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Jovelina Santos2
1
Este texto é uma versão modificada do segundo capítulo “Atuação circulista no meio rural: rumo à
sindicalização” da minha dissertação de mestrado intitulada Círculos Operários no Ceará: instruindo,
educando, orientando, moralizando (1915 – 1963), submetida ao Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, 2004 (com apoio da FUNCAP).
2
Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará. Professora do Departamento de
História da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
3
LEÃO XIII, Papa. Encíclica Rerum Novarum de sua Santidade o Papa Leão XIII. Imprensa Nacional,
1941. Edição comemorativa do cinqüentenário de sua publicação.
4
Sobre os círculos operários no Brasil Ver: ALMEIDA, Paulo Roberto. Círculos Operários Católicos:
práticas de assistência e de controle no Brasil. São Paulo, 1992. Dissertação. (Mestrado em História).
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; BARBIAN, Hilário. Círculo Operário e sindicalismo
em Ijuí-RS (1932-1946). Florianópolis, 1991. Dissertação (Mestrado em História). Universidade
Federal de Santa Catarina; BARRETO, Álvaro. O movimento operário rio-grandense e a intervenção
estatal: a FORGS e os círculos operários (1932-35). Porto Alegre, 1996. Dissertação. (Mestrado em
História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul;
BRANDÃO, Berenice. O movimento católico leigo no Brasil: as relações entre Igreja e Estado 1930-
37. Rio de Janeiro, 1975. Dissertação. (Mestrado em História). Universidade Federal Fluminense;
DIEHL, Astor Antônio. Círculos Operários no Rio Grande do Sul: um projeto social-político
(dos anos 30 a 1964) Porto Alegre: Edipucrs, 1990; RAUCH, Urbano. Formação de lideranças
entre os trabalhadores. Os Círculos Operários. In: SCHÜHLY, Günther; KÖNIG, Hans Joachim;
SCHNEIDER, José Odelso. Consciência social – a história de um processo através da doutrina
social da Igreja. São Leopoldo: Unisinos, 1995; SCHNEIDER, José Odelso. O operariado brasileiro
e os círculos operários. Síntese Política Econômica Social. São Paulo: Loyola, v. 7, n. 27, jul. set.
1965; SOUZA, Jessie Jane Vieira de. Círculos Operários: a Igreja Católica e o mundo do trabalho
no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002; TAMBARA, Elomar. Círculo Operário e Igreja: a
formação da classe trabalhadora. In: GHIGGI, Gumercindo; TAMBARA, Elomar; HYPOLITO,
Álvaro. Trabalho, conhecimento e formação do trabalhador. Pelotas: UFPEL/Mundial, 1993;
5
MIRANDA, Júlia. O Poder e a Fé: discurso e prática católicos. Fortaleza, Edições UFC, 1987.
6
SANTOS, Carlos Augusto Pereira dos. Cidade Vermelha: a militância comunista em Camocim – CE.
1927 – 1950. Rio de Janeiro, 2000. Dissertação. (Mestrado em História). Universidade Federal do
Rio de Janeiro. 160 p.
7
SILVA JÚNIOR, Agenor Soares e. A cidade disciplinada: a Igreja Católica e os trabalhadores urbanos
em Sobral – Ceará (1920-1925). Recife, 2002. Dissertação. (Mestrado em História). Universidade
Federal de Pernambuco.
8
A FORTALEZA, ano III, n. 139, 26 jul. 1953.
9
A FORTALEZA, ano I, n. 3, 16 set. 1950.
SÆCULUM - REVISTA DE HISTÓRIA [26]; João Pessoa, jan./jun. 2012. 171
No Ceará, durante a década de 1950 a Igreja Católica se organizou para promover
um grande embate na disputa pela organização e orientação dos trabalhadores rurais,
se amparando nos círculos operários como instrumento de intervenção. Os circulistas
cearenses se prepararam para intervenção nos programas de sindicalização rural, com
a organização da ELIRUR (Escola de Líderes Rurais) e promoveram um combate
sem tréguas às idéias e propostas comunistas. Logo nos primeiros anos da década
de 1950, encontro registros da intensa atividade anticomunista desenvolvida pelos
Círculos Operários em todo Estado, sob a coordenação da Federação dos Círculos
Operários no Ceará (FCOC).
É também em 1950 que surge o jornal circulista A Fortaleza, sendo através
deste que a Federação chega aos mais distantes Círculos Operários. É importante
acrescentar que esse jornal – principal órgão da imprensa circulista cearense –
travou um combate implacável ao comunismo, apresentando-o como principal
adversário dos trabalhadores cristãos. Nessa perspectiva sua face conservadora
é visível em todas as páginas do semanário. A ação doutrinária revela a natureza
e o propósito do projeto político-teológico formulado pela Igreja Católica, como
instrumento de controle e disciplina com o fim de organizar os trabalhadores nos
moldes traçados pelas encíclicas sociais. Seguindo as orientações do assistente
eclesiástico – membro do clero cuja presença era obrigatória na direção do círculo
operário – as organizações circulistas, assinavam o jornal e passavam a comungar
no nível político, das preocupações, diretrizes e programas agendados pela FCOC,
cujo alvo de combate eram os comunistas.
No III Congresso dos Círculos Operários do Ceará, ocorrido entre 18 e 21 de
dezembro de 1952, Três temas foram agendados para discussão no III Congresso:
os Círculos Operários e a Reforma Agrária; os Círculos Operários e os Sindicatos; os
Círculos Operários e a assistência social. Em relação ao tema da Reforma Agrária, foi
firmado em uma das resoluções do III Congresso que os círculos deveriam cooperar
com o governo na fase de preparação e execução da reforma agrária por meio de
inquéritos, cursos de informação, pleiteando junto aos legisladores, a exploração
das terras irrigáveis nas bacias dos açudes públicos. As resoluções do Congresso
demonstram uma especial preocupação com a questão agrária e as estratégias da
cúpula circulista para atuar no processo de sindicalização dos trabalhadores de
maneira organizada e planejada, pois o propósito de elaborar uma política sindical,
estabelecer a aproximação com as entidades sindicais existentes, instrumentalizar
as possíveis lideranças que atuariam na organização de sindicatos urbanos e rurais
já se configurava desde o início de 1952.
Os longos períodos de estiagem instigavam os trabalhadores a reivindicar outro
olhar para as regiões mais afetadas, propondo a adoção de políticas públicas voltadas
para o interesse dos trabalhadores do campo. O depoimento do presidente do Círculo
Operário de Porangabuçu, Manuel Cavalcante, indica a preocupação com a política
governamental em vigor e a crescente necessidade de alterar-lhe o rumo. Na matéria
intitulada “O nordeste não pede esmolas” o circulista indaga:
10
A FORTALEZA, ano III, n. 121, 19 mar. 1953.
A FORTALEZA, ano VIII, n. 381, 18 out. 1958.
11
12
A FORTALEZA, ano IV, n. 166, 07 fev. 1954.
13
A FORTALEZA, ano III, n. 119, 01 mar. 53.
14
A FORTALEZA, ano VIII, n. 384, 08 nov. 1954.
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apoiar as “medidas violentas” e pacificamente, aguardar as providências dos poderes
públicos15.
Noticiando e denunciando a situação dos trabalhadores em vários municípios,
os Círculos Operários, através de sua imprensa, intentavam criar uma rede de
solidariedade, fortalecer o movimento, ou pelo menos, mantê-lo em atividade,
haja vista que com a crise, conforme indiquei antes, os Círculos ficavam com um
reduzido número de sócios e muitos dos programas sociais inativos. Para sensibilizar
os governantes, circulistas dos municípios interioranos, os que mais duramente foram
penalizados pela seca, fazem longa narrativa da situação dos trabalhadores e suas
famílias. A fome, a indigência e a penúria permeavam a descrição do quadro social
que tomava a aparência de uma grande tragédia humana. Um circulista de Sobral
assim descreve a situação do povo nesse município, já em fins de 1958:
15
Nota Oficial da Federação: A crise econômica e os trabalhadores. Arquivo do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Limoeiro do Norte.
16
A FORTALEZA, ano VIII, n. 389, 13 dez. 1958.
17
Nota Oficial da CNTI, assinada por Antônio Alves Costa – Delegado da entidade no Ceará. A nota
foi divulgada n’A Fortaleza, ano VIII, n. 386, 22 nov. 1958.
18
A FORTALEZA, ano VIII, n. 388, 06 dez. 1958.
19
A FORTALEZA, ano III, n. 125, 21 abr. 1953.
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Em torno do operário agitam-se numerosos e graves
problemas. Alguns desses problemas interessam sobretudo
ao próprio operariado; outros são do interesse da
coletividade. Problemas domésticos e sociais. Problemas
que não passam além do bairro proletário, algumas vezes,
mas que tomam caráter internacional, outras vezes20.
20
CIRCULAR Nº 110 de D. Antônio de Almeida Lustosa, por ocasião do III Congresso dos Círculos
Operários no Ceará. Divulgada n’A Fortaleza, ano III, n. 109, 21 dez. 1952. Suplemento.
21
A FORTALEZA, ano II, n. 76, 05 abr. 1952. A Federação dos Círculos Operários recebeu telegramas
confirmando a realização do ato em comemoração a libertação dos escravos e repúdio ao
comunismo, dos seguintes Círculos do interior do Estado: São Benedito, Sobral, Tauá, Chaval,
Cariús, Acaraú, Barbalha, Ipueiras, Santanópole, Lavras da Mangabeira, Limoeiro do Norte,
Campos Sales, Acopiara, Juazeiro, Redenção, Pacajús, Icó, Licânia, Solonópole, Massapé,
Jaguaribe, Inhuçu, Coreaú, Jardim, Tianguá e Maranguape.
22
A FORTALEZA, ano II, n. 76, 05 abr. 1952.
23
A FORTALEZA, ano IV, n. 164, 24 jan. 1954.
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do Estado. Em algumas ocasiões, observei queixas, lamentos e reclamos sobre
a situação dos trabalhadores do campo. Os relatórios anuais enviados pelos
Círculos Operários à Federação revelavam redução do número de associados,
inadimplência, redução dos serviços assistenciais prestados aos sócios e fechamento
de núcleos circulistas. Mesmo em face da sombria realidade vivenciada pelas
unidades circulistas no Ceará nos períodos de grave crise econômica, não
há prenúncio de falência do movimento. Observando a ação circulista nestes
momentos, percebe‑se com nitidez o redobrado esforço dos circulistas para manter
as organizações em funcionamento, mesmo que de forma precária. Várias são
as atividades revitalizadoras do circulismo programadas para dar uma resposta
contundente aos desafios que enfrentam no plano externo e interno. Exemplo disso
foi a realização do Tríduo Circulista no Crato, entre os dias 11 e 13 de dezembro
de 1958, com a finalidade de “dar maior incremento a vida circulista e estudar
renovações a ser introduzidas nos seus quadros sociais.”24
O VII Congresso Nacional dos Círculos Operários, realizado em 1957 reflete
o redirecionamento do programa circulista cerense para o meio rural. A tese
“Desenvolvimento dos Círculos Operários Rurais”, apresentada pela Federação do
CC.OO do Ceará, neste Congresso ganhou adesão de outras federações e resultou
na aprovação de resoluções que requeriam mudança na regulamentação de unidades
circulistas rurais pela CNCO, uma vez que essa era uma nova modalidade de Círculos
Operários. Da tese sobre Círculos Operários rurais, o Congresso resolveu dentre
outras questões:
24
A FORTALEZA, ano VIII, n. 388, 06 dez. 1958.
25
Conclusões das Teses do VII Congresso Nacional dos Círculos Operários – CNCO. Arquivos:
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Limoeiro do Norte.
26
Conclusões das Teses do VII Congresso Nacional dos Círculos Operários...
27
MAINWARING, Scott. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). Trad. Heloísa Braz de
Oliveira Prieto. São Paulo: editora Brasiliense, 1989.
28
OCHOA, Maria Glória Wormald. As origens do movimento sindical de trabalhadores rurais no
Ceará 1954-1964. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará/ Stylus Comunicações, 1989.
29
Franco Montoro era um entusiasta da Ação Católica. Membro da Liga Universitária Católica (LUC)
e um dos fundadores da Juventude Universitária Católica (JUC). Ver: Brasília. Franco Montoro /
ensaio introdutório e seleção de textos por Jorge da Cunha Lima. Câmara dos Deputados, Edições
Câmara, 2009. 350 p. (Série perfis parlamentares; n. 54)
30
Apud OCHOA, As origens do movimento sindical...
31
A FORTALEZA, ano XI, n. 493, 03 jun. 1962.
32
A FORTALEZA, ano XI, n. 493, 03 jun. 1962.
33
A FORTALEZA, ano XI, n. 493, 03 jun. 1962.
34
Manifesto dos Trabalhadores – Federação dos Círculos Operários do Ceará. Em 31 de Maio de
1962. Arquivo – Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Limoeiro do Norte.
35
Manifesto dos Trabalhadores..., p. 09. O Manifesto inicia com um apelo aos Trabalhadores do
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VIII Congresso Nacional dos Círculos Operários – Programa de Reivindicações. Arquivo do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Limoeiro do Norte.
38
N’A Fortaleza, XII, n. 566, 29 dez. 1963, foi registrada a presença das lideranças: “Padres Arimatéia
Diniz e Joaquim Dourado, Assistentes da FCOC; Adauto Fernandes de Oliveira, Presidente da FCOC;
Hermenegildo Barroso de Melo, Presidente do Sindicato dos Comerciários; José Moreira Leitão,
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Curtimento de Couro e Peles; Francisco
Pereira de Freitas, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Extração de Sal de Fortaleza; Pedro
Guedes, Presidente do Sindicato dos Arrumadores de Carga de Fortaleza; Raimundo Alves de Lima,
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Óleos Vegetais; Paulo Martins da Silva
e Pedro Monteiro da Silva, Presidente e Tesoureiro, respectivamente , do Sindicato dos Mestres e
Contra-Mestres na Indústria de Tecelagem e Fiação de Fortaleza e os representantes dos CC.OO de
Fortaleza, Piedade, Nazaré, Antônio Bezerra, Floresta, Porangabuçu, Parangaba e Pirambu.
cd
39
ANDRADE, Manoel Correia de. A terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão
agrária no Nordeste. 8ed. São Paulo: Cortêz, 2011.
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