir a realização de diagnóstico
los, macrófagos e neutrófilos). Essas células libe- diferencial acurado.
ram mediadores inflamatórios que causam lesões Em lactentes e nas crianças jovens, o de-
e alterações na integridade epitelial, anormalida- senvolvimento das crises está intimamente rela-
de no controle neural autonômico no tônus da cionado às Infecções de Vias Aéreas Superiores
via aérea, alteração na permeabilidade vascular, (IVAS). Estas crises são consideradas importan-
hipersecreção de muco, alteração na função ci- tes fatores de risco para exacerbação dos sinto-
liar e aumento da reatividade do músculo liso. mas, particularmente nesta população. Ainda,
nesse grupo etário, aspectos específicos devem
ser considerados: a) nos primeiros 3 anos de
Diagnóstico vida, a sibilância pode ser uma condição tran-
sitória associada à imaturidade da função pul-
A história clínica detalhada deve identi- monar, infecções virais e irritantes domiciliares
ficar sintomas que possam sugerir asma, clas- como o fumo; b) em 10 a 15% dos lactentes, os
sificar sua gravidade e correlacioná-los com os episódios de sibilância podem constituir uma
fatores precipitantes. manifestação precoce da asma (considerar histó-
Valorizar: ria familiar de atopia, dermatite atópica pessoal
• Tosse recorrente, principalmente, à noi- e hospitalização durante as crises); c) o diagnós-
te e pela manhã ao despertar; tico diferencial da sibilância recorrente inclui:
• Dificuldade para respirar, aperto no peito; bronquiolite viral aguda, sibilância induzida por
• Melhora com medicação; vírus, RGE, fibrose cística, malformações con-
• Sintomas nasais associados; gênitas e aspiração de corpo estranho, devendo
• História familiar positiva para alergia; ser investigados os casos com pobre resposta ao
• Melhora espontânea ou pelo uso de me-
Melhora espontânea ou pelo uso de me- tratamento; d) Para algumas dessas crianças, o
dicações específicas para asma (broncodi- diagnóstico só pode ser confirmado com o pas-
latadores, antiinflamatórios esteróides); sar dos anos, face à ocorrência de de sibilância
• Exclusão de diagnósticos alternativos. recorrente de origem não asmática.
Apesar da variedade de condições que cur-
Rozov (comunicação pessoal) apresentou sam com sibilância nos dois primeiros anos de
um método mnemônico muito útil para se cole- vida os sintomas não devem ser negligenciados,
356
Capítulo 32 • Asma
já que pode ocorrer comprometimento da fun- Relação entre rinite alérgica e asma
ção pulmonar por remodelamento em pacientes
inadequadamente tratados. Asma e rinite alérgica não devem ser en-
tendidas como entidades distintas, mas como
manifestações de um mesmo processo inflama-
Comentários tório. Vários são os mecanismos propostos para
explicar a relação das duas doenças:
1. “Dificuldade para respirar” + tosse Na presença de obstrução nasal, poderia não
Tosse recorrente e/ou aos esforços pode ser ocorrer a umidificação e aquecimento do ar ins-
o único sintoma de asma. pirado, levando a hiper-reatividade brônquica.
A dificuldade para respirar também pode Ausência da função de filtro nasal, propician-
ser descrita como “opressão torácica”. do que aeroalérgenos cheguem nas vias aéreas
2. Sintomas nasais associados inferiores.
A presença de sintomas nasais reforça a Gotejamento pós-nasal levando à contração
idéia de asma, dada a freqüente associação da musculatura brônquica e à inflamação das
asma-rinite. Classicamente, coriza, espir- vias aéreas inferiores.
ros, obstrução e prurido nasal.
Em crianças maiores e adolescentes, testes
3. História familiar
de função pulmonar podem estar indicados no
Valorizar sintomas sugestivos de doenças
âmbito da Atenção Primária se há dúvidas sobre
alérgicas em familiares, mesmo que não se-
o diagnóstico ou gravidade da doença; exames ra-
jam usados os termos específicos referentes
diológicos são úteis quando há suspeita de doenças
ao diagnostico. Ex.: O paciente costuma
concomitantes, dentre as quais as infecções pul-
referir-se a Rinite como Sinusite; a Asma
monares e a sinusite, têm particular importância.
como Bronquite.
A pesquisa de alergia através dos testes
4. “Pneumonias recorrentes” cutâneos é importante na identificação dos fato-
A prescrição de antibióticos é superestima- res desencadeantes e representa, quando positi-
da em pacientes alérgicos os quais têm fre- vos, um aliada na adesão do paciente e da família
qüentemente diagnóstico de “Pneumonia”. no tocante à higiene ambiental.
Assim, episódios recorrentes com sibilân-
cia associados à febre são na sua maioria,
devidos a IVAS. Abordagem Terapêutica
Não esquecer que os exames radiológicos
têm um alto percentual de falsos positivos
tanto para infecções pulmonares (atelecta- Tratamento da crise aguda de sibilância
sias, espessamento peribrônquico), como
para sinusites. O médico que atua na rede básica de saúde
Neste particular é importante valorizar os precisa estar seguro para identificar, classificar e
achados clínicos. Taquipnéia persistente tratar as exacerbações agudas da doença.
após utilização de medicamentos para si- Diante do paciente em crise de asma,
bilância tem alto valor preditivo positivo torna-se necessário identificar os pacientes de
para pneumonias. Tosse, predominante- alto risco, para que, paralelamente ao trata-
mente noturna, e rinorréia purulenta, em mento inicial, sejam também tomadas as pro-
crianças menores, são altamente sugestivos vidências cabíveis à remoção para o Hospital
de sinusites infecciosas. de referência.
357
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
A classificação da gravidade da crise (Qua- Sempre que possível devem ser adminis-
dro I) permite a tomada de decisão para a condu- trados por via inalatória, para que a resposta be-
ta terapêutica: néfica seja otimizada e os efeitos colaterais (ta-
quicardia e tremor), sejam menos observados.
Achado
Moderada/
Grave Muito Grave
Existem quatro técnicas principais:
Leve a) aerossol dosimetrado (ou inalador dosi-
Cianose, metrado)
Sem Sem
Gerais Sudorese,
alterações alterações b) aerossol dosimetrado com espaçador
Exaustão
Agitação, c) inaladores de pó seco
Estado
Normal Normal Confusão, d) nebulizadores
Mental
Sonolência
Ausente/ O aerossol dosimetrado aclopado a espaçador
Dispnéia Moderada Grave
Leve
com máscara facial e os nebulizadores com máscaras
Frases in- Frases curtas
completas, / monossíla- faciais são os dispositivos indicados para lactentes
Frases
Fala
completas
choro curto, bos, maior e crianças pequenas. A partir dos seis anos de ida-
dificuldade dificuldade de, a maioria das crianças conseguem coordenar o
alimentar alimentar
mecanismo que envolve inspiração e pausa pós-ins-
Retração
Retração Retração piratória e o aerossol dosimetrado passa a propor-
subcostais
Musculatu- intercostal acentuadas ou
e/ou ester- cionar maiores taxas de deposição pulmonar. Nessa
ra Acessória leve ou em declínio
noclidomas-
ausente
todéias
(Exaustão) fase, uso do espaçador visa diminuir as perdas da
Ausentes/ Ausentes medicação com a técnica, pois diminui a deposição
Localizados
Sibilos localizados com MV em orofaringe (impactação inercial) e melhora a de-
ou difusos
MV normal diminuído posição de partículas da medicação no parênquima
F Respira- Normal ou pulmonar (sedimentação gravitacional).
Aumentada Aumentada
tória aumentada
Os inaladores de pó seco necessitam de
> 140 ou
F Cardíaca ≥ 110 > 110 um fluxo inspiratório de, pelo menos, 60 L/min
bradicardia
Pico de e, na maioria das vezes, indica-se para crianças
Fluxo Ex- maiores de sete anos. Os nebulizadores perma-
> 50% 30 – 50% <30%
piratório (%
do previsto)* necem úteis em pacientes com crises graves ou
SaO2 quando não se adaptam às técnicas anteriores.
> 95% 91 – 95% ≤ 90%
(ambiente)* O manejo inicial inclui três doses de
PaO2
Normal ≈ 60 mmHg < 60 mmHg
beta-2 agonista por via inalatória, podendo ser
(ambiente)* empregados por nebulização ou nebulímetro
PaCO2 < 40 < 40 pressurizado com espaçador. A avaliação da
> 45 mmHg
(ambiente)* mmHg mmHg
gravidade da crise se faz de maneira mais ade-
Quadro I. Classificação da gravidade da crise.
*
Raramente disponível na rede básica de atenção à saúde. A maio- quada avaliando-se a criança após essa etapa do
ria dos pacientes atendidos em ABS pode ser corretamente avalia- tratamento. Essa avaliação posterior à primeira
do e tratado utilizando-se de dados clínicos.
dose de beta agonista por via inalatória guarda
melhor correlação prognostica, ou seja, com os
desfechos de internação e gravidade de crise.
Conduta
Corticóide sistêmico deve ser empregado
em todas as crises, exceção para aquelas mais le-
Os bronco-dilatadores 2 de ação curta são
ves, com boa resposta às doses iniciais do bronco-
a medicação de escolha para alivio dos sintomas
dilatador. O corticóide pode ser empregado pela
agudos.
via oral. Os casos de maior gravidade ou aqueles
358
Capítulo 32 • Asma
em que os vômitos repetidos impediram o uso • Prevenir limitação crônica ao fluxo aéreo;
da via oral, deve-se utilizar a via endovenosa. • Permitir atividades normais;
A dose usual é de 1-2 mg/kg de predniso- • Manter
Manter a função pulmonar normal ou a me-
a função pulmonar normal ou a me-
na ou prednisolona, não havendo benefício em lhor possível;
doses maiores. • Evitar
Evitar crises, idas à emergência e hospitali-
crises, idas à emergência e hospitali-
zações;
ALGORITMO DE TRATAMENTO DA C RISE-UBS
• Reduzir a necessidade de medicação de alívio;
• Assim, no âmbito da Atenção Primária, o
Muito grave Crise moderada Leve
Médico de Família deverá conhecer o mane-
Crise grave
2 Agonista → VI (3x) 2 agonista VI
jo adequado da crise e os princípios do tra-
+ Corticóide → VO 1,2
tamento de manutenção, deixando para os
Boa resposta
especialistas somente os casos mais graves.
Não melhora
Melhora Diante de uma criança ou adolescente as-
ou piora
Alta com 2
VI ou VO3
mático, impõe-se a identificação da necessidade
Referir Libere para de tratamento de manutenção.
casa com 2 +
Administrar 2 VI Corticóide oral O conhecimento de que a asma é uma doen-
e Corticóide VO ça inflamatória crônica, e de que a introdução pre-
ou IM e referir
coce do tratamento antiinflamatório pode prevenir
remodelamento das vias áreas e prejuízo futuro da
Notas:
1. Nebulização: função pulmonar, justifica a preocupação em de-
• 3 ml de soro fisiológico a 0,9%.
• Fenoterol ou Salbutamol - 1 gota/3 kg (má�imo 10 gotas).
cidir de maneira objetiva quais pacientes deverão
Observação: Em crises mais graves a dose de 2 agonista poderá fazer uso de medicação para prevenção de crises.
ser aumentada até atingir a proporção de 1 gota/kg. O aerossol
dosimetrado (spray) de 2, tem o mesmo efeito que a nebuliza- Para esta tomada de decisão o passo inicial
ção, com relação custo x benefício maior → 200-300 mcg/dose. é classificar a gravidade da doença (Quadro II).
2. A administração do corticosteróide por via oral, tem efeito
equivalente à via endovenosa. Doses recomendadas:
• Prednisona ou Prednisolona → 1 a 2 mg/kg/dia. Persis- Persis-
Intermi- Muito
• Apresentação disponíveis: tente tente
tente Grave
- Prednisona comprimido de 5 e 20 mg. Leve Moderada
- Prednisolona solução oral de 3 mg/ml. ≥ 1� Diários
3. Avaliar a necessidade de corticosteróide (CE) por VO, se o Sinto- ≤ 1� Diários
semana Não
paciente já estiver em uso de 2 por mais de 24 horas. O CE mas semana Contínuos
deverá ser prescrito por 5 dias.
< 1x dia contínuos
4. Examinar e avaliar a evolução da crise após cada nebulização. Limitação Limitação
Ativi- para Prejudica- diária com
Normais
dades grandes das exercícios
esforços leves
Tratamento de Manutenção (controle) da
Freqüen-
Asma – O papel do médico de família Ocasionais Infre- Freqüen-
Crises tes e
Leves qüentes tes
graves
O tratamento de manutenção visa preservar Sinto-
Comum
a função pulmonar no longo prazo, melhorar a qua- mas
Raros Ocasionais > 1x
> 2x
notur- semana
lidade de vida dos pacientes, evitar visitas à emer- semana
nos
gência e uso de uso de medicações para alívio dos Quadro II. Classificação da gravidade da Asma.
sintomas e prevenir remodelamento de vias aéreas. Fonte: III Consenso Brasileiro no Manejo da Asma.
Deve ser baseado na classificação da gravidade da
asma. Caso haja dúvida nessa classificação deve-se De acordo com as recomendações dos con-
iniciar sempre por uma etapa mais elevada. sensos atuais, todos os pacientes classificados
Os objetivos do tratamento da asma são: como portadores de Asma Persistente deverão
• Controlar sintomas; receber tratamento antiinflamatório.
359
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Mallozi MC. Asma: classificar para intervir. In: Warner JO, Naspitz CK, Cropp GJA, et al (Ed.).
Curso Nestlé de Atualização em Pediatria, 58, III Consenso Internacional Pediátrico para o Ma-
2001, Recife, Resumos de Aulas, Nestlé Nutrition, nejo da Asma. Pediatric Pumonology, v. 25, p.
2001, p. 113-114. 1-17, 1998.
OPAS/OMS. Atenção integrada às Doenças Pre- Zulato AS, Asma Aguda na Criança. In: II Manu-
valentes na Infância. Tradução de Silva AC, et al. al de Alergia, Pneumologia e Dermatologia Pedi-
[Fortaleza]: Escola de Saúde Pública do Ceará, átrica. [S.l.]: Sociedade Paranaense de Pediatria,
2005 . 117 p., p. 186-191. 2005. 216 p. Cap. 5, p. 39-45.
360
Capítulo 33
Tuberculose na infância na placenta. Isso é raro e há pouquíssimos casos
luiza vieira de castro registrados dessa natureza.
verônica said de castro A doença pode surgir sem que nenhuma
deficiência imunológica seja evidenciada.
No Brasil, define-se um caso suspeito
de tuberculose pulmonar, todo indivíduo com
sintomatologia clínica sugestiva, ou seja, tosse
com expectoração por três semanas ou mais, fe-
bre, perda de peso e apetite, ou imagem radio-
Introdução lógica sugestiva.
Para o controle epidemiológico, a estraté-
361
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
• Que fatos da história são importantes mas o contrário nem sempre significa que não
para pensar na possibilidade de tratar- ocorreu a infecção. O investigado pode estar no
se de um caso de tuberculose? período de incubação ou atravessando uma fase
• Que informações necessitam ser inves- anérgica por desnutrição, uso de drogas imunos-
tigadas no caso? supressoras ou doenças. Para as crianças vacina-
• Qual a melhor conduta a seguir? das com BCG há menos de dois anos considerar
infectada pelo M. tuberculosis aquelas com in-
duração acima de 15mm. O teste tuberculínico
A tuberculose na infância: é também utilizado para selecionar os comu-
considerações gerais nicantes para quimioprofilaxia (menores de 15
anos reatores assintomáticos, com radiologia de
Na faixa etária pediátrica, a doença tem tórax normal).
algumas características diferentes daquelas do A radiologia de tórax pode apresentar al-
adulto. Geralmente cursa com menor núme- gumas imagens bem sugestivas, com adenopatia
ro de bacilos, portanto menor risco de trans- hilar ou paratraqueal, e em casos de tuberculose
missão. A sintomatologia, principalmente nos miliar, infiltrado micronodular difuso. Outras
menores de cinco anos, pode ser confundida imagens com condensação segmentar, lobar, ate-
com casos de infecção respiratória, tão comuns lectasia, áreas de hiperinsuflação, podem ser vis-
nesta faixa etária. Para o diagnóstico ser feito ta na tuberculose pulmonar. Nos adolescentes as
precocemente é necessário que haja um alto imagens podem ser semelhantes as dos adultos,
grau de suspeição e que a doença seja incluída com cavidade e infiltrados de lobos superiores.
na investigação de patologias de evolução não Sempre deve ser tentada a baciloscopia do
satisfatória tanto pulmonar como extrapulmo- escarro, principalmente para as crianças a par-
nar. O retardo no diagnóstico pode deixar se- tir da idade escolar e os adolescentes. A inves-
qüelas irreparáveis com comprometimento da tigação através do lavado gástrico fica reservado
função pulmonar ou de outros órgãos, para o para casos que suscitem dúvidas diagnósticas e
resto da vida. necessitam confirmação e, em, particular, para
crianças pequenas.
Na tentativa de dar mais segurança ao
Diagnóstico diagnóstico de casos negativos foram criados
vários sistemas de pontuação, o de Stegen G.,
O diagnóstico da tuberculose na faixa etá- Jones K., Kaplan P., de Tijidami O. e outros,
ria pediátrica nem sempre é de certeza, na maio- que podem ajudar o profissional decidir sobre
ria das vezes é de probabilidade pela somatória a conduta de tratar ou não um caso suspeito. O
de vários dados, sendo o principal, o registro da Ministério da Saúde recomenda o sistema criado
exposição a um doente bacilífero, quer seja um pelo Dr. Clemax Sant´Anna (ver quadro em ane-
familiar ou vizinho próximo. Deve-se também xo) o qual estabelece pontos para vários achados
suspeitar de tuberculose em crianças que estão como: quadro radiológico, contato com doente
sendo tratadas corretamente de uma “pneumo- tuberculoso, resposta ao teste tuberculínico e es-
nia” e que não respondem ao tratamento. tado nutricional, e de acordo com a somatória é
O teste tuberculínico deve ser aplicado em feita a interpretação.
todos os menores de 15 anos. Com este exame É importante enfatizar que profissionais
vamos identificar os infectados pelo Mycobacte- que estão nas unidades básicas investiguem a
rium tuberculosis, quando o resultado é reator, existência de pessoas “tussidoras” ou em trata-
362
Capítulo 33 • Tuberculose na infância
mento para “problemas de pulmão” no ambien- equipes de saúde da família é fundamental nesse
te familiar ou entre a vizinhança próxima. Os caso, pois o tratamento corretamente conduzido
pacientes com suspeita clínica de tuberculose, e supervisionado, negativa os doentes bacilífe-
isto é, com quadros pulmonares de evolução ar- ros, em média em 30 dias, quebrando a cadeia do
rastada e que não atingem a pontuação necessá- contágio, e desse modo, preserva-se as crianças
ria para o diagnóstico, segundo o quado do Dr. da infecção tuberculosa.
Clemax, deverão ser submetidos a procedimen- Crianças menores de 15 anos não-vacina-
tos mais invasivos como lavado gástrico, lavado das com BCG intradérmico devem ser subme-
brônquico e até biópsias de pleura e/ou plumão, tidas ao teste tuberculínico. Se for não reator
e para tal devem ser hospitalizados. Em inúme- ao teste, o indivíduo deve ser vacinado. Se for
ras vezes o relato de um familiar somente é feito reator, deve ser realizada radiografia de tórax.
após a confirmação do diagnóstico de tubercu- Os casos em que a radiografia mostrar achados
lose, o que significa seguir o caminho inverso, sugestivos de tuberculose associados à presença
através da criança descobre-se a fonte de infec- de sintomatologia devem ser tratados.
ção.
Quimioprofilaxia
Evolução do caso
A quimioprofilaxia tem o objetivo de prote-
A mãe de J.G. procurou o ambulatório do Hos-
ger indivíduos com alto risco de adoecimento e que
pital Infantil Albert Sabin, onde fez tomografia com-
não foram vacinados com BCG. Seu efeito prote-
putadorizada de tórax que mostrou a persistência do
tor contra a tuberculose ativa está universalmente
processo inflamatório. A criança foi novamente hos-
comprovado, por reduzir entre 40% a 80% o risco
pitalizada, fez lavado gástrico, sendo identificado o
dos indivíduos infectados com o M. tuberculosis e
bacilo ao exame direto e confirmado pela cultura após
tuberculinos positivos desenvolverem doença.
dois meses. Iniciou o esquema RIP (Rifampicina,
Quimioprofilaxia primária é a prevenção da
Isoniazida, Pirazinamida). Após a confirmação do
infecção e a secundária é a profilaxia da doença em
diagnóstico a mãe revelou a presença de vários casos
indivíduos infectados (tuberculino- positivos).
na família.
A droga de escolha para a quimioprofila-
xia é a isoniazida, pois a mesma tem forte poder
bactericida e esterelizante. A dose recomendada
Prevenção da tuberculose da criança
é de 5 a 10 mg/Kg, com o máximo de 400mg, dia-
São três as principais medidas existentes riamente em em única tomada, durante 6 meses.
para a prevenção da tuberculose da infância: As indicações da quimioprofilaxia são as
eliminar os focos de tuberculosos bacilíferos, a seguintes:
quimioprofilaxia e a vacinação BCG. • RN co-habitantes de foco bacilífero. Nesse
caso administrar a isoniazida por três meses,
quando se realiza novo teste tuberculínico
Eliminação de focos novos (PPD).Se a criança for reatora, a quimiopro-
filaxia deve ser mantida por mais três meses;
A criança se infecta com o bacilo da tuber- se não, interrompe-se o uso da isoniazida e
culose através do contágio, portanto a estratégia vacina-se com BCG.
fundamental do controle da doença é a desco- • Crianças menores de 15 anos, sem sinais com-
berta e tratamento dos casos novos. O papel das patíveis com tuberculose ativa, contato de tu-
363
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
berculoso bacilífero, não vacinadas com BCG serção inferior do músculo deltóide, em caso de
e reatores à tuberculina de 10 mm ou mais. primo-vacinação, e 1 a 2 cm, acima, na revacina-
• Crianças que tem contato com tuberculoso ção. Ela pode ser simultaneamente aplicada com
bacilífero, e foram vacinadas com BCG a me- outras vacinas, mesmo com as de vírus vivos.
nos de dois anos, com resposta tuberculínica
de 15 mm e as vacinadas há mais de dois anos
com resposta de 10mm ou mais, com radiolo- Recomendações da Vacina BCG
gia pulmonar normal.
• Indivíduos com viragem tuberculínica recen- • Os RN em geral desde que tenham peso igual
te (até 12 meses), com aumento da resposta ou superior a 2 Kg e sem problemas clínicos.
tuberculínica de no mínimo 10mm. • Os RN filhos de mãe com AIDS.
• Imunodeprimidos comunicantes domicilia- • Crianças soropositivas para HIV ou filhos de
res de bacilíferos. mães com AIDS, desde que, PPD-negativas e
• Reatores forte ao PPD, sem sinais de tubercu- não apresentem os sintomas dessa síndrome.
lose ativa, em uso de corticoterapia prolonga- • Contatos de doentes com hanseníase, desde
da (mais de dois meses com dose de prdnisona que negativos ao PPD. Administra-se duas
acima de 20mg/Kg, uso de imunossupresso- doses de vacina, com intervalo de 6 meses a 1
res, diabetes melitus descompensado, neopla- ano, independente da idade a da existência de
sias malignas. cicatriz vacinal.
• Profissionais de serviços de saúde e novos
profissionais admitidos nesses serviços, des-
Vacinação com BCG Intradérmico de que sejam negativos ao PPD.
• População indígena. Vacinar todos indepen-
O BCG (Bacilo de Calmette e Guerin) é dente da idade e da presença ou ausência de
uma micobacteria viva, originada de bacilo tu- cicatriz vacinal.
berculoso bovino que sofreu um mutacionismo
após ser cultivado em meio de batata glicerinada
com bile de boi, durante 13 anos, com 230 repica- Contra-Indicações
gens quinzenais. O bacilo, então, tornou-se avi-
rulento, mantendo propriedades imunogênicas. • Absolutas: HIV positivos, na fase da doença
É comprovada a eficácia da vacina para AIDS
proteção contra meningite tuberculosa e tuber- - Portadores de Imunodeficiência congênita
culose miliar, conferindo proteção de mais de
80%. • Relativas: adiar a vacina até a resolução das
Ela está indicada nas regiões onde o risco situações encontradas
anual de infecção é superior a 1%, como ocorre - RN com peso inferior a 2 Kg
no Brasil. - Afecções dermatológicas no local da vaci-
Na grande maioria dos estados brasileiros nação ou generalizadas
a vacina é indicada no primeiro ano de vida, ao - Uso de imunodepressores
nascer, pois ela só é eficaz se o organismo não
está infectado com o M. tuberculosis, sendo re-
comendado um reforço aos seis anos de idade. Complicações
A aplicação da vacina é rigorosamente
intradérmica, no braço direito, na altura da in- As mais comuns são abscessos no local da
364
Capítulo 33 • Tuberculose na infância
aplicação por técnica incorreta, úlcera de tama- to com isoniazida, na dosagem de 10mg/Kg de
nho exagerado (acima de 1 cm) e gânglios flutu- peso (até no máximo 400mg), diariamente, até
antes e fistulisados. a regressão da lesão, o que ocorre, em geral, em
O tratamento dessas complicações é fei- torno de 45 dias.
Contato Teste
Estado
Quadro clínico-radiológico com adulto tuberculínico* e
nutricional
tuberculoso vacinação BCG
Febre ou sintomas Adenomegalia hilar ou Próximo, nos Vacinados há mais Desnutrição grave
como: tosse, adinamia, padrão miliar últimos 2 anos de 2 anos ou peso abaixo do
expectoração, emagre- percentil 10 SIS-
cimento, sudorese > 2 – Condensação ou Adicionar 10 pts – menor de 5 mm VAN**
semanas infiltrado (com ou sem 0 pts
esvacação) inalterado – 5 mm a 9 mm Adicionar 5 pts
Adicionar 15 pts > 2 semanas Adicionar 5 pts
– 10 mm a 14 mm
– Condensação ou Adicionar 10 pts
infiltrado (com ou sem – 15 mm ou mais
escavação) > 2 sema- Adicionar 15 pts
nas evoluindo com
piora ou sem melhora
com antibióticos para
germes comuns
Adicionar 15 pts
Assintomático ou com Condesação ou infiltra- Vacinação há menos
sintomas < 2 semanas do de qualquer tipo < 2 de 2 anos
semanas – menor de 10 mm
0 pts 0 pts
Adicionar 5 pts – 10 mm a 14 mm
Adicionar 5 pts
– 15 mm ou mais
Adicionar 15 pts
Infecção respiratória Radiografia normal Ocasional ou Não vacinados Peso igual ou acima
com melhora após uso negativo – menor de 5 mm do percentil 10
de antibióticos para Subtrair 5 pts 0 pts
germes comuns ou sem Subtrair 5 pts – 5 mm a 9 mm 0 pts
antibióticos Adicionar 5pts
– 10 mm ou mais
Subtrair 10 pts Adicionar 15 pts
Legenda: pts – pontos; Esta interpretação não se aplica a revacinados em BCG; ** SISVAN – Sistema de Vigilência Alimentar e Nutricional )MS/1997)
Fontes: Stegen G., Jones K., Kaplan P. (1969) Pediatr 42:260-3; Tijidani O et al (1986 Tubercle 67:269-81; crofton J et al
(1992), Londres. Macmillan p; 29., adaptado por Sant’Anna C.C.
365
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Bibliografia
366
Capítulo 34
Diarréia aguda metodologia empregada – condições técnicas la-
sandra JoseFina Ferraz ellero Grisi boratoriais para pesquisa.
reGina lúcia Portela diniz Mesmo quando são utilizados todos os re-
cursos laboratoriais para a pesquisa dos agentes
conhecidos, a etiologia da diarréia é obtida em
aproximadamente 75% dos casos. Os agentes po-
dem ser divididos em virais, bacterianos e pro-
tozoários. Os mais freqüentes são:
367
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Os mecanismo de agressão dos agentes pa- plicam causando a lise das células e conseqüente
togênicos são: descamação do epitélio.
• Adesão à mucosa intestinal e lesão da A lesão ocorre de maneira irregular, com
borda em escova: neste processo o agente áreas afetadas e áreas integras. Esta lesão leva a
etiológico adere-se firmemente à mucosa um disbalanço entre as células absorvedoras do
do intestino. Há desarranjo e dissolução da ápice que estão lesadas e as células secretoras da
borda em escova com grande redução da su- cripta que estão intactas acarretando perda de
perfície de absorção.É exemplo desse meca- água e eletrólitos.
nismo a ECEP.
• Adesão à mucosa intestinal e produção de
enterotoxina: a bactéria adere à mucosa in- Conduta Diagnóstica
testinal e passa a produzir enterotoxinas, que
ao alcançarem o meio intracelular vão esti- Para o diagnóstico e a indicação da con-
mular a secreção de cloro (Cl-) e consequente- duta terapêutica são necessárias algumas infor-
mente de sódio (Na+) e água, por ativação do mações e observações para avaliação do estado
AMPcíclico ou GMPcíclico. Essa alteração é de hidratação. Os sinais clínicos que ajudam o
irreversível. Para esta adesão é necessário que profissional a decidir sobre o tratamento são:
a bactéria tenha algumas propriedades que • Alteração da consciência como letargia ou ir-
possibilitem a sua fixação na célula e ocorre ritação;
sem destruição da borda em escova e sem in- • Sede: quando oferecida água a criança bebe
vasão da mucosa. São exemplos desse grupo a avidamente ou está letárgica e não consegue
ECET e Vibrio cholerae. beber ou bebe muito mal;
• Invasão da mucosa com proliferação bac- • Sinal de prega: a pele volta lentamente ao es-
teriana intracelular: os agentes invadem o tado anterior;
enterócito do intestino delgado distal e do • Presença de olhos fundos, encovados
cólon, onde se multiplicam, alteram o fun-
cionamento da célula e causam sua morte. A De acordo com os sinais clínicos apresen-
destruição da mucosa causa febre, toxemia e tados pela criança devemos classificar a desidra-
sangue nas fezes. São exemplos desse meca- tação em:
nismo as espécies de Shigella e a ECEI.
• Invasão da mucosa com proliferação bac- Gravemente
Desidrata- Desidrata-
teriana na lâmina própria e nos gânglios
Sem da: dois dos da: dois ou
mesentéricos: estes agentes causam lesão Sinais
desidratação sinais que se mais dos
celular e podem atingir a corrente sangüínea seguem: sinais que se
seguem:
produzindo focos metastáticos ou sépsis. Os Estado Normal ou Inquieta, Letárgica ou
principais representantes desse grupo são es- geral inquieta irritada inconsciente
pécies de Salmonella, Campylobacter jejuni e Olhos
Olhos
Olhos fundos Olhos fundos
normais
Yersinia enterocolitica.
Bebe nor- Não consegue
Ingesta Bebe
malmente ou beber ou bebe
de água avidamente
Muitos enteropatógenos apresentam meca- avidamente muito mal
nismo misto de invasão e produção de toxinas. A pele A pele volta A pele volta
Sinal da volta imedia- lentamente muito lenta-
O rotavírus, que é o principal agente do prega tamente ao es- ao estado mente ao esta-
grupo dos vírus, atua por invasão das células tado anterior anterior do anterior
epiteliais do ápice das vilosidades onde se multi-
368
Capítulo 34 • Diarréia aguda
369
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
370
Capítulo 34 • Diarréia aguda
371
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Bibliografia
372
Capítulo 35
Diarréia persistente persistência do quadro diarréico10.
aMália Maria Porto lustosa Condições insalubres de moradia, abran-
GuilherMe Porto lustosa gendo aglomerações e falta de saneamento bá-
sico, são fatores conhecidos na persistência da
diarréia. Numerosos estudos relatam associação
inversa entre educação materna e risco de per-
sistência da diarréia na infância, demonstrando
que quanto menor o nível de escolaridade das
mães, mais freqüentes e graves são os episó-
Introdução dios19. A redução da capacidade imunológica dos
lactentes demonstram que a diarréia persistente
373
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
elevado risco de vida15. Cerca de 3% a 20% dos epi- proteínas do leite de vaca e da soja, com suas ações
sódios de diarréia aguda tornam-se persistentes, destrutivas sobre o epitélio do intestino delgado,
sendo considerados pacientes de maior potencial atuando como antígenos, produzindo sensibilização
de gravidade, aqueles menores de um ano6. alérgica. Após o nascimento, quanto mais precoce-
Esse conceito exclui os casos de início insi- mente forem introduzidas as proteínas heterólogas,
dioso, de evolução crônica, doença celíaca e outros. maior a possibilidade de ocorrência de hipersensi-
bilidade durante um episódios diarréico3.
O sobrecrescimento bacteriano no intesti-
Fisiopatologia no delgado, presente na maioria dos casos de DP
tem sido avaliado como mecanismo perpetuador
Existem vários fatores patogênicos res- do quadro diarréico8, promovendo a desconjuga-
ponsáveis pelo desenvolvimento da DP, além da ção de sais biliares, redução da área de absorção
própria ação dos agentes enteropatogênicos so- da mucosa intestinal, alteração da permeabili-
bre a mucosa intestinal. As lesões do intestino dade intestinal, má absorção de gordura e vita-
delgado observadas nos pacientes com diarréia minas lipossolúveis e aparecimento de diarréia
persistente podem ser devidas a vários fatores: colerética por ação tóxica direta dos sais biliares
deficiências nutricionais, ação direta dos agentes sobre a mucosa intestinal4.
enteropatogênicos e alergias alimentares, levan- A utilização de drogas que diminuem o pe-
do à perpetuação do ciclo diarréia-desnutrição13, ristaltismo intestinal, no quadro agudo, podem
dificultando a sua recuperação. levar à diminuição do “clearence” bacteriano com
As alterações nutricionais decorrem de uma aumento do número de bactérias no fluido intes-
má absorção devido a uma redução da superfície de tinal, assim como o uso de antibióticos, os quais
absorção intestinal17. Há diminuição da atividade reduzem a flora bacteriana normal, favorecem o
das enzimas da borda em escova, com alteração do crescimento de algumas bactérias, levando ao dese-
transporte ativo dos nutrientes, sendo o mecanis- quilíbrio da flora, persistindo o quadro diarréico14.
mo de digestão de carboidratos o mais suscetível. Alguns enteropatógenos são apontados
A enzima lactase parece ser a mais comprometida, como possíveis causadores de diarréia persistente,
porém a sacarase, glicoamilase e isomaltase po- sendo a Escherichia coli (E.coli) a bactéria mais fre-
dem também encontrar-se diminuídas em menor quentemente encontrada nos quadros diarréicos
proporção. A má absorção de carboidratos, gordu- persistentes12. Essas bactérias expressam diferen-
ras e proteínas dificulta a recuperação da mucosa tes padrões de virulência, sendo aquelas que têm
intestinal lesada, contribuindo dessa forma para o capacidade de aderir às células intestinais chama-
prolongamento do processo diarréico4. das de enteroaderentes. Outro tipo de E. coli pode
Sendo a criança previamente desnutrida originar diarréia persistente através da produção
a má absorção é ainda mais importante, pois a de uma enterotoxina termoestável a qual desesta-
deficiência específica de proteínas leva a uma biliza a borda em escova da mucosa intestinal.
importante redução da borda intestinal em esco- O Cryptosporidium sp é reconhecido como
va. A deficiência de vitaminas e micronutrientes agente causal de diarréia tanto em pacientes imu-
nos desnutridos contribui também para a persis- nodeprimidos como em imunocompetentes, levan-
tência da diarréia, uma vez que os mesmos parti- do a uma redução da altura das vilosidades intesti-
cipam de funções imunológicas e reparadoras do nais e diminuição da atividade das dissacaridases.
epitélio intestinal3. A Salmonella sp, E. coli enteropatogênica clássica, Gi-
Também pode contribuir para a patogênese árdia lamblia, Shigella sp e Klebsiella sp. também são
da DP a absorção de antígenos alimentares como as implicados na patogênese da diarréia persistente8.
374
Capítulo 35 • Diarréia persistente
Todos esses fatores fisiopatológicos, agin- Uma dieta adequada deve ter pelo menos
do concomitantemente, tornam-se responsáveis 110 kcal/kg/dia, sendo que a Organização Mun-
pela perpetuação do processo diarréico e pelo dial de Saúde recomenda que a terapia dietética
agravo nutricional desses pacientes. tenha limitado conteúdo de lactose, apresente
suplementação vitamínica e mineral e que in-
centive o aleitamento materno20.
Diagnóstico Correção da desidratação, acidose meta-
bólica, distúrbios hidro-eletrolíticos e hipogli-
• Pesquisa do agente patogênico nas fezes cemia fazem parte do tratamento da diarréia
- Coprocultura persistente. Algumas crianças necessitam de
- Protoparasitológico hospitalização e tratamento com fórmulas mo-
• Avaliação da absorção intestinal dificadas, quando se caracteriza a falência de tra-
- D xilosemia de 1 hora – após sobrecarga oral tamento ambulatorial (Figura 1).
- Balanço fecal de gorduras de 72 horas
- Dosagem de alfa1 antitripsina nas fezes Fatores Relacionados com a Falência da
- Biópsia de intestino delgado para avaliação Dieta Simplificada
do grau de atrofia vilositária
- Avaliação do estado nutricional – avaliação • Lactentes jovens (< 4 meses)
antropométrica. • Desnutridos graves (< -3 DP)
• Crianças com febre persistente (infecção sis-
têmica)
Tratamento • Crianças com diarréia e perda hídrica acentuada
375
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
*
Fórmulas sem diarrhea in periurban Lima, Peru. J Pediatr Gas-
**
Fórmulas de frango
lactose troenterol Nutr. 1991;12:82-8.
• Leite de vaca: • 200 g de peito de frango 9. Lira PIC, Ashworth A, Morris SS. Low birth
NAN sem lactose • 10 medidas de mucilon de arroz weigth and morbity from diarrhea and respi-
• 50ml de óleo de milho
ratory infection in Northeast Brazil. J Pediatr.
• Fórmula de soja: • 1 litro de água tratada
Isomil. Preparo: 1996;128:497-504.
- Cozinhar bem o frango. 10. Ministério da Saúde (BR). Programa de assistên-
- Liquidificar bem, com mucilon cia à saúde da criança. Brasília, DF; 1995.
e óleo, colocando água até comple-
tar um litro. 11. Nataro JP, Kaper JB. Diarrheagenic Escherichia
- Não passar na peneira e oferecer coli. Clin Microbiol Rev. 1998;11:142-201.
à criança. 12. Oliva CAG, Morais MB, Scaletsky I, Fagundes
- A fórmula preparada pode ser
guardada na geladeira por até
Neto. U. Comparações entre fórmulas com e sem
24hs, devendo ser aquecida em ba- lactose na realimentação de lactentes hospitaliza-
nho-maria e acrescida de adoçante dos com diarréia grave. The Elect J Ped Gast Nut
antes de ser ofertada à criança.
Liv Dis; 1999; 3(1).
13. Penny ME. The role of the duodenal microflora
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8. Lanata CF et al. Epidemiologic, clinical and la-
boratory characteristics of acute vs. persistent
376
Capítulo 36
Doença do Refluxo Fisiopatologia
Gastro-esofágico
Fatores genéticos, ambientais, anatômi-
aMália Maria Porto lustosa
GuilherMe Porto lustosa cos, hormonais e neurogênicos estão envolvi-
dos na fisiopatologia do RGE. Quando ocorre
falha dos mecanismos que atuam como barreira
anti-refluxo, desequilibrando os mecanismos de
agressão e de defesa, ocorre o RGE6.
Consideramos mecanismos de barreira an-
Introdução ti-refluxo o esôfago abdominal, o pilar direito do
diafragma, o ligamento freno esofágico, o ângulo
377
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
aspectos esses que contribuem para a diminuição monia de aspiração, rouquidão, soluços, estri-
da freqüência do RGE nas crianças maiores. dor, laringite, tosse, broncoespasmo, apnéia e
crises de cianose são considerados os principais
sintomas associados ao refluxo, porém, muitas
Quadro Clínico do RGE vezes sintomas respiratórios graves ocorrem sem
qualquer manifestação aparente de refluxo2.
Na maioria das vezes o RGE é considerado Sinusite, otite média, halitose, cáries den-
fisiológico nos recém-nascidos e lactentes, tornan- tárias e a síndrome de Sandifer (esofagite grave,
do-se sintomático por volta do segundo ao quarto movimentos rotatórios espasmódicos da cabeça
mês de vida, apresentando evolução espontânea en- e do pescoço, associados à anemia ferropriva),
tre 12 e 24 meses em 80% dos casos4. A regurgitação são alterações que podem fazer parte do quadro
e os vômitos são os sintomas clássicos nessa faixa clínico de refluxo15.
etária, pois aos quatro meses de idade mais de 50% O diagnóstico diferencial deve ser realiza-
dos lactentes regurgitam12. Mesmo sabendo que os do com a intolerância à proteína do leite de vaca,
sintomas podem resultar em desconforto para o a qual pode manifestar-se por vômitos e recusa
lactente e ansiedade para os pais, a maioria dos lac- alimentar e com as anomalias congênitas, como
tentes não apresenta problemas a longo prazo. a má-rotação intestinal e a estenose hipertrófi-
ca de piloro11 às quais apresentam vômitos pós-
prandiais e perda de peso importante.
Quadro Clínico da DRGE
378
Capítulo 36 • Doença do Refluxo Gastro-esofágico
379
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
380
Capítulo 36 • Doença do Refluxo Gastro-esofágico
381
Capítulo 37
Hepatites virais medidas de profilaxia existentes, que em última
christiane araúJo chaves leite instância representam as ações de melhor custo-
Juliana Barros Mendes benefício no enfrentamento destas infecções.
roBério dias leite
Caso Clínico
383
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
384
Capítulo 37 • Hepatites virais
icterícia, que, ao contrário, ocorre em aproxima- lescentes para não ingerirem bebidas alcoólicas.
damente 70% dos adultos acometidos. História Não são necessárias dietas específicas ou restri-
de icterícia na família, na escola ou viagem para ções de atividade. As drogas consideradas “he-
áreas endêmicas pode estar presente. Em geral o patoprotetoras”, associadas ou não a complexos
prognóstico é excelente, não existindo portado- vitamínicos, não têm nenhum valor terapêutico.
res crônicos. Formas fulminantes ocorrem em As crianças devem ser seguidas até a resolução
apenas 0,5% dos casos, com elevada mortalidade. bioquímica e sorológica da hepatite aguda.
Esporadicamente podem se observar quadros de
evolução subaguda, com recorrência ou persis-
tência de sintomas por tempo mais prolongado Prevenção
que o habitual. A transmissão é fecal-oral e em
geral se estende de 2 semanas até 2 semanas após O saneamento, controle de qualidade da
o início dos sintomas. Não existe tratamento água e a educação em saúde são as medidas mais
específico, nem dieta especial, sendo necessário eficazes e econômicas no controle da Hepatite A.
apenas medidas de suporte. As crianças devem Recomenda-se ainda a desinfecção de secreções
ser afastadas da escola por 20 a 30 dias. Reco- e objetos e cuidados entéricos no convívio com
menda-se rigor na higiene das mãos, lavar bem os pacientes até a fase ictérica, quando o HVA
os alimentos antes do preparo, usar água filtra- ainda está presente nas fezes. Orientar o uso de
da e fervida e buscar melhorias no saneamento hipoclorito de sódio no vaso sanitário para evi-
básico, além da vacina e uso de imunoglobulina tar a contaminação do lençol freático.
normal em circunstâncias especiais. Imunoglobulina humana standard é re-
comendada especialmente para pessoas que têm
ou tiveram contato sexual ou intradomiciliar
Diagnóstico com portadores da Hepatite A e para o recém-
nascido cuja mãe encontra-se ictérica no mo-
É feito através de sorologia, na qual se de- mento do parto. A proteção tem uma duração de
tecta o anticorpo IgM contra o HVA (anti-HVA 3 a 6 meses, dependendo da dose utilizada e tem
IgM). Surge precocemente na fase aguda da do- eficácia de 85% quando administrada antes da
ença e começa a declinar após a segunda semana, exposição ao HVA, ou até 2 semanas posteriores
desaparecendo após 3 meses. TGO e TGP po- à exposição. Dose: 0,02 mL/kg a 0,06mL/kg IM.
dem aumentar mais de 20 vezes o valor normal e Vacina de vírus mortos contra o HVA é
ocorre elevação da bilirrubina direta nos primei- segura e altamente imunogênica, podendo ser ad-
ros 10 dias de doença, queda na segunda semana ministrada a partir de 12 meses de idade em duas
e normalização em 30 dias. doses com intervalo de 6 meses. Está disponível
nos Centros de Referência para Imunobiológicos
Especiais (CRIE) para hepatopatas crônicos e em
Tratamento clínicas particulares de vacinação e pode ser útil
no controle de surtos em uma comunidade.
O tratamento deve ser apenas de supor-
te. A hospitalização pode ser necessária para
pacientes desidratados por causa de vômitos Hepatite B
ou com indícios de falência hepática. Medica-
mentos cujo metabolismo é hepático devem ser A infecção pelo vírus da hepatite B (VHB)
usados com precaução e deve-se alertar aos ado- é uma das principais causas de doença hepática
385
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
crônica no mundo, estimando-se 450 milhões de medicações e instruir adolescentes para o risco
portadores desta forma de hepatite ao final do ano de ingestão de bebidas alcoólicas. O uso da la-
de 2005. Além disso, existe uma forte correlação mivudina (antiviral inibidor da transcriptase
entre infecção pelo VHB e carcinoma hepatocelu- reversa análogo de nucleosídeo), interferon a e
lar. O risco de progressão para hepatite crônica na o transplante hepático podem ser indicados nos
infecção pelo VHB ocorre em 5 a10% dos adultos centros especializados para os quais os pacientes
e em até 90% dos recém-nascidos. O período de devem ser referidos.
incubação varia de 30 a 180 dias. As vias de trans-
missão conhecidas são: vertical, parenteral, sexual,
seringas, material dentário, tatuagem, “piercing”. Prevenção
Em geral, as manifestações clínicas da Hepatite B
são mais insidiosas, quando comparadas com as A melhor profilaxia é a Vacina contra He-
da Hepatite A, embora a fase ictérica seja muito patite B, que deve ser iniciada ao nascimento e
semelhante em ambas. Destaca-se na Hepatite B completada com doses de reforço com 1 e 6 meses
a possibilidade da ocorrência de exantema, artri- de vida e faz parte do calendário básico de vaci-
te e a Síndrome de Gianotti-Crosti. Lembrar que nações do Ministério da Saúde. Em algumas situ-
os recém-nascidos infectados pelo VHB em geral ações específicas (recém-nascido de mãe portado-
apresentam infecção crônica assintomática, de- ra do VHB, contato sexual com portador do VHB
tectada apenas pela elevação das transaminases e e exposição acidental percutânea ou de mucosa
pelos marcadores sorológicos, sendo rara a ocor- com sangue, secreções ou materiais contamina-
rência de icterícia. A forma fulminante ocorre em dos pelo VHB) está indicado o uso da Imuno-
menos de 1% dos casos e a co-infecção com o Ví- globulina Específica Contra Hepatite B (HBIG),
rus da Hepatite D (VHD) piora o prognóstico. disponível nos CRIE, conforme a tabela abaixo.
Dose Tempo
Exposição Vacina
(HIBG) (HBIG)
Diagnóstico sorológico
0,06 ml/kg, Dentro de imediata-
Sexual
IM 14 dias mente
Deve-se solicitar o HbsAg, que aparece en- Até 12 horas Até 12 horas
tre a 2ª e a 10ª semana após a exposição ao vírus, Perinatal 0,5 ml, IM do nasci- do nasci-
mento mento
e o anti-HBc IgM, que confirma o diagnóstico
de hepatite B aguda e pode ser o único marcador
sorológico detectado nas formas graves ou fulmi-
Hepatite C
nantes. Este marcador deve ser solicitado em to-
dos os casos de suspeita clínica de hepatite aguda.
A maioria das infecções pelo VHC é as-
O anti-HbsAg indica evolução para cura da infec-
sintomática. A doença aguda tende a ser leve e
ção natural ou resposta à vacinação. A persistência
de início insidioso em adultos e nas crianças,
do HbsAg por mais de 6 meses define o indivíduo
surgindo icterícia em menos de 20% dos pacien-
na condição de portador crônico do VHB.
tes e as alterações dos testes de função hepática
costumam ser menos intensas que nas Hepati-
tes A e B. Um dos grandes problemas, portanto,
Tratamento
é o reconhecimento da existência da infecção
pelo VHC, já que a infecção persistente por este
A dieta pode ser normal, respeitando-
agente ocorre em cerca da 50 a 60% das crian-
se a tolerância do paciente. Cautela no uso de
ças infectadas, mesmo quando estão ausentes as
386
Capítulo 37 • Hepatites virais
alterações laboratoriais indicativas de doença ças infectadas pelo VHC não necessitam ser ex-
hepática. Em muitos casos o modo te transmis- cluídas de creches. Indivíduos infectados devem
são é ignorado, mas reconhece-se como sendo ser vacinados contra Hepatites A e B.
os mais importantes: transfusão de sangue, per-
cutâneo e vertical. Usuários de droga injetável
representam um dos principais grupos susceptí- Hepatite D
veis. Não há relato de transmissão do VHC pelo
leite materno, embora ele esteja presente no caso O Vírus da Hepatite D (VHD) tem como
de mães infectadas, recomendando-se sua inter- característica principal o fato de ser um vírus
rupção apenas na presença de fissuras ou san- defectivo, isto é, necessita do VHB como auxi-
gramentos nos mamilos. O período de incuba- liar para que produza hepatite. Sua importância,
ção varia de 15 a 150 dias. Hepatite crônica pelo portanto, consiste na capacidade de complicar
VHC, definida pela persistência da identificação a evolução da Hepatite B. Pode ocorrer co-in-
do RNA viral por mais de 6 meses, ocorre em 60 fecção, quando as infecções pelo VHB e VHD
a 70% dos adultos infectados. Em crianças esta acontecem de modo simultâneo, ou superinfec-
informação é limitada, parecendo ocorrer em ção, quando o VHD infecta um portador crônico
menos de 10% dos casos. do VHB. Neste caso, a taxa de mortalidade pode
aumentar para mais de 20%. A transmissão do
Diagnóstico VHD é semelhante à do VHB. No entanto, não é
tão comum a transmissão vertical. O diagnóstico
É feito através da identificação de anticor- deve ser feito a partir da detecção de anticorpos
pos da classe IgG contra o vírus (anti-HVC), que contra o VHD.
não definem se a infecção é aguda, crônica ou se
já foi curada, e pelos testes de reação em cadeia de
transcriptase-polimerase (RT-PCR) para identi-
ficação do RNA do VHC. No caso da transmis-
são vertical, sabe-se que os anticorpos maternos
podem persistir até os 18 meses de idade.
Tratamento
Profilaxia
387
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Bibliografia
388
Capítulo 38
Dengue na criança pelos diversos sorotipos e adquirindo imunida-
roBério dias leite de específica para cada um deles.
christiane araúJo chaves leite
Caso Clínico
389
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
mo “virose”. Certamente que infecção por ente- • Período de Incubação: Varia de 3 a 15 dias,
rovírus deveria entrar no diagnóstico diferencial sendo em média de 5 a 6 dias.
deste caso clínico. No entanto, considerando a • Caso suspeito de Dengue: Segundo o Minis-
procedência da criança, a curva térmica, o com- tério da Saúde do Brasil, todo paciente que
prometimento sistêmico ou, analisando por ou- apresente doença febril aguda com duração
tro lado, a evolução de uma doença febril sem máxima de até sete dias, acompanhada de pelo
sintomas específicos, a possibilidade de se tratar menos dois dos seguintes sintomas: cefaléia;
de um caso de Dengue e suas complicações pos- dor retroorbitária; mialgia; artralgia; prostra-
síveis não poderiam deixar de figurar no diag- ção ou exantema associados ou não à presença
nóstico diferencial. O surgimento de exantema de hemorragias. Além desses sintomas, deve
pruriginoso na evolução reforça este diagnósti- ter estado nos últimos quinze dias em área
co. Sendo assim, caberia ao médico que atendeu onde esteja ocorrendo transmissão de dengue
a criança, já no primeiro momento ou posterior- ou tenha a presença do Aedes aegypti.
mente, procurar investigar e chamar a atenção • Quadro Clínico na Criança: A maioria das
dos responsáveis acerca do surgimento dos si- infecções por dengue nas crianças é assinto-
nais de alerta de gravidade do Dengue descritos mática ou oligossintomática e o curso da do-
na próxima seção e recomendar um retorno ime- ença é autolimitado e benigno. Sendo assim,
diato, caso eles venham a surgir, ou em 48 horas a maior parte das crianças vai apresentar um
para reavaliar o paciente. quadro febril inespecífico de difícil distin-
ção de outras etiologias. Na Dengue Clássi-
ca a febre tende a ser elevada (39 – 40ºC) e
Desenvolvimento da atenção comumente pode ser acompanhada de exan-
tema máculopapular morbiliforme generali-
Os conceitos básicos sobre o vírus da Den- zado, muitas vezes pruriginoso, além de lin-
gue que se seguem fornecem um substrato teó- foadenopatia. Manifestações gastrointestinais
rico mínimo para o entendimento das ações de como diarréia e vômito também são comuns e
prevenção e de conduta clínica frente à criança visceromegalias são raras nesta forma clínica.
com Dengue atendida no nível da atenção pri- Nos menores de dois anos de idade, os sinto-
mária. mas cefaléia, mialgia e artralgia podem ma-
• Etiologia: É causada por um Arbovírus RNA nifestar-se por choro persistente, adinamia
do gênero Flavivirus, pertencente à família e irritabilidade, geralmente com ausência de
Flaviviridae, sendo conhecidos quatro soro- manifestações respiratórias.
tipos: 1, 2, 3 e 4.
• Reservatório: É o ser humano, tendo sido A doença pode durar de 3 a 7 dias. Após
também descrito na Ásia e na África um ciclo os 3 primeiros dias de febre, podem surgir ma-
selvagem envolvendo macacos. nifestações hemorrágicas como epistaxes, peté-
• Vetor: São mosquitos do gênero Aedes. A es- quias, gengivorragias e prova do laço positiva,
pécie Aedes aegypti é a mais importante na entre outras. Deve-se sempre, no exame clínico,
transmissão da doença e também pode ser realizar a prova do laço (técnica descrita adiante)
transmissora da febre amarela urbana. e aferir a pressão arterial com o paciente em pé
e sentado, solicitar hemograma completo para
• Transmissão: A transmissão se faz através da definir a conduta de observação clínica ambula-
picada dos mosquitos Aedes aegypti, que des- torial e/ou indicação de internamento.
te modo infectam o ser humano. Na Dengue Hemorrágica o quadro clíni-
390
Capítulo 38 • Dengue na criança
391
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
GRUPO A
• Ausência de manifestações hemorrágicas
espontâneas ou prova do laço negativa;
• Ausência de sinais de alerta.
Conduta:
• E�ames: Hematócrito, hemoglobina,
leucograma, plaquetas para os pacien-
tes de maior risco para dengue he-
Figura 1. Prova do laço positiva (imagem captada em 22/11/2006 morrágico; Sorologia para gestantes e
do sítio da internet: http://www.cdc.gov/ncidod/dvbid/dengue/sli-
deset/set1/vi/slide10.htm) período não epidêmico ou de acordo
com recomendação da Vigilância Epi-
demiológica;
V. Cabe ao Médico da Família reconhecer • Hidratação conforme Tabela 1;
os critérios de indicação de internação • Sintomáticos: anti-térmicos e anti-alér-
hospitalar: gicos para prurido;
• Presença de sinais de alerta; • Retorno em 48 horas ou imediatamente
• Recusa na ingestão de alimentos e líquidos; se surgirem sinais de alerta.
• Comprometimento respiratório: dor torá- GRUPO B
cica, dificuldade respiratória, diminuição • Manifestações hemorrágicas espontâ-
do murmúrio vesicular ou outros sinais de neas ou com prova do laço positiva sem
392
Capítulo 38 • Dengue na criança
Conduta:
• Iniciar imediatamente hidratação con- Medicamentos antitérmicos habitualmente usados
forme Tabela 1 nos casos de Dengue
•Paracetamol: 10mg/kg/dose até de 6/6h (1gt = 10mg;
• Transferir para leito de observação em máximo 750 mg)
unidade, com capacidade para realizar •Dipirona: 6 a 16mg/kg/dose até de 6/6h (1gt = 25mg;
hidratação venosa sob supervisão médi- injetável 1mL = 500mg; máximo 4g/dia)
ca, por um período mínimo de 24h; NÃO USAR ÁCIDO ACETIL SALICÍLICO NEM
ANTI-INFLAMATÓRIOS
Estadiamento Hidratação recomendada
Hidratação oral (em casa):
• Oferecer líquidos e soros de VII. Notificação e Atividades de Prevenção
reidratação oral de acordo com a
aceitação da criança para fornecer Cabe ao Médico de Família desenvolver
as necessidades básicas de acordo ações de esclarecimento à população, coorde-
Grupo A e Grupo B com a regra de Holliday-Segar*
nar visitas domiciliares pelos agentes de saúde e
Ht até 10% do basal • Repor eventuais perdas (vômitos
e diarréia): promover palestras nas comunidades de modo a
- abaixo de 24 meses: 50 - 100mL ampliar o conhecimento dos leigos sobre o ciclo
(1/4 - 1/2 copo)
- acima de 24 meses: 100 - 200mL de transmissão, gravidade da doença e identifi-
(1/2 - 1 copo) cação de situações de risco, bem como medidas
Hidratação oral (em observação): de proteção individual, como o uso de repelen-
• Oferecer soro de reidratação oral: tes e telas nas portas e janelas.
Grupo B
50 - 100mL/kg de 4 a 6 horas.
Ht > 10% do basal Por ser uma doença de notificação com-
Se necessário hidratação venosa:
ou Ht > 42%
• Soro fisiológico ou Ringer Lacto pulsória, todo caso suspeito e/ou confirmado
- 20mL/kg em 2 horas.
deve ser comunicado ao Serviço de Vigilância
Epidemiológica, o mais rapidamente possível.
Este deverá informar, imediatamente, o fato à
393
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
equipe de controle vetorial local para a adoção • Tendências hemorrágicas evidenciadas por
das medidas necessárias ao combate do vetor. um ou mais dos seguintes sinais: prova do
Cabe ainda ao Médico de Família auxiliar laço positiva, petéquias, equimoses ou púrpu-
na determinação da classificação final dos casos, ras, sangramentos de mucosas do trato gas-
pois a padronização da classificação de casos trointestinal e outros;
permite a comparação da situação epidemiológi- • E�travasamento de plasma devido ao aumento
ca entre diferentes regiões. A classificação é re- de permeabilidade capilar, manifestado por:
trospectiva e, para sua realização, deve-se reunir - Hematócrito apresentando um aumento de
todas as informações clínicas e laboratoriais do 20% sobre o basal na admissão ou queda do
paciente, conforme descrito a seguir: hematócrito em 20%, após o tratamento;
- Presença de derrame pleural, ascite e hipo-
proteinemia.
Caso confirmado de dengue clássica
A dengue hemorrágica pode ser classifica-
É o caso suspeito, confirmado laborato- da de acordo com a sua gravidade em:
rialmente. Durante uma epidemia, a confirma- • Grau I – febre acompanhada de sintomas
ção pode ser feita pelos critérios clínico e epide- inespecíficos, em que a única manifestação
miológico, exceto nos primeiros casos da área, os hemorrágica é a prova do laço positiva;
quais deverão ter confirmação laboratorial. • Grau II – além das manifestações do grau I,
hemorragias espontâneas leves (sangramento
de pele, epistaxe, gengivorragia e outros);
Caso confirmado de febre hemorrágica da dengue • Grau III – colapso circulatório com pulso fraco
e rápido, estreitamento da pressão arterial ou
É o caso confirmado laboratorialmente e hipotensão, pele pegajosa e fria e inquietação;
com todos os critérios presentes a seguir: • Grau IV – Síndrome do Choque da Dengue
• Febre ou história de febre recente de sete dias; (SCD), ou seja, choque profundo com ausên-
• Trombocitopenia (plaquetas 100.000/mm3 ou cia de pressão arterial e pressão de pulso im-
menos); perceptível.
394
Capítulo 38 • Dengue na criança
395
Bibliografia
de Saúde (OMS), por ser uma endemia de re- AERS, três anos e cinco meses, feminino, na-
gião tropical e subtropical, se distribuindo na tural de Tauá-Ceará
Ásia, Europa, África e nas Américas, atingindo QP: febre há 2 meses. HDA: criança com iní-
500.000 casos novos a cada ano no mundo1. cio do quadro há 2 meses com febre tosse e.palidez,
No Brasil, a leishmaniose visceral ameri- tendo procurado a assistência médica na sua cidade,
cana (LVA) é doença de notificação compulsória no início, sendo tratada com amoxacilina. Persistindo
com ampla distribuição geográfica, envolven- os sintomas retornou a unidade de saúde quando foi
do as regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e prescrito antiparasitários, sulfato ferroso e sintomáti-
Sudeste. A notificação do Ministério da Saú- cos. Houve piora do quadro com anorexia, aumen-
to do volume abdominal, edema, manchas no corpo
de (MS), no período 1994-2002, quantificou
associado a vômito sendo encaminhado ao hospital
48.455 casos, sendo 66% no Nordeste, espe-
de Tauá e referido para HIAS-Fortaleza-CE Relato
cialmente na Bahia, Ceará, Maranhão e Piauí.
de cães doentes na vizinhança, nega casos humanos.
Aumento considerável evidenciou-se nos anos
Vacinação em dia. História alimentar satisfatória.
de 1995 e 2000, configurando certo caráter
epidêmico e cíclico a cada cinco anos nas áre-
as endêmicas. Nos últimos dez anos, a média Exame Físico
anual do País foi superior a 3000 casos, com
uma incidência de 2 casos/100.000habitantes, • Peso: 11.500g, estatura: 90cm, temperatura:
sendo que no Nordeste a prevalência foi de 25 39,9ºC, FC: 164bpm, FR: 32irpm. Regular
casos/100.000 habitantes6 Estudo realizado em estado geral, hipocorada, hidratada, acianótica,
Fortaleza-CE no período de 1995-2002 consta- anictérica, petequias em face e edema de membros
tou predominância nos anos de 1995 e 2000 re- inferiores. AC: 2t com sopro no BEE. AP: MV
produzindo o mesmo caráter cíclico epidêmi- universal e sem ruídos adventícios Abdome:fígado
co já mencionado, e o Hospital Infantil Albert há 7cm do RCD e baço há 9cm do RCE.
Sabin (HIAS), hospital de referência terciária • HD: Hepatoesplenomegalia febril
397
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
• Hemograma: Hm: 2,8/mm³; Hb: 7,35g/dl; Ht: Sinais de Alerta Sinais de Gravidade
24,7g/dl; plaqueta: 92000mm³, leuc: 3090; bast: Criança com idade entre 6 Idade inferios a 6 meses
meses a 1 anos
2%; seg: 30%; Eos: 1%; linf: 65% mon: 2%;
Quadro infeccioso suspeito Ictericia
VHS: 86mm; Albumina; 2,9mg/dl; globulina
Casos de recidiva de LV Fenômenos hemorrágicos
4,6mg/dl
Edema localizado Edema generalizado
• TP: 71,3%.
Diárreia Sinais de Toxemia
Vômito Desnutrição grave
Palavras Chaves: Febre por mais de 2 se-
Febre há mais de 60 dias Co-morbidade
mnas, hepatoesplenomegalia febril., pancitope-
Hospitalizar todos os pacientes com sinais de alerta ou gravidade.
nia, hipergamaglobulinemia,e cães doentes.
Principal HD: LVA ou Calazar.
Conceito
398
Capítulo 39 • Leishmaniose visceral americana – Calazar
Ex. físico
c/ hepatomegalia s/ hepatomegalia
Avaliação acompa-
nhamento e alta
399
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Tratamento
Referências
No Brasil, os antimoniais pentavalentes
continuam como droga de escolha por sua com- 1. Badaró RJS. Desenvolvimento e utilização de um
provada eficácia13, na dose de 20mg/kg/dia, IV antígeno especifico de leishmania chagasi (rk39)
ou IM por um período mínimo de 20 dias e má- no diagnóstico da leishmaniose visceral [Tese de
ximo de 40 dias. doutorado]. São Paulo; 1996.
O efeito colateral mais importante é de- 2. Deane LM, Deane MP Observações sobre a
corrente da ação sobre o aparelho cardiovascular transmissão da Leishmaniose visceral no Ceará.
e se traduz por distúrbio de repolarização (in- O HOSPITAL. 1955;48:347-364.
3. Gama MEA, Costa JML, Gomes CMC, Corbett
versão e achatamento da onda T e aumento do
CEP. Subclinical form of the American vis-
espaço QT). Sua toxidade é dose e tempo depen-
ceral leishmaniasis. Men Inst Oswaldo Cruz,
dente5. No caso de toxidade ou refratariedade
2004;99(8):889-893.
utiliza-se a anfotericina B na dose de 1mg/kg/ 4. Kafetziz DA. An overview of paediatric leish-
dia por 14 a 21 dias. maniasis. Journal of Postgraduate Medicine,
Na presença de sinais de gravidade a anfo- 2003;49(1):31-38.
tericina B é a droga de 1ª linha e recomenda-se en- 5. Ministério da Saúde (BR). Controle, diagnóstico
caminhar o paciente para hospital de referência. e tratamento da leishmaniose visceral (calazar),
Brasília, DF; 1996. (Normas Técnicas).
6. Ministério da Saúde (BR). Manual de vigilância
Avaliação da resposta terapêutica: POSITIVA14 e controle da leishmaniose visceral. Brasília, DF;
2003. Disponível em: <http//dtr2001.saúdegov,br/
- FEBRE: regressão nos primeiros 7 dias de editora/produtos/livros/pdf/03_1193_M pdf>.
tratamento 7. Ministério da Saúde (BR). Leishmaniose visceral
grave: normas e condutas, Brasília, DF, 2005.
- PESO: aumento progressivo
8. Pastorino AC. Leishmaniose visceral. Pediatria
- BAÇO: diminuição em 50%
Básica, São Paulo, Sarvier 2003 Tomo II, cap 7 p.
- ESTADO GERAL: melhora até o final do
283-287.
tratamento. 9. Pastorino AC, Jacob CMA, Oselka GW, Sam-
- ALTA: seguimento ambulatorial por no mí- paio MMS. Visceral leishmaniasis: clinical
nimo 6 meses. and laboratorial aspects. Jornal de Pediatria,
2002;78(2):120-127.
10. Pedrosa CMS. Leishmaniose visceral humana
400
Capítulo 39 • Leishmaniose visceral americana – Calazar
401
Capítulo 40
Meningites Bacterianas anos recentes, à semelhança do observado nos
roBério dias leite países desenvolvidos, uma redução extraordi-
antônio Francelino de carvalho nária dos casos de meningite em menores de 5
anos devidos a esta bactéria. Casos esporádicos
ocorrem em menores de 6 meses, que não com-
pletaram o esquema vacinal básico, ou naquelas
crianças porventura não imunizadas.
Um problema relativamente recente é o
representado pelo advento de cepas de pneu-
Introdução mococos com resistência intermediária ou ple-
na à penicilina. No Brasil, estima-se que cerca
403
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
tado pós-ictal. No entanto, alguns dos elementos etiologia é o Meningococo, com freqüência pode
da anamnese já nos obrigam a pensar no diagnós- se observar erupção petequial e purpúrica, em-
tico de meningite: febre, vômitos persistentes, bora este não seja um achado específico. Podem
cefaléia e convulsão. Além disso, o fato de que a estar presentes sinais de comprometimento do
criança vinha apresentando “estado gripal” há 5 sistema nervoso central (SNC), tais como: delí-
dias e somente há 48 horas passou a evoluir com rio, coma, convulsões, tremores, transtornos pu-
febre, faz pensar em uma provável complicação pilares, hipoacusia, ptose palpebral, e nistagmo.
de um quadro inicial de infecção de vias aéreas Lactentes em geral não apresentam os si-
superiores de etiologia inicialmente viral. Além nais clássicos de irritação meníngea. Neste caso,
disso, como se sabe, classicamente as convulsões são observados com maior freqüência: febre e/ou
febris surgem nas primeiras 24 horas de uma do- hipotermia, irritabilidade, agitação ou prostra-
ença febril, diferentemente do caso clínico. Já ção, grito meníngeo, recusa alimentar, choro per-
as informações obtidas com o exame físico, em sistente, má perfusão periférica, acompanhados
que sobressaem os sinais de irritação meníngea, de vômitos persistentes, convulsões e, em cerca
tornam muito provável o diagnóstico de menin- de 40% dos casos, abaulamento de fontanela.
gite. Cabe ao Médico de Família nesta situação:
providenciar acesso venoso para corrigir a desi-
dratação e instituir o início da terapia empírica Agentes Etiológicos
para meningite bacteriana, conforme consta na
O quadro 1 traz a síntese dos agentes etio-
próxima seção deste capítulo, além de referenciar
lógicos de meningites bacterianas mais comuns
o paciente para hospital de nível de atenção terci-
por faixa etária e por condições clínicas especí-
ária e seguir o processo de identificação do agente
ficas relevantes, a fim de orientar a terapia em-
etiológico para fins de orientação de conduta pro-
pírica inicial.
filática para os contactantes, se indicada.
Idade Bactérias mais prováveis
Escherichia coli, Klebsiella
Desenvolvimento da Atenção pneumoniae, Salmonella spp., en-
0 - 28 dias terococcus spp., Listeria monocyto-
Meningite ou inflamação das meninges genes, Estreptococo do grupo do
grupo B
refere-se ao aumento de leucócitos no líquor,
HiB, pneumococo, meningococo
que pode ter diversas causas, infecciosas ou não. 28 dias - 3 meses
+ os mesmos de 0 - 28 dias
Quando se trata de etiologia infecciosa, sobretudo 3 meses - 5 anos HiB, pneumococo, meningococo
as causadas por bactérias, que têm maior relevân- > 5 anos Pneumococo, meningococo
cia epidemiológica e são o objeto deste capítulo, Condição clínica Bactérias mais prováveis
observa-se infecção das leptomeninges (pia-má- Imunocomprome- Pneumococo, meningococo,
ter e aracnóide) e do espaço subaracnóideo. tidos BGN, Listeria monocytogenes
Fratura de base do Pneumococo, H. influenzae e
crânio Estreptococo do grupo A
Quadro Clínico Trauma craniano S. epidermidis, S. aureus, BGN
abertou ou pós-neu-
rocirurgia
Nas meningites bacterianas o início é ge-
S. epidermidis, S. aureus, BGN,
ralmente súbito, com febre elevada, cefaléia in- Fistula liqüórica
Propionibacterium acnes
tensa, vômitos persistentes e rigidez de nuca, aos Quadro 1. Etiologia das meningites bacterianas segundo faixa etá-
quais se associam os sinais de irritação menín- ria e condição clínica especial.
BGN = bacilos Gram negativos.
gea: Kernig, Lasègue e Brudzinski. Quando a
404
Capítulo 40 • Meningites Bacterianas
consultar tabelas específicas disponíveis nos li- Condição Clínica Terapia empírica inicial
parcialmen-
Bacteriana
Bacteriana
te tratada
Fúngica
405
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
406
Capítulo 40 • Meningites Bacterianas
407
Farhat CK. Meningites bacterianas purulentas.
In: Farhat CK et al., Infectologia Pediátrica. 2. ed.
São Paulo, Editora Atheneu, 1998. 738 p.
Farhat CK. Meningites bacterianas purulentas.
In: Farhat CK et al., Infectologia Pediátrica. 2. ed.
São Paulo, Editora Atheneu, 1998. 738 p.
Feigin RD & Pearmon E. Bacterial meningitis
beyond the neonatal period. In: Feigin RD, Cher-
ry JD, Demmler GJ, Kaplan S ed. Textbook of Pe-
diatric Infectious Diseases – 5rd ed. Philadelphia:
WB Saunders; 2003. 3626 p.
Saez-Llorens X, McCracken Jr GH. Antimicro-
bial and anti-inflammatory treatment of bacterial
meningitis. Infect Dis Clin North Am 1999; 13:
619-35.
Van de Beek D, Gans J,Tunkel AR, Wijdicks
EFM. Community acquired meningitis in adults.
N Engl J Med 2006;354:44-53.
Capítulo 41
Adenopatia na criança inguinal com diâmetro até 1 cm, lembrando que
e adolescente sejam não aderentes, indolores, elásticos, móveis
na ausência de outros achados clínicos2,8.
Maria da conceição alves Jucá
Linfadenopatia cervical bilateral aguda
(duração de até 3 semanas) usualmente é causada
por infecção do trato respiratório superior de etio-
logia viral ou bacteriana, destacando-se a farin-
gite estreptococcica. No entanto, as causas mais
comuns de linfadenite crônica (duram mais de 3
Introdução semanas) podem sugerir doença da arranhadura
do gato, infecção por micobactéria ou toxoplas-
409
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
• ACD: Sentou com 6 meses, andou com 1 ano, mograma com linfocitose e atipia linfocitária
com 3 anos falava tudo (sic). Está na 2ª série do convencionalmente cogita-se estar diante da
EF. Síndrome da Mononucleose ou Mono-símile.
Diferentes agentes etiológicos são causa-
dores desta síndrome, como: o citomegalovírus,
Exame Físico toxoplasma gondi, adenovírus, vírus da rubéola,
vírus da hepatite A, vírus da hepatite B, vírus da
• Peso: 22,5Kg Estatura: 120cm Tax: 37,2ºC imunodeficiência adquirida (HIV), treponema
PA:110/70mmHg. pallidum e o mais importante, o vírus Epstein-
• Estado geral regular, hipocorada, hidratada. Barr (EBV).
Dispnéia leve com ruídos respiratórios (roncos) A infecção pelo EBV se caracteriza por
altos. Acianótica. Anictérica. Amígdalas hiper- febre, adenomegalia, dor de garganta, faringite
trofiadas, recobertas por exsudato branco acinzen- com ou sem exsudato, petéquias no palato, he-
tado. Gânglios em cadeias cervicais anteriores e patoesplenomegalia, icterícia, hemograma com
posteriores aumentados bilateralmente (1 - 3 cm linfocitose e atipia linfocitária.
de diâmetro), indolores, não aderentes. Gânglios A adenomegalia apresenta-se como um si-
axilares e inguinais menores que 1 cm. AP: al- nal clínico característico da doença, localizando-
guns roncos. AC: RCR, dois tempos, sem sopros, se principalmente na região cervical, anterior e
FC: 104bpm. Abdome: fígado a 2 cm RCD. posterior podendo, às vezes, ser generalizada
Baço a 3 cm RCE. SNC e Aparelho locomotor (axilar, inguinal, mesentérica e mediastinal). O
sem anormalidades. aumento é rápido, atingindo 1 a 4 cm de diâ-
• Genitália externa: pelos pubianos P1 de Tan- metro, porém o seu desaparecimento é lento.
ner, mucosa vaginal não estrogenizada. Em alguns pacientes uma adenopatia cervical
• HD: Linfadenomegalia Febril (Infecciosa). volumosa pode surgir, simulando o aspecto em
pescoço de touro.
É uma patologia de bom prognóstico,
Exames Complementares porém preocupante nos pacientes com defici-
ência de imunidade, quando pode se cronificar,
• Hemograma: Hb: 10,9g/dl; Ht: 34,4g/dl; pla- evoluindo para formas proliferativas. Podemos,
quetas 120000 mm3; Leuc: 3200. no entanto, observar outras complicações como
• Bast 3%; seg: 47% eos; 1%; bas: 0; linf 47%; ruptura esplênica, insuficiência respiratória alta
mon: 2% VHS 41mm. Atipia linfocitária por obstrução da vias aéreas superiores, pneu-
10%. monite grave, insuficiência cardídaca congesti-
Palavras-chaves: Lymphadenopathy, infec- va (miocardite), insuficiência hepática, convul-
tious mononucleosis. são e coma.
Principal HD: Síndrome da Mononucleose
(Mono – símile).
Aspectos Conceituais e Clínicos
410
Capítulo 41 • Adenopatia na criança e adolescente
Pesquisar doença neoplásica sempre quando durante o exame físico for identificado a presença
de linfonodos grandes, indolores a palpação, aderentes e de consistência aumentada4.
História de ingestão de sim Suspensão da droga e sim Reação a drogas Hemoculturas permitem sim Infecção bacteriana
drogas: Alopurinol, dife- regressão da adenomegalia diagnóstico grave
nilhidantoína, hidralazina, em 2 a 3 semanas
isoniazida sim não
não
Pesquisa de sim Doenças do
identificar antecedentes trans- sim
Síndrome da mononucleose Leucocitose com colagegenoses colágeno
fusionais e/ou epidemiológicos A
• Mononucleose desvio à esquerda permite diagnóstico
Infecciosa
• Citomegalovirose
Hemograma com linfoci- sim • To�oplasmose não
tose atípica + sorologias • Chagas agudo
B Pancitopenia e/ou sim
específicas permitem
células blásticas Mielograma com sim • Leishmaniose visceral
diagnóstico
pesquisas específicas • Neoplasias
não permitem diagnóstico • Doenças de depósito
• Retículoendotelioses
Identificar ao exame físico: • Infecção por fungos
• Emagrecimento sim
Identificar no não
• Anemia hemograma:
• Febre
• Hepatoesplenomegalia C Anemia + sim
reticulocitose Pesquisa de anemias sim
• E�antema Anemias
hemolíticas permite hemolíticas
não diagnóstico
sim
E Leucocitose +
eosinofilia > 20%
• RX Tóraz sim • To�ocaríase
• Protoparitológico • Esquitossomose aguda
• Sorologia para • Estrongiloidíase
Toxocaríase permite Sistêmica
diagnóstico
não
411
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Linfadenomegalia regional
1ª 2ª 3ª 4ª
Possível linfadenopatia
reacional (descartar arranhadura
do gato e adenite por BCG)
Observar
Linfonodos Linfonodos Linfonodos Linfonodos
regrediram regrediram, estacionários após aumentaram no
mas ainda 6 semanas período de 2 a 4
aumentados semanas
Linfonodos
não regredindo
Linfonodos não
regrediram
negativa Positivo: Negativo:
para bactérias para bactérias
resistentes a pe- resistentes a
nicilina: trocar penicilina.
o antibiótico.
Biopsia
Linfonodos de aspecto benigno: elásticos, não-coalescentes, não-aderentes a planos profundos, ausência de fístula: ** A história (febre prolongada, contato com
animais etc.) e exame físico (hepato ou esplenomemalia, exantema, exsudato amigdaliano etc. podem sugerir mononucleose, citomegalovirose, toxoplasmose;
***
Sinais e sintomas sugerindo doença grave: febre por mais de 7 dias, perda de peso, hepatoesplenomegalia, nódulos coalescentes, aderentes e estruturas pro-
fundas. Revista Diagnóstico e Tratamento.
412
Capítulo 41 • Adenopatia na criança e adolescente
413
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
do em questão Referências
• Adenomegalia que não desaparece mesmo
após tratamento específico 1. Correia JB. Adenomegalias. In: Figueira JGBA,
• Uma adenomegalia com investigação negati- Bauler CH. Manual de diagnóstico diferencial em
va que não comece a regredir após um perío- pediatria. Rio de Janeiro: Medsi; 2002. p. 11-8.
do de investigação de 4 a 6 semanas. 2. Ferrer R. Lympnadenopath: differential diagno-
sis and evolution. Disponível em: http://www.
aafp.org/afp981015ap/ferrer.html
3. Fonseca JS. Tuberculosis in children. Eur I Ra-
Para não esquecer !!!
diol 2005 Aug; 55 (2):202-8.
4. Jacob CM. Adenomegalias. In: Marcondes E,
• Linfadenomegalia é um achado comum na Leone C, Oselka GW, Corradini HB. Roteiros
infância diagnósticos em pediatria. São Paulo: Sarvier;
• A resposta linfóide da criança é mais e�acer- 1987. p. 51-66.
bada que a do adulto 5. Kobinger MEBA. Adenomegalia. In: Sucupira
• Hiperplasia reacional é a causa mais comum ACL, Bricks LF, Kobinger MEBA, Saito MI,
de adenomegalia na infância Zucco BTTO. Consultório em pediatria. 2. ed.
• Linfadenites são freqüentes na região cervical São Paulo: Sarvier; 2000. p. 153-64.
• Linfonodos supraclaviculares e cervicais in- 6. Leung AKC, Robson LM. Childhood cervical
feriores são indício de patologias graves lymphadenopathy. J Pediatr Health Care 2004
• Diagnóstico das adenomegalias deve seguir Jan; (8):3 -7.
7. Petrilli AS, Vieira TCS, Volc SM. Linfodenome-
um raciocínio clínico programado
galia periférica na infância. Rev Diag Trat 2002
• Neoplasia é causa rara de linfadenomegalia
out./dez.; 4 (7):22-8.
na infância
8. Rodrigues PPB, Rodrigues YT. Linfonodos. In:
• A biopsia, quando bem indicada, tem maior
Rodrigues PPB, Rodrigues IT. Semiologia pedi-
chance de ser diagnóstica. átrica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogon; 2003.
p. 77-81.
9. Twist C. Initial assessment of lymphadenopathy
in children. Pediatr Clin North Am 2002; 49
(5):1009-25.
414
Capítulo 42
Sinais e sintomas precoces: câncer Devemos levar em consideração que mais
na infância e adolescência da metade dos processos neoplásicos da infân-
cia são agressivos, imunossupressores, com risco
selMa lessa de castro
acrescido de infecções severas, comprometendo
o estado físico muito rapidamente, necessitando
assim de encaminhamento dos profissionais da
Atenção Primária para os Centros Especializa-
dos, para que sejam tomadas medidas assisten-
ciais eficazes.
Introdução O Instituto Nacional de Geografia e Esta-
tística (IBGE) ainda nos mostra que mais de 20
415
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
416
Capítulo 42 • Sinais e sintomas precoces: câncer na infância e adolescência
tindo uma suspeição, deve-se facilitar o acesso nica. As Leucemias Linfocíticas Crônicas (LLC)
do paciente ao Centro Especializado, através do não se manifestam na infância. A diferenciação
sistema de referência/contra-referência, monito- entre linfóide e mielóide é feita pela análise da
rizando tais passos a fim de que o paciente não morfologia dos blastos da medula óssea, exames
tenha o seu diagnóstico retardado. de citoquímica com colorações específicas e imu-
Assim, o diagnóstico diferencial das Leu- nofenotipagem. Os exames de citogenética irão
cemias pode ser estabelecido a partir de critérios orientar quanto ao prognóstico desta doença.
clínicos e laboratoriais (morfologia das células). As manifestações clínicas das leucemias
Chamamos a atenção, neste caso para o pa- são bastante variáveis, sendo as mais freqüentes:
pel do médico da família em fazer o diagnóstico febre, adinamia, dores ósseas e anorexia. Depen-
diferencial entre as doenças, específicas ou não, dendo do grau de infiltração em cada órgão, ao
do sistema hematopoiético, que possam cursar exame físico os pacientes podem demonstrar pa-
com anemia, esplenomegalia, adenopatias e ou- lidez, petéquias, hematomas, hepatoesplenome-
tros dados que irão auxiliar o diagnóstico clíni- galia e adenopatias. Devemos considerar que o
co. Porém, será a avaliação laboratorial com o paciente pode ter vários desses sinais e sintomas
hemograma completo, que encaminhará como ou estar completamente assintomático. Como é
ponto de partida para o diagnóstico diferencial freqüente pacientes com neoplasias malignas,
das leucemias. incluindo as leucemias agudas, apresentarem
queixas reumáticas, recomenda-se que o pedia-
tra e/ou médico da família devem estar familia-
Desenvolvimento da Atenção rizados com o diagnóstico diferencial entre do-
enças reumáticas e neoplasias.
• Aspectos Conceituais das Leucemias: As Os achados laboratoriais também variam,
Leucemias na infância e adolescência repre- desde leucócitos em número normal, elevado
sentam, na maioria dos países, 25 a 30% das (mais comum) ou diminuído. A hemoglobina
neoplasias malignas que ocorrem neste grupo na maioria das vezes está diminuída, podendo
etário. A faixa etária de maior freqüência está também estar normal. E as plaquetas em geral
entre 2 e 5 anos, O risco de uma criança de- estão diminuídas. Dependendo do grau de infil-
senvolver leucemia nos primeiros 10 anos é tração por células leucêmicas em outros órgãos,
de 1/2880. poderemos encontrar alterações na bioquímica
como função renal e hepática alteradas.
A sua etiologia até hoje é discutida, po-
dendo ser consideradas como possíveis causas:
Palidez + Febre + Adenopatias + Plaquetopenia
fatores genéticos associados (anomalias cromos-
sômicas), antecedentes familiares (presença de Realização de Hemograma
irmão gêmeo com leucemia), fatores ambientais
(uso de maconha na gestação, exposição ao ben-
Presença de células Presença de outras
zeno e pesticidas) efeitos da irradiação, exposi- imaturas (blastos) alterações
ção a drogas antineoplásicas, fatores imunológi-
cos e exposição a alguns tipos de vírus. Mielograma Processo infeccioso
As leucemias mais comuns na infância Outros diagnósticos
são as Agudas, sendo 85% as Leucemias Linfói- LEUCEMIA
des Agudas (LLA), 10% as Leucemias Mielóides AGUDA
417
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
418
Capítulo 42 • Sinais e sintomas precoces: câncer na infância e adolescência
• Aspectos Conceituais dos Tumores Abdo- Antoneli CBG. Sinais precoces do câncer na in-
minais Malignos na Infância: A palpação fância. Vacinação 2006 Junh 2:11-12.
de uma massa abdominal na infância tanto
Camargo B, Lopes LF. Pediatria oncológica: no-
pode representar uma manifestação benig-
ções fundamentais para o pediatra. São Paulo: Le-
na, no caso dos recém-nascidos, como pode
mar; 2000.
tratar-se de uma doença maligna grave. Por
esse motivo, toda massa abdominal deve ser D’Angio GJ, Sinniah D, Meadows AT, Evans AE,
cuidadosamente examinada e submetida a Pritchard J. Pediatria oncológica Prática. Rio de
Janeiro: Revinte; 1995.
exames de imagem para que se possa identi-
ficar sua origem. Figueira F, Alves JGB, Bacelar CH. Manual de
diagnóstico diferencial em pediatria. Rio de Ja-
O sinal mais freqüente dos tumores sóli- neiro: Medsi; 2002.
dos na infância é uma massa abdominal, a qual Lanzkowsky P. Manual of pediatric hematology
nem sempre é detectada por um familiar ou mes- and oncology. 4th ed. Amsterdam: Elsevier Aca-
mo pelo médico durante o exame físico de roti- demic Press; 2005.
na. Não é incomum que sejam assintomáticas, Lopez LM, Villa AM. Hematologia y oncologia
porém em nosso meio, infelizmente, este achado pediátricas. Madrid: Ediciones Ergon; 1997.
é menos freqüente já que a maioria das crianças
Pizzo PA, Poplack DG. Principles and practice of
chega aos centros de referência com massas ab-
pediatric oncology. 5th ed. Lippincott: Williams
dominais em avançado estágio.
& Wilkins; 2005.
Os tumores abdominais malignos mais
freqüentes na infância são os Linfomas não Rodrigues KE, Camargo B. Diagnóstico precoce
do câncer infantil: responsabilidade de todos. Rev
Hodgkin, os Neuroblastomas e o Tumor de
Assoc Med Bras 2002; 49 (1): 29-34.
Wilms, variando sua incidência dependendo
da faixa etária. Outros tumores como os hepa- Schwartz MW. Clinical handbook of pediatrics. 2ª
toblastomas, rabdomiossarcomas, tumores de ed. Lippincott: Williams & Wilkins; 1999.
células germinativas e carcinoma de adrenal Silva DB, Barreto JHS, Pianovski MAD. Epi-
são menos comuns. demiologia e diagnóstico precoce do câncer na
O Linfoma não Hodgkin compreende um criança. In: Lopez FA, Campos Júnior D. Tratado
grupo de neoplasias originárias do tecido lin- de pediatria. Brueri: Manole; 2007. p. 1634-67.
fóide. O local primário abdominal varia de 30 a
60% dos casos, porém em nosso meio é observa-
do em torno de 60% dos casos.
419
Capítulo 43
Infecção urinária na criança ca com quimioprofilaxia e/ou cirúrgica adequa-
e adolescente das, a fim de evitar recorrência de ITU e cicatriz
renal adicional.
álvaro JorGe Madeiro leite
Kathia liliane da cunha riBeiro zuntini A cicatriz renal tem natureza fibrótica
permanente, não funcional, sendo sequela da
organização do processo inflamatório agudo do
tecido renal que ocorre durante a pielonefrite
aguda. Os principais fatores de risco à pielone-
frite aguda e à formação de cicatriz renal são a
Introdução baixa faixa etária e o retardo na instituição do
tratamento da ITU. Outros fatores de risco são
421
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
de encaminhar para investigação por imagem e primidos, pacientes que tenham sido submeti-
corrigir cirurgicamente as uropatias obstrutivas, dos a procedimentos cirúrgicos ou de cateteris-
quando necessário. Estas crianças, poderão evo- mo do trato urinário ou que sejam portadores
luir com ITU recorrente e lesão renal adicional. de malformações obstrutivas do trato urinário.
Por outro lado, o diagnóstico falso positivo, po- O Proteus mirabilis é a segunda bactéria mais
derá levar a criança à realização de investigação freqüente no menino. Isto ocorre devido o fato
por imagem do trato urinário não necessário. desta bactéria fisiologicamente colonizar a glan-
Como os centros de referência especializados de e meato uretral. O Proteus mirabilis também
recebem estas crianças por encaminhamento da está associado a infecções do trato urinário em
atenção primária, é de grande importância e res- crianças portadoras de cálculo urinário, por sua
ponsabilidade a abordagem inicial das crianças capacidade de metabolizar a uréia, produzindo
com ITU, pelos profissionais da atenção básica amônio, resultando na alcalinização da urina.
de saúde. A urina alcalinizada predispõe à formação de
cálculos. Nos adolescentes do sexo feminino
bactérias gram positivas podem ser freqüentes,
Discussão Etiológica como é o caso dos Staphylococcus saprophyticus
e epidermidis, no entanto, em geral, constituem
A infecção urinária é causada na sua gran- uma minoria dos agentes infecciosos de infecção
de maioria dos casos por contaminação por via urinária na faixa pediátrica.
uretral. A Escherichia coli é a bactéria causado-
ra, predominante em todas as idades e ambos os
sexos. Esta bactéria tem propriedades que a dife- Caso Clínico 1
renciam na capacidade de penetrar no trato uri-
nário, aderir e invadir o tecido uroepitelial. Os Criança de 4 anos, sexo feminino, procedente
antígenos “H” ou flagelares de natureza protéica de Chaval, Ceará.
proporcionam motilidade necessária para esta • HDA: A mãe refere que a criança vem apresen-
bactéria ascender pela uretra, ureteres e sistema tando disúria e polaciúria há 5 dias. Nega febre.
pielocalicial. Filamentos protéicos da superfície Refere dor no baixo ventre.
da E. coli denominadas adesinas ou “Pili”, por • IOA: Refere que a criança evacua de 2/2 dias
sua vez, se ligam a receptores de natureza gli- fezes endurecidas e volumosas. Nega leucorréia
coprotéica da superfície da célula uroepitelial, e ou hiperemia vulvo-vaginal. Refere micção de
conferindo a esta bactéria a capacidade de se freqüência normal, 5 vezes ao dia, sem perdas uri-
aderir às células uroepiteliais e causar infecção. nárias na roupa, antes desta doença.
Além disso, a E. coli produz várias toxinas en- • Antecedentes Fisiológicos: Parto normal a ter-
volvidas na invasão e lesão celular do tecido do mo; Peso: 3,200kg; Est: 50cm; chorou ao nascer;
trato urinário. alta sem intercorrências.
As outras bactérias gram negativas da fa- • Antecedentes Patológicos: Vulvo-vaginite há 1
mília das enterobactérias como Klebsiela, En- mês.
terobacter, Serratia, Acinetobacter, Pseudomo- • Antecedentes Familiares: Nega doenças renais
nas aeruginosa, também podem causar infecção na família.
urinária a depender de fatores do hospedeiro • Exame Físico: Peso: 24kg; Estatura: 110 cm;
associados. São mais freqüentes em pacientes Temp: 36,5ºC; PA: 90x60mmHg. Bom estado
hospitalizados, pacientes em uso recorrente ou geral, eupnéica, afebril, normocorada, hidratada.
prolongado de antibióticos, pacientes imunode- AP: MV presente e universal, sem ruídos adven-
422
Capítulo 43 • Infecção urinária na criança e adolescente
tícios. AC: RCR, 2T, BNF, FC: 90bpm, sem so- Considerações Clínicas e Diagnósticas
pros.
• Abdomen: flácido, indolor, sem megalias. EXT: O diagnóstico da infecção urinária envol-
Sem edema, cianose ou outras alterações. ve a clínica e exames laboratoriais (sumário de
• Laboratório: Sumário de Urina: Dens: 1030, urina e urinocultura). Mais recentemente a cin-
Hg: ++; Prot:-; Leucócitos: 48/campo; He- tilografia renal com DMSA, também tem papel
mácias 20/campo; Bactérias: numerosas, flora diagnóstico em casos especiais.
bacteriana homogênea composta de bacilos gram
negativos. Urinocultura: em andamento.
Clínica
423
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
424
Capítulo 43 • Infecção urinária na criança e adolescente
homogênea. Hematúria microscópica pode es- seado na clínica e exames já obtidos, em detri-
tar associada, assim como proteinúria leve, não mento de retardar o tratamento da pielonefrite,
sendo imprescindíveis ao diagnóstico e nem o que traria risco de cicatriz renal e até de vida
sugestivo de infecção urinária quando ocorrem para o lactente. Devido a baixa idade, a qual está
isoladamente, sem leucocitúria e bacteriúria. O mais associada a malformações congênitas, além
sumário de urina é exame rápido, que reforça da clínica de infecção sistêmica, é indicado nes-
a suspeita diagnóstica, tendo papel importante ta criança, o hemograma completo, PCR, uréia,
em selecionar os casos sugestivos de infecção creatinina e ultrassonografia de urgência.
urinária e auxiliar na decisão de iniciar trata-
mento precoce, antes mesmo do resultado da
urinocultura que confirmará ou não o diagnós- Considerações terapéuticas e de
tico. É importante que se enfatize que, o resul- seguimento
tado de sumário de urina solicitado para fins de
diagnóstico de infecção urinária deve ser libe-
rado dentro de no máximo 12 horas, uma vez Tratamento
que, o tratamento da ITU febril constitui uma
urgência. Quanto mais retardado for o início O tratamento da ITU deve ser precoce, a
do tratamento da ITU, maior a chance de lesão fim de evitar lesão renal, e deve ser eficaz, sendo
permanente de tecido renal, principalmente nas a antibioticoterapia dirigida para gram negati-
crianças abaixo de 2 anos. vos da família das enterobactérias.
Nos caso clinico 1, o sumário de urina foi O tratamento da infecção urinária (ITU)
coletado por jato médio, técnica correta, sendo é didaticamente dirigida para dois grupos de
portanto, de resultado confiável, e compatível pacientes: os com características de ITU com-
com infecção urinária. Apesar da urinocultura plicada, e os com características de ITU não
estar em andamento a indicação é iniciar trata- complicada.
mento. Se não houvesse sido colhido urinocul-
tura, seria orientado fazê-la imediatamente e en-
tão iniciar tratamento. Pacientes com ITU não complicada
No caso clínico 2, o sumário de urina tam-
bém mostra leucocitúria e bacteriúria impor- Maiores de 2 anos de idade, sem ante-
tantes, compatíveis com o diagnóstico de infec- cedentes de ITU recorrentes, sem provável ou
ção urinária, entretanto a amostra de urina foi confirmada malformação do trato urinário, ITU
obtida por saco coletor, que está susceptível de afebris ou com febre baixa, sintomas exclusivos
contaminação. Neste caso, é necessário coletar de cistites, ausência de sintomas de infecção sis-
urina por punção supra-púbica para realização têmica e de Giordano positivo.
de novo sumário de urina e urinocultura e logo • Tratamento ambulatorial: Duração de 7 a
após iniciar tratamento antibiótico parenteral. 10 dias; opções de antibioticoterapia via oral:
Esta criança deverá ser encaminhada para in- Nitrofurantoína 5 mg/Kg/dia de 6 em 6 ho-
ternação em hospital secundário ou terciário. Se ras; Ácido nalidíxico: 50 mg/Kg/dia de 6 em
não for possível a coleta por punção supra-pú- 6 horas; Cefalosporina de 1a geração: cefale-
bica, pode-se proceder a coleta por cateterismo xina 50 a 80 mg/Kg/dia de 6 em 6 horas ou
vesical e após iniciar tratamento. Caso também cefadroxil 30 a 50 mg/Kg/dia de 12 em 12 ho-
não seja possível a coleta por cateterismo vesical, ras. Amoxacilina: 50 a 80 mg/Kg/dia de 8 em
deve-se optar por iniciar a antibioticoterapia ba- 8 horas.
425
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
426
Capítulo 43 • Infecção urinária na criança e adolescente
427
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
O responsável pela criança com antece- American Academy of Pediatrics. Practice para-
dente de ITU, portadora ou não de malformação meter: the diagnosis, treatement and evaluation of
do trato urinário, deve ser alertado da possibi- the inicial urinary tract infection in febrile infants
lidade de recorrência da ITU. Deve-se orientar and young children. Pediatrics 1999:13:843-50.
que em vigência de febre isolada ou associada a
Baraff LJ, Bass JW, Fleisher GR, Klein JO, Mc-
sintomas inespecíficos, assim como de sintomas Cracken Jr GH, Powell KR. Practice guideline
urinários baixos ou disfunção miccional, é ne- for the management of infants and children 0 to
cessário procurar assistência médica a fim de re- 36 months of age with fever without source. Ann
alizar sumário de urina e urinocultura, para des- Emerg Med 1993:92:1198-210.
cartar ITU ou confirmá-la, e neste caso iniciar
Cooper CS, Chung BI, Kirsch AJ, Canning DA,
antibioticoterapia precocemente. Não é indica-
Snyder BI. The outcome of stopping prophylatic
da a repetição sistemática de exames de sumário antibiotics in older children with vesicoureteral
de urina e urinocultura na criança assintomática reflux. J Urol 2000:163:269-273.
com antecedente de ITU, entretanto é obrigató-
Farhat W, Mclorie G, Geary D, Capolicchio G, Ba-
ria sua realização imediata ao aparecimento de
gli D, Merquerian P, et al. The natural history of
sintomas sugestivos de ITU.
neonatal vesicoureteral reflux associated with an-
tenatal hydronephrosis. J Urol 2006:164:1057-60.
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Shaw KN, Gorelick MH. Urinary tract infection
in pediatric patient: review. Pediatr Clin North
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428
Capítulo 44
Glomérulo Nefrite Difusa Aguda lidade genética e da nefritogenicidade da cepa
pós-estreptocócica do estreptococo. Fatores genéticos determinam
uma resposta imunológica mediada por imu-
Kathia liliane da cunha riBeiro zuntini
nocomplexos quando o componente antigêni-
co do estreptococo é reconhecido imunologi-
camente. Esta resposta culmina com a fixação
destes imunocomplexos nos glomérulos e assim
é desencadeada a inflamação renal difusa. Esta
inflamação glomerular súbita causa redução
Introdução da taxa de filtração glomerular e lesão do glo-
mérulo, levando a graus variáveis de hematúria,
429
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
430
Capítulo 44 • Glomérulo Nefrite Difusa Aguda pós-estreptocócica
cópica comparando-se a descrição com cores dos quadros de GNDA são de intensidade leve.
estabelecidas como: “cor de coca-cola”, “cor de Desta forma podem ser abordados no ambulató-
fanta laranja”, “cor de lavado de carne”, sugesti- rio em atenção básica de saúde
vas respectivamente de: hematúria macroscópi- A GNDA não tem tratamento específico.
ca glomerular; urina muito concentrada; hema- O tratamento do estreptococo deve ser feito se
túria macroscópica, tanto de origem glomerular houver indícios de infecção atual ou com o ob-
como do trato urinário excretor. O uso do termo jetivo de erradicar a cepa nefritogênica,quando
“ urina escura” sem definir cor, assim como, se usa a penicilina benzatina, a fim de evitar sua
simplesmente traduzir como hematúria macros- transmissão. Este tratamento, entretanto não
cópica a queixa de urina escura, pode resultar modifica a evolução ou prognóstico da GNDA.
numa informação falso positiva. Sintomas que Assim sendo, o tratamento da GNDA é sintomá-
possam sugerir glomerulopatia auto-imune tam- tico, individualizado, a depender do diagnóstico
bém devem ser perguntados como por exemplo, fisiopatológico.
febre prolongada, artralgia, exantemas. É importante que ao se verificar a pres-
Nos antecedentes é importante questionar são arterial da criança se esteja atento a algu-
se a criança já apresentou quadro semelhante, o mas exigências da faixa etária pediátrica. A
que pode sugerir outra glomerulopatia que não primeira é o tamanho adequado do manguito
GNDA. Não é comum que uma mesma crian- para o tamanho do braço da criança. A largu-
ça desenvolva GNDA mais de uma vez , já que ra deste deve corresponder a 2/3 do braço da
apenas determinadas cepas ditas nefritogênicas criança medido do olécrano ao acrômio; quanto
desencadeam esta doença. ao comprimento, este deve abraçar ¾ ou 80%
O antecedente de uma infecção faringoa- do diâmetro do braço. Deve-se alertar para o
migdaliana, como no caso acima, ou de lesões de fato que um manguito menor que o adequado
pele como impetigo, ferimento ou varicela infec- erra superestimando a pressão arterial de for-
tados, ou celulite, ocorridos entre 1 a 3 semanas ma muito significativa. O manguito maior erra
do início dos sintomas, pode estar presente, cor- subestimando a pressão arterial, mas em bem
roborando com o diagnóstico. A ausência deste menor intensidade que na situação anterior.
relato entretanto não descarta o diagnóstico. Desta forma quando não se tem manguito ade-
Antecedente de doença renal na família quado é preferível verificar com o maior tama-
deve ser explorado, perguntando-se sobre ocor- nho, que tem a margem de erro menor, com a
rência de casos semelhantes, ou de insuficiência condição de que, o manguito não cubra a fossa
renal crônica ou ainda de tratamento dialítico cubital, onde se apóia o estetoscópio. A segunda
ou transplante que possam sugerir doença glo- observação é que a pressão arterial seja aferida
merular outra que não GNDA, e sim, glomeru- quando a criança está em repouso e tranqüila,
lopatia heredo-familiar. não devendo ser considerados, por exemplo,
O exame físico é de extrema importância, os valores de pressão arterial verificados com a
uma vez que muito contribui para o diagnós- criança chorando, os quais podem estar extre-
tico fisiopatológico, o qual vai guiar a conduta mamente superestimados.
terapêutica. No diagnóstico fisiopatológico se
avalia a presença e a intensidade de congestão
cardio-pulmonar, de hipertensão e de insufici-
ência renal aguda, os quais definem a gravidade
do quadro agudo e a conduta terapêutica a ser
tomada (Tabela 1). Como já relatado a maioria
431
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Para confirmação do diagnóstico e avalia- pode estar presente anemia importante, devi-
ção clínica são necessários os seguintes exames do anemia ferropriva pré-existente.
laboratoriais: • C3: esta fração do complemento encontra-se
• Sumário de Urina: hematúria desde leve a diminuída na quase totalidade dos casos, sen-
maciça, é o achado mais característico; do assim exame importante na confirmação
• Proteinúria pode não estar presente, ou ser do diagnóstico, assim como, no seguimento e
leve a moderada, raramente maciça. no prognóstico. Costuma-se normalizar entre
• Cilindros hialinos não são infrequentes. quatro a oito semanas de doença.
• Cilindros hemáticos quando presentes são • ASO: anticorpo marcador das infecções es-
patognomônicos. Leucocitúria importante e treptocócicas. Pode ou não estar elevado, não
cilindros leucocitários podem aparecer devi- descartando o diagnóstico de GNDA. Ele-
do processo inflamatório, sem bacteriúria. va-se nas infecções estreptocócicas faringo-
• Uréia e Creatinina: geralmente levemente amigdalianas, mas não nas de pele.
elevados.Usa-se a creatinina sérica para cál-
culo de clearence de creatinina estimado atra- Outros exames só serão necessários na
vés da fórmula de Schwartz: GNDA de evolução complicada.
Na impossibilidade de realizar todos os
Clearence de Creatinina = k x Estatura (cm) exames acima, são suficientes o sumário de uri-
Creatina sérica na, uréia, creatinina, potássio, para seguimento
onde k = constante = 0,55 > 1 ano de idade e conduta em atenção básica de saúde dos casos
= 0,75 meninos > 12 anos considerados leves ou moderados, com boa res-
posta ao tratamento, e regressão das manifesta-
O resultado é taxa de filtração glomerular ções clínicas dentro de cinco a dez dias.
estimada (TFG) em ml/min/1,73m2. Classifica- No caso clínico ilustrado, a criança tem
se em normal, se > 90ml/min/1,73m2; Insufici- pressão arterial de 130 x 80mmHg, sendo assim
ência renal leve, se > 50 e < 90ml/min/1,73m2, hipertensão leve, insuficiência renal também
Insuficiência renal moderada se maior ou igual leve, com clearence de creatinina estimado de
a 20 e < 50ml/min/1,73m2; Insuficiência renal 65,45ml/min/1,73m2, entretanto tem congestão
grave, se < 20ml/min/1,73m2. cardio-pulmonar moderada, porque refere disp-
• Hemograma completo: geralmente mos- néia leve e tem freqüência cardíaca elevada.
tra anemia leve de natureza dilucional. Em
meios de baixa condição sócio-econômica
432
Capítulo 44 • Glomérulo Nefrite Difusa Aguda pós-estreptocócica
433
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
va (hipertensão grave, diastólica > 110 mmHg, O seguimento a longo prazo da GNDA é
com alteração do estado de vigília, desorientação, feito através da avaliação periódica do sumário
convulsão), associar nifedipina cápsula (1caps = de urina, mensalmente até desaparecimento da
10mg = 10 gotas) sub-lingual em baixas doses hematúria microscópica e uma a duas vezes ao
(15 a 20Kg = 2 gotas, 20 a 40Kg = 3 gotas , > ano após o desaparecimento da hematúria mi-
40Kg = 4 gotas) ou captopril 1mg/Kg, VO ou croscópica, não necessitando outros exames se
SL, assim como antIconvulsivante EV, se con- este é normal. A pressão arterial também deve
vulsão, enquanto providencia-se hospitalização ser verificada por ocasião destas revisões.
de emergência,em UTI. Não obrigatoriamente há necessidade de
No caso clínico exposto, a criança tem avaliação ou seguimento por nefrologista pe-
GNDA com hipertensão leve, insuficiência renal diátrico dos casos de GNDA de boa evolução
leve e congestão cardio-pulmonar moderada. Ad- (regressão dentro de cinco a quatorze dias). En-
ministrou-se furosemide 1mg/Kg, VO, pois não tretanto, nos casos nos quais, o edema, hematú-
era possível EV, e observou-se a clínica e diurese ria macroscópica, proteinúria, hipertensão, ou
num período de quatro horas. A criança apresen- insuficiência renal não regridam totalmente em
tou 300ml de diurese; dispnéia e taquicardia re- quatro semanas; ou nos casos de GNDA grave
grediram. Foi então prescrito dieta com restrição (insuficiência renal grave, hipertensão grave,
de sódio rigorosa, furosemide 2mg/Kg/dia, VO e congestão cardio-pulmonar grave), ou associados
mãe orientada a medir e anotar diurese de 24 ho- à síndrome nefrótica, é necessário a avaliação e
ras, e retornar diariamente para verificar pressão seguimento com especialista. Ainda aqueles ca-
arterial e peso. Também foi orientada quanto a sos ,com antecedentes de história familiar para
necessidade de procurar serviço de emergência se insuficiência renal ou qualquer outra doença re-
os sintomas de dispnéia retornasse ou se surgisse nal, devem ser encaminhados para avaliação do
cefaléia, sonolência, irritabilidade ou vômito. especialista.
A GNDA é doença autolimitada, de re- É importante que lembremos que a úni-
gressão espontânea, não se justificando o uso de ca forma de evitar a GNDA é prevenindo a
corticóides ou qualquer outra medicação com o infecção estreptocócica. Em meios sócio-eco-
objetivo de tratá-la. Costuma evoluir com regres- nômicos menos favorecidos o tratamento da
são da hematúria macroscópica, da proteinúria, escabiose é sem dúvida importante prevenção,
da hipertensão, da congestão cardio-pulmonar já que a escabiose infectada é uma das causas
e normalização dos níveis de uréia e creatini- frequentes de infecção estreptocócica nestas
na, dentro de cinco a quatoze dias de evolução. comunidades.Também a prevenção ou trata-
Neste período apresenta poliúria e perda de peso mento adequado do estrófulo e dos ferimentos
progressiva. Alguns poucos casos mais arrasta- contribuem neste sentido.
dos podem manter estas alterações até quatro
semanas, sem que signifique pior prognóstico.
O valor do C3 costuma normalizar dentro
de quatro a oito semanas do início da GNDA.
A hematúria microscópica persiste por
alguns meses, geralmente normalizando até seis
meses da doença, entretanto pode estar presente
sem qualquer outra manifestação até um ano da
doença, sem significado prognóstico em relação
a função renal.
434
Capítulo 44 • Glomérulo Nefrite Difusa Aguda pós-estreptocócica
Bibliografia
435
Capítulo 45
Síndrome nefrótica Dado sua grande predominância na infân-
na infância cia, a síndrome nefrótica por lesão mínima é o
protótipo desta entidade nesta faixa etária, geral-
Kathia liliane da cunha riBeiro zuntini
mente corticossensível, determinando abordagem
diagnóstica e tratamento inicial. A biópsia renal
não tem indicação inicial, sendo reservada para
os casos que não respondam ao tratamento com
corticóide, definidos como corticorresistentes.
Dado estas considerações este capítulo
Introdução abordará apenas a síndrome nefrótica idiopática
por lesão mínima.
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Capítulo 45 • Síndrome nefrótica na infância
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
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Capítulo 45 • Síndrome nefrótica na infância
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
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Capítulo 45 • Síndrome nefrótica na infância
peritonite, deve ser dirigida sempre para o • A criança com diagnóstico de síndrome ne-
pneumococo, ou seja, penicilina cristalina. frótica idiopática em remissão, não estando
• Instituir dieta hipossódica, pois o hiperaldos- em uso de corticóide deve ser vacinada para
teronismo secundário presente, causa reten- pneumococo, o quanto mais rápido possível.
ção salina, potencializando a anasarca hipoal-
buminêmica. No caso clínico acima, a criança, apresenta-
• Não tratar o edema do nefrótico com diuréticos va síndrome nefrótica com quadro concomitante
de alta potência, como é o caso da furosemide. de pneumonia. A indicação é interná-la, tratar a
Este pode agravar a hipovolemia existente e pneumonia com penicilina cristalina por 7 dias,
precipitar hipotensão, choque ou hipoperfu- fazer tratamento antiparasitário e após controle
são renal e conseqüente insuficiência renal clínico da pneumonia, iniciar prednisona. Con-
aguda. Furosemide só tem indicação, nas raras trole de RX de tórax é importante para verificar
vezes, que a ascite ou derrame pleural são tão a regressão do infiltrado pneumônico como para
volumosos, que levam a restrição respiratória, monitorizar o derrame pleural. É provável que o
sendo usado endovenoso, concomitante ou em tratamento da pneumonia induza uma melhora
seguida a albumina. A espirinolactona é o diu- da proteinúria, bem como da anasarca e derrame
rético, via oral, que pode ser usado na anasarca pleural, mesmo antes do início do corticóide.
importante enquanto se aguarda tratamento e
resposta ao corticóide o qual requer de 5 a 14
dias para induzir remissão. A dose usada pode Em atenção básica de saúde podemos então
variar de 3 a 5mg/Kg/dia. Como é poupador de enumerar os seguintes passos:
potássio não pode ser usada quando há insufi-
ciência renal aguda. • Suspeitar do diagnóstico
• Iniciar tratamento antiparasitário, inclusive • Diagnosticar corretamente caso novo ou re-
para estrongiloidíase, previamente ao início cidiva de síndrome nefrótica.
do corticóide. • Diagnosticar infecção bacteriana associada
• Iniciar prednisona 60mg/m2/dia ou 2mg/Kg/ e providenciar internação e tratamento pre-
dia diariamente coce desta.
• Encaminhar para ambulatório de nefrologia • Instituir dieta hipossódica.
pediátrica, os casos de síndrome nefrótica • Tratar parasitoses previamente ao uso de
pura, não complicados com infecção e para corticóide.
internação, os casos de síndrome nefrótica • Iniciar tratamento com prednisona dos casos
complicados com infecção ou os de síndrome de síndrome nefrótico puro não complicados,
nefrótica não pura. primeiro tratamento ou recidiva.
• Caso a criança não consiga atendimento em • Encaminhar as crianças em tratamento para
serviço especializado dentro de 1 mês, deve seguimento em ambulatório de nefrologia pe-
ser obrigatoriamente avaliada com proteinú- diátrica.
ria e sumário de urina, ao final deste prazo. • Encaminhar para internação os casos de sín-
Caso a proteinúria de 24 horas tenha nega- drome com infecção bacteriana associada, ou
tivado, deve-se reduzir a prednisona para 40 com sinais de hipertensão, insuficiência renal
mg/m2/dias alternados ou 1mg/Kg/dias alter- e/ou hematúria microscópica.
nados. Ao contrário, se proteinúria mantida,
fazer 60mg/m2/dias alternados e providenciar A família deve ser sempre esclarecida da
consulta urgente em serviço especializado. importância do seguimento e avaliação regular
443
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
444
Capítulo 46
Abordagem ginecológica da com as adolescentes e suas famílias. O esclareci-
criança e do adolescente – mento sobre as etapas do exame a ser realizado é
de suma importância para diminuir a ansiedade;
principais patologias
as informações recebidas através do médico, so-
Maria de lourdes caltaBiano MaGalhães
bre o que vai ocorrer, levam a criança e a jovem a
sentirem-se valorizadas como pessoas com opi-
nião e expressão próprias.
A anamnese meticulosa permitirá captar,
progressivamente, a confiança da paciente; o
445
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
patologias a fim de ter condições de diagnosti- Ao exame físico geral, paciente de difícil abor-
car, tratar ou encaminhar para centros especiali- dagem, chora muito e não permite ser tocada. Estado
zados, evitando iatrogenias. Entre as patologias geral regular; criança com aspecto mal cuidado.
ginecológicas, a vulvovaginite é a mais freqüen- Ao exame ginecológico, constatou-se ruptura
te, seja na faixa etária da infância como da ado- na região perineal, com mais ou menos 02cm de diâ-
lescência. Por ser essa patologia uma das prin- metro (comprimento de largura) e 1,5cm de profun-
cipais causas de consulta ginecológica, optamos didade; presença de secreção purulenta no fundo da
por descrever os casos clínicos baseados nesse lesão. Não há lesão do esfíncter anal; hímen íntegro.
processo inflamatório.
Caso Clínico 3
Caso Clínico 1
Paciente de 06 anos com queixa de corrimen-
Paciente de 05 anos é levada à consulta com to amarelo – sanguinolento, em grande quantidade,
queixa de prurido vulvar intenso e corrimento de cor com forte odor há mais ou menos 10 dias. Mãe refere
amarelada com ligeiro odor há 30 dias. Refere tam- que a paciente estava bem e que de repente apresen-
bém prurido anal e a mãe diz que por várias vezes a tou perda sanguínea por via vaginal. A pequena pa-
criança acorda à noite chorando. Nega casos seme- ciente não permite um bom diálogo e demonstra mui-
lhantes com os outros filhos; a paciente é a última to medo; mãe nega traumatismos ou manipulação.
filha; nasceu após 10 anos. Paciente tem dois irmãos, de 02 e 04 anos.
O último tratamento para verminose intesti- Exame físico geral sem anormalidades.
nal ocorreu há mais de 01 ano e a genitora refere que Ao exame ginecológico, vulva muito hipere-
a criança brinca com areia no colégio. Nega qualquer miada, forte odor e corrimento sero-sanguinolento em
patologia de antecedentes familiares e pessoais. grande quantidade. Através do orifício himenal íntegro,
Ao exame físico geral, nenhuma alteração foi observa-se massa acinzentada de mais ou menos 1,5cm
encontrada. e de consistência amolecida.
Ao exame ginecológico, vulva muito hipere- Paciente submetida à exame ginecológico sob
miada, presença de moderada quantidade de secre- narcose constatou-se presença de corpo estranho na
ção amarelada e ligeiro odor. Há escoriações na parte vagina, provavelmente semente de fruta.
interna dos pequenos lábios e região perineal. Foi ob-
servada má higiene vulvo-perineal.
Diagnóstico: Corpo estranho
446
Capítulo 46 • Abordagem ginecológica da criança e do adolescente – principais patologias
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
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Capítulo 46 • Abordagem ginecológica da criança e do adolescente – principais patologias
partir da linha axilar anterior até a papila, e ter conseqüências futuras para a paciente na sua
desta até o sulco mamário inferior. Deve-se vida sexual.
dar muita atenção à telarca prematura pois
poderá ser o primeiro sinal de puberdade
precoce; é obrigatório esse diagnóstico di- Adolescência
ferencial, pois a conduta no primeiro caso é
só expectante. Quem a adolescente deve procurar para a
- Exame abdominal: Faz-se inicialmente a consulta? O pediatra que a atendia na infância?
inspeção e é nesse momento que se tem a O médico da família ou da mãe, com quem ima-
oportunidade de observar eventuais abaula- gina não possa ter um bom diálogo? Quem sabe
mentos, particularmente no hipogástrio. É um especialista?.... Para que possa sempre ser
importante lembrar que a palpação de tu- acompanhada e orientada em seu desenvolvi-
mores intraperitoneais, particularmente dos mento, a menina deve ter o seu próprio médico e
ovários, fica relativamente facilitada, uma ginecologista. Entretanto, nem todo profissional
vez que os mesmos não conseguem alojar-se possui condições adequadas para atender uma
na exígua cavidade pélvica nessa faixa etária adolescente. Deve ser um especialista capacita-
e são deslocados para o interior da cavidade do, hábil em estabelecer um bom relacionamen-
abdominal, tornando-se mais evidentes. to médico-paciente, capaz de obter a confiança
- Exame ginecológico: Uma forma de temor da jovem e respeitar seus padrões de vida, mes-
expressa particularmente pela família, rela- mo quando estes forem contrários aos seus.
ciona-se com o risco da perda de virginda- Um dos maiores objetivos a serem alcan-
de durante as manobras propedêuticas. O çados pelo profissional é conseguir que a ado-
ginecologista deve adiantar-se em relação a lescente se sinta responsável pela sua própria
essa preocupação, explicando que as mano- saúde, de forma integral.
bras serão inócuas em relação à membrana A atitude médica variará de acordo com
himenal, mostrar ao responsável o orifício as múltiplas circunstâncias, pois a fase da ado-
himenal, por onde será realizada, se neces- lescência abrange mudanças bem notórias entre
sária, a coleta do conteúdo vaginal. a primeira etapa (10 a 14 anos) – a puberal – e a
posterior – a adolescência tardia (15 a 19 anos),
A vulva se apresenta completamente dife- cada adolescente representa um indivíduo que
rente da recém-nascida; as estruturas vulvares deve ser respeitado. Geralmente, na etapa pube-
são visualizadas mais facilmente devido à invo- ral, as meninas comparecem à consulta acom-
lução fisiológica que ocorre com o desapareci- panhadas pela mãe, avó e raramente pelo pai;
mento dos estrógenos maternos. Com a queda são trazidas devido a sintomas que preocupam e
dos estrógenos maternos circulantes, que ocorre alarmam mais os adultos do que elas mesmas. Já
entre o décimo e o trigésimo dia pós-natal, a vul- as “adolescentes tardias” menos freqüentemen-
va adquire características próprias que se man- te se apresentam acompanhadas da mãe; geral-
têm até os 7 – 8 anos, quando começam a apare- mente comparecem à consulta com amigas ou
cer os primeiros sinais de maturação sexual. sozinhas. O exame ginecológico da adolescente
A coalescência de pequenos lábios é mais até a poucos anos, não era uma rotina, como na
freqüente nessa faixa etária; seu tratamento deve mulher adulta, mas atualmente é solicitado com
ser apenas com cremes tópicos por um curto pe- maior freqüência principalmente por meninas
ríodo de tempo; deve-se evitar manobras brus- sexualmente ativas ou que pretendem iniciar a
cas e bisturi para “abrir” a vulva, pois isso pode atividade sexual, com o objetivo de que lhes in-
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
diquem um método contraceptivo ou para o con- idade da menarca da mãe. Entre os antecedentes
trole de seu uso. Nesses casos, geralmente estão pessoais, deve-se indagar sobre as condições do
acompanhadas pelo namorado ou uma amiga. parto, medicações utilizadas pela mãe durante a
Os principais motivos de consulta das jo- gestação da adolescente, características do cres-
vens que se encontram no período da pré ou da cimento nas distintas idades, afecções que ocor-
pós menarca são: leucorréia suspeita de doença reram, tendências para hemorragias, alterações
sexualmente transmissível (DST), atraso ou pre- do trato urinário, entre outras. Nas adolescentes
cocidade na menarca, falta de desenvolvimento maiores, é necessário averiguar a cronologia no
dos caracteres sexuais secundários, anomalia do desenvolvimento dos caracteres sexuais secun-
desenvolvimento das mamas, menstruações irre- dários, idade da menarca e características dos ci-
gulares, síndrome pré-menstrual, dismenorréia, clos subseqüentes. Deve-se considerar também
acne, hirsutismo, desejo de orientação sexual e alterações recentes do peso e investigar suas
de informações sobre métodos contraceptivos, causas, bem como medicamentos utilizados. Se
suspeita de gravidez, alterações morfológicas a paciente já iniciou a atividade sexual, procurar
da genitália externa, lesões traumáticas, mas- saber sobre a idade do início, o uso de métodos
topatias e alterações de conduta. Um dos seus contraceptivos, possível gravidez e abortamen-
maiores temores é a gravidez, frente à grande to. O procedimento para a realização do exame
irregularidade do ciclo menstrual nessa faixa segue as normas da faixa etária anterior; sempre
etária; é de suma importância orientar a adoles- a paciente deverá ser esclarecida sobre as etapas
cente sobre como deve ocorrer a normalização da avaliação clínica que se submeterá.
do período menstrual. • Exame Físico Geral: É importante a avalia-
Quando interrogamos sobre o motivo da ção dos dados antropométricos, ectoscopia
consulta, devemos diferenciar o real e o aparen- bem como do estado geral e peso, com a fina-
te e estar preparados para receber a “paramen- lidade de verificar se existe obesidade ou ema-
sagem”, ou seja, a causa real da consulta, que grecimento excessivos. Tais condições devem
em alguns casos pode estar oculta de maneira ser analisadas com atenção principalmente
consciente ou inconsciente. Quando a adoles- quando a queixa é de retardo da menarca ou
cente se apresenta acompanhada pela mãe, às de amenorréia secundária. Particular impor-
vezes se torna mais difícil o diálogo; devemos, tância deve ser dada à presença de hirsutismo
na medida do possível, afastar a acompanhante e às fases de desenvolvimento das mamas e
da sala; haverá um grande enriquecimento no dos pêlos pubianos (critérios de Tanner).
relacionamento médico-paciente, e o diálogo • Exame das Mamas: Realiza-se a inspeção,
será mais verdadeiro. observando-se o desenvolvimento das ma-
No atendimento às pacientes pré-pube- mas, o número de glândulas mamárias e papi-
rais, aproveitamos o momento da entrevista para las, eventuais deformidades e as condições de
orientar sobre a fisiologia do aparelho genital, a revestimento cutâneo. A assimetria mamária
anatomia humana e a higiene corporal. Na con- será avaliada medindo-se as mamas. É válido
sulta de adolescentes tardias, também são váli- orientar a paciente quanto ao auto-exame e
das essas informações, além de orientação sobre sua importância na prevenção.
condutas sexuais, riscos a que se encontram ex- - Exame Abdomimal: As técnicas relaciona-
postas e utilização de métodos contraceptivos. das com a inspeção e palpação do abdômen
Durante a anamnese, é importante investi- não diferem das utilizadas no período da
gar a estatura familiar, a presença de hirsutismo, infância, mas a colaboração dos adolescen-
as características do ciclo menstrual materno e a tes comumente é maior. Deve-se procurar
450
Capítulo 46 • Abordagem ginecológica da criança e do adolescente – principais patologias
451
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
med; 2006.
Sousa MCB, Henrique CA, Canella PRB, Si-
mões PM. Ambulatório de ginecologia infanto
puberal e da adolescência.: rotina do Instituto
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Atheneu; 1986.
Valenzuela E, Luengo X. Semiología ginecológica
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Medicina da Universidade do Chile; 2006. (mó-
dulo 1).
Zegueir BK. Ginecologia infanto-juvenil. 2. ed.
Buenos Aires: Medica Panamericana; 1987. Cap.
2: Examen en la recién nascida.
Zegueir BK. Ginecologia infanto-juvenil. 2. ed.
Buenos Aires: Medica Panamericana; 1987. Cap.
3: Examen en la primera y segunda infancia.
Zegueir BK. Ginecologia infanto-juvenil. 2. ed.
Buenos Aires: Medica Panamericana; 1987. Cap.
4: Examen en las adolescentes.
Zeiguer BK, Uriarte AM. Abordaje y examen gi-
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Infanto Juvenil. Manual de ginecologia infanto-
juvenil. Buenos Aires: Ascune Hnos; 1994. p. 13-
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Zeiguer NJ, Zeiguer BK. Vulva, vagina y cuello:
infancia y adolescencia: atlas color.: casos clini-
cos. Buenos Aires: Medica Panamericana; 1996.
Cap.1: Examen ginecologico: aspectos normales.
452
Capítulo 47
Prevenção do Trabalho Infantil uma oficina mecânica. No final de semana vende pi-
ana lúcia de alMeida raMalho colé na praia do Futuro. É uma criança muito retraí-
João JoaquiM Freitas do aMaral da e às vezes chora à noite, sem motivo aparente. Tem
poucos amigos, pois não tem tempo para brincar.
Objetivos de aprendizagem
Busca de soluções para o problema
• Nível de Conhecimentos
- Descrever o processo do trabalho infantil
na criança e no adolescente. Diagnóstico
- Reconhecer os mecanismos social e cultu-
ral do trabalho infantil. É importante o reconhecimento, pelo pro-
- Identificar as formas de proteção através do fissional de saúde, das situações de exploração
Estatuto da Criança e Adolescente. do trabalho infanto-juvenil. Segundo a Delega-
cia do Trabalho (DRT), as formas de trabalhos
• Nível de Habilidades se classificam como4:
- Interpretar as diferentes formas de traba- • Trabalho insalubre: é o trabalho realizado
lho infantil. em condições que expõem o trabalhador a
- Aplicar a prevenção na área do trabalho agentes nocivos à saúde. Exemplo: trabalho
infantil. com agrotóxicos, com ruídos excessivos e
- Tratar, quando for necessário, as crianças com solventes.
com distúrbios decorrentes do trabalho. • Trabalho perigoso: é o trabalho realizado em
• Nível de Atitudes contato com inflamáveis, explosivos, ener-
- Encaminhar as crianças e adolescentes víti- gia elétrica ou qualquer outro que coloque
mas de trabalho infantil. em risco a integridade física do trabalhador.
- Valorizar o estatuto da Criança e Adoles- Exemplo: trabalho em postos de gasolina, re-
cente para prevenir o trabalho infantil. venda de gás e instalações elétricas.
• Trabalho penoso: é o trabalho realizado em
Caso Clínico condições que exigem maior esforço físico
(acima de 20 kg para o trabalho contínuo e 25
Adolescente, 12 anos, pai desempregado, mãe Kg para o trabalho ocasional) ou que se realize
lavadeira, morando no Pirambu. A renda familiar é em condições excessivamente desagradáveis.
de aproximadamente um salário mínimo, dependendo
do trabalho da mãe. Tem mais dois irmãos menores. Considera-se prejudicial à moralidade do
Está cursando atualmente a 3ª série, tendo repetido menor o trabalho4:
o ano três vezes. Começou há trabalhar a dois meses • Prestado, de qualquer modo, em teatros de
para ajudar no sustento da família como ajudante em revista, cinemas, boates, cassinos, cabarés,
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
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Capítulo 47 • Prevenção do Trabalho Infantil
455
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
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Capítulo 47 • Prevenção do Trabalho Infantil
Referências
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Capítulo 48
Prevenção de Acidentes os afazeres domésticos em sua casa. Quando sai para
na Infância trabalhar deixa a filha maior cuidando dos menores.
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
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Capítulo 48 • Prevenção de Acidentes na Infância
criança.
Derivados de petróleo - não armazenar em casa.
• Plantas ornamentais - verificar as tó�icas e evitá-las como: saia branca, comigo ninguém pode, oficial de sala,
pinhão paraguaio.
• Alimentos que podem deteriorar - devem ser conservados em geladeira ou freezer, verificando a validade e
experimentando antes.
Elétricos
• Grãos de cereais, chiclete, balas duras, botões, colchetes, tachinhas, pregos, parafusos, agulhas, alfinetes, moe-
das, medalhinhas, nunca ao alcance de crianças, manter em armários fechados.
Brinquedos
• Não devem ser pequenos, não podem destacar pequenas partes, não ter arestas cortantes, nem pontiagudas e
não podem ser facilmente quebráveis. Triciclos e ou bicicleta apenas na época correta com aprendizado seguro
e uso de capacete.
Outras causas de
• Objetos perigosos - facas, furadores, martelos, alicates, chaves de fenda, serra devem ser mantidos sempre
acidentes
fora do alcance da criança. Armas de fogo, punhais, canivetes - devem ser guardadas em locais seguramente
inacessíveis à criança.
• Animais - não manter em casa animais de comportamento sabidamente agressivo ou de grande porte. Manter
rigorosamente em dia a vacinação. Oriente a criança para evitar contato com animais estranhos.
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
462
Capítulo 49
Assistência multidisciplinar Um outro ponto importante sobre a vio-
às vítimas de violência lência é o entendimento acerca do seu nível de
gravidade, o qual toma como padrão a cultura
Maria de lourdes caltaBiano MaGalhães
Maria de FátiMa raBelo Gadelha de uma determinada sociedade. Essa cultura é
luciana saMPaio dióGenes roliM refletida em normas, regras que conduzem as
veranísia daMasceno rocha atitudes do relacionamento entre indivíduos.
rosane Morais Falcão queiroz Diante do exposto e nos referindo ao cor-
rente século, observamos como o aumento da
violência contra crianças e adolescentes é pre-
463
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
tegê-los, principalmente, quando este agressor é mas de violência, e é justamente por estar sendo
um membro da família da vítima. agredido por um membro da família que os da-
Atualmente, as formas de manifestações nos na personalidade infantil são irreversíveis.
da violência como um todo, alcançam um amplo A violência contra crianças e adolescentes,
leque de comportamentos, relações e práticas. denominada por alguns como MAUS-TRATOS,
Essas formas plurais e multifacetadas foram ao pode ser definida de diversas formas. Algumas
longo da história, sendo formulados e reformu- definições enfatizam comportamentos ou ações
lados, de modo que qualquer compreensão mais dos adultos, enquanto outras consideram que
abrangente do fenômeno hoje, requer uma apro- ocorre violência quando há danos para a criança
ximação com as diferentes correntes teóricas, o ou adolescente.
que enriquece o trabalho multiprofissional. Optamos por definir MAUS-TRATOS
“Para a psicanálise, a agressão é um com- como atos de ação (físicos, psicológicos e sexu-
ponente de pulsão sexual, de afirmação e conser- ais) ou de omissão (negligência) praticados con-
vação do eu. É um modo da pulsão de morte, não tra crianças e adolescentes sendo capazes de cau-
introjetada como culpa, ou sublimada, ser orien- sar danos físicos, sexuais e/ou emocionais. Esses
tada para um objeto fora da psique, como um maus-tratos podem ocorrer isolados, embora,
recurso à força ou à coerção, de modo a causar frequentemente estejam associados.
dano físico, psicológico e ético. Para esta abor- Tipos de MAUS-TRATOS segundo a
dagem da psicologia, o fenômeno da violência é Classificação Internacional de Doenças, 10ª re-
explicado como o emprego desejado da agressi- visão, CID 10, com seus respectivos códigos: T74
vidade com fins destrutivos, seja como uma for- negligência e abandono; T74.1 servícias físicas;
ma de desrespeito e de negação do outro”. T74.2 abuso sexual (exploração sexual); T74.3 abu-
As explicações psicológicas apontam no so psicológico;T74.8 Síndromes específicas de
campo das ações para práticas que considerem: maus tratos (S. de Munchausem).
o processo de construção da individualidade, da A violência nas suas mais diversas formas
identidade social e da sociabilidade. Existem e manifestações não pode continuar sendo vista
três dimensões da violência2. pela sociedade e, principalmente por nós, profis-
• Econômica e Social: forma de violência que sionais de saúde, como uma questão “dos outros”,
se manifesta e se expressa no plano material e de responsabilidade policial, uma lastimável fa-
da reprodução do homem; talidade... A participação da saúde no enfrenta-
• Simbólica: forma de violência que se expres- mento deste problema é um elo de fundamental
sa no plano psíquico, da subjetividade, dos importância para que se possa desencadear os
afetos, das idéias, dos valores, das relações in- mecanismos de proteção e de tratamento.
terpessoais e sociais; O hospital é o local para onde se dirigem as
• Corporal: forma de violência que se apresen- crianças e adolescentes com lesões, às vezes gra-
ta no plano físico (agressões físicas, estupro, ves, e em risco de vida e é o espaço em que se pode
abuso sexual, falta de respeito, sexualidade atuar para romper o círculo desta violência.
precoce). O atendimento requer a atenção de uma
equipe multiprofissional, em que os papéis e
Os adultos com descontroles emocionais, responsabilidade de cada membro da equipe de-
covardemente violentam a integridade física e vem estar bem definidos, conforme a estrutura
psicológica da criança por atos arbitrários e pela disponível no serviço. O registro e a notificação
fragilidade física da mesma. A violência psicoló- dos casos também devem estar sistematizados
gica é a única que está presente em todas as for- na divisão de tarefas da equipe.
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Capítulo 49 • Assistência multidisciplinar às vítimas de violência
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
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Capítulo 49 • Assistência multidisciplinar às vítimas de violência
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
deve demonstrar interesse em assistir a ambos, O ECA não está cobrando do profissional
pois é necessário estabelecer um vínculo para ou do gestor das instituições de saúde uma atitu-
que o tratamento tenha êxito. Deve-se levar em de ou uma ação policial, nem deverá haver qual-
consideração a complexidade de se falar da vio- quer equívoco neste sentido. O que nos cabe é
lência sofrida e por isso o profissional precisa es- fazer chegar às autoridades competentes a neces-
tar atento ao ritmo da criança e/ou adolescente, sária informação de que a criança ou adolescente
sem pressa no atendimento, nem sendo “conso- está sendo vítima de maus-tratos (ou há suspeita
lo” para a vítima. A tranqüilidade, o acolhimen- desta ocorrência) a fim de serem tomadas medi-
to e até o tom de voz são ferramentas importan- das para mantê-la em condição de segurança e
tes na hora do “cuidar”. proteção.
As sessões terapêuticas devem ocorrer, É muito importante chamar a atenção
em média, uma vez por semana e ter a duração para o fato de que a notificação não se caracte-
de 40 minutos. No caso de violência sexual, o riza como um ato pessoal, mas uma obrigação
acompanhamento deve ser de mais ou menos 5 legal do ponto de vista profissional e institucio-
anos e a “alta”, em qualquer tipo de violência só nal seja através da Comissão ou da Direção do
é concedida, após a análise de toda a equipe para serviço de saúde.
se ter a certeza que todas as questões foram bem
elaboradas. O que podemos fazer?
A comissão de maus-tratos, que deve existir Nada mais justo, em uma sociedade que se
em todos os hospitais, e os profissionais da Aten- conceitua democrática, do que garantir e respei-
ção Básica, podem se tornar um importante ponto tar os direitos humanos. Precisamos resguardar
de apoio para o atendimento, acompanhamento e nossas crianças e adolescentes respeitando e ga-
encaminhamento às vítimas de violência. rantindo seus direitos.
O setor de saúde com a implementação do O setor Saúde, além de ser um dos espaços
ECA, recebeu um mandato social de especial re- privilegiados para a identificação das crianças
levância para a garantia dos direitos das crianças e adolescentes em situação de violência, tem o
e adolescentes e, consequentemente, para me- papel fundamental na definição e articulação
lhoria da qualidade de vida deste segmento. dos serviços e organizações que, direta ou indi-
Esse mandato social reserva o dever aos retamente, atendem situações de violência. Os
profissionais de saúde de atuarem nos diagnós- gestores municipais e estaduais têm papel deci-
ticos de maus-tratos e proceder com a notifica- sivo na organização de redes integradas de aten-
ção. O não cumprimento dessa responsabilidade dimento, na capacitação de recursos humanos,
ocorre em decorrência da falta de conhecimento na provisão de insumos e na divulgação para o
da lei por alguns profissionais de saúde, ou por público em geral.
estes não estarem convencidos de que devem A equipe de saúde deve buscar identificar
exercer esse papel. organizações e serviços disponíveis na comuni-
O artigo 245 do ECA define como infra- dade que possam contribuir com a assistência, a
ção administrativa a não comunicação de vio- exemplo das Delegacias Especializadas, Institu-
lência e maus-tratos pelos médicos, professores to Médico-Legal, Ministério Público, Conselho
ou responsáveis por estabelecimento de atenção Tutelar, Centro de Referência Especializado de
à saúde e de ensino fundamental, pré-escola, à Assistência Social (CREAS), instituições como
autoridade competente, sujeita a multa de 3 a 20 Casas Abrigo, Creches, dentre outros.
salários de referência, aplicando-se o dobro em O fluxo e os problemas de acesso e de ma-
caso de reincidência. nejo dos casos em cada nível desta rede devem ser
468
Capítulo 49 • Assistência multidisciplinar às vítimas de violência
469
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
470
Capítulo 50
Atenção integral à saúde rialidade e a participação juvenil, visando:
do adolescente • A melhoria da qualidade de vida de adoles-
centes e jovens brasileiros,
alMir de castro neves Filho
Francisca leonete BorGes de alMeida • A promoção do crescimento e desenvolvi-
helena Fernandes Guedes raFael mento saudáveis e a eliminação ou redução
Maria antonildes daMasceno caxilé dos agravos à saúde.
471
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
472
Capítulo 50 • Atenção integral à saúde do adolescente
entre outras fontes. No nível local, os siste- adolescentes e jovens o desenvolvimento de suas
mas: Sistema de Informação da Atenção Básica habilidades e autonomia.
(SIAB) e Sistema de Gerenciamento da Unidade A organização dos serviços tem como ob-
Ambulatorial Básica (SIGAB). jetivo principal, garantir o acesso dos adoles-
Para a obtenção de algumas informações, centes e jovens a ações de promoção à saúde e
tais como: desejos, aspirações, valores poderá de atenção a agravos, respeitando os princípios
ser necessária a realização de grupos focais, ro- organizativos e operacionais do sistema de saú-
das de conversa etc. a serem realizados junto à de. Para esta organização devem ser levadas em
população de adolescentes e jovens. No caso dos consideração a disponibilidade, a formação e a
recursos comunitários é necessária a realização capacitação dos recursos humanos existentes, a
de um cadastro dos equipamentos sociais e de adequação da estrutura física, provisão de equi-
grupos de jovens existentes na comunidade. pamentos e insumos, além da implantação de
A identificação dos principais problemas, um sistema de informação, todos adequados ao
a seleção de prioridades e a definição de estra- grau de complexidade da atenção a ser prestada.
tégias de atuação devem ser um processo parti- Na organização da atenção a saúde do ado-
cipativo que envolva adolescentes, jovens, fami- lescente e do jovem devem ser levados em consi-
liares e profissionais de diferentes setores. deração os seguintes aspectos:
– Adequação dos serviços de saúde às necessi-
dades específicas de adolescentes e jovens;
Atenção integral à saúde do adolescente – Respeito ao modelo de atenção local vigente e
aos recursos humanos e materiais disponíveis;
Os modelos tradicionais de atenção à saú- – Consideração às características da comunidade
de não vêm contribuindo para a melhoria da nos aspectos socioeconômicos e culturais, além
saúde dos adolescentes e jovens, principalmente do perfil epidemiológico da população local;
por estarem baseados na demanda espontânea e, – Princípios éticos: uma das estratégias para
tradicionalmente, por ser esta população a que que os adolescentes/jovens procurem os ser-
menos procura os serviços. Existe, ainda, um viços é torná-los reservados e confiáveis, as-
mito do setor saúde de que os adolescentes e jo- sim como caracterizá-los por um atendimen-
vens não adoecem, desconsiderando o quanto a to que dê apoio, sem emitir juízo de valor. É
intervenção precoce previne doenças e agravos importante que os profissionais de saúde as-
nesses grupos. segurem serviços que ofereçam:
A necessidade da existência de serviços de – Privacidade: que os adolescentes e jovens te-
saúde de qualidade tem sido colocada como um nham a oportunidade de ser entrevistados e
desafio para o alcance de melhores condições de examinados sem a presença de outras pessoas
vida e saúde dos adolescentes e jovens brasilei- no ambiente da consulta.
ros, o que significa compreender a importância – Confidencialidade: que os adolescentes e jo-
das dimensões econômica, social e cultural que vens tenham a garantia de que as informações
permeiam a vida destes grupos. obtidas no atendimento não serão repassadas
Para a organização dos serviços, torna-se aos seus pais e ou responsáveis, bem como aos
necessário incluir no planejamento e programa- seus pares, sem a concordância explícita.
ção da saúde local, as ações e atividades a serem
desenvolvidas, com base no levantamento de ne- A viabilização desses princípios no aten-
cessidades e demandas, garantindo o acesso às dimento de adolescentes e jovens contribui para
ações e serviços de saúde que possibilitem aos iniciativas interpessoais mais eficientes, colabo-
473
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
rando para uma melhor relação cliente-profis- contato de adolescentes e jovens com o serviço de
sional, o que favorece a descrição das condições saúde. Qualquer que seja o motivo de procura da
de vida, problemas e dúvidas. Estes princípios unidade é fundamental que estes clientes possam
também ampliam a capacidade do profissional de conhecer todos os serviços oferecidos. Por exem-
saúde no encaminhamento das ações necessárias e plo, o adolescente ou o jovem que procura a uni-
favorece a possibilidade de retorno de adolescen- dade de saúde para ser vacinado deve sair sabendo
tes e jovens aos serviços. Também asseguram aos que lá ele pode obter preservativos gratuitamente.
adolescentes e jovens o direito de serem reconhe- A captação envolve diferentes estratégias:
cidos como sujeitos capazes de tomarem decisões
de forma responsável. Entretanto, os adolescentes
devem ser informados das situações em que existe Divulgação interna na unidade
a possibilidade de quebra do sigilo, ou seja, quan-
do houver risco de vida, ou outros riscos relevan- • Fi�ar cartazes contendo a relação dos dife-
tes tanto para o cliente quanto para terceiros, a rentes serviços oferecidos, horários e nomes
exemplo de situações de abuso sexual, idéia de dos profissionais que atendem. Os cartazes
suicídio, informação de homicídios e outros. devem estar afixados na entrada da unidade
e em setores estratégicos;
• Distribuir aos adolescentes, jovens e suas fa-
Captação de adolescentes e jovens aos mílias folhetos contendo informações sobre
serviços de saúde os serviços oferecidos e as formas de acesso.
Mulheres atendidas nas atividades de saúde
Apesar da demanda excessiva e desorde- reprodutiva, por exemplo, devem conhecer as
nada que sobrecarrega a maior parte das unida- oportunidades que a unidade de saúde ofere-
des de saúde, é fundamental que se viabilize para ce para seus filhos;
adolescentes e jovens, pelo menos uma consulta • Sensibilizar toda equipe de funcionários da
semestral para realizar ações, tais como: acom- unidade de saúde quanto a importância da
panhamento do crescimento e desenvolvimento, captação de adolescentes aos serviços de saúde.
verificação da pressão arterial, orientação nutri-
cional dos adolescentes e a inclusão desse grupo
em atividades educativas, tendo como meta a Divulgação na comunidade
preparação desses adolescentes parauma melhor
qualidade de vida e saúde. • Utilizar dos meios de comunicação de massa
A captação de adolescentes e jovens pode (rádios, televisão, vídeos, teatro, música, ou-
ser realizada por meio de ações e atividades es- tdoors, jornais e revistas etc.);
tratégicas, desenvolvidas tanto no interior das • Usar dos meios de comunicação de pequeno al-
unidades de saúde, quanto nas comunidades, de cance (panfletos, cartazes, adesivos, camisetas,
acordo com os diferentes modelos de organiza- bonés etc.), bem como os meios de comunicação
ção dos serviços de saúde e das distintas realida- alternativa (serviços de som/alto-falantes, rádios
des municipais. Para a captação na comunidade, comunitárias, televisores na via pública);
torna-se importante o levantamento dos diver-
sos segmentos sociais e institucionais que atuam
na atenção a esses grupos populacionais. Parcerias institucionais
A captação na unidade deve se fundamen-
tar na perspectiva de otimizar as oportunidades de • Estabelecer redes interinstitucionais e inter-
474
Capítulo 50 • Atenção integral à saúde do adolescente
Estratégias específicas
Estratégias de integração escola/unidade
de saúde É importante ressaltar que existem grupos
de adolescentes e jovens em situação de maior
• Apoiar e implementar atividades conjuntas risco, tais como adolescentes envolvidos em
entre escola, serviços de saúde, comunidade situação de exploração sexual, jovens trabalha-
e famílias; dores do sexo, moradores de rua e adolescentes
• Envolver adolescentes e jovens em projetos institucionalizados, portadores do vírus HIV
e ações educativas nas escolas e comunidade. que devem ser priorizados na atenção à saúde.
Por exemplo: grupos de adolescentes, feiras Estes grupos não vêm sendo adequadamente
de saúde; contemplados, uma vez que raramente procu-
• Capacitar adolescentes e jovens como agen- ram espontaneamente os serviços de saúde. Isto
tes multiplicadores e protagonistas juvenis implica em desenvolvimento de estratégias di-
em saúde; ferenciadas como a criação de mecanismos de
• Incentivar e co-produzir junto à escola e co- integração com as instituições que lidam com
munidade eventos que promovam saúde, ci- esses grupos.
dadania e qualidade de vida; Nos serviços em que for observada uma
• Criar mecanismos que facilitem o acesso de participação majoritária de mulheres, é impor-
adolescentes e jovens aos serviços de saúde; tante o desenvolvimento de estratégias específi-
• Divulgar serviços e ações conjuntas por meio cas para ampliar a captação de adolescentes do
dos grêmios estudantis, clubes escolares, di- sexo masculino, tais como a realização de grupos
retórios acadêmicos e entidades esportivas; de homens e o estabelecimento de parcerias com
• Criar jingles, mensagens curtas e anúncios entidades que realizam atividades esportivas.
para promover os serviços e as ações/temas a
serem trabalhados;
• Criar boletins informativos, jornais comuni- Recepção na Unidade de Saúde
tários e escolares, caixas de dúvidas, correio
da saúde (caixa de dúvidas comunitária que A recepção de adolescente e jovem na uni-
funcionaria próximo a centros de circulação dade de saúde configura-se como um momento
475
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
de garantia do acesso aos serviços e ações de saú- Fluxo do adolescente na unidade de saúde
de. Para que se estabeleça um clima de confiança
e compromisso que resulte em um “contrato” de Considera-se importante o estabelecimen-
cuidados, fundamentado nos direitos e deveres to de fluxogramas que permitam representar de
dos usuários e das equipes de saúde, torna-se forma clara os serviços de saúde. Isto contribui,
fundamental a adoção de atitudes acolhedoras, tanto como elemento facilitador da movimenta-
cordiais e compreensivas, visando proporcionar ção do adolescente/jovem nas unidades de saúde,
segurança e tranqüilidade, bem como a constru- como para a equipe de saúde, como instrumen-
ção da autonomia nos cuidados à saúde. to de visualização do cotidiano, sendo útil para
Vale ressaltar que quanto mais os serviços se avaliar diversas situações e auxiliar no planeja-
tornarem eficazes e acolhedores, mais provável é mento e execução das atividades.
que os adolescentes/jovens venham a procurá-los. Sugere-se que cada unidade defina o seu
Para favorecer o acesso e a adesão de ado- fluxograma de acordo com as instalações físicas,
lescentes e jovens, alguns cuidados são funda- os recursos humanos existentes e os serviços ofe-
mentais: recidos. É fundamental que o fluxograma favore-
• Viabilizar o atendimento mesmo que o ado- ça o atendimento ao adolescente, otimizando o
lescente ou o jovem não disponha dos docu- tempo e a energia do jovem e da equipe de saúde.
mentos exigidos pelo serviço;
• Para o atendimento ambulatorial, não e�igir
a presença do responsável, nem da autoriza- Ações das Equipes de Saúde da Família
ção dos mesmos;
• Não se comportar de forma autoritária, não fa- A unidade de saúde pode desenvolver vá-
zer julgamentos ou cobranças do tipo: Por que rias atividades no sentido de promover a saúde
você foi fazer isso? Você devia ter feito aquilo!; e atender aos vários agravos a saúde dos ado-
• Oferecer o má�imo de informações (horários de lescentes/jovens. A maioria destas atividades
atendimento, profissionais de referência, etc.; pode ser desenvolvida .através de várias moda-
• Procurar agilizar o acesso aos diferentes ser- lidades, como:
viços da unidade (ex: agendar as consultas, • Visita domiciliar
inscrever em grupos, etc.); • Atendimento individual
• Evitar o e�cesso de burocracia para a presta- • Acompanhamento do crescimento e desen-
ção do serviço (ex: para receber preservativo volvimento
obrigar a participar de grupos de discussão); • Se�ualidade e Saúde Reprodutiva
• Criar mecanismos fle�íveis de organização • Principais problemas clínicos agudos e crônicos
uma vez que, pelas características próprias • Atividades em grupo para adolescentes e fa-
desta faixa etária, muitas vezes, eles têm di- miliares
ficuldades em respeitar os horários e as datas • Ações educativas
de agendamento. • Ações de protagonismo
• Ações intersetoriais
Atenção!
Mesmo que a unidade de saúde não tenha condições de
atender a necessidade apresentada, é importante que o
profissional que atenda o adolescente/jovem se respon- A Visita domiciliar
sabilize por esse cliente, favorecendo o seu acesso ao ser-
viço indicado.
A visita domiciliar é uma atribuição pri-
meira do agente de saúde, uma vez que este está
476
Capítulo 50 • Atenção integral à saúde do adolescente
477
Capítulo 51
Habilidades de comunicação com os planos, ou lutar com todas as forças con-
e peculiaridades na consulta tra a separação definitiva e inevitável ao final
desta etapa.
com adolescentes
Trata-se de um período da vida extrema-
alMir de castro neves Filho
mente mobilizante, do qual todas as pessoas
guardam recordações. Infelizmente, populariza-
“Nossos adolescentes amam, estudam, brigam, trabalham. Bata- se entre os adultos, em geral, rígidos em suas po-
lham com seus corpos, que se esticam e se transformam. Lidam
com as dificuldades de crescer no quadro complicado da família sições, um jargão para definir o indivíduo nessa
moderna. Como se diz hoje, eles se procuram e eventualmente se fase – “aborrecente”... É praticamente consenso
acham. Mas, além disso, eles precisam lutar com a adolescência,
que é uma criatura um pouco monstruosa, sustentada pela imagi- o fato de que o jovem é mal-humorado, chato,
nação de todos, adolescentes e pais”. contardo calliGaris
irritante e impaciente. Será verdade?
Conhecer os “aborrecentes” pode ser uma
Introdução oportunidade de melhorar o desempenho pro-
fissional e o desenvolvimento pessoal. Todos os
479
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
480
Capítulo 51 • Habilidades de comunicação e peculiaridades na consulta com adolescentes
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
482
Capítulo 51 • Habilidades de comunicação e peculiaridades na consulta com adolescentes
vertebral, aferição de medidas antropométricas esperasse que sua mãe acabasse logo a explicação e
e sua disposição em gráficos, “estagiamento” saísse. Logo que isso aconteceu, falou, certificando-se
puberal pelos critérios de Tanner, sinais vitais e que a porta estava realmente fechada:
pressão arterial.
Em relação às características físicas, tam- “- Doutor, estou arrasado! Não posso ter fi-
bém três tipos de jovens se apresentarão nas lhos, não posso ter relações com mulher, nunca vou
consultas: adolescentes em fase de crescimen- poder casar!”
to lento, cerca de 5 a 7 cm/ano e 2 a 3 kg/ano,
que ainda não entraram no estirão pubertário; Daniel havia tracionado o prepúcio para bai-
adolescentes em fase de crescimento rápido, em xo ao manipular o pênis, o que ocasionou uma situ-
geral desproporcionados, desarmônicos, nos ação de “parafimose leve” – apesar do prepúcio ter
quais predomina o crescimento ósseo acelerado; permanecido preso no sulco bálano-prepucial, não
adolescentes em fase de desaceleração do cresci- evoluiu com edema, dor ou desconforto; mas a visão
mento até a parada final. da própria glande exposta de forma fixa, experiência
O conhecimento das modificações físicas inédita para esse adolescente, acarretou medo e de-
que se processam na adolescência é um aspec- sespero. Durante o exame físico, com tranqüilidade,
to do exame importante tanto pelo profissional, o médico reduziu a parafimose, ensinando um pouco
como pelo próprio adolescente, conforme de- de anatomia e cuidados que o adolescente deve in-
monstrado nos casos seguintes: corporar no dia-a-dia. Mais tarde recebeu um tele-
fonema atencioso da mãe de Daniel, com elogios ao
Caso Clínico 3 atendimento e impressionada com a alegria que o fi-
lho estava exibindo desde então.
Ana Júlia, de 16 anos, foi trazida contrariada
à consulta por sua mãe, Dona Carolina, que a des-
creveu para o médico como uma “menina insuportá-
vel”. A jovem é filha do primeiro casamento de Dona
Carolina, que tem duas filhas gêmeas, de 5 anos, do
casamento atual. Alega que Ana Júlia quase não
sai do quarto, e quando o faz, maltrata as irmãs e
é grosseira com o padrasto. Seu rendimento escolar
vem caindo e seu humor oscila muito. Ao permanecer
a sós com o profissional, confirma as queixas da mãe
e mostra-se preocupada com a diferença de tamanho
das mamas e irregularidade menstrual.
Caso Clínico 4
483
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
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484
Capítulo 52
Problemas clínicos mais missíveis. Por ser uma fase de intensos requeri-
comuns na adolescência mentos para o crescimento, é fundamental certi-
ficar-se das boas condições em relação a doenças
alMir de castro neves Filho
carenciais – anemia ferropriva, hipovitaminoses.
e, parasitoses intestinais. Doenças dermatológi-
cas são freqüentes, não fugindo às mesmas cau-
sas das outras idades. A síndrome diarréica deve
ser abordada da mesma forma que na infância.
Muitos adolescentes apresentam grande
485
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Após atendimento pelo médico da equi- crônico, sugerindo “crise sobre crise”. Diabetes
pe, constatou-se que a ausculta, a pressão ar- mellitus, artrite reumatóide, febre reumática,
terial, o pulso e o restante do exame físico de asma, algumas doenças crônico-degenerativas,
Léo estavam normais. Não apresentava febre, síndromes, displasias ósseas, seqüelas de doen-
tosse, coriza, dispnéia, cianose ou diarréia. Ne- ças da infância são alguns exemplos de afecções
gava problemas emocionais e parecia ansioso e deste grupo.
inquieto com o que estava sentindo. O médico Um elenco de situações acomete especi-
então, após medicá-lo com analgésico injetável, ficamente o adolescente – são afecções pouco
solicitou a realização de RX de tórax e eletrocar- freqüentes em outras faixas etárias e, muitas ve-
diograma, que resultaram normais. Léo perma- zes, guardam relação direta com as atividades
neceu sintomático, pálido, referindo boca seca e e acontecimentos típicos desta fase. Acne, apo-
náuseas, o que fez com que o médico ministrasse fisites de tração (doença de Osgood-Shlatter),
a ele um medicamento procinético por via oral – entesites, anormalidades do desenvolvimento
bromoprida em comprimidos. Após cerca de 30 puberal, dores recidivantes, transtornos alimen-
minutos apresentou progressiva melhora, tendo tares, doenças sexualmente transmissíveis, gra-
voltado para casa bastante melhorado duas horas videz, violência, abuso e dependência de drogas
depois com prescrição de omeprazol comprimi- são exemplos de demandas que fogem à rotina
dos e dieta. Ficou acertado um retorno à Unida- habitual dos ambulatórios, e que originam sen-
de para reavaliação e investigação posterior. sação de impotência por parte dos profissionais
Nas enfermidades de curso crônico, aque- de saúde. Começam a surgir queixas vagas, qua-
las que o adolescente traz da infância ou que sur- dros mal definidos, muitas vezes associados a
gem nesta época, é de boa norma a observação de eventos que acarretam ansiedade e que fogem à
alguns pontos fundamentais: o estigma da do- rotina, como semana de provas na escola, proxi-
ença crônica, adesão ao tratamento prolongado midade do vestibular, viagens, problemas fami-
(disciplina) e a baixa auto-estima do paciente. liares e outros3.
Faz-se necessário adequado vínculo entre os pro- A gravidez na adolescência constitui uma
fissionais de saúde e o adolescente e sua família, situação à parte e vem sendo alvo de estudos
para que os objetivos do plano terapêutico sejam em todo o mundo. Pesquisa-se se a condição
atingidos. Obter motivação frente ao tratamen- de duplo anabolismo resultante da gestação em
to, monitorizá-lo, fornecer farto esclarecimento um corpo ainda em desenvolvimento pode ser
em relação ao diagnóstico e evolução, proporcio- deletéria para uma das partes envolvidas ou
nar acompanhamento sistemático e apoio emo- para ambas. Enquanto os trabalhos exibem re-
cional são condições básicas para o seguimento sultados não conclusivos, sedimenta-se a cer-
de pacientes com problemas crônicos. Muitas teza de que as maiores e mais importantes con-
vezes o adolescente necessita da assistência de seqüências da gravidez na adolescência estão
vários especialistas, mas precisa, com a mes- na área psíquica e social. Uniões precipitadas
ma intensidade, do profissional de referência, e posteriormente desfeitas, tentativas de abor-
aquele que o orienta e acompanha-o do ponto tamento, abandono dos estudos e/ou trabalho,
de vista clínico. O médico deve entender o mo- dissolução da unidade familiar e queima de eta-
mento delicado que vive o paciente adolescente pas na adolescência dominam este cenário. Em
com doença crônica: a par das transformações geral, os fatores que atuaram proporcionando
corporais intensas e rápidas, que acarretam lutos a gravidez não são afastados, permanecendo a
importantes, a concomitância da “crise da ado- jovem mãe vulnerável, reincidindo, não raro,
lescência” com o diagnóstico de afecção de curso com outros parceiros.
486
Capítulo 52 • Problemas clínicos mais comuns na adolescência
487
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
488
Capítulo 53
Crescimento e desenvolvimento Crescimento pondero-estatural
do adolescente
Denomina-se estirão puberal ao cresci-
rita Maria cavalcante Brasil
zenilda vieira Bruno mento rápido característico da puberdade. Esta
é a única fase da vida, após o nascimento, em que
ocorrerá uma aceleração do crescimento.
A velocidade de crescimento após o nas-
cimento, a mais alta de todo o ciclo vital, cai
progressivamente durante toda a infância e al-
489
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
490
Capítulo 53 • Crescimento e desenvolvimento do adolescente
M4 11 - 15 anos P4 11 - 15 anos
Projeção da aréola e das papilas para Pelugem do tipo adulto, mas a área
formar montículo secundário por coberta é consideravelmente menor
G3 10 1/2 - 15 anos P3 11 1/2 - 16 anos cima da mama do que no adulto
Ocorre também aumento do pênis, Pêlos mais escuros, ásperos, sobre
inicialmente em toda a sua extensão o púbis
491
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
492
Capítulo 53 • Crescimento e desenvolvimento do adolescente
al, o aumento na secreção de esteróides gonadais como a adrenarca ou telarca precoce, daqueles
aumenta a velocidade de crescimento, o desen- casos com doença de maior risco.
volvimento somático e a taxa de maturação es- Os exames complementares incluem:
quelética, levando ao fechamento prematuro das
epífises ósseas e à baixa estatura na idade adulta. • Rx de mãos e punhos: Para avaliação da
idade óssea. O critério de anormalidade é o
desvio da idade óssea acima de 10% da idade
Anamnese cronológica em meses.
493
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
• Agonista das gonadotrofinas (GnRH-a) • Registrar altura e peso. São muito importan-
• Acetato de Medro�iprogesterona (AMP) tes os dados sobre o crescimento longitudinal
• Acetato de Ciproterona na avaliação do atraso puberal.
• E�ame genital de rotina
Retardo puberal ou Puberdade tardia: • Classificar o desenvolvimento puberal de
ausência de qualquer característica sexual se- acordo com os Estágios de Tanner.
cundária em meninas a partir de 13 anos de ida-
de e de menarca após os 16 anos, e em meninos
a partir de 14 anos. Exames Laboratoriais
É essencial conhecer os padrões básicos
de crescimento e maturação sexual dos ado- • Colher, no ambulatório, material para citolo-
lescentes, assim como as variações individuais gia hormonal.
dentro dos limites de normalidade, bem como • Dosagens séricas de:
considerar a história e a realidade psicossocial - LH, FSH, prolactina.
desses jovens. - T3, T4 e TSH para excluir hipotireoidismo
• Radiografia de punho para avaliar idade ós-
sea. Normalmente está inferior a idade cro-
Etiologia nológica.
• Ultrassonografia pélvica: avaliar presença e
• Hipogonadismo hipergonadotrófico (estro- tamanho de gônadas e útero.
gênio baixo, FSH e LH aumentados) • Cariótipo:
• Hipogonadismo hipogonadotrófico (estrogê- - XX: mais freqüente na disgenesia gonadal
494
Capítulo 53 • Crescimento e desenvolvimento do adolescente
495
Capítulo 54
Avaliação nutricional A avaliação do estado nutricional do
na adolescência adolescente
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
498
Capítulo 54 • Avaliação nutricional na adolescência
altura, de acordo com idade e sexo, ficam entre os As circunferências são fáceis de serem
percentis 10 e 90. Para o adolescente é importante mensuradas e pode ser usado fita métrica plás-
o cálculo da velocidade do crescimento que deve tica ou de aço. A dificuldade na localização da
ser realizado no mínimo a cada 4 meses. cintura pode ser resolvida medindo-se a menor
circunferência na região entre o bico do mamilo
Velocidade do crescimento e a parte superior da coxa, enquanto que a cir-
Calcula-se a partir de duas medidas, seja de peso ou esta- cunferência do quadril é definida como a maior
tura, separadas por um intervalo de tempo.
V = e/t circunferência entre a cintura e joelho.
V = Velocidade de crescimento expressado em cm/ano.
e = Diferença entre as medidas realizadas em dois mo-
Fórmula RCC /CQ
mentos distintos
Classificação: Os valores da relação cintura quadril aci-
t = Intervalo de tempo (em anos ou frações) transcorrido
ma de 1,0 para homens e acima de 0,85 para as mulheres
entre os dois momentos.
indica obesidade andróide e risco maior de doenças rela-
cionadas à obesidade.
O Índice de Massa Corporal é calculado
pelo peso em quilogramas dividido pelo resultado
da altura ao quadrado expressa em centímetros. Pregas ou dobras cutâneas
O IMC foi recomendado como indicador an-
tropométrico essencial durante a adolescência para A medida de espessura da dobra de gor-
avaliar estado de magreza, desnutrição, sobrepeso e dura ou dobra cutânea é um meio de avaliar a
obesidade. Portanto, esse índice possibilita identi- quantidade de gordura corpórea que tem um
ficar problemas que se instalaram ao longo do cres- adolescente. É uma prática em clínicas, embora
cimento e tem a função de marcador vigilante. sua validade dependa da precisão das técnicas de
medida. Por este motivo não são muito utiliza-
Fórmula do IMC = Peso (kg) das na atenção básica.
Altura(cm)
499
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Idade Peso Altura Energia Kcal) Proteína (g) classe de alimento e pode compor uma dieta sau-
Sexo Kg cm p/Kg p/dia p/Kg p/dia dável com equilíbrio, variedade e moderação.
Masculino Gorduras, azeites e açúcares
CONSUMIR ESPORÁDICAMENTE
11-14
anos
45 157 55 2500 1,0 45
adolescentes a utilizar a pirâmide de alimentos Quadro 2. Exemplos de dietas diárias em 3 níveis de calorias.
500
Capítulo 54 • Avaliação nutricional na adolescência
501
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
502
Capítulo 54 • Avaliação nutricional na adolescência
Para os casos de transtornos do crescimento que não estava mais gostando da escola porque, por
ou da puberdade, a investigação e tratamento de- ele usar óculos e ter uns quilos a mais, os colegas o
vem ser realizados em uma unidade de referência. estavam apelidando de cego Aderaldo, “ceguinho de
Os distúrbios de alimentação e comporta- guia” e peso pesado. “– Essa brincadeira, disse Pe-
mento alimentares não saudáveis tais como die- dro, eu não gosto e já estou ficando chateado. Por
tas restritivas, alimentação em excesso e o com- isso não quero mais estudar e nem vou usar os ócu-
portamento de controle de peso representam as los mesmo que eu sinta dor de cabeça. A professora
principais preocupações da saúde que afetam os disse que ia conversar com a mãe dele e assim o fez.
adolescentes. Os distúrbios de alimentação, em Na conversa com a mãe a mesma referiu que Pedro
geral, começam entre as idades de 14 a 20 anos. estava perdendo o entusiasmo pelos estudos, que es-
Entre os principais distúrbios alimentares tava tirando notas baixas e ia para a escola forçado.
na adolescência estão o sobrepeso e a obesidade. Pedro tem 12 anos, usa óculos desde pequeno e pesa
Trata-se de condição crônica decorrente do de- 60 quilos. Ultimamente parou de crescer, não pratica
sequilíbrio energético onde o consumo excede esporte e come muito, o que tem preocupado a mãe,
o gasto de energia por um período considerável pois na sua família há vários casos de diabetes.
de tempo. A obesidade é um problema de saúde Diante desse cenário o profissional da
pública de caráter epidêmico. É uma epidemia atenção básica deverá fazer anamnese verifican-
crescente cuja prevalência nos países da Améri- do: vontade para emagrecer; tratamentos ante-
ca Latina chega a 20-30%, sendo maior no sexo riores, dietas, uso de medicamentos, atividades
feminino. Estudos têm demonstrado que a obe- físicas, problemas de saúde associados; obesida-
sidade aumenta 10 vezes o risco de diabetes e de na família; hábito familiar e vida social.
50% de hipertensão arterial, que pode ser redu-
Avaliação Clínica e laboratorial
zida através da perda de peso em até 45%. No exame físico devem ser verificados: peso, altura, cir-
Os principais fatores que podem desencade- cunferência da cintura e do quadril, hiperpigmentação
ar a obesidade são: modificação metabólica: andro- em dobras cutâneas, distribuição de gordura corporal e
maturação sexual.
pausa e menopausa, motivação diminuída, depres-
são, solidão, alterações psicomotoras e neurológicas, Exames laboratoriais de interesse nesse caso
Hemograma, colesterol total e frações, triglicerídeos, gli-
econômicas e sociais, manutenção de peso anterior cemia, hormônios da tireóide, uréia e creatinina. Exame
e diminuição intensa da atividade física. sumário de urina.
Existem vários fatores de risco para obe-
Critérios de avaliação
sidade, e por isso é importante ser prevenida e Referência gráfica IMC/NCHS.
diagnosticada ainda na adolescência.
O caso seguinte ilustra os principais fato- Outro problema que tem preocupado
res da obesidade. muito os profissionais de saúde são os distúrbios
alimentares que, nos últimos 15 anos, tornam-se
alvo de muitas pesquisas dado o aumento de sua
Caso Clínico 2 incidência na população jovem, principalmente
nos adolescentes.
Na Escola “Aprenda Brincando” uma profes- Os distúrbios alimentares são a Anorexia
sora percebeu que um aluno estava meio triste. Por Nervosa (AN) e Bulimia Nervosa (BN). Estas con-
duas vezes tinha tido esta percepção, mas só agora dições são complexas do ponto de vista etiológico,
resolveu ir falar com Pedro para saber o que estava crônicas, de difícil controle, e é necessário acompa-
acontecendo. No início da conversa Pedro se intimi- nhamento a longo prazo, com recaídas freqüentes.
dou e não quis falar, porém contou para a professora Os profissionais de saúde devem estar
503
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
alertas para os primeiros sinais dessas doenças. durante a consulta, a adolescente demonstrou
O diagnóstico precoce pode fazer toda a diferen- distorção da imagem relatando que, nas freqüen-
ça entre o fracasso e o sucesso terapêutico. tes consultas ao espelho, se acha muito gorda.
Os casos que se seguem são bons exemplos A dieta é hipocalórica: relatou suprimir doces,
para identificação de AN e BN. massas, carnes vermelhas e brancas. Tem como
meta emagrecer, querendo a qualquer custo per-
Caso Clínico 3 der peso e ficar cada vez mais magra.
Durante o exame físico foi verificado que
Uma conversa entre Ana e Cristina, duas ami- a pele estava seca e descamativa, cabelos secos
gas e colegas de escola, sobre a vontade de ser modelo com áreas de alopecia. Sem edemas. FC: 55 bpm,
chamaram a atenção da tia da Ana. A conversa era a PA: 90 x 60 mmHg; TAx: 36º; Altura: 171cm;
seguinte: Cristina disse a Ana: “- Eu fui convidada Peso: 40kg.
para participar de um desfile lá no bairro e tenho que Alguns critérios devem ser levados em
estar bem bonita porque quero ganhar. Meu sonho é consideração pelos profissionais da atenção bá-
ser modelo.”. Ana, em seguida, falou: “– Pois só tem sica para o diagnóstico da AN, tais como:
um jeito: deixar de comer. Fique sem comer que você • Recusa em manter o peso acima do mínimo
vai emagrecer tudo que você quer em duas semanas.” normal de peso para a idade e altura (por
Cristina disse: “– Tenho 15 anos, minha altura é 171 exemplo, o peso é 85% inferior ao esperado),
cm, peso 50 Kg, e tenho que pesar 43. Vou diminuir 7 ou dificuldades em manter o peso durante o
quilos, quer apostar comigo? Vou deixar de comer, não período de crescimento (acarretando ganho
vou tomar nem água, quero ficar bem magrinha para de peso menor que o esperado);
poder participar e ganhar o concurso.” • Medo intenso de ganhar peso ou engordar.
Passaram-se dez meses e a tia de Ana tele- • Distorsão perceptual, rigor e�cessivo na au-
fonou para saber notícias da família. Em conver- to-avaliação do peso ou tamanho corpóreo ou
sa com a cunhada perguntou por Cristina, e ficou não considerar o baixo peso preocupante;
sabendo que a garota tinha sido levada ao Posto • Amenorréia em mulheres. Por e�emplo, au-
de Saúde para ser consultada porque estava com sência de três ciclos menstruais.
a menstruação irregular, não queria comer, sem-
pre afirmando estar gorda. Pediu para falar com Caso Clínico 4
Cristina, que recusou atender o telefone.
Resultado dos exames laboratoriais, solicita- Mariana, 15 anos, 1.56 de altura. Está fa-
dos durante o atendimento médico: glicemia – 63 zendo dança contemporânea no ABC embora não
mg%; Hb – 12,5; Ht – 32%; GB – 4300; Plaq – goste muito, mas a madrinha tem muita vontade que
120.000; densitometria óssea – normal para idade. ela participe do grupo de dança do Município, am-
No terceiro caso, é possível identificar as pliando assim as possibilidades de viagens por conta
principais características da anorexia nervosa: das contratações do grupo. Só que Mariana está com
• Perda de peso intensa à custa de dieta e�tre- tanta raiva que mente bastante, diz que vai para a
mamente rígida; aula de dança e lá não aparece, queixou com a pro-
• �usca desenfreada pela magreza; fessora que não gosta daquele tipo de dança e queria
• Distorção da imagem corporal; fazer natação, mas a mãe não escuta. “- Parece que
• Alteração do ciclo menstrual; quem manda em minha vida é a madrinha”. Por não
gostar do que faz, Mariana compensa a angústia co-
Durante o exame físico foi observado que mendo compulsivamente. Ganhou nos últimos 2 anos
o estado geral de Cristina era bom. No entanto, 20 kg, tentou fazer dieta, mas continuava comendo
504
Capítulo 54 • Avaliação nutricional na adolescência
505
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
Condutas
Bibliografia
506
Capítulo 55
Aspectos psicossociais do maturidade, envolve o processo do desenvolvi-
desenvolvimento e da sexualidade mento cognitivo até o florescimento das faculda-
des mentais; situa o indivíduo entre os limites da
na adolescência
dependência infantil até a autonomia do adulto,
zenilce vieira Bruno
construindo o alicerce, por etapas, de uma iden-
tidade, que vai se concretizando na juventude
através de reformulações constantes de caráter
social, sexual e de gênero, ideológico e vocacio-
nal, impostas por uma realidade cultural, carre-
507
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
a degradação humana, afetando, principalmen- ventes bem nascidos e bem dotados, resta o ves-
te, as camadas menos privilegiadas. tibular que penaliza, humilha e adia a realização
Os adolescentes e os jovens de hoje, con- intelectual e pessoal. É a violência sutil fantasia-
tinuam atravessando este tempo da vida como da de boas intenções.
um período indeterminado de extensa duração. A gravidez na adolescência é a condição
Mostram grandes dificuldades em conquistar o que resta para a menina se afirmar como mulher
seu estatuto social e de exercer a sua cidadania, em uma sociedade que ainda faz discriminação
pois carregam o peso dos próprios conflitos e das de gênero. Note-se bem que esta discriminação
instabilidades da sociedade contemporânea, que de gênero está sendo apresentada, pelos meios de
tem produzido, na forma de iatrogenia, uma as- comunicação, na forma de ‘marketing’ alternativo
sincronia acentuada entre as idades de maturi- do prazer. No tempo contemporâneo, a ordem
dade biológica, psicológica e social. é o controle da natalidade, não mais camuflado
No contexto das contradições dos discur- pelo planejamento familiar, e a adolescente, no
sos e das ações do mundo contemporâneo, das gozo de pleno direito à fertilidade, paga, hoje,
hipertrofias deformadoras de aspectos fragmen- pelo que jamais irá realizar amanhã.
tados da sociedade, emergem os adolescentes e Sem tempo e sem espaço, os adolescentes
jovens, assumindo os aspectos mais negativos de hoje continuam nômades do imaginário, sem
do mundo atual. As estatísticas de mortalidade direito de serem iniciados na realidade. O pre-
apontam que eles estão morrendo em progres- sente não os comporta e o futuro parece que não
são crescente por eventos violentos e, se muito conta com eles. Portanto, no trabalho com ado-
tem sido realizado pela ciência e pela tecnologia, lescentes e jovens, é importante a conscientiza-
elas não têm contemplado este grupo de forma ção dos profissionais sobre a concreta realidade
preservadora. Por exemplo, as leis prescrevem mundial, de forma que os discursos sejam trans-
velocidades menores nas rodovias e ruas das ci- parentes, sempre com respaldo na lei, que asse-
dades e a tecnologia joga no mercado carros cada gura direitos e garante estatuto de cidadania. As
vez mais potentes e velozes. Os meios de comu- ações de saúde constituem direito social, assim
nicação acenam a prioridade para um mundo como a educação, o trabalho, o lazer, a seguran-
virtual, inalcançável, e os adolescentes, vítimas ça e outros, na forma da Constituição (art.6 dos
do imaginário, buscam as alucinações da ilusão, Direitos Sociais). As estratégias de prevenção
perdendo a referência da realidade. e promoção à saúde, devem ter a colaboração e
Seriam estes óbitos por violência os re- participação ampla e ativa de todas as especiali-
sultados funestos dos rituais de passagem que zações, envolvendo diferentes instituições e tra-
a sociedade contemporânea tem dado como zendo consigo os diversos setores da sociedade.
provas de iniciação aos adolescentes e jovens? A palavra adolescer vem do latim e signi-
Sem limites etários definidos, sem adultos de fica crescer, engrossar, tornar-se maior, atingir a
referência, sem lugar, sem tempo, a adolescência maioridade. Dos seres vivos, os humanos são os
de hoje anda, às soltas, construindo uma cultu- únicos que vivem a adolescência como uma im-
ra marginal. Nos parques, nos shoppings, com as portante etapa do desenvolvimento. Esta é uma
drogas, os skates, o dialeto próprio, a roupagem, das fases em que o ser humano sofre as maiores
os enfeites e a aparência típica, eles vivem à par- modificações no seu processo vital, do nasci-
te. Vistos como ameaças sociais são enfrentados mento à morte.
pela força policial. Resistindo às pressões esco- O início da adolescência está nitidamente
lares, são punidos com avaliações tendenciosas e demarcado pela puberdade; no entanto, o fim da
reprovações escolares. Ao final, para os sobrevi- mesma já não é tão claramente definido porque,
508
Capítulo 55 • Aspectos psicossociais do desenvolvimento e da sexualidade na adolescência
509
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
pequeno. Absolutamente, o pênis não diminui Tanto nas moças como nos rapazes, na oca-
o seu tamanho, o corpo do púbere e o escroto é sião em que os pelos axilares começam a desen-
que cresceram. volver-se, há ampliação das glândulas sudorípa-
Em seguida, os púberes acham que têm ras, iniciando a exalação do cheiro característico
o pênis fino. Realmente o corpo do pênis cres- da transpiração, e das glândulas sebáceas, que
ce primeiro em comprimento para depois cres- se tornam mais ativas. Mas os canais secretores
cer em diâmetro. Salvo problemas orgânicos, a destas glândulas não alargam proporcionalmen-
própria fisiologia pode corrigir tais dúvidas. Só te para enfrentar o aumento da secreção e ficam,
transforma-se em problema psicológico quando freqüentemente, entupidos, infeccionando-se
já tem um terreno psíquico predisposto, então com facilidade. O que resulta disso é a espinha
tais mudanças pubertárias funcionam como fa- ou acne, aflição de incontáveis adolescentes.
tores desencadeantes. Podem ser problemas hor- A título de exemplificação do que acontece
monais quando o rapaz já com 17 anos conserva com uma menina quando ocorre uma modificação
características pubertárias. É a puberdade tardia. corporal, tomemos a característica “crescimento
Nas mulheres, o que importa e influi bas- dos seios”. Antes da puberdade, a menina estava
tante em sua psique são as mamas, símbolo da tranqüila com seus “peitinhos”, porque não eram
feminilidade e maternidade, que se desenvol- seu foco de atenção nem seu campo de tensão.
vem dos 11 aos 14 anos, passando pelas seguin- Os “peitinhos” são anatomicamente constituídos
tes fases: eleva-se apenas a papila; desabrocha o por glândulas mamárias latentes, pequeníssima
seio com sua elevação e a papila desenvolve-se quantidade de tecido gorduroso, a ponto de não
como um montículo; alargamento do diâmetro se perceber o volume externamente e na parte vi-
areolar; continua o crescimento do seio e da aré- sível apresentam um pequeno mamilo, bastante
ola, sem separação dos seus contornos; projeção semelhante ao do peito dos meninos.
da aréola e da papila para formar um montículo Na puberdade, por alterações hormonais,
secundário acima do nível do seio. Fase madu- a mama cresce adquirindo novas características
ra com projeção apenas da papila, em virtude da e devido ao crescimento das glândulas mamárias
volta da aréola ao contorno geral do seio. o tecido gorduroso aumenta muito, dando aos
Apesar das mamas serem características seios, forma e volume de pessoas adultas. O pei-
sexuais secundárias das moças, em cerca de to cresceu e transformou-se em seio, no entan-
um terço dos rapazes observa-se algum desen- to, o aparecimento das sensações corporais nos
volvimento mamário e projeção areolar. Este seios é algo novo, que ainda não existia.
desenvolvimento transitório do tecido mamá- Continuando a exemplificação tomemos
rio é causado pelo estrogênio, comum em pré- nos meninos a característica “crescimento do
adolescentes de ambos os sexos e secretado pelas pênis”. O menino, antes da puberdade, estava
glândulas supra-renais. Às vezes o tecido pode tranqüilo com seu “pipi”. Na puberdade, seu
não involuir e requerer uma cirurgia de exére- “pipi” cresce e transforma-se em pênis. O pênis
se de mamas. Além do aspecto psicológico, ge- do adolescente já tem característica de forma,
ralmente negativo, do aumento das mamas nos volume e dimensões de adulto, acrescido da sen-
rapazes, pode o tecido mamário inflamar pro- sibilidade erótica, pois o que havia era sensibi-
vocando uma dor conhecida como mastodinia. lidade corporal sem conteúdos erótico-sexuais.
Este acontecimento pode ocasionar no púbere A puberdade dá ao púbere um recurso a mais de
uma grande preocupação em relação a sua mas- amadurecimento que muda a qualidade de sen-
culinidade, principalmente se o mesmo for alvo sações, sintetizando visivelmente, as grandes al-
de brincadeiras pelos seus colegas. terações hormonais que ocorrem neste período.
510
Capítulo 55 • Aspectos psicossociais do desenvolvimento e da sexualidade na adolescência
511
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
512
Capítulo 56
Saúde reprodutiva 30 por cento mais alta entre adolescentes que em
na adolescência mulheres de 20-29 anos de idade, porém menor
que a taxa para mulheres acima de 30 anos. As
zenilda vieira Bruno
complicações de gravidez, parto e o período pós
parto são a sexta causa mais freqüente de morte
para mulheres com idades de 15-19 anos.
Consideramos que existem dois momen-
tos e formas de trabalhar com os adolescentes:
primeiro, a discussão sobre a gravidez antes de
Caso clínico ela ter acontecido, e segundo, o apoio quando o
fato já está consumado, ou seja, o que nós (adul-
513
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
de risco obstétrico. Muitos autores colocam que dos, mesmo sendo um direito garantido pelo
os extremos da idade materna podem trazer con- Estatuto da Criança e Adolescente (ECA);
seqüências tanto para a mãe como para o feto, já • Influência da mídia podendo estimular a se-
que essas apresentam maior risco de desenvolver xualidade dos jovens despertando a curiosi-
complicações durante a gestação e parto ou ainda dade em experimentar o sexo, sem a aborda-
refletir em problemas para o feto, sendo conside- gem da prevenção e do cuidado;
rada de maior risco para a adolescente a gestação • Pobreza e bai�a e�pectativa de vida, ocasionan-
ocorrida na faixa etária inferior a 16 anos. do a falta de objetivos e planos para o futuro;
A idade materna não pode, isoladamente, • �ai�a escolaridade. O bai�o nível educacional é
ser considerada causa de conseqüências adversas causa e também conseqüência da gestação, vis-
da gravidez entre adolescentes. Em geral, condi- to que a maioria deixa de estudar quando en-
ções inadequadas de acompanhamento em torno gravida, ou então é expulsa de forma velada ou
dos processos de gravidez, início do pré-natal literal das escolas. Além de que, muitas vezes
tardio ou inadequado, gravidez não planejada, essas meninas já tinham abandonado a escola;
mau estado nutricional da adolescente, infec- • Transformações físicas, psicológicas e sociais
ções não tratadas antes do parto, falta de bom da idade fazem o adolescente ficar mais sus-
acompanhamento no parto e puerpério, podem cetível ao risco de tornar-se mãe ou pai, já que
aumentar as complicações para a mãe e o recém a adaptação às mudanças é, na maioria das ve-
nascido (RN). zes, difícil, fazendo-o procurar meios de esca-
Vários fatores podem ser responsáveis pelo par dos conflitos.
acontecimento de uma gestação na adolescência:
• Antecipação da menarca, que pode levar a
iniciação sexual mais cedo; Riscos maternos
• Iniciação se�ual sem devida orientação sobre
os riscos e conseqüências;
• Desconhecimento sobre as questões da se- Riscos biológicos
xualidade;
• Pouca participação da família, escola e dos Problemas como: eclâmpsia, anemia, in-
serviços de saúde no processo educativo dos fecção urinária, trabalho de parto prematuro, la-
adolescentes, sendo os próprios colegas ado- cerações do trajeto do parto, hemorragia, despro-
lescentes a principal fonte de informação so- porção céfalo-pélvica, parto difícil e prolongado
bre sexualidade; são considerados riscos biológicos e podem lavar
• Questões familiares, em que os pais se ne- à morte materna. A taxa de mortalidade mater-
gam a aceitar a iniciação sexual de seus filhos na é mais elevada entre adolescentes, mesmo em
e acaba por não interferir de forma positiva países desenvolvidos. No entanto, é importante
neste acontecimento, tornando o adolescen- enfatizar que esses riscos não estão diretamente
te vulnerável a experiência da maternidade e relacionados apenas com a idade, mas também
paternidade; com as condições precárias de vida das adoles-
• Dificuldade na prática da contracepção por centes, inclusive ausência de assistência médica
falta de conhecimento ou por a mesma neces- durante a gravidez. Outro aspecto importante a
sitar de motivação e planejamento, comporta- ser considerado é que a gravidez na adolescência
mento pouco apreciado entre os adolescentes, é, em algumas situações, não planejada, levando
além da recusa, por parte de alguns profissio- freqüentemente ao aborto induzido.
nais, da orientação e da concessão dos méto- Muitas são as questões relacionadas à
514
Capítulo 56 • Saúde reprodutiva na adolescência
gestação entre adolescentes, dentre as quais po- • Dificuldade para inserção no mercado de tra-
deríamos citar a discriminação da família, dos balho e, consequentemente, para o sustento
amigos, o abandono aos estudos e ainda, muitas de ambos; alguns estudiosos consideram a
vezes, a falta de apoio do companheiro. Todos gravidez na adolescência como fator de en-
esses fatores psicológicos podem vir a repercutir trada para o ciclo da pobreza ou manutenção
tanto na gestação quanto no parto, que se cons- dessa condição;
titui num dos momentos de maior tensão emo- • Interrupção no processo normal de desenvol-
cional da gravidez. vimento psico-afetivo e social para assumir o
O pré-natal é amplamente reconhecido papel de mãe ou pai, causando muitas vezes
como um dos principais determinantes da evo- ansiedade, solidão e depressão, podendo ser
lução gestacional normal. Existe um elevado per- somatizado em manifestações clínicas do tipo
centual de parturientes adolescentes que não rece- anorexia, hiperêmese, o que pode ocasionar
bem assistência pré-natal, ou a recebem de forma riscos para o feto;
inadequada. Para a adolescente nem sempre é • Adiamento e/ou modificação dos projetos de
possível a iniciação precoce do pré-natal como é vida futura do(a) adolescente e família;
recomendada (1º trimestre), devido aos conflitos • Relacionamentos maritais prematuros e algu-
do início da gestação, que vai desde a própria acei- mas vezes forçados, marcados por muitos con-
tação da gravidez à aceitação pelo parceiro, família flitos em conseqüência da imaturidade psico-
e sociedade. Geralmente, elas procuram o serviço lógica e dependência econômica da família;
quando já estão com a gravidez avançada, dificul- • Falta de apoio ou abandono do parceiro, em de-
tando o trabalho do profissional de saúde em ten- corrência da instabilidade psicológica e social
tar prepará-las para a gestação, parto, puerpério, destes, muitas vezes também adolescente. Este
assim como corrigir anemia, tratar sífilis, realizar fator pode precipitar sentimentos de insegu-
teste de HIV, prescrever coquetel para evitar a rança e baixa auto-estima, os quais comprome-
transmissão vertical (se for o caso), ou prevenir tem o estado de saúde da gestante adolescente.
eclâmpsia. Daí a grande importância do profissio-
nal do Programa de Saúde da Família (PSF), para Riscos para o recém-nascido
a captação precoce destas adolescentes.
O parto deve ser conduzido por via vagi-
nal, salvo se tiver indicação formal para o parto Prematuridade
abdominal.
Nos extremos da vida reprodutiva estão os
Riscos psicossociais mais altos índices de prematuridade, com uma
conseqüência maior nas mulheres mais jovens.
Para a maioria dos estudiosos a ocorrência A freqüência de prematuridade entre RN
da gestação, freqüentemente, traz conseqüên- de mães adolescentes pode ser atribuída ao de-
cias para o desenvolvimento psicossocial da mãe ficiente controle pré-natal, intercorrências mé-
adolescente, destacando-se: dicas na gestação, a própria imaturidade física
• Abandono da escola formal, o evento da ma- materna, imaturidade da fibra muscular uterina
ternidade muitas vezes a obriga (ou é obri- e tensões emocionais.
gada) a deixar de estudar. O baixo grau de
escolaridade resulta em menor acesso ao co- Baixo peso ao nascer
nhecimento sobre sexualidade, com isso au-
mentam as chances de engravidar; O baixo peso ao nascer (BP), definido pela
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
516
Capítulo 56 • Saúde reprodutiva na adolescência
• Oferecer maior acesso aos métodos anticon- mente prejudicial a adolescente e seu concepto,
cepcionais, com discussão das questões liga- embora a gravidez possa interferir no processo
das à sexualidade, gênero e orientação correta natural da adolescência.
sobre a utilização e possíveis efeitos colaterais Os resultados de estudos podem ajudar os
dos mesmos; provedores de serviço e gerentes de programa a
• Formar adolescentes multiplicadores, onde entender por que os adolescentes engravidam e
estes poderiam repassar informações com têm seus filhos. Ter um bebê para muitas adoles-
a mesma linguagem, trocando experiências centes parece impulsionar a percepção da pessoa
com os outros adolescentes nas escolas e nas do seu valor. Diminuir o desejo de um adoles-
comunidades; cente para ter um bebê requer um jogo diferente
• Difundir a anticoncepção de emergência, de intervenções usadas atualmente para prevenir
ainda pouco conhecida por profissionais e gravidezes não planejadas. Esforços para encora-
por adolescentes; jar as mulheres jovens para ficar em escola preci-
• Realizar trabalho intersetorial, onde a escola sam ser implementados.
deve contribuir no desenvolvimento de ati- Estudos sugerem por que as adolescentes
vidades de caráter educativo e preventivo. terminam as gravidezes, até mesmo quando o
Preparar os professores para serem educado- aborto é ilegal. Deve ser considerado ainda que
res no tema transversal de educação sexual, a maioria das adolescentes não pretende ficar
discutindo temas polêmicos com os profis- grávida. Isto aponta a uma necessidade séria
sionais de saúde e ainda identificar, apoiar e para serviços anticoncepcionais melhores e edu-
encaminhar as adolescentes grávidas para os cação de sexualidade para adolescentes na nossa
serviços de pré-natal; região.
• Oferecer maior apoio e incentivo ao desen-
volvimento de pesquisas voltadas a gravidez
na adolescência. Anticoncepção na Adolescência
Não é suficiente o(a) adolescente conhe- Nas três últimas décadas, a prática do sexo
cer os métodos anticoncepcionais para garantir tem se difundido em todas as camadas sociais e,
o seu uso, necessitamos aumentar sua auto-esti- cada vez mais, está sendo estimulada à liberda-
ma, melhorar suas perspectivas de futuro, e de- de sexual. Daí, a grande importância do Plane-
senvolver a noção de auto cuidado, visando tan- jamento Familiar, que deve ser iniciado o mais
to à prevenção da AIDS, como a possibilidade precoce possível, inclusive, introduzindo a edu-
de escolha de não ter filhos. cação sexual nas escolas de Primeiro Grau.
Tanto os riscos maternos como os riscos Para indicarmos um método anticoncepti-
para o recém-nascido podem ser sensivelmente vo temos que analisar cada caso individualmen-
diminuídos se adolescentes grávidas forem ade- te, sem nunca generalizá-los. Devemos procurar
quadamente assistidas. Existe a necessidade de ouvir o(a) adolescente, suas queixas, analisando-
ampliação dos mecanismos sociais de suporte as convenientemente e orientando nas suas in-
(creches, escolas, serviços de saúde, áreas de la- certezas, que, quase sempre são muitas. Há uma
zer, entre outros) dos quais necessitam os pais necessidade de discorrer sobre todos os métodos
adolescentes e seus filhos, por conta da particu- anticoncepcionais, adaptando o mais efetivo
laridade do evento da maternidade e paternidade método para adolescentes, para cada casal.
nesta faixa etária. Não se pode generalizar que a
maternidade na adolescência seja sistematica-
517
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
518
Capítulo 56 • Saúde reprodutiva na adolescência
injetáveis, adesivos, anéis vaginais, implantes. profundo, sem massagear, do 7º ao 10º dia
• Oral: Pílulas esquecidas: Somente 1 pílula- do ciclo. Ou aplicar 1 ampola do 1º ao 5º dia
tomar a pílula quando lembrar e continuar a do ciclo e a seguir a cada 30 ± 3 dias aplicar
cartela normalmente. Duas ou mais pílulas uma nova ampola. Ou ainda 1 amp. IM pro-
– tomar duas pílulas, todos os dias, até che- fundo, sem massagear, no 1º dia do ciclo e
gar no dia certo na cartela, usar um método repetir a cada 90 dias.
complementar e, se sangrar, parar de tomar as
pílulas e começar nova cartela 7 dias depois.
Método de Amenorréia por Lactação (LAM)
Anticoncepção de emergência: Principais
indicações: Relação sexual não planejada e A amamentação exclusiva se caracteriza
desprotegida (comuns em adolescentes); uso pela não substituição de amamentação por outra
inadequado dos métodos anticoncepcionais; alimentação, seja ele sólido ou líquido, sempre
emprego incorreto do Condon, ruptura ou que o bebe solicitar (pelo menos de 4/4h por dia);
vazamento de liquido seminal, devido retira- e amamentar a noite pelo menos a cada 6h.
da tardia do pênis da vagina; deslocamento A amamentação é o método que utiliza a
ou remoção antecipada do Diafragma; expul- infertilidade temporária. As sucções freqüentes
são do DIU; esquecimento do uso da pílula por parte do bebê enviam impulsos nervosos à
hormonal oral por três ou mais dias em um hipófise materna, que libera prolactina e baixa
ciclo; presumida violência sexual. FSH, LH e conseqüentemente o estrogênio le-
vando a anovulação e amenorréia.
A eficácia é tanto maior quanto mais pre-
coce for o uso do esquema, no máximo até 72 Devem ser rotinas:
horas, após o coito suspeito. A droga utilizada é • Incentivar o aleitamento materno e�clusivo
o levonorgestrel 0,75 mg, na dose de 1,5 mg di- como método contraceptivo nos 6 primeiros
vidida em duas tomadas, um comprimido a cada meses de vida do bebê.
12 horas ou em dose única. • Orientar a paciente como utilizar o método.
Este método não deve ser usado de forma ha- • Orientar as vantagens do método tanto para a
bitual, pois pode trazer danos a saúde das usuárias mãe como para o bebê.
e deve ter ampla divulgação e acesso garantido. • Acompanhar mensalmente a paciente para
esclarecer dúvidas e favorecer a permanência
Mecanismo de ação: envolve uma ou mais fa- do uso do método.
ses do processo reprodutivo, interferindo na • Oferecer outro método quando a paciente não
ovulação, na espermomigração, no transporte desejar utilizar o LAM, no entanto, sem sus-
e nutrição do ovo, na fertilização, na função pender a amamentação.
lútea e na implantação. • Oferecer outro método quando for introdu-
zido outros alimentos à dieta do bebê e/ou
• Injetável: Este tipo de anticoncepção per- quando a paciente menstruar, método este
mite manter o sigilo de que se está usando que não deva influenciar negativamente na
algum método, e também para os usuários amamentação ou saúde do bebê.
de pílula que esquecem facilmente, como as
adolescentes. É considerada uma forma de
contracepção muito segura, efetiva e bastan-
te simples de se utilizar. Aplicar 1 amp. IM
519
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
520
Capítulo 57
Protagonismo juvenil ao envolvimento em atividades ou práticas que
Francisca Maria de oliveira andrade (tati) possam comprometer seu desenvolvimento ou
colocar em risco sua vida.
A inclusão dos adolescentes e jovens na
solução de problemas coletivos colabora não só
para o seu desenvolvimento pessoal e social, mas
contribui também para a organização e fortaleci-
mento da sociedade. São exemplos desses ganhos,
a melhoria do nível de informações e formação da
Introdução população jovem, desenvolvimento de lideranças,
soluções de problemas e necessidades da comuni-
521
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
A equipe recomendou a família que proporcionasse ao mios estudantis, grupos de danças...) e de re-
João mais oportunidades de falar sobre suas necessida- cursos comunitários para essa clientela (qua-
des e de escolha das atividades que faria durante suas dras de esporte, praças, centros comunitários,
horas de lazer, inclusive estimulando sua participação centros de referência...);
em atividades com seus amigos da escola e da rua. • Capacitação de jovens para atuarem como mul-
Casos como esses são comuns na prática tiplicadores na prevenção de DST/Aids, de gra-
do Saúde da Família. Adolescentes que são tra- videz, de drogas, na educação ambiental, etc.;
zidos à unidade de saúde por seus pais porque • Mobilização de jovens para debate sobre as
estão demonstrando alguma mudança de com- condições de saúde de seu bairro e as neces-
portamento daquela que tinham quando eram sidades específicas para o bem-estar social
crianças. Diversos aspectos precisam ser consi- dessa faixa etária, resultando na elaboração
derados neste caso tais como a não participação de propostas e execução das mesmas;
do adolescente nas decisões da família e de par- • Convite aos jovens para planejar, e�ecutar e ava-
ticipação em atividades comunitárias. liar campanhas e ações de promoção à saúde,
prevenção de agravos (dengue, violência...);
• Identificação e valorização de lideranças es-
Desenvolvimento da Atenção tudantis e juvenis com vistas a participarem
dos conselhos de saúde e criação de conselho
Favorecer o protagonismo juvenil é uma es- municipal da juventude, prticipando assim
tratégia eficaz de promoção da saúde dos adoles- do controle social;
centes e jovens, uma vez que contribui para o for- • Apoio à criação de canais para a e�pressão e
talecimento da sua auto-estima, da assertividade, reconhecimento de jovens, como atividades
da autonomia e da construção de projeto de vida. artísticas e culturais, rádio ou jornal comuni-
É importante que a equipe do PSF desen- tário, campeonatos, gincanas, grupos de vo-
volva algumas ações de forma preventiva com luntários, palanque da cidadania, olimpíadas
os muitos adolescentes e jovens da comunidade, desportivas ou intelectuais etc.;
mas que utilize tambem as ações de protagonis- • Envolvimento dos adolescentes na avaliação
mo para casos clínicos que procuram a unidade dos serviços de saúde oferecidos por meio
de saúde, como o apresentado nesse texto. de mecanismos permanentes, nos quais essa
Vale lembrar tambem que na organização clientela possa expressar suas opiniões, de-
da atenção à saúde do adolescente e do jovem de- mandas, críticas e sugestões;
vem ser levadas em consideração as necessidades • Encorajar e valorizar as iniciativas de ado-
específicas desses grupos, levando-se em conta lescentes e jovens em prol da comunidade ou
que a captação da clientela jovem terá mais êxito de seus pares. Colocar-se à disposição para
se contar com a valiosa ajuda de adolescentes ja apoiar, prover materiais, disponibilizar o es-
sensibilizados para a importância do auto cuidado paço físico da unidade, divulgar etc., mas sem
e das ações desenvolvidas pela equipe de saúde. tomar a liderança das mãos dos jovens;
A seguir, são enumerados alguns exem- • Aproveitar a ida de estudantes à unidade de
plos de diferentes formas e graus de participação saúde para buscar informações e neste mo-
dos jovens junto aos serviços de saúde: mento combinar uma atividade conjunta (por
• Levantamento, realizado pela equipe de saú- exemplo: oferecer as instalações da unidade
de e parceiros da comunidadee, dos diferentes para a realização de uma feira de saúde, quan-
grupos de adolescentes e de jovens existentes do o espaço físico permitir);
na comunidade (grupos ligados a igreja, grê- • Convidar os adolescentes das escolas da co-
522
Capítulo 57 • Protagonismo juvenil
munidade para conhecerem a unidade de decidimos destacar nesse espaço duas experiên-
saúde e os serviços que são oferecidos; cias que têm sido desenvolvidas no Ceará, nos
• Envolvimento dos adolescentes/jovens na últimos quatro anos.
identificação dos preconceitos de sua comuni- Inicialmente falaremos do Projeto Espa-
dade que possam estar trazendo prejuízos para ço Jovem.
o desenvolvimento da mesma, assim como os Este projeto tem como base a proposta
meios para a construção de hábitos saudáveis. do Ministério da Saúde de criação de “Espaços
• Um estratégia prática poderia ser identificar jovens”, que segundo documentos sobre esta
ou selecionar, na escola de ensino médio mais iniciativa, trata-se de “um lugar estratégico para
proxima da unidade de saúde da familia, de a construção da cidadania onde os jovens possam
dois a quatro estudantes que tenham interes- participar, solicitar informações e orientação sobre
se em colaborar com a equipe de saúde. Esses as diferentes necessidades de saúde, educação,lazer,
adolescentes seriam treinados para atuarem esporte, cultura e as instituições desenvolvam ati-
como colaboradores da equipe, convidando vidades integrais e intersetoriais, em nível comuni-
outros adolecentes e jovens a virem à unidade tário, garantindo a melhoria do atendimento inte-
para a puericultura e tambem quando tiverem gral na promoção da saúde, a inclusão na escola,
queixas. Recepcionariam e acompanhariam os em cursos profissionalizantes e no emprego, hábitos
adolescentes e jovens antes e após as consul- saudáveis e redução de riscos como a gravidez na
tas e participariam das atividades educativas adolescência, exploração sexual, doenças sexual-
dentro e fora da unidade sanitária. Ao final de mente transmissíveis, AIDS e o uso de drogas”. É
seis meses ou um ano, esses adolescentes se- também um espaço de convivência que facilite
riam certificados (o que seria importante para o acesso e a produção de cultura... que valorize
o início de sua vida profissional) e um novo a expressão da criatividade e espontaneidade
grupo assumiria esse papel. Com esse grupo de do jovem, tornando-o protagonista de sua pró-
voluntários a unidade de saúde passaria a ter pria história.
mais clientes adolescentes e jovens e poderia Como principais protagonistas destes es-
obter mais êxito em suas ações preventivas e paços, os jovens são capacitados para o desenvol-
curativas. vimento de atividades de promoção de hábitos e
estilos de vida saudáveis, incluindo a prevenção
O protagonismo juvenil deve se tornar um da violência, do uso de drogas, o estímulo a prá-
objetivo prioritário para os profissionais de saúde ticas de esportes e de atividades culturais.
da família, pois a participação ativa e autônoma Mais informações sobre este projeto po-
de jovens no planejamento, execução e avaliação dem ser obtidas na Prefeitura do seu municí-
das ações do setor é decisiva para o impacto social pio ou no Núcleo de Saúde do Adolescente e
das mesmas. Portanto, tanto os jovens quanto o do Jovem na Secretaria de Saúde do Estado,
setor saúde são beneficiados por esse processo, (0xx85) 3101.5124.
além da comunidade como um todo. Outro projeto de grande alcance tem
sido a eleição do Prefeito Mirim nos municí-
pios cearenses.
Alguns exemplos práticos de promoção do Este projeto foi proposto pelo UNICEF
protagonismo infanto-juvenil aos municípios participantes do Selo UNICEF
Município Aprovado.
Existem vários exemplos de protagonismo Os municípios participantes do proje-
juvenil que poderiam ser aqui descritos, porém to devem eleger os(as) seus(suas) prefeitos(as)
523
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
mirins dentre os alunos das escolas públicas, Sites de interesse em Saúde da Criança
na faixa etária entre 12 e 16 anos incompletos. e do Adolescente
A eleição deve ser realizada em cada uma das
escolas do município, que elege, cada uma, o • http://www.saude.gov.br/programas/adolescente/
seu representante e posteriormente, uma co- adolescen.htm
missão organizada pelo Conselho Municipal de Este site é o site oficial da Área Técnica de Saúde
do Adolescente. Traz em linhas gerais o Programa
Direitos da Criança e do Adolescente e a Se-
de Saúde do Adolescente - PROSAD e algumas
cretaria de Educação do município elegem o(a)
informações estatísticas importantes.
prefeito(a) mirim do município, dentre aqueles
• http://ral-adolec.bvs.br/revistas/ral/paboutj.htm
eleitos nas escolas.
htpp://www.adolescenciaesaude.com.br
Esse (a) prefeito (a) mirim municipal tem • http://www.unesco.org/
como papel representar e defender os interesses Site dessa instituição voltada especialmente para
das crianças e adolescentes do município. Dentre projetos sociais e áreas prioritárias de ação.
as atividades que eles/elas participam, podemos • http://www.saude.gov.br/programas/acidviol/aci-
citar: reuniões com o prefeito e secretários muni- dente.htm
cipais, eventos de interesse de seus pares, visitas a Site do Ministério da Saúde voltado para essa te-
equipamentos públicos e encontros de formação. mática que traz essencialmente informações sobre
Maiores informações sobre este projeto acidentes de trânsito.
podem ser obtidas na Prefeitura do seu municí- • http://www.bireme.br/bvs/adolec
pio ou no UNICEF (0xx85) 3306.5700. Site da Biblioteca Virtual em Saúde - Adolescên-
cia - (BVS - ADOLEC) especializado em promo-
ver acesso online a informação científica e técnica
relevante para a saúde do adolescente no Brasil.
Essa rede estimula o contato entre especialistas e
adolescentes para a consulta de temas específicos,
solução de dúvidas, fórum de discussão e etc.
• http://www.scielosp.org/
Site organizado pela rede Bireme e apoiado pela FA-
PESP. Traz artigos na íntegra das principais revistas
latinoamericanas de saúde pública, a partir de 1997.
• http://www.rebidia.org.br/
Site da Rede Brasileira de Infância e Adolescên-
cia. Traz sites importantes para questões sociais
em relação à essa população.
• http://www.medlinks.com.br/
Site contendo referências médicas e endereços das
principais revistas de medicina, tanto nacionais
quanto internacionais.
• http://www.saude.gov.br/psf/inde�.htm
Site do Ministério da Saúde, do Programa de Saú-
de da Família com informações gerais sobre o pro-
jeto e publicações acerca do tema.
• http://www.saude.gov.br/programas/pes/princi-
pal.htm
Site do Ministério da Saúde sobre Educação em
Saúde. Traz os principais conceitos, com links a
524
Capítulo 57 • Protagonismo juvenil
respeito da área.
• http://www.saude.gov.br/programas/cardio/car-
dio.htm
Site do Ministério da Saúde contendo resumo so-
bre Cardiologia e os diagnósticos das principais
patologias.
• http://www.geocities.com/neapiufc/
NEAPI – Universidade Federal do Ceará – Servi-
ço de Pediatria
• http://www.geocities.com/pediatriaufc/
Universidade Federal do Ceará – Serviço de Pediatria
Bibliografia
525
Capítulo 58
Saúde mental da criança e do Caso clínico 1
adolescente: principais quadros
Pedrinho foi encaminhado à consulta médica
clínicos e abordagens terapêuticas
por sua professora, que tem notado considerável de-
clínio de seu rendimento escolar e a presença de difi-
Gilson holanda alMeida culdades com o aluno na sala de aula. Pedrinho tem
Marcela de cavalcante alMeida
8 anos de idade e atualmente cursa a segunda serie
do primeiro grau. Na sala é inquieto, vive provocan-
do os colegas, não se concentra. Teve um desenvol-
527
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
ter em silêncio, falar demais, responder antes da zinhos. É bastante comum envolver-se com a depre-
formulação da pergunta, não esperar a vez, in- dação do patrimônio alheio (como quebrar vidros e
terromper os outros. Os sintomas do grupo da telhados das casas dos vizinhos) ou maltratar ani-
desatenção são mais comuns segundo as queixas mais domésticos.
dos pais ou dos professores; menos comuns são Com freqüência recebe castigos, parecen-
as queixas de hiperatividade e impulsividade. do não aprender com as experiências e logo se
Para o diagnóstico, os sintomas devem existir envolvendo com novas aventuras
antes da idade de 7 anos e os problemas devem O caso do Zeca ilustra um típico transtor-
ser observados em pelo menos dois contextos no da conduta. Suas principais características
(por exemplo, em casa e na escola) e atrapalham são:
claramente a vida dos indivíduos, não podendo • Agressão a pessoas e animais
ser explicados por situação claramente identifi- • Destruição de propriedade
cada. O problema comumente persiste na ado- • Furtos e roubos
lescência e idade adulta em pelo menos 50% dos • Violação séria de regras sociais.
casos e há um marcado predomínio no sexo mas-
culino (5:1). A terapia farmacológica se mostra Para o diagnóstico, a criança deve apre-
bastante eficaz e é feita com psicoestimulantes, sentar os sintomas da doença durante o ano pre-
tais como metilfenidato, anfetaminas, pemolina, cedente e pelo menos um sintoma nos últimos
etc. seis meses. Essas pessoas geralmente terão pro-
• Metilfenidato (Ritalina) deve ser iniciado na blemas nas esferas social, escolar e ocupacional.
dose de 2,5-5 mg/d e aumentado, se neces- O início pode se dar tanto na infância quanto
sário, em 2,5-5 mg por dia até atingir a dose na adolescência, sendo que mais comumente os
ideal de 0,3-2 mg/kg/d. Efeitos colaterais in- sintomas aparecem dos 10 aos 12 anos nos meni-
cluem insônia, falta de apetite, alteração do
nos e em torno dos 16 anos nas meninas. O tra-
humor, cefaléia, problemas gastrointestinais.
tamento é predominantemente através de psico-
• De�troanfetamina tem cerca de duas vezes a
terapia e a doença está relacionada ao transtorno
potência do metilfenidato e apresenta efeitos
colaterais semelhantes. Não existe no Brasil. de personalidade anti-social no adulto.
• Nos casos de efeitos colaterais que inviabili-
zam o uso do Metilfenidato, estão indicada as Caso clínico 3
medicações anti-hipertensivas, como clonidi-
na (alfa-agonistas), bastante úteis quando há Ana tem 11 anos e é trazida à consulta porque
presença de tiques ou agressividade. Clonidi- “está diferente”. Durante quase um mês, só chora,
na deve ser iniciada na dose de 0,025 mg duas já não quer freqüentar as aulas de vôlei no Centro
vezes ao dia e pode ser aumentada até 4-5 mi- Comunitário a que costumava ir com muito entusias-
crogramas/kg/dia. Efeitos colaterais são seda- mo, já não gosta de brincar com suas colegas e tem
ção e depressão. tido dificuldades de se concentrar na escola. Não tem
• Os antidepressivos tricíclicos e a �uproprio- dormido bem à noite e seu apetite encontra-se dimi-
na têm mostrado eficácia de até 70% para o nuído.
tratamento de TDAH. Tristeza, falta de interesse, problemas na
escola, dificuldade de concentração, queixas
Caso clínico 2 somáticas, irritabilidade ou agressividade, mu-
danças no peso e apetite são alguns dos possíveis
Zeca tem 7 anos e sempre teve problemas de sintomas de depressão na criança, que é uma
relacionamento, seja com colegas, irmãos, pais e vi- das expressões do transtorno do humor, como
528
Capítulo 58 • Saúde mental da criança e do adolescente:principais quadros clínicos e abordagens terapêuticas
no caso descrito acima. A prevalência é de 0,3% cial, transtorno de ansiedade generalizada, etc.
em crianças pré-escolares, 1-2% em crianças em O transtorno ansioso de separação é de-
idade escolar e 5% em adolescentes. A prevalên- finido como uma ansiedade excessiva que ocor-
cia é igual entre homens e mulheres até a ado- re quando uma criança é separada de um lugar
lescência, idade a partir da qual assume o padrão ou de uma pessoa com quem mantém uma li-
do adulto de 3 mulheres: 1 homem. Opções de gação significativa. Esse problema, que é parte
tratamento incluem antidepressivos inibidores do desenvolvimento normal da criança por volta
seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) dos 2 anos de idade, podem se tornar excessivos
e os tricíclicos. Por alguns anos se pregou que ao ponto de prejudicarem o funcionamento da
os ISRS aumentavam os riscos de suicídio em criança, ponto em que o transtorno é diagnosti-
crianças e adolescentes, mas estudos mais recen- cado. Os sintomas devem perdurar por pelo me-
tes derrubaram tais idéias e os inibidores de se- nos 4 semanas e ter seu início antes dos 18 anos
rotonina voltaram a ser amplamente prescritos de idade. A prevalência é de 4% em crianças
para a população pediátrica. em idade escolar e 1% em adolescentes e o tra-
tamento é feito com terapia (as abordagens que
Episódios maníacos na criança quase utilizam o modelo cognitivo-comportamental
sempre se manifestam através de humor extre- são as mais indicadas) e medicações, tais como
mamente irritável ou explosivo, elevação do os inibidores de recaptação de serotonina e ben-
nível de energia, pensamentos acelerados, fala zodiazepínicos.
rápida, falta de sono. Estudos com transtornos O transtorno obsessivo-compulsivo
bipolares em crianças hoje são mais disponí- (TOC) se manifesta por idéias obsessivas, com-
veis, embora com freqüência o diagnóstico se pulsivas ou ambas. Obsessões são idéias, impul-
preste a confusão com outros quadros dos quais sos ou representações mentais recorrentes e in-
devem ser diferenciados, como o TDAH, trans- trusivas, percebidas sem significado particular
tornos de conduta, depressão e transtornos psi- para quem as experimenta, e que podem levar
cóticos. O tratamento se faz com estabilizadores às compulsões, entendidas como atos repetiti-
do humor e antipsicóticos atípicos. vos e intencionais, cognitivos ou motores, rea-
lizados com uma determinação e permanência
Caso clínico 4 que freqüentemente ultrapassam a livre vontade
do indivíduo. As obsessões mais comumente se
Gabriela tem 5 anos e, de algumas semanas expressam através de conteúdos de agressão, se-
para cá, tem tido dificuldades de ir para a escola. Ao xual, de contaminação, dúvida, simetria ou na
acordar, sempre se queixa de dores de cabeça, dores esfera somática, enquanto as compulsões mais
no corpo, mal-estar...Chama a atenção o fato de que, freqüentes estão relacionadas aos conteúdos de
nenhum desses sintomas, está presente nos finais de limpeza, verificação, rituais, ato de contar, or-
semana ou nos dias em que Gabriela não tem aula. denar, colecionar, tocar, entre outros. Os rituais
Ao ser deixada na porta da escola pela mãe, Gabriela trazem alívio momentâneo para os sentimentos
treme, chora, parece aflita e insegura. desencadeados pela situação desagradável, mas
Os transtornos de ansiedade em geral - e também pode suscitá-los. O tratamento é o mes-
não apenas o transtorno ansioso de separação- mo para o adulto, ou seja, ISRS (em doses mais
podem se manifestar desde a infância. Desta for- elevadas que as utilizadas como antidepressivos)
ma, podemos observar, desde idade muito preco- ou clomipramina (o mais serotoninérgico dos
ce, o transtorno obsessivo-complusivo (TOC), o antidepressivos tricíclicos e o que foi utilizado
transtorno de estresse pós-traumático, fobia so- em maior número de estudos), associado à psi-
529
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
530
Capítulo 58 • Saúde mental da criança e do adolescente:principais quadros clínicos e abordagens terapêuticas
531
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
por técnicas comportamentais e, caso não se- média quando se considera a população como
jam suficientes, farmacoterapia com imipra- um todo. Os métodos mais eficientes tem
mina ou vasopressina está indicado. Tanto na sido arma de fogo, seguidos de enforcamento,
encoprese quanto na enurese deve-se descar- sufocamento, envenenamento/overdose. Fa-
tar uma condição médica como sendo respon- tores de risco incluem: tentativa prévia, abu-
sável pelo quadro. so de substância psicoativa, doença crônica,
• Tiques - são movimentos súbitos e recorren- depressão, psicose, transtornos de identidade
tes, estereotipados e não-ritmicos, que podem sexual (homossexualidade) e problemas fami-
ser motores (piscar os olhos, mover o pesco- liares em geral.
ço, etc.) ou vocal (gemer, ladrar, etc.). São mo-
vimentos involuntários, mas que podem ser Bibliografia
voluntariamente suprimidos. Durante o sono
ou durante períodos que requerem maior American Psychiatic Association. Referência Rápi-
atenção, como jogar videogame, por exemplo, da aos Critérios Diagnósticos do DSM-IV-TR, 4ª.
eles são normalmente suprimidos. A doença Edição ver- Porto Alegre: Artmed, 2003, 336 p.
de Tourette é um exemplo em que existem
Eyberg SM. Assessing therapy outcome with pres-
múltiplos tiques motores e pelo menos um
chool children: progress and problems. J Clin
tique vocal, mas eles não necessariamente Child Psychol. 1992; 33:45
precisam ser coexistentes. Os tiques, nessa
condição, geralmente ocorrem todos os dias Fu-I, L. (Coord.) Transtorno bipolar na infância e na
adolescência- São Paulo: Segmento Farma, 2007.
e não há nenhum momento isento de tiques
por pelo menos três meses. É freqüente a co- Kaplan HI, Sadock BJ. Sinopse de psiquiatria. Li-
morbidade com TDAH, TOC e outros trans- ppincott: Williams & Wilkins; 1998.
tornos de ansiedade. Mattos P. No mundo da lua- pergunta e respostas
• Mutismo seletivo - ocorre quando a criança sobre o TDAH em crianças, adolescents e adultos.
se recusa a falar em determinadas situações 4a. ed rev. e atualiz.- São Paulo: Lemos Editorial,
sociais, apesar de sua linguagem ser absoluta- 2004. 167 p.
mente normal em outras circunstancias. Está OPAS/OMS (2003). Classificação Estatística Inter-
associado com ansiedade e timidez e os sin- nacional de Doenças e Problemas Relacionados à
tomas devem estar presentes por pelo menos Saúde – Transtornos Mentais e do Comportamen-
um mês. O transtorno é incomum e prevalen- to.(Décima Revisão), v. 1. São Paulo, SP: EDUSP.
te em apenas cerca de 1% das crianças. O tra-
Pataki CS. Child psychiatry: introduction and over-
tamento se faz por meio de psicoterapia (TCC view. In: Sadock BJ, Sadock VA. Comprehensive
é a mais indicada) e, por vezes, uso de ISRS. textbook of psychiatry, 7th ed. Vol 2. Baltimore: Li-
• Suicídio - é a terceira causa de morte em ado- ppincott Williams & Wilkins; 2000. 2532 p.v.2.
lescentes, ficando atrás apenas de acidentes
Practice parameters for the psychiatric assessment
e homicídios. Nos Estados Unidos, o índice
of children and adolescents. J Am Acad Child Ado-
de morte por suicídio em adolescentes é de lesc Psychiatry. 1997; 36:45.
13/100.000 e a taxa de homens para mulhe-
res é de 4:1 (o contrário, 1:4, corresponde ao Wilens, T., Spencer,TJ,Frazier, JA, Biederman, J.
Child and adolescent psychopharmacology. In:
índice de tentativas de suicídio). As pesqui-
Ollendick T, Hersen M, eds. Handbook of child
sas brasileiras apontam taxas mais baixas:
psychopatology. 3th. Ed. New York: Plenum Press;
0,2/100.000 na faixa etária dos 5 aos 14 anos
1998. p.603-36.
e 4/100.000 dos 14 aos 24 anos, que é a taxa
532
Capítulo 59
Doença de pele na criança superficiais, leishmaniose tegumentar america-
e no adolescente na e hanseníase, além de um apêndice tratando
dos cuidados básicos com a pele na prevenção
tânia Maria Poti sales
hélio alexandrus WaGner Poti sales das dermatoses.
Piodermites
Introdução Introdução
533
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
534
Capítulo 59 • Doença de pele na criança e no adolescente
ca. Incisão e drenagem podem ser necessárias ambulatorialmente a cauterização química com áci-
em casos mais profundos (lesões maiores, loca- do tricloroacético a 70% das verrugas e a curetagem,
lizadas, dolorosas e flutuantes), associadas ao após anestesia local das pápulas na nádega. Após 20
uso de antibióticos tópicos nas lesões abertas. A dias, a genitora retorna com a paciente, relatando o
antibioticoterapia sistêmica associada à tópica desaparecimento completo das lesões da mão e que
é utilizada em casos cronificados e recorrentes. ainda restavam três lesões na nádega. Foi então repe-
Recomenda-se neomicina e bacitracina como tida a curetagem, com sucesso.
antibióticos tópicos e, sistêmicos, eritromicina
na dose de 30 a 40mg/kg/dia, dividida de 6 em
6 horas ou sulfametoxazol/trimetropina na dose Desenvolvimento da atenção
de 20 a 30/mg/kg/dia calculada em relação ao
sulfametaxazol, dividida em duas tomadas. • Verruga vulgar: é uma dermatovirose conta-
giosa e benigna, causada geralmente pelo ví-
rus HPV 2 (papiloma-vírus humano 2). É o
Dermatoviroses tipo mais comum de verruga humana e é mais
freqüente em escolares, com pico entre 10 e
16 anos. A transmissão se dá pelo contato di-
Introdução reto ou indireto das lesões, sendo comum em
freqüentadores de piscinas e ginásios espor-
Os aspectos dermatológicos das doenças tivos. As lesões podem ser auto-inoculadas,
virais são de suma importância para a prática clí- principalmente através de traumatismos.
nica da atenção básica devido à alta contagiosida-
de, principalmente, em se tratando das doenças Caracteriza-se clinicamente por pápulas ou
sexualmente transmissíveis, e, particularmente grupo de pápulas, de consistência firme e super-
na infância, das doenças exantemáticas (assunto fície rugosa, geralmente localizadas em dorso das
abordado em outro capitulo deste livro). Abor- mãos e dedos, leito ungueal, dobras periungueais
daremos a seguir duas dermatoviroses bastante e joelhos. Em cerca de 65% dos casos, as verrugas
freqüentes no atendimento a crianças e adoles- desaparecem espontaneamente após 2 anos.
centes: verruga vulgar e molusco contagioso. O diagnóstico é clínico e o tratamento
pode ser realizado pela destruição química com
ácido tricloroacético a 50-75%, ambulatorial-
Caso clínico mente, em várias sessões, até o desaparecimento
das verrugas. Eletrocauterização e cirurgia (re-
Paciente feminino, 5 anos de idade, compa- servadas para uso no nível secundário ou terciá-
rece ao atendimento médico, acompanhada da ge- rio) devem ser solicitadas quando a cauterização
nitora que refere a presença de “berrugas” na mão química é mal-sucedida.
direita e pequenas bolhas na nádega esquerda da
menor há 20 dias, apresentando prurido. Ao exame • Molusco contagioso: é uma doença conta-
físico, sem anormalidades, exceto pela presença de giosa causada pelo Vírus do Molusco Conta-
múltiplas pápulas, rugosas e coalescentes no dorso gioso MCV. É bastante freqüente em escola-
da mão esquerda e, vesículas firmes e umbilicadas, res, principalmente do sexo masculino, entre
em número de 12, localizadas na nádega esquerda. 3 e 7 anos de idade. A transmissão é por con-
Após o diagnóstico clínico de verruga vulgar na mão tato direto das lesões, que podem ser auto-
e molusco contagioso em nádega, foram realizadas inoculadas. Tem duração autolimitada a 6 a 9
535
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
meses, podendo persistir por 3 a 4 anos. glútea homolateral, sugerindo larva migrans como
hipótese mais provável, além de pequenos nódulos
Clinicamente, observam-se pápulas com esbranquiçados aderidos aos cabelos, sugestivos de
centro umbilicado, semi-esféricas, com a cor da lêndeas presentes na pediculose.
pele e diâmetro de 3 a 5mm. Apresenta distri- As condutas tomadas foram, respectiva-
buição assimétrica, em número variável, geral- mente as seguintes:
mente agrupadas. Em crianças, tem localização • Prescrição de solução contendo monossulfi-
em áreas de dobras, face, pálpebras, tronco e ram 25%, diluída adequadamente e aplicada
extremidades. As lesões, após regredirem, não após banho noturno sobre as feridas, para a
deixam cicatrizes. criança (sendo retirado pela manhã) durante
O diagnóstico é clínico e o tratamento de 3 noites consecutivas e repetida após 7 dias;
escolha deve ser a curetagem das lesões (procedi- • Prescrição de albendazol 400mg, em dose
mento realizado em serviços de referência) e acom- única oral;
panhamento após 2 semanas do tratamento, para • Prescrição de �ampu contendo permetrina
flagrar o possível aparecimento de novas lesões. 1%, para lavagem dos cabelos e repouso de
15 minutos antes do enxágüe, repetido após
7 dias. Deve-se tratar todos os moradores da
Dermatozoonoses residência, além de outras pessoas de conví-
vio mais íntimo, deve-se também examinar e
tratar todas as crianças em convívio (creche,
Introdução escola).
Após 1 mês do tratamento, o paciente re-
Corresponde a toda e qualquer alteração torna e a genitora refere melhora das queixas por
dermatológica, produzida por ação lesiva, prin- completo.
cipalmente de helmintos ou artrópodes, em
qualquer fase do ciclo evolutivo, sendo parasitas
ou não. Apresentaremos a seguir, algumas des- Desenvolvimento da atenção
tas patologias, tão comuns na população mais
carente atendida pelos programas de saúde: es- • Escabiose: também chamada sarna, é uma
cabiose, pediculose do couro cabeludo, tungíase dermatose zooparasitária endêmica no Brasil,
e larva migrans. causada pelo ácaro Sarcoptes scabiei hominis.
É uma doença social, já que está relacionada
com fatores como nível sócio-econômico, má
Caso clínico higiene e número de indivíduos habitando o
mesmo domicílio. A transmissão ocorre pelo
Criança de 10 anos, chega ao consultório, contato interpessoal e, menos freqüentemen-
acompanhado da mãe. A queixa principal é de pru- te, por roupas. Ocorre em qualquer idade, sen-
rido intenso pelo corpo e couro cabeludo há cerca de do mais comum em crianças e adolescentes.
15 dias, ocasionando feridas. Ao exame físico, foi
constatado presença de lesões escoriadas com padrão Clinicamente, o principal sintoma é o
linear e pápula terminal, sugestivas de escabiose em prurido, intensificado à noite. Pode-se obser-
abdome e face anterior dos membros superiores. Tam- var inúmeras micropápulas ou vésico-pápulas,
bém foram encontradas lesões eritematosas de trajeto sendo a maioria encimada por pequenas crostas,
tortuoso em região maleolar lateral direita e região além de escoriações provocadas pelo ato de co-
536
Capítulo 59 • Doença de pele na criança e no adolescente
537
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
538
Capítulo 59 • Doença de pele na criança e no adolescente
tos (uso diário por 4 semanas). Em casos mais finitiva. Apresentam odor característico de
extensos ou resistentes, está indicado a terapia “ninho de rato”.
oral utilizando derivados imidazólicos, princi-
palmente o cetoconazol 200mg/dia ou 4-7 mg/ O diagnóstico é clínico (exame micológico
kg/dia, após o almoço durante 10 dias (alerta direto confirma a suspeita clínica) e o tratamen-
para hepatotoxicidade). to exige terapia oral sistêmica com griseofulvina
na dose de 10 a 15mg/kg/dia por 8 a 12 semanas,
• Tínea capitis: consiste em afecção do couro terbinafina em dose adequada por 4 a 8 semanas
cabeludo causada por dermatófitos do gênero ou, derivados imidazólicos. Em casos de kerion,
Microsporum ou Tricophyton. Bastante comum faz-se necessária, além da terapia antifúngica
em crianças entre 4 e 14 anos, pode ser di- sistêmica, aplicação local de compressas de per-
vidida em duas entidades, tínea tonsurante e manganato de potássio 1:40.000 e, drenagem em
tínea favosa. casos mais graves.
• Tínea tonsurante: é a apresentação clínica
mais freqüente e tem como principal agente • Tínea corporis: é a tínea que acomete a pele
o Microsporum canis, seguido do Tricophyton glabra (pele sem cabelos), também conhe-
rubrum. O primeiro tem transmissão media- cida por “impingem”. É causada principal-
da pelo contato com cães e gatos, enquanto mente pelos dermatófitos Microsporum canis
o outro é responsável por pequenos surtos ou Tricophyton rubrum. Tem sua transmissão
em populações fechadas (ex.: creches), sendo inter-humana (contato direto ou indireto) ou
transmitido através do contato inter-humano pelo contato com cães e gatos. Clinicamen-
direto ou por meio de pentes e escovas. Ca- te, observam-se lesões eritêmato-papulares,
racteriza-se clinicamente por área de alopecia descamativas, anulares com bordos eleva-
focal, descamativa, com ou sem eritema. As dos eritêmato-descamativos ou vesiculosos.
áreas afetadas apresentam pequenos cotos de Apresenta-se em número e tamanhos variá-
cabelo, correspondendo ao nível da fratura da veis. Acomete tronco, membros e face.
haste capilar, próximo à pele. O padrão das
lesões pode variar em dependência do agen- O diagnóstico é clínico (confirmado pelo
te etiológico. Lesões tricofiticas múltiplas e exame micológico direto). O tratamento se faz
ocupam pequenas áreas, já a lesão microspó- com uso de antifúngicos tópicos por cerca de 4
rica é única e ocupa grande área, podendo semanas. Recomendam-se os derivados imida-
evoluir para uma variante aguda inflamatória zólicos (tioconazol, miconazol e cetoconazol)
chamada kerion, caracterizada por formação em creme a 1%. Em casos disseminados ou re-
de placa elevada de limites precisos, dolorosa, fratários, prescreve-se terapia oral por 4 sema-
com eritema, pústulas e microabscessos que nas (cetoconazol 200mg/dia ou 4-7mg/kg/dia;
drenam pus à expressão. terbinafina 250mg/dia; itraconazol 100mg/dia
• Tínea fávica: causada principalmente pelo ou fluconazol 150mg/dia), orientando a tomada
dermatófito antropofílico Tricophyton schoen- após o almoço.
leinii. Ocorre prevalentemente na zona rural
e em pequenas comunidades interioranas. É
doença crônica, e se caracteriza pela presença
de pequenas lesões crostosas branco-amare-
ladas, côncavas, acompanhadas de descama-
ção e supuração local, gerando alopecia de-
539
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
540
Capítulo 59 • Doença de pele na criança e no adolescente
te é acometido. As lesões mucosas são devidas evitar abandonos e conseqüentemente, novos ca-
à disseminação hematogênica do parasita. sos na comunidade e resistência medicamentosa.
541
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
de Ridley e Jopling (ver adiante). que 100) simétricas e bilaterais, com aspec-
• Multibacilar: caracteriza-se pela presença de to de pápulas, placas ou nódulos eritemato-
mais de cinco lesões eritematosas ou hipo- sos ou eritêmato-acastanhados (lepromas ou
crômicas, com disposição simétrica, perda de hansenomas). Há acometimento de face e pa-
sensibilidade e comprometimento de vários vilhão auricular com infiltração difusa (face
troncos nervosos. A baciloscopia é positiva. leonina) além de madarose (alopecia do terço
Corresponde às formas borderline e virchowia- lateral dos supercílios) e edema de membros.
na na Classificação de Ridley e Jopling.
A clínica tem grande valor presuntivo no
Para melhor descrevermos as manifesta- diagnóstico, contudo, para garantir confirmação
ções clínicas da doença, utilizaremos a classifi- de positividade e classificação, deve-se lançar
cação de Ridley e Jopling: mão do teste de sensibilidade, da baciloscopia e
• Forma indeterminada (I): é a fase inicial da do- da histopatologia.
ença, podendo evoluir para as formas tubercu- O teste de sensibilidade avalia hipoestesia
lóide, borderline, virchowiana, ou ainda, desapa- ou anestesia, podendo ser realizado no consultó-
recer sem qualquer tratamento (70% dos casos). rio, examinando-se lesões suspeitas com estímulos
Caracteriza-se por lesão única ou em pequeno térmicos, dolorosos e táteis, nessa ordem. Primei-
número, hipocrômica ou eritematosa, de forma ramente, o paciente deve ser orientado quanto ao
oval e diâmetros variando de 1 a 5cm, apresen- procedimento a ser realizado para que fique tran-
tando hipoestesia (perda das sensibilidade). qüilo e colabore. Com o paciente de olhos fecha-
• Forma tuberculóide (TT): caracterizada dos, a pesquisa deve ser realizada na área suspeita,
pela presença de lesões em pequeno número e fazendo-se a contraprova em área de pele normal
assimétricas, bem delimitadas com até 10cm simetricamente oposta. A pesquisa da sensibilida-
de diâmetro, formando placas eritematosas de térmica é feita com dois tubos de ensaio, um
anulares e/ou lesões tricofitóides (semelhan- contendo água morna e o outro, água em tempera-
tes às tineas) com hipoestesia ou anestesia. tura ambiente. A sensibilidade dolorosa é pesqui-
• Forma borderline: dividida em três subti- sada com a ponta de uma agulha estéril, que deve
pos: borderline tuberculóide (BT), borderli- ser desprezada após o teste. Para a pesquisa da sen-
ne borderline (BB) e borderline virchowiana sibilidade tátil, utiliza-se um chumaço de algodão.
(BV). A forma BT apresenta placas eritêma- A baciloscopia é necessária para adoção da
to-infiltradas, bem delimitadas, com loca- conduta adequada, devendo, as amostras (frag-
lização assimétrica e em número de 2 a 10. mento da pele de 3mm), ser colhidas nos lóbulos
A forma BB apresenta placas múltiplas, in- das duas orelhas, nos dois cotovelos e na lesão
filtradas, de coloração ferruginosa, anulares suspeita. E, quando há duvida no diagnóstico, o
com centro de pele aparentemente normal. exame histopatológico de amostra profunda da
As bordas internas são nítidas e as externas lesão é bastante esclarecedor.
são imprecisas, com aspecto de “queijo suí- O tratamento poliquimioterápico é pro-
ço”. Hipoestesia pode ou não estar presente. posto de acordo com a classificação em pauci ou
A forma BV apresenta uma grande número multibacilar e a idade do paciente (Ver diagra-
de lesões (acima de 20) simétricas e bilaterais, mas a seguir).
com características tanto da forma BB quanto No caso de crianças menores de 10 anos,
da forma virchowiana. deve-se adaptar a dosagem dos esquemas: rifam-
• Forma virchowiana: caracterizada por múlti- picina 10mg/kg/dia; dapsona 0,9 a 1,4mg/kg/dia
plas lesões (em número não raramente maior e, clofazimina 100mg uma vez ao mês e 50mg,
542
Capítulo 59 • Doença de pele na criança e no adolescente
543
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
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man scabies. Arch Dermatol 1999; 135:652-5. miol Rec 2000; 75(28):226-31.
544
Capítulo 60
Serviço de Atenção 2000 no Hospital Infantil Albert Sabin, a seguir
Domiciliar – SAD Hospital Waldemar de Alcântara. Com o objeti-
vo de aperfeiçoar o programa foram feitas visitas
luís carlos reBouças de França
cristiane rodriGues de sousa ao Hospital das Clínicas de São Paulo e ao Sis-
tema de Internamento Domiciliar em Londrina
no Paraná objetivando a ampliação da atenção
para as microrregiões do Estado do Ceará.
A terminologia inicial, utilizada no Hos-
pital de Messejana, mencionava Programa de
545
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
ve ações de promoção à saúde, prevenção, trata- - Integrando o paciente em sua família, co-
mento de doenças e reabilitação desenvolvidas munidade e escola.
em domicílio que pode ser realizada na forma de • �enefícios para o hospital e Sistema Único de
assistência ou internação domiciliar. Saúde-SUS:
A assistência domiciliar consiste em ati- - Reduzindo o tempo de internação hospitalar;
vidades desenvolvidas em domicílio de caráter - Aumentando a oferta de leitos;
ambulatorial, programadas e de forma contínua, - Diminuindo o índice de infecção hospitalar;
visa basicamente dar continuidade ao trata- - Aumentando a satisfação do usuário;
mento do paciente após alta hospitalar em sua - Diminuindo os custos.
residência, o que é realizado por uma equipe
multidisciplinar de saúde atuando numa visão • �enefícios para a equipe multidisciplinar:
humanizada e integral, sendo formada por Mé- - Resgatando a figura do médico de família;
dicos, Fisioterapeutas, Enfermeiros, Assisten- - Interagindo a equipe com tomada de deci-
tes Sociais, Auxiliares de Enfermagem, Nutri- sões por profissionais de diversas áreas;
cionistas e, se necessário, outros profissionais - Identificando os fatores ambientais e fami-
como equipe de apoio atuando no hospital nos liares que podem agravar a patologia;
Ambulatórios de Pneumologia, Neurologia, Fo- - Fortalecendo os laços de confiança entre
noaudiologia, Terapia Ocupacional, Psicologia, equipe e família, estimulando uma melhor
Ortopedia, Cardiologia e Cirurgia, podendo re- participação;
tornar à internação hospitalar para a realização - Gratificando profissionalmente a equipe
de procedimentos complementares programa- com a satisfação de um melhor desempe-
dos como pulsoterapia, quimioterapia, laringos- nho e resultados satisfatórios.
copia e gastrostomia.
A atenção domiciliar nestes últimos anos A operacionalização do programa visa
tem evidenciado sua importância fundamental disciplinar o ingresso dos pacientes, seguindo
no âmbito do Saúde da Família, trazendo bene- critérios, etapas e planejamento da assistência
fícios incontestáveis para as famílias, pacientes, domiciliar:
hospitais e equipe multidisciplinares, como: • Critérios para inclusão:
• �enefícios para a família e paciente: - Estar hospitalizado;
- Humanizando o tratamento; - Apresentar quadro clínico estável;
- Abreviando o tempo de permanência hos- - Ser residente no mesmo município;
pitalar; - Ter aceitação por parte da família;
- Melhorando a qualidade de vida; - Dispor de um cuidador em casa;
- Reduzindo o risco de infecção hospitalar; - Necessitar de no máximo duas visitas se-
- Elevando a satisfação; manais;
- Diminuindo a morbidade; - Atender a critérios socioeconômicos básicos;
- Facilitando a readaptação do paciente ao - Apresentar certidão de nascimento.
seu meio familiar e social;
- Racionalizando custos; • Etapas para inclusão:
- Estabilizando emocionalmente e encurtan- - Solicitação de inclusão pelo médico do hos-
do o tempo de recuperação; pital, após avaliar se o perfil do paciente
- Evitando transtornos de novas hospitali- está de acordo com os critérios de inclusão;
zações; - Parecer da Coordenação Técnica (Assisten-
- Promovendo educação em saúde; te Social) do programa;
546
Capítulo 60 • Serviço de Atenção Domiciliar – SAD
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
548
Capítulo 60 • Serviço de Atenção Domiciliar – SAD
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
550
Capítulo 61
Saúde Bucal seguida das doenças da gengiva e a perda dentária
leni lúcia leal noBre precoce. Outra situação apresentada no levanta-
caroline Ferreira Martins lessa mento foi o difícil acesso da população aos ser-
viços odontológicos, o que gera uma enorme de-
manda reprimida por assistência odontológica5.
As doenças da boca podem acometer
qualquer faixa etária ou grupo populacional.
Os grupos prioritários para o desenvolvimento
de ações de promoção da saúde e prevenção das
Considerações Iniciais doenças bucais são as crianças de 0 a 14 anos e
as gestantes.
551
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
atenção ao adulto e ao idoso e comporá a rotina Atenção redobrada com os primeiros molares permanen-
de acompanhamento dos hipertensos, hansenia- tes que surgem no período dos cinco aos sete anos de ida-
de e são muitas vezes confundidos com dente de leite, o
nos, diabéticos e tuberculosos. que causa frequentemente sua perda precoce e prejuízos
Este capítulo destaca aspectos relevantes para a normalidade das arcadas dentárias.
na abordagem dos indivíduos, conforme os ci-
clos de vida e as alterações orais.
Observações e Orientações sobre saúde
bucal durante o atendimento dos
Conhecendo o Sistema Estomatológico diferentes grupos populacionais
O Sistema Estomatológico é composto de Nas consultas de rotina bem como nas vi-
alguns elementos que merecem atenção especial sitas domiciliares, orientações devem ser presta-
durante o exame físico. São eles: lábios, boche- das aos indivíduos e suas famílias sobre a impor-
chas, gengivas, palato, língua, freio lingual, as- tância da higiene dos dentes, gengivas e língua
soalho bucal, ossos mandibular e maxilar, ATM para a saúde em geral e dos cuidados necessários
– articulação temporo-mandibular, músculos e para prevenir as doenças da boca.
dentes. As funções principais desse Sistema são: Um simples exame da boca e dos elementos
mastigatória, digestiva, fonética e estética. que a compõe, utilizando-se somente o abaixador
Dentre as doenças e agravos que acometem de língua e a luz ambiente, pode e deve ser reali-
a boca destacam-se: as manchas brancas caracte- zado por qualquer membro da equipe de saúde.
rísticas da fase inicial da cárie, cárie com cavi- Este procedimento permite detectar as condições
tação, doenças gengivais, fluorose dental, trau- de saúde/doença bucal, auxiliar no diagnóstico e
mas dentários, fístulas, abscessos, mal-oclusão, na descoberta das causas de algumas patologias
granuloma gravídico, lesões dos tecidos moles, gerais, e traduz-se numa excelente oportunidade
fendas palatais ou labiais, cânceres, disfunção da de orientação sobre o auto-cuidado e para a rea-
ATM e as aftas. lização dos encaminhamentos, quando necessá-
rios, para a equipe de saúde bucal.
As Duas Dentições
Gestantes
A dentição decídua, composta por dez
dentes em cada arcada é popularmente conheci- Observe as condições de higiene da ges-
da como dentes de leite, pois aparece na fase em tante, com atenção para: presença de placas bac-
que a criança faz uso do leite materno. Inicia-se terianas ou tártaros (pedras causadas pela calci-
por volta dos seis meses de vida e termina aos ficação das placas) que se localizam próximo às
dois anos de idade, totalizando 20 dentes de gengivas e entre os dentes, inchaço, gengivas do-
tamanho menores e mais branquinhos quan- loridas, presença de granuloma gravídico, san-
do comparados aos permanentes. Já a dentição gramento no ato da escovação e desgarramento
permanente aparece por volta dos cinco anos de das gengivas aos dentes (gengiva frouxa), situa-
idade e aos 13 ou 14 está quase completa, faltan- ções que indicam estágios avançados da doença.
do os terceiros molares, siso ou dente do juízo, Observe ainda a presença de cáries ou
que irrompem aos 18 anos. dentes fraturados na boca. Pergunte se ela sente
dores de dentes ou algum outro incômodo.
552
Capítulo 61 • Saúde Bucal
Em nenhuma situação a higienização com escova, den- duo com cárie dentária e nas crianças com cinco
tifrício e fio dental deve ser suspensa, pelo contrário, a anos de idade este dado chega a 60% de indiví-
limpeza é importante nos casos de gengivas normais e
principalmente nas alterações gengivais que, embora
duos acometidos5. Dessa forma, há grande ne-
sangrem, devem ser higienizadas. cessidade de intensificar medidas de cuidados
em saúde bucal neste grupo populacional.
Oriente-a agendar consulta com o dentis- A puérpera deve estar ciente da importân-
ta da Unidade de Saúde onde ela faz o pré-natal, cia que a sua saúde bucal representa para a confi-
ou na Unidade mais próxima. guração da sua saúde bucal e de seu filho. A mãe
deve intensificar a higiene dos seus dentes, lín-
Lembre que isto é um direito dela e dever da equipe gua e gengivas, pois o contato direto e próximo
de saúde.
com o bebê viabiliza a transmissão das bactérias
associadas à cárie dentária.
Caso ela use dentadura, peça-a para retirá-
la e observe se o palato e a mucosa oral apresen-
É fato cientificamente comprovado que, ao nascer, a crian-
tam alterações de cor, consistência e volume. ça encontra-se livre da bactéria que causa a cárie, mas
Em todos os casos oriente sempre que a próte- pode ser rapidamente contaminada pela saliva da mãe ou
cuidadora que não mantém uma boa higiene oral.
se deve ser higienizada e removida para o sono
noturno, pois, o uso ininterrupto pode levar ao
Por conseguinte, torna-se imprescindível o
surgimento de calo na abóbada palatina. Outras
acompanhamento das condições de saúde bucal
alterações na coloração ou anatomia das estrutu-
da mãe e da criança, bem como o encaminhamen-
ras moles ou duras da boca devem também ser
to das situações em que se configure a necessidade
encaminhadas para o profissional dentista.
de tratamento dentário por profissional da área.
Ressalte a auto-estima da futura mãe e a
Segundo Pereira8 “Durante a primeira in-
importância da saúde bucal para a saúde dela em
fância, a realização desse amplo diagnóstico tor-
geral e para o desenvolvimento saudável do bebê.
na-se relativamente difícil, visto que é comum
a procura por um profissional da área somente
Não é verdade o dito popular: “Para cada gravidez um
dente perdido”. quando a doença já apresentou clinicamente
sinais e sintomas, deixando os pais surpresos
Lembre-se de orientá-la sobre a impor- quanto à possibilidade da ocorrência de cáries
tância da amamentação para o bebê no desen- em indivíduos tão jovens”. Portanto, o trabalho
volvimento das suas arcadas dentárias e na pre- da equipe de saúde, dentistas, médicos, enfermei-
venção da cárie e das doenças gengivais além da ros, agentes de saúde e demais membros, deve ser
nutrição e defesa que somente o aleitamento na- uma constante na rotina dos serviços de saúde.
tural pode oferecer. Mas, informe também que Sabe-se que, culturalmente, não há em
a mamentação exclusiva tem vantagem para a nossa população o hábito de higienizar a cavida-
mulher na redução de hemorragia interna e do de oral de crianças que ainda não apresentam ele-
planejamento reprodutivo. mentos dentários em sua boca. No entanto, esse
simples hábito pode representar um ganho con-
siderável na busca da saúde bucal destas crianças
Mães no Puerpério, Bebês e Crianças até 5 anos ainda que o único alimento seja o leite materno.
Após cada mamada, é necessário a higieni-
Segundo o levantamento epidemiológico zação da língua, palato e gengivas do bebê. Neste
SB Brasil5, quase 27% das crianças de 18 a 36 momento, deve ser utilizada uma gaze ou mesmo
meses apresentam pelo menos um dente decí- uma fralda limpa. Sugere-se a limpeza por fric-
553
Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
ção suave dessa gaze nas estruturas mencionadas Ao surgirmento dos dentes a higienização
de forma a remover os vestígios de leite retidos deve ser intensificada através do uso de pano lim-
na cavidade oral do bebê. Isso evita o acúmulo po envolvido na unha da mãe que raspa a superfí-
de placas bacterianas, estimula a gengiva onde cie dos dentes da criança de forma suave, após cada
futuramente irão romper os dentinhos, além de alimentação ou através de escova dental macia. A
dar prazer ao bebê, o que facilitará o desenvolvi- criança deve possuir uma escova dental individu-
mento da rotina de limpeza oral no futuro. al e de tamanho apropriado e acompanhando o
Um outro aliado no desenvolvimento ade- ato escovatório dos adultos começa a adquirir o
quado das estruturas orais é o aleitamento mater- controle motor e o hábito da escovação.
no, pois colabora na maturação de ossos e mús-
culos do sistema estomatognático. Caso a criança Atenção: Por conterem flúor, substância tóxica quando
ingerida intensamente ou continuamente, o dentifrício
não esteja em regime de aleitamento materno ex- (creme dental) não deve ser colocado na escova até a
clusivo ou por algum outro motivo necessite do criança adquirir o reflexo e a capacidade de cuspir du-
rante as escovações dentárias. Isto se dá normalmente
uso complementar de leite industrializado, orien- por volta dos três anos de idade.
te sempre que a utilização do açúcar pode trazer
graves prejuízos aos futuros dentes do bebê. Fique atento também a situações sugestivas
O aparecimento de cáries na primeira infân- de processos infecciosos como a presença de fístula,
cia indica maus hábitos como a não higienização “botãozinho” amarelo que aparece sobre os dentes
da boca e o consumo de bebidas altamente açuca- anteriores, muitas vezes indolor, e que representa
radas. Portanto, o uso do açúcar nesta fase deve um foco que precisa ser tratado pelo dentista.
ser evitado sempre que possível inclusive para
evitar que o paladar da criança não fique tão ávido
por alimentos açucarados, o que pode contribuir Crianças de 6 a 14 anos e Adolescentes
na prevenção da obesidade e sobrepeso, situações
cada vez mais comuns em nossa sociedade. O quadro epidemiológico deste grupo
As manifestações clínicas das lesões de cá- aponta a média de 2,8 dentes cariados, perdidos
rie nesta fase, as famosas “cáries de mamadeiras”, ou obturados aos 12 anos de idade, com tendên-
são principalmente provocadas pelas mamadeiras cia crescente para os adolescentes, que já apre-
durante a noite. Como o fluxo salivar é diminuí- sentam 6,2 dentes cariados, perdidos ou obtura-
do durante o sono, o efeito auto-limpante e remi- dos5. Este quadro reflete bem a tradicional ação
neralizante da saliva fica reduzido, aumentando preventiva através de procedimentos coletivos
assim, a probabilidade do surgimento de cáries destinados aos escolares de 6 a 14 anos de idade,
que podem destruir a coroa de todos os denti- das escolas públicas.
nhos, provocando dor, focos, prejuízo na estética Durante o exame clínico deve ser investi-
e perda de espaço para os dentes permanentes. gada a presença de manchas brancas opacas na
Observe se o bebê apresenta lesões esbran- superfície dos dentes, além da presença de cárie
quiçadas na mucosa oral, o “sapinho”, como é com cavidades e focos. É pertinente esclarecer
popularmente conhecido. A monilíase ou can- que estas manchas brancas são cáries no estágio
didíase que é provocada por um fungo – Candi- inicial e que podem ser revertidas caso o con-
da albicans, habitante da microflora da cavidade sumo de alimentos que contenham açúcar seja
oral que pode se tornar agressora da mucosa7. A diminuído e espaçado em intervalos maiores de
mãe deve ser orientada a proceder com maior tempo e a higienização dos dentes seja intensifi-
rigor de higiene além de levar a criança para a cada ou através de tratamento adequado median-
unidade de saúde. te o emprego do flúor. Se essas manchas forem
554
Capítulo 61 • Saúde Bucal
extensas, acometendo muitos dentes, se persisti- uma arcada. Desses, mais de 15% necessitam de
rem ou aumentarem de tamanho, a criança deve pelo menos uma dentadura8.
ser encaminhada ao dentista. Portanto, esclarecimentos quanto à im-
Observe a presença de fístula, muitas ve- portância de manter os dentes sadios para as
zes indolores, e que representa um foco que pre- funções a eles destinadas são imprescindíveis à
cisa ser tratado pelo dentista. A gengiva elevada saúde geral de todos os cidadãos.
na região dos dentes posteriores (molares), por Sabe-se que a cavidade oral é o local onde
vezes drenando secreção purulenta à palpação é se iniciam processos vitais como a digestão dos
sinal de abscesso, o paciente também deve ser alimentos e a correta absorção de nutrientes ne-
referenciado para unidade de saúde. cessários para o estabelecimento da saúde. Um
Nesta faixa etária é comum a queixa de que belo sorriso facilita relações sociais e é o princi-
a criança apresenta algumas alterações durante a pal canal de comunicação entre os indivíduos.
troca dos dentes. Colabore explicando a criança e
A perda de dentes acelera o envelhecimento, prejudi-
a mãe de que se trata de um processo natural e que cando a estética e dificultando a inserção das pessoas no
o apoio da família nesse momento é muito impor- mercado de trabalho.
tante desmistificando o medo do dentista. Oriente
sobre a necessidade da limpeza dos dentes, gengi- O mesmo levantamento epidemiológico
va e língua após as refeições e que o uso de alimen- informa que as doenças gengivais representam a
tos ou substâncias açucaradas deve ser evitado. segunda causa de perda dos elementos dentários
e que apenas 22% dos adultos no Brasil apresen-
Mais importante que a quantidade é a freqüência do con- tam gengivas sadias5.
sumo do açúcar nas suas várias formas.
Focos dentais, gengivites / periodontites
ou gengivose / periodontose são infecções que,
Os dentes de leite merecem grande aten-
se não tratadas a tempo, podem disseminar por
ção e cuidado, pois guardam o espaço do dente
outras estruturas nobres do corpo, o que em si-
permanente evitando a perda de espaço.
tuações mais graves culminam com alterações
Atenção redobrada com os primeiros mo-
na visão, otites, endocardite bacteriana, dentre
lares permanentes que surgem no período dos
outros transtornos.
cinco aos sete anos de idade. Oriente para que
Oriente-os sobre o auto-exame da boca na
esses dentes sejam incluídos na escovação e, não
prevenção do aparecimento dos Cânceres Orais.
confundidos com dente de leite.
Aos que se expõe com freqüência ao sol alerte
para a necessidade de proteção dos lábios.
Adultos Uso de bebidas alcóolicas e fumo aumentam a probabili-
dade de câncer de boca.
Conforme a tendência epidemiológica re-
ferida para os adolescentes, os indivíduos adul-
tos apresentam maior número de dentes acome- Idosos
tidos por doenças dentárias e gengivais. Assim,
temos a média de 20,1 dentes cariados, perdidos O envelhecimento do sistema estomatog-
ou obturados nesta faixa etária. A situação neste nático acompanha o processo percebido por todos
grupo é alarmante, visto que mais de 28% dos os outros órgãos e estruturas do organismo. Algu-
adultos não possuem nenhum dente funcional mas dessas alterações se tornam mais aparentes
(todos os dentes foram extraídos ou os que res- quando se associa limitações advindas de interfe-
tam têm sua extração indicada) em pelo menos rências clínicas como é o caso das perdas dentá-
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Livro do Médico de Família • Seção 2 – Saúde da Criança e do Adolescente
rias. Sabe-se que o processo de abrasão associado As alterações orais mais comuns no idoso
à exodontias (extração de dentes) leva a queilite relacionam-se a situações como o alto consumo
angular devido à perda da dimensão vertical2. de medicação contínua, estado físico e emocio-
Um evento comum é o ressecamento da nal, insegurança, estilo de vida, auto-estima bai-
mucosa oral, pois a atividade das glândulas saliva- xa e pelo maior risco a patologias bucais como
res reduz em muito caracterizando o surgimento periodontoses e câncer bucal nesta fase da vida.
de xerostomia. Há também perda da elasticidade Os idosos geralmente apresentam um
e fibrose que pode provocar o aparecimento de quadro clínico caracterizado por falta de dentes
lesões erosivas com mínima ação traumática. ou edentulismo, doença periodontal, halitose,
A princípio, deve-se partir da máxima que xerostomia, atrição e abrasão dos remanescentes
o edentulismo na terceira idade não é uma condi- dentários, lesões da mucosa bucal (candidíase,
ção natural do processo de envelhecimento, mas, hiperplasia, eritoplasia, leucoplasia) decorrentes
que o atual quadro de saúde bucal da maioria dos não só do envelhecimento, mas, das freqüentes
idosos seja resultado de uma realidade cultural e morbidades: hipertensão arterial, enfermidades
histórica vivenciada no Brasil e no mundo. cardíacas, diabetes mellitus, patologias mentais
Segundo dados de 2006 fornecidos pelo e motoras e as doenças sociais (abandono, maus
Ministério da Saúde6, três a cada quatro idosos tratos, exploração e outras).
não possuem nenhum dente funcional. Desses,
mais de 36% necessitam de pelo menos uma Na abordagem ao idoso, deve-se evitar o emprego de
dentadura e menos de 8% apresentam gengivas termos impessoais como acontece quando ao invés de
sadias. Estima-se que para este grupo há, em chamá-los pelo nome, usamos apelidos como “Tio” ou
“Vozinho”. É essencial demonstrar respeito e paciência,
média, 26 dentes extraídos por pessoa. usar tom de voz suave a fim de envolvê-lo na conversa
A principal razão para que os idosos não durante as consultas.
utilizem os serviços de odontologia consiste no
fato de que eles não se identificam como deman-
da para esses atendimentos. Portadores de Doenças Cardiovasculares,
Em nossa sociedade, há o consenso de que Hipertensão e Diabetes Mellitus
a perda dos dentes pode ser considerada como
uma “carta de alforria” aos sofrimentos e dores Alguns autores vêm desenvolvendo estu-
que envolvem o atendimento odontológico. dos no intuito de contribuir para a elucidação da
É de fundamental importância o grande associação entre doenças periodontais e doenças
compromisso humano, cidadão e assistencial que cardiovasculares. Segundo Page e Kornman e
a equipe de saúde deve ter para com este grupo po- Chiapinotto, citados por Pereira8, a periodonti-
pulacional, prioritário e meta expressa como uma te é um fator de risco importante nas doenças
das responsabilidades, no Pacto pela Vida 2006. coronarianas e respiratórias e no nascimento de
Portanto, a troca de saberes e o caminhar bebês prematuros de baixo peso.
solidário neste intuito tornam-se ferramentas No entanto, Lunardelli et al3 afirma que
indispensáveis. não há ainda estudos com base em evidência
Esses cidadãos devem ser observados cri- epidemiológica conclusiva quanto à relação cau-
teriosamente quanto à presença de cáries, focos, sal em estudo.
problemas gengivais, alterações no palato pro- Há ainda outro aspecto a ser considerado,
vocadas por dentadura, lesões brancas (leuco- pois, a relação inversa, ou seja, o fato de que al-
plasias) às vezes provocadas pelo uso de piteiras, gumas alterações sistêmicas, como o diabetes, al-
charutos ou cigarros entre outras alterações. teram o risco para o desenvolvimento de doença
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Capítulo 61 • Saúde Bucal
O cuidado em saúde bucal para este grupo Todos os profissionais de saúde devem estar atentos a lesões
não deve ser desconsiderado, colaborando inclu- na mucosa oral que não regridem em 14 dias bem como es-
timular o hábito do auto - exame das estruturas orais.
sive para o seu resgate social. Deve-se apenas ter
atenção sobre as condições desse paciente bem
Outro aspecto relevante a ser considerado
como a data de início do tratamento, pois após o
na abordagem do câncer de boca, é que a maioria
primeiro momento, ou seja, quando não há mais
dos pacientes acometidos por essa neoplasia é de
a liberação do bacilo causador da patologia, o
baixo nível econômico e social, os quais geral-
atendimento pode transcorrer sem problemas.
mente tem maiores dificuldades no acesso a in-
Deve ser estimulada a remoção de focos in-
formação e ao acompanhamento adequado por
fecciosos para um maior conforto desses pacien-
um profissional habilitado.
tes bem como a manutenção dos cuidados com a
Por fim, percebe-se a necessidade de in-
higiene oral. O ideal é sempre a aproximação da
tensificar as ações preventivas no controle dessa
equipe a fim de que a melhor atenção possível
patologia oral que tem grandes repercussões no
possa ser destinada a este grupo de indivíduos.
perfil epidemiológico da população.
Vale ainda ressaltar a importância do en-
volvimento do profissional dentista nos mo-
Conclui-se que a soma dos saberes e o trabalho em equi-
mentos de treinamentos na abordagem destes pe devem ser entendidos como uma estratégia para me-
pacientes no intuito de que assim a equipe possa lhorar a efetividade das ações, elevar o grau de confiança
dos membros da equipe e a satisfação dos usuários.
estar mais segura e participativa.
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Referências
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Este livro foi composto nas fontes Butter, corpo 26 e Aldine721 BT, corpo 11.
O miolo foi impresso em papel AP 75 g/m2 e a capa em cartão supremo 250 g/m2, na Gráfica LCR, em setembro de 2008.